Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1931/18.7T8PBL-B.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
IRRECORRIBILIDADE
OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REVISTA EXCECIONAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O despacho no qual o tribunal solicita os bons ofícios da Cons. do Reg. Predial para proceder à penhora é um despacho proferido ao abrigo dos arts. 630.º e 6.º, n.º 1, do CPC, e, como tal, não apresenta a virtualidade de formar caso julgado formal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Nos presentes autos de execução sumária para pagamento de quantia certa, no montante de € 40.245,51, em que é exequente Associação de Produtores Florestais do Concelho de Alvaiázere e executada CAAL – Cooperativa Agrícola de Alvaiázere, e no seguimento de requerimento da exequente a solicitar o cumprimento do art. 119.º do Código de Registo Predial, requerimento que foi indeferido por o registo já se encontrar caducado, foi proferido o seguinte despacho, datado de 21-09-2022:

«Oficie a Conservatória do Registo Predial de ..., a quem se solicita o averbamento da inscrição Ap 1 de 1955/06/18 da transmissão do prédio descrito sob a ficha 5382/20150615 da Freguesia de ... a favor da Cooperativa Agrícola de Alvaiázere, SCRL, NIPC .......81.

Solicita-se ainda, a atualização do artigo matricial.

Para melhor esclarecimento instrua com cópia dos documentos juntos com o requerimento com a referência .....12 de 04 de março e com cópia do ofício com referência .....24 de 08 de julho.».

1.2. Entretanto, em 11-12-2022, foi proferido o seguinte despacho:

«Requerimento com a referência .....80 de 25 de novembro:

Compete ao Exequente, por ser quem tem interesse, impugnar a decisão da CRP ou suprir as omissões assinaladas por aquela Conservatória e que conduziram à recusa.».

1.3. A exequente apresentou recurso de apelação, nos termos dos arts. 644.º, n.º 2, alínea b), do CPC, do despacho datado de 11-12-2022.

1.4. O recurso não foi admitido na 1.ª instância, e o exequente apresentou reclamação para o Tribunal da Relação ao abrigo do art. 643.º do CPC, vindo o recurso a ser admitido por despacho datado de 29-03-2023.

1.5. Por acórdão datado de 13-06-2023, foi decidido julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.

2. Veio a exequente interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por via excepcional, invocando os arts. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d), 644.º, n.º 2, 671.º, n.ºs 1, 2 e 3, 672.º, n.º 1, alínea c), 852.º, e 854.º, todos do CPC.

Formulou as seguintes conclusões:

«1 – O despacho judicial de 21-09-2022, transitado em julgado, nos termos do artº 68 do C.R.P, tem de ser cumprido pelo Exmº Sr. Conservador, por constituir uma ordem judicial, não sujeita a despacho de qualificação prévia do Exmº Sr. Conservador.

2 – O despacho que o substituiu de 11/12/2022, ofende o julgado, daquele despacho de 21-09-2022, que transitou em julgado. É que

3 – A decisão de 11-12-2022, contraria a de 21-09-2022.

4 – O Acórdão impugnado, ao afirmar que o despacho impugnado “não é uma decisão” constituindo “uma solicitação colaborativa”, ofende também aquele julgado.

5 – O acórdão recorrido não invoca qualquer sustentáculo legal, para a fundamentação da sua decisão, o que constitui também manifesta nulidade do mesmo Acórdão, nem se pronuncia sobre a fundamentação invocada para a revogação do despacho, constante do Proc. Nº 7677/08.7TBOER.L1-2 de Julho de 2009, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ficando assim o decidido, e impugnado, em manifesta contradição com o mesmo Acórdão.

6 - A revista é assim admissível nos precisos termos do disposto o artº 629 nº 2 alíneas a) e d) do C.P.C

7 – Face ao entendimento do Meritíssimo Juiz Relator constante do despacho que admitiu o recurso, ao aceitar que “decisão em crise não deve ser vista como de mero expediente, aparentemente colidindo com o direito ao registo já decidido, o mesmo produz ambiguidade ou mesmo obscuridade, para não falar de oposição de fundamentos, pois o Meritíssimo Juiz, integra o Tribunal Colectivo que proferiu o acórdão, ao afirmar afinal que “não é uma decisão” mas sim “uma decisão colaborativa”, sem trânsito em julgado, e assim sem sustentáculo legal, constituindo assim manifesta nulidade do Acórdão nos precisos termos do disposto no artº 615 nº1 alínea c) do C.P.C, o que aqui se alega para os devidos efeitos, impondo-se a revogação do despacho impugnado por outro que mantenha a ordem registral, decorrente do despacho transitado de 21-09-2022, e constante dos autos.

