Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
78/19.3YRLSB.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
DIVÓRCIO LITIGIOSO
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RECURSO DE REVISTA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FOTOCÓPIA AUTENTICADA
CERTIDÃO
CONVENÇÃO DE HAIA
APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO
LEI APLICÁVEL
TRÂNSITO EM JULGADO
CITAÇÃO EDITAL
CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
LEI ESTRANGEIRA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
IGUALDADE DAS PARTES
LITISPENDÊNCIA
TRIBUNAL ESTRANGEIRO
PROPOSITURA DA AÇÃO
ABUSO DO DIREITO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
ATO INÚTIL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
LAPSO MANIFESTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Embora a revisão de sentença estrangeira corra, em primeira instância, perante o Tribunal da Relação, o recurso que cabe do acórdão (que decida de mérito) é de revista e não de apelação, como sucede com o processo a que se referem os arts. 967º e segs. do CPC, havendo que retirar daí as devidas consequências quanto aos poderes de alteração da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça, circunscritos aos que se prevêem para o julgamento de qualquer revista.

II. A autenticidade do documento de que conste a sentença a rever consente que se trate de uma cópia autenticada da sentença, é aferida pela lei do país onde a sentença foi proferida e exige que tal documento provenha da autoridade competente segundo a lei do Estado de origem.

III. A Apostilha é um certificado de que a assinatura e o selo/carimbo aposto num documento público estrangeiro foram emitidos pela entidade competente designada no âmbito da Convenção de Haia de 05-10-1961; não tem de ser aposta no próprio “acto” (documento), podendo sê-lo numa folha ligada a ele; autentica a origem do documento público subjacente, mas não se relaciona com o conteúdo desse documento público, presumindo-se que um documento de natureza pública tenha um conteúdo verdadeiro e correcto.

IV. O juízo de compatibilidade da decisão revidenda com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português deve ser aferido pelo resultado do reconhecimento, o que implica um “exame global”, importando que esse  resultado seja, em concreto (caso a caso), “manifestamente incompatível” com aqueles princípios, de modo que sejam postos em causa  ou fortemente contrariados “interesses da maior dignidade e transcendência”, “valores muito significativos”, representando “uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa”.

V. Dada a sua importância, a lei impõe que o Tribunal da Relação verifique oficiosamente se estão preenchidos os requisitos das als. a) e f) do art. 980º do CPC. Quanto aos restantes (als. b) a e)), presumindo-se a sua existência, deles está o requerente dispensado de fazer prova, impendendo sobre o requerido a prova de que não se verificam. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta deles, não pode ser recusada a confirmação.

VI. O facto de o réu ter sido citado editalmente (uma das formas de citação também previstas no ordenamento português), no âmbito de processo a correr na Suíça, na sequência da tentativa frustrada da sua citação pessoal em território português, não redunda na violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e da ordem pública internacional do Estado Português.

VII. Embora disponha o art. 580º, nº 3, do CPC, que «é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira», prosseguindo o processo em tribunal português  e improcedendo a excepção de litispendência, tal não impede que venha a ser confirmada sentença estrangeira cuja revisão seja pedida em Portugal,  quando o tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição, ou seja, quando, perante ele, tenha a acção sido intentada antes da que corre em tribunal português.

O momento em que se considera intentada a acção na qual foi proferida a decisão a rever deve ser determinado de acordo com a lei processual do Estado de origem.

VIII. Embora, no caso previsto no nº 2 do art. 982º do CPC (em que se consagra o privilégio da nacionalidade), se admita um controlo de mérito, o que implica examinar os factos e o direito aplicável, não pode o Tribunal da Relação proceder a um novo julgamento e não pode admitir novos meios de prova sobre a matéria de facto. O controlo de mérito cinge-se à matéria de Direito e o tribunal revisor não pode alterar a decisão, só podendo conceder ou negar a confirmação da sentença revidenda.

IX. Na obrigação de alimentos a menores decorrente do divórcio dos progenitores, devem ser consideradas as normas de conflitos resultantes das Convenções (mencionadas no acórdão) que elegem como elemento de conexão relevante a residência habitual do menor (no caso, estamos perante menores que residem na Suíça) e que são aplicáveis em vez das normas de conflito previstas no Código Civil português.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, com os sinais dos autos, requereu, contra BB, também com os sinais dos autos, a revisão e confirmação da sentença estrangeira proferida em 13-11-2017, pelo Tribunal do Cantão de Basel-Stadt, na Suíça, que decretou o divórcio entre ambos e regulou o exercício das responsabilidades parentais relativamente às suas filhas menores, CC e DD.

O Requerido deduziu oposição.

Começou por questionar a autenticidade e o trânsito em julgado da sentença revidenda.

Em seguida, invocou a litispendência, por referência a uma acção de divórcio instaurada em Portugal, no Tribunal de Família e Menores ..., com o nº ..., considerando que o Tribunal suíço não preveniu a jurisdição, ocorrendo, assim, em sua opinião, a situação prevista no art. 980º, al. d), do CPC.

Alegou, ainda, em síntese (e além do mais que aqui se dá por reproduzido), que:

O processo correu à sua revelia no Tribunal suíço, não tendo sido citado ou notificado e, por isso, não tendo tido a oportunidade de se defender, razão por que foi ofendido o princípio do contraditório.

Caso tivesse sido aplicada a lei portuguesa, teriam sido fixados períodos de visita para o progenitor não residente, a resolução dos litígios sobre os menores incumbiria aos tribunais e não a uma autoridade administrativa (“autoridade de protecção de menores”) e a pensão de alimentos teria atendido não só ao rendimento do Requerido (que não é aquele que foi considerado no processo), mas também a outros factores, como o das concretas necessidades das menores ou as possibilidades do outro progenitor. É, assim, invocável o privilégio da nacionalidade.

A Requerente agiu com abuso de direito, omitindo, no processo, a correcta indicação do domicílio do Requerido e, por outro lado, indicando um rendimento do Requerido que sabia não ser o que ele auferia.

A Convenção da Haia sobre o Reconhecimento dos Divórcios e das Separações de Pessoas, publicada no Diário da República I, n.º 275, de 27/11/1984, é inaplicável no que diz respeito a decisões relativas a menores e alimentos.

Tendo em atenção que, nos autos em que foi proferida a sentença revidenda, não foram realizadas as diligências adequadas para que o R. ali demandado fosse informado do pedido de divórcio nem lhe foram asseguradas condições mínimas de fazer valer os seus direitos, o reconhecimento pedido é incompatível com decisão judicial anterior do Tribunal de Família ..... quanto à competência, reserva de jurisdição e litispendência.

O reconhecimento é manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado Português, devendo ser recusado.

A Requerente respondeu, batendo-se pela improcedência do invocado na oposição.

Após a realização das diligências que a leitura dos autos patenteia, foi cumprido o disposto no art. 982º, nº 1, do CPC, tendo o Ministério Público emitido pronúncia no sentido de nada obstar à confirmação da sentença revidenda.

A Requerente e o Requerido alegaram, igualmente, mantendo as posições que haviam assumido nos autos.

Foi, depois, proferido acórdão, no qual se decidiu julgar procedente a pretensão da Requerente, revendo e confirmando a sentença estrangeira proferida, em 13-11-2017, pelo Tribunal Civil do Cantão de Basel-Stadt, Suíça, que decretou o divórcio entre AA (ali identificada como AA) e BB e que, simultaneamente, regulou as responsabilidades parentais relativas às duas filhas menores dos mesmos, CC e DD e que passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Requerente, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«A. Ao contrário do decidido no douto aresto recorrido, o documento de fls 74-80 (a sentença revidenda) não é um documento autêntico, nem cópia autenticada, nem se encontra apostilhado.

B. Logo que junto aos autos o ali Réu arguiu a fls, por requerimento de 9.9.2019, a correspondente nulidade, nos termos do disposto no artigo 195º e segs do CPC, sendo que se trata de irregularidade que influi directamente no exame da causa.

C. O douto aresto recorrido confundiu o reconhecimento de assinaturas, que nada mais é do que o acto de se comprovar a idoneidade de uma assinatura, servindo para atestar que uma assinatura em determinado documento é verdadeira, e foi feita por seu titular, com o procedimento de autenticação de documentos, que é um acto que tem por objecto atestar que uma cópia de um documento é fiel ao original, ou seja é o procedimento utilizado para se comprovar que uma cópia não sofreu nenhum tipo de alteração face ao original. O reconhecimento de assinaturas de fls 74 não tem o efeito jurídico de transformar uma fotocópia de um documento, que é o que consta a fls 78, 79 e 80 (a sentença revidenda) num documento autêntico.

D. O douto aresto recorrido falhou de ver foi que o que se encontra apostilhado a fls 74 a 80 não é a sentença revidenda (conferindo-lhe, assim, a requerida autenticidade) mas uma tradução.

E. Para beneficiar do regime previsto na Convenção de Haia, a fls 74 a 80 haveria de a veracidade da assinatura da Senhora EE, a qualidade em que a mesma actuou e a autenticidade do carimbo que constam do acto, estar devidamente autenticados pela apostilha aposta no verso da certidão, e expedida para a certidão. E não estão. Ao contrário do decidido no aresto recorrido.

F. Ao contrário do decidido no aresto recorrido na p. 16 e 17, como resulta do artigo 5º da Convenção de Haia, que assim foi violado, a Apostilha destina-se a conferir autenticidade ao documento sentença e, evidentemente, certifica a autenticidade da assinatura aposta no documento: se a certidão da sentença revidenda de fls. foi assinada por um funcionário judicial de nome EE como dela consta, evidentemente a apostilha “certifica a autenticidade da assinatura no documento” que é a assinatura da Senhora EE e não de outra pessoa qualquer. A Apostilha de fls 74 vº certificou a assinatura do Sr. FF.

G. Como resulta do artigo 5º da Convenção de Haia, que assim também foi violado, a Apostilha de uma sentença certifica a qualidade em que a pessoa que assina o documento agiu: se a certidão da sentença revidenda de fls. foi assinada por um funcionário judicial nela identificado como “Oficial de Justiça”, evidentemente a apostilha tinha que atestar “a qualidade em que essa pessoa que assinou o documento agiu”, que é a qualidade de “Oficial de Justiça” da Senhora EE e não de outra pessoa qualquer. Verificámos que a Apostilha de fls 74 vº certificou a qualidade de “Notário” do Sr. FF.

H. Como resulta do artigo 5º da Convenção de Haia, que assim também foi violado, a Apostilha de uma sentença como a dos autos certifica a identidade do selo ou carimbo apostos no documento: se a certidão da sentença revidenda de fls. tem um carimbo com os dizeres “Tribunal Cível de Basel-Stadt”, evidentemente a apostilha certifica esse carimbo como sendo o carimbo desse Tribunal, e não de um notário ou qualquer outra instituição. Verificámos que a Apostilha de fls 74 vº certificou o carimbo de um notário “Notariat Unterstrass – Zurich Kt.Zurich”

I. Não existe fundamento legal para o que o Tribunal a quo considerou de que o Recorrente haveria de ter invocado no Tribunal Português, mas de acordo com a lei suíça, as questões sobre a veracidade e genuinidade do teor da sentença e que, como o não invocou, estas questões são improcedentes.

J. As questões sobre genuinidade e autenticidade do documento exibido como sentença revidenda põem-se perante o Tribunal Português, de acordo com a lei portuguesa, e justamente ao abrigo do regime da al a) do artigo 980º, do CPC, que assim é violado pelo acima decidido.

K. Constitui um caso de negação de justiça que o Recorrente não possa discutir em Portugal, nestes autos, ao abrigo do regime do artigo 980º do CPC, a genuinidade do documento dado a revisão e confirmação, e ainda por cima sob o entendimento de que o haveria de ter feito segundo …… Direito Suíço !

L. A douta sentença recorrida falhou igualmente de verificar, constatando-o, que o acto de fls 74 é um mero reconhecimento de assinaturas e que não tem (obviamente) o efeito jurídico de transformar uma fotocópia de um documento, que é o que consta a fls 78, 79 e 80 (a sentença revidenda), num documento autêntico, conferindo-lhe autenticidade.

M. Uma fotocópia não é, nem pode ser, um documento autêntico ou autenticado, e o reconhecimento das assinaturas dos tradutores na tradução a que foi sujeito não tem – obviamente – a virtualidade de transformar uma fotocópia de um documento no seu original, ou em algo com o mesmo valor de original, pelo que é falso o declarado que o documento entregue nos autos a fls 74-80 “é uma cópia autenticada da sentença revidenda, devidamente apostilhada, e como tal é um documento susceptível de ser submetido ao procedimento de revisão em Portugal.” Não podia ser menos exacta esta apreciação de Direito sobre um meio de prova, em violação de lei imperativa.

N. Este Supremo Tribunal pode, nesta sede, alterar esta decisão. Primeiro, porque se trata da análise jurídica de um documento dos autos, cujo valor, como documento, pode ser apreciado em sede recurso e saber, e decidir, se o mesmo documento, que é afinal objecto de um processo de revisão e confirmação, tem as condições formais para ser aqui revisto e confirmado. Não tem.

O. Ainda que assim não fosse, e se a questão fosse considerada como de recurso de matéria de facto, quanto ao ponto 5 da matéria da fundamentação, ainda assim, como o STJ funciona no caso dos autos como tribunal de 2ª instância, é garantido pelo menos um duplo grau de jurisdição ao Réu sobre a matéria de facto, pelo que sobre a questão sempre este Supremo Tribunal se poderia pronunciar.

Como a Relação julgou a questão em 1ª instância, julgamos que o direito de acesso à justiça, na vertente do direito ao recurso, compreende sempre o direito ao recurso quer de facto quer de direito.

P. Por último, ainda que assim não fosse, o âmbito dos poderes do STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto que consta dos art.ºs 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC, permite-o, sendo que de acordo com o nº 3 do artigo 674º do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Q. A exigência de documento autêntico para provar a existência de uma sentença judicial com determinado conteúdo decorre de lei expressa, não bastando mera fotocópia, pois uma sentença judicial é um documento «ad substantiam», o que exclui a sua substituição por qualquer outro meio de prova, mesmo confissão, ou por documento que não seja de força probatória superior, como decorre do regime do artigo 464º, nº 1 do CC, que assim foi violado.

R. Se, entre nós, a junção aos autos de um documento processual, designadamente uma sentença judicial, se faz através da exibição de uma certidão, e com nota de trânsito em julgado, não há qualquer razão para que, tratando-se de uma sentença estrangeira, seja dispensada essa mesma exigência de forma, e o Tribunal Português deva ser mais ligeiro, ou mais brando, no que toca à mesma exigência se não-nacional. Razões evidentes de mera segurança jurídica impõem o contrário do decidido.

S. É certo que a fotocópia de fls 78.80 foi traduzida, a tradução legalizada, e depois apostilhada a tradução. Mas este procedimento não transforma uma fotocópia de um documento num documento autêntico ou com força de documento autêntico, nem a apostilha aposta na tradução e expedida para essa tradução, autenticou, legalizando, o documento traduzido. Parece-nos evidente.

T. Uma simples fotocópia, como é o documento de fls. dado à revisão não é, não tem a forma bastante, para ser considerado como um documento processualmente admissível para efeitos da sua revisão e confirmação em Portugal, para mais quando o Réu impugnou o documento de fls 74 a 80, e igualmente de fls. 419 e segs, alegando a sua “falta de autenticidade” e “falta de formalismo“, incluindo a falta de apostilha, e a A. nunca quis suprir essas faltas, quer através de prova da autenticidade (que não foi feita) quer através da junção aos autos de uma verdadeira e própria certidão da sentença e apostilhada.

U. Aliás, o regime do artigo 387º do CC é claro ao impor que as fotocópias simples de documentos, como é o caso da fotocópia de fls 78 a 80, que é fotocópia da sentença revidenda, só “têm a força probatória de certidão de teor se a conformidade delas com o original for atestada pela entidade competente (…)”, o que já vimos não ter sido o caso. E que assim foi violado.

V. O Réu nunca confessou ou aceitou que o documento revidendo fosse uma sentença ou aceite enquanto tal. No caso concreto, não se pode dizer que o R. reconheceu que o documento junto aos autos a fls 74- 80 ou 418 vº a 423 contém a sentença que foi proferida pelo Tribunal Suíço. Toda a sua oposição foi sendo apresentada de forma subsidiária para o caso de o Tribunal ter outro entendimento, o que sempre deixou expresso.

W. Deve ser anulada a douta decisão recorrida e concluído que o documento apresentado a fls., não reúne as condições formais para ser revisto e confirmado, revogando o constante do ponto 5 da fundamentação, e julgando a acção totalmente improcedente, com as legais consequências, dela absolvendo o R. Recorrente e negando a peticionada revisão e confirmação.

Acresce que,

X. O documento de fls. 74 vº não contém, como é exigido pelo regime da al. b) do artigo 980º do CPC, indicação sobre se transitou em julgado e, tendo, em que data tal ocorreu, sendo que do seu conteúdo resulta que não.

Y. Para prova do trânsito em julgado, a A. juntou aos autos doc de fls 419 vº a 428 vº do que seria novamente fotocópia da mesma sentença revidenda (de fls. 78-80), mas onde foi suprimida a assinatura da Oficial de Justiça “EE”, suprimido o carimbo do tribunal (!) e apostos dois carimbos que supostamente atestariam a exactidão da cópia e nota de trânsito em julgado, com assinatura ilegível e sem qualquer selo branco do tribunal ou carimbo.

Z. Este documento 419 vº a 428 vº não está apostilhado, encontrando-se, outrossim, apostilhado o documento que capeia a certidão, que é uma tradução, desta feita levada a efeito por um advogado, sendo que a apostilha foi exarada sobre o documento de tradução do advogado tradutor, e não sobre a certidão da sentença.

AA. Basta reler o carimbo AA. Basta reler o carimbo da apostilha (fls 420º) para se verificar que o mesmo carimbo atesta a autenticidade de outra realidade documental que não a fotocópia da sentença revidenda: atesta a assinatura de um Senhor “Dr. GG”, que não é a assinatura da Senhora funcionária judicial emitente desta segunda suposta certidão; actuando na qualidade de “Notário”, quando notários não emitem certidões judiciais.

BB. O que foi aqui apostilhado a fls 419 vº a 428 vº, e para o qual a Apostilha foi expedida por ter sido nele aposta, conforme consta de fls 420 em fotocópia, foi o acto notarial de reconhecimento da assinatura deste advogado HH, que não foi o emitente da certidão do tribunal. O emitente teria sido a indicada funcionária judicial.

CC. A fls 423º temos, ao invés, dois carimbos, melhor, duas fotocópias de carimbos, com duas assinaturas ilegíveis. Sem a menor indicação da pessoa ou pessoas que se tratam, pois no original do carimbo de fls 423 nenhum nome das pessoas assinantes aparece identificado: os dois carimbos têm duas assinaturas de duas pessoas que a fls. 423º não estão identificadas. É a tradução de fls 421º vº que indica que uma dessas assinaturas é de “LL”. A tradução, não o original, sendo o tradutor que diz que as assinaturas são a assinatura de “LL” …. como se um tradutor pudesse suprir a falta! Ou autenticar e atribuir assinaturas….

DD. Os documentos dados aos autos, seja o de fls 74-80, seja o de fls 419º vº a 423º não cumprem o regime da als. a) e b) do artigo 980º do CPC.

EE. Uma sentença judicial é um documento autêntico, na definição que dele faz o artigo 363º do CC. É exarado por uma autoridade pública (entre nós, por um Órgão de Soberania), com formalidades próprias (papel timbrado do tribunal, necessariamente assinado pelos Senhores Magistrados que a proferem, etc.) nos limites da sua competência.

FF. Só com violação do regime jurídico do nº 1 do artigo 364º do CC, que assim foi violado, se pode aceitar a substituição de um documento autêntico por um documento particular, que foi o que o Tribunal recorrido fez quando declarou como provado o ponto 5 da sua douta fundamentação a emissão a sentença revidenda e o trânsito em julgado. Como antes dissemos, a sentença é um documento ad substantiam, cuja prova exclui a sua substituição por outro qualquer meio de prova, nos termos do mesmo artigo 364º do CC.

GG. Ademais, quanto a sentenças estrangeiras, que também são documentos autênticos, porque provindos e emanados de um órgão de autoridade pública (o Tribunal suíço) e exactamente por isso, a apostilha é requisito de validade das mesmas em face do regime do artigo 365º do CC, que impõe que só com a forma de documento autêntico, pode ser admitido como meio de prova dos factos o mesmo porventura incorpora. A sentença recorrida violou, assim, igualmente o regime do artigo 365º do CC.

HH. Como resulta do regime do nº 3 do artº 674º o CPC o STJ pode conhecer todas estas questões a questão em sede de revista, pois se trata de erro na apreciação de prova e na fixação dos factos materiais, por violação expressa de lei que exige a forma autêntica, ou autenticada, e apostilhada, para que um documento que é uma sentença judicial, e para que possa ser admitido em juízo nestes autos, e para este efeito.

II. Violou, pois, o aresto recorrido o regime do artigo 980º, al. a) e b) do CPC.

JJ. Ainda que assim não fosse, o ponto 5 da fundamentação da sentença recorrida haverá de ser considerado não provado, com fundamento no que antecede, sendo que o STJ tem o poder de alterar a resposta à fundamentação da sentença recorrida, quer em sede de alteração da matéria de facto porque julga a questão em 2ª instância, quer porque, quinda que assim não fosse, verifica-se o caso excepcional do nº 3 do artigo 674º do CPC.

Por outro lado,

KK. O Tribunal a quo admitiu o documento de fls 425vº a 428ºvº, decidindo tratar-se de um articulado constante dos autos Suíços que proferiram a sentença revidenda, cuja admissibilidade fora requerida pelo A, e impugnada pelo Réu, falhando a análise da sua natureza jurídica, sentido e alcance, e em violação de lei processual.

LL. Como resulta do alegado pela própria requerente da sua admissão, o documento é um simples memorandum que não tem aparência ou conteúdo de peça processual e antes é, o que resulta da sua simples leitura, um mero depoimento escrito de um advogado, com o testemunho sobre o que se terá passado naqueles autos suíços, e sobre o que nele terá acontecido, o que é de todo inadmissível no nosso ordenamento jurídico, nestes termos, e a sua admissão violou o regime dos artigos 518º e 519º do CPC.

