Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2136/22.8T8SNT-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: CASO JULGADO
EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE SUBJETIVA
HIPOTECA
DIREITO DE RETENÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO REAL DE GARANTIA
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :
I  - A sentença proferida no apenso das reclamações de créditos ao processo de execução em que era executado o ora insolvente sendo ali, respectivamente, exequente e credor reclamante dois credores que figuram na lista da relação de créditos reconhecidos pelo Administrador da Insolvência e que deduziram impugnação de créditos no apenso de verificação e graduação de créditos ao processo de insolvência, não se impõe como caso julgado neste processo.
II - O objecto dos processos (do concurso de credores por apenso à acção executiva e deste processo) atentos os pedidos e causas de pedir respectivos, observados tendo em conta a função de cada um deles, não coincide, evidenciando-se, também, a diferença no que respeita aos sujeitos -  sendo os credores interessados e intervenientes no processo de insolvência não apenas os que podiam intervir no apenso executivo (os credores com garantia real), mas antes podendo reclamar créditos todos os credores.
III – Tendo a decisão recorrida considerado o crédito do credor “J” , promitente comprador, no valor de 150.000,00 €, correspondente ao sinal em dobro, garantido por direito de retenção (sendo anterior à insolvência a situação de não cumprimento do contrato promessa pelo insolvente), prevalece o crédito garantido por direito de retenção sobre o crédito da credora “H” garantido por hipoteca, ainda que registada anteriormente, devendo aquele ser graduado antes deste último.
Decisão Texto Integral:



Proc. nº 2136/22.8T8SNT-A.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

                                               *

I – Nos autos de verificação e graduação de créditos, por apenso ao processo de insolvência de AA, o Sr. Administrador da Insolvência juntou a relação de créditos reconhecidos a que se reporta o art. 129 do CIRE, esclarecendo, então, que «não existem créditos não reconhecidos, assim como, créditos reconhecidos sem que tenham sido reclamados, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação».
Da lista constavam, designadamente:
A – O crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.»,  no montante total de 205 899,69 €, garantido por hipoteca sobre a fracção G do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...84;
B - O crédito de BB, no montante total de 168 032,88 €, garantido por direito de retenção sobre a mesma fracção autónoma.
Aquela lista foi impugnada:
1 - Pelo credor BB, entendendo que deve ser julgado e reconhecido, apenas, o valor de € 170.273,32 da credora “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.”, como crédito garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23, valor a ser pago após liquidação do crédito garantido do impugnante sobre a referida fracção, sendo o restante crédito da “Hefesto” classificado como crédito comum.
2 - Pela credora “Hefesto STC, S.A.”, relativamente à natureza do crédito do credor BB: considerou que no âmbito do processo de execução n.º 11159/14...., o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu graduar o seu crédito hipotecário à frente do crédito exequendo, o do credor BB, e que tal decisão de mérito sobre a relação material controvertida, produz efeitos não só dentro do processo a que respeita, mas também fora dele, existindo caso julgado material; que não lhe é oponível o direito de retenção reconhecido no âmbito da acção ordinária que correu termos sob o n.º 25355/13.... e em que não foi parte; que o crédito reclamado por BB deverá ser graduado como comum, na sua totalidade.
Os credores e o Administrador da Insolvência responderam às impugnações, após o que o Tribunal de 1ª instância proferiu saneador sentença.
Neste, havendo julgado «procedente a excepção de caso julgado invocada», decidiu nos seguintes termos:
«1. Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor BB relativamente ao credito da Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. devendo ser julgado como garantido o valor € 182.269,54, sendo que o restante crédito reclamado deverá ser classificado como crédito comum.
2. Julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. ao crédito do credor BB e nessa medida procedente a excepção de caso julgado invocada, e em consequência julgar como garantidos € 150.000,00 mas a ser graduados depois do crédito hipotecário e julgar como comuns os restantes valores peticionados.
3. Em consequência este Tribunal julga verificados os seguintes créditos:
Como créditos com natureza garantida:
 Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 182.269,54 sendo € 152.000,00 de capital e € 30.269,54 de juros;
 BB: € 150.000,00;
Como créditos com natureza comum:
 Autoridade Tributária e Aduaneira: € 8 812,46;
 Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 23630,15 (205 899,69-182 269,54);
 Caixa Geral de Depósitos, SA: € 36 922,91;
 BB: € 48378,08 (198.378,08-150.000,00);
 Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito SA: 12 585,75 €
4. Em consequência o Tribunal gradua os créditos verificados, nos seguintes termos:
1. Credor Hipotecário - Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.;
2. BB;
3. Créditos comuns que serão pagos na proporção respetiva».
Interpôs o credor BB recurso de revista “per saltum”, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
«1. Do exposto nos artigos 6.º a 21.º deste recurso, no nosso modesto entendimento, não se verifica a exceção dilatória nominada de caso julgado, em virtude de não estarem reunidos os requisitos do art.º 581.º do CPC, seguindo de perto a jurisprudência proferida pelo Douto Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente o Acórdão do STJ datado de 115.12.2020, proferido no processo 100/13.7TBVCD-B.P1.S1, no qual em suma, entende não existir a exceção de caso julgado, sendo consabido que os limites da ação executiva são determinados pelo título executivo que lhe serve de base, cfr. o n.º5 do art.º 10.º CPC, já o processo de insolvência, como definido pelo art. 1º do CIRE, “é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores;
2. Na insolvência é unânime a jurisprudência relativamente à posição do aqui recorrente, o qual surge na investido de Credor/Consumidor, detendo um crédito sobre o insolvente e um direito de retenção sobre o imóvel, direito esse reforçado pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de julho, que visando a proteção do consumidor, cfr. o n.º2 do art.º 759 do C.C., posição que não se verifica na execução;
3. No presente caso, verifica-se entre os apensos de reclamação de créditos da execução e o da insolvência enormes diferenças entre os intervenientes, os valores requeridos e a causa de pedir são igualmente diferentes, sendo certo que os sujeitos processuais da ação executiva e os do processo de insolvência não se apresentam em idêntica qualidade jurídica subjetiva, já que o aqui Recorrente, na ação de insolvência, por correspondência, em idêntico estatuto no apenso de reclamação de créditos de insolvência, detém a nobreza conferida pelo Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de julho, que visando a proteção do consumidor com o direito de retenção sobre o imóvel reforçado pelo o n.º2 do art.º 759 do C.C., que ao presente caso não pode deixar de se observar, porque resulta dos autos de execução, que aquando da celebração do contrato promessa e compra e venda obteve a tradição do imóvel, nele tendo habitado com a sua família desde 12.11.2010 até ser coagido a sair pelo Sr. Agente de execução após a venda da fração efetuada novembro de 2021, ou seja o aqui recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos e passado este espaço temporal surge infelizmente a verdade material de ser mais um consumidor viu-se com a sua família na rua sem casa e sem dinheiro para adquirir nova habitação visando suprir o direito constitucional de habitação;
4. Pelo exposto, somos a seguir de perto o já anteriormente referido entendimento deduzido no Acórdão do STJ datado de 15.12.2020, proferido no processo 100/13.7TBVCD-B.P1.S1, de que a sentença de verificação de créditos reclamados, proferida em apenso de reclamação de créditos na ação executiva e vindo a serem declarados insolventes os executados, não se constitui como caso julgado material nem dispõe de autoridade de caso julgado relativamente à impugnação e verificação desses créditos no incidente de reclamação, verificação e graduação de créditos relativo ao processo de insolvência.
5. Do anteriormente referido nos artigos 22.º a 27.º deste articulado, resulta que foi reconhecido ao Recorrente o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, não restando dúvidas que o Recorrente aquando da celebração do contrato promessa e compra e venda obteve a tradição do imóvel, nele tendo habitado com a sua família desde 12.11.2010 até ser coagido a sair pelo Sr Agente de execução após a venda da fração efetuada novembro de 2021, ou seja o aqui recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos.
