Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3277/12.5TBLLE-F.E2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISTA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PODERES DA RELAÇÃO
LEI PROCESSUAL
VIOLAÇÃO DE LEI
DECISÃO IMPLÍCITA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FALTA DE ASSINATURA
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Resulta dos arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC, bem como do disposto no art. 46.º da LOSJ, que o STJ, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto, encontrando-se assim absolutamente excluída da sua competência a análise e decisão relativamente ao acerto ou desacerto na prolação da decisão de facto pela 1.ª instância, bem como a inerente discussão sobre a concreta valoração das provas em que a mesma assentou, sem prejuízo do conhecimento das situações de eventual violação do direito probatório material.
II - Tal como a elaboração do recurso por parte do impugnante requer especial cuidado na especificação dos pontos de facto cuja alteração pretende, com base nos meios de prova que concretamente a reclamam, pronunciando-se ainda sobre as respostas alternativas pelas quais propugna, também a decisão do tribunal da Relação, para garantir a efectivação de um verdadeiro controlo em 2.ª instância, deverá traduzir-se num exame sério, exaustivo e rigoroso, que se debruce ponto por ponto (ou por agrupamento de tópicos pertinentes) sobre a matéria de facto controvertida e abrangida pela impugnação (que a delimita).
III - Existindo agora, por parte dos juízes desembargadores que constituem o colectivo que subscreveu o novo acórdão recorrido, uma expressa referência aos meios de prova que estão em causa e ao exame crítico que exerceram sobre os mesmos, explicando discriminadamente a razão pela qual consideraram correcta a posição adoptada pela 1.ª instância, não se verifica o incumprimento dos deveres consignados no art. 662.º do CPC.
IV - Versando o essencial da análise do recurso de apelação apenas a modificação da decisão de facto, a improcedência da respectiva impugnação, apresentada nos termos do art. 640.º do CPC, implica inevitavelmente a inviabilidade de alteração do decidido no âmbito da aplicação do direito aos factos, pelo há que considerar suficiente que o acórdão do tribunal da Relação se louve na fundamentação jurídica desenvolvida em 1.ª instância e que, para estes efeitos, não sendo discutida ou contrariada, implicitamente avocou.
Decisão Texto Integral:



 
 
 Revista nº 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1.


 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).


I - RELATÓRIO.
AA instaurou a presente acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE), por apenso aos autos principais em que foi declarada insolvente a Sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda., contra MASSA INSOLVENTE de Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda., representada pelo Administrador da Insolvência.
A Massa Insolvente, devidamente citada, apresentou contestação pugnando pela improcedência da acção e requerendo seja decretada a resolução dos acordos em benefício da massa, assim como a apreensão a favor da massa insolvente dos imóveis objeto dos acordos denominados "Dação em cumprimento".
Realizada a audiência final, o tribunal de 1ª instância julgou a a acção totalmente improcedente, decretando a resolução em benefício da massa dos acordos denominados "Dação em cumprimento" celebrados, respetivamente, a 12 de Março de 2012 e 6 de Março de 2012, e determinou a entrega pela Autora do valor equivalente relativo aos seguintes imóveis:
- Prédio urbano sito no Largo ..., n° …, freguesia ..., concelho .., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ........13 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..67 da mesma freguesia.
- Prédio urbano sito no Largo ..., n° …, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ……..13 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..68 da mesma freguesia.
- Fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano sito na ..., Lote ..., freguesia ..., concelho  ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ............27 -A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...36-A da mesma freguesia.
- Fracção autónoma designada pela letra "B" do prédio urbano sito na ..., Lote ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ….... sob o número .......27 -B e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .....36-B da mesma freguesia, que computou no montante global de € 300.000,00 euros, deduzido do valor de € 22.000,00, num total de € 278.000,00.
Desta decisão recorreu a A. para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, através do acórdão proferido em 11 de Fevereiro de 2021, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Apresentou a A. recurso de revista.
Através de acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 26 de Maio de 2021 foi concedido provimento revista, anulando-se o acórdão recorrido e remetendo-se os autos ao Tribunal da Relação de Évora para que procedesse à reapreciação da prova requerida em sede de impugnação de facto.