MM. Tal decisão constitui nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1 do CPC, que influiu no exame e na decisão da causa (em ambos), praticada na sentença, passível de ser reconhecida nesta sede de recurso. E se assim não fosse, sempre se trataria de violação de lei processual cometida na sentença, ao ser admitido um documento que o não poderia ter sido.

Também,

NN. Foi omitida formalidade essencial quanto à citação e que a própria autora deu causa e impulso activo a essa omissão, e foram actos da mesma que levaram a que o réu não tenha sido citado pelos termos e pela forma regularmente prevista na lei suíça, e em consequência, não foram observados quanto a si os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

OO. A lei processual suíça prevê no artigo 138º do ZPO, aplicável às citações, por força da al. a) do artigo 136º da mesma ZPO, que a citação é feita, primeiramente, por meio de notificação por correio registado para a morada do réu e de acordo com o artigo 133º da ZPO a citação é necessariamente feita com indicação “das consequências de uma não comparência” o que nada aconteceu. Se tivessem sido observada estas formalidade teria sido fácil à Autora juntar aos autos cópia da notificação que nesses termos teria sido feita para o réu, e para a sua morada. Foi omitida essa citação que nunca foi feita.

PP. Esta alegação do Réu constitui, no mínimo, princípio de prova quanto à alegação de um facto negativo, e conjugado com o facto de a fls. destes autos, no requerimento de 9.9.2019, o Réu pediu justamente que a Autora fosse notificada para vir juntar aos autos esse mesmo documento, que ela diz que existe, para prova de que não tinha sido feita, e a A. ter recusado juntá-lo, leva à conclusão probatória de que o Tribunal deveria ter dado como provado, e levado à fundamentação, que o Tribunal Suíço não realizou qualquer tentativa de citação para a morada do domicilio do A. em Portugal, matéria de fundamentação que este STJ deve aditar por via do recurso.

QQ. Igualmente, prevê aquela lei processual, no artigo 141º do mesmo ZPO, que em caso de o domicílio ser desconhecido e o mesmo “não possa ser determinado em consequência de pesquisas que possam razoavelmente ser exigíveis”, a citação pode ser feita editalmente.

RR. Pediu a fls. o Réu, no seu requerimento de 9.9.2019, que a Ré justamente juntasse aos autos os documentos onde ela tenha indicado ao Tribunal os possíveis locais de contacto do Réu para citação, incluindo o do domicílio e domicílio profissional do Réu. Face à natureza do facto negativo alegado pelo Réu, e à recusa da Ré em entregar documentos, competiria à autora o ónus da prova.

SS. A falta de citação nos termos e pela forma previstas naquela lei suíça, com a privação do réu ao exercício do contraditório nesse processo, deveu-se à Autora ter mal-informado o Tribunal suíço sobre onde deveria ser feita a citação, pedindo primeiro que fosse feita na pessoa do seu advogado português, em Portugal, e depois editalmente.

TT. Princípios mínimos de verdade, de boa fé, e de colaboração processual, classificam este comportamento processual da autora naquele tribunal como inadmissível. E condenável, pelo resultado, manifestamente querido pela Autora, de supressão do contraditório.

UU. Para que o Tribunal da Relação pudesse ter dado provado o ponto 10 da sua fundamentação, e que por essa via que não ocorreu qualquer irregularidade da citação, teria que ter conhecido a matéria de facto que está por detrás da afirmação conclusiva de “as autoridades centrais de Portugal informaram em 31.1.2017 (informação recebida no tribunal suíço em 6.2.2017) que não foi possível notificar a acção e divórcio ao cônjuge-marido em Portugal”. Esta conclusão haveria que assentar na prova pela A. de um facto (e não de uma conclusão) que seria a prova de como foi feita tal tentativa, e para onde, o que a A. recusou repertar nestes autos.

VV. Aliás, matéria que é do conhecimento oficioso, nem sequer se pode considerar que tal aconteceu e que constitua um facto provado, pois não existe em Portugal qualquer entidade denominada “Autoridades Centrais de Portugal”, designação que pode designar genericamente instituições.

WW. Deve ser considerado por provado, por falta de prova em sentido contrário, e ante a alegação do facto negativo pelo R., e decorrente do princípio de prova e da recusa da A. em juntar aos autos os documentos pedidos, que nenhuma tentativa de contacto ou de citação/notificação sequer foi mandada pelo Tribunal suíço para o domicílio do Réu ou seu domicílio profissional, ambos conhecidos da A.

XX. O que se pedia à Relação de Lisboa, ante o regime da al. f) do artigo 980º do CPC, não era de saber o que o Tribunal Suíço decidiu sobre a citação do Réu. O que se pedia - e seria essa a sua expectável ponderação -, é que fosse visto se assim aconteceu realmente, e se o Réu foi ali citado de acordo com a lei Suíça aplicável.

YY. A lei diz claramente que, quando a A. torna a prova do R. impossível ou difícil, existe inversão do ónus da prova. É o regime do artigo 344º do CC. A A. nunca disse se, quando, e como, indicou ao Tribunal Suíço as moradas do R. para a sua citação no seu domicilio.

ZZ. Deve em consequência ser aditada à fundamentação da sentença que resulta provado dos autos que, nos autos suíços, nenhuma tentativa de contacto do Ré para efeitos de citação ocorreu para qualquer das suas moradas pessoais ou profissionais em Portugal, em violação do regime do artigo 138º da ZPO.

AAA. Este STJ tem o poder de alterar a resposta à fundamentação da sentença recorrida, quer em sede de alteração da matéria de facto porque julga a questão em 2ª instância, quer porque, quinda que assim não fosse, verifica-se o caso excepcional do nº 3 do artigo 674º do CPC.

BBB. Nenhum Tribunal Português alguma vez ordenaria a citação de um cidadão suíço sem que antes lhe fosse indicada a sua morada de residência ou de trabalho e sem que antes, para essas moradas fosse feita uma tentativa de contacto. É o mínimo exigível. E é o mínimo exigível também na Suíça, como resulta daquela ZPO.

CCC. E com fundamento numa conclusão de que as “Autoridades Centrais de Portugal” reportam que não foi possível citar o Réu, sem indicarem sequer onde tais “Autoridades Centrais” o terão tentado, nem como, a douta sentença recorrida sancionou estes procedimentos.

DDD. Verifica-se, igualmente, que ocorreu violação do regime da al. d) do artigo 980º do CPC, quanto à questão da litispendência.

EEE. A fundamentação da douta sentença recorrida diz-nos no seu ponto 6 que, por força do documento de “fls 28v-36”, se considera que a acção judicial foi intentada na Suíça em 14.6.2016. O documento de fls 29 apenas tem a data de 14.6.2016. e dele não decorre a data da sua entrada em Juízo. Quem afirma que a acção entrou em Juízo a 14.6.2016 é a D. Advogada da Autora no seu depoimento escrito de fls. 425ºvº, cuja admissão aos autos atrás pedimos a V. Exa. que julgassem totalmente inadmissível, e onde a sentença recorrida claramente se fundamentou para atestar aquele facto.

FFF. Esta data de entrada em Juízo de 14.6.2016 é infirmada pela data de entrada em juízo que consta do documento fls. 27 vº dos autos.

GGG. Ainda que assim não fosse, o Recorrente discorda totalmente da conclusão de direito da douta sentença recorrida de que (p. 18) para efeitos de aferir a questão a litispendência, a data relevante é a da entrada das acções em juízo e não a da citação, porque tal resultará da lei suíça. O Recorrente não questiona o que diz a lei suíça sobre este tema e que questiona é, outrossim, a interpretação que a douta sentença recorrida faz da lei no que toca a curar de saber qual é a lei aplicável para que um Tribunal Português, num processo que corre em Portugal, entre dois cidadãos portugueses, reconheça se existe ou não uma questão e litispendência entre dois processos judiciais de divórcio, um correndo na Suíça e outro em Portugal.

HHH. A questão da litispendência põe-se em Portugal. Não na Suíça. Põe-se perante a invocação do regime processual da al. d) do artigo 980º do CPC, em que o Recorrente disse, perante a Relação de Lisboa, que não só existia como existe uma questão de litispendência, como que essa questão da litispendência foi apreciada na acção de divórcio do Tribunal de Família ..., que a conheceu, e que declarou que a acção do Tribunal Português era anterior à do Tribunal Suíço, pelo que não existia

qualquer questão de litispendência que obstaculizasse que a acção judicial em Portugal não devesse prosseguir termos em Portugal.

III. Nos termos da lei processual aplicável para efeitos de determinação da litispendência, e que é o CPC Português, a litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar, sendo que “considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente” (nº 2 e nº 1 do artigo 582º do CPC).

JJJ. A citação do Réu no processo judicial na Suíça, que foi por via edital, é posterior à citação da aqui A. no processo do Tribunal de Família …, pelo que está provada a ocorrência de litispendência quanto a causa afecta a tribunal português, como previsto na primeira parte da al. d) do artigo 980º do CPC.

KKK. A aqui Autora invocou, ali como ré, na acção de divórcio que corre no Tribunal de Família ... a existência de litispendência, dizendo que a acção no Tribunal suíço deveria ser considerada intentada em primeiro lugar, ocorrendo a excepção da litispendência, e devendo ela aí ser absolvida da instância, e o Tribunal de Família de ... não lhe deu razão! Através de despacho, aliás, transitado em julgado, declarou que não existia qualquer litispendência a favor da acção de divórcio que corria nos tribunais suíços por, justamente, a acção de divórcio Suíça havia sido interposta em segundo lugar.

LLL. Esta decisão do Tribunal de Família Português tem o inequívoco sentido de que o Tribunal Português preveniu a sua jurisdição. Se se declarou competente o Tribunal de Familia …..., significa que houve prevenção da jurisdição do tribunal português, declarada nesses autos, transitada em julgado, e muito antes de ter sido proferida a sentença na Suíça.

MMM. O Tribunal da Suíça não conheceu da ocorrência e da reserva de jurisdição portuguesa apenas porque a A. mulher não lho disse…. quando devia ter dito, pois estava até notificada expressamente para o fazer. E omitiu.

NNN. O Tribunal estrangeiro não preveniu a jurisdição, ao contrário do que consta da p.20 do douto aresto recorrido. O Tribunal Suíço (fls. 27vº) não diz que preveniu a jurisdição, e antes declarou-se competente mas sob condição do Tribunal Português não o fazer, tendo até determinado à A. Mulher que lhe desse conta da tomada de posição do Tribunal Português sobre a matéria.

OOO. Declarar-se competente, apenas e só para o caso do Tribunal português o não fazer, não é, evidentemente, prevenir a jurisdição. E corresponde, até, à aceitação de que a sua própria competência ficava, e estava dependente, da posição tomada pelo tribunal português sobre a questão da competência e da litispendência, onde a acção estava pendente. E o Tribunal português veio até a decidir a questão da litispendência, que a Ré Mulher lhe havia posto como matéria exceptiva na contestação da acção de divórcio, o que fez por aquele douto despacho de 12.5.2017, transitado em julgado.

PPP. A A. Mulher havia sido notificada pelo Tribunal Suíço naquele despacho desse tribunal de 10 de Novembro de 2016 para o informar “assim que o Tribunal português proferir a sua sentença“ [sobre a questão da litispendência, de que a sua competência estava dependente, leia-se], e nada disse e nada informou o tribunal suíço sobre o que o Tribunal português decidira em 12.5.2017 naquele douto despacho sobre a litispendência, nem tão pouco que tal despacho transitara em julgado !

QQQ. Com essa omissão, e através da mesma, conseguiu a ali A. fazer acreditar o Tribunal Suíço de que o Tribunal Português nenhuma questão de litispendência havia considerado e que o Tribunal Português nada havia decidido sobre questão da litispendência.

RRR. Está bom de ver que aquilo que o douto aresto recorrido decidiu quanto ao Tribunal Suíço ter prevenido a jurisdição não só não aconteceu, como a A. apenas logrou obter a sentença judicial revidenda porque omitiu ao Tribunal Suíço (quando estava expressamente notificada para o informar), que o Tribunal português, através do douto despacho de 12.5.2017, transitado em julgado, se havia julgado competente, e havia considerado que a acção judicial em Portugal deveria prevalecer, reservando assim para si a jurisdição sobre a matéria em discussão.

SSS. Esta actuação da A. determina a insusceptibilidade do reconhecimento da sentença revidenda uma vez que se encontram preenchidos os requisitos da al. d) do artigo 980º do CPC, tendo o aresto recorrido violado esse regime neste tocante.

TTT. E quando apenas logrou obter a sentença por ter feito acreditar, por omissão, esse Tribunal Suíço que o Tribunal português nada tinha decidido sobre a matéria de que ele havia feito depender a decisão sobre a sua própria competência, o que determina que a sentença revinda o não possa ser também por força da al. c) do artigo 980º do CPC.

UUU. O douto aresto recorrido faz, de resto, uma interpretação da lei (p. 21), passando ao lado, como se não existisse, as obrigações acima citadas de informação ao processo. Ao contrário do considerado no aresto recorrido, até meros deveres processuais de colaboração processual, e portanto, de boa fé processual – que imaginamos existirem no processo civil suíço - impunham à A. dar nota ao Tribunal suíço que o Tribunal Português havia decidido a questão a favor da jurisdição Portuguesa, e que tal despacho até transitara em julgado.

Por outro lado,

VVV. É exigível, por razões evidentes de ordem pública Portuguesa, que, quanto a cidadãos nacionais portugueses, se leve, ou razoavelmente se tente levar, ao conhecimento do mesmo uma comunicação dando-lhe informação sobre a existência de um processo judicial a correr contra si, que tem prazo para apresentar defesa, efeito cominatório, etc., e que tal ocorra pelo menos através de contacto para o domicilio pessoal ou profissional do citando. É o mínimo que se pode exigir num país civilizado, sendo que tal não aconteceu no que ao R, diz respeito, o que lhe retirou a possibilidade de se defender, ofendendo, assim, a sentença revidenda o princípio do contraditório e o da igualdade das partes, e princípio de ordem pública Portuguesa.

WWW. O resultado do procedimento de citação destes autos do Tribunal Suíço, tenha ou não obedecido a regras de direito interno Suíço, é incompatível com a ordem pública portuguesa. Sem notificar o Réu (ou pelo menos tentar), através de carta escrita em língua portuguesa ou inglesa, para a morada da sua residência, e na falta dela, para a morada profissional, sem nunca lhe ter sido presente, ou oferecido, um escrito traduzido em português ou inglês, que lhe desse a conhecer a existência de um processo e, em especial, os seus direitos de defesa, incluindo que estava a correr um prazo para apresentar a sua defesa, e lhe fosse entregue cópia de uma petição inicial para poder exercer o contraditório, e ademais o efeito cominatório de qualquer omissão e resposta, é algo que é inimaginável num Estado de Direito.

Na nossa jurisdição, exactamente por força de princípios jurídicos de ordem pública, este procedimento não seria possível ou sequer julgado adequado, ainda para mais quando a A. teve um papel considerável no mesmo.

XXX. Aliás, como sempre resultaria se o caso tivesse sido julgado perante tribunais portugueses, o R. Marido se fosse revel, teria sido representado por Procurador Adjunto do MP, garantindo, um contraditório mínimo. E, no caso, defendendo os direitos e interesses das menores, pois a sentença revidenda fixou um regime de regulação de responsabilidades parentais sobre as mesmas que é a todo os títulos condenável e ilegal.

YYY. Parece ao Recorrente que é valor essencial do Estado Português a garantia de um direito de defesa efectivo, e de contraditório, e que tal não foi garantido neste processo, ocorrendo assim a violação de valores fundamentais do nosso sistema jurídico, pelo que nos termos da al. e) do artigo 980º do CPC a sentença revidenda não pode ser confirmada.

ZZZ. Por outro lado, esta sentença revidenda regula matérias (para além do divórcio) como a da Regulação da Responsabilidades Parentais dos filhos do casal, sem o Pai ter sido ouvido nem achado, e regula tais matérias por forma que nada estipula, ou garante, às menores quanto a direitos mínimos de visita ao Pai, pois determina que nesse tocante tudo fica dependente (visitas, férias, etc…) de acordo materno. A leitura da sentença revidenda mostra que foi estabelecido um regime de RRP em que as menores só visitam o Pai se a Mãe der acordo. Só têm férias com o Pai, se e na medida em que a mãe der acordo….

AAAA. É princípio de ordem pública internacional do Estado Português que estes tipos de decisões não possam ser tomadas sem a intervenção no processo de um Senhor Procurador Adjunto do MP, para defesa dos interesses das menores, ainda mais necessário quando o Pai não esteve presente. Foi tudo decidido à revelia também dessa intervenção.

BBBB. Por outro lado, a efectiva garantia de convívio de Pais e filhos menores, e a irrenunciabilidade às responsabilidades parentais de menores constituem princípios estruturantes da ordem pública internacional do Estado Português, que no caso em apreço são violados pela decretação de um regime de RRP condicionado à vontade da Mãe, e que se traduz na fixação de regime totalmente dependente da vontade (e humores) de um progenitor, quanto aos direitos do outro perante os filhos. É, ademais, como regime de regulação das RRP, impraticável, sem atender aos direitos dos próprios menores. A intervenção processual do MP seria, neste tocante, também decisiva, para impedir a sua decretação nestes termos.

CCCC. Além disso, a sentença revidenda fixa pagamento de pensão de alimentos que constitui ofensa a princípios fundamentais da ordem pública portuguesa, como o princípio de ninguém poder ser espoliado da totalidade dos seus rendimentos, e o princípio de que a ordem jurídica tem que garantir a um ser humano um mínimo material de sobrevivência inerente à dignidade humana: a sentença revidenda condena o R. Marido a pagar mensalmente uma pensão de alimentos de € 3.200,00 às filhas, quando o salário mensal do mesmo é desse mesmo montante.

DDDD. O douto aresto recorrido decidiu que o Recorrente ganha €10.000,00 mensais, e que assim é porque tal consta da sentença revidenda e que não desconsiderar ou alterar essa matéria de facto, porque essa é a que ficou provada na sentença revidenda. Parece-nos com menor desacerto esta consideração.

EEEE. É perante o Tribunal Português a quem foi pedido que a sentença estrangeira fosse revista e confirmada que a questão do resultado da aplicação da sentença estrangeira deve ser averiguada. O que vale dizer que é o Tribunal Português que tem de conhecer, para decidir se o resultado da aplicação da sentença estrangeira, é bom ou mau, ou compatível ou incompatível com os princípios do Estado Português. Para fazer esse juízo, necessita de ponderar e conhecer o resultado.

FFFF. Ora, para conhecer tal resultado, tem que conhecer, perante o que lhe foi apresentado pela A. e pelo R, no processo de revisão de sentença estrangeira, que resultado é esse, e não, demitir-se dessa função jurisdicional e tomar por bom, por adquirido, e por assente, aquilo que o Tribunal suíço porventura decidiu. Se fosse assim, a al. f) não tinha sentido prático, pois o resultado teria que ser aferido sempre perante o que o Tribunal da jurisdição estrangeira houvera decidido.

GGGG. Mesmo que fosse como o ali decidido, haveria que considerar nesta sede, o que é matéria de conhecimento oficioso, que por força de lei imperativa, neste caso o CIRS, mesmo que o Recorrente auferisse € 10.000,00 mês, tal corresponderia a uma remuneração líquida apenas de € 5.000,00, em virtude das taxas de IRS previstas na lei fiscal portuguesa, de 48% + 2,5%, o que sempre tornava uma pensão de alimentos de €3.200 mensais incomportável.

HHHH. Mas a verdade é que o resultado da aplicação da sentença estrangeira no caso destes autos afere-se em função do que o A. carreou para os autos: um resultado económico devastador para si, pois ganhava efectivamente 3.200,00 /mês e a sentença condenou-o a pagar os mesmos 3.200,00/mês às filhas, como se ganhasse €10.000/mês líquidos!!!

IIII. O Tribunal a quo omitiu a sua obrigação de conhecer a questão e de decidir, perante a alegação dos rendimentos que o Réu lhe fez, perante as provas apresentadas, de se pronunciar sobre a questão, decidindo-a, ao invés do percurso intelectual que fez, que foi valer-se no que sobre a matéria consta da sentença suíça. Há, parece-nos, nulidade, que influi directamente na decisão a causa, onde o Tribunal a quo omitiu conhecer uma questão que tinha que ter conhecido, e erro na interpretação da lei, ao dizer que a lei portuguesa aplicável o impede de conhecer a questão dos seus rendimentos, chagando ao ponto de afirmar na p. 32 do douto aresto recorrido, que o rendimento mensal líquido do A. é de cerca de 10.000,00 (!). Não aponta onde foi buscar este (não-)facto, mas é evidentemente na sentença revindenda.

JJJJ. Ora, o resultado da aplicação da sentença estrangeira não se conhece perante o que consta da sentença estrangeira, mas perante o que foi invocado perante o Tribunal recorrido como fundamento de Oposição, ainda que se trate de matéria de facto, pois só assim é possível saber e conhecer que resultado anómalo é esse. Essa omissão constitui nulidade processual, e erro na aplicação da lei, sendo que o Tribunal não podia deixar de conhecer os fundamentos da oposição.

KKKK. Por outro lado, o que seja resultado da aplicação da sentença estrangeira para sabermos se tal resultado se reconduz ou não ao invocado regime da al. f) do artigo 980º do CPC, é algo que deve ser analisado e ponderado no momento em que a sentença estrangeira irá produzir efeitos, e não no momento em que ocorreu a instrução do processo de onde foi expendida. Ora, o que a matéria de facto da sentença estrangeira diz é que, na data da petição inicial e da sentença, o ali R. ganhava cerca de 10.000/mês; o que foi pedido ao Tribunal a quo que ponderasse é se, perante a aplicação desta sentença ao presente, em que o R. ganha efectivamente €3.200,00 – e desconsiderando que já então era isso que ganhava - se tal resultado não é manifestamente incompatível com a ordem pública internacional.

LLLL. Não é só, portanto, questionar sobre se faz algum sentido processual decidir a questão da aplicação da al f) do artigo 980º do CPC através da ficção de um rendimento que vem do facto do Tribunal a quo ter dado por bom o que consta da sentença revidenda nessa matéria e ter omitido conhecer tudo aquilo que sobre a matéria o R. apresentou e sob o fundamento de que nos processos de revisão de sentença estrangeira se não pode conhecer o mérito/demérito da decisão estrangeira.