6. O Recorrente que é um credor cujo o seu crédito tem natureza garantida sobre o valor proveniente da venda do imóvel e sobre o qual detinha o seu direito de retenção, o qual é tutelado pelo Recorrente enquanto promitente-adquirente e consumidor, nos termos da al.f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C., e o mesmo, nos termos do n.º 2 do art.º 759.º do C.C., prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, consequentemente e pelo produto da venda do imóvel identificado na sentença, no qual o recorrente viveu com a sua família na fração durante onze (11) anos, deve o crédito do Recorrente ser graduado em primeiro lugar».
Dos autos não constam contra alegações.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência constam os seguintes créditos com natureza garantida:
a) Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: 205 899,69 € sendo 165 329,88 € de capital e 40 569,81 € de juros;
b) BB: 168 032,88 €
2. Da lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência constam os seguintes créditos com natureza comum:
a) Autoridade Tributária e Aduaneira: €8 812,46;
b) Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.: € 6310,85;
c) Caixa Geral de Depósitos, SA: €3 6 922,91;
d) BB: € 30 345,20;
e) Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito SA: 12 585,75 €
3. O reclamante BB intentou contra o insolvente uma acção ordinária, que correu termos sob o n.º 25355/13...., no então Juiz ... do Juízo ..., tendo peticionado i) que fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda assinado entre o A. e o R., datado de 12/11/2010, por o R. o ter incumprido definitivamente, por sua culpa exclusiva e, em consequência, ii) ser o R., nos termos do nº. 2 do artº. 442º do Código Civil, condenado a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00 correspondente ao dobro do sinal que este entregou àquele, na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda (12/11/2010); iii) e ser o R. condenado a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre a fracção autónoma pelo valor de € 150.000,00, como garantia do seu pagamento, nos termos do disposto nos artºs. 755º, nº. 1 al. f) e 759º, nº. 2 do Código Civil.
4. Por sentença proferida em 12-3-2014, julgou o tribunal procedente a referida acção e, em consequência, declarou resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o A. e o R., datado de 12/11/2010, tendo condenado AA a pagar a BB a quantia de € 150.000,00 correspondente ao dobro do sinal que este entregou àquele; mais condenando AA, a reconhecer a BB, o direito de retenção deste sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2º andar – A, com dois parqueamentos nºs. 1 e 2 no piso – 1 (Piso menos Um), destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Urbanização ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23 e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ...16.
5. Em 16-05-2014, BB apresentou à execução a referida sentença, execução essa que correu termos sob o n.º 11159/14...., no Juiz ... do Juízo de Execução ....
6. Em 01-06-2015, foi a Caixa Económica Montepio Geral, citada, na qualidade de credor hipotecário.
7. A reclamação de créditos apresentada pela Caixa Económica Montepio Geral foi objecto de oposição por parte do exequente, o credor BB.
8. Não se conformando com a decisão proferida pela 1ª Instância, a Caixa Económica Montepio Geral recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.
9. O Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão transitada em julgado, revogou parcialmente a sentença recorrida, tendo alterado a graduação do crédito hipotecário de forma a que fosse graduado à frente do crédito exequendo.
10. Encontra-se registada a favor da credora Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A. através da AP. ...0 de 2007/11/09, hipoteca para um capital de € 152.000,00€, relativo a fração autónoma designada pela letra "G", descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...47.
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III – Sendo as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que delimitam o objecto da revista, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente emergem como questões a considerar (aliás, como o próprio recorrente enuncia): a da (im)procedência da excepção de caso julgado invocada; a da graduação dos créditos verificados, no que respeita ao confronto dos créditos considerados garantidos do recorrente e da credora “Hefesto”.
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IV – 1 - Consoante se apurou, por sentença proferida em 12-3-2014 foi julgada procedente a acção ordinária com o nº 25355/13...., que o reclamante BB intentara contra o insolvente AA, sendo declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre os ali A. e R., datado de 12-11-2010, e havendo sido condenado o R. a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00, correspondente ao dobro do sinal que este entregara àquele; bem como condenado o R. a reconhecer ao A. o direito de retenção deste sobre a fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente ao 2º andar – A, com dois parqueamentos nºs. 1 e 2 no piso – 1 (Piso menos Um), destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado em Urbanização ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº. ...23 e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ...16.
Como, igualmente, se apurou, em 16-05-2014, o reclamante BB apresentou à execução a referida sentença, execução essa que correu termos sob o n.º 11159/14...., havendo a “Caixa Económica Montepio Geral” sido citada, na qualidade de credora hipotecária.
Na sequência do processamento da reclamação de créditos que teve lugar o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão transitada em julgado, revogou parcialmente a sentença que fora proferida, tendo alterado a graduação do crédito hipotecário de forma a que fosse graduado à frente do crédito exequendo.
Já nos presentes autos, o Tribunal de 1ª instância julgou procedente a excepção de caso julgado invocada pela impugnante “Hefesto”, aduzindo, em desfecho, a seguinte fundamentação:
«Acontece que como refere a credora Hefesto “a sentença proferida em sede de acção declarativa que reconheça ao exequente a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário, que não interveio nessa acção, não lhe sendo por isso oponível, embora não pondo em causa a validade do crédito hipotecário, o certo é que afecta a sua consistência, por oneração do património do devedor, opondo-se ao direito de um terceiro juridicamente interessado, incompatível em alguma medida com o direito de retenção sobre a coisa hipotecada. (Acórdão do TR de Lisboa (Relator Pereira Rodrigues), de 14.12.2006, no processo n.º 10078/2006-6.
No presente caso a decisão proferida no sentido da inoponibilidade do direito de retenção (reconhecido na acção ordinária n.º 25355/13.... do Juiz ... do Juízo ...,) do credor BB à credora Hefesto STC, S.A., (reconhecido no âmbito da n.º 11159/14...., no Juiz ... do Juízo de Execução ...) não permite que agora se volte a reapreciar a oponibilidade do direito de retenção ao credor hipotecário e as suas consequências.
Por todo o exposto, julga-se procedente a excepção de caso julgado invocada».
Vejamos, então.
Conforme consta do art. 619 do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580 e 581 - quando constitui uma decisão de mérito, a sentença produz, também fora do processo, o efeito de caso julgado material.
Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado) e o da autoridade do caso julgado.

