Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
176/17.8PBEVR.S1
Nº Convencional: 3ª SESSÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
ACTOS URGENTES
PRAZO PEREMPTÓRIO
PRAZO PERENTÓRIO
ACUSAÇÃO
FÉRIAS JUDICIAIS
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 08/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS – ACTOS PROCESSUAIS / TEMPO DOS ACTOS E DA ACELERAÇÃO DO PROCESSO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
Doutrina:
- ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 228, 247 e 250;
- JOSÉ GONÇALVES DA COSTA, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1988, p. 430;
- LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código de Processo Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, 3ª Edição, 2008, p. 318 e 527;
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227 e ss. e 231 ; O sistema sancionatório do Direito Penal Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815;
- MARIA JOÃO ANTUNES, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44;
- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Volume I, p. 446 e 447;
- AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal – Parte Geral, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 65 e 66;
- MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 1999, 10.ª Edição, p. 227 e 306.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 75.º, N.ºS 1 E 2, 77.º, N.º 3, 103.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 104.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 2 E 71.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-12-1988, IN BMJ 382, P. 442;
- DE 29-03-1989, IN CJ, ANO XIV, III, P. 5;
- DE 24-04-1990, IN BMJ, 396, P. 371;
- DE 09-05-1991, IN CJ, ANO VI, III, P. 9;
- DE 11-07-2007, PROCESSO N.º 1583/07;
- DE 27-04-2011, PROCESSO N.º 712/00.9JFLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-07-2014, PROCESSO N.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1;
- DE 29-03-2017, PROCESSO N.º 2183/14.3JAPRT.P1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 611/94, IN DR, II SÉRIE, DE 05-01-1995, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I - A lesada, agora recorrente foi informada da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do art. 75.º, n.º 1, do CPP, não tendo manifestado o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
II - Não tendo manifestado esse propósito até ao encerramento do inquérito, teria a lesada que deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação, em conformidade com o disposto no art. 77.º, n.º 3 do CPP.
III - De acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 103.º, n.º 2, al. a), e 104.º, n.º 2, do CPP, correm em férias os prazos relativos a processos com arguidos detidos ou presos.
IV - Actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos são todos e quaisquer actos referentes a processos com arguidos naquela situação, quer respeitem à acção penal (matéria criminal, medidas de coacção, etc.), quer respeitem à acção cível que pode ser enxertada.
V - Impondo a lei a tramitação unitária de ambas as acções, não seria aceitável, sem frustrar o objectivo da celeridade, admitir-se a suspensão do decurso do prazo para a prática de acto relativo ao pedido de indemnização civil, concluindo-se que o art. 104.º, n.º 2, do CPP deve ser interpretado no sentido de que correm em férias os prazos relativos a processos de arguidos detidos ou presos, qualquer que seja a natureza dos actos a praticar, impondo-se tal regra a todos os intervenientes processuais.
VI - Os prazos estabelecidos na lei para a prática de actos pelo arguido, pelo assistente e pelas partes civis, bem como pelo Ministério Público fora da fase do inquérito, são peremptórios; fixam o momento até ao qual o acto pode ser praticado, sendo que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de o praticar.
VII - De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 71.º do CP, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
VIII - Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71.º, n.º 2, do CP).
IX - A defesa da ordem jurídico-penal – lê-se no acórdão deste STJ 03-07-2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
X - Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos e definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio – a vida humana inviolável.
XI - Na realização dos fins das penas, as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de axial importância, pretendendo essa finalidade de prevenção geral acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial – a vida humana.
XII - No caso presente, é muito elevado o grau de ilicitude dos factos, assumindo a culpa do arguido a forma de dolo directo, em elevada intensidade. O arguido manifestou em todo o processo executivo do crime uma vontade firme dirigida ao facto e à concretização do resultado final, uma intensidade, energia e vigor que impressionam negativamente, numa sucessão de golpes com utilização de uma faca, o que revela um total desprezo pela sua vida, para além de uma acentuada crueldade.
XIII - As qualidades da sua personalidade manifestadas no facto revelam uma marcada desconformação com o direito, atenta a gravidade e o modo de execução dos factos (pautado por uma ostensiva persistência em consumar o crime de homicídio), mediante a perpetração de sucessivos actos de intensa violência, tendo o arguido revelado total falta de respeito pela vida da vítima que, ademais, mantinha um relacionamento amoroso com a sua filha e que aguardava o nascimento de um filho, seu neto.
XIV - Acentuando-se as exigências de prevenção geral que assumem aqui uma especial intensidade, tendo em devida atenção a intensidade da culpa do arguido manifestada na execução do crime, observando-se uma personalidade particularmente desvaliosa em todo o processo de execução do crime de homicídio, perante a moldura penal abstracta prevista para o crime de homicídio qualificado – 12 a 25 anos de prisão –, ponderando todas as circunstâncias do caso, entende-se adequada e justa a pena de 19 anos de prisão aplicada no acórdão recorrido, pena que, por satisfazer as exigências de prevenção e por respeitar a medida da culpa do recorrente, se confirma.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I - RELATÓRIO

1. Contra o arguido AA, nascido a ... de 1967, filho de BB e de CC, natural da freguesia ..., concelho de ..., casado, tratador de cavalos, residente na R......, n.º ...., Bairro ...., em Évora, actualmente sob prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de ..., foi deduzida acusação pela prática como autor, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas e), i) e j), do Código Penal.

           

2. A assistente constituída DD, por si e em representação da filha EE deduziu pedido de indemnização civil no âmbito dos presentes autos, peticionando o pagamento pelo arguido/demandado da quantia de € 1.214.000,00 (um milhão, duzentos e catorze mil euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Relativamente ao pedido de indemnização deduzido em representação da menor EE decidiu o Tribunal Colectivo, por considerar que a fixação da paternidade dessa menor «constitui uma causa prejudicial em relação à decisão a recair sobre o pedido de indemnização civil ora deduzido, na medida em que só após resolução daquela questão o tribunal poderá com total certeza apreciar o mesmo, nomeadamente no que diz respeito à legitimidade substantiva por si alegada», decidiu, no que se refere a tal pedido, remeter as partes «para os tribunais civis, abstendo-se este tribunal de decidir, nos termos do disposto nos artigos 82.º, n.º3, e 72.º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Penal».

3. Em 25 de Outubro de 2017, no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 2, foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo:

         «Com base na fundamentação exposta e no âmbito do quadro legal traçado, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e consequentemente decidem:

         1. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

         2. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo.

3. Absolver o arguido do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente DD.»

           

4. Inconformado com a decisão, interpôs o arguido recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem:

      

            «Conclusões:

            1. O presente recurso tem por objecto a medida da pena aplicada (matéria de direito).

            2. O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 71, n.º 2 al. d) do Código Penal, pois apenas foi considerado o facto do arguido vivenciar quadro económico fragilizado e subsistir com um rendimento reduzido, sendo certo que o arguido ainda assim mantinha o FF a seu cargo.

            3. A favor do arguido foi considerado o facto do mesmo se ter retratado à Policia Judiciária, o mesmo indicou o local do objecto usado na prática do crime, devendo ser consideradas favoravelmente ao arguido a conduta posterior à prática dos factos, circunstancias que não foram consideradas na determinação concreta da pena, ainda que a elas se aludam na motivação dos factos provados, e que foram determinantes para a prova dos factos, as quais devem ser consideradas favoravelmente ao arguido, não o tendo feito violou o Acórdão recorrido os artigos 40.º n.º 1 e 2, 71.º n.º 1 e n.º 2 al) e. e 72.º n.º 1 do C.P., uma vez que o arguido teve assim uma conduta posterior à prática do crime onde se mostrou colaborante com a justiça, o que é claramente relevante para uma atenuação da medida concreta da pena e não deixa de ser demonstrativo de arrependimento.

4. O arguido tem apoio familiar, o que deveria ter sido considerado a seu favor, pelo que foi violado o art.º 71.º n.º 2 al. d) do CP pelo Tribunal a quo, ao não valorar tal circunstância na determinação da medida concreta da pena.

            5. Por outro lado o Tribunal considerou, que o arguido agiu no intuito de matar FF, unicamente em virtude da existência de uma discussão motivada pelo facto de o mesmo não querer colaborar nas tarefas domésticas, o que significa que a qualificação aqui prevista seria no máximo a existência de um motivo fútil para a prática do crime.

            6. Assim, e pelo exposto deve ser determinada a diminuição da pena de prisão aplicada por se entenderem violados ao artigos 40.º, 71.º e 72.º do C. P., de acordo com a mais adequada subsunção dos factos ao direito no presente caso, diminuição da pena sendo fixada a pena de Homicídio Qualificado art.º 132.º n.º2 al. b) do C.P., abaixo dos 19 anos, tendo em atenção que a qualificação de uma pena de prisão excessivamente longa pode comprometer definitivamente a ressocialização e vida futura do arguido.

 7. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo determinada a redução da pena de prisão aplicada ao arguido, assim fazendo V. Exas. Justiça!!!».

           

            5. Respondeu o Ministério Público, dizendo:

            «Em conclusão:

            1- O arguido AA foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º e 132º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal., na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

            2 - O crime por que o arguido foi condenado é punido com pena de doze a vinte cinco de prisão.