MMMM. S.m.o. não lhe foi pedido que conhecesse se, perante os elementos de facto e provas, o Tribunal Suíço deveria ter decidido outra coisa; outrossim, foi-lhe pedido que conhecesse, para aqueles efeitos da al f) do artigo 980º do CPC, e perante as reais e existentes circunstâncias de facto da vida do Recorrente, que evidentemente têm que ser alegadas e aqui provadas, hoje (como ontem) o Recorrido vai directo à insolvência se tiver que pagar uma pensão de alimentos às filhas que é igual à totalidade do seu salário.

NNNN. Como resulta dos autos, o reconhecimento da sentença estrangeira, se concedido, leva à imediata insolvência do Réu.

OOOO. Não é fácil ao Recorrente ler a página 32 do douto aresto recorrido, quando considera que a Suíça é um dos países mais caros do Mundo, pelo que se justifica plenamente que um Pai pague 3.200/mês de pensão de alimentos a suas filhas; como se o Recorrente não ganhasse o que ganha realmente, e como se vivêssemos num mundo virtual, onde o valor real do salário do Recorrente não é a quele que realmente aufere mas o que o Juiz do Tribunal de Família da Suíça diz que é.

PPPP. As consequências da aplicação da sentença revidenda para o Recorrente são também enormes neste tocante: com o reconhecimento da sentença, consolida-se a mesma na ordem jurídica interna como meio judicial da Recorrida o espoliar mensalmente, para receber uma pensão de alimentos milionária face ao salário real do Recorrente, e privá-lo de todo o seu salário (!) e justamente porque naquele processo o contraditório não foi assegurado.

QQQQ. O resultado do procedimento e da negação do contraditório choca qualquer espírito jurídico atento, e não nos parece ser aceitável face a princípios de ordem pública.

RRRR. Mesmo em 2018, 2019 e 2020, em que o ordenado actualizado do Réu é de € 3.600,00 euros líquido, (a que acresceu um bónus anual extraordinário de € 13.000,00), a manutenção a sentença revidenda determina a impossibilidade de o mesmo viver se pagar as pensões, o empréstimo da casa, o seguro, o condomínio, já para não falar dos retroactivos da pensão, que foi decidida na sentença revidenda como retroactiva a 1 de junho de 2016.

SSSS. O Ré Marido veio junto do Tribunal mostrar os seus rendimentos actuais, que não estavam em causa na sentença revidenda por aí serem os do ano 2016 que foram considerados, justamente porque quer demonstrar que ainda com um recebimento de um bónus, os alimentos sentenciados, se aplicados, são um caso flagrante e gritante de negação de justiça. Sendo o resultado incompatível com princípios de ordem pública portuguesa.

TTTT. O decidido no aresto recorrido, e na interpretação que faz do regime do artigo 980º e) e f), à luz do regime do direito de acesso à justiça e aos tribunais, viola a lei constitucional, mormente o regime do artigo 20º da CRP. Por via do princípio do artigo 20º da CRP, um cidadão tem o direito substantivo de demonstrar perante um tribunal em Portugal quanto realmente ganha de ordenado mensal, para verificar o resultado do reconhecimento da sentença estrangeira, pois se a lei portuguesa lhe permite discutir se p reconhecimento da sentença estrangeira conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do estado português, inerentemente há-de conceder-lhe meios processuais para alegar e demonstrar esse resultado, resultado que se demonstra perante o que realmente ganhava, ou ganha hoje no momento do reconhecimento da sentença estrangeira é pedido. E tal só é possível se lhe for processualmente admitido de provar qual o seu real rendimento.

UUUU. Termos em que, de acordo com o regime da al. f) do artigo 980º do CPC, a sentença revidenda não poderia ser confirmada.

Ainda,

VVVV. O Tribunal Suíço, conforme consta do doc de fls. 30, decidiu aplicar o direito material suíço e não o Direito Material Português, com o fundamento de que “os cônjuges não possuem qualquer cidadania estrangeira comum”, o que é falso, e decorre do facto de a A. ter também mentido ao Tribunal suíço acerca da sua nacionalidade ao omitir na p.i. (de fls 15) a sua nacionalidade portuguesa, e justamente para fugir à aplicação da lei comum dos cônjuges, que é a portuguesa, e que seria a aplicável conforme resulta daquele despacho de fls. 30, a contrario.

WWWW. Falar verdade a um Tribunal teria sido dizer ao Tribunal suíço que também tinha a nacionalidade portuguesa, e que essa nacionalidade, porque comum com a do seu Marido, tinha por efeito o caso dever ser julgado pelo Tribunal Suíço à luz do direito substantivo português. Que assim a A. afastou com esta sua omissão mentirosa e desviante.

XXXX. Impressiona o Réu Recorrente a leitura que o Tribunal recorrido faz das normas legais vigentes em sede de processo de revisão e confirmação de sentença no que a aspectos materiais relevantes quanto ao privilégio da nacionalidade diz respeito, quando decide na sua página 12 que “não são permitidas indagações e/ou alterações sobre a matéria de facto, tendo o tribunal de revisão de aceitar os factos que a sentença estrangeira deu como provados, cabendo-lhe apenas conhecer do tratamento jurídico que a esses factos deveria ter sido dado”.

YYYY. Decisão que consubstancia uma interpretação ilegal do regime da al f) do artigo 980º e 983º nº 3 do CPC, à luz do que devem ser interpretados esses regimes em decorrência do regime do artigo 20º da CRP, e justamente quando e onde o Réu suscita a questão do resultado do reconhecimento da sentença estrangeira ao abrigo da al. f) do artigo 980º do CPC, e como onde e quando, justamente, é suscitada a questão do privilégio da nacionalidade à luz daquele nº 2 do artigo 983º do CPC, e onde se justifica, e é necessário, em função do direito de acesso à justiça, uma revisão da sentença estrangeira de mérito quanto aos aspectos jurídicos neles considerados fundamentadores da questão do privilégio da nacionalidade e de incompatibilidade com ordem pública nacional.

ZZZZ. Embora todos saibamos que existe uma nacionalidade comum, porque a A. tem também a nacionalidade portuguesa, e que o caso na jurisdição suíça haveria de ter sido julgado pela lei portuguesa em virtude dessa nacionalidade comum, pela doutrina defendida no douto aresto recorrido teremos que aceitar que a A. não tem a nacionalidade portuguesa. Porque um Tribunal estrangeiro falsamente assim o declarou. É uma interpretação totalmente formal da lei portuguesa, não consentida pela Constituição, que consubstancia uma evidente denegação de justiça, e que nem sequer nos aprece fazer sentido face aos termos em que a lei processual portuguesa coloca a questão.

AAAAA. Este Supremo Tribunal pode conhecer a questão através dos documentos autênticos juntos aos autos que confirmam a nacionalidade da mesma e há que fazer uma apreciação jurídica dos factos à luz do princípio e critério do privilégio da nacionalidade. Que a pressupõe.

BBBBB. O mesmo se aplica à questão de facto do Tribunal Suíço ter dado como provado que o R. ganha € 10.000 mês.

CCCCC. Este putativo ordenado do A., como a putativa não nacionalidade portuguesa da Ré, são não-factos, são realidades meramente virtuais, contraditadas por documentos apresentados nos autos, uns autênticos e outros particulares, sendo que em Direito Português, um facto provado por documento (no caso do ordenado do A., por documento particular; no caso da nacionalidade da ré, por documento autêntico) não pode ser contraditado por prova de valor inferior, pelo que nos termos do artigo 376º e 371º do CC, pode este tribunal alterar a matéria de facto correspondente uma vez que o sistema português de recursos não é de mera cassação, e aditar à sentença recorrida os seguintes pontos de matéria de facto:

· A A tem dupla nacionalidade portuguesa e francesa.

· O R. auferia em 2017 um rendimento mensal não superior a € 3.280,00/mês, e à data da Oposição, de cerca de € 3.600,00/mês.

DDDDD. O douto aresto recorrido decidiu também que a norma legal relativa ao privilégio da nacionalidade é inaplicável ao caso, por o direito material competente para dirimir a questão ser o direito suíço e não o português. Cremos que assim não é.

EEEEE. Mesmo perante o Tribunal Suíço assim não deveria ser, em virtude de a A. e o R. terem uma nacionalidade comum, que é a portuguesa.

FFFFF. Por outro lado, a lei substantiva portuguesa é, nos termos dos artigos 52º e 55º do Código Civil, a lei aplicável às relações entre os cônjuges e ao divórcio, sendo que ambos (A. e R) são portugueses de origem, como resulta dos seus assentos de nascimento (pontos 2 e 3 da douta fundamentação). A dupla nacionalidade portuguesa-francesa da Ré é irrelevante para o caso, atentos os termos do artigo 27º da Lei da Nacionalidade.

GGGGG. Assim, face à lei portuguesa aplicável, ainda que o divórcio pudesse ter sido dirimido num Tribunal Suíço, seria à luz da lei portuguesa aplicável que a questão haveria de aí ser dirimida. Idem no que às questões das menores diz respeito, por força do regime do artigo 57º do CC: “as relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos seus pais” e, só na falta desta, pela lei da residência. Como resulta provado (pontos 2 e 3 da douta fundamentação) as menores são portuguesas de origem. E se têm dupla nacionalidade portuguesa-francesa como a sua mãe, tal é irrelevante para o caso, atentos os termos do artigo 27º da Lei da Nacionalidade.

HHHHH. Neste decidido no aresto recorrido viola o direito do Recorrente de poder invocar o chamado privilégio da nacionalidade quando os pressupostos de aplicação do regime lhe consentem, em violação do regime do artigo 983º, nº 2 do CPC

IIIII. No enquadramento de Direito Suíço aplicável, e de acordo com tal regime, o Tribunal decidiu na sentença revidenda um regime de responsabilidades parentais das menores. Acaso tivesse julgado pela lei material portuguesa aplicável, necessária e inerentemente, o Tribunal havia estipulado um regime de visitas e de contactos das menores com o Pai, mormente em férias escolares de verão, em Natal e Páscoa, dias festivos, e visitas que pudessem ocorrer naquele país a que o Pai se deslocasse para esse efeito, considerando justamente que as menores vivem na Suíça com a Mãe, mas devem passar tempo com o Pai, definido em sentença judicial.

JJJJJ. Segundo o Direito material português, em especial os nº 5 e 7 do artigo 1906º do CC Português é imperativamente fixado pelo Tribunal, no interesse das menores, um regime de visita das menores ao progenitor não-residente ou não-guardião, incluindo em férias, em especial férias de verão, e visitas regulares, assim como o modo de estabelecimento de contactos entre progenitor não-residente e menores.

KKKKK. Mesmo num processo judicial que decorra à revelia do Pai, o direito material Português impõe esta solução atendendo à circunstância do poder parental constituir entre nós um direito de conteúdo altruísta, um poder-dever, ou um dever funcional, que é precisamente exercido pelo Pai no interesse dos menores, e não no seu próprio interesse, como seria se se tratasse de um vulgar direito subjectivo de conteúdo egoísta.

LLLLL. O que o douto aresto considerou dizendo que quando existe um progenitor revel é impraticável estabelecer-se um regime de vistas sem a sua colaboração (cfr. p. 31 da douto aresto recorrido) não só não nos parece de todo que assim seja, como se o fosse iria ao arredio do estabelecido na lei e da tradição jurídica assente entre nós, em que os regimes de RRP são mesmo fixados pelos nossos tribunais

talqualmente. Menos pormenorizados, é certo, mas ainda assim fixados, e sempre com intervenção do MP na defesa dos direitos das próprias menores, que no caso da lei suiça não existe, não se vislumbrando essa intervenção em lado algum do processo.

MMMMM. Aliás, os nº 5 e 7 do artigo 1906º do CC Português não ressalvam a sua aplicação no caso em que o progenitor não guardião é revel; nem tal faria qualquer sentido, ante a natureza jurídica do poder paternal e das responsabilidades parentais. Seja o progenitor não guardião revel, ou não.

NNNNN. Também a lei material portuguesa aplicável não consente que, como se estabelece na sentença revidenda, se fixe como que um direito de veto da Mãe aos contactos das menores com o Pai: “Os pais estabelecem directamente entre si e de comum acordo o direito de visitas e de férias (…) é solução legalmente não consentida entre nós, pois remeter para a necessidade de um acordo prévio com o progenitor-residente o direito de visita do progenitor não-residente constitui um caso de negação do direito de visita do progenitor não-residente.

OOOOO. Ambas as decisões constantes da sentença revidenda são estabelecidas em directo prejuízo do Pai e das menores, e se o Tribunal Suíço tivesse aplicado o direito material português, havia de ter fixado esses períodos de vista em sentença, e de forma alargada ao Pai, por as filhas estarem a viver a mais de 2000 km de distância de si.

PPPPP. O Tribunal recorrido diz que se não vislumbra falta de acordo, e que o tribunal suíço presumiu que não havia desacordo parental. Trata-se de conclusão que se não retira dos autos suíços, até porque se a Mãe sentiu necessidade de ir intentar uma acção contenciosa de RRP, por alguma coisa o veio a fazer.

QQQQQ. Com acordo ou desacordo, o que releva para a questão é mesmo o regime do nº 2 do artigo 983º do CPC: se sem sido o direito português o aplicável, seria sempre garantido ao Pai revel, um direito de visita que não necessariamente com o acordo da mãe, a quem foi assim garantido uma espécie de direito de veto.

RRRRR. Por outro lado, a disposição da sentença revidenda de que “Eventuais litígios sobre as relações pessoais ou as participações de cada um em termos e assistência à infância são decididas pela autoridade de protecção de menores” é regime jurídico que não poderia ser decidido se tivesse sido aplicado o direito material português, pois que, nesse contexto, em caso de desacordo, seria garantido ao Pai o acesso a um Tribunal. “A todo o direito corresponde uma acção para o fazer valer em juízo” é princípio previsto no artigo 2º do CPC e, até, com garantia constitucional entre nós.

SSSSS. De forma algo ligeira, reconheça-se, o aresto recorrido refere que também entre nós existe a intervenção de serviços públicos ou de mediação….. S.m.o., não é essa a questão, pois o que está em causa é a sujeição da decisão a um Tribunal, que é entre nós um órgão de soberania, e que tem garantias legais que não existem numa qualquer autoridade administrativa, justamente por não ser um Tribunal.

TTTTT. Afirma o aresto recorrido que o Recorrente não demonstrou que a intervenção das autoridades de protecção dos menores não determinam a possibilidade de recurso aos tribunais (ainda p. 31 do douto aresto recorrido) ou que a autoridade administrativa lhe confere menos direitos que o acesso ao Tribunal.

UUUUU. Quanto à primeira questão, é a sentença revidenda que o diz, sentenciando-o: as questões entre os Pais quanto às menores serão “decididas pela autoridade de protecção de menores”. A lei portuguesa aplicável diz que o são por um Tribunal. É a negação de direito de acesso à justiça e aos Tribunais, garantido pelo regime português quer do artigo 2º do CPC quer do artigo 1906º do CC, que assim é recusado.

VVVVV. Quanto à segunda questão, não tinha o Recorrente o ónus de provar coisa diversa da natureza administrativa vs judicial das duas soluções legais. É menos favorável ao Pai ver os seus litígios sobre as relações pessoais com as menores serem decididos por uma autoridade Suíça administrativa local, que não tem sequer garantias de imparcialidade, igualdade e independência inerentes às de um Tribunal, pois se é uma autoridade administrativa, pela sua natureza, obedece legalmente a instruções hierárquicas e é dependente da sua tutela! E, e como tal, é um caso de negação de direito de acesso à justiça e aos Tribunais directamente previsto na Constituição, que assim é negado ao R. Marido.

WWWWW. Basta provar que é diferente. E diferente é-o seguramente, e para pior, pois é diferente a lei garantir o direito de acção, que decorre do direito constitucional de acesso à justiça e aos tribunais, e coisa diversa – evidentemente – é o direito de acesso a uma comissão administrativa qualquer, por muito competente que a mesma até seja, mas que por ter natureza administrativa, é evidentemente dependente, e sujeita a tutela, e a orientações e instruções de tutela. O que é totalmente diferente da exclusiva obediência à lei.

XXXXX. Diga-se por último que nos parece ser desajustado o argumento expendido no douto aresto recorrido de que o R. Recorrente tinha o ónus processual de provar, não o tendo feito, que o órgão administrativo dá menos garantias ao Réu do que um Tribunal daria: o R. requereu ao Tribunal a quo a produção de prova sobre a matéria da sua oposição, essa incluída, e foi o Tribunal a quo que disse, e decidiu, que neste tipo de processos não existe qualquer actividade instrutória a realizar por se tratar de mera revisão formal.

YYYYY. Está à vista que assim não é, e de acordo com o próprio argumento do Tribunal, se nenhuma actividade probatória é admissível, o Recorrente não pode ser prejudicado por tudo aquilo que não lhe foi dada oportunidade de demonstrar e provar.

ZZZZZ. Por fim, a sentenciada obrigação de alimentos do valor de € 3.200,00 por mês, a pagar pelo R. Recorrente para as suas filhas, tendo tido em conta – diz a sentença revidenda – como critério/s da decisão as disponibilidades do devedor de alimentos e o que é previsto como valor mais actual no Bundesamt für Statistik.

AAAAAA. Se o Tribunal Suíço tivesse aplicado o Direito material Português, tinha que ter decidido o valor de alimentos considerando necessariamente, e também, e igualmente, i. as necessidades das menores (nº 1 do artigo 2004º do CC) ii. A possibilidade dos que os houver de prestar (nº 1 do artigo 2004º do CC) iii. às possibilidades do outro progenitor vinculado (artigo 2010º do CC) iv. e ao facto de existirem pesados impostos em Portugal, de 50,5% de taxa de IRS, para este tipo de rendimentos.

BBBBBB. Se o Tribunal Suíço tivesse aplicado o Direito material Português, tinha necessariamente que determinado previamente quais as concretas necessidades das menores, o que não fez, tal como resulta dos documentos dado a revisão, tendo sido omitido conhecer (ainda que por falta de contestação do R. Marido, haveria que tal matéria ter sido considerada constar como matéria ali assente) quanto despendem as duas menores em alimentação, saúde, ou escola, justamente para determinar se necessitam de 3.200,00 por mês de alimentos, ou de metade disso.

CCCCCC. O Tribunal Suíço omitiu essa avaliação o que ocorreu em detrimento dos direitos Pai, pois as menores nem sequer têm despesas escolares, porque são pagas a 100% pela entidade patronal da Mãe.

DDDDDD. O Tribunal Suíço, se tivesse aplicado o direito material português, também tinha por força de lei (nº 1 do artigo 2004º do CC) que ter atendido às despesas que o Réu sempre teria com a sua própria vida. A lei portuguesa, se aplicada, vincularia o Tribunal Suíço a fazer uma ponderação, que não foi feita, daquilo que são, pelo menos, as despesas pessoais de um homem médio e o conhecido crédito hipotecário da casa de morada da família do casal em Portugal (até ao seu abandono pela A., quando foi para a Suíça). Mesmo num processo julgado à revelia, se aplicada a lei portuguesa, haveria que fazer a ponderação – que não foi feita neste processo Suíço – sobre o quantum de um custo de vida mínimo do R. Em desfavor, portanto. Da sua posição jurídica de pagador dos alimentos.

EEEEEE. Por outro, o Tribunal Suíço, se tivesse aplicado o direito material português, tinha atendido às disponibilidades financeiras da própria A. para, como Mãe, também ela contribuir para as despesas das filhas, por directa cominação do regime do artigo 2010º do CC. Como resulta da sentença revidenda e de todos os documentos do processo, por aplicação da lei Suíça, o Tribunal suíço fixou os alimentos sem considerar qual seria o contributo possível da Mãe para as despesas das menores e quais são as suas disponibilidades financeiras para tal. O Tribunal Suíço nem curou de saber quanto a Mãe ganhava de ordenado, e se, face ao mesmo, podia também ela contribuir para as despesas das menores,

FFFFFF. Sendo que também aqui negou ao R. a possibilidade de conhecer em sede de instrução o concreto ordenado da Mãe, que, lembre-se, ganhava o mesmo que o Pai em Portugal, e foi promovida para um cargo na casa-mãe, ganhando muitas vezes mais.

GGGGGG. Se tem sido aplicado o direito material português, o salário da Mãe tinha sido sempre e necessariamente considerado nesta equação e ponderação jurídica, em decorrência do regime do artigo 2010º do CC, e não tinha sido possível legalmente fixar uma obrigação de alimentos sem determinar primeiro (ainda que, por revelia operante, por falta de contestação de matéria de facto alegada) as disponibilidades maternas. A sentença revidenda fez tábua rasa da existência de um co-obrigado e co-pagador de alimentos das filhas, que é a Mãe, o que os nossos Tribunais nunca olvidam de fazer por força de lei.

HHHHHH. E se tem sido aplicado o direito português, o Tribunal Suiço não se esquecia da existência dos artigos 68º e 68ºA do CIRS e de que qualquer ponderação do que fossem os rendimentos do Pai para aferir a sua capacidade contributiva, ponderaria rendimentos líquidos.

IIIIII. Está manifesto que a aplicação da lei portuguesa teria tido também neste tocante um resultado mais favorável para o Recorrente, o que jus-fundamenta a anulação do aresto recorrido.

JJJJJJ. Também se diga que de acordo com a lei material portuguesa aplicável, os alimentos não são retroactivos e o Tribunal não pode fixar alimentos de forma retroactiva, existindo entre nós realidade diferente para tal, com diferentes critérios legais de ponderação, e que são os alimentos provisórios.

Como acontece com o regime Suíço, que de acordo com a sentença revidenda assim é, em prejuízo do R.

KKKKKK. O direito material Português aplicável não prevê, nem consente, que a decisão em matéria de quantum de alimentos determine inerentemente a insolvência do alimentando, porque justamente haverá de considerar a sua situação e disponibilidades financeiras. Que é o que está também em causa se a sentença revidenda vier a ser reconhecida a final. É um princípio de ordem pública.

LLLLLL. Um Tribunal Português, ante a alegação de facto e de direito de que, se reconhecer a sentença revidenda na parte em que a mesma condena o Réu a pagar alimentos milionários, tal determina a sua insolvência deve, parece-nos, considerar que, em algumas situações de invocação do privilégio da nacionalidade faz todo o sentido poder fazer uma revisão de mérito a alguns dos aspectos em que, de acordo com o alegado, há um tratamento de desfavor do nacional português, porque julgado de acordo com a lei suíça, e justamente para saber se, se fosse julgado pela lei portuguesa, se o resultado ser-lhe-ia mais favorável.