Concluía Teixeira de Sousa ([1]) que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da decisão anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente. Concretizando: «Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente …»; «a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou o comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente…».
Se o objecto da decisão transitada for idêntico ao do processo subsequente, isto é, se ambos os processos possuírem a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo posterior como excepção de caso julgado, implicando para o tribunal do segundo processo quer uma proibição de contradição da decisão transitada, quer uma proibição de repetição daquela decisão ([2]).
Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito.
A autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade – o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-se ser proferida, ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado é, também, questão prejudicial na segunda acção ([3]).
A decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente – o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial.
A repetição de causas que se pretende impedir através da excepção do caso julgado material exige sempre a verificação da tríplice identidade referenciada no art. 581 do CPC e com os contornos ali determinados: identidade de sujeitos (quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica), identidade do pedido (quando numa e noutra causa se pretende o mesmo efeito jurídico) e identidade da causa de pedir (quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico).
Já quanto à autoridade do caso julgado vem-se entendendo que aquela tríplice identidade não é exigida, embora não se prescinda da identidade subjectiva ([4]).

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IV – 2 - Não é colocado em discussão que não será invocável perante o credor hipotecário a sentença, com trânsito em julgado, proferida em acção em que aquele credor hipotecário não foi parte e que declarou a existência de direito de retenção a favor de outro credor, sobre um imóvel relativamente ao qual fora anteriormente constituída hipoteca.
Foi isso o que sucedeu no que concerne à sentença proferida na acção ordinária com o nº 25355/13...., em que foram partes o credor/recorrente BB, na qualidade de autor e o insolvente AA, na qualidade de réu, sem que tivesse qualquer intervenção o credor “Montepio Geral”, a que sucedeu a “Hefesto”. Aquela decisão não tinha força de caso julgado contra o credor hipotecário, não interveniente no processo; assim, não era oponível ao credor hipotecário a dita sentença que reconheceu o direito de crédito e o direito de retenção sobre o imóvel  ([5]).
Nestes autos a questão que se colocará é a de se o caso julgado formado no âmbito do apenso de reclamação de créditos à acção executiva n.º 11159/14...., atento o teor do acórdão da Relação de Lisboa ali proferido e transitado em julgado, se impõe neste apenso de reclamação de créditos ao processo de insolvência.
Desde logo é discutida qual a eficácia extra-processual da decisão proferida na reclamação de créditos apensa à acção executiva – e, assim, em que termos a mesma produziria caso julgado material ([6]).
Mas, no caso, não é aí que se situará o cerne da questão, cumprindo, antes, acentuar que estamos perante um incidente de verificação e graduação de créditos apenso ao processo de insolvência - reconduzindo-se este a um processo de execução universal, com natureza concursal, tendo como finalidade a satisfação dos credores, sendo essa finalidade que orienta todo o processo. Assim, todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação (art. 46 do CIRE) e todos os credores são chamados a intervir, seja qual for a natureza do seu crédito.
Ora, esta 6ª Secção do STJ tem vindo a entender que a sentença proferida no apenso das reclamações de créditos ao processo de execução não se impõe como caso julgado no apenso de verificação e graduação de créditos ao processo de insolvência do executado/reclamado, agora insolvente.
Assim, o acórdão do STJ de 9-3-2021 ([7]) tem o seguinte sumário: «A sentença de verificação e graduação de créditos proferida em ação executiva anterior ao processo de insolvência, relativamente a um imóvel penhorado que vem a ser integrado na massa insolvente, não constitui caso julgado que obste ao conhecimento da impugnação de créditos apresentada por credor que reclama créditos no processo de insolvência».
Ali se explicando: «… é fácil concluir que entre a sentença de verificação e graduação de créditos proferida na anterior ação executiva e a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência não se verificam os requisitos estabelecidos pelo art. 581º para se concluir pela existência de caso julgado.
Os sujeitos da ação executiva e os do processo de insolvência não se apresentam em idêntica qualidade jurídica. Ainda que em ambos os processos o credor AA tenha por base a invocação de um crédito não satisfeito, o pedido formulado na ação executiva não é o mesmo que é formulado no processo de insolvência. Se no primeiro aquele credor tinha como propósito imediato a satisfação do seu crédito à custa do património do devedor, na ação de insolvência o objetivo imediato do pedido é a declaração de insolvência da sociedade devedora.
(…)
A sentença que verificou e graduou os créditos na anterior ação executiva tem, assim, de ser compreendida nos seus limites subjetivos, objetivos e funcionais, pois apenas respeitava a créditos com garantia e visava a liquidação dos bens penhorados, enquanto que no processo de insolvência se visa a liquidação de todo o património que integra a massa insolvente, nele podendo reclamar créditos todos os credores (art. 128º do CIRE)».
Integrando o sumário do acórdão do STJ de 31-1-2023 ([8]), o seguinte texto: «A decisão proferida em anterior ação executiva, na qual se reconheceu determinado crédito aos credores do executado, agora insolvente, não se impõe como caso julgado no processo de verificação e graduação de créditos em processo de insolvência (onde esses credores nem reclamaram tal crédito, mas ele lhes foi oficiosamente reconhecido pelo administrador de insolvência, com base na referida decisão prévia).
E sendo o seguinte o sumário do acórdão do STJ de 15-12-2020 ([9]):
