Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃOJSTJ000 | ||
Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | CASO JULGADO EXECUÇÃO INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS VERIFICAÇÃO PEDIDO CAUSA DE PEDIR IDENTIDADE SUBJETIVA HIPOTECA DIREITO DE RETENÇÃO CONTRATO-PROMESSA GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS DIREITO REAL DE GARANTIA | ||
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Data do Acordão: | 05/16/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA PROCEDENTE. | ||
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Sumário : | I - A sentença proferida no apenso das reclamações de créditos ao processo de execução em que era executado o ora insolvente sendo ali, respectivamente, exequente e credor reclamante dois credores que figuram na lista da relação de créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência e que deduziram impugnação de créditos no apenso de verificação e graduação de créditos ao processo de insolvência, não se impõe como caso julgado neste processo. II - O objecto dos processos (do concurso de credores por apenso à acção executiva e deste processo) atentos os pedidos e causas de pedir respectivos, observados tendo em conta a função de cada um deles, não coincide, evidenciando-se, também, a diferença no que respeita aos sujeitos - sendo os credores interessados e intervenientes no processo de insolvência não apenas os que podiam intervir no apenso executivo (os credores com garantia real), mas antes podendo reclamar créditos todos os credores. III – Tendo a decisão recorrida considerado o crédito do credor “J” , promitente comprador, no valor de 150.000,00 €, correspondente ao sinal em dobro, garantido por direito de retenção (sendo anterior à insolvência a situação de não cumprimento do contrato promessa pelo insolvente), prevalece o crédito garantido por direito de retenção sobre o crédito da credora “H” garantido por hipoteca, ainda que registada anteriormente, devendo aquele ser graduado antes deste último. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2136/22.8T8SNT-A.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): * I – Nos autos de verificação e graduação de créditos, por apenso ao processo de insolvência de AA, o Sr. Administrador da Insolvência juntou a relação de créditos reconhecidos a que se reporta o art. 129 do CIRE, esclarecendo, então, que «não existem créditos não reconhecidos, assim como, créditos reconhecidos sem que tenham sido reclamados, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação». Da lista constavam, designadamente: A – O crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.», no montante total de 205 899,69 €, garantido por hipoteca sobre a fracção G do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...84; B - O crédito de BB, no montante total de 168 032,88 €, garantido por direito de retenção sobre a mesma fracção autónoma. Aquela lista foi impugnada: 1 - Pelo credor BB, entendendo que deve ser julgado e reconhecido, apenas, o valor de € 170.273,32 da credora “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.”, como crédito garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23, valor a ser pago após liquidação do crédito garantido do impugnante sobre a referida fracção, sendo o restante crédito da “Hefesto” classificado como crédito comum. 2 - Pela credora “Hefesto STC, S.A.”, relativamente à natureza do crédito do credor BB: considerou que no âmbito do processo de execução n.º 11159/14...., o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu graduar o seu crédito hipotecário à frente do crédito exequendo, o do credor BB, e que tal decisão de mérito sobre a relação material controvertida, produz efeitos não só dentro do processo a que respeita, mas também fora dele, existindo caso julgado material; que não lhe é oponível o direito de retenção reconhecido no âmbito da acção ordinária que correu termos sob o n.º 25355/13.... e em que não foi parte; que o crédito reclamado por BB deverá ser graduado como comum, na sua totalidade. Os credores e o Administrador da Insolvência responderam às impugnações, após o que o Tribunal de 1ª instância proferiu saneador sentença. Neste, havendo julgado «procedente a excepção de caso julgado invocada», decidiu nos seguintes termos: «1. Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor BB relativamente ao credito da Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. devendo ser julgado como garantido o valor € 182.269,54, sendo que o restante crédito reclamado deverá ser classificado como crédito comum. 2. Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. ao crédito do credor BB e nessa medida procedente a excepção de caso julgado invocada, e em consequência julgar como garantidos € 150.000,00 mas a ser graduados depois do crédito hipotecário e julgar como comuns os restantes valores peticionados. 