MMMMMM. Não procedendo assim, tal significa recusar conhecer a matéria tal como lhe foi apresentada, e pedida, face ao regime do nº 2 do artigo 983º do CPC, que assim é violado: a aplicação da lei suíça determina a sua insolvência, o que não aconteceria se fosse aplicável a lei portuguesa.

Por outro lado,

NNNNNN. A A. mentiu quanto à sua nacionalidade, para afastar a aplicação da lei portuguesa como lei comum da nacionalidade do casal, e que é mais favorável ao Réu; inventou um putativo representante legal para efeitos de citação da acção suiça; depois esqueceu-se de indicar ao Tribunal Suíço a morada pessoal e profissional do seu marido, preferindo pedir uma citação em jornal local na língua alemã; apesar de previamente notificada para tal, esqueceu-se de notificar o Tribunal Suíço da decisão do tribunal Português sobre a questão a litispendência, apesar do Tribunal Suíço lho ter ordenado que fizesse se tal decisão viesse a ser proferida, como foi, pelo Tribunal de Família …..., e que, se o tivesse feito, a tinha impedido de obter a sentença revidenda; indicou falsamente ao tribunal suíço que o seu marido tem “rendimento liquido anual de 120.000 /ano”, quando sabe que assim não é, e esquecendo-se de indicar ademais que há IRS em Portugal de taxa de pelo menos 50,5%. Com o devastador efeito do Tribunal a quo dizer e reafirmar que não pode considerar o valor real do salário.

OOOOOO. É também isto que está em causa nestes autos. Não anular o aresto recorrido é ratificar estes tipos de procedimentos, aceitá-los e confirmá-los. Como se tudo isto fosse normal e aceitável.

PPPPPP. Assim, por manifesto abuso de direito, e nos termos do artigo 334º do CC, não deveria obter a confirmação dessa sentença e o aresto recorrido deve ser anulado por este Supremo Tribunal. Quando a A. vem pedir ao Tribunal Português que reconheça a sentença estrangeira, está a mesma no exercício de um direito, mas esse exercício é, no caso, ilegítimo, pois pretende dar força de sentença reconhecida em Portugal aos segmentos impugnados de decisões que são manifestamente abusivos, de má fé, e torpes, como a parte da sentença relativa aos alimentos e que fixa a RRP das menores.

QQQQQQ. Ao contrário do decidido no aresto recorrido (na sua página 33), o abuso de direito constitui fundamento legal para a negação do exercício de um direito, que no caso se justifica, até porque não foi a lei portuguesa a lei aplicável no Tribunal suíço porque a A. escondeu daquele tribunal que também tinha a nacionalidade portuguesa, bem sabendo que se o fizesse o Tribunal suíço haveria de ali considerar que existia uma lei comum dos cônjuges e que era pela lei comum deles que as questões ali decididas deveriam sê-lo.

RRRRRR. Ademais, o reconhecimento da sentença revidenda é incompatível com decisão judicial anterior do Tribunal de Família ... quanto à sua competência, sob reserva de jurisdição e litispendência, e que tal decisão do Tribunal de Família de ... até transitou em julgado antes da data em que a sentença revidenda terá transitado (de acordo com a alegação da A). Pelo que o reconhecimento da sentença operado pelo aresto recorrido é incompatível com a ordem pública do Estado Português, pelo que o Tribunal a quo não só poderia, como deveria recusar o reconhecimento como prevê o artigo 9º e 10º da Convenção da Haia sobre o Reconhecimento dos Divórcios e das Separações de Pessoas, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 23/84, de 27/11, e publicada no Diário da República I, n.º 275, de 27/11/1984, que assim foram violados.

SSSSSS. Deve, pois, ao abrigo dos artigos 8º e 9º desta mesma Convenção ser anulado o aresto recorrido e em sua substituição ser proferido outro que julgue improcedente a pretensão da A, e recuse rever e confirmar a sentença revidenda.

Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente com as legais consequências.»

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do acórdão da Relação.

Com as suas alegações, juntou um documento (cópia da acta de tentativa de conciliação atinente ao Proc. ..., intentado pelo aqui Requerido contra a Requerente na Comarca ……, Instância Central, …. Secção de Família e Menores ……, J…).

Notificado das contra-alegações, o Recorrente veio opor-se à junção do documento, dizendo que a Recorrida não alega qualquer fundamento justificativo para essa junção.

Acrescentou que, ainda que assim não fosse e o documento fosse de admitir, haveria o mesmo de ser completado com a afirmação de um facto negativo cometido pela própria Recorrida: que, tendo alegado, perante o Tribunal de ..., a existência e pendência de um processo judicial num tribunal estrangeiro, juntando, para prova disso, dois documentos particulares, que eram dois e-mails, de correspondência particular, e estrangeiros, escritos em alemão, foi por essa razão convidada pelo Tribunal a, em 30 dias, juntar certidão comprovativa da pendência desses autos estrangeiros, o que não fez, passados que foram 30, 60 e 90 dias desta omissão, decorrendo o efeito jurídico de que o Recorrente, por via daquele acto, nenhum conhecimento tinha (para além das afirmações genéricas da Exmª Mandatária da Recorrente) de que tal processo existia e em que termos e, muito menos, qualquer promoção para sua citação.

A Recorrida veio, em seguida, pronunciar-se sobre a tomada de posição do Recorrente, acusando-o de mentir, pois os documentos apresentavam-se escritos em inglês e não em alemão e juntou as certidões num prazo inferior aos 30 dias que lhe tinham sido concedidos, com a devida tradução e apostilha, certificando a pendência da acção de divórcio no Tribunal Civil de Basel-Stadt. Ou seja, juntou todas as certidões que lhe foram exigidas pelo Tribunal de ... ao processo que ali está pendente, tendo o Recorrente tomado conhecimento de que contra si corria termos o processo de divórcio perante o Tribunal suíço.

Requereu a Recorrida que o Recorrente fosse condenado, por litigar de má fé, em multa não inferior a €800,00, a favor dos Cofres do Estado.

O Recorrente respondeu, nos seguintes termos:

«1. O Mandatário subscritor, como qualquer mortal, cometeu um lapso. Não se trata de mentir (como grosseiramente a Recorrida A. refere), mas de se ter enganado quanto aquilo que na 2ª parte do seu requerimento refª …. quereria dizer, e não disse, tendo dito aquilo que não queria, e que na realidade se não verifica.

2. Do que pede desculpa, como lhe compete.

3. A profusão de documentos dos autos, a ocorrência de a mistura de fotocópias com originais, a apresentação de fotocópias como se de originais se tratassem, e um volume significativo de documentos, em três processos (o processo de divórcio português, o suíço, e o processo de revisão de sentença estrangeira), tudo concorre para que tenha ocorrido este lapso o que, não constituindo desculpa para a sua ocorrência, não deixa de, na prática, concorrer para a sua produção.

4. Sendo que o R. é evidentemente alheio a qualquer falta deste tipo, que apenas ao Mandatário subscritor poderia ser imputada.

Apresentada a mão,

5. reitera quanto havia requerido quanto à inadmissibilidade do documento junto pela Recorrida com as suas doutas contra-alegações de recurso, por violação do regime do artigo 651º do CPC.»


*

Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, vista que seja a questão prévia relativa à junção do documento com as contra-alegações, bem como, com ela conexionada, a da eventual litigância de má fé, assumem-se como questões centrais, in casu, as de saber se, diversamente do decidido pelo Tribunal da Relação ……..,  não estão reunidos os requisitos para se concluir pela autenticidade da sentença revidenda; não está devidamente certificado o trânsito em julgado da decisão; o Requerido/Recorrente não foi regularmente citado; ocorre uma situação de litispendência, tendo o Tribunal de Família e Menores ….... prevenido a jurisdição; foram ofendidos os princípios da ordem pública internacional do Estado Português; deve proceder a invocação do privilégio da nacionalidade, relativamente ao regime de visitas estabelecido, bem como aos alimentos fixados, e considerar-se  verificado o abuso de direito por parte da Requerente/Recorrida.


II

No Acórdão recorrido, deram-se por provados os seguintes factos:

«1. AA e BB contraíram entre si casamento no dia ...-05-2002 (Assento de Casamento n.º …, de 2012, da Conservatória do Registo Civil ...... - doc. 1 da p.i., certificação junta em 17-01-2019, a fls. 71-73).

2. CC, nascida em ...-02-2004 (Assento de Nascimento n.º … de 2008, da Conservatória do Registo Civil …… - doc. 20 da p.i., certificação junta em 17-01-2019, a fls. 104-104v) e DD, nascida em 27-03-2008 (Assento de Nascimento n.º … de 2008, da Conservatória do Registo Civil ….... - doc. 21 da p.i., certificação junta em 17-01-2019, a fls. 105-105v) são filhas da Requerente e do Requerido.

3. A Requerente tem autorização de residência na Suíça desde 01-04-2013 e às menores foi igualmente concedida autorização de residência naquele país em 23-03-2015 (doc. 19 da p.i., junto aos autos em 17-01-2019, a fls. 98-103).

4. As filhas da Requerente vivem com a mãe na Suíça desde abril de 2015 (acordo das partes).

5. Por sentença proferida, em 13-11-2017, na ação que correu termos no processo n.º ...., no Tribunal do Cantão de Basel-Stadt, na Suíça, transitada em julgado em 06-12-2017, foi decretado o divórcio e dissolvido o casamento da Requerente com o Requerido e reguladas as responsabilidades parentais em relação às filhas menores do casal acima identificadas (doc. 2 da p.i., junto aos autos em 17-01-2019, a fls. 74-80, certificada e traduzida, constando de fls. 74v um documento intitulado «APOSTILLE (Convention de la Haya du 5 octobre 1961)» e doc. fls. 419v-423).

6. Esta ação foi intentada, em 14-06-2016, pela ora Requerente AA contra BB, «residente e domiciliado na Rua .... n.º ..., ... ..., Portugal, representado pelo Dr. II, com escritório na Av. ..., …, …, …, …, Portugal» (doc. 9 da p.i., a fls. 28v-36).

7. Nesse processo foi proferida decisão com data de 10-11-2016 com o seguinte teor (doc. 9 da p.i., traduzido e certificado a fls. 369-371):

«1. O processo intentado pela cônjuge-mulher a 7 de Novembro de 2016 é enviado ao cônjuge-marido para tomada de conhecimento.

2. Com a seguinte declaração:

No litígio matrimonial que opõe AA (nascida a 16 de Maio de 1975) a BB (nascido a 8 de Fevereiro de 1973) foi apresentado um pedido de divórcio pela cônjuge-mulher, com data de 14 de Junho de 2016, perante o Tribunal Civil de Basileia-Cidade.

O Tribunal Civil de Basileia-Cidade declara-se – sob reserva de uma litispendência anteriormente apresentada em Portugal – competente para decidir sobre o divórcio e efeitos do divórcio.

3. A cônjuge-mulher deverá notificar o Tribunal Civil de Basileia-Cidade assim que o tribunal português proferir a sua sentença.»

8. Por carta de 16-11-2016, redigida em inglês e endereçada ao processo referido em 5., o Sr. Advogado II comunicou o seguinte (doc. 12 da p.i., traduzido e certificado a fls. 372-373):

«Acusamos a recepção da carta de V. Exas. datada de 10 de Novembro de 2016.

Infelizmente, os meus conhecimentos da língua alemã são praticamente nulos, pelo que não me foi possível compreender o conteúdo da mesma.

No entanto, gostaria de informar que embora seja advogado de Sr. BB em Portugal, não sou seu procurador nem mandatário para receber em seu nome quaisquer notificações, nomeadamente, citações de tribunal. Assim, sendo, o BB não tem conhecimento do teor da carta de V. Exas.

Para eventuais futuras notificações, queiram citar o BB na sua devida morada, indicada abaixo, com cópia para os nossos escritórios:

BB

Rua …, n.º …

Quinta …

 ...

A correspondência deverá ser redigida em português ou inglês.

Melhores Cumprimentos,

(assinatura ilegível)

II»

9. No processo referido em 5. foi proferida decisão, com data de 01-12-2016, com o seguinte teor (doc. 13 da p.i. junto aos autos em 17-01-2016, a fls. 85-86, traduzido e certificado a fls. 375-376):

«A cônjuge-mulher foi notificada da carta do advogado II, datada de 16 de Novembro de 2016.

Foi tomado conhecimento de que o advogado II não representa o cônjuge-marido nesta acção.

Fazem-se constar provisoriamente dos autos a carta do advogado II, bem como a sentença de 10 de novembro de 2016, até à confirmação da citação da acção (sentença de 5 de Agosto de 2016/pedido de cooperação judiciária de 8 de Setembro de 2016) e à comunicação de um domicílio na Suíça para recebimento de notificação para o cônjuge-marido.»

10. No processo referido em 5. foi proferida decisão, com data de 23-02-2017, com o seguinte teor (doc. 14 da p.i. junto aos autos em 17-01-2016, a fls. 87-88, traduzido e certificado a fls. 377-378):

«1. Constata-se que não foi possível notificar a acção de divórcio ao cônjuge-marido em Portugal, de acordo com a informação recebida das autoridades centrais de Portugal, datada de 31 de janeiro de 2017 (data de entrada no tribunal: 6 de Fevereiro de 2017).

2. Concede-se à cônjuge-mulher prazo até ao dia 17 de Março de 2017 para comunicar ao Tribunal qualquer outra eventual morada do cônjuge em Portugal ou para requerer a continuação do processo mediante publicação do requerimento de divórcio no jornal oficial do cantão.»

11. No jornal oficial do cantão Basileia-Cidade, em 05-04-2017, foi publicada a decisão intitulada «Citação edital» de BB, para contestar a ação de divórcio referida em 5., concedendo-lhe prazo para esse efeito e mencionando os efeitos da não contestação (doc. traduzido e certificado a fls. 390-393, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

12. No jornal oficial do cantão Basileia-Cidade, em 19-08-2017, foi publicada a decisão intitulada «Citação edital» de BB que, para além, do mais o convoca para comparecer a audiência de conciliação no processo referido em 5., sob pena da decisão ser proferida à sua revelia, sem prejuízo do princípio do inquisitório na aquisição e apreciação da decisão de facto (doc. traduzido e certificado a fls. 387-389, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

13. No jornal oficial do cantão Basileia-Cidade, em 07-10-2017, foi publicada a sentença proferida em 02-10-2017, que concedeu prazo adicional ao réu para contestar no processo referido em 5., com a menção de que a falta determina a prolação de sentença sem audiência principal (doc. traduzido e certificado a fls. 384-386, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

14. No jornal oficial do cantão Basileia-Cidade, em 25-11-2017, foi publicada a sentença proferida a 13-11-2017, no processo referido em5., que dissolveu o casamento das partes e regulou as responsabilidades parentais dos progenitores (doc. traduzido e certificado a fls. 379-383, cujo teor aqui se dá por reproduzido).

15. Em 14-07-2016, BB intentou contra AA, no Tribunal Judicial da Comarca  …, Instância Central, … Secção de Família e Menores ....., J…, processo n.º ..., ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge com pedido de atribuição de casa de morada de família (doc. 8 junto com a oposição a fls. 127-133).

16. Na ação referida em 15., a ali ré AA foi citada em 31-10-2016 (documento fls. 282) e apresentou contestação/reconvenção em 29-11-2016 (doc. 2 junto com a oposição, fls. 170-189v).

17. No processo referido em 15, em 03-11-2016, foi realizada tentativa de conciliação tendo os autos prosseguido para, querendo, a ali ré apresentar contestação (doc. 7 da p.i., fls. 22-24).

18. No processo referido em 15, em 12-05-2017, foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de litispendência arguida com base na pendência de ação em tribunal estrangeiro, tendo o mesmo transitado em julgado em 12-06-2017 (doc. 11 da p.i., a fls. 49v-51 e documento fls. 287-290).

19. Por despacho proferido em 12-02-2019 foi determinada a suspensão da instância da ação referida em supra ponto 15 até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir no Tribunal da Relação de Lisboa na presente ação de revisão de sentença estrangeira (fls. 282-283).»


III

III.1.


Em primeiro lugar, haverá que apreciar a questão prévia atinente à junção de um documento com as contra-alegações da Requerida, a que, como se viu, se opôs o Recorrente, em termos que desencadearam o requerimento da Recorrida no sentido da condenação daquele como litigante de má fé, em multa a favor dos Cofres do Estado.

No que tange à junção de documentos com o recurso de revista, rege o art. 680º, nº 1, que permite a junção de documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 674º e no nº 2 do art. 682º do CPC.

Sucede que o documento (cópia da acta da tentativa de conciliação que teve lugar, em 03-11-2016, no processo que corre no Tribunal de Família e Menores …...), que a Recorrente veio juntar com as alegações, já fora junto aos autos, com a petição inicial, como doc. nº 7.

Assim, para além de não se tratar de documento superveniente, já se mostra inserto nos autos, tendo sido trazido ao processo com a petição inicial, de modo que há que indeferir a requerida junção, desde logo por se tratar de acto inútil, com custas do incidente pela Recorrida.

No que concerne à litigância de má fé, incidente desencadeado pela junção do documento, tendo o Recorrente razão quanto à não admissão do documento, já quanto à imputação que fez relativamente ao que ocorreu (alegada junção de certidões fora de tempo) no processo pendente em ..., outro cuidado se exigiria do Exmº Mandatário que, no entanto, veio assumir ter cometido um lapso, apresentando as suas desculpas,  dispensando a sua resposta qualquer outra indagação (tratando-se de um evento verificado noutro processo).

Entende-se que, face a esta posição do Exmº Mandatário, não havendo razões para se concluir que não estejamos perante um lapso da sua parte, não se justifica a condenação do Recorrente como litigante de má fé.


III.2.

O Recorrente começa por defender que o documento que contém a sentença revidenda não reúne as condições formais para ser revisto e confirmado.

Considera, entre o mais que acima se mostra transcrito, que:

- Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, o documento em causa não é um documento autêntico, nem cópia autenticada, nem se encontra apostilhado;

- O acórdão recorrido confundiu o reconhecimento de assinaturas com o procedimento de autenticação de documentos, que é um acto que tem por objecto atestar que uma cópia de um documento é fiel ao original, ou seja, é o procedimento utilizado para se comprovar que uma cópia não sofreu nenhum tipo de alteração face ao original, sendo que o reconhecimento de assinaturas não tem o efeito jurídico de transformar uma fotocópia de um documento num documento autêntico;

- O que se encontra apostilhado não é a sentença revidenda (conferindo-lhe, assim, a requerida autenticidade) mas uma tradução;

- Para beneficiar do regime previsto na Convenção de Haia, deveriam a veracidade da assinatura da Senhora EE, a qualidade em que a mesma actuou e a autenticidade do carimbo que constam do acto estar autenticados pela apostilha colocada no verso da certidão e expedida para a certidão e o que a apostilha certificou foi a assinatura do Sr. FF;

- Como resulta do artigo 5º da Convenção de Haia, a Apostilha de uma sentença como a dos autos certifica a identidade do selo ou carimbo apostos no documento, verificando-se que o que se certifica é o carimbo de um notário e não do Tribunal.

Pretende o Apelante que seja “revogado” o que consta do ponto 5 da fundamentação, considerando, designadamente, que o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para a alterar a decisão da matéria de facto, devendo, nesse domínio, ser garantido um segundo grau de jurisdição.

Diga-se, desde já, que, relativamente a este aspecto da alteração da matéria de facto, importará ter em consideração que o art. 985º do CPC dispõe que da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista.

A propósito do perfil deste recurso, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 433, o seguinte (com destaque nosso):

«1. A Relação julga em 1ª instância. Mas, ao invés do que se prescreve no art. 974º, nº 1, a impugnação do que for decidido faz-se através do recurso de revista. Para o efeito, se tiver sido proferida decisão singular, o interessado vencido deverá suscitar a prolação de acórdão pela conferência, nos termos do n9 3 do art. 652º.

2. O recurso de revista obedece a regras especiais: pressupõe que o acórdão da Relação tenha conhecido do mérito da revista, afastando os casos em que o processo termina por uma decisão de absolvição da instância, sem embargo da aplicação do art. 629º, nº 2, aos casos em que recurso seja sempre admissível.»

Não se pode deixar de retirar consequências do facto de o legislador ter previsto, para a decisão que recaia sobre o mérito da causa, proferida no âmbito do processo de revisão da sentença estrangeira, o recurso de revista, quando, no art. 974º do CPC (atinente ao processo a que se referem os arts. 967º e segs.), se prevê o de apelação, aí se preceituando que:

«1 — Do acórdão da Relação que conheça, em 1.ª instância, do objeto da ação cabe recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça.

2 — Este recurso é interposto, expedido e julgado como o recurso de revista. O Supremo Tribunal de Justiça só pode alterar ou anular a decisão da Relação em matéria de facto nos casos excecionais previstos no artigo 662.º.»

Assim, no que tange ao recurso do acórdão que decida a revisão de sentença estrangeira, não se estabelece nem que seja um recurso de apelação nem que o Supremo Tribunal de Justiça possa alterar ou anular a matéria de facto por reporte ao art. 662º do CPC.

O conhecimento do STJ fica, assim, circunscrito, in casu, no que concerne à matéria de facto, aos poderes excepcionais previstos na lei quanto ao julgamento do recurso de revista (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 3 do CPC).

Não se olvida, por outro lado, que um dos requisitos necessários à confirmação é o de que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença (art. 980º, al. a), do CPC). Assim, não poderá o Supremo Tribunal de Justiça deixar de verificar se tal requisito se preenche e é sob esse prisma que o seu conhecimento se processa.

No acórdão recorrido, relativamente à matéria da autenticidade do documento, considerou-se, a dado passo, que:

«Quanto à questão da cópia versus certidão cabe dizer que não obsta à revisão a apresentação de cópia certificada da sentença. O artigo 980.º do CPC nada prescreve nesse sentido. Ademais, o artigo 17.º, n.º 1, da Convenção de Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares estipula que o reconhecimento ou a execução da decisão depende da apresentação de «cópia integral da decisão devidamente certificada».

Também no âmbito da Convenção Relativa à Supressão da Exigência de Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros (Convenção de Haia de 05 de outubro de 1961) a questão da aposição da Apostilha em cópias de documentos públicos foi objeto da Recomendação n.º 11, de 2003, da Comissão Especial no sentido de, não obstante o artigo 1.º da Convenção se reportar a documentos públicos, os Estados contratantes poderem declinar o uso da apostilha em cópias de documentos.