Regressados os autos ao Tribunal da Relação de Évora foi proferido novo acórdão, datado de 14 de Julho de 2021, que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
De novo recorreu o A. de revista contra este novo aresto.
Apresentou as seguintes conclusões:
a) A Recorrente vem interpor recurso do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que negou provimento ao recurso de apelação, confirmando integralmente a decisão recorrida, pela segunda vez
b) A Recorrente entendeu que houve uma incorrecta valoração da prova gravada, tendo interposto recurso de apelação com reapreciação de prova junto do Tribunal da Relação de Évora.
c) A douta decisão do Tribunal a quo transcreve a douta decisão do Tribunal de primeira instância, os factos dados como provados e conhece brevemente do mérito do recurso, essencialmente concentrando-se na exposição que a decisão do Tribunal de primeira instância está fundamentada e que vigora o princípio da livre apreciação da prova ou da prova livre.
d) O recurso foi julgado improcedente e a Recorrente entende que a mesma está ferida de duas nulidades.
e) O acórdão não está assinado pelo Sr. Juiz Relator, Dr. II.
f) É nula a sentença quando não contenha a assinatura do juiz, nulidade que expressamente se argui e que deverá ter as legais consequências.
g) A douta decisão do Tribunal a quo transcreve a douta decisão do Tribunal de primeira instância, os factos dados como provados e conhece brevemente do mérito do recurso, essencialmente concentrando-se na exposição que a decisão do Tribunal de primeira instância está fundamentada e que vigora o princípio da livre apreciação da prova ou da prova livre.
h) Num mero parágrafo de fls. 27 da douta decisão, aos depoimentos das testemunhas BB e CC, como “depoimentos pouco assertivos e titubeantes (…) que não permite sustentar com solidez a convicção que permita uma resposta positiva”. E foi esta a suposta reapreciação pelo Tribunal da Relação quanto à prova testemunhal.
i)      Não mais a douta decisão se debruça sobre os depoimentos das testemunhas, nomeadamente, quanto à muito importante questão do valor dos imóveis objecto dos dois contratos de dação em cumprimento.
j)      O julgador limita-se a declarar-se “amarrado ao juízo pericial” sem qualquer juízo de valor sobre a prova pericial produzida bem o valor da mesma.
k) O douto acórdão continua a não reanalisar a prova produzida que a Recorrente requereu, depoimentos de duas testemunhas e declarações do Sr. Perito, na essência, limitando-se a decisão a remeter para a douta sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.
l)      A douta decisão não analisa nem refere as declarações do perito, senão de um ponto de vista meramente de direito.
m) As declarações do perito são aceites sem qualquer análise quanto à bondade das mesmas, sendo certo que mesmo declarações de perito não são escritas em pedra e estão sujeitas ao mesmo princípio de livre apreciação da prova, apenas se exigindo que sejam acrescidamente fundamentadas em caso de serem afastadas.
n) A douta decisão não analisa os depoimentos das testemunhas, nem se expendem quaisquer considerações sobre a bondade das mesmas, referindo num mero parágrafo que eram depoimentos pouco assertivos e titubeantes, sem se debruça sequer sobre o depoimento das testemunhas no que toca ao valor dos imóveis objecto da presente acção, que é uma parte essencial do litígio.
o) É indiscutível que cabia ao Tribunal da Relação a reapreciação dos elementos de prova, sob pena de, não o fazendo, esvaziar de sentido o recurso com reapreciação de prova gravada.
p) A mera menção de concordância com a posição do Tribunal a quo não é consentânea com a reapreciação de prova requerida.
q) Utilizar um mero parágrafo em termos genéricos e vagos quanto aos depoimentos das testemunhas não basta para se considerar que tal prova tenha sido reapreciada.
r) A prova pericial está sujeita a reapreciação, que aqui claramente não foi levada a cabo, pois apenas se pugnou pelo carácter mais forte da prova pericial, em nenhum momento indicando que, na sua essência, tal prova pericial provava sem margem para dúvidas a teste que perseverou na decisão final.