            3 - Não releva a favor do arguido a conduta posterior à prática dos factos, e muito menos pode constituir atenuação especial da pena nos termos do disposto no art. 72º, do Código Penal, a circunstância de o arguido ter reconhecido perante a Polícia Judiciária, os factos e ter indicado o local onde se encontrava a arma.

            4 - Com efeito o arguido não revela arrependimento se, como sucedeu e consta da matéria fáctica dada como provada (pontos 10, 11 e 12), inicialmente cria um estratagema para afastar de si a responsabilidade no cometimento do crime, o qual se terá tornado insustentável quando confrontado com as provas e as contradições e é neste contexto que terá indicado onde se encontrava a arma.

            5 - Depois do crime, o arguido saiu do local, deitou fora a faca e algum tempo depois regressou e chamou o INEM dizendo que tinha chegado a casa e encontrado a vítima caído no chão, com um golpe no peito, sendo ele quem na verdade o deixara a esvair-se em sangue e se ausentara.

 

6- Para além disso, em sede de julgamento, repetidamente, como consta da motivação da decisão de facto douto acórdão recorrido, o arguido procura negar a prática dos factos e elaborar uma versão que não colhe porque é contrariada pela prova produzida.

7 - Desse modo, a conduta do arguido posterior ao crime não é reveladora de arrependimento sincero, pelo que não deve ser valorada a seu favor em sede de fixação da medida concreta da pena e muito menos de forma a poder constituir atenuante especial da pena, nos termos do art. 72Q, do Código Penal.

8 - Também não será de relevar especialmente a inserção profissional do arguido, que foi tida em conta como circunstância a seu favor, com a restrição de tal inserção revelar alguma instabilidade.

9 - A favor do arguido apenas poderiam militar para além desta, a ausência de antecedentes criminais e o seu comportamento posterior à prisão, já no estabelecimento prisional.

10 - Em contrapartida, militam contra o arguido as circunstâncias enumeradas no local própria do douto acórdão recorrido e, designadamente:

-É elevada a ilicitude dos factos, "considerando as circunstâncias e o modo global da acção, em particular o número de facadas" - (quatro);

            - As consequências do ato criminoso que se traduzem na perda da vida de FF;

            - A intensidade do dolo que se reputa alta porque directo.

            11 - Em sede de exigências de prevenção especial é dado relevo ao facto de o arguido consumir bebidas alcoólicas em excesso pelo arguido, "que dificulta um juízo de prognose positivo relativamente à prática de factos ilícitos criminais no futuro".

            12 - "As necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, considerando os bens jurídicos violados pelo arguido, bem como o alarme e sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na comunidade e que por isso exigem que na fixação concreta da pena, se tenha em consideração a necessidade de repor a tranquilidade e a confiança da colectividade na validade e eficácia das normas violadas."

           13 - "A medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2016, no processo 78/15.2JALRAC1.S1, de que foi relatara a Sra. Juíza Conselheira Rosa Tching).

           14 - "o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é que não ultrapasse a medida da culpa, isto é que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto verificado mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada: neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artigo 18º, nº 2 da Constituição da República, consagra" (Acórdão de 04-06-2014 (Proc. 262/13.3PVLSB. L1.S1-3ª Secção)

15 - O bem jurídico tutelado no nosso ordenamento jurídico como valor máximo que se sobrepõe a todos os outros é a vida humana.

16 - É inquestionável que a violação das normas que a protegem, causa insegurança na comunidade e justifica a maior protecção. Ora, a conduta do arguido, que agiu com dolo intenso e com elevada ilicitude, teve como resultado a lesão irremediável daquele bem jurídico fundamental.

            17 - O alto grau de culpa do agente está espelhado no modo de execução do crime, com quatro facadas e também no facto de ter deixado a vítima a esvair-se em sangue quando se retira do local com vista a desfazer-se da arma e a engendrar um estratagema para afastar de si a responsabilidade pelos factos.

18 - Desse modo, os critérios para fixação da medida da pena foram correctamente aplicados e a pena é adequada não ultrapassando o grau de culpa do agente e sendo justificada pelas necessidades de prevenção geral.

            19 - O Tribunal “a quo “ efectuou uma adequada aplicação do direito e não se mostram violadas quaisquer disposições legais.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as, Senhores Juízes Conselheiros, negar provimento ao recurso e confirmar o douto acórdão recorrido, nos seus precisos termos.»

            6. Em 24 de Agosto de 2017, GG, mãe da vítima, veio deduzir contra o arguido pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do mesmo no pagamento da quantia de 30.000,00 €, a título de danos patrimoniais, e da quantia de 1.800,00 €, a título de danos não patrimoniais, «tudo acrescido de juros legais desde a decisão até efectivo e integral pagamento».

           7. Por despacho de 28 de Agosto de 2017, foi decidido não admitir este pedido de indemnização civil, por intempestivo.

            Eis o teor dessa decisão:

         «A ofendida GG veio deduzir pedido de indemnização civil a fls. 416 a 420, no dia 24.08.2017.

         Todavia, o mesmo é intempestivo.

        Isto porque, tendo sido informada no dia 29.03.2017 da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do CPP (fls. 292), a ofendida não manifestou o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 do mesmo diploma legal.

         Não tendo manifestado tal propósito até ao encerramento do inquérito, teria a ofendida que deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação (artigo 77.º, n.º 3 do CPP).

         Sucede que o arguido foi notificado do despacho de acusação no dia 22.06.2017 (fls. 367), sendo que uma vez que se encontra sujeito à medida de coacção prisão preventiva, o processo tem natureza urgente, motivo pelo qual o prazo para deduzir pedido de indemnização civil corre em férias.

        Assim sendo, bem se vê que há muito que se encontra excedido o prazo para deduzir pedido de indemnização civil.

         Termos em que, uma vez que é intempestivo, não admito o pedido de indeminização civil formulado a fls. 416 a 420».

8. Na sequência de «reclamação de acto de secretaria» apresentada «nos termos do n.º 5 do artigo 157.º do CPC, ex vi CPP» (fls. 440-444), a Ex.ma Juíza Titular proferiu decisão, indeferindo-a, «mantendo-se assim o despacho que determinou não admissão do pedido de indemnização civil deduzido».

           

            É o seguinte o teor de tal despacho:

         «Requerimento de 07/09/2017

         Veio GG reclamar de acto da secretaria, nos termos do disposto no artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, invocando por um lado que da notificação datada de 21/06/2017 não consta a menção de que o prazo corria em férias, e por outro lado que a mesma não foi remetida ao patrono nomeado, em violação do disposto no artigo 113.º, n.º 10, do Código de processo Civil.

         Cumpre apreciar e decidir.

         No que diz respeito à ausência de menção de que se trata de um processo urgente, correndo por isso os prazos em férias, entende o tribunal que não assiste razão à ora requerente, inexistindo obrigação da secretaria informar tal facto, porquanto o mesmo resulta da lei, designadamente do artigo 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

         Ora, o argumento de que a requerente tem uma modesta condição social não colhe, porquanto assim sendo normal seria que a mesma cumprisse o prazo constante da notificação, e não que retirasse a conclusão de que o mesmo se suspenderia em férias.

Aliás, não pode a requerente invocar desconhecer o carácter urgente do processo determinado pelo artigo 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – porquanto não convence que a mesma não soubesse que o arguido se encontra detido – e por outro lado afirmar saber que os prazos se suspendem em férias conforme estabelecido no artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo que da notificação não consta qualquer menção a este facto.

         No que tange à alegada falta de notificação do patrono nomeado, entendo que igualmente não assiste razão à requerente, porquanto não lhe é aplicável o disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, dado que a mesma não é parte civil, só revestindo essa qualidade após deduzido o pedido civil. Ao que acresce o facto de tendo sido informada no dia 29/03/2017 da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do CPP (fls. 292), a ofendida não ter manifestado o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 do mesmo diploma legal.

         Em face do exposto, indefere-se a reclamação ora deduzida, mantendo-se assim o despacho que determinou a não admissão do pedido de indemnização civil deduzido.»

9. Inconformada, veio a lesada interpor recurso de tal decisão, recurso que foi admitido para subir a final com o recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão que puser termo à causa, conforme despacho de fls. 464.

A recorrente remata a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

            «Conclusões:

I. A RECORRENTE NÃO SE CONFORMOU COM A NOTIFICAÇÃO PROMOVIDA PELA SECRETARIA, QUE NÃO ADMITIU O PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL APRESENTADO PELA REQUERENTE E DA QUAL APRESENTOU RECLAMAÇÃO,

II. POIS ENTENDE QUE LHE DEVERIA TER SIDO COMUNICADA A NATUREZA URGENTE DO PROCESSO E EM QUE TERMOS CORRIA O PRAZO PARA APRESENTAR O PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL.