Em Portugal nenhuma limitação se encontra consagrada nesta matéria, revelando, outrossim, se o documento apresentado corresponde, segundo a ordem jurídica do Estado de origem, a uma sentença, ou seja, o tribunal da revisão tem de adquirir a segurança de que está perante um documento que contém uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro nos termos que consta do documento apresentado.»

No art. 981º do CPC, prescreve-se que é apresentado com a petição o documento de que conste a decisão a rever.

 Conforme é referido no acórdão recorrido, no art. 17º, nº 1, da Convenção de Haia de 1973 sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões relativas a Obrigações Alimentares, estabelece-se que a parte que pretenda o reconhecimento ou a execução de uma decisão deve apresentar cópia integral da decisão devidamente autenticada.

No Ac. do STJ de 15-01-2004, Rel. Salvador da Costa, Proc. nº 03B4263, publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, nessa linha, o seguinte (com destaque nosso, a negrito):

«1. A revisão de sentenças estrangeiras à luz do direito interno português de origem interna, em conformidade com o disposto no artigo 1096º, alíneas a) e e), do Código de Processo Civil, depende, além do mais, da inexistência de dúvida sobre a autenticidade da sentença e a inteligência da decisão, e da regularidade da citação segundo a lei do foro de origem e da observância no processo dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

2. Os referidos elementos devem constar da certidão ou cópia autenticada da sentença revidenda, documento essencial ou estruturante da acção de revisão, e ou dos concernentes documentos complementares, incluindo o de tradução autenticada para a língua do foro revisor.»

É, assim, suficiente cópia autenticada da sentença, como se concluiu na decisão recorrida.

A autenticidade do documento é, como se assinala no Acórdão que se acaba de citar, aferida pela lei do país onde a sentença foi proferida, o que decorre do disposto no art. 365º, nº1, do C. Civil (“Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”).

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, referem, in op. cit., p. 427 (em anotação ao art. 980º) que:

«A autenticidade a que se reporta a al. a) exige que o documento de que consta a sentença provenha da autoridade competente segundo a lei do Estado de origem. No caso de existirem dúvidas sobre a autenticidade, pode ser exigida a legalização do documento (cf. art. 440º), salvo se se tratar de sentença proferida num Estado que seja parte na Conv. da Haia Relativa à Supressão da Legalização dos Atos Pú­blicos Estrangeiros, caso em que é suficiente a aposição da apostilha (art. 3º).»

No que tange à Apostilha, considera o Recorrente, como emana das transcritas conclusões, que o documento em causa não está devidamente apostilhado.

O Tribunal a quo, relativamente a esta matéria, tomou em consideração a Convenção Relativa à Supressão da Exigência de Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, concluída na Haia em  5 de Outubro de 1961 e ratificada quer por Portugal quer pela Suíça, aplicável aos actos públicos lavrados no território de um dos Estados contratantes e que devam ser apresentados no território de outro Estado contratante (art. 1º), sendo considerados actos públicos, entre outros,  os documentos provenientes de uma autoridade ou de um funcionário dependentes de qualquer jurisdição do Estado, compreendidos os provenientes do Ministério Público, de um escrivão de direito ou de um oficial de diligências (al. a) do art. 1º).

Prevê-se no art. 3º, 1º parágrafo, desta Convenção que:

«A única formalidade que pode ser exigida para atestar a veracidade da assinatura, a qualidade em que o signatário do acto actuou e, sendo caso disso, a autenticidade do selo ou do carimbo que constam do acto consiste na aposição da apostila definida no Artigo 4.º, passada pela autoridade competente do Estado donde o documento é originário.»

No art 4º, 1º parágrafo, vem previsto:

«A apostila prevista no Artigo 3.º, alínea primeira, será aposta sobre o próprio acto ou numa folha ligada a ele e deve ser conforme ao modelo anexo a esta Convenção.

Dispõe o art. 5º, 3º parágrafo, que:

«A assinatura, o selo ou carimbo que figurarem sobre a apostila são dispensados de qualquer reconhecimento.»

E no art. 6º, 1º parágrafo, preceitua-se:

«Cada Estado contratante designará as autoridades, determinadas pelas funções que exercem, às quais é atribuída competência para passar a apostila prevista no Artigo 3.º, alínea primeira.»

Escreveu-se no acórdão recorrido:

«A Apostilha é, assim, um certificado de que a assinatura e o selo/carimbo aposto num documento público estrangeiro foram emitidos pela entidade competente designada no âmbito da Convenção.

É um trâmite similar à autenticação de uma cópia ou ao reconhecimento de uma assinatura.

Todavia, a certificação respeita à assinatura ou selo/carimbo exibido no documento que foi emitido pelo funcionário público no exercício das suas funções no âmbito da Convenção, documento esse devidamente numerado e registado, reportando-se a certificação da assinatura ou selo/carimbo da autoridade designada pelo Estado contratante para exercer as funções concernentes à emissão de Apostilha. É essa entidade que é a referida no artigo 3.º da Convenção e não ao autor que assinou, carimbou ou selou o documento público subjacente à legalização através da Convenção.

Efetivamente, e nunca é demais sublinhar em face do teor da impugnação do Requerido, que a Apostilha certifica unicamente a autenticidade, a qualidade na qual o signatário do documento atuou ao apor a Apostilha, e, sendo caso disso, do selo/carimbo aposto pelo mesmo.

Daí que a Apostilha não certifique o conteúdo do documento para o qual foi expedida a Apostilha.

O que a Apostilha permite é que se legalize um documento público por esta via, arredando a via diplomática ou consular, ou seja, significa que a validade do documento público do ponto de vista da «lex loci actus» se encontra certificada.

Certificação essa que obedece a formalidades uniformes nos vários Estados contratantes por via do modelo anexo à Convenção que se encontra padronizado, devendo conter a palavra «Apostille» (em francês), instituindo-se ainda um sistema de controlo/supervisão das falsas assinaturas (artigos 4.º, 5.º e 7.º da Convenção)».

O Tribunal a quo teve em conta o “Manual da Apostila: Um Manual sobre o Funcionamento Prático da Convenção sobre a Apostila da Haia“, publicado em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/manual_das_apostilas_hcch.pdf, do qual se pode, na realidade, retirar que a Apostilha autentica a origem do documento público subjacente, mas «não se relaciona de forma alguma com o conteúdo do documento público subjacente. Enquanto a natureza pública do próprio documento possa implicar que o seu conteúdo é verdadeiro e correto, uma Apostila não melhora, nem adiciona qualquer significado ao efeito jurídico que a assinatura e/ou selo iriam produzir sem uma Apostila».

Relativamente ao caso dos autos, considerou-se, no acórdão recorrido, que a sentença revidenda «consta de um documento assinado pela Oficial de Justiça daquele Tribunal (EE) e tem aposto um carimbo onde constam os dizeres, em alemão, «ZivilGericht Basel- Stadt» (Tribunal Civil do Cantão de Basel-Stadt)», correspondendo, assim, no âmbito do direito português, a uma certidão judicial (documento autêntico) da sentença proferida naquele Tribunal».

E acrescentou-se:

«Verifica-se, ainda, que a sentença, em 14-08-2018, foi traduzida de alemão para português, por ……. Ltd da Translingua Ltd, tendo as referidas assinaturas sido objeto de certificação/autenticação pelo notário FF.

A Apostilha consta do verso deste documento de certificação, onde se encontra colada, resultando dos seus dizeres que é aposta uma «Apostille» da Convenção de Haia de 05 de outubro de 1961 num documento público (que foi traduzido e certificada a tradução), constando a data da aposição da Apostilha (21-08-2018), o n.º de registo (…), a assinatura do notário que assinou a Apostilha e o respetivo selo.

Assim, e ao contrário do referido pelo Requerido, prevendo o artigo 4.º, 1.º parágrafo, da Convenção, que a Apostilha possa ser aposta numa folha ligada ao «acto público» (i.e., no caso, à sentença), o documento que se encontra apostilhado não é a tradução, mas a sentença traduzida, ou seja, todo o documento apresentado e que é composto pela certidão da sentença proferida em alemão e pela sua tradução para português.

O Requerido refere que nada existe a autenticar a assinatura da pessoa que assinou a sentença (Senhora EE), nem da qualidade em que atuou, nem do carimbo do Tribunal aposto na mesma.

Porém, como resulta do atrás dito, a Apostilha não visa a certificação do conteúdo do documento, da assinatura do seu autor (no caso, de quem emitiu a certidão judicial) ou da identidade do selo aposto no documento público. Essas questões que se prendem com a veracidade e genuinidade do teor da sentença, não são afetadas pela Apostilha, e teriam de ser suscitadas no processo de revisão de acordo com a lei do país que emitiu a sentença a rever. O que o Requerido manifestamente não invoca. Ao invés, transpõe toda a argumentação para os requisitos da Apostilha e, como se viu, mal, porque a certificação que resulta da Apostilha tem um âmbito e finalidade diversa.

Não resultando da análise do documento junto a fls. 74-80 sequer questionável que o mesmo corresponde a uma cópia autenticada da sentença revidenda, devidamente apostilhada, a mesma é suscetível se ser submetida ao procedimento de confirmação e revisão em Portugal.

Donde se conclui que a oposição do Requerido no que concerne à autenticidade da sentença revidenda não tem qualquer razão de ser.

E não nos suscitando qualquer dúvida que a sentença revidenda foi proferida pelo Tribunal suíço no processo referenciado no documento e com o respetivo conteúdo que ali consta, resulta comprovado o requisito previsto na alínea a) do artigo 980.º do CPC no concernente à autenticidade do documento apresentado donde consta a sentença a rever.»

Analisando o documento do qual consta a sentença revidenda, verifica-se, conforme é referido pelo Tribunal a quo, que se trata de um documento assinado pela Oficial de Justiça do Tribunal Cantão de Basel-Stadt, EE, e tem aposto um carimbo onde constam os dizeres, em alemão, «ZivilGericht Basel- Stadt» (Tribunal Civil do Cantão de Basel-Stadt)», correspondendo, assim, no âmbito do direito português, a uma certidão judicial (documento autêntico) da sentença proferida naquele Tribunal.

Não há razão para se duvidar da autenticidade destes elementos, importando sublinhar que o Ministério Público, nas suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 982º, nº 1, do CPC, afirmou isso mesmo: “Não oferece dúvidas a autenticidade do documento que contém a decisão a rever (…)”.

A Apostilha, que não tem de ser aposta no próprio “acto” (documento), podendo sê-lo numa folha ligada a ele, não se reporta, in casu, senão à sentença revidenda e nada aponta para que não emane da autoridade competente para tanto, de acordo com o determinado pelo Estado suíço, competindo, como se extrai da Convenção, a cada estado contratante designar as autoridades com competência para passar a Apostilha.

Nas limitações da Apostilha, que autentica a origem do documento público subjacente, mas não se relaciona com o conteúdo desse documento público, não se poderá, sem mais, fazer assentar um exercício de questionação desse conteúdo, sob pena de se pôr, desde logo, em causa, o sistema que os estados que subscreveram a Convenção em apreço visaram com a criação de um tal mecanismo, que parte do pressuposto de que um documento de natureza pública tenha um conteúdo “verdadeiro e correcto”.

No acórdão recorrido, faz-se a devida menção, como se viu, às características da Apostilha, não se podendo deixar de subscrever a destrinça que é feita entre o que ela certifica/autentica e o próprio conteúdo do documento apostilhado, bem como a conclusão a que se chegou de que não é “sequer questionável que o mesmo corresponde a uma cópia autenticada da sentença revidenda”.    

Não há, assim, motivo para anular a decisão recorrida, sendo certo que o caso não seria de anulação da decisão (não se configurando qualquer das nulidades previstas o art. 615º, ex vi do art. 666º, nº 1, do CPC), tratando-se, sim, de saber se está preenchido o requisito previsto no art. 980º, al. a), do CPC, sendo de concluir pela positiva, como no acórdão recorrido, considerando-se, com todo o respeito, que não assiste razão ao Recorrente quanto a este aspecto.


III.3.

Defende o Recorrente, conforme se retira das conclusões X a DD, que não está devidamente comprovado o trânsito em julgado da sentença revidenda.

Na decisão recorrida, considerou-se prejudicada a questão do trânsito em julgado, face à comprovação feita, entretanto (após despacho nesse sentido), nos autos, anotando-se que o Requerido já omitira essa matéria nas alegações de direito e remetendo-se para o ponto 5 dos factos provados. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que se tratava de questão já claramente assente.

A Exmª Desembargadora Relatora, na verdade, proferiu despacho em 05-07-2019, no qual, entre o mais, ordenou a notificação da Requerente “para documentar nos autos o trânsito em julgado da sentença revidenda, uma vez que dos documentos juntos não se encontra
expressamente declarada a data em que o mesmo ocorreu”
.

A Requerente veio, em 09-09-2019, juntar documento comprovativo do trânsito em julgado da decisão.

Estamos perante documento que contém cópia da sentença revidenda e a certificação – emitida em 11-06-2019, pelo Tribunal que proferiu a sentença, com carimbos e assinaturas deste emanados – de que a decisão se tornou definitiva em 6 de Dezembro de 2017, tudo com a devida tradução.

A Apostilha que, como se disse, não tem de ser colocada no próprio documento, não pode senão reportar-se à certidão em apreço, não havendo razões para se duvidar de que não tenda sido emitida pela autoridade competente, de acordo com as determinações do Estado de origem.

O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 5, além do mais, que a sentença proferida em 13-11-2017, na acção que correu termos no processo n.º ….., no Tribunal do Cantão de Basel-Stadt, na Suíça, transitou em julgado em 06-12-2017.

Não se vê que o Tribunal recorrido tenha ofendido uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º, nº 3, do CPC). Daí que não haja, diversamente do que pretende o Recorrente, que alterar a matéria de facto constante do dito ponto 5 dos factos provados.


III.4.

Refere o Recorrente que o Tribunal a quo admitiu a junção aos autos do documento de fls 425vº a 428ºvº, decidindo tratar-se de um articulado constante do processo que correu no Tribunal suíço, cuja admissibilidade fora requerida pela A. e impugnada pelo Réu, falhando a análise da sua natureza jurídica, sentido e alcance e em violação de lei processual; o documento é um simples memorandum que não tem aparência ou conteúdo de peça processual, sendo  um mero depoimento escrito de um advogado, com o testemunho sobre o que se terá passado naqueles autos suíços e sobre o que nele terá acontecido, o que é de todo inadmissível no nosso ordenamento jurídico, nestes termos, e a sua admissão violou o regime dos artigos 518º e 519º do CPC, constituindo nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195º, nº  1 do CPC, que influiu no exame e na decisão da causa (em ambos), praticada na sentença, passível de ser reconhecida nesta sede de recurso. E se assim não fosse, sempre se trataria de violação de lei processual cometida na sentença, ao ser admitido um documento que o não poderia ter sido.

Vejamos:

O problema levantado prende-se, estando em causa o recurso de um acórdão, necessariamente com a matéria de facto vertida neste, entendendo o Recorrente que o que consta do dito documento não pode ser levado em conta.

O Recorrente invoca a violação da lei processual no que concerne à admissibilidade do dito documento (doc. nº 3 junto com o requerimento de 09-09-2019).

Ora, decisivo aqui é que o Recorrente não demonstra a sua (genérica) afirmação de que esse documento tenha influído na decisão da causa, de modo que o acórdão pudesse estar inquinado por ter tomado em consideração o respectivo conteúdo.

Não está, assim, evidenciada a invocada ocorrência de uma nulidade “praticada na sentença” e de que cumpra conhecer (não olvidando os limites do conhecimento do STJ quanto à matéria de facto).


III.5.

Alega o Recorrente que foi omitida formalidade essencial quanto à citação e que a própria Autora deu causa e impulso activo a essa omissão, tendo sido actos da mesma que levaram a que o Réu não tenha sido citado, pelos termos e pela forma regularmente prevista na lei suíça, e em consequência, não foram observados quanto a si os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Está em causa o requisito a que se reporta o art. 980º, al. e), do CPC: o de que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Refere o Recorrente que a lei processual suíça prevê no artigo 138º do ZPO, aplicável às citações, por força da al. a) do artigo 136º da mesma ZPO, que a citação é feita, primeiramente, por meio de notificação por correio registado para a morada do réu e de acordo com o artigo 133º da ZPO a citação é necessariamente feita com indicação “das consequências de uma não comparência” o que nada aconteceu. Se tivessem sido observadas estas formalidade teria sido fácil à Autora juntar aos autos cópia da notificação que nesses termos teria sido feita para o réu, e para a sua morada. Foi omitida essa citação que nunca foi feita.

Acrescenta que pediu, em 09-09-2019, que a Autora fosse notificada para vir juntar aos autos esse documento, para prova de que não tinha sido feita, e a A. recusou juntá-lo. Assim, o Tribunal deveria ter dado como provado que o Tribunal suíço não realizou qualquer tentativa de citação para a morada do domicílio do A. em Portugal, matéria que o STJ deve aditar.

Refere ainda que prevê aquela lei processual, no artigo 141º do mesmo ZPO, que, em caso de o domicílio ser desconhecido e o mesmo “não possa ser determinado em consequência de pesquisas que possam razoavelmente ser exigíveis”, a citação pode ser feita editalmente e que, igualmente, pediu, no seu requerimento de 09-9-2019, que a Ré juntasse aos autos os documentos onde ela tenha indicado ao Tribunal os possíveis locais de contacto do Réu para citação, incluindo o do domicílio e domicilio profissional do Réu. E conclui que, face à natureza do facto negativo por si alegado à recusa da A. em entregar documentos, competiria a esta o ónus da prova.

Considera, assim, o Recorrente que a falta de citação nos termos e pela forma previstas naquela lei suíça, com a privação do réu ao exercício do contraditório nesse processo, se deveu à Autora ter informado mal o Tribunal suíço sobre o local onde deveria ser feita a citação, pedindo primeiro que fosse feita na pessoa do seu advogado português, em Portugal, e depois editalmente.

Defende que, para que o Tribunal da Relação pudesse ter dado como provado o ponto 10 da sua fundamentação e que, por essa via, não ocorreu qualquer irregularidade da citação, teria que ter conhecido da matéria de facto que está por detrás da afirmação conclusiva de “as autoridades centrais de Portugal informaram em 31.1.2017 (informação recebida no tribunal suíço em 6.2.2017) que não foi possível notificar a acção e divórcio ao cônjuge-marido em Portugal”.

Observa o Recorrente que não existe em Portugal qualquer entidade denominada “Autoridades Centrais de Portugal”.

Invoca também o disposto na al. f) do art. 980º do CPC (na qual se exige, para a confirmação, que a sentença não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português), dizendo que o que se pedia à Relação de Lisboa não era saber o que o Tribunal suíço decidiu sobre a citação do R., mas apurar se este foi citado de acordo com a lei suíça aplicável.

Entende que deve ser dado como provado que nenhuma tentativa de contacto ou de citação/notificação sequer foi mandada pelo Tribunal suíço para o domicílio do Réu ou seu domicílio profissional, ambos conhecidos da A., entendendo que o STJ «tem o poder de alterar a resposta à fundamentação da sentença recorrida, quer em sede de alteração da matéria de facto porque julga a questão em 2ª instância, quer porque, quinda que assim não fosse, verifica-se o caso excepcional do nº 3 do artigo 674º do CPC».

Tendo o Recorrente invocado a ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português (art. 980º, al. f), do CPC), no acórdão recorrido, referiu-se, a propósito desse conceito, o seguinte:

«A lei (cfr. também o artigo 22.º do Código Civil) não define o conceito de «ordem pública internacional» (núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna), tratando-se de um conceito indeterminado, carecido de preenchimento valorativo na análise casuística.

O que releva, para o efeito, não são os princípios consagrados na lei estrangeira que servem de base à decisão, mas o resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto, ou seja, a reserva de ordem pública internacional visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indireta da execução de sentença estrangeira, implique, na situação concreta, um resultado intolerável.

Por conseguinte, o juízo de compatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português terá de ser necessariamente aferido, não pelo conteúdo da decisão e o direito nela aplicado, mas pelo resultado do reconhecimento, o que implica um «exame global».

Não basta, por isso, que a solução dada ao caso pelo direito estrangeiro seja divergente da do direito interno português, exigindo-se que o resultado seja «manifestamente incompatível» com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.»

Luís de Lima Pinheiro chama, na verdade, a atenção para o facto de a lei colocar o acento no resultado do reconhecimento, devendo fazer-se um exame global, que poderá ter em conta os fundamentos da decisão e o processo (Direito Internacional Privado, volume III, tomo II (Reconhecimento de Decisões Estrangeiras), 3ª edição refundida, AAFDL Editora, Lisboa, 2019, p. 228).

E acrescenta (na mesma página):

«Enquanto limite ao reconhecimento dos efeitos de uma decisão estran­geira a cláusula de ordem pública internacional caracteriza-se, à semelhança do que se verifica com a sua atuação como limite à aplicação do Direito es­trangeiro ou não-estadual (supra § 47 B), pela excecionalidade: só intervém quando o reconhecimento for manifestamente incompatível com normas e princípios fundamentais da ordem jurídica do foro (…).

(…)

O momento relevante para a concretização da ordem pública internacio­nal é, neste caso, o do reconhecimento da decisão.»

No Ac. do STJ de 21-02-2006, Rel. Oliveira Barros, Proc. 05B4168, publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, sobre esta matéria (com destaque nosso, a negrito):

«VII - A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al.f) do art.1096º CPC[1] só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com, e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos, princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende.

VIII - Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira.

IX - O cabimento da reserva de ordem pública só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência

Conforme refere Menezes Cordeiro, a ordem pública internacional «exprime um conjunto de princípios nacionais que vedam a aceitação interna de decisões estrangeiras, por contrariedade a valores muito significativos» (Tratado da Arbitragem, Almedina, Coimbra, 2016, p. 445), manifestando-se «em concreto, isto é: perante as consequências a que conduza a aplicação do Direito ou de sentenças estrangeiras» (p. 448).

Na análise do caso concreto, relativamente ao preenchimento do disposto na al. e) do art. 980º do CPC, escreveu-se no acórdão recorrido:

«Decorre da alínea e) do preceito em referência que são as regras da «lex fori», i.e., do tribunal de origem, que a citação deve satisfazer, embora a correlação com os princípios do contraditório e da igualdade das partes remeta implicitamente para princípios de ordem pública processual nacional e internacional.