«A sentença de verificação de créditos reclamados, proferida em apenso de “concurso de credores” à acção executiva (arts. 788.º e ss. do CPC), uma vez declarados insolventes os executados, não se constitui como caso julgado material nem dispõe de autoridade de caso julgado relativamente à impugnação e verificação desses créditos (como insolvenciais) no incidente de reclamação, verificação e graduação de créditos relativo ao processo de insolvência, em que o exequente é credor reclamante e impugnante (juntamente com os insolventes) dos créditos antes verificados em sede executiva e depois reconhecidos na lista apresentada pelo administrador de insolvência (art. 129.º, n.º 1, do CIRE), por força do confronto dos arts. 580.º, n.ºs 1 e 2, 581.º, 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC com a interpretação e aplicação do regime predisposto pelos arts. 128.º, n.ºs 1 e 5, 130.º, n.ºs 1 e 3, 140.º, n.ºs 1 e 2, 233.º, n.º1, al. c), 46.º, n.ºs 1 e 2, 173.º, 88º, n.ºs 1 e 3, do CIRE, e 793.º do CPC».
Ali se evidenciando:
«… qualquer sentença produzida em acção executiva intentada contra os insolventes não faz caso julgado relativamente à reclamação de créditos no processo de insolvência referido a esses insolventes, uma vez que os objectos processuais não se sobrepõem, por uma banda, e os credores envolvidos e interessados no processo insolvencial estão para além e munidos de um interesse e título distinto dos credores que são qualificados como concorrentes na reclamação de créditos em sede executiva, mesmo que haja identidade parcial de credores reclamantes e estes se queiram prevalecer de decisão anterior favorável e transponível para o processo de insolvência. Na verdade, o concurso de credores em sede de ação executiva singular está circunscrito à finalidade da graduação de créditos entre os credores privilegiados do executado, o que implica o reconhecimento do crédito reclamado como meramente instrumental da decisão ulterior de graduação; enquanto isso, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência tem por fim essencial a liquidação de todo o património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos seus credores, sendo prioritária a verificação dos créditos e, para tal desiderato, atribuída legitimidade a cada credor concorrente para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam susceptíveis de conflituar com o crédito daquele, nos termos do art. 130º, 1, do CIRE, conduzindo-se a uma sentença constitutiva da verificação e graduação dos créditos (arts. 130º, 3, 140º, 1 e 2, CIRE)».
Não iremos divergir deste entendimento que se nos afigura o mais correcto, baseado em válidos pressupostos decorrentes das atinentes normas do CPC e do CIRE.
Debruçámo-nos supra sobre a denominada “tríplice identidade” concretizada no art. 581 do CPC e que permite concluir (ou não) pela verificação do caso julgado.
Na perspectiva do objecto dos processos - do concurso de credores por apenso à acção executiva e deste processo - atentos os pedidos e causas de pedir respectivos, observados tendo em conta a função de cada um daqueles processos, concluímos que os mesmos não coincidem.
Enquanto naquele primeiro o concurso de credores estava definido em função do  objectivo  de graduação dos créditos entre os credores privilegiados do executado, (credores detentores de direito real de garantia) face a determinado bem que fora penhorado, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência tem por fim a liquidação de todo o património do devedor em benefício da generalidade dos seus credores, sendo atribuída legitimidade a cada credor concorrente para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam susceptíveis de conflituar com o seu crédito (art. 130 do CIRE), seguindo-se uma sentença constitutiva da verificação e graduação dos créditos (arts. 140 e 130, nº 3, do CIRE).
Em consonância, no que respeita aos sujeitos evidencia-se a diferença entre aqueles processos, sendo os credores interessados e intervenientes no processo de insolvência não apenas os que podiam intervir no apenso executivo (os credores com garantia real), mas antes podendo reclamar créditos todos os credores.
Consoante salientado no sobredito acórdão do STJ de 15-12-2020 «o mais importante é justamente destacar que não são os credores impugnantes coincidentes os únicos credores reclamantes no processo insolvencial e, não tendo sido todos os outros credores insolvenciais parte nessa acção precedente, executiva, a qualquer título, não se encontram legalmente abrangidos por via da eficácia declarativa inter partes dessa outra acção». Bem como: «Na verdade, esses (todos outros) credores reclamantes no processo de insolvência – como existem no caso dos autos – não são terceiros juridicamente indiferentes ao reconhecimento dos créditos em causa; antes são juridicamente interessados uma vez potencialmente afectados pela decisão precedente nos momentos da sua verificação – que ficaria dispensada, no que já estivesse sentenciado como verificado no incidente executivo, se assim não fosse – e, depois, da sua graduação, nomeadamente quando estão em causa – como no caso sub judice – créditos reclamados como sendo alegadamente privilegiados por garantidos por hipoteca, com projecção substantiva relevante e conflituante da posição jurídico-creditícia de que beneficiam (ou alegam beneficiar) enquanto credores da insolvência».
Deste modo, como já adiantámos, entendemos que aquela sentença proferida no apenso das reclamações de créditos ao processo de execução não se impõe como caso julgado nos presentes autos.
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IV – 3 - A sentença recorrida seguiu este percurso: a decisão proferida no sentido da inoponibilidade do direito de retenção  do credor BB à credora Hefesto STC, S.A., reconhecido no âmbito do processo n.º 11159/14...., não permite que agora se volte a reapreciar a oponibilidade do direito de retenção ao credor hipotecário e as suas consequências, sendo procedente a excepção do caso julgado; deste modo, os 150.000,00 € referentes ao sinal em dobro têm natureza garantida (garantia conferida pelo do direito de retenção), mas são graduados depois do credito hipotecário.
Pelo que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.” ao crédito do credor BB e nessa medida procedente a excepção de caso julgado invocada, julgando como garantidos os € 150.000,00 daquele credor, mas a ser graduados depois do crédito hipotecário.
Em nosso entendimento, como vimos anteriormente, a decisão proferida no âmbito do processo n.º 11159/14.... não constitui caso julgado, nem reveste autoridade de caso julgado.
Haverá, pois, que ponderar sobre a graduação.
Saliente-se que a sentença recorrida considerou o crédito do credor BB no montante de 150.000,00 € referente ao sinal em dobro, garantido pelo direito de retenção, qualificando, embora, como comuns os restantes valores por ele peticionados – daí a procedência parcial da impugnação da credora “Hefesto” que defendera que o crédito reclamado por BB deveria ser graduado como comum, na sua totalidade.