III.A RECORRENTE É UMA PESSOA DE MODESTA CONDIÇÃO SOCIAL, SEM A ESCOLARIDADE MÍNIMA E RESIDE EM ....... DISTRITO DA GUARDA, A MAIS DE 300 KM DE DISTÂNCIA, SENDO DESPROPORCIONADO E EXCESSIVO IMPOR-LHE A OBRIGAÇÃO DE CONSULTAR O PROCESSO OU MESMO FAZER-LHE RECAIR UM EVENTUAL ÓNUS OU EXIGIR-LHE QUE ADIVINHASSE A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS DENUNCIADOS. E,

IV. SALVO O DEVIDO RESPEITO, NÃO PODE A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO NO SEU DESPACHO AGORA EM CRISE, IMPOR À RECORRENTE TINHA A OBRIGAÇÃO DE SABER QUE O ARGUIDO ESTAVA PRESO, BEM COMO AS CONSEQUÊNCIAS QUE DAÍ ADVINHAM.

V. TUDO PODENDO SER EVITADO COM A MENÇÃO CORRETA DO PRAZO E A FORMA DE CONTAGEM.

VI. SOB PENA DE SE ESTAR A CERCEAR, DE MODO DEFINITIVO, UM DIREITO PESSOAL, IMPEDINDO-A, DE FORMA IRREMEDIÁVEL, DE EXERCER OS SEUS DIREITOS NOS PRESENTES AUTOS.

VII. A NOTIFICAÇÃO EFECTUADA À RECORRENTE DEVERIA CONTER AS

INFORMAÇOES DE MODO A QUE UM DECLARATÁRIO NORMAL, COLOCADO NA POSIÇÃO DO REAL DECLARATÁRIO, POSSA COMPREENDER O SEU REAL SENTIDO (ART°. 236°, NO, 1 'EX VI' ART°. 295°, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL).

VIII. OS ERROS E/OU OMISSOES DOS ACTOS PRATICADOS PELA SECRETARIA JUDICIAL NÃO PODEM, EM QUALQUER CASO, PREJUDICAR AS PARTES (ART°. 157°, NO. 6 DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL), PELO QUE APROVEITA À RECORRENTE E A INTERPRETAÇÃO DO PRAZO QUE, POR ERRO, LHE FOI INDICADO NO ACTO DA NOTIFICAÇÃO, EM FUNÇÃO DO QUE LHE É PERMITIDO APRESENTAR O PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DENTRO DESSE PRAZO ALARGADO, AINDA QUE QUE SEJA OUTRO O PRAZO LEGAL.

IX. PELO QUE TER-SE-Á DE CONSIDERAR TEMPESTIVO TAL PEDIDO.

X. O ORA PATRONO JÁ ESTAVA NOMEADO COMO DEFENSOR OFICIOSO DA OFENDIDA À DATA E NÃO FOI NOTIFICADO, DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 283.º DO CPP, VIOLANDO-SE ASSIM O ART°. 113°, Nº. 9, DO CPP.

XI. A POSIÇÃO PROCESSUAL DA RECORRENTE – OFENDIDA - ESTÁ DEFINIDA DESDE O INQUÉRITO E NÃO APÓS A DEDUÇÃO DO PIC.

XII. E MESMO QUE ALGUMA DUVIDA SUBSISTISSE QUANTO À INTERPRETAÇÃO, O QUE NÃO SE CONCEDE, SEMPRE SERIA DE ADOPTAR O CRITÉRIO MAIS FAVORÁVEL À RECORRENTE, AO MENOS EM NOME DO PRINCÍPIO DA FAVORABILIA AMPLIANDA.

            NESTES TERMOS, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser revogado o douto despacho de que ora se recorre, admitindo-se com todas as consequências legais o Pedido de Indemnização Civil apresentado.»

            10. Respondeu o Ministério Público, concluindo:

            «CONCLUSÕES

            1ª - Entende o Ministério Público que a recorrente não integra nenhuma das categorias do nº1, do art. 401º, do Código de Processo Penal, pelo que não tem legitimidade para recorrer.

 

            2ª - Em causa está a notificação à recorrente, mãe da vítima de homicídio, FF, do direito que lhe assistia, no processo-crime, de deduzir pedido de indemnização civil.

   

            3ª - Quanto aos fundamentos do recurso, o Ministério Público pouco pode acrescentar ao despacho da Mm. Juíza a quo ao decidir sobre a reclamação apresentada e para o mesmo remete.

   

            4ª - Com efeito, não pode a recorrente “invocar desconhecer o carácter urgente do processo determinado pelo artigo 104º, nº2, do Código de Processo Penal (…) e por outro lado afirmar saber que os prazos se suspendem em férias conforme estabelecido no artigo 138º, nº 1, do Código de Processo Civil, sendo que da notificação não consta qualquer menção a este facto.”

  

            5ª - Não são aplicáveis as regras da notificação do nº 10, do art. 113º, do CPP, à recorrente porque não se constituiu assistente nem é parte civil.

  

            6ª - Só é parte civil o lesado que tenha já deduzido pedido de indemnização civil.

   

            7ª - Não só não tem a recorrente legitimidade para o presente recurso, como não lhe assiste razão. 

            Termos em que caso não decidam Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, pela ilegitimidade da recorrente, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, assim se fazendo JUSTIÇA

11. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que se reproduz:

            «A Recurso da ofendida GG (457-462):

            Recurso com os efeitos fixados (464):

            Uma vez que o objecto do recurso – tempestividade do pedido de indemnização civil – é decisivo e prejudicial da legitimidade (e interesse em agir) para interposição do presente recurso (se se considerar que estava em tempo tem legitimidade para recorrer), dever-se-á conhecer do mesmo.

            No que respeita ao seu mérito, nada mais se nos oferece acrescentar à resposta da Ex. ma Procuradora da República de fls. 566-570, devendo o recurso ser julgado improcedente.

            B Recurso do arguido AA (548-554):

 

            Recurso próprio, com os efeitos fixados (562), nada obstando ao seu conhecimento, da competência deste Supremo Tribunal, por visar exclusivamente o reexame de matéria de direito e a pena aplicada ser superior a 5 anos de prisão – art. 432.º, 1, al. c) do Cód. Proc. Penal.

**

            Não foi requerida audiência, pelo que o recurso deverá ser julgado em conferência - art. s 411.º, 5 e 419.º, 3, al. c) do Cód. Proc. Penal).

**

            Parecer:

            I Como decorre das respectivas conclusões, a única questão submetida a reexame é a medida da pena, fixada em 19 anos de prisão.

            Pretende o desagravamento da mesma, fazendo apelo ao seu «quadro económico fragilizado e subsistir com rendimento reduzido», bem como ao facto do mesmo se ter retratado à Polícia Judiciária e indicado o local onde deixara a arma, concluindo que esta conduta posterior à prática do crime, de colaboração com a justiça «é claramente relevante para uma atenuação… e não deixa de ser demonstrativa de arrependimento».

II Respondeu o Ministério Público (572-578) defendendo a improcedência do recurso, considerando que «a conduta posterior à prática dos factos ao crime não é reveladora de arrependimento sincero, pelo que não deve ser valorada a seu favor em sede de fixação da medida concreta da pena e muito menos pode constituir atenuante especial da pena…», e que «Também não será de relevar especialmente a inserção profissional do arguido, que foi tida em conta como circunstância a seu favor, com a restrição de tal inserção revelar alguma instabilidade.».

            III

Como primeira consideração, importa declarar que acompanhamos a fundamentação do acórdão recorrido, a fls. 536-537.

Por outro lado, e como refere a Ex. ma Procuradora da República, as atenuantes convocadas pelo recorrente não têm o valor que lhes pretende conferir.

Na verdade, a alegada colaboração com a polícia não tem suporte na matéria de facto assente, como melhor se infere da motivação da decisão de facto inserta a fls. 525 a 528, salientando-se que o arguido negou os factos 6) a 8), «tentando construir uma versão dos acontecimentos que levasse a crer que efectivamente tudo se tratou de um acidente.»

E, independentemente da não confissão do homicídio, também não se mostra provado qualquer facto demonstrativo de arrependimento activo.

Finalmente, na apreciação global das circunstâncias a favor e contra o arguido, de pendor desfavorável, afigura-se-nos que a pena fixada, situada na média da moldura abstracta do correspondente tipo legal de crime, adequa-se à culpa e ilicitude do facto, assegurando eficazmente as exigências de prevenção, não se justificando, por isso, a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.

 

            Deverá, pois, improceder o recurso.»

            12. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada mais tendo sido dito.

            13. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

                        A - RECURSO INTERPOSTO POR GG

            A recorrente GG, mãe da vítima, veio deduzir, em 24 de Agosto de 2017, pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 30.000,00 €, a título de danos patrimoniais, e da quantia de 1.800,00 €, a título de danos não patrimoniais, «tudo acrescido de juros legais desde a decisão até efectivo e integral pagamento».

Por despacho de 28 de Agosto de 2017, foi decidido não admitir este pedido de indemnização civil, por intempestivo, decisão reafirmada no despacho recorrido.

            A prática de uma infracção penal pode causar lesão de direitos patrimoniais ou outros a determinadas pessoas, que podem ser abrangidas, como dá nota HENRIQUES GASPAR pelo conceito lato ou extensivo de ofendido e que podem ser designadas jurídico-civilmente lesados pela infracção[1].