s) A prova pericial pode ser objecto de reapreciação de prova, com respeito pelo princípio da livre apreciação de prova do artigo 389.º do Código Civil.
t) Sobre o princípio da livre apreciação da prova na generalidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela secção no dia 18 de Maio de 2017 no âmbito do processo 4305/15.8T8SNT.L1.S1,
u) Sobre o princípio da livre apreciação da prova no caso específico da prova pericial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela secção no dia 14 de Julho de 2016 no âmbito do processo 605/11.4 TTLRA.C1.S1,
v) “A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo livremente fixada pelo Tribunal conforme prescreve expressis verbis o art. 389º do CC. Tratando-se de prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresente naturais limitações, mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelas instências e a que ests estejam vinculadas”. (sublinhado no sumário original, negrito nosso)
w) Nos termos do artigo 615º n.º 1 alínea b) do CPC, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nulidade que expressamente se argui.
x) Estando o douto acórdão ferido de duas nulidades, deverá ser ordenada a descida do processo ao Tribunal da Relação de Évora para sanação das nulidades, pugnando-se pela efectiva reapreciação da prova gravada requerida pela Recorrente, sendo, nessa sequência, proferido novo acórdão, que se espera, defira a pretensão da Recorrente.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Foi considerado provado:
1- Por sentença datada de 14 de Fevereiro de 2013, foi declarada a insolvência da sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda., transitada em julgado.
2.O processo de insolvência foi instaurado a 22 de Novembro de 2012.
3.Na data em que foi declarada a insolvência da sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda., o seu gerente era DD, tendo sido fixada na sentença que decretou a insolvência a sua morada.
4.BB e CC são filhos da Autora.
5.DD é sócio dos filhos da Autora, BB e CC, na sociedade Multiconstrói 2, Lda.
6.No dia 12 de Março de 2012 entre a Autora e a sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda. foi celebrado um acordo denominado "Dação em cumprimento" que teve por objeto os seguintes imóveis:
A - Prédio urbano sito no Largo ..., n° …., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial  ... sob o número ..........13 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..67 da mesma freguesia.
B - Prédio urbano sito no Largo ..., n° …, freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número .......13 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......68 da mesma freguesia.
7.No dia 6 de Março de 2012 entre a Autora e a sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda. foi celebrado um acordo denominado "Dação em cumprimento" que teve por objeto os seguintes imóveis:
A - Fracção autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano sito na ..., Lote ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..........27 -A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … 36-A da mesma freguesia.
B - Fracção autónoma designada pela letra "B" do prédio urbano sito na ..., Lote ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ........27 -B e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...36-B da mesma freguesia.
8.Os acordos referidos em 6 e 7, tiveram subjacente a alegada celebração de um acordo denominado "Contrato de mútuo" entre Autora (intitulada como Mutuante) e a Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda. (intitulada como Mutuária), em 10 de Maio de 2011, mediante o qual a Autora terá entregue à sociedade Multiconstrói Sociedade de Construções, Lda. o valor de € 57.000,00.
9.Na cláusula primeira do acordo denominado "Contrato de mútuo" refere-se "A Mutuante concede á Mutuária um empréstimo no valor de € 57.000,00 (...), quantia que esta já recebeu e dá por esta forma, plena quitação"
10. Na contabilidade da sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda. falta o registo contabilístico do valor referido em 8, figurando somente em conta corrente na conta de financiamentos obtidos e com movimentos a crédito o valor de € 3.000,00, com data de 1 de Junho de 2011, € 50.000,00 com data de 2 de Junho de 2011 e € 4.000,00 com data de 3 de Agosto de 2011, tendo sido o saldo da conta corrente aumentado em € 20.000,00 com data de 8 de Fevereiro de 2012.
11. Encontra-se junto aos autos cheque titulado pela Autora, com o número ….159, da Caixa Geral de Depósitos, assinado e à ordem da Multiconstroi, com data de 10 de Maio de 2011, preenchido pelo valor de € 22.000,00 e, com data de validade até 31 de Março de 2012, tendo sido o cheque depositado na conta n° …930, titulada pela sociedade Multiconstroi - Sociedade de Construções, Lda.