Como constatou o STJ no seu acórdão de 13-11-2018 ([10]) todo o procedimento especial constante do CIRE, impõe que os eventuais créditos sejam reclamados no processo de insolvência, ficando a apresentação das pretensões creditícias sujeitas a um regime impugnatório por banda dos restantes interessados, de harmonia com o preceituado no art. 130 daquele diploma.
Nos termos do CIRE o fundamento da impugnação poderia ser a «indevida inclusão ou exclusão de créditos» ou a «incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos».
Face ao disposto nos arts. 754, 758 e 759 do CC, o direito de retenção é atribuído pela lei a certos credores que detêm certas coisas, compreendendo a faculdade de as reter enquanto os seus créditos não forem pagos e a faculdade de se fazerem pagar por força da venda judicial das mesmas.
O art. 755 do mesmo Código indica o que designa por «casos especiais» concretizando gozarem, ainda de direito de retenção um conjunto de credores que ali são especificados ([11]), entre eles (alínea f) o «beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º».
Os pressupostos do direito de retenção são, pois, neste caso: a existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real; a entrega da coisa objecto do contrato-promessa; a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento do contrato-promessa.
Nestes autos apensos ao processo de insolvência, quando da impugnação apresentada pela “Hefesto STC, S.A.” à lista de credores reconhecidos esta invocou o caso julgado material (que, como vimos, não se verifica) e a  inoponibilidade do direito de retenção reconhecido no âmbito da acção ordinária que correu termos sob o n.º 25355/13.... (que,  como vimos, se verifica), concluindo, depois, que o crédito reclamado por BB deverá ser graduado como comum, na sua totalidade.