O princípio da adesão da acção civil à acção penal está expressamente inscrito no artigo 71.º do CPP ao dispor que:

«O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».

            O artigo 72.º do mesmo Código enuncia os casos ou situações em que é lícita a dedução em separado, perante o tribunal civil, do pedido de indemnização civil.

            O artigo 74.º do CPP contempla a legitimidade activa para a dedução do pedido de indemnização conferindo-o ao lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente.

            Segundo o artigo 75.º, n.º 1, do CPP, logo que, no decurso do inquérito, se tomar conhecimento da existência de eventuais lesados, devem estes ser informados, pela autoridade judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal, da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar, acrescentando por sua vez o n.º 2 do preceito que quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer.

            Como frisa HENRIQUES GASPAR, «as finalidades do regime da adesão justificam a imposição à autoridade judiciária e aos órgãos de polícia criminal, quando tenham conhecimento pelo inquérito da existência de lesados, do dever de os informarem dos direitos que lhes assistem e da possibilidade de deduzirem o pedido de indemnização civil no processo penal, bem como das formalidades a observar.

(…) O lesado que tenha sido informado sobre a possibilidade de dedução do pedido de indemnização (…) pode manifestar no processo até ao fim do inquérito o propósito de deduzir o pedido de indemnização no processo penal; a comunicação tem o efeito de determinar que o lesado seja notificado da acusação ou do despacho de pronúncia – artigo 77.º, n.º 2, para poder deduzir o pedido de indemnização»[2].

            De acordo com o n.º 3 do artigo 77.º do CPP, se o lesado não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.

            Esta disposição do n.º 3 do artigo 77.º tem de ser conjugada com o artigo 75.º, n.os 1 e 2. Assim, como observa o autor que se vem acompanhando, «o lesado que, tendo sido notificado nos termos do artigo 75.º, n.º 1, não tiver manifestado no processo até ao encerramento do inquérito o propósito de deduzir pedido de indemnização, não é notificado da acusação ou da pronúncia; se não deduzir o pedido no prazo do n.º 4 (20 dias depois do arguido ser notificado do despacho de acusação …) perde o direito de deduzir o pedido no processo penal (…)»[3].

            Como se vê, refere-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 27-04-2011, proferido no processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 – 3.ª Secção[4], o que a lei baliza é o termo do prazo de apresentação do pedido cível e, não o seu início.

            Não pode ser ultrapassado tal prazo.

Relativamente ao prazo de apresentação do pedido de indemnização civil inserido na lei, citando-se MAIA GONÇALVES, «[e]ste prazo poderá parecer excessivamente reduzido mas na realidade não o é, já que o lesado que deduz ele próprio o pedido pode fazê-lo em qualquer momento, até aquele que foi apontado, portanto mesmo durante o inquérito, e até logo quando da apresentação da queixa. Em tal caso o requerimento com o pedido de indemnização ficará logo no processo para, oportunamente, seguir seus termos»[5].

            Aliás, lê-se no mesmo acórdão, «a própria teleologia do citado artº 75º do C.P.P. ao impor o dever de informação ao lesado, pela autoridade judiciária pretende acautelar desde logo o exercício do direito do lesado na dedução do referido pedido de indemnização civil em processo penal.

            Também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 611/94, in D.R., II Série, de 5-1-95, não julgou inconstitucional a norma do artº 77º nº 2 do C.P.P., e considerava que para a dedução do pedido indemnizatório a parte dispunha “para isso não apenas dos cinco dias [prazo então vigente, sendo actualmente de 20 dias] contados a partir da notificação ao arguido, mas de todos os que decorreram a partir da comissão do crime pelo qual aquele foi acusado”».

Os autos demonstram que a lesada, agora recorrente, foi informada no dia 29 de Março de 2017 da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do CPP (fls. 292).

            Não manifestou o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 daquele preceito legal.

Não tendo manifestado tal propósito até ao encerramento do inquérito, teria a lesada que deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação, em conformidade com o disposto no artigo 77.º, n.º 3 do CPP.

A acusação foi deduzida por despacho datado de 20 de Junho de 2017, tendo o arguido sido notificado da mesma em 22 de Junho de 2019 (fls. 367).

A própria lesada GG, ora recorrente, foi notificada em 23 de Junho de 2017, por via postal simples com prova de depósito, de que foi deduzida acusação, «podendo deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação.

            Os autos prosseguiram, tendo sido proferida, em 11 de Agosto de 2017, a decisão de recebimento da acusação, de admissão de um pedido de indemnização civil deduzido por outra ofendida -assistente, tendo sido designada data para o julgamento em tribunal colectivo.

            No dia 24 de Agosto de 2017, como já se consignou, a agora recorrente veio deduzir o pedido de indemnização civil.

            Dispõe o artigo 103.º do CPP:

«Artigo 103.º

(Quando se praticam os actos)

 1 — Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.

2 — Exceptuam-se do disposto no número anterior:

 

    a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;

     […]».

E o artigo 104.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal, a propósito da contagem dos prazos de actos processuais, estabelece que:

«2 — Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos no n.º 2 do artigo anterior.»

Como anota HENRIQUES GASPAR, o «[a]cto processual pode caracterizar-se como toda a acção, diligência ou comportamento praticados no processo ou em vista do processo; os actos processuais integram-se na dinâmica processual enquanto unidade perspectivada pela finalidade do processo penal – averiguação sobre a existência de um crime e de quem foram os seus agentes, respeitando as imposições decorrentes do princípio da legalidade processual, para obter uma decisão sobre a responsabilidade e a culpa, e se for o caso, a aplicação de uma sanção criminal e a reparação das consequências do crime; os catos processuais integram-se no todo de que fazem parte e participam do fim comum; é, por isso, verificável uma intrínseca interdependência funcional em todos os actos processuais»[6].

            Os actos praticados no processo não podem ser praticados em qualquer momento, devendo respeitar algumas condições funcionais e de ordenação.

            A regra geral, contida no n.º 1 do citado artigo 103.º é a prática dos actos processuais nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período das férias judiciais.

Esta regra comporta as excepções enunciadas no n.º 2 da mesma disposição. Trata-se na essência – sublinha o autor que se citou – de situações qualificadas em designação comum de «processos urgentes», ou de incidências que pela relevância que assumem no desenvolvimento normal do processo, exigem uma decisão expedita.

De entre tais excepções, destaca-se, precisamente, perante a situação em apreço, os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º, cumprindo frisar que o arguido encontrava-se, como ainda se encontra, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

            Ora, de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 104.º do CPP, correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se, entre outros, os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos.

            Actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos – artigo 103.º, n.º 2, alínea a), do CPP – são todos e quaisquer actos referentes a processos com arguidos naquela situação, quer respeitem à acção penal (matéria criminal, medidas de coacção, etc.), quer respeitem à acção cível que pode ser enxertada - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-04-1990[7].

           Com efeito, a lei impõe a tramitação unitária de ambas as acções, pelo que não seria aceitável, sem frustar o objectivo da celeridade, admitir-se a suspensão do decurso do prazo para a prática de acto relativo ao pedido de indemnização civil.

            Conclui-se, pois, que o citado artigo 104.º, n.º 2, do CPP deve ser interpretado no sentido de que correm em férias os prazos relativos a processos de arguidos detidos ou presos, qualquer que seja a natureza dos actos a praticar, impondo-se tal regra a todos os intervenientes processuais[8].

Como salienta HENRIQUES GASPAR, «os prazos estabelecidos na lei para a prática de actos pelo arguido, pelo assistente e pelas partes civis, bem como pelo Ministério Público fora da fase do inquérito, são peremptórios», fixam o momento até ao qual o acto pode ser praticado, sendo que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto[9].

            A conformidade constitucional das normas dos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do CPP e a regra de que «correm em férias os prazos relativos a processos com arguidos detidos ou presos tem sido reconhecida pelo Tribunal Constitucional

            Assim, lê-se no seu acórdão n.º 611/94[10]:

            «Em conformidade com as regras relativas ao tempo dos actos e à aceleração do processo contidas nos artigos 103º, nº 2, alínea a) e 104º, nº 2, do Código de Processo Penal, os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos correm no período das férias judiciais, traduzindo-se esta disciplina em excepção ao princípio geral contido no artigo 103º, nº 1, nos termos do qual os actos processuais se praticam "em dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais".

Este Tribunal teve já ensejo de se pronunciar sobre a legitimidade constitucional desta diferenciação de tratamento pro­cessual, escrevendo-se nos Acórdãos n.os 213/93 e 384/83 (Diário da República, II série, de, respectivamente, 1 de Junho e 2 de Outubro de 1993), nomeadamente o seguinte:

“De facto, e como se expôs naquele Acórdão nº 213/93, o legislador, ao adoptar um regime distinto de contagem dos prazos processuais nos processos em que haja arguidos detidos ou presos e nos processos em que não haja arguidos detidos ou presos, teve antes de tudo em consideração a defesa de valores constitucionalmente relevantes, como os da celeridade e eficiência da justiça criminal, da liberdade do arguido e da eficiência do sistema penal. E uma vez que todos os interve­nientes processuais, sempre que haja arguidos detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não ocorre qualquer afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada".

