Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR CRUZ RODRIGUES | ||
Descritores: | EXCESSO DE PRONÚNCIA ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA TRIBUNAL ESTRANGEIRO MEIOS DE PROVA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 03/17/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : |
I – Os erros que eventualmente afectem a decisão em matéria de facto não configuram nenhum dos vícios (formais) integradores de nulidade de sentença, podendo antes, eventualmente, configurar erro de julgamento, estando, por isso, fora do conceito legal de vícios da sentença previstos no artigo 615º do CPC. II – Não incorre na nulidade de excesso de pronúncia o acórdão que, na sequência de recurso da decisão em matéria de facto, altera essa decisão, apreciando a prova de acordo e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. III - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil), estando-lhe vedado sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. IV - São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada ou tarifada). V – A decisão penal condenatória proferida por tribunal estrangeiro não revista em Portugal consubstancia um meio de prova sujeito à livre apreciação dos tribunais portugueses perante os quais for invocada, no caso do Tribunal do Trabalho (artºs 978º, nº 2, do CPC e 234, nº 3, do CPP). | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º nº 1476/15.7T8PNF.P1.S1 4ª Secção LCR/PBD/JG
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I 1 - Relatório 1. No Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ... AA, viúva do falecido sinistrado BB instaurou acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho contra “LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e “VARGA – CONSTRUÇÕES, Lda.” pedindo a condenação destas, na medida das respectivas responsabilidades, a pagar-lhe: a) a pensão anual, vitalícia e actualizável, de €7.560,00; b) subsídio por morte, no valor de €5.533,70; c) juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as prestações e até integral e definitivo pagamento. Mais pediu que: d) os valores peticionados deverão ser objecto do agravamento legal estipulado, caso se venha a provar que o acidente se ficou a dever à violação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte da Ré entidade patronal. e) na hipótese de se vir a provar violação de regras de segurança, deverá a Ré entidade Patronal, a acrescer às quantias acima peticionadas, ser condenada a pagar à Autora a quantia de €70.000, a título de perda do direito à vida, privação sexual, de danos morais e de danos da própria vítima. Para tanto alegou, em síntese, que é viúva do sinistrado, que faleceu aos 21.05.2015, vítima de um acidente de trabalho, quando exercia as suas funções de carpinteiro, ocorrido na ... nesse dia ao serviço da 2ª Ré, e que tem informação de que o sinistro ocorreu quando o Sr. BB se encontrava a trabalhar ao nível do solo, a serrar madeira, e foi atingido por umas vigas de ferro que se soltaram de um camião-grua que se encontrava a descarregar, pelo que, a ser assim, o acidente ficou a dever-se à deficiente amarração das vigas e/ou à sua desadequada forma de as movimentar, quando o camião-grua se encontrava a laborar, designadamente a descarregá-las, o que consubstancia violação das normas de segurança. 2. As Rés contestaram, tendo a Ré empregadora “VARGA – CONSTRUÇÕES, Lda.” aceite a ocorrência do acidente e as suas consequências, mas declinando a sua responsabilidade, sustentando que à data do acidente tinha a sua responsabilidade infortunística integralmente transferida para a Ré seguradora, e que nada foi invocado na petição nem resulta dos autos qualquer violação das normas ou regras de segurança, e que o acidente não ocorreu nas circunstâncias descritas pela A. Por seu turno, na sua contestação a Ré “LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” aceitou a existência do acidente de trabalho mas concluiu que o mesmo ocorreu por manifesta e grave violação das condições de segurança na prestação do trabalho. 