Assim, e não suscitando qualquer dúvida que a lei portuguesa configura o ato de citação pessoal como uma garantia essencial do exercício daqueles princípios, se ação correu à revelia do réu, mesmo no âmbito de um sistema de revisão formal, a revisão não é concedida se da aplicação da «lex fori» resultar que o réu não foi devidamente citado nos termos previstos na mesma, com afetação do seu direito de defesa por não terem sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.»

Dado que, como resulta da al. e) do art. 980º do CPC, se devem seguir, no que concerne à efectivação da citação, os termos da lei do país do tribunal de origem, o Tribunal recorrido analisou os atinentes preceitos do Código de Processo Civil Suíço de 19-12-2008 (ZPO), consultável, na versão francesa, em https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/2010/262/fr, referindo que:

«O Código de Processo Civil Suíço de 19-12-2008 (doravante ZPO) nos seus artigos 124 e seguintes regula os atos processuais, mormente os referentes à citação, prevendo o artigo 140 que as partes domiciliadas no estrangeiro designem uma morada na Suíça para serem notificadas. Por sua vez, o artigo 141, 1, a. e c., prescreve que a notificação será edital e realizada mediante publicação no Diário Oficial do Cantão ou no Diário Oficial do Comércio da Suíça, se for desconhecido o paradeiro da parte e não puder o mesmo ser determinado apesar da realização de diligências razoáveis ou quando a parte domiciliada no estrangeiro não tiver designado um domicílio na Suíça para ser notificada, contrariando as instruções do Tribunal.

Sem qualquer caráter exaustivo, resulta mormente dos artigos 147, 153 e 233 do ZPO que a omissão da prática de um ato processual ou a prática fora de prazo, determina o prosseguimento do processo, mas não antes da parte ser notificada das consequências da omissão e não antes de lhe permitir a intervenção num prazo suplementar curto, tudo sem prejuízo dos poderes oficiosos conferidos ao tribunal em sede de apuramento dos factos.»

Mas o Tribunal da Relação não se ficou pela referência ao Código de Processo Civil Suíço, tomando, em seguida, em consideração as regras decorrentes da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia em 15 de Novembro de 1965 e ratificada quer por Portugal quer pela Suíça (cf. https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=17).

Refere-se no acórdão que:

«Resulta mormente dos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial que o ato de citação/notificação do réu, independentemente da sua nacionalidade, que seja residente no território de outra das partes internacionalmente vinculadas pela Convenção, se realiza, entre outras formas, através da Autoridade Central do Estado requerido a quem é endereçado um pedido de acordo com a fórmula anexa à Convenção, sem que haja necessidade da legalização dos documentos ou de qualquer outra formalidade equivalente.»

Prevê-se, na verdade, no art. 2º da referida Convenção, que «Cada Estado contratante designará uma Autoridade central que assumirá, de acordo com o disposto nos Artigos 3.º a 6.º, o encargo de receber os pedidos de citação e os de notificação provenientes de um outro Estado contratante e de lhes dar seguimento».

Em Portugal, há uma autoridade central designada neste âmbito: a Direcção-Geral da Administração da Justiça - Ministério da Justiça (cf. https://www.hcch.net/pt/states/authorities).

Daí que se compreenda a menção a “Autoridades Centrais de Portugal” feita no processo que correu termos na Suíça.

Escreve-se no acórdão recorrido:

«Ora decorre do ponto 7. dos factos provados que o tribunal suíço remeteu ao Sr. Advogado II, pessoa indicada pela autora como representante do réu, os elementos referentes ao processo, o que se coaduna com o disposto no artigo 140 do ZPO.

Porém, também resulta dos pontos 8. e 9. dos factos provados que, na sequência da carta remetida por aquele Sr. Advogado ao tribunal suíço, que este tribunal consignou em despacho que aquele Sr. Advogado não representa o réu naquela ação, logo não considerou que o réu tivesse sido citado para ação através daquele procedimento.

Mas também resulta do ponto 10. dos factos provados que as «autoridades centrais de Portugal» informaram em 31-01-2917 (informação recebida no tribunal suíço em 06-02-2017) que «não foi possível notificar a acção de divórcio ao cônjuge-marido em Portugal», o que manifestamente remete para o mecanismo de funcionamento da referida Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial quanto à citação/notificação através da Autoridade Central portuguesa.»

Deu-se, na verdade, como provado, no ponto 8, que, por carta de 16-11-2016, dirigida ao processo referido em 5. (ou seja, o processo no qual veio a ser proferida sentença revidenda) o Sr. Advogado II comunicou o seguinte (doc. 12 da p.i., traduzido e certificado a fls. 372-373):

«Acusamos a recepção da carta de V. Exas. datada de 10 de Novembro de 2016.

Infelizmente, os meus conhecimentos da língua alemã são praticamente nulos, pelo que não me foi possível compreender o conteúdo da mesma.

No entanto, gostaria de informar que embora seja advogado de Sr. BB em Portugal, não sou seu procurador nem mandatário para receber em seu nome quaisquer notificações, nomeadamente, citações de tribunal. Assim, sendo, o BB não tem conhecimento do teor da carta de V. Exas.

Para eventuais futuras notificações, queiram citar o BB na sua devida morada, indicada abaixo, com cópia para os nossos escritórios:

BB

Rua …...., n.º …

Quinta …

...

A correspondência deverá ser redigida em português ou inglês.»

A Recorrida defende, nas contra-alegações, que o Recorrente foi citado na acção que correu termos no Tribunal suíço através do seu Exmº Advogado, mandatário do Recorrente no processo intentado no Tribunal …... e também no presente processo de revisão de sentença estrangeira, tendo recebido a citação daquele Tribunal, a que o próprio respondeu, solicitando que o Recorrente fosse citado na sua morada «com cópia para os nossos escritórios». E acrescenta que o Recorrente tomou conhecimento de que corria termos a acção contra si a acção de divórcio proposta na Suíça logo no dia 03-11-2016, por ocasião da tentativa de conciliação ocorrida no Tribunal de ..., pois aí a Exmª Advogada da Recorrida informou da pendência da acção de divórcio no Tribunal suíço.

Considera a Recorrida que não pode o Exmº Advogado ter deixado de comunicar ao ora Recorrente a citação que recebeu do Tribunal suíço, para mais tendo em conta o conhecimento da pendência daquela acção face à informação prestada pela Exmª Advogada da ora Recorrida.

A verdade é que o Tribunal do Cantão de Basel-Stad não considerou realizada a citação na pessoa do Senhor Advogado (e é o que aqui releva, não se vendo que tenha ocorrido alguma alteração, no processo suíço, quanto a isso), por força da transcrita comunicação feita àquele Tribunal, e daí ter-se passado para o mecanismo previsto na mencionada Convenção, o que resultou infrutífero, como se retira do que consta do ponto 10 dos factos provados, razão por que teve lugar a subsequente citação edital (ponto 11), realizando-se, depois, as notificações também por essa via (pontos 12 a 14).

No Tribunal recorrido, ponderou-se o seguinte:

«A circunstância da autora, perante a frustração da citação do réu em Portugal, não ter indicado outra morada do mesmo em Portugal, quando foi notificada para o fazer para o caso de outra morada poder indicar, não se configura, em face das diligências já anteriormente encetadas pelo tribunal suíço pelos seus próprios meios e por intermédio da Autoridades Centrais nacionais incumbidas de concretizar a citação do réu em território nacional, sequer como criticável, muito menos que daí resulte qualquer censura sobre os trâmites seguidos quanto à citação do réu, que, em última instância, sempre estariam dependentes de decisão judicial.

Ora, atendendo ao apuramento da factualidade supra referida, o que se saí evidenciado é que o tribunal suíço aplicou a «lex fori» quanto à citação de réu não residente ou domiciliado para efeitos de citação/notificação em território suíço, seja as internas, seja as internacionais a que se vinculou, citando o réu para ação que ali corria termos no estrito cumprimento da legislação aplicável, pelo que não se pode concluir que o réu não tenha sido regularmente citado, no caso, por via edital.»

Concorda-se com o exarado pelo Tribunal a quo, não estando demonstrado que tenha radicado na Recorrida não ter o R. sido pessoalmente citado. Aliás, a indicação pela Recorrida, no processo, do nome do Exmº Advogado do R. em Portugal (e essa condição de Advogado do R. em Portugal foi confirmada pelo próprio na resposta ao Tribunal Suíço, muito embora tenha informado de que não estava mandatado para receber citações) revela, com clareza, que a Recorrida não pretendeu evitar que o Recorrente fosse regularmente citado. E resultou mesmo dessa indicação ter o Exmº Advogado fornecido ao Tribunal Suíço a morada do Recorrente, com vista à sua citação, passando as diligências, a tanto tendentes, a ser da responsabilidade do Tribunal, que lançou mão dos meios previstos na Convenção, ou seja, procurando efectuar a citação através da autoridade central de Portugal, como se extrai do ponto 10 dos factos provados.

Importa ter em consideração que o ónus da prova da inverificação do requisito previsto na al. e) do art. 980º do CPC não recai sobre a Requerente, diversamente do que é defendido pelo Recorrente. Na verdade, dispõe o art. 984º do CPC:

«O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980.º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.»

Em anotação a este artigo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 433, dizem o seguinte (com destaque nosso, a negrito):

«1. Pela sua importância e essencialidade, a lei impõe que o Trib. da Relação verifique oficiosamente se estão preenchidos os requisitos das als. a) e f) do art. 980º.

2. Quando aos demais requisitos do art. 980Q (als. b) a e)), o requerente está
dispensado de fazer prova dos mesmos
. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos
mesmos, presume-se que existem, não podendo ser recusada a confirmação por falta de elementos (STJ 21-2-06, 05B4168).
A prova de que não se verificam os requisitos das als. b) a e) do art. 980º compete ao requerido, devendo, em caso de
dúvida, considerar-se preenchidos. Por conseguinte, nestes casos, a intervenção do tribunal que aprecia a revisão é de natureza puramente formal (STJ 19-6-19, 322/18).»

No citado Ac. do STJ de 21-02-2006, Rel. Oliveira Barros, concluiu-se que (também com destaque nosso):

«I - A acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença é uma acção declarativa de simples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários, taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº 1º, 1ª parte, CPC.

II - Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art. 1096º CPC.

III - Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída.

IV - Como resulta da 2ª parte do art. 1101º CPC[2] é sobre a parte requerida que recai o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas als. b) a e) do art. 1096º, que a lei presume que existem.

V - Assim, o requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva desses requisitos, posto que se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não

No Ac. da Rel. de Lisboa de 21-05-2015, Rel. Vaz Gomes, Proc. 147/14.6YRLSB-2, publicado em www.dgsi.pt, num caso similar ao dos autos, em que foi decretado o divórcio e regulado o exercício das responsabilidades parentais, em processo que correu perante um tribunal suíço e em que houve citação edital e, tendo o requerido deduzido oposição  à revisão, «dizendo que não foi observado o contraditório na medida em que sabendo a requerente e os filhos do casal que após a separação do casal o requerido veio viver para a morada que tinha em Portugal que é aquela que consta desta citação, enganou o Tribunal suíço dizendo-lhe que desconhecia a morada do requerido em Portugal», entendeu-se que, não tendo havido prova por parte do requerido, tal alegação não foi demonstrada e, assim,  impondo-se ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação (apenas) dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e f) do art.º 980º do C.P.C., concluiu-se que, naquela situação, se verificavam todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira.

No mesmo sentido se aponta no Ac. da Rel. do Porto de 07-07-2016, Rel. Caimoto Jácome, Proc. nº 295/15.5YRPRT, também publicado em www.dgsi.pt, quando, a dado passo, se refere:

«Parece, aliás, resultar do disposto no artº 984º, do CPC, que incumbe ao requerido/demandado no processo especial de revisão de sentença estrangeira, ilidir a presunção de que se verifica o requisito da al. e), do artº 980º do mesmo Código.»

No acórdão recorrido,  considerou-se não estar demonstrado que «se tenha verificado violação do princípio do contraditório ou da igualdade das partes uma vez que ao réu foi dado a oportunidade de se defender e exercer os seus direitos no processo a correr termos no tribunal suíço, nos moldes que aquela lei prevê para as situações de revelia», vincando-se que «em caso de revelia, as normas do ZPO concedem à parte uma ampla possibilidade de intervir no processo e apresentar a sua defesa, sendo publicitados todos os atos processuais relevantes praticados no processo, evidenciado uma consagração muito favorável do direito de defesa, que se tem como caraterística dos ordenamentos jurídicos hodiernos» e que «a citação edital apenas poderia constituir uma manifesta violação dos referidos princípios e da ordem pública interna e/ou internacional do Estado Português, se lei estrangeira processual aplicável nem sequer previsse a citação pessoal do réu residente no estrangeiro, o que não é de todo o que se verifica no ordenamento jurídico processual suíço. O que se verificou foi a frustração da citação pessoal do réu através dos mecanismos legais previstos na lei processual suíça e na referida Convenção, pelo que o processo teve de prosseguir à revelia do réu, ainda que sempre com salvaguarda da publicitação edital dos atos que foram sendo praticados no processo, dos prazos e diligências a realizar e realizadas».

Rejeita-se, por isso, no acórdão, a tese do Requerido «referente à violação de princípios de ordem pública internacional do Estado português, porquanto a citação edital também se encontra prevista na ordem jurídica interna precisamente para situações em que se frusta a citação pessoal (cfr. artigos 219.º, 225.º, 240.º a 245.º do CPC)».

Daí que se tenha concluído pela não verificação dos fundamentos da oposição em causa.

Na realidade, tendo-se frustrado a citação pessoal, realizou-se a citação edital, tal como sucederia na ordem interna portuguesa (não se exigindo que a citação seja pessoal, impondo-se, sim, que o réu tenha sido citado de forma regular, aqui se inscrevendo a citação edital – Ac. do STJ de 12-11-1998, Rel. Sousa Inês, Proc. 98B858, em www-dgsi.pt), não se demonstrando, ademais, como se pondera no acórdão impugnado, que tenham sido violados os princípios do contraditório e da igualdade.

O Recorrente refere que, em Portugal, teria sido representado pelo Ministério Público, que também teria intervindo relativamente às responsabilidades parentais, considerando que o regime decretado foi condicionado pela vontade da Mãe, ou seja, «totalmente dependente da vontade (e humores) de um progenitor».

Salvo o devido respeito, não será de exigir a inteira correspondência de procedimentos entre o regime português e o suíço para se extrair dos aspectos desconformes a conclusão de que se violaram os princípios do contraditório e da igualdade.

Verifica-se, por exemplo, na decisão datada de 02-10-2017 e publicada em 07-10-2017, o registo de que ambas as menores, pela aposição das suas assinaturas individuais, prescindiram de ser ouvidas na audiência de 26-09-2019, tendo, no entanto, ficado as declarações das duas apensas aos autos (por certo, ao abrigo do disposto no art. 298º do CPC Suíço, que prevê a audição da criança).

Por outro lado, vem prevista, no art. 299º, nº 1, do mesmo Código, a designação de um curador ao menor, se o Tribunal o entender necessário.

Ou seja, o direito processual suíço tem, naturalmente, mecanismos de defesa dos menores, sendo que o Tribunal tem amplos poderes oficiosos (art. 296º do CPC suíço), não podendo, pois, por não estar presente um dos progenitores, concluir-se que a decisão dependeu da vontade do outro.

O Tribunal a quo considerou, ainda, que a conclusão a que chegou não sofre alteração em face do regime da Convenção de Haia de 01-06-1970, sobre o Reconhecimento dos Divórcios e da Separações de Pessoas, pois, como decorre desta Convenção, aplicável ao divórcio, o reconhecimento da sentença que o decretou não é de mérito, mas de forma (artigo 6.º, b, 2.º parágrafo), sendo esse reconhecimento recusado se for violado o direito de defesa (artigo 8.º) e se o resultado for incompatível com a ordem pública nacional do Estado revisor (artigo 11.º), sucedendo que, in casu, não há razões para se concluir pela violação do direito de defesa e dos princípios de ordem pública.

Igualmente se entendeu que, à luz da Convenção de Haia de 1973 sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões Relativas a Obrigações Alimentares, aplicável na parte referente à obrigação de alimentos decretada na sentença de divórcio em relação às filhas da Requerente e do Requerido (artigos 1.º e 8.º), visto, designadamente,  o   disposto no artigo 12.º, que também menciona que se trata de uma revisão formal e não de mérito, não há fundamento  para não reconhecer e rever a sentença revidenda.

Concordando-se, pelo que se tem vindo a expor, com o acórdão recorrido, é de concluir não haver, também neste segmento, motivo para a não confirmação a sentença revidenda.


III.6.

Defende o Recorrente, quanto à questão da litispendência, que ocorreu violação do requisito da al. d) do artigo 980º do CPC.  Refere que, na fundamentação da acórdão recorrido, se diz, no ponto 6, que, por força do documento de “fls 28v-36”, se considera que a acção judicial foi intentada na Suíça em 14.6.2016, sendo que o documento de fls. 29 apenas tem a data de 14.6.2016 e dele não decorre a data da entrada em Juízo; quem afirma que a acção entrou em Juízo a 14.6.2016 é a Exmª Advogada da Autora no seu depoimento escrito de fls. 425ºvº, cuja admissão aos autos é, como aduziu, totalmente inadmissível e onde o acórdão recorrido claramente se fundamentou para atestar aquele facto.

Vejamos:

No ponto 6, deu-se como provado que a acção proposta no Tribunal suíço foi intentada em 14-06-2016, fazendo-se menção ao doc.  nº 9 da p.i..

Desse documento, no qual se contém a decisão reproduzida no ponto 7, se extrai (ponto 2 da decisão) a referência ao facto de ter sido «apresentado um pedido de divórcio pela cônjuge-mulher, com data de 14 de Junho de 2016, perante o Tribunal Civil de Basileia-Cidade». Aliás, é essa data que consta do início da petição inicial desse processo (conforme cópia inserta no doc. nº 9 da petição inicial da presente revisão). E, na publicação de 05-04-2017, destinada à citação edital do R. para contestar a acção de divórcio, a que se alude no ponto 11 dos factos provados, é a data de 14 de Junho de 2016 que figura como a da instauração da acção, tendo-se feito constar, entre o mais, que:

«AA, representada pelo advogado C. Cron, domiciliado em Basileia, intentou uma acção no dia 14 de Junho de 2016 junto do Tribunal Cível do cantão Basileia-Cidade contra BB, de nacionalidade portuguesa, nascido a 8 de Fevereiro de 1973, residente em Portugal, na Rua .... nº ..., ... ..., com o seguinte requerimento:

1. Requer-se o divórcio do casamento entre as Partes, ao abrigo do art. 114 do Código Civil [suíço].

2. Requer-se que a guarda das filhas do casal, CC, nascida a 14 de Fevereiro de 2004, e DD, nascida a 27 de Março de 2008, seja atribuída à Requerente.

[…]»

É, pois, a data de 14 de Junho de 2016 a da propositura da acção e não a data de 7 de Novembro de 2016, que se prenderá, como se pondera no acórdão, com os trâmites do envio do processo ao cônjuge-marido, para seu conhecimento, verificando-se que por carta de 16-11-2016 (ou seja, 9 dias depois dessa data de 07-11 e reportando-se ao recebimento de uma carta datada de 10), o Exmº Advogado do R. prestou a informação a que se refere o ponto 8 dos factos provados.

Entende-se, assim, que não há razões para alterar a data constante do ponto 6 dos factos provados.

O Recorrente diz discordar totalmente da conclusão de direito do acórdão recorrido no sentido de que, para efeitos de aferir a questão a litispendência, a data relevante é a da entrada das acções em juízo e não a da citação, porque tal resultará da lei suíça.

Refere que não questiona o que diz a lei suíça sobre este tema, mas a interpretação que o acórdão faz da lei no que toca a curar de saber qual é a lei aplicável para que um Tribunal português, num processo que corre em Portugal, entre dois cidadãos portugueses, reconheça se existe ou não uma questão de litispendência entre dois processos judiciais de divórcio, um correndo na Suíça e outro em Portugal.

Acrescenta que:

- A questão da litispendência se põe em Portugal, sucedendo que tal questão foi apreciada na acção de divórcio do Tribunal de Família  …..., que a conheceu e que declarou que a acção do Tribunal Português era anterior à do Tribunal Suíço, pelo que não existia qualquer questão de litispendência que obstaculizasse que a acção judicial em Portugal não devesse prosseguir termos em Portugal;

- Nos termos da lei processual aplicável para efeitos de determinação da litispendência, e que é o CPC Português, a litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar, sendo que “considera-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente” (nº 2 e nº 1 do artigo 582º do CPC);

- A citação do Réu no processo judicial na Suíça, que foi por via edital, é posterior à citação da aqui A. no processo do Tribunal de Família …...., pelo que está provada a ocorrência de litispendência quanto a causa afecta a tribunal português, como previsto na primeira parte da al. d) do artigo 980º do CPC;

- Através de despacho proferido pelo Tribunal de Família de ..., transitado em julgado, declarou-se que não existia qualquer litispendência a favor da acção de divórcio que corria nos tribunais suíços porque, justamente, a acção de divórcio Suíça havia sido interposta em segundo lugar;

- Esta decisão do Tribunal de Família Português tem o inequívoco sentido de que o Tribunal Português preveniu a sua jurisdição. Se se declarou competente o Tribunal de Família de ..., significa que houve prevenção da jurisdição do tribunal português, declarada nesses autos, transitada em julgado, e muito antes de ter sido proferida a sentença na Suíça;

- O Tribunal da Suíça não conheceu da ocorrência e da reserva de jurisdição portuguesa apenas porque a A. não lho disse, quando devia ter dito, pois estava até notificada expressamente para o fazer;

- Assim, o Tribunal estrangeiro não preveniu a jurisdição, ao contrário do que consta da p. 20 do aresto recorrido. O Tribunal Suíço não diz que preveniu a jurisdição; antes, declarou-se competente, mas sob condição de o Tribunal Português não o fazer, tendo até determinado à A. que lhe desse conta da tomada de posição do Tribunal Português sobre a matéria.