Assim é efectivamente. A diferenciação operada pelo legislador no âmbito do regime do tempo e dos prazos para a prática dos actos processuais consoante nos respectivos processos existam ou não arguidos detidos ou presos, dispõe de manifesto fundamento material, desde logo o grau especial de celeridade de que hão-de beneficiar os processos nos quais se verifiquem situações de privação da liberdade.

E, aquelas normas, no quadro justificativo que as determina e suporta devem ser entendidas e interpretadas no sentido de, respeitando a processos com arguidos presos, abrangerem não apenas os actos do tribunal e da secretaria, mas também os actos dos arguidos (presos ou não presos), do Ministério Público, do assistente e dos ofendidos, pois que a locução "actos processuais" ali utilizada não pode deixar de abarcar os actos de todos os intervenientes nesses processos, a todos vinculando a regra da celeridade.

É este aliás, como bem se salienta no acórdão recorrido, o entendimento generalizado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. por todos os acórdãos de 14 de Dezembro de 1988 e 9 de Fevereiro de 1989, Boletim do Ministério da Justiça, n.os 382 e 394, pp. 450 e ss. e 544 e ss., respectivamente).

Também no acórdão n.º 47/95 reconhece o Tribunal Constitucional a necessidade de as normas em questão deverem ser «interpretadas como respeitando a processos com arguidos presos, abrangendo, consequentemente, não apenas os actos do tribunal e da secretaria, mas também os actos dos arguidos (presos ou não presos), do Ministério Público e do assistente, conforme «orientação traçada em jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça, desde a entrada em vigor do actual Código de Processo Penal. Essa orientação vai no sentido de que correm em férias os prazos dos processos em que haja arguidos presos, nos termos do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, abrangendo estes preceitos não apenas os actos dos arguidos presos, mas, de igual modo, os actos de todos os intervenientes nesses processos (co-arguidos não presos, Ministério Público e assistente), incluindo os actos do tribunal e da secretaria, pois a expressão «actos processuais» todos abarca [cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1988, 13 de Janeiro de 1989, 9 de Fevereiro de 1989 e 19 de Abril de 1989, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 382 (1989), pp. 450 e segs., n.º 383 (1989), pp. 476 e segs., n.º 394 (1989), pp. 544 e segs., e na Colectânea de Jurisprudência, ano XIV (1989), tomo II, pp. 12 e segs., respectivamente. Cfr., ainda, José Gonçalves da Costa, «Recursos», in Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, 1988, p. 430]».

           

O legislador, ao consagrar em tais normas a regra de que “correm em férias os prazos relativos a processos com arguidos detidos ou presos”, «estabeleceu, de facto, afirma-se no mesmo acórdão, uma disciplina jurídica diferente da que existe nos processos em que não há arguidos naquelas situações quanto à contagem dos prazos — disciplina essa que, como decidiu o acórdão recorrido, se aplica não apenas aos actos a praticar pelo arguido preso mas também aos actos dos restantes intervenientes processuais, designadamente dos co-arguidos não presos, do Ministério Público e dos assistentes.

            A diferenciação operada pelo legislador, a qual se traduz num regime de desfavor, no que respeita aos prazos para a prática de actos processuais, dos arguidos em processos em que algum ou todos estejam detidos ou presos, em comparação com os arguidos em processos em que não haja nenhuma daquelas situações, poderia, prima facie, afigurar-se como materialmente infundada.

Mas, numa análise mais aprofundada das coisas, facilmente se chega à conclusão de que tal não sucede.

            Na verdade, o legislador, ao adoptar um regime distinto para os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, moveu-se, fundamentalmente, pela defesa de valores constitucionalmente relevantes, tais como os da celeridade e eficiência da justiça criminal, da liberdade do arguido e da eficácia do sistema penal.

Uma vez que todos os intervenientes processuais, sempre que haja arguidos detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não ocorre qualquer afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada.

            […].

            A diferenciação de regimes acima apontada não se baseia, assim, em motivos subjectivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada. Ela não infringe, por isso, o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição».

Também no acórdão n.º 158/2012 considerou o Tribunal Constitucional que «da perspectiva do arguido, o que poderia fazer algum sentido seria questionar se o “encurtamento” do prazo [prazo para interposição do recurso em processo com arguidos presos] é de tal ordem que põe em risco as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição)».

            Mas também essa pergunta merece resposta negativa, afirma-se.

            «Note-se, em primeiro lugar – lê-se no citado acórdão –, que o prazo não sofre directamente um encurtamento relativamente ao prazo normal. Em tudo o que respeita à duração do prazo e no mais que regula o modo da sua determinação e os requisitos da interposição do recurso, mantém-se incólume o regime geral estabelecido pelo artigo 411.º do CPP, cuja adequação não vem discutida.

            Tem de reconhecer-se, no entanto, que o facto de a contagem do prazo de recurso não se suspender no período de férias judiciais tem um efeito prático ou indirecto de encurtamento do tempo disponível para o exercício do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior àquele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da suspensão em férias judiciais. Porém, não pode considerar-se este efeito violador das garantias de defesa. O interessado continua a dispor do período de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sentença e interpor e motivar o respectivo recurso. Apenas é privado da possibilidade de não ter de praticar tais actos no período de férias judiciais, rectius, deixa de obter a neutralização do período de férias judiciais mediante a suspensão da contagem do prazo nesse período. Esse efeito – consequência geral inerente ao facto de o período de férias judiciais não significar a paralisação total da actividade dos tribunais – poderá ter reflexos negativos na organização do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o terá no dos demais sujeitos processuais), mas não atinge e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, âmbito, formalidades e prazo para o exercício dos poderes processuais competentes se mantém intocados».

            Por fim, cumpre convocar a norma contida no artigo 107.º, n.º 2, do CPP, segundo a qual os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária que dirige a fase do processo a que o acto respeitar, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.

Tal requerimento é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo preceito.

            Citando novamente HENRIQUES GASPAR:

«A prática dos actos fora do prazo estabelecido por lei é excepcional, só podendo ocorrer em casos expressamente previstos e sob as condições fixadas

As normas dos n.ºs 2 a 4 [do artigo 107.º do CPP] respeitam ao “justo impedimento”, que uma vez verificado, permite a prática do acto fora do prazo fixado; funciona como limitação ao efeito peremptório do prazo, mas exige que o requerimento do interessado, um despacho da autoridade judiciária que dirige a fase do processo a que o acto respeitar (ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar), e a prova do justo impedimento»[11].

Retornando à situação sub judice, torna-se útil relembrar a facticidade processual verificada com relevância para a decisão deste recurso:

         A lesada, agora recorrente, foi informada, em 29 de Março de 2017, nos termos do artigo 75.º do CPP, da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil;

         Não manifestou no processo, até encerramento do inquérito, o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil;

         A acusação foi deduzida em 20 de Junho de 2017, notificada ao arguido em 22 de Junho de 2017;

         A lesada-recorrente foi notificada da dedução da acusação em 23 de Junho de 2017;

O arguido encontrava-se, como se encontra, sujeito a prisão preventiva;

         O pedido de indemnização civil foi formulado em 24 de Agosto de 2017.

À luz dos elementos teóricos e jurisprudenciais acima condensados, das normas legais convocadas e perante os factos que se deixaram enunciados, nenhumas dúvidas subsistem quanto à extemporaneidade do pedido de indemnização civil deduzido pela lesada agora recorrente.

Como correctamente se considera na decisão que não admitiu o pedido de indemnização:

«(…) tendo sido informada no dia 29.03.2017 da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do CPP (fls. 292), a ofendida não manifestou o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 do mesmo diploma legal.

Não tendo manifestado tal propósito até ao encerramento do inquérito, teria a ofendida que deduzir o pedido de indemnização civil até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação (artigo 77.º, n.º 3 do CPP).

Sucede que o arguido foi notificado do despacho de acusação no dia 22.06.2017 (fls. 367), sendo que uma vez que se encontra sujeito à medida de coacção prisão preventiva, o processo tem natureza urgente, motivo pelo qual o prazo para deduzir pedido de indemnização civil corre em férias.

Assim sendo, bem se vê que há muito que se encontra excedido o prazo para deduzir pedido de indemnização civil.»

Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, situação em que se encontra o arguido nestes autos praticam-se imperativamente durante as férias judiciais, correndo durante as mesmas os prazos a eles (actos processuais) relativos. Assim prescrevem os artigos 103.º, n.º 2, alínea a) e 104.º, n.º 2, do CPP.

Sendo este o regime expressamente consagrado na lei, improcede manifestamente a alegação da recorrente no sentido de «que lhe deveria ter sido comunicada a natureza urgente do processo e em que termos corria o prazo para apresentar o pedido de indemnização civil».

Não se vislumbra, portanto, qualquer «erro e/ou omissão» da secretaria judicial relativamente à notificação da lesada, agora recorrente.

Não foi provada, nem sequer invocado, o justo impedimento para a prática do acto processual – pedido de indemnização civil – fora do respectivo prazo.