A credora “Hefesto” não pôs em causa, na impugnação que deduziu, que o credor  BB houvesse a receber do insolvente o valor correspondente ao dobro do sinal por ele entregue com base no contrato promessa de compra e venda do imóvel, nem as circunstâncias de facto em que se fundaria o direito de retenção (por exemplo, não colocou em crise que tivesse ocorrido tradição do imóvel). Haverá, pois, que considerar que o crédito reclamado por BB (o dobro do sinal entregue, no montante total de 150.000,00 €) existe e é garantido por direito de retençãocomo foi considerado na sentença recorrida e, obviamente, não foi discutido no presente recurso.

Não esqueçamos que, no caso, o não cumprimento do contrato promessa não se funda numa recusa de cumprimento por parte do Administrador da insolvência - caso especial em que o inadimplemento se funda num acto lícito daquele. Efectivamente, consoante se provou, datava já de 12-3-2014, a sentença que julgara procedente a acção que o reclamante BB intentara contra o insolvente pedindo que fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda, por o ali R. o ter incumprido definitivamente, bem como a condenação no pagamento de 150.000,00 € e o reconhecimento do direito de retenção. Deste modo, não tem aplicação o disposto nos arts. 102 e seguintes do CIRE nem o AUJ n.º 4/2014, sendo de considerar, tão só, os atinentes preceitos do CC ([12]).

Como refere Soveral Martins ([13]) se antes da declaração de insolvência do promitente vendedor existir situação de não cumprimento a ele imputável, nenhuma dúvida há quanto à aplicabilidade dos arts. 442, nº 2 e 755, nº 2-f) do CC. «O direito de retenção que já protegia o promitente-comprador antes da declaração de insolvência do promitente-vendedor não se extingue com essa declaração de insolvência».

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IV – 4 - O art. 759 do CC equipara o titular do direito de retenção de coisas imóveis ao credor hipotecário e dá-lhe a faculdade de executar a coisa para pagamento do seu crédito e o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor, concedendo prioridade ao seu titular sobre o credor hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido registada anteriormente.

Sendo certo que a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, designadamente a que tenha sido registada anteriormente, em casos em que aquele direito decorre do disposto na alínea f) do nº 1 do art. 755 do CC, haja sido, por vezes, questionada, a verdade é que essa prevalência resulta explicitamente do nº 2 do art. 759, em conjugação com aquela alínea do art. 755, vindo o Tribunal Constitucional reiteradamente afirmando que a mesma não afecta os princípios da proporcionalidade e da confiança ([14]).

Deste modo, conclui-se dever ser alterado o decidido nos pontos “2.” e “4.” da sentença recorrida, julgando-se improcedente a invocada excepção do caso julgado, e graduando-se os créditos com natureza garantida, nos seguintes termos:

1º - O crédito de BB, garantido por direito de retenção, e no valor de 150.000,00 €;

2º - O crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.” , garantido por hipoteca, no valor de 182.269,54 €, sendo 152.000,00 € de capital e  30.269,54 € de juros.

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V - Face ao exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, revogando a decisão que julgou procedente a excepção do caso julgado e o segmento que graduou os créditos garantidos, de tal modo que primeiramente se gradua o crédito do recorrente BB, no valor de 150.000,00 € e, somente depois, o crédito de “Hefesto - Sociedade de Titularização de Créditos, S.A.” no valor de 182.269,54 €, sendo 152.000,00 € de capital e  30.269,54 € de juros.

Custas do recurso pela recorrida “Hefesto”.

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Lisboa, 16 de Maio de 2023


Maria José Mouro (Relatora)
Amélia Alves Ribeiro
Graça Amaral


SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora).