E que além do mais,

8 – O despacho impugnado viola manifestamente o caso julgado anterior, constante do despacho de 21-09-2022, nos termos do disposto nos artºs 580º, 619º, 620º, 621º do C.P.C.

9 – Deve assim ser dado sem efeito e revogado o despacho agora impugnado e renovada a ordem ao Exmº Sr. Conservador do Registo Predial, decorrente da decisão transitada em julgado e constante do mesmo despacho de 21-09-2022.

Por outro lado,

10 – O Acórdão recorrido, está em manifesta contradição com a doutrina do Acórdão Fundamento – Proc. Nº 7677/08.7TBOER.L1-2 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 2 de Julho de 2009, transitado em julgado, pelo que deve ser revogado e substituído por outro, revogando o despacho impugnado, que renove a ordem registral à Exmª Srª. Conservadora, e conforme resulta da fundamentação do presente recurso aqui reproduzida para os devidos efeitos, e em conformidade com o disposto no artº 672 nº 1 alínea c) do C.P.C.

11 – O aliás douto acórdão viola além do mais o disposto nos artº 580º, 6189º, 620º, 621º todos do C.P.C e os artº 41, 68, 89, e 90 todos do C.R.P.».

Não foi apresentada resposta.

II – Admissibilidade do recurso

1. A recorrente interpõe recurso ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d), e 671.º, n.º 2, alínea a), do CPC, invocando, como fundamentos de admissibilidade a ofensa do caso julgado formal, bem como a existência de contradição de julgados com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2009, proferido no processo n.º 7677/08.7TBOER.L1-2.

Antes de mais, importa convocar o art. 854.º do CPC, aplicável ao processo executivo, que estatui o seguinte:

«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução».

Deste modo, no âmbito do processo executivo, apenas é admissível recurso de revista nos «casos em que é sempre admissível recurso», ou seja, nas hipóteses previstas no 629.º, n.º 2, do CPC.

Temos, assim, que, por ter sido invocada quer a ofensa do caso julgado, quer a contradição de julgados, nos termos do art. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC, poderá o presente recurso ser admissível, por via normal, se se mostrarem reunidos os pressupostos específicos aí previstos.

A existência de dupla conforme entre as decisões das instâncias tampouco impede a admissibilidade da revista, atendendo a que o n.º 3 do art. 671.º do CPC ressalva igualmente os casos em que o recurso é sempre admissível.

Esclarece-se que, se o recurso não for admissível por via normal, também não o será por via excepcional, na medida em que, de acordo com a orientação constante da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo o recurso de revista unitário, a admissibilidade por via excepcional depende do preenchimento dos pressupostos gerais de recorribilidade, salvo no que se refere ao obstáculo da dupla conforme. Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos de 23-09-2021 (proc. n.º 309/19.0TBALM-B.L1.S1), de 17-11-2021 (proc. n.º 103/06.8TBMNC.1.G1.S1) e de 12-10-2023 (proc. n.º 1341/14.5T8VNF.G1-A.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

2. Uma vez que a recorrente invoca a ofensa do caso julgado formal produzido através da decisão singular proferida em 21-09-2022 (cfr. relatório supra), afigura-se existir possibilidade suficiente da alegada ofensa para que o recurso de revista seja admissível, ainda que circunscrito à apreciação desta questão, bem como das nulidades com a mesma conexas. Cfr., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 25-03-2021 (proc. n.º 12191/18.0T8LSB.L1.S1), de 02-03-2023 (proc. n.º 6055/18.4T8ALM.L1.S1) e de 02-02-2023 (proc. n.º 2485/19.2T8STS.P1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

No caso, alega a recorrente que o acórdão recorrido padece de:

• Nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia (conclusão recursória 5));

• Nulidade por ambiguidade ou obscuridade da decisão (conclusão recursória 7)).

Considerando-se que as nulidades invocadas apresentam conexão com a questão da ofensa do caso julgado, o recurso é também admissível nesta parte.