3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, em 30.12.2019 foi proferida sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: “I- Absolvo a Ré “Varga - Construções, Lda.” do pedido. II- Condeno a Ré “Lusitânia, Cª de Seguros, S.A.” a pagar à Autora AA: III - Absolvo a Ré “Lusitânia, Cª de Seguros, S.A.” do restante pedido. Custas pela Ré seguradora e pela Autora na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 2% para a Autora e em 98% para a Ré “Lusitânia, Cª de Seguros, S.A.,”, fixando a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa. 4. Inconformada com a decisão dela apelou a Ré “LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, impugnando a decisão em matéria de facto e de direito, tendo a autora aderido ao recurso. 5. Conhecendo do recurso o Tribunal da Relação, por acórdão de 23.6.2021, tendo procedido à alteração da matéria de facto provada, julgou o recurso procedente, decidindo nos seguintes termos: “A. Condenar a Ré Varga Construções, Unipessoal, Ldª, a pagar à A., AA, na residência desta: a.1. Com efeitos a partir de 22.05.2015, a pensão anual e vitalícia de €15.033,34, actualizável, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14, acrescida de subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual. A mencionada pensão é actualizada nos seguintes termos: actualização de 0,4% em por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 15.093,47; actualização de 0,5% em 2017 por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 15.168,94; actualização de 1,8% em 2018 por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - €15.441,98; actualização de 1,60% em 2019 por força da Portaria 23/2019- €15.689,05; e actualização de 0,70% em 2020, por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €15.798,87. Às quantias já vencidas e vincendas devidas a título de pensão e juros de mora, serão descontadas as quantias pagas, a esses mesmos títulos, pela Ré Seguradora à A. no âmbito quer da pensão provisória, quer nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09, acrescendo sobre o diferencial, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento. a.2. A quantia de €5.533,70 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 22.05.2015 até efectivo e integral pagamento, sobre o que deverá ser descontado o que, a esse título, venha a ser satisfeito pela Ré Seguradora nos termos do art. 79º Lei 98/2009, de 04.09. a.3. A quantia global de €60.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, dos quais €20.000,00 pelo dano decorrente da morte do sinistrado e €40.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. B. Condenar a Ré, Lusitânia Companhia de Seguros, SA, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09 e sem prejuízo do seu direito de regresso sobre a Ré Varga Construções, Unipessoal, Ldª , a satisfazer à Autora, na sua residência, o pagamento: b.1. Com efeitos a partir de 22.05.2015, da pensão anual e vitalícia, actualizável, correspondente a 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade da reforma por velhice e a 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, pensão essa no montante de €4.510,00 euros, em duodécimos mensais, correspondendo cada prestação a 1/14, acrescida de subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento. A mencionada pensão é actualizada nos seguintes termos: actualização de 0,4% em 2016, por força da Portaria nº 162/2016, de 09.06 - € 4.528,04; actualização de 0,5% em 2017,por força da Portaria nº 97/2017, de 07.03 - € 4.550,68; actualização de 1,8% em 2018, por força da Portaria nº 22/2018, de 18.01 - € 4.632,59, e actualização em 1,60 % em 2019 por força da Portaria 23/2019- €4.706,71, a que acresce a actualização de 0,70% em 2020 por força da Portaria 278/2020, de 04.12 - €4.739,66. 6. A recorrida “LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” apresentou resposta às alegações sustentando a inadmissibilidade e improcedência do recurso. 7. Por sua vez, a A. aderiu às contra-alegações da R. seguradora, na parte em que o interesse é comum. 8. Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objeto de resposta.
II 2 - Delimitação objectiva do recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso, (artigo 608º, nº 2, do CPC), está em causa na presente revista a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto por excesso de pronúncia.