Dispõe o art. 980º, al. d), que para a confirmação da sentença é necessário:

«d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição»

No acórdão recorrido, escreveu-se o seguinte:

«Decorre do preceito que deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português estiver a correr termos uma ação idêntica à julgada por sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes da ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro a ação onde veio a ser proferida a sentença revidenda.

A situação prevista na parte final da norma corresponde ao fenómeno da prevenção de jurisdição e tem na sua base a circunstância de dois tribunais de ordens jurídicas diferentes serem simultaneamente competentes para uma ação idêntica e, nesse pressuposto, proferirem decisões sobre a mesma controvérsia.

Nessa situação, se a ação foi proposta em primeiro lugar no tribunal estrangeiro que emitiu a sentença revidenda, por ter prevenido a jurisdição, a pendência da ação em Portugal não impede a confirmação da sentença estrangeira.

Contrariamente ao defendido pelo Requerido, a questão da litispendência e da sua correlação com a prevenção da jurisdição, nestas situações, não se afere em função da data da citação dos réus nas referidas ações, o que prevalece é a data da interposição das ações em juízo (cfr. artigo 259.º, n.º 1, do CPC e no direito suíço o artigo 9.º, n.º 2, da Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado de 18-12-1987-LDIP7).

Convém sublinhar que decorre do artigo 580.º, n.º 3, do CPC, ao contrário do que sucede perante a pendência em tribunais portugueses de ações idênticas, na aceção dos n.º 1 do mesmo preceito (ação idêntica quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir), que é «irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira», ou seja, a causa intentada em tribunal português prossegue, improcedendo a exceção de litispendência, pois o que vai relevar em termos de eficácia da sentença estrangeira caso seja pedida a sua revisão em Portugal, é saber qual dos tribunais preveniu a jurisdição, i.e., em qual deles foi intentada a ação em primeiro lugar.

Se o tribunal estrangeiro tinha competência internacional para julgar a ação e proferiu sentença que transitou em julgado, tendo a correspondente ação sido intentada em primeiro lugar em relação a ação idêntica à intentada no tribunal português, se for pedida a revisão em Portugal daquela decisão estrangeira, a Relação deve procede ao reconhecimento por o tribunal estrangeiro ter prevenido a jurisdição.

No caso presente, ficou provado que a ora Requerente, em 14-06-2016, instaurou no Tribunal Civil de Basileia-Cidade, ação de divórcio contra o ora Requerido (facto provado n.º 6.), tendo sido remetido o processo ao cônjuge - marido em 07-11-2016 (facto provado n.º 7.), ou seja, a referida ação não foi intentada nesta última data, contrariamente ao defendido pelo Requerido, reportando-se a mesma à data em que o tribunal suíço procedeu ao envio de elementos do processo ao réu, o que evidencia que a ação já tinha sido instaurada em data anterior.

Por sua vez, a ação foi intentada no tribunal português em 14-07-2016 (facto provado n.º 15.), ou seja, um mês depois da instauração da ação de divórcio no tribunal suíço.

Tendo a ação de divórcio sido intentada em primeiro lugar no tribunal estrangeiro ocorre o fenómeno da prevenção de jurisdição, que não depende de qualquer declaração do tribunal estrangeiro, já que se trata de um facto meramente objetivo relacionado com a data da instauração da ação.

O que o tribunal suíço fez constar no despacho proferido em 10-11-2016 (cfr. facto provado 7.), quando foi confrontado com a pendência de uma ação de divórcio em Portugal, foi apenas a irrelevância da pendência de ação posterior intentada em Portugal, ou seja, o tribunal suíço declarou-se competente para ação de divórcio intentada naquele tribunal, ressalvando a possibilidade de poder ter havido prevenção de jurisdição do tribunal português, o que significaria que a decisão estrangeira poderia ser reconhecida na Suíça e determinaria, então, a suspensão da instância do processo suíço (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e 3 da Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado de 18-12-1987-LDIP).»

Apreciemos:

Resulta dos factos provados que a acção na qual foi proferida a sentença revidenda foi instaurada em 14-06-2016 e que a acção de divórcio instaurada no Tribunal português o foi em 14-07-2016, ou seja, um mês depois.

Conforme é referido no acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 580º, nº 3, do CPC, é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais. O que releva é saber qual dos tribunais preveniu a jurisdição, ou seja, saber em qual dos dois foi a acção instaurada em primeiro lugar.

José Alberto dos Reis ensina, em Processos Especiais, vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pp. 169-170 (com destaque nosso):

«Deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português está a correr ou já foi decidida acção idêntica à jul­gada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a acção ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.

O fenómeno da prevenção de jurisdição (…) pressupõe caso de competência electiva, isto é, que para a mesma acção são simultaneamente competentes dois tribunais diferentes.

(…)

Suponha-se agora que, segundo as regras de competência internacional exaradas no art. 65.°, determinada acção pode ser intentada ou em tribunal português ou em tribunal espanhol, por exemplo; estamos perante hipótese de competência electiva. A acção foi proposta em Portugal; se posteriormente o for em tribunal espanhol e se pedir a uma das nossas Relações a revisão e confirmação da sentença proferida na Espanha, esta sentença não pode ser confirmada, porque a isso obsta ou a excepção de litispendência, se a acção intentada no tribunal português ainda estiver a correr, ou a excepção de caso julgado, se esta acção já tiver sido decidida por sentença transitada.

Figure-se a hipótese inversa. A acção foi proposta primeiro na Espanha e só depois disso foi afecta a tribunal português. Neste caso diz-se que o tribunal espanhol preveniu a jurisdição. Sendo assim, o facto de a mesma acção estar pendente em tri­bunal português ou já estar decidida por sentença de tribunal português passada em julgado, não obstará a que a sentença, espanhola, quando pedida a revisão, seja confirmada.»

Cotejando os arts. 504º do CPC de 1939 (que afirmava, tal como o actual art. 580º, nº 3, do CPC, a irrelevância da pendência de causa perante a jurisdição estrangeira), com o art. 1102º, nº 4, do mesmo CPC-1939 (equivalente ao actual 980º, al. d)), comenta J. Alberto dos Reis (pp. 170-171):

«As duas disposições têm domínio de aplicação diferente. Por força do art. 504.°, se em processo afecto a tribunal português se deduzir a excepção de litispendência com o fundamento de que a mesma acção está a correr perante tribunal estrangeiro, cum­pre ao juiz julgar improcedente a excepção, de sorte que o pro­cesso deve seguir o seu curso, embora a acção houvesse sido intentada primeiro perante o tribunal estrangeiro. Mas se a acção intentada no tribunal estrangeiro em primeiro lugar for declarada procedente por sentença transitada em julgado e se pedir em Portugal a sua revisão e confirmação, uma de duas:

a)  Ou era caso de competência electiva;

b) Ou não era.     

Na primeira hipótese, isto é, se o tribunal estrangeiro tinha competência internacional em face do art. 65.°, a Relação deve confirmar a sentença; na segunda, deve negá-la.

Quer dizer, dando-se a primeira hipótese, a pendência da causa perante tribunal estrangeiro, que não foi capaz de pôr termo à causa pendente em tribunal português, vem a final a produzir efeitos em Portugal; mas produ-los, não já como excep­ção de litispendência: produ-los, porque há uma sentença estran­geira passada em julgado, proferida por tribunal internacional­mente competente, que preveniu a jurisdição.

Por outras palavras, a pendência de causa perante jurisdição estrangeira não actua directamente, não tem eficácia directa; mas pode vir a tê-la indirectamente, se sobre a causa for proferida sentença com trânsito em julgado por tribunal internacional­mente competente, que haja prevenido a jurisdição.»

Assim, não é por, no Tribunal português, se concluir pela inexistência de litispendência, de acordo com o disposto no art. 580º, nº 3, do CPC (não poderia ser de outro modo, face à taxatividade do preceito), julgando improcedente tal excepção, que se deve entender que esse Tribunal preveniu a jurisdição.

O Tribunal de Família e Menores de ... ateve-se ao preceituado no dito art. 580º, nº 3, como decorre do seguinte despacho (proferido em 12-05-2017):

«A pendência da acção em tribunal estrangeiro é irrelevante, salvo havendo convenção internacional em contrário, o que não é caso – art. 580º, nº 3 do CPC.

Pelo que improcede a excepção de litispendência.

Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de litispendência.»

Por outro lado, não será de extrair da posição assumida pelo Tribunal suíço que não preveniu jurisdição, pois o que fez foi, não deixando de se declarar competente para a acção, salvaguardar a possibilidade de ocorrer “uma litispendência anteriormente apresentada em Portugal”, ou seja, conforme se refere no acórdão recorrido, a hipótese de ter havido prevenção de jurisdição do Tribunal português, o que significaria que a decisão estrangeira poderia vir a ser reconhecida na Suíça e desencadearia a suspensão da instância no processo suíço, nos termos do art. 9º, nº 1 e 3 da Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado de 18-12-1987 (acedida em https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/1988/1776_1776_1776/fr).

Não se questionado que o Tribunal suíço tinha também competência para a acção, o problema da prevenção da jurisdição encontra resposta em saber onde foi o processo instaurado em primeiro lugar.

Luís de Lima Pinheiro, refere (op. cit., pp. 224-225):

«A unidade e coerência do sistema jurídico tomam imperioso que se evite o sur­gimento de dois casos julgados contraditórios na ordem jurídica portuguesa (…). Se foi instaurada uma ação em tribunais portugueses antes da propositura da ação no tribunal de origem, idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a sentença estrangeira não pode ser reconhecida (…).

Quanto à litispendência esta solução deve entender-se à luz da irrelevân­cia da litispendência estrangeira, consagrada entre nós no art. 580./3 CPC (supra § 89). Se a ré no processo estrangeiro pudesse invocar aí a existência de um processo em Portugal como exceção não haveria uma sentença estrangeira a reconhecer (…). É precisamente na pressuposição que a ré no processo estrangeiro não pode invocar a litispendência estrangeira que a litispendência constitui um fundamento de oposição à confirmação».

No Ac. da Relação de Coimbra de 21-09-2010, Rel. Virgílio Mateus, Proc. 179/08.3YRCBR, publicado em www.dgsi.pt, concluiu-se que:

«a). Não obsta à revisão e confirmação da sentença suíça que decretou o divórcio o caso julgado formado por sentença portuguesa que decretou o divórcio dos mesmos cônjuges, porque o tribunal suíço preveniu a jurisdição.

b). Para se aferir se o tribunal suíço preveniu a jurisdição, no sentido do artigo 1096º al. d) do CPC, não releva a data do trânsito em julgado da decisão a rever, mas sim a data de instauração da respectiva acção: preveniu a jurisdição o tribunal onde foi instaurada em primeiro lugar a acção, no caso o tribunal suíço.»

João Gomes de Almeida observa, sobre esta matéria, que (com destaque nosso):

«(…) o reconhecimento da decisão estrangeira não é obstaculizado se "foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição", isto é, se a ação instaurada no tribunal do Estado de origem foi intentada em primeiro lugar (…). O legislador português consagrou assim, de forma plena, o princípio da prioridade temporal.

A consagração deste princípio suscita a questão de saber como se deve aferir a
propositura da ação. De acordo com o Direito processual de fonte interna, a ação considera-se intentada logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do tribunal (…).

Uma solução possível seria aplicar este critério para determinar o momento em que a ação foi intentada no tribunal do Estado de origem. Esta solução não parece, contudo, ser a melhor, uma vez que o Direito do Estado de origem pode determinar que a ação só se considera intentada num outro momento. Como tal, entende-se que o momento em que se considera que a ação que culminou na decisão estrangeira que se visa reconhecer foi intentada deve ser determinado de acordo com a lei processual do Estado de origem

(“Revisão de Sentenças Estrangeiras”, in Processos Especiais, Rui Pinto e Ana Alves Leal (coord.), Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pp. 325-326).

Esta é a também a tese adoptada no acórdão recorrido, com a qual se concorda, fazendo todo o sentido que se afira o momento em que deve considerar-se uma acção instaurada pela lei processual do estado em que essa instauração teve lugar (estado de origem), devendo ser esse o critério a utilizar quando se trata de apurar onde foi prevenida a jurisdição. E, tendo em conta o disposto no art. 9º, nº 2, da Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado, a data relevante a considerar, in casu, é a da introdução do feito em juízo, ou seja, a de 14-06-2016. De onde se retira que o Tribunal que preveniu a jurisdição foi o suíço, já que a acção proposta em Portugal o foi em 14-07-2016.


III.7.

Por referência à al. f) do art. 980º do CPC, ou seja, na defesa da perspectiva de que a decisão revidenda conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, o Recorrente considera que a fixação de €3.200,00 de prestação alimentícia às filhas, quando o seu salário é desse mesmo montante, se inscreve na previsão em apreço.

Refere que o acórdão recorrido decidiu que o Recorrente ganha €10.000,00, porque é isso que ficou provado na sentença revidenda, não podendo o Tribunal «demitir-se dessa função jurisdicional e tomar por bom, por adquirido, e por assente, aquilo que o Tribunal suíço porventura decidiu. Se fosse assim, a al. f) não tinha sentido prático, pois o resultado teria que ser aferido sempre perante o que o Tribunal da jurisdição estrangeira houvera decidido».

Considera que, mesmo que fosse como o ali decidido, haveria que considerar nesta sede, o que é matéria de conhecimento oficioso, face ao CIRS, que, se o Recorrente auferisse €10.000,00 mês, tal corresponderia a uma remuneração líquida apenas de €5.000,00, em virtude das taxas de IRS previstas na lei fiscal portuguesa, o que sempre tornava uma pensão de alimentos de €3.200 mensais incomportável.

Defende que o Tribunal a quo omitiu a sua obrigação de conhecer a questão e de decidir, perante a alegação dos rendimentos que o Réu lhe fez e as provas apresentadas, de se pronunciar sobre a questão, decidindo-a, ao invés do percurso intelectual que fez, que foi valer-se do que sobre a matéria consta da sentença suíça, ocorrendo, assim, uma nulidade,  por se ter omitido o conhecimento de uma questão que tinha de ser conhecida, e erro de interpretação da lei, ao dizer-se que a lei portuguesa aplicável impedia de conhecer a questão dos rendimentos, chegando ao ponto de se afirmar, na p. 32 do douto aresto recorrido, que o rendimento mensal líquido do A. é de cerca de 10.000,00.

O Recorrente assinala que o que se diz na matéria de facto da sentença estrangeira é que, na data da petição inicial e da sentença, o ali R. ganhava cerca de 10.000/mês e o que foi pedido ao Tribunal a quo que ponderasse foi, perante a aplicação desta sentença ao presente, em que o R. ganha efectivamente €3.200,00 – e desconsiderando que já então era isso que ganhava - se tal resultado não é manifestamente incompatível com a ordem pública internacional, indo o R. directo à insolvência se tiver que pagar uma pensão de alimentos às filhas que é igual à totalidade do seu salário.

Acentua não lhe ser fácil ler a página 32 do acórdão recorrido, quando considera que a Suíça é um dos países mais caros do Mundo, pelo que se justifica plenamente que um pai pague 3.200/mês de pensão de alimentos às suas filhas, como se o Recorrente não ganhasse o que ganha realmente.

Defende que a interpretação que o Tribunal a quo faz do art. 980º, al. f), viola a Constituição da República Portuguesa, mormente o art. 20º.

O Tribunal recorrido, a propósito do privilégio da nacionalidade, referiu que, mesmo nessa situação, em que há um controlo de mérito, o tribunal de revisão está sujeito à decisão de facto apurada pelo tribunal estrangeiro, não podendo alterar a decisão, mas tão-só conhecer ou negar a confirmação.

Conforme refere Lima Pinheiro, op. cit., pp. 233-234, o tribunal revisor, na apreciação do fundamento previsto no art. 983º, nº 2, do CPC, tem de examinar os factos e o Direito aplicável, mas não procede a um novo julgamento e «não pode admitir novos meios de prova sobre a matéria de facto nem sequer retificar as conclusões que o tribunal de origem retirou das provas produzidas. O controlo de mérito cinge-se à matéria de Direito. Por outro lado, o tribunal revisor não pode alterar a decisão: só pode conceder ou negar a confirmação».

No mesmo sentido se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (op. cit., p. 432).

No Ac. do STJ de 24-04-2018, Rel. José Raínho, Proc. 137/17.7YRPRT.S1, publicado em www.dgsi.pt, igualmente a propósito do art. 983º, nº 2, do CPC, também se concluiu que «interessa atender quer à decisão tomada quer aos seus fundamentos, o que equivale a dizer que se trata aqui de uma revisão de mérito, e não apenas externa e formal; mas não compete ao juiz controlar a regularidade, proficiência ou suficiência da decisão revidenda quanto à matéria de facto» (destaque nosso).

Se são essas as limitações quanto à matéria de facto, no âmbito do art. 983º, nº 2, muito mais o serão à luz dos fundamentos do art. 980º, relativamente aos quais sempre se tem entendido que a revisão não é de mérito (veja-se, a propósito, o Ac. do STJ de 19-06-2019, Rel. Paula Sá Fernandes, Proc. 322/18.4YRLSB.S1, em www.dgsi.pt).

Não se pode transformar a oposição à revisão da sentença estrangeira numa espécie de recurso dessa sentença.

É certo que o Recorrente refere que não pediu que se conhecesse se o Tribunal suíço deveria ter decidido de outra forma, mas a verdade é que veio invocar provas apresentadas, pretendendo, na prática, que se fizesse um juízo probatório que redundaria na avaliação do que, em matéria de facto, foi decidido por aquele Tribunal.

Conforme se ponderou no citado Ac. do STJ de 24-04-2018 (com destaque nosso, a negrito):

«V - São qualificáveis como de ordem pública aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.

VI - A exceção de ordem pública internacional do Estado Português, ou reserva da ordem pública, só ocorre quando da aplicação de uma norma de direito estrangeiro resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa

A conclusão de que o resultado da sentença revidenda ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, para além de exigir que se trate de resultado manifestamente incompatível com esses princípios, impõe que estejam em causa, como se diz neste Acórdão, princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema. Ora, há que destrinçar uma tal realidade da crítica que se possa fazer relativamente à factualidade dada por provada na sentença revidenda quanto aos rendimentos do R. e que serviu de base, entre outros factores, à prestação alimentícia fixada. Se isso poderia fundamentar um recurso, em devido tempo, ou facultar, estando reunidos os requisitos necessários para tanto, a alteração da pensão fixada, como frequentemente acontece com casos que correm nos tribunais portugueses, o campo em que essas legítimas reacções nos situam não é confundível com a ofensa a princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

Na sentença revidenda, fez-se constar que as contribuições para a alimentação têm por base um rendimento líquido anual do R. de aproximadamente 120 000,00 EUR (incluindo bónus, subsídios e serviços suplementares monetários). Daí a seguinte consideração do Tribunal a quo:

«Nada existe na sentença em revisão que determine inexoravelmente que o «quantum» fixado não o poderia ser à luz da lei portuguesa, considerando o valor do vencimento mensal líquido do Requerido, que situa em cerca de €10.000, a par da existência de duas crianças em idade escolar, a viver na Suíça, consabidamente um dos países mais caros da Europa, senão do Mundo.»

O Tribunal recorrido não tinha, salvo o devido respeito, pelo que já se disse, que fazer uma apreciação de elementos probatórios oferecidos pelo Requerido no sentido de questionar, pondo em causa a sua eventual consistência, aquele montante apurado no Tribunal suíço, não ocorrendo omissão de pronúncia que fira o acórdão de nulidade.

Além disso, não se vê que haja aqui alguma inconstitucionalidade, maxime por ofensa aos princípios consagrados no art. 20º da CRP, já que não se podem olvidar os limites do processo de revisão de sentença estrangeira, destinado à confirmação (que, naturalmente, pode ser negada se não estiverem preenchidos os requisitos para o efeito) da decisão revidenda, o que não passa por produção de prova tendente a introduzir precisões ou contextualizações da matéria de facto constante dessa decisão. E, assim, desde logo por aí (sem discutir os limites da intervenção do STJ quanto à matéria de facto), não há que aditar à factualidade apurada, como pretendia o Recorrente, que este auferia em 2017 um rendimento mensal não superior a € 3.280,00/mês, e à data da Oposição, de cerca de € 3.600,00/mês.

Entende-se, pelo exposto, que a fixação da prestação alimentícia em causa, face, desde logo, ao montante de rendimentos do Requerido que se teve por provado na sentença revidenda, não se assume como um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.


III.8.

O Recorrente invoca ainda o privilégio da nacionalidade, a que se reporta o art. 983º, nº 2, do CPC, no qual se dispõe:

«Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou coletiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa.»

O Recorrente refere que o Tribunal suíço aplicou o direito material suíço e não o português com o fundamento de que “os cônjuges não possuem qualquer cidadania estrangeira comum”, o que é falso, e decorre do facto de a A. ter também mentido ao Tribunal suíço acerca da sua nacionalidade ao omitir na p.i. a sua nacionalidade portuguesa, e justamente para fugir à aplicação da lei comum dos cônjuges, que é a portuguesa, e que seria a aplicável (arts. 52º e 55º do C. Civil, quanto ao divórcio, e 57º, quanto às relações entre pais e filhos).

Pretende o Recorrente que se adite aos factos provados que a A. tem dupla nacionalidade: portuguesa e francesa.

Além disso, defende que, caso se tivesse aplicado o direito português, outro teria sido o resultado quanto ao regime de visitas e quanto aos alimentos.

Relativamente ao regime de visitas, invocando o disposto no art. 1906º, nºs 5 e 7, do C. Civil, considera que a lei portuguesa não consente que se fixe como que um direito de veto da Mãe aos contactos das menores com o Pai, ao decidir-se que “Os pais estabelecem directamente entre si e de comum acordo o direito de visitas e de férias (…)». Se o Tribunal Suíço tivesse aplicado o direito material português, havia de ter fixado esses períodos de visita em sentença, e de forma alargada ao Pai, por as filhas estarem a viver a mais de 2000 km de distância de si.

Entende, por outro lado, que a disposição da sentença revidenda de que “Eventuais litígios sobre as relações pessoais ou as participações de cada um em termos e assistência à infância são decididas pela autoridade de protecção de menores” é um regime jurídico que não poderia ser decidido se tivesse sido aplicado o direito material português, pois que, nesse contexto, em caso de desacordo, seria garantido ao Pai o acesso a um Tribunal, o que representa a  negação de direito de acesso à justiça e aos Tribunais, garantido pelo regime português.