3. Perante a admissibilidade da revista com fundamento na apreciação da invocada ofensa do caso julgado, ficaria, em princípio, prejudicado o conhecimento do fundamento de admissibilidade da invocada contradição de julgados com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2009, proferido no Processo n.º 7677/08.7TBOER.L1-2.

Porém, e por poderem subsistir dúvidas sobre se, no caso concreto, o objecto da invocada contradição se sobrepõe ou não à invocada ofensa do caso julgado formal, sempre se dirá que não pode existir contradição entre o acórdão recorrido e o referido acórdão-fundamento, na medida em que este último foi proferido no âmbito de uma acção de recurso contencioso da decisão de conservador, prevista no art. 140.º, n.º 1, do Código de Registo Predial, enquanto, nos presentes autos, estamos perante uma acção de execução, na qual, além do mais, foi proferido despacho a informar a exequente de que deveria impugnar judicialmente o despacho de recusa do Conservador, o que a exequente não terá feito.

4. Conclui-se, pois, pela admissibilidade do recurso para conhecimento da invocada ofensa do caso julgado formal e das arguidas nulidades do acórdão recorrido conexas com aquela questão.

III – Fundamentação de facto

Para o ora importa, relevam os factos constantes do relatório do presente acórdão.

IV – Fundamentação de direito

1. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia

Alega a recorrente (concl. 5)) que «[o] acórdão recorrido não invoca qualquer sustentáculo legal, para a fundamentação da sua decisão, o que constitui também manifesta nulidade do mesmo Acórdão, nem se pronuncia sobre a fundamentação invocada para a revogação do despacho, constante do Proc. Nº 7677/08.7TBOER.L1-2 de Julho de 2009, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (...)».

A não indicação das normas legais que disciplinam o instituto do caso julgado formal não equivale a falta de fundamentação de direito (cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do CPC), apenas relevando se afectasse a inteligibilidade da decisão ou da respectiva fundamentação. Não sendo o caso, não ocorre a arguida nulidade.

Quanto ao mais, nos termos do n.º 2 do art. 608.º do CPC, «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», incorrendo em omissão de pronúncia se não o fizer (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC). Contudo, a invocação, em sede de apelação, de posição alegadamente divergente assumida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2009 não é constitui uma questão recursória mas apenas um argumento coadjuvante da pretensão da apelante (argumento, que, compulsadas as alegações da apelação, se verifica, aliás, não constar sequer das conclusões recursórias, mas apenas do corpo das alegações), não tendo o tribunal de se pronunciar sobre o mesmo.

Conclui-se, assim, pela não verificação, nesta parte, das arguidas nulidades.

2. Nulidade do acórdão recorrido por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível

Alega ainda a recorrente (concl. 7)) que, «(f)ace ao entendimento do Meritíssimo Juiz Relator constante do despacho que admitiu o recurso, ao aceitar que “decisão em crise não deve ser vista como de mero expediente, aparentemente colidindo com o direito ao registo já decidido, o mesmo produz ambiguidade ou mesmo obscuridade, para não falar de oposição de fundamentos, pois o Meritíssimo Juiz, integra o Tribunal Colectivo que proferiu o acórdão, ao afirmar afinal que “não é uma decisão” mas sim “uma decisão colaborativa”, sem trânsito em julgado, e assim sem sustentáculo legal, constituindo assim manifesta nulidade do Acórdão nos precisos termos do disposto no artº 615 nº1 alínea c) do C.P.C.».

A nulidade da decisão «por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» (art. 615.º, n.º 1, alínea c), segunda parte, do CPC) diz respeito ao teor da própria decisão recorrida (no caso, o acórdão da Relação) e não ao confronto entre esta e decisão anteriormente proferida nos autos (no caso, a decisão do relator do Tribunal da Relação que deferiu a reclamação da apelante apresentada ao abrigo do art. 643.º do CPC). Tal confronto apenas relevaria se a decisão recorrida desrespeitasse o caso julgado formal eventualmente formado com decisão anterior proferida no processo. Ora, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, o despacho do relator de admissibilidade do recurso não forma caso julgado, tendo carácter provisório e sendo susceptível de alteração pelo colectivo de juízes, seja por iniciativa do próprio relator, dos adjuntos ou das partes. Cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos de 19-02-2013 (proc. n.º 1075/04.9TBFAF.G1.S1) e de 22-04-2015 (proc. n.º 1388/09.3TBPVZ.P1.S1), não publicados em www.dgsi.pt.