3. Em consequência este Tribunal julga verificados os seguintes créditos: Como créditos com natureza garantida: Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 182.269,54 sendo € 152.000,00 de capital e € 30.269,54 de juros; BB: € 150.000,00; Como créditos com natureza comum: Autoridade Tributária e Aduaneira: € 8 812,46; Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 23630,15 (205 899,69-182 269,54); Caixa Geral de Depósitos, SA: € 36 922,91; BB: € 48378,08 (198.378,08-150.000,00); Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito SA: 12 585,75 € 4. Em consequência o Tribunal gradua os créditos verificados, nos seguintes termos: 1. Credor Hipotecário - Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.; 2. BB; 3. Créditos comuns que serão pagos na proporção respetiva». Interpôs o credor BB recurso de revista “per saltum”, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: «1. Do exposto nos artigos 6.º a 21.º deste recurso, no nosso modesto entendimento, não se verifica a exceção dilatória nominada de caso julgado, em virtude de não estarem reunidos os requisitos do art.º 581.º do CPC, seguindo de perto a jurisprudência proferida pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente o Acórdão do STJ datado de 115.12.2020, proferido no processo 100/13.7TBVCD-B.P1.S1, no qual em suma, entende não existir a exceção de caso julgado, sendo consabido que os limites da ação executiva são determinados pelo título executivo que lhe serve de base, cfr. o n.º5 do art.º 10.º CPC, já o processo de insolvência, como definido pelo art. 1º do CIRE, “é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores; 2. Na insolvência é unânime a jurisprudência relativamente à posição do aqui recorrente, o qual surge na investido de Credor/Consumidor, detendo um crédito sobre o insolvente e um direito de retenção sobre o imóvel, direito esse reforçado pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de julho, que visando a proteção do consumidor, cfr. o n.º2 do art.º 759 do C.C., posição que não se verifica na execução; 3. No presente caso, verifica-se entre os apensos de reclamação de créditos da execução e o da insolvência enormes diferenças entre os intervenientes, os valores requeridos e a causa de pedir são igualmente diferentes, sendo certo que os sujeitos processuais da ação executiva e os do processo de insolvência não se apresentam em idêntica qualidade jurídica subjetiva, já que o aqui Recorrente, na ação de insolvência, por correspondência, em idêntico estatuto no apenso de reclamação de créditos de insolvência, detém a nobreza conferida pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de julho, que visando a proteção do consumidor com o direito de retenção sobre o imóvel reforçado pelo o n.º2 do art.º 759 do C.C., que ao presente caso não pode deixar de se observar, porque resulta dos autos de execução, que aquando da celebração do contrato promessa e compra e venda obteve a tradição do imóvel, nele tendo habitado com a sua família desde 12.11.2010 até ser coagido a sair pelo Sr. Agente de execução após a venda da fração efetuada novembro de 2021, ou seja o aqui recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos e passado este espaço temporal surge infelizmente a verdade material de ser mais um consumidor viu-se com a sua família na rua sem casa e sem dinheiro para adquirir nova habitação visando suprir o direito constitucional de habitação; 4. Pelo exposto, somos a seguir de perto o já anteriormente referido entendimento deduzido no Acórdão do STJ datado de 15.12.2020, proferido no processo 100/13.7TBVCD-B.P1.S1, de que a sentença de verificação de créditos reclamados, proferida em apenso de reclamação de créditos na ação executiva e vindo a serem declarados insolventes os executados, não se constitui como caso julgado material nem dispõe de autoridade de caso julgado relativamente à impugnação e verificação desses créditos no incidente de reclamação, verificação e graduação de créditos relativo ao processo de insolvência. 5. Do anteriormente referido nos artigos 22.º a 27.º deste articulado, resulta que foi reconhecido ao Recorrente o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, não restando dúvidas que o Recorrente aquando da celebração do contrato promessa e compra e venda obteve a tradição do imóvel, nele tendo habitado com a sua família desde 12.11.2010 até ser coagido a sair pelo Sr Agente de execução após a venda da fração efetuada novembro de 2021, ou seja o aqui recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos. 6. O Recorrente que é um credor cujo o seu crédito tem natureza garantida sobre o valor proveniente da venda do imóvel e sobre o qual detinha o seu direito de retenção, o qual é tutelado pelo Recorrente enquanto promitente-adquirente e consumidor, nos termos da al.f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C., e o mesmo, nos termos do n.º 2 do art.º 759.º do C.C., prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, consequentemente e pelo produto da venda do imóvel identificado na sentença, no qual o recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos, deve o crédito do Recorrente ser graduado em primeiro lugar». Dos autos não constam contra alegações. * II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência constam os seguintes créditos com natureza garantida: a) Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: 205 899,69 € sendo 165 329,88 € de capital e 40 569,81 € de juros; b) BB: 168 032,88 € 2. Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência constam os seguintes créditos com natureza comum: a) Autoridade Tributária e Aduaneira: €8 812,46; b) Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 6310,85; c) Caixa Geral de Depósitos, SA: €3 6 922,91; d) BB: € 30 345,20; e) Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito SA: 12 585,75 € 3. O reclamante BB intentou contra o insolvente uma acção ordinária, que correu termos sob o n.º 25355/13...., no então Juiz ... do Juízo ..., tendo peticionado i) que fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda assinado entre o A. e o R., datado de 12/11/2010, por o R. o ter incumprido definitivamente, por sua culpa exclusiva e, em consequência, ii) ser o R., nos termos do nº. 2 do artº. 442º do Código Civil, condenado a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00 correspondente ao dobro do sinal que este entregou àquele, na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda (12/11/2010); iii) e ser o R. condenado a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre a fracção autónoma pelo valor de € 150.000,00, como garantia do seu pagamento, nos termos do disposto nos artºs. 755º, nº. 1 al. f) e 759º, nº. 2 do Código Civil. 4. Por sentença proferida em 12-3-2014, julgou o tribunal procedente a referida acção e, em consequência, declarou resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o A. e o R., datado de 12/11/2010, tendo condenado AA a pagar a BB a quantia de € 150.000,00 correspondente ao dobro do sinal que este entregou àquele; mais condenando AA, a reconhecer a BB, o direito de retenção deste sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2º andar – A, com dois parqueamentos nºs. 1 e 2 no piso – 1 (Piso menos Um), destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Urbanização ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23 e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ...16. 5. Em 16-05-2014, BB apresentou à execução a referida sentença, execução essa que correu termos sob o n.º 11159/14...., no Juiz ... do Juízo de Execução .... 6. Em 01-06-2015, foi a Caixa Económica Montepio Geral, citada, na qualidade de credor hipotecário. 7. A reclamação de créditos apresentada pela Caixa Económica Montepio Geral foi objecto de oposição por parte do exequente, o credor BB. 8. Não se conformando com a decisão proferida pela 1ª Instância, a Caixa Económica Montepio Geral recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. 9. O Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão transitada em julgado, revogou parcialmente a sentença recorrida, tendo alterado a graduação do crédito hipotecário de forma a que fosse graduado à frente do crédito exequendo. 10. Encontra-se registada a favor da credora Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. através da AP. ...0 de 2007/11/09, hipoteca para um capital de € 152.000,00€, relativo a fração autónoma designada pela letra "G", descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...47. * III – Sendo as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da revista, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente emergem como questões a considerar (aliás, como o próprio recorrente enuncia): a da (im)procedência da excepção de caso julgado invocada; a da graduação dos créditos verificados, no que respeita ao confronto dos créditos considerados garantidos do recorrente e da credora “Hefesto”. * IV – 1 - Consoante se apurou, por sentença proferida em 12-3-2014 foi julgada procedente a acção ordinária com o nº 25355/13...., que o reclamante BB intentara contra o insolvente AA, sendo declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os ali A. e R., datado de 12-11-2010, e havendo sido condenado o R. a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00, correspondente ao dobro do sinal que este entregara àquele; bem como condenado o R. a reconhecer ao A. o direito de retenção deste sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2º andar – A, com dois parqueamentos nºs. 1 e 2 no piso – 1 (Piso menos Um), destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Urbanização ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23 e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ...16. Como, igualmente, se apurou, em 16-05-2014, o reclamante BB apresentou à execução a referida sentença, execução essa que correu termos sob o n.º 11159/14...., havendo a “Caixa Económica Montepio Geral” sido citada, na qualidade de credora hipotecária. Na sequência do processamento da reclamação de créditos que teve lugar o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão transitada em julgado, revogou parcialmente a sentença que fora proferida, tendo alterado a graduação do crédito hipotecário de forma a que fosse graduado à frente do crédito exequendo. Já nos presentes autos, o Tribunal de 1ª instância julgou procedente a excepção de caso julgado invocada pela impugnante “Hefesto”, aduzindo, em desfecho, a seguinte fundamentação: «Acontece que como refere a credora Hefesto “a sentença proferida em sede de acção declarativa que reconheça ao exequente a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário, que não interveio nessa acção, não lhe sendo por isso oponível, embora não pondo em causa a validade do crédito hipotecário, o certo é que afecta a sua consistência, por oneração do património do devedor, opondo-se ao direito de um terceiro juridicamente interessado, incompatível em alguma medida com o direito de retenção sobre a coisa hipotecada. (Acórdão do TR de Lisboa (Relator Pereira Rodrigues), de 14.12.2006, no processo n.