Perante a afirmação do Tribunal a quo de que não demonstrou que a intervenção das ditas autoridades impeçam o recurso aos tribunais ou que as suas decisões  não sejam tomadas com as garantias típicas das judiciais, no que concerne à defesa dos interesses das crianças, refere que não tinha o ónus de provar mais que a natureza administrativa de tal órgão e que o próprio Tribunal diz que, neste tipo de processos, não existe qualquer actividade instrutória a realizar, por se tratar de mera revisão formal; assim, «de acordo com o próprio argumento do Tribunal, se nenhuma actividade probatória é admissível, o Recorrente não pode ser prejudicado por tudo aquilo que não lhe foi dada oportunidade de demonstrar e provar».

No que tange aos alimentos, o Recorrente defende, como resulta das conclusões AAAAAA. a KKKKKK., que um tribunal português teria considerado factores como o das necessidades das menores, das possibilidades de prestação de alimentos de um e outro progenitor, bem como o facto de existirem pesados impostos em Portugal e as despesas que o R. tem de suportar.

Referiu ainda não poder o Tribunal fixar alimentos de forma retroactiva, existindo entre nós realidade diferente para tal, com diferentes critérios legais de ponderação, e que são os alimentos provisórios.

Considera que deve ser anulado o acórdão recorrido.

Vejamos.

Os requisitos estabelecidos no art. 983º, nº 2, do CPC são os seguintes:

1. Ter a sentença revidenda sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa;

2. O direito português ser o aplicável segundo as normas de conflitos da lei portuguesa;

3. A constatação de que o resultado da acção teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português.

Luís de Lima Pinheiro explica que:

«Por "normas de conflitos", no sentido do art. 983º/2, devemos entender todas as normas de Direito Internacional Privado, com inclusão das normas sobre devolução e das normas de conexão ad hoc ligadas ao Direito material especial e às normas "autolimitadas" de Direito comum.»

(Op. cit., p. 231)

O Tribunal a quo entendeu que:

«Estando em causa uma ação de divórcio e a regulação do exercício das responsabilidades, estando adquirido nos autos por força das alegações das partes, que a Requerente, o Requerido e as suas filhas têm nacionalidade portuguesa, as normas de conflitos portuguesas dos artigos 52.º, 55.º, n.º 1, e 57.º do Código Civil, remetem para a lei nacional comum, ou seja, a lei portuguesa.»

Sucede, porém, como refere REMÉDIO MARQUES, que, em certos tipos de relações jurídicas, existe um «fracionamento ou especialização (dépeçage)» das normas de conflitos.

Como sublinha o referido autor, no âmbito das relações familiares quanto à obrigação de alimentos internacionais existem normas de conflitos que se aplicam fora do domínio das regras de conflitos do Código Civil Português.

Assim, no domínio das obrigações alimentares existe uma harmonização material adotando-se um único fator de conexão para os todos os problemas emergentes dos pressupostos da obrigação de alimentos, incluindo a obrigação de prestação de alimentos devidos a menores na sequência do divórcio dos progenitores, concedendo preferência à lei que melhor proteja o menor/credor da prestação, estabelecendo como primeira conexão a residência habitual do menor. E só assim não será, resultando, então, a aplicação das normas de Conflitos do Código Civil, se a lei do Estado contratante da sua residência habitual lhe recusar qualquer direito a obter a prestação de alimentos.

Ora, tanto a Convenção de Haia de 1958 relativa ao Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores, como a Convenção de Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, respetivamente, nos seus artigos 1.º e 7.º, n.º 1, elegem como elemento de conexão relevante em matéria de alimentos devidos a menores no âmbito do processo de divórcio dos progenitores, a residência habitual do menor, enquanto credor do direito a alimentos.

Por sua vez, a Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado de 18-12-1987-LDIP, já supra referida, nos artigos 63.º e 83.º, no que diz respeito à lei aplicável às consequências do divórcio relativas às obrigações alimentares dos pais para com os filhos, remete para a Convenção de Haia de 02 de outubro de 1973, ou seja, aceita a lei da residência habitual do credor dos alimentos, no caso, a lei suíça.

Por conseguinte, em relação à obrigação de alimentos fixada na sentença revidenda, a cargo do ora Requerido, salvo melhor entendimento, não se aplica o privilégio de nacionalidade previsto no n.º 2 do artigo 983.º, do Código Civil, por o direito material competente para dirimir a questão não ser o direito português, mas o direito suíço, ou seja, o da residência habitual das filhas do Requerido.»

Como se vê, o Tribunal recorrido considerou que está adquirido nos autos que a Requerente, o Requerido e as suas filhas têm nacionalidade portuguesa. Daí que não se veja necessidade de fazer qualquer aditamento à matéria de facto relativamente à nacionalidade da Requerente, não tendo residido neste aspecto recusa do Tribunal da Relação em fazer funcionar o privilégio da nacionalidade.

O que se verifica é que as normas do conflito, que são todas as do Direito Internacional Privado, conforme referido, conduzem, como se considerou no acórdão, à conclusão de que, no que respeita às obrigações alimentares, surge como primeira conexão a residência habitual do menor, por força da Convenção Relativa à Lei Aplicável em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores, concluída em Haia em 24-10-1956 (a que se quereria, por certo, fazer referência no acórdão) e a Convenção Aplicável às Obrigações Alimentares, concluída em Haia em 02-10-1973, sucedendo que à aplicabilidade desta faz menção a Lei Federal sobre Direito Internacional Privado, no seu art. 83º, nº1.

Sobre a aplicação destas Convenções que elegem como conexão a residência habitual do menor, pode ver-se Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 49-51 (obra citada no acórdão, por referência à 2ª edição).

Lima Pinheiro também faz menção à aplicação destas Convenções à prestação de alimentos ao filho com residência habitual num Estado contratante, sublinhando o campo de aplicação muito limitado (neste segmento dos alimentos, inteiramente excluído) do art. 57º do C. Civil (Direito Internacional Privado, vol. II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 305-306).

Face aos dois pontos relativamente aos quais o A. invocou o privilégio da nacionalidade, o Tribunal da Relação começou por realçar, no que toca à protecção das crianças e jovens, incluindo as situações de regulação do exercício das responsabilidades parentais em sede de divórcio dos pais, a importância conferida ao acordo destes, sem prejuízo da postura activa do juiz quanto à homologação dos acordos, mas tudo submetido à salvaguarda do superior interesse da criança, com  a consensualidade que existe à volta da preeminência deste princípio, que emerge, designadamente, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, do Código Civil, da Constituição da República Portuguesa ou da Convenção sobre os Direitos da Criança, em cujo art. 3º, nº 1, se prevê que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança, no mais se dando por reproduzido o que, sobre esta matéria, se escreveu no acórdão.

Passou-se, depois, a apreciar, especificamente, a problemática atinente ao regime de visitas (não abrangido pelas ditas Convenções e, por isso, alvo de análise relativa ao eventual preenchimento do privilégio de nacionalidade), que, na sentença revidenda, se fixou pela seguinte forma:

«Os pais estabelecem diretamente entre si e de comum acordo o direito de visita e de férias ou as participações de cada um em termos de assistência à infância nos moldes existentes até agora, tomando ainda em consideração os legítimos interesses dos filhos.

Eventuais litígios sobre as relações pessoais ou as participações de cada um em termos de assistência à infância são decididos pela autoridade de proteção de menores.»

O Tribunal a quo, depois de citar o art. 1906º, nºs 5 e 7, do C. Civil, na redacção então vigente, e de tecer alguns considerandos, ponderou o seguinte:

«No caso em apreço, o Requerido não teve intervenção no processo. Portanto, em situação semelhante em Portugal, vivendo as crianças com a mãe na Suíça e o Requerido em Portugal, a distância física, nessa situação, impõe enormes dificuldades de estabelecimento de um regime de visitas de forma concretizada. O acordo dos pais é aqui indispensável. Terão de se coordenar em termos logísticos e de definição dos momentos em que vão ocorrer as visitas. Seria impraticável estabelecer-se um regime pormenorizado de visitas sem a colaboração dos progenitores. Por outro lado, as crianças vivem com a mãe na Suíça desde abril de 2015 e o pai não alega que tenha suscitado a questão perante as autoridades competentes (sejam elas as portuguesas ou suíças) invocando dificuldades de contatos com as filhas. Nesse pressuposto, não se afigura falho de fundamento que o tribunal suíço tenha presumido que não havia desacordo dos pais sobre o modo de efetivar o regime de visitas, porque o tribunal português, perante a inação do pai, provavelmente presumiria de igual modo.

Por conseguinte, em face da lei portuguesa e das concretas circunstâncias da situação, não existindo evidência probatória que indicie conflito entre os progenitores, fixar um regime de visitas ao progenitor não residente com as crianças que remete para o acordo dos progenitores em ordem a organizarem as visitas, corresponsabilizando-os pela sua implementação (o que, obviamente, não significa dar poder de veto a qualquer dos progenitores ou apenas à mãe), enquadra-se plenamente no espírito da lei portuguesa e na defesa do superior interesse das crianças em causa nestes autos.

Alega o Requerido que a lei portuguesa não remeteria para uma autoridade administrativa a resolução de conflitos, não negando o acesso ao tribunal.

A lei suíça em geral (sem prejuízo da específica situação em cada um dos cantões) tem instituído um sistema de intervenção das autoridades de proteção no domínio da infância (cfr., no âmbito do divórcio, os artigos 315.º-a e 315.º-b, do Código Civil Suíço-ZGB15).

O que não está demonstrado nos autos, correndo esse ónus contra o opoente, é que as intervenções das ditas autoridades impeçam o recurso aos tribunais ou que as suas decisões não sejam tomadas com todas as garantias típicas das judiciais no que concerne à defesa dos interesses das crianças.

De qualquer modo, com as devidas diferenças que decerto se verificam, o regime português também permite a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação sempre que o juiz o determinar com consentimento dos interessados, privilegiando-se, assim, um meio alternativo de resolução de conflitos no domínio da alteração e incumprimento do exercício das responsabilidades parentais (cfr. artigo 24.º do RGPTC).

De todo o exposto, e no que concerne ao regime de vistas, não se corrobora o entendimento do Requerido quando defende que da aplicação da lei portuguesa teria resultado um regime mais favorável do que o que decorre da sentença revivenda por ter aplicado a lei suíça, sublinhando-se, mais uma vez, que nessa aferição o que revela é o superior interesse das crianças e não o dos progenitores.»

Considera-se que o Tribunal da Relação fez a adequada exegese do caso. Na verdade, a distância física entre os pais (vivendo a Mãe na Suíça e o Pai em Portugal) não seria propícia a um regime detalhado do género do que costuma ser estabelecido relativamente a pais que vivem próximos uns dos outros. Por outro lado, conforme se refere no acórdão, vivendo as menores com a mãe na Suíça desde Abril de 2015, sem que o pai (não alega que o tenha feito) haja suscitado a questão perante as autoridades competentes, invocando dificuldades de contactos com as filhas, não será descabido que se tenha presumido que existisse um relacionamento que facultasse um regime aberto, para mais tendo em conta a idade das menores, sobretudo a mais velha, com 14 anos, à altura da sentença, e agora com 17, sendo que a mais nova tinha 9 e agora tem 13 anos.

Na verdade, o regime de visitas deve sempre ser estabelecido de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (art. 1907º, nº 7, do C. Civil, na redacção em vigor no momento do acórdão), adequado às circunstâncias de cada caso, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade (art. 987º do CPC, ex vi do art. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível - RGPTC), não havendo impedimento a que se estabeleça um regime aberto, desde que estejam reunidas as condições para tanto, à luz dos princípios prevalecentes neste domínio.

Não se vê em que medida esteja instituído um regime que permita um “veto” por parte da progenitora.

No que concerne à intervenção de uma autoridade de protecção de menores na resolução de eventuais conflitos, não se demonstra que tal represente a negação do direito de acesso à justiça, como alega o Recorrente, e, sobretudo, que redunde, de alguma forma, em prejuízo do interesse dos menores, já que, entre nós, também há a possibilidade, em caso de conflito entre os pais, de lançar mão da audiência técnica especializada e de mediação (arts. 23º e 24º do RGPTC), nem que arrede, a intervenção dos tribunais, ainda que esta venha a ocorrer num segundo momento, como sucede no sistema português, quando aqueles mecanismos alternativos não resultam. E, quando o Tribunal da Relação refere que esta demonstração não foi feita pelo Recorrente, tal não entra em contradição com a afirmação de que não há produção de prova, encontrando-se o tribunal revisor limitado à matéria de facto apurada pelo tribunal estrangeiro, já que o problema aqui não tem a ver com a produção de prova, mas com o preenchimento de uma excepção que depende de arguição/sustentação por parte de quem a deduz, não sendo de conhecimento oficioso (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, op. cit., p. 432).

Entende-se, pelo exposto, que não havia razão para considerar procedente a excepção do privilégio de nacionalidade, concordando-se com o decidido pelo Tribunal da Relação.

 No que tange aos alimentos, o Tribunal da Relação concluiu e, pelo que já se deixou dito, ajustadamente, que não há que atender ao privilégio da nacionalidade por a lei aplicável ser a da residência habitual das crianças, in casu, a lei suíça.

Mesmo assim, entendeu-se no acórdão (naturalmente, a título subsidiário), escrever o seguinte:

«Ainda assim, sempre se dirá que no direito português importaria considerar o artigo 1905.º, n.º 1 do Código Civil, que estipula: «os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor» e, não havendo acordo, uma vez que compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens (artigo 1878.º do Código Civil), considerando a necessidade de quem os recebe, as possibilidades de quem os presta, e a proporcionalidade que tem de existir entre esses dois polos (artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil), o tribunal determinaria a medida, o modo e desde quando são devidos os alimentos (artigos 2004.º a 2007.º do Código Civil).

Deste modo, o que resulta da lei portuguesa é que compete aos pais prover aos alimentos devidos aos filhos considerando as necessidades dos mesmos (sustento, edução, saúde, etc.) impendendo sobre os mesmos o dever de prestar esses alimentos em conformidade com as suas possibilidades e necessidades dos alimentandos, o que implicava a fixação de uma prestação de alimentos.

Nada existe na sentença em revisão que determine inexoravelmente que o «quantum» fixado não o poderia ser à luz da lei portuguesa, considerando o valor do vencimento mensal líquido do Requerido, que situa em cerca de €10.000, a par da existência de duas crianças em idade escolar, a viver na Suíça, consabidamente um dos países mais caros da Europa, senão do Mundo.

Acresce que também em Portugal a atualização das pensões de alimentos se faz habitualmente por referência ao índice de preços no consumidor (que é a referência que está na sentença revidenda em relação aos preços do consumidor na suíça) e os alimentos são devidos desde a propositura da ação, estando a sua alteração/modificação sujeita a alteração das circunstâncias do devedor e do credor de alimentos e do correspondente impulso processual junto de um tribunal, o que também é referenciado na sentença revidenda.

Todos estes elementos não diferem daqueles que resultariam da lei portuguesa se fosse essa a aplicável (e entendemos que não, como já referido).

De qualquer modo, se o Requerido está convencido que outra seria a medida dos alimentos se o tribunal suíço estivesse a par da sua real situação económica, não lhe resta outra alternativa que não seja pugnar, em sede própria junto dos tribunais suíços, pela alteração desse valor e não, como pretende, por esta via da revisão de sentença, impedir que a mesma tenha eficácia em Portugal.»

Concordando-se com o expendido também neste aspecto, embora tal não se impusesse, por não estar, quanto a este segmento, preenchido um dos requisitos do privilégio da nacionalidade, apenas se acrescentará que relativamente à retroactividade da prestação alimentícia, dispõe o art. 2006º do nosso C. Civil que os alimentos são devidos desde a proposição da acção. Ora, tendo a acção sido intentada no Tribunal suíço em 14-06-2016, reportaram-se, na sentença revidenda, os efeitos da prestação alimentícia a 1 de Julho de 2016 (primeiro dia do mês subsequente à entrada da petição), uma determinação que não é mais gravosa que a resultante do aludido art. 2006º.

No que concerne aos factores a ter em consideração na fixação dos alimentos, verifica-se que, na petição apresentada perante o Tribunal suíço, a A., na “Breve exposição de motivos”, alegou factos relevantes para aquela fixação e indicou meios probatórios.

Na parte final da decisão revidenda, surge consignada a possibilidade de ser apresentada uma fundamentação escrita, mediante solicitação de alguma das partes no prazo de 10 dias a partir da notificação da decisão, de onde será de retirar que a uma fundamentação sumária poderia seguir-se outra mais desenvolvida, caso fosse requerida, o que não pode ser olvidado quando se trate de apontar à sentença a falta de explicitação de alguns elementos.

Também nesta matéria se mantém o decidido pelo Tribunal da Relação.


III.9.

O Recorrente entende, ainda, que há abuso de direito (art. 334º do C. Civil) por parte da Requerente, como se retira das concussões PPPPPP a QQQQQQ.

Pelo que se tem vindo a expor, é de concluir que não há motivo para se concluir pelo invocado abuso de direito, já que a A. se estriba numa sentença transitada em julgado, proferida por um Tribunal suíço, onde, legitimamente, propôs a acção em que essa sentença foi prolatada, não procedendo os argumentos do Recorrente para se negar a confirmação dessa decisão.


III.10.

Refere o Recorrente que o reconhecimento da sentença revidenda é incompatível com decisão judicial anterior do Tribunal de Família ….... quanto à sua competência, sob reserva de jurisdição e litispendência, e que tal decisão do Tribunal de Família de ... até transitou em julgado antes da data em que a sentença revidenda terá transitado (de acordo com a alegação da A).

Pelo que já se deixou expresso, não é por, no Tribunal português, se concluir pela inexistência de litispendência, de acordo com o disposto no art. 580º, nº 3, do CPC, que se deve entender que esse Tribunal preveniu a jurisdição. Considerou-se que o Tribunal que preveniu a jurisdição foi o suíço, não havendo impedimento à confirmação da sentença nele proferida e transitada em julgado, como resulta dos ensinamentos de José Alberto dos Reis, oportunamente mencionados.

Improcede a revista.

Sumário (da responsabilidade do relator)

1. Embora a revisão de sentença estrangeira corra, em primeira instância, perante o Tribunal da Relação, o recurso que cabe do acórdão (que decida de mérito) é de revista e não de apelação, como sucede com o processo a que se referem os arts. 967º e segs. do CPC, havendo que retirar daí as devidas consequências quanto aos poderes de alteração da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça, circunscritos aos que se prevêem para o julgamento de qualquer revista.

2. A autenticidade do documento de que conste a sentença a rever consente que se trate de uma cópia autenticada da sentença, é aferida pela lei do país onde a sentença foi proferida e exige que tal documento provenha da autoridade competente segundo a lei do Estado de origem.

3. A Apostilha é um certificado de que a assinatura e o selo/carimbo aposto num documento público estrangeiro foram emitidos pela entidade competente designada no âmbito da Convenção de Haia de 05-10-1961; não tem de ser aposta no próprio “acto” (documento), podendo sê-lo numa folha ligada a ele; autentica a origem do documento público subjacente, mas não se relaciona com o conteúdo desse documento público, presumindo-se que um documento de natureza pública tenha um conteúdo verdadeiro e correcto.

4. O juízo de compatibilidade da decisão revidenda com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português deve ser aferido pelo resultado do reconhecimento, o que implica um “exame global”, importando que esse  resultado seja, em concreto (caso a caso), “manifestamente incompatível” com aqueles princípios, de modo que sejam postos em causa  ou fortemente contrariados “interesses da maior dignidade e transcendência”, “valores muito significativos”, representando “uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa”.

5. Dada a sua importância, a lei impõe que o Tribunal da Relação verifique oficiosamente se estão preenchidos os requisitos das als. a) e f) do art. 980º do CPC. Quanto aos restantes (als. b) a e)), presumindo-se a sua existência, deles está o requerente dispensado de fazer prova, impendendo sobre o requerido a prova de que não se verificam. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta deles, não pode ser recusada a confirmação.

6. O facto de o réu ter sido citado editalmente (uma das formas de citação também previstas no ordenamento português), no âmbito de processo a correr na Suíça, na sequência da tentativa frustrada da sua citação pessoal em território português, não redunda na violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e da ordem pública internacional do Estado Português.

7. Embora disponha o art. 580º, nº 3, do CPC, que «é irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira», prosseguindo o processo em tribunal português  e improcedendo a excepção de litispendência, tal não impede que venha a ser confirmada sentença estrangeira cuja revisão seja pedida em Portugal,  quando o tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição, ou seja, quando, perante ele, tenha a acção sido intentada antes da que corre em tribunal português.

O momento em que se considera intentada a acção na qual foi proferida a decisão a rever deve ser determinado de acordo com a lei processual do Estado de origem.

8. Embora, no caso previsto no nº 2 do art. 982º do CPC (em que se consagra o privilégio da nacionalidade), se admita um controlo de mérito, o que implica examinar os factos e o direito aplicável, não pode o Tribunal da Relação proceder a um novo julgamento e não pode admitir novos meios de prova sobre a matéria de facto. O controlo de mérito cinge-se à matéria de Direito e o tribunal revisor não pode alterar a decisão, só podendo conceder ou negar a confirmação da sentença revidenda.

9. Na obrigação de alimentos a menores decorrente do divórcio dos progenitores, devem ser consideradas as normas de conflitos resultantes das Convenções (mencionadas no acórdão) que elegem como elemento de conexão relevante a residência habitual do menor (no caso, estamos perante menores que residem na Suíça) e que são aplicáveis em vez das normas de conflito previstas no Código Civil português.


IV

Pelo que ficou dito:

- Não se admite o documento junto pela Recorrida com as contra-alegações, embora se dispense o seu desentranhamento físico e devolução à apresentante (sendo igual a outro que está nos autos), condenando-se a Recorrida, pelo incidente, em 1 UC de taxa de justiça;

- Entende-se não haver razão suficiente para se condenar o Recorrente como litigante de má fé;

- Na improcedência do recurso, mantém-se o decidido no douto Acórdão recorrido.

 Custas da revista pelo Recorrente.


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Lisboa, 22-04-2021

Tibério Nunes da Silva

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo dos Santos Geraldes


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Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10º-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Juízes Conselheiros que compõem este colectivo.

Tibério Nunes da Silva (Relator)

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[1] Equivalente ao actual art. 980º do CPC.
[2] Equivalente ao actual art. 984º do CPC.