III 3 - Fundamentação de facto A matéria de facto provada com as alterações e aditamentos introduzidos pelo Tribunal da Relação é a seguinte: 7.° O acidente referido em 5.º ocorreu quando BB se encontrava a executar uma viga de madeira, se desequilibrou e caiu de uma altura de 4 metros. [Alterado] 10.° BB não foi autopsiado (Factos assentes- H). 11.° As despesas de trasladação e de funeral foram pagas pela 2ª Ré (Factos assentes- E). 14.° À data de 21.05.2015, BB era uma pessoa saudável, tranquila, que vivia com alegria e que era estimada por familiares, amigos e colegas de trabalho (art.º 4.º da BI). 15.° BB devotava à Autora estima, amizade e carinho, pelo que esta sofreu dor quando lhe chegou a notícia de que aquele tinha sofrido o acidente referido em 5.º (art.º 5.º da BI). 16.° A Autora sofreu dor desde a chegada da notícia referida em 15.º até à data do funeral de BB e nos dias seguintes a tal funeral e ainda hoje mantém, e vai continuar a manter, desgosto e pesar pela morte de BB, sendo que o desgosto e o pesar se acentuam nas datas festivas, nomeadamente na Páscoa e no Natal (art.º 6.º da BI). 17.° Com a morte de BB, a Autora ficou privada de vida sexual, uma vez que, pela sua formação cívica e religiosa e pela sua idade, sente-se incapaz de retomar a sua vida sexual (art.º 9 da BI). 18.° A privação a que se alude em 17.º deprime e angustia a Autora (art.º 9 da BI). 19. No local onde BB se encontrava, não haviam sido colocados guarda-corpos nem andaimes nem uma plataforma elevatória [Aditado] 20. Não havia sido instalada uma linha de vida no local onde BB se encontrava e este não usava um arnês de segurança, o que, todavia, não era possível por inexistência de pontos de fixação. [Aditado] 21. O acidente referido em 5.º ficou a dever-se ao facto da 2ª R. não ter procedido à instalação de qualquer do equipamento referido em 19). [Aditado] 22. No momento do acidente, estava em curso, no estaleiro da obra referida em 6º, uma operação de transporte de vigas metálicas com recurso a uma torre-grua. [Aditado]
4 - Fundamentação de direito A recorrente sustenta que o acórdão recorrido enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por ter considerados provados os factos 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, valorando para efeitos de prova, cópias de uma condenação proferida por um ..., sem que tal decisão estivesse devidamente reconhecida por um Tribunal Português, conjugando-a com depoimentos e testemunhos de quem nada viu ou assistiu. O Tribunal da Relação apreciou a referida nulidade nos seguintes termos: “1. Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, veio a Ré, “Varga - Construções, Lda.”, interpor recurso de revista do acórdão de 23.06.2021, arguindo, no que ora importa, a nulidade do mesmo por alegado excesso de pronúncia invocando o disposto nos arts. 615º, nº 1, al. d) e 608º, nº 2, do CPC/2013, excesso consubstanciado na matéria de facto dada como provada nos nºs 19, 20, 21, 22 e 23 do mencionado acórdão, por este aditados que, segundo diz, não poderiam ter sido dados como provados, argumentando em síntese que a sua prova não poderia assentar na sentença proferida pelo Tribunal .... A Recorrida/Seguradora contra-alegou considerando, em síntese, não padecer o acórdão de qualquer nulidade de sentença. Cumpre, previamente à oportuna prolação de decisão relativa à interposição do recurso de revista, pronunciarmo-nos sobre a arguida nulidade do acórdão. Cumpriram-se os vistos legais. 2. Dispõe o citado art. 615°, n° 1 ai. d), que é nula a sentença quando “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, preceito este que se prende com o disposto no art. 608°, n° 2, do mesmo, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença. E com nulidades de sentença não se cofundem eventuais erros de julgamento, sejam eles da decisão da matéria de facto ou de direito, que se prendem com a própria decisão de mérito (seja em sede do julgamento da matéria de facto, seja do julgamento em matéria de direito). No caso, a Ré Seguradora, no recurso de apelação que havia interposto, impugnou a decisão da matéria de facto, mormente quanto aos pontos que vieram a ser alterados acima mencionados, tendo esta Relação, no acórdão ora sobre censura, avaliado a prova, designadamente a que decorre da sentença proferida pelo Tribunal ..., nos termos que dele constam, apreciação essa de que a Ré “Vargas” discorda no recurso de revista, discordância essa que se prende com o mérito da reapreciação feita, designadamente quanto à avaliação que se fez com base na dita decisão, o que, eventualmente, poderia constituir erro de julgamento, mas não nulidade sentença por excesso de pronúncia, sendo que o acórdão se pronunciou sobre questão que havia sido submetida à sua apreciação. A nulidade da sentença por excesso de pronúncia resulta da violação do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual «(…) o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Postula tal vício e nulidade, tal como a nulidade anterior e as demais elencadas, taxativamente, na disposição do artigo 615º do Código de Processo Civil, a existência de uma sentença, isto é, uma decisão de mérito, o que se não compagina com a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação, que em si não é uma sentença mas a decisão, prévia à sentença em cuja fundamentação se integra, que fixa o acervo factual que constitui a base necessária à decisão de mérito, ou seja, os erros que eventualmente afectem a decisão em matéria de facto não configuram nenhum dos vícios (formais) integradores de nulidade da sentença, podendo antes, eventualmente, configurar erro de julgamento, estando, por isso, fora do conceito legal de vícios da sentença previstos no artigo 615º do CPC. Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 23.3.2017, Procº nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1.: “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC. No caso vertente o Tribunal da Relação reapreciou a decisão em matéria de facto, por a decisão de 1ª instância ter sido impugnada na apelação, e pronunciou-se sobre o recurso nessa matéria, julgando-o procedente, dando como provados os factos, anteriormente dados como não provados pela 1ª instância, e aditando um novo facto, no exercício do poder/dever que os artigos 640º e 662º do Código de Processo lhe cometem, não tendo incorrido em qualquer excesso de pronúncia. Por outro lado, na apreciação e valoração da sentença proferido pelo ..., que condenou a recorrente em coima por violação de normas sobre a segurança no trabalho, de que resultou o acidente de trabalho dos autos e a morte do sinistrado, que a recorrente tem por indevida e contra a qual se insurge, mas que não foi o único meio de prova em que se fundou a convicção do tribunal, que igualmente, e conjugadamente com este, apreciou a prova testemunhal produzida, não infringiu qualquer regra de direito probatório material, que a recorrente, de resto não identifica, limitando-se a valorar um documento, que, não fazendo prova plena como o Tribunal da Relação teve o cuidado de mencionar, é, sem necessidade de revisão, de conformidade com o disposto nos artigos 978º, nº 2, do Código de Processo Civil, e 234º, nº 3, do Código de Processo Penal, um meio de prova, sujeito à livre apreciação do tribunal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil. Na verdade, Tal como a recorrente a equaciona, dizendo que “o Tribunal ad quem incorreu na invocada nulidade de excesso de pronúncia ao ter usado para fundamentar a sua decisão, ora recorrida, dando como provados factos constantes da citada douta sentença proferida pelo ..., sem que para o efeito tivesse sido previamente reconhecida pelos Tribunais Portugueses, assim incorrendo de forma clara num excesso de pronúncia (…)”, o excesso de pronúncia decorreria da apreciação e valoração, para efeitos e em sede de reapreciação da decisão em matéria de facto, objecto de impugnação pela seguradora apelante, da sentença proferida pelo ... sem que a mesma estivesse reconhecida pelos Tribunais Portugueses. Tal alegação não tem fundamento ou suporte legal uma vez que não estava em causa a exequibilidade, rectius a eficácia, em Portugal daquela decisão e que o artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil dispõe que não é necessária a revisão de sentença estrangeira quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, no mesmo sentido dispondo o artigo 234º nº 3 do Código de Processo Penal, nos termos do qual a sentença penal estrangeira não depende de prévia revisão e confirmação quando a sentença penal estrangeira for invocada nos tribunais portugueses como meio de prova, como foi o caso. In casu a arguição da nulidade e a alegação atinente à apreciação e valoração da sentença proferida pelo ... pela recorrente não é mais do que a manifestação da discordância e inconformismo da recorrente no tocante à decisão em matéria de facto, quanto à apreciação e valoração da prova, que, contudo, é insindicável por este Supremo tribunal. Com efeito, Como constitui jurisprudência pacífica o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 46º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) e 682º do Código de Processo Civil, é um tribunal de revista que, salvo nos casos excepcionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, podendo ainda, o que aqui não está em causa, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (nº 3 do artigo 682º do CPC). As excepções referidas consistem “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 2 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada). Daqui se segue que o sindicar o modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. Significa isto, como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal[1], e citando o acórdão de 2.1.2017, Procº nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1, que: “1 Como princípio – regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista. 2- O S.T.J. limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado. 3- São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. IV - Decisão Termos em que se acorda em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente.
Lisboa, 17 de Março de 2022
Leonor Cruz Rodrigues (Relatora) Pedro Branquinho Dias Júlio Manuel Vieira Gomes
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