12.Foi elaborado relatório pericial de avaliação dos imóveis referidos em 6 - A, 6 - B, 7 A e 7 - B, a 12.12.2019 e junto aos presentes autos.
13.Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 6 - A atualmente tem o valor de € 55.400,00 e em 2011 tinha o valor de € 52.100,00.
14.Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 6 - B atualmente tem o valor de € 79.200,00 e em 2011 tinha o valor de € 74.500,00.
15.Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 7 - A atualmente tem o valor de € 163.500,00 e em 2011 tinha o valor de € 153.700,00.
16.Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 7 - B atualmente tem o valor de € 156.400,00 e em 2011 tinha o valor de € 147.000,00.
17.Face ao relatório de avaliação referido em 12, os imóveis referidos em 6 - A, 6 - B, 7 - A e 7 - B, atualmente têm o valor global de € 427.300,00 e na época dos negócios referidos em 6 e 7 tinham pelo menos o valor global de € 300.000,00.
18.0 valor global patrimonial, actualizado, dos imóveis referidos emó-A, 6-B, 7-Ae7-B ascende a € 160.040,00.
19.Na data em que foram celebrados os acordos referidos em 6 e 7 a insolvente já se encontrava em situação de insolvência.
20.A Autora tinha conhecimento directo da situação de insolvência da Multiconstrói Sociedade de Construções, Lda. na data em que celebrou os acordos referidos em 6 e 7.
21.Com a celebração dos acordos referidos em 6 e 7 pretendeu o legal representante da sociedade Multiconstrói - Sociedade de Construções, Lda. diminuir o património da sociedade insolvente e que constituía a garantia do pagamento aos credores.
22.Por notificação judicial avulsa com o n° de processo 1957/13… do Tribunal Judicial ....., que entrou no tribunal a 22.07.2013, o Administrador da Insolvência comunicou à Autora a resolução dos acordos denominados "Dação em cumprimento" referidos em 6 e7.
23.Na notificação judicial avulsa dirigida à Autora refere-se "1° MULTICONSTRÓI SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., foi declarada insolvente por sentença emitida pelo Tribunal Judicial de ... em 14/02/2013, no âmbito do processo de insolvência com o n° 3277/12……, que corre termos no Tribunal Judicial de ..., tendo sido nomeado Administrador de Insolvência o Dr. EE. ( ... ) 2° Logo após a notificação de nomeação, O Administrador de Insolvência, procedeu a buscas para obter a identificação dos bens da insolvente, para que os mesmos integrassem a massa insolvente. 3o Foram encontrados quatro imóveis, cujo direito de propriedade se encontrava titulada a favor de insolvente, os quais foram dados em "dação em cumprimento" à requerida AA, através de dois contratos de "Dação em Cumprimento" celebrados no Cartório Notarial de ... da Notária Dra. FF, com datas de 6 e 12 de março de 2012. (...) (... ) 5° Nos termos do art" 120° do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (...), podem ser resolvidos a favor da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos, dentro de 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência. 6o E, nos presentes autos, o 2o ano completa-se em 6 de março de 2014. 7o Consideram-se prejudiciais, os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. 8o No caso, a insolvente procedeu à "Dação em Cumprimento" de quatro prédios (...). 9o A referida "Dação em cumprimento" tem por base um contrato de Mútuo datado de maio de 2011, não registado e sem que tenha sido liquidado o imposto de selo respetivo, sendo por sua vez omisso quanto à forma de entrada do dinheiro na sociedade, figurando somente em conta corrente (...) em conta de financiamentos obtidos e com movimentos a crédito o valor de 3.000,00 euros, com data de 01.06.2011, 50.000,00 euros com data de 02.06.2011 e 4.000,00 euros com data de 03.08.2011, num total de 57.000 euros. (...) 10° O saldo da conta corrente foi incrementado em 20.000,00 euros com data de 08-02-2012 a título de indemnização, perfazendo o valor de 77.000,00 euros. (...) 11° A gerência da sociedade MULTICONSTRÓI -SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA. bem conhecia a situação de insolvência da mesma. 12°