Quanto à invocada falta de notificação do defensor oficioso da recorrente afirma-se na decisão sob recurso:

«No que tange à alegada falta de notificação do patrono nomeado, entendo que igualmente não assiste razão à requerente, porquanto não lhe é aplicável o disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, dado que a mesma não é parte civil, só revestindo essa qualidade após deduzido o pedido civil. Ao que acresce o facto de tendo sido informada no dia 29/03/2017 da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, do CPP (fls. 292), a ofendida não ter manifestado o propósito de o fazer, nos termos do n.º 2 do mesmo diploma legal».

Concorda-se igualmente com esta fundamentação a qual decorre do regime processual constante das disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 10 e 77.º, n.º 3, do CPP.

            Segundo o artigo 113.º, n.º 10, «[a]s notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática do ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar».

       

Como também salienta o Ministério Público na resposta ao recurso da lesada, a notificação à recorrente foi efectuada nos termos do artigo 77.º, n.º 3, do CPP, pois não tinha a mesma até ao encerramento do inquérito manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.

            Daí, apenas decorre que a ora recorrente era lesada (artigo 75.º, n.º 1, do CPP) e não que fosse parte civil, de forma a aplicarem-se, também no que ao patrono respeita, as regras das notificações do artigo 113.º, n.º 10, do mesmo Código.

       

Seguindo-se o entendimento de LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS:

            «Por outro lado, o n.º 2 do art. 313.º manda notificar às partes civis o despacho que designa dia para a audiência (com cópia da acusação ou da pronúncia). Ora isso só acontece quando haja já partes civis no processo, isto é quando o lesado ou lesados tenham já requerido indemnização cível, pois só aí é que são considerados partes civis» [12].

            Em face do exposto, improcede o recurso interposto por GG, confirmando-se a decisão recorrida que não lhe admitiu o pedido de indemnização civil que formulou.

                        B - RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO

            1. Delimitação do objecto do recurso

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objecto do recurso.

            Da interpretação das conclusões formuladas pelo recorrente e como, aliás, o próprio expressamente afirma, o presente recurso tem por objecto a medida da pena aplicada, pretendendo-se o seu desagravamento.

            2. Os factos

            O Tribunal Colectivo considerou provada e não provada a seguinte matéria de facto, registando-se a respectiva motivação:

            «Factos provados

            Do despacho de acusação

1) Em Março de 2016, FF iniciou um relacionamento amoroso com DD, filha do arguido AA.

2) Em data não concretamente apurada, mas próxima de Junho de 2016, FF foi viver na residência do arguido, sita na ........., n.º ... ......, em Évora, com quem trabalhava, aguardando o nascimento da filha, para depois imigrar para França.

3) Por seu turno DD, que entretanto engravidara, ficou a residir com a mãe na Rua d........ P............ ..........., em Évora.

4) No dia 4 de Fevereiro de 2017, depois das 20H00, AA dirigiu-se à residência de HH, sita na ....., .... em Évora, onde se encontrava FF, e disse ao mesmo que fosse para casa.

5) Já em casa, às 21H32, FF recebeu um telefonema de DD, com quem conversou, tendo-se esta apercebido de que o arguido AA também se encontrava na residência e que estava a cantar.

6) Terminado o telefonema, entre as 21H40 e as 21H50, no interior da residência sita na Rua da ...... n.º .... na sequência de uma discussão verbal relacionada com o facto de FF não contribuir com quantias monetárias para as despesas correntes e não colaborar na realização das tarefas domésticas, o arguido AA foi buscar uma faca de cozinha e, empunhando a mesma, aproximou-se daquele.

7) Então, sem que FF o esperasse e sem que nada o fizesse prever ou justificasse, o arguido AA, fazendo força, desferiu com a faca de cozinha, que empunhava, duas facadas no lado direito do tórax daquele.

8) Acto contínuo, de frente para FF, AA, fazendo força, desferiu com a faca de cozinha, que empunhava, um golpe no lado esquerdo do tórax do mesmo.

9) De seguida, AA puxou a faca, sem a retirar do interior do tórax de FF, e, fazendo força, desferiu novo golpe no lado esquerdo do tórax do mesmo, que, em consequência, caiu de imediato inanimado no chão.

10) Após, o arguido AA abandonou o local, levando com ele a faca, aí deixando FF a esvair-se em sangue.

11) Já na rua, o arguido AA arremessou a faca para o leito de um ribeiro existente nas proximidades da residência.

12) Decorrido algum tempo, pelas 21H50, o arguido AA telefonou para o INEM, afirmando que tinha acabado de chegar a casa e aí encontrado, junto da porta, FF caído no chão e inanimado com um golpe no peito.

13) Em consequência directa e necessária da descrita conduta do arguido AA, FF sofreu de ferida corto-contundente na região do tórax/hipocôndrio direito, medindo 1 centímetro de maior eixo, grosseiramente transversal, com trajecto penetrante na pele (ferida A), de escoriação modelada (tipo serrilha) na linha axilar do hemitórax direito, de ferida corto-contundente na região do hemitórax/hipocôndrio esquerdo, com 1,7 x 0,8 centímetros com direcção oblíqua na pele, com trajecto penetrante na pele e cavidade torácica (ferida B), de infiltração sanguínea subjacente à escoriação do hemitórax direito, de infiltração sanguínea e trajecto na parede subjacente à ferida A, atingindo sucessivamente o tecido celular subcutâneo, a inserção anterior do feixe inferior do músculo serrátil anterior e o arco lateral da sexta costela direita, de infiltração sanguínea e trajecto subjacente à ferida B, atingindo sucessivamente o tecido celular subcutâneo, o feixe inferior do músculo grande peitoral esquerdo e a quinta cartilagem costal esquerda e o quarto espaço intercostal, seguido de trajecto penetrante na cavidade torácica, de impressão linear ao nível do sexto arco costal direito, medindo 0,8 centímetros, de solução de continuidade de toda a cartilagem costal da quinta costela esquerda e do músculo intercostal do quarto espaço, com direcção grosseiramente vertical, com bordos regulares, medindo 3,5 centímetros e com extensa infiltração sanguínea, seguido de trajecto penetrante na cavidade torácica, com perfuração da pleura parietal a este nível, de duas soluções de continuidade transfixivas na face anterior (B1) e na face ântero-lateral esquerda (B2) do saco pericárdico, ambas com direcção grosseiramente vertical em continuidade com o trajecto penetrante da ferida B, de hemopericárdio quantificado em 200 mililitros, de duas soluções de continuidade transfixivas de toda a parede na face anterior do coração, que atingem, em superfície de corte, o terço proximal da parede ântero-septal do ventrículo direito (B1) e o terço distal da parede anterior do ventrículo direito (B2), ambas com direcção grosseiramente vertical, de solução de continuidade da pleura parietal esquerda em relação ao trajecto da ferida B, de hemotórax esquerdo quantificado em 2000 mililitros de sangue líquido e coágulos, de sufusões sanguíneas subpleurais direitas, de superfície de corte pálida com algum edema, lesões que foram causa directa e necessária da morte do mesmo.

14) Ao agir do modo descrito, o arguido AA agiu com o propósito de retirar a vida a FF, o que logrou alcançar.

15) O arguido AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

            Mais se provou

16) Em momento anterior à conduta supra descrita o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.

            Sobre o arguido

17) O arguido não tem antecedentes criminais.

18) O arguido consome bebidas alcoólicas em excesso.

19) O arguido padece de epilepsia e otite crónica.

20) O percurso do arguido em termos pessoais e profissionais revela alguma instabilidade.

21) No estabelecimento prisional, o arguido tem mantido um comportamento exemplar e frequenta o programa do Desafio Jovem.

**

            Factos não provados:

            Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:

            A)        Que em data não apurada, por ter convidado II para viver em comunhão de leito, mesa e habitação com ele, AA decidiu que não queria que FF continuasse a residir na sua casa, firmando o propósito de tirar a vida ao mesmo.

            B) Que o arguido agiu com vista à concretização de um plano que traçou.

            Do pedido de indemnização civil

            C) A assistente DD vivia com FF como se de marido e mulher se tratassem há cerca de um ano.

            D) Era o falecido quem provia alimentos à assistente.

**

            Motivação da decisão de facto:

            A formação da convicção do Tribunal teve por base, quanto aos factos descritos na douta pronúncia, a análise crítica da globalidade da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

            Assim, teve o tribunal em conta, designadamente o auto de notícia e aditamentos de fls. 5 e ss. e 9 e 10, a ficha de observação médica de fls. 7 e ss., o exame de hábito externo de fls. 20, o relatório de inspecção judiciária de fls. 76 e ss., as fotografias de fls. 41 e ss, o auto de apreensão de fls. 92 e ss., o certificado de óbito de fls. 4, o relatório de autópsia de fls. 53 e ss., e o cd de fls. 317, quanto aos factos provados 4) a 13).

            No que diz respeito aos factos 1), 2, 4) e 5) (primeira parte), o tribunal considerou as declarações prestadas pela assistente DD que de uma forma calma e coerente e, por isso, credível, relatou ao tribunal ter iniciado o relacionamento com a vítima em Março de 2016, tendo o mesmo vindo viver para Évora em Maio de 2016, mudando-se para casa do seu pai por volta de Junho de 2016, aguardando ir para a Suíça após o nascimento do bebé, sendo que a mesma só lá pernoitava ocasionalmente.