º 10078/2006-6. No presente caso a decisão proferida no sentido da inoponibilidade do direito de retenção (reconhecido na acção ordinária n.º 25355/13.... do Juiz ... do Juízo ...,) do credor BB à credora Hefesto STC, S.A., (reconhecido no âmbito da n.º 11159/14...., no Juiz ... do Juízo de Execução ...) não permite que agora se volte a reapreciar a oponibilidade do direito de retenção ao credor hipotecário e as suas consequências. Por todo o exposto, julga-se procedente a excepção de caso julgado invocada». Vejamos, então. Conforme consta do art. 619 do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580 e 581 - quando constitui uma decisão de mérito, a sentença produz, também fora do processo, o efeito de caso julgado material. Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado) e o da autoridade do caso julgado. Concluía Teixeira de Sousa ([1]) que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da decisão anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente. Concretizando: «Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente …»; «a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou o comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente…». A credora “Hefesto” não pôs em causa, na impugnação que deduziu, que o credor BB houvesse a receber do insolvente o valor correspondente ao dobro do sinal por ele entregue com base no contrato promessa de compra e venda do imóvel, nem as circunstâncias de facto em que se fundaria o direito de retenção (por exemplo, não colocou em crise que tivesse ocorrido tradição do imóvel). Haverá, pois, que considerar que o crédito reclamado por BB (o dobro do sinal entregue, no montante total de 150.000,00 €) existe e é garantido por direito de retenção – como foi considerado na sentença recorrida e, obviamente, não foi discutido no presente recurso. Não esqueçamos que, no caso, o não cumprimento do contrato promessa não se funda numa recusa de cumprimento por parte do Administrador da insolvência - caso especial em que o inadimplemento se funda num acto lícito daquele. Efectivamente, consoante se provou, datava já de 12-3-2014, a sentença que julgara procedente a acção que o reclamante BB intentara contra o insolvente pedindo que fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda, por o ali R. o ter incumprido definitivamente, bem como a condenação no pagamento de 150.000,00 € e o reconhecimento do direito de retenção. Deste modo, não tem aplicação o disposto nos arts. 102 e seguintes do CIRE nem o AUJ n.º 4/2014, sendo de considerar, tão só, os atinentes preceitos do CC ([12]). Como refere Soveral Martins ([13]) se antes da declaração de insolvência do promitente vendedor existir situação de não cumprimento a ele imputável, nenhuma dúvida há quanto à aplicabilidade dos arts. 442, nº 2 e 755, nº 2-f) do CC. «O direito de retenção que já protegia o promitente-comprador antes da declaração de insolvência do promitente-vendedor não se extingue com essa declaração de insolvência». * IV – 4 - O art. 759 do CC equipara o titular do direito de retenção de coisas imóveis ao credor hipotecário e dá-lhe a faculdade de executar a coisa para pagamento do seu crédito e o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor, concedendo prioridade ao seu titular sobre o credor hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido registada anteriormente. Sendo certo que a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, designadamente a que tenha sido registada anteriormente, em casos em que aquele direito decorre do disposto na alínea f) do nº 1 do art. 755 do CC, haja sido, por vezes, questionada, a verdade é que essa prevalência resulta explicitamente do nº 2 do art. 759, em conjugação com aquela alínea do art. 755, vindo o Tribunal Constitucional reiteradamente afirmando que a mesma não afecta os princípios da proporcionalidade e da confiança ([14]). Deste modo, conclui-se dever ser alterado o decidido nos pontos “2.” e “4.” da sentença recorrida, julgando-se improcedente a invocada excepção do caso julgado, e graduando-se os créditos com natureza garantida, nos seguintes termos: 1º - O crédito de BB, garantido por direito de retenção, e no valor de 150.000,00 €; 2º - O crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.” , garantido por hipoteca, no valor de 182.269,54 €, sendo 152.000,00 € de capital e 30.269,54 € de juros. * V - Face ao exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, revogando a decisão que julgou procedente a excepção do caso julgado e o segmento que graduou os créditos garantidos, de tal modo que primeiramente se gradua o crédito do recorrente BB, no valor de 150.000,00 € e, somente depois, o crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.” no valor de 182.269,54 €, sendo 152.000,00 € de capital e 30.269,54 € de juros. Custas do recurso pela recorrida “Hefesto”. * Lisboa, 16 de Maio de 2023
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