De qualquer forma, sempre se dirá que, diversamente do alegado pela recorrente, o acórdão recorrido não divergiu da decisão do relator que admitiu o recurso, uma vez que, como resulta do teor da passagem da fundamentação infra transcrita, tal decisão se limitou a enunciar a possibilidade de existir contradição entre o despacho de 21-09-2022 e o despacho de 11-12-2022, considerando que a dilucidação da questão integraria o objecto do recurso de apelação a apreciar:

«O Agente de Execução vinha desenvolvendo diligências para conseguir a conversão do registo em definitivo;

Entretanto, na sequência de esclarecimentos vários, o Tribunal proferiu o despacho de 21.09.2022, no qual solicita o averbamento à inscrição AP I de 1955/06/18 da transmissão do prédio descrito sob a ficha 5382/20150615 da Freguesia de ... a favor da Cooperativa Agrícola de Alvaiázere;

Recusando a Conservatória o averbamento, o Tribunal vem atribuir competência ao Exequente para impugnar a recusa ou para suprir as omissões assinaladas;

A aparente contradição entre a solicitação do averbamento e a atribuição de competência ao Exequente confere à decisão uma natureza que não se limita a um mero expediente, podendo, em tese, ser interpretada como uma decisão sobre a questão e transitada.

Mal ou bem, o que deverá ser visto na instância de recurso, a Exequente entendeu o despacho de 21.09.2022 como uma ordem do Tribunal, a que a Conservatória deveria obedecer.

Assim, estando em causa essa pretensa ordem, como caso julgado, a atribuição da competência ao Exequente violaria aquele.

Ao interferir no procedimento do registo, o Tribunal acabou por decidir do interesse e da legitimidade da Exequente.

Por fim, o Exequente invoca que "está demonstrada a aquisição do prédio pela executada", o que pode colidir com uma pretensa aquisição de factos para o processo.

Neste contexto, a decisão em crise não deve ser vista como de mero expediente, aparentemente colidindo com o direito ao registo já decidido.». [negritos nossos]

Deste modo, conclui-se, também aqui, pela não verificação da invocada nulidade.

3. Ofensa do caso julgado formal

Como vimos, invoca a recorrente que o despacho proferido em 11-12-2022 violou o caso julgado que se terá formado com o despacho proferido em 21-09-2022, no âmbito dos presentes autos, em sede da 1.ª instância.

O acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:

«(I)mporta analisar o despacho de 21-09-2022.

Se interpretamos bem, este não resolve qualquer questão e não profere qualquer decisão que ordene o registo.

No contexto da colaboração devida (o ato competia ao AE e ao Exequente), o Tribunal solicita o averbamento, instruindo a solicitação com certos documentos obtidos.

O Tribunal não assegura que está demonstrada a transmissão patrimonial.

A solicitação é feita a entidade competente para o registo.

Em face dos artigos 41 (legitimidade para o pedido) e 68 (princípio da legalidade) do Código de Registo Predial, percebemos que o Tribunal não procedeu a qualquer apreciação. Embora pareça aquele despacho uma decisão (de alguma forma o Tribunal pensou no assunto), ele não a constitui realmente porque não aborda os fundamentos, de facto e direito, para concluir por certa solução.

O Tribunal não conferiu a existência do título e não decidiu que estavam sanadas as dúvidas inseridas no registo, sendo ainda certo que, antes, já tinha conferido a caducidade do registo.

Tanto assim é (não há uma decisão e uma ordem) que, perante o despacho da Conservadora, o Tribunal “aceita” a recusa, definindo que cabe ao interessado suprir as omissões assinaladas (em síntese, apresentar o despacho ministerial que confere a transmissão).

Não sendo uma decisão (antes uma solicitação colaborativa), não ocorre o seu trânsito em julgado que forçasse o Tribunal a executá-la.