            Ainda relatou que na data dos factos falou com FF por volta das oito e tal, tendo ouvido o pai falar e cantar e aquele disse-lhe que o mesmo se encontrava bêbado, sendo que quando lhe ligou quase às nove ele já não atendeu.

            Aquela versão dos acontecimentos coincide – com excepção das horas o que se mostra normal atento o lapso de tempo decorrido - com a listagem de telefonemas recebidos pela vítima nessa noite constante de fls. 317, na qual é possível verificar que a mesma falou com DD por volta das 21h32, sendo que pelas 21h42 já não voltou a atender o telemóvel, facto que demonstra que efectivamente os factos terão ocorrido entre as 21h40 e as 21h50, hora a que foi chamado o INEM pelo arguido, o que aliás não foi negado pelo próprio.

A assistente confirmou ainda a existência de discussões acerca das despesas e tarefas domésticas, relatando que o pai por vezes disse a FFque queria que o mesmo de lá saísse, mas também lhe dizia que podia ficar, não tendo por isso levado a sério tal conversa, bem como a ameaça de morte que ouviu, na medida em que o arguido nessa ocasião encontrava-se bêbado (situação igualmente confirmada pela testemunha JJ.

Este relato da assistente acabou por corroborar a versão apresentada pelo arguido de que, não obstante a existência de discussões relacionadas com dinheiro e as tarefas domésticas, e muito embora tenha sido verdade que convidou II para viver consigo, nunca teve intenção de que o ofendido saísse de casa, muito menos matá-lo com essa finalidade.

            Ora, tendo em conta a versão da assistente e do arguido – muito embora as declarações deste não tenham sido convincentes quanto a todos os pontos, pelas razões que abaixo se explanarão – e considerando a ausência de prova no sentido do exposto nos pontos A) e B), o tribunal entendeu que não ficou suficientemente demonstrado que aquele na sequência do convite feito a II traçou um plano para tirar a vida a FF, tendo agido no dia 04 de Fevereiro de 2017 com vista à sua concretização.

            Pelo contrário, considerou o tribunal que os factos ocorreram – tal como relatou o arguido – na sequência de uma discussão acerca das despesas e tarefas domésticas, sendo que aquele já havia ingerido bebidas alcoólicas – factos 5) e 15) – tal como foi confirmado pelo próprio e pelo inspector da polícia judiciária que depôs em julgamento.

            O arguido ainda confirmou integralmente os factos 1) a 4) e 9), sendo que quanto aos factos 10) e 11) apresentou um relato contraditório, na medida em que primeiro referiu que terá ido atirar a faca ao rio e só após ligou ao INEM, e depois que afinal foi ao contrário, acreditando o tribunal na primeira versão – coincidente com a acusação – na medida em que foi aquela que surgiu de forma mais espontânea, tendo o arguido alterado a ordem dos factos quando questionado quanto à razão pela qual não ajudou o ofendido que ainda se encontrava vivo.

No que diz respeito aos factos 6) a 8), o arguido negou os mesmos, apresentando uma versão acerca do momento em que ocorreram as facadas que em nada convenceu o tribunal.

Efectivamente foi patente a preocupação do arguido em repetir vezes sem conta que não teve intenção de matar o ofendido, tentando construir uma versão dos acontecimentos que levasse a crer que efectivamente tudo se tratou de um acidente.

Desta forma, relatou o arguido de forma confusa e descontextualizada que, no decorrer da discussão, quando se encontrava com a faca na mão – em virtude de se encontrar a comer – o ofendido terá ido ao seu encontro munido de uma faca, tendo-se iniciado uma luta que os terá levado a escorregar – em virtude do chão se encontrar molhado – facto que determinou que a vitima fosse atingida de forma inadvertida – uma única vez – no peito, tendo a faca lá ficado cravada.

Ora, tal relato como já referimos foi apresentado de forma confusa, na medida em que não foi possível de forma fácil descortinar uma cadência lógica dos acontecimentos, mas também vai totalmente contra tudo aquilo que resulta do relatório de inspecção judiciária de fls. 76 e ss., da ficha de observação médica de fls. 7 e ss., do exame de hábito externo de fls. 20, do relatório pericial de fls. 250 e ss., do relatório de exame pericial de fls. 256 e ss. e do relatório de autópsia de fls. 339 e ss., dos quais decorre que a vitima não apresentava lesões traumáticas que indiciassem a existência de um confronto físico anterior à morte, bem como a existência de duas feridas corto perfurantes que atingiram o hemotórax direito e duas que penetraram a cavidade torácica atingindo o coração que foram adequadas a produzir a morte da vítima, o que demonstra claramente que existiram quatro e não apenas uma facada, e que as mesmas foram intencionalmente infligidas na medida em que quer pela quantidade, quer pelas características, exigiram claramente uma acção por parte do arguido, designadamente no que diz respeito ao facto de ser claro que o mesmo terá no mesmo orifício introduzido a faca em duas direcções diferentes, o que demonstra claramente a sua intenção de matar.

            Desta forma, não resultaram dúvidas para o tribunal que os factos ocorreram tal como constam da acusação – factos 6) a 14) –, isto é, que o arguido atingiu o corpo da vítima com quatro facadas, duas delas no coração que foram causa directa e necessária da sua morte, tendo agido com o propósito de lhe tirar a vida.

            O depoimento do inspector da polícia judiciária KK - que se pautou pela clareza e por ser fundamentado - reforçou ainda as conclusões acima explanadas, reafirmando o teor do relatório de inspecção judiciária de fls. 76 e ss. e do relatório de exame pericial de fls. 256 e ss., confirmando inexistirem sinais de luta, bem como a ausência de outra faca no local que pudesse ter sido utilizada pela vítima.

Por seu turno, o depoimento de HH foi importante para confirmação da situação descrita em 4).

            Por fim, os depoimentos de GG e LL não relevaram para a prova dos factos constantes da acusação, na medida em que nada sabiam acerca desses factos.

            O certificado de Registo Criminal do arguido junto a fls. 470 foi atendido quanto aos seus antecedentes criminais.

            O relatório social de fls.483 e ss. foi considerado quanto às suas condições pessoais constante dos factos 16) a 20).

            Por fim, no que tange aos factos C) e D) entendeu o tribunal que as declarações da assistente levaram a concluir no sentido contrário daquilo que vem alegado no articulado apresentado, na medida em que do seu relato resulta que efectivamente não vivia com o ofendido como marido e mulher, apenas pernoitava algumas noites com o mesmo, e ainda que aquele não provia ao seu sustento na medida em que não tinha rendimentos, dado que não trabalhava (o que aliás foi confirmado porLLes, mãe da própria).»

            3. A medida da pena

3.1. Perante os elementos os elementos de facto que se provaram, o Tribunal Colectivo considerou verificada a circunstância plasmada na alínea e) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, por «[inexistirem] dúvidas de que o motivo da discussão – despesas e tarefas domésticas – anterior à agressão constitui motivo fútil na medida em que é incompreensível à luz do modo de agir do homem médio e existe uma manifesta desproporção entre a conduta da vítima e a reacção do arguido, demonstrando-se assim a especial censurabilidade da conduta do arguido» (do acórdão).

Também nós consideramos juridicamente correcta a qualificação jurídica dos factos efectuada no acórdão recorrido – crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea e), do Código Penal – que, aliás, o próprio recorrente não questiona.

            3.2. Retomando considerações que se teceram no acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-07-2017, proferido no processo n.º 54/15.5JBLSB.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo ora relator:

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção, convocado também no acórdão de 27-05-2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

A defesa da ordem jurídico-penal – lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[13].

A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[14].

3.3. O acórdão recorrido fundamenta a aplicação da pena de 19 anos de prisão aplicada ao arguido nos seguintes termos:

«Da medida concreta da pena

Neste domínio tem aplicação o principio “nulla poena sine culpa” expressamente consagrado no artigo 40º, n.º 2 do Código Penal, quando estabelece que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Este preceito terá de ser conjugado com o que dispõe o artigo 71º, n.º 1 do Código Penal, quando prescreve que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

Assim, na operação de determinação da medida concreta da pena, deve conferir-se supremacia à culpa do agente e às exigências de prevenção especial, as quais, no caso concreto, revestem relevância.

Termos em que, visando a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, se deverá fixar, em princípio, a pena no ponto da escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial.

Assim, a pena deverá ser estabelecida entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à mesma, funcionando entre ambos os fins de prevenção geral e especial.

A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos nos artigos 40º, n.º 2 e 71º, n.º 1 do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção -, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71º, n.º 2, alíneas a) a f) do Código Penal).

Face ao que estipulam os artigos 131.º e 132.º, n.º1, do Código Penal, ao crime de homicídio qualificado corresponde a pena abstracta mínima de doze a vinte e cinco anos de prisão.

A favor do arguido abonam as seguintes circunstâncias:

- A inserção pessoal e profissional do arguido, muito embora revele alguma instabilidade.