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[1]              Em «O objecto da sentença e o caso julgado material», BMJ nº 325, , págs.. 49 e seguintes, a págs.. 178-179.
[2]              Ver, também, Miguel Teixeira de Sousa, «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», Lex, págs.. 574-575.
[3]              Ver Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, Almedina, 3ª edição, pág.. 599.
[4]              Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 13-9-2018,  ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 687/17.5T8PNF.S1. e jurisprudência ali citada.
[5]              Ver, a propósito, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre em «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, Almedina, 3ª edição, pág..  706.
                Ver, igualmente, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 21-6-2022, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1145/20.6T8VCT-A.G1.S1, no qual se concluiu, designadamente: «I - A sentença judicial proferida em ação declarativa na qual se reconhece ao promitente-comprador um crédito sobre o promitente-vendedor, emergente de um contrato-promessa incumprido pelo último e que tinha por objeto a compra e venda de determinado imóvel, e o correspondente direito de retenção sobre o mesmo, é, em regra, inoponível ao credor que detinha um crédito garantido por hipoteca, já então registada, sobre esse mesmo bem, se o mesmo não foi demandado em tal ação ou nela chamado a intervir. II - Em tais circunstâncias, esse credor hipotecário é considerado terceiro juridicamente interessado - e não terceiro juridicamente indiferente -, pois que, no confronto de graduação entre ambos, vê, à luz do disposto no artº. 759º, nº. 2, do CC, a consistência (prática) do seu ficar afetada por a daquele outro crédito (que passou a prevalecer sobre o seu), e nessa medida aquela sentença não constitui quanto a si caso julgado (material)».
[6]              Lebre de Freitas (em «A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», Gestlegal, 7ª edição, pág.. 375) salienta que apesar de expressamente reconhecer a força de caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732-6) e nos embargos de terceiro (art. 349), o Código nada diz sobre a sentença de verificação e graduação de créditos. Sustentando que o caso julgado se produz apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia (mas não quanto ao seu não reconhecimento – nota 54-A), ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência atual desse direito real. «Verificado o pressuposto da intervenção do executado na acção, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos».
                Já Rui Pinto (Em «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, págs.. 886-887) depois de dar conhecimento que para Castro Mendes a sentença de verificação e graduação de créditos faz caso julgado material quando reconheça os créditos, considera que não estamos perante uma graduação de garantias, mas perante uma graduação de créditos, formando-se caso julgado material quanto aos créditos, salvo no caso de citação edital.
[7]              Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1867/17.9T8AMT-I.P1.S1.
[8]              Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 5232/19.5T8VNF-G.G1.S1.
[9]              Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 100/13.7TBVCD-B.P1.S1.
[10]            Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 128/15.2T8VNG-B.P1.S1.
[11]            Trata-se de casos em que a obrigação de entrega da coisa e o crédito provêm da mesma relação jurídica.
[12]            Assim, exemplificativamente:
No acórdão do STJ de 29-07-2016, ao qual se poderá aceder em www.dgsi.pt, proc. 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1, foi entendido, nomeadamente: «I - O segmento uniformizador do AUJ n.º 4/2014 refere-se a situações em que o credor não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, ficando de fora os contratos que já estivessem integralmente cumpridos, resolvidos ou entrado na fase do incumprimento definitivo, à data da declaração de insolvência. II - Tratam-se, aqueles, de contratos em curso ou em fase de execução, que fica suspensa e cujo cumprimento, ainda exigível ao devedor insolvente, o administrador pode recusar, quer por via da resolução, quer de uma reconfiguração contratual (arts. 102.º e 106.º do CIRE). III - Se o contrato-promessa de compra e venda de um lote de terreno, em que houve traditio, em causa nos autos, tiver sido resolvido ou, de qualquer modo, entrado na fase de incumprimento definitivo, não se aplica o AUJ n.º 4/2014, devendo, aplicar-se, estritamente, os preceitos do Código Civil contidos nos arts. 755.º, n.º 1, al. f), e 442.º. IV - A aplicação do art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, não depende de o promitente-comprador ser ou não um consumidor e a circunstância de o legislador se referir à tutela dos consumidores no preâmbulo do diploma que consagrou o direito de retenção não é decisiva e não justifica uma interpretação restritiva, já que o legislador pode ter tomado a parte pelo todo e ter-se limitado a referir uma das situações socialmente mais relevantes. V - Qualquer situação de detenção pelo promitente-comprador, mesmo que este não seja consumidor, pode, pela sua frequência e importância ao nível da consciência social, servir de fundamento para o direito de retenção.
VI - Este direito de retenção, já existente e sendo garantia de um crédito não subordinado, não é afectado pela declaração de insolvência – art. 97.º do CIRE. (…)».
E no acórdão do STJ de 8-2-2022, ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 1559/12.5TBBRG-R.G1.S1, foi consignado: «I - O CIRE apenas se ocupa das consequências do não cumprimento dos contratos em curso, isto é, dos acordos havidos com a insolvente que ainda subsistam à data da declaração da insolvência, cfr. arts. 102.º e ss., caso em que o administrador da insolvência terá de optar pelo seu (in)cumprimento. II - Se os contratos celebrados com o insolvente tiverem sido resolvidos anteriormente à data da declaração de insolvência, não podemos falar de negócios em curso e, por isso, as consequências do seu não cumprimento têm de ser analisadas não com base nas disposições insolvenciais - com apelo, quiçá, aos AUJ n.º 4/2014 e n.º 4/2019, nomeadamente em sede de direito de retenção -, mas antes ao regime geral resultante da aplicação do preceituado nos arts. 755.º, n.º 1, al. f), e 442.º do CC».
[13]            Em «Um Curso de Direito da Insolvência», vol. I, Almedina, 4ª edição, págs. 272-273.
[14]            Ver, a título de exemplo, os acórdãos do TC nº 73/2011, datado de 3-2-2011, nº 698/05, datado de 14-12-2005, e nº 466/2004, datado de 23-6-2004.