E, em conclusão, na sequência, não merece reparo o despacho que afirma que “compete ao exequente, por ser quem tem interesse, impugnar a decisão da C.R.P. ou suprir as omissões assinaladas por aquela Conservatória.». [negritos nossos]

Entendeu o acórdão recorrido, e bem, que o despacho datado de 21-09-2022, não transitou em julgado, por não se tratar de uma verdadeira decisão sobre o litígio, mas antes de uma solicitação de colaboração à Conservatória, pelo que o despacho posterior, datado de 11-12-2022, se mostra correcto ao determinar que caberia ao exequente impugnar a decisão da Conservatória.

Com efeito, mos termos do n.º 2 do art. 630.º do CPC:

«Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.».

Ora, o despacho proferido em 21-09-2022 é apenas, na feliz expressão do acórdão recorrido, uma solicitação de colaboração, proferida ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, do CPC («Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável»). Na verdade, a juíza da 1.ª instância, após ter indeferido (cfr. despacho datado de 22-03-3033, constante da certidão I) o solicitado cumprimento do art. 119.º do Código de Registo Predial, requerido pelo exequente (cfr. requerimento com a ref. electrónica 41519304, constante da certidão I), entendeu ser de comunicar oficiosamente à Conservatória o averbamento da penhora já solicitada, a fim de agilizar o andamento célere dos autos.

Nesse despacho não é efectuado qualquer juízo quanto ao mérito da acção executiva, nem quanto às dúvidas suscitadas a respeito do averbamento do registo ou mesmo quanto ao eventual trato sucessivo do imóvel cuja penhora é solicitada. O tribunal limita-se a solicitar os bons ofícios da Conservatória para proceder à penhora conforme já havia sido efectuado pelo agente de execução, mas não se pronuncia acerca da transmissão da propriedade do imóvel do proprietário constante do registo para a executada. Conforme se decidiu no acórdão recorrido, o despacho visou tão-só conferir andamento aos autos, após indeferimento da pretensão da exequente do cumprimento do art. 119.º do Código de Registo Predial.

Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 30-03-2017 (proc. n.º 1119/14.6T8MAI-A.P1.S1), não publicado em www.dgsi.pt:

«A decisão transita em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação, pelo que, os despachos de mero expediente (tendentes a assegurar o andamento regular do processo) ou de agilização processual, proferidos no termos do art. 6.º, n.º 1, do CPC, sendo irrecorríveis, são insusceptíveis de trânsito e, logo, de adquirir valor de caso julgado (arts. 619.º, n.º 1, 620.º, 628.º, 630.º, n.os 1 e 2, do CPC).». [negrito nosso]

Ocorre violação do caso julgado formal (art. 620.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) quando, num mesmo processo e com as mesmas partes, se decida novamente a mesma questão, mas de forma diversa. Cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 22-06-2021 (proc. n.º 2601/19.4T8VIS-A.C1.S1), consultável em www.dgsi.pt.

Ora, como se sabe, no actual processo executivo não é o juiz que determina a penhora nos autos, mas sim o agente de execução (cfr. arts. 748.º e segs., e 855.º do CPC), sendo que, no caso sub judice, este último já havia diligenciado nesse sentido, e sendo que, por ter ficado provisório por dúvidas, em face da inércia do exequente, o referido registo caducou.

No caso, não foi proferido qualquer despacho judicial a ordenar a penhora daquele imóvel, mas antes um despacho a solicitar que se procedesse à penhora, conforme já havia sucedido a pedido do agente de execução.

Tendo o Conservador recusado o averbamento, compete ao exequente reagir contra essa decisão, o que só pode ser feito nos termos do art. 140.º do Código de Registo Predial:

«1 - A decisão de recusa da prática do ato de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área de circunscrição a que pertence o serviço de registo.

2 - A recusa de retificação de registos só pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código.».

Assim, considera-se que, para além de o despacho proferido em 21-09-2022 constituir um despacho proferido ao abrigo dos arts. 630.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, do CPC, e de, como tal, não apresentar a virtualidade de transitar em julgado, também não existe qualquer oposição frontal entre este despacho e aquele de que se recorre, o despacho de 11-12-2022. Na verdade, este último despacho não contraria o despacho de 21-09-2022, pois o tribunal apenas informa a exequente como deve reagir à decisão de recusa de averbamento da penhora proferida pelo Conservador, processo que se encontra regulado na lei, conforme supra indicado.

Conclui-se, assim, pela não verificação da invocada ofensa do caso julgado.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Fernando Baptista