- O comportamento do arguido após a detenção, que vem adoptando conduta adequada às normas institucionais do estabelecimento prisional.

- A inexistência de condenações anteriores por crime de idêntica natureza.

E depõem as seguintes contra o arguido:

- A ilicitude dos factos que é elevada, considerando as circunstâncias e o modo global da acção, em particular o número de facadas, bem como a relação que existia entre o arguido e a vítima, futuro pai da neta daquele.

- As consequências do ato criminoso preconizado pelo arguido foram definitivas, tendo-se traduzido na perda da vida de FF.

- O consumo de bebidas alcoólicas em excesso pelo arguido, que dificulta que se faça um juízo de prognose positivo relativamente à prática de factos ilícitos criminais no futuro.

- A intensidade do dolo que se reputa alta, porquanto directo.

- As necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, considerando os bens jurídicos violados pelo arguido, bem como o alarme e sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na comunidade e que por isso exigem que na fixação da medida concreta da pena, se tenha em consideração a necessidade de repor a tranquilidade e a confiança da colectividade na validade e eficácia das normas violadas.

Em face dos factores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao ora arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, de uma pena de 19 (dezanove) anos de prisão».

3.4. Esta fundamentação não pode deixar de merecer a nossa concordância.

Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a medida concreta da pena é fixada em função da culpa e das exigências da prevenção, devendo atender, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados na prática do crime e à sua motivação, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta lícita.

Na realização dos fins das penas – protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal) – as exigências de prevenção geral constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância.

A vida humana é o bem supremo, o valor fundamental, inviolável, na expressão constitucional (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República), sendo a comunidade abalada de forma muito intensa quando, por acto voluntário, se ofende a vida de um dos seus membros.

   Como sublinham GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «o direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto»[15].

E, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto.

São, pois, evidentes e prementes as exigências de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca este tipo de crimes já que põem em causa valores nucleares da sociedade.

Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio – a vida humana inviolável.

Na realização dos fins das penas, as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de axial importância.

            Essa finalidade de prevenção geral pretende acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial.

Relembrando asserções já tecidas, e convocando o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida»[16].

Como já se consignou, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida.

Significando a prevenção geral positiva ou de integração, sublinha-o AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente.

A prevenção geral positiva tem ainda, considera o mesmo autor, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva ou individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado[17].

Mas a pena tem também uma função de prevenção geral negativa ou de dissuasão da prática de futuros crimes.

Nesta perspectiva, como justamente é lembrado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-05-2013, proferido no processo n.º 154/12.3JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção:

«[O] ponto de partida da individualização penal é a determinação dos fins das penas pois que só arrancando de fins claramente definidos é possível determinar os factos que relevam na respectiva ponderação. Aqui, é preciso, em primeiro lugar, readquirir a noção da importância fundamental que assume a justa retribuição do ilícito, e da culpa, compreendendo o princípio da culpa quer uma função fundamentadora, quer uma função limitadora da mesma pena. Ao mesmo nível que a retribuição justa situa-se o fim da prevenção especial.

Por consequência a pena deve ponderar, também, a forma de contribuir para a reinserção social do arguido e de não prejudicar a sua posição social para além do estritamente inevitável. Esta exigência está plasmada na fórmula de Kohlrausch sobre a prevenção especial “Na individualização da pena o tribunal deve considerar os meios necessários para reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada á lei”.

Salienta Jeschek que, na prevenção especial, se contem a protecção da comunidade face ao delinquente perigoso o que é, frequentemente, esquecido. 

Por fim a prevenção geral é um fim indispensável da pena pois que esta deve ser ponderada por forma a neutralizar os efeitos do delito como exemplo negativo para a comunidade e deve contribuir, simultaneamente, para fortalecer a sua consciência jurídica assim como a satisfazer o pedido de justiça por parte do círculo de pessoas afectadas pelo delito e pelas suas consequências (confirmação da ordem jurídica).

Estamos em crer que é nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena. Na verdade, as normas deveriam “ser reafirmadas na sua própria existência como um fim em si mesmas” enquanto o agente, pelo contrário, tem direito a esperar, e espera, sobretudo uma resposta ao facto injusto e culposo que cometeu. Realçando-se a prevenção como critério fundamental desvanece-se, com prejuízo da justiça individual, a orientação que o Direito penal faz da responsabilidade do agente pela sua acção. 

Sem embargo, a culpa e a prevenção residem em planos distintos. A culpa responde á pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta da prevenção. Aqui há que decidir qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico. 

A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma.

Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo.»

No crime de homicídio, acentua-se, são muito intensas as exigências de defesa do ordenamento jurídico e da paz social, dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação às mesmas e a premente necessidade de as prevenir.

Há que ter presente, como já se assinalou, o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é, de entre todos, o mais elevado – a vida – pelo que, salvo circunstância de excepcional valor atenuativo, não sejam admissíveis nestes crimes abrandamentos do respectivo sancionamento.

E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo n.º 1583/07 - 3.ª Secção, convocado em recente acórdão de 29-03-2017 (proc. n.º 2183/14.3JAPRT.P1 – 3.ª Secção), a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes.

Consequentemente, em termos de prevenção geral, tanto positiva, como intimidatória, as necessidades de endurecimento da reacção penal fazem-se sentir de forma elevada, perante a revolta gerada junto da população em geral pelo tipo de criminalidade ora em apreço, que aparece com frequência.

3.5. No caso presente, é muito elevado o grau de ilicitude dos factos, assumindo a culpa do arguido a forma de dolo directo, em elevada intensidade.

O arguido manifestou em todo o processo executivo do crime uma vontade firme dirigida ao facto e à concretização do resultado final, uma intensidade, energia e vigor que impressionam negativamente, numa sucessão de golpes com utilização de uma faca, o que revela um total desprezo pela sua vida, para além de uma acentuada crueldade.

As qualidades da sua personalidade manifestadas no facto revelam uma marcada desconformação com o direito, atenta a gravidade e o modo de execução dos factos (pautado por uma ostensiva persistência em consumar o crime de homicídio), mediante a perpetração de sucessivos actos de intensa violência.

O arguido revelou total falta de respeito pela vida da vítima FF, pessoa que, ademais, mantinha um relacionamento amoroso com a sua filha e que aguardava o nascimento de um filho, seu neto.

Nenhumas atenuantes de particular relevo se apuraram. A ausência de antecedentes criminais tem um relativo valor atenuativo, por corresponder a situação de normalidade das pessoas fiéis ao direito.

No que concerne às exigências de prevenção geral, reafirma-se que as mesmas se fixam num grau muito elevado, exigindo a comunidade uma repressão eficaz destas condutas delituosas com o fim de prevenir a sua renovação.

Consideramos também serem elevadas as exigências de prevenção especial.         Como bem se salienta no acórdão recorrido, o consumo de bebidas alcoólicas em excesso pelo arguido dificultam a formulação de um juízo de prognose positivo relativamente à prática de factos ilícitos criminais no futuro.

À luz dos critérios que se enunciaram, acentuam-se as exigências de prevenção geral que assumem aqui uma especial intensidade, devendo ter-se em devida atenção a intensidade da culpa do arguido manifestada na execução do crime, revelando uma personalidade particularmente desvaliosa em todo o processo de execução do crime de homicídio.

Assim, perante a moldura penal abstracta prevista para o crime de homicídio qualificado – 12 a 25 anos de prisão –, ponderando todas as circunstâncias do caso, entendemos adequada e justa a pena de 19 (dezanove) anos de prisão aplicada no acórdão recorrido, pena que, por satisfazer as exigências de prevenção e por respeitar a medida da culpa do recorrente, se confirma, improcedendo o recurso interposto pelo arguido.

III – DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:

1. Negar provimento ao recurso interposto pela interveniente GG da decisão de não admissão do pedido de indemnização civil deduzido.

2. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a sua condenação na pena de 19 (dezanove) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea e), do Código Penal.

Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

(Processei e revi – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 10 de Agosto de 2018

Manuel Augusto de Matos (Relator)

Pires da Graça

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[1] ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA e ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 228.
[2] Ob. cit., p. 247.
[3] Ob. cit., p. 250.
[4] Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais acórdãos que se citarem sem outra indicação.
[5] Código de Processo Penal Anotado, 1999, 10.ª edição, p. 227, nota 2.
[6] Ob. cit., p. 306.
[7] Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), 396-371.
[8] Cfr. Acórdãos do STJ, de 14.12.88, in BMJ 382, 442; de 29.3.89, in Col. Jur. Ano XIV, III, 5; de 9.5.91, in Col. Jur. Ano VI, III, 9, citados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 611/94 adiante referenciado no texto.
[9] Ob. cit. p. 311
[10] Os acórdãos do Tribunal Constitucional citados podem ser consultados, em texto integral, em www.tribunalconstitucional.pt.
[11] Ob. cit., p. 318.

[12] Código de Processo Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, 3ª Edição, 2008, anotação ao artigo 77.º, p. 527.
[13] Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44.
[14] Idem, ibidem.
[15] Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, volume I, pp. 446-447.
[16] “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815,
[17] Direito Penal – Parte Geral, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pp. 65-66.