Era do conhecimento público que todas as empresas do designado "grupo Multiconstrói" ou "grupo Maquimoura", a que estava associada a sociedade insolvente, não só pela correlação de sócios, como pelas efetivas declarações judiciais de insolvência em várias empresas do mesmo "grupo" estavam insolvente. 13° A beneficiária da "Dação em Cumprimento" AA, não só conhecia a situação de insolvência iminente como também tem laços familiares próximos com sócios de empresas do referido grupo de empresas. 14° A celebração de contratos de "Dação em cumprimento" de quatro prédios foi um ato de má fé, nomeadamente por à data do contrato de mútuo e escrituras de dação em cumprimento conhecer a situação de insolvência da sociedade MULTICONSTRÓI - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., ou pelo menos, a iminência dessa insolvência, bem como estar consciente do seu carater prejudicial e por o valor de 77.000 euros que esteve na base da "Dação em Cumprimento" ser manifestamente um valor muito aquém do valor real dos quatro imóveis transmitidos, atento até pelo valor matricial dos quatro prédios que, no conjunto, soma 160.040,00 euros. Ao decidir dar em cumprimento os quatro prédios identificados no ponto 8°, a gerência da sociedade insolvente e a senhora AA quiseram lesar e lesaram, as legítimas expetativas dos credores da MULTICONSTRÓI - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., pois diminuíram intencionalmente o seu património, que constitui a garantia do pagamento dos seus compromissos financeiros. 16° As Dações em Cumprimento assim efetuadas são nulas. 17° E, por outro lado, o Administrador de insolvência da massa insolvente, nos termos dos nOs 1, 2, 4 e 5 do artigo 120° e n° 1 do artigo 123° do CIRE, pode efetuar a resolução da referida dação em cumprimento, referente aos prédios identificados (...), a favor da massa insolvente. 18° Veríficando-se o carater prejudicial dos atos referenciados, nomeadamente no que toca aos direitos dos credores, justifica-se a necessidade da presente notificação judicial avulsa. 19° Nestes termos requer a V. Exa. Se digne notificar a requerida, PARA: Em dez dias a contar da sua notificação, reconhecer a resolução   dos   referidos   contratos   de   "Dação   em   Cumprimento"   e, consequentemente, restituir à massa insolvente os quatro prédios seguintes:
24.A presente ação foi instaurada a 13 de Dezembro de 2013.
25.Encontra-se registada pela AP. 2977 de 2013/01/07 a transmissão do imóvel referido em 6 - A a favor de GG.
26.Encontra-se registada pela AP. 2977 de 2013/ 01/07 a transmissão do imóvel referido em 6 - B a favor de GG.
27.Encontra-se registada pela AP. 300 de 2012/12/14 a transmissão do imóvel referido em 7 - A a favor de HH.
28.Encontra-se registada pela AP. 300 de 2012/12/14 a transmissão do imóvel referido em 7 - B a favor de HH.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Nulidade consistente em falta de assinatura do acórdão recorrido (artigo 615º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
2 – Incumprimento do dever de reapreciação da prova em 2ª instância, em conformidade com as exigências fixadas no artigo 662º do Código de Processo Civil.
3 – Arguição de nulidade do acórdão por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Passemos à sua análise:
1 – Nulidade consistente em falta de assinatura do acórdão recorrido (artigo 615º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Veio a recorrente invocar a nulidade do acórdão recorrido com fundamento na falta de assinatura do juiz desembargador que o relatou, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Apreciando:
A presente arguição de nulidade já fora invocada em relação ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora que veio a ser anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme se afirmou, a este respeito, no anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, esta arguição de nulidade não tem o menor cabimento ou sentido.
O voto de conformidade em relação ao ilustre desembargador que não esteve presente na sessão – o Sr. Dr. II – e que não foi o relator do acórdão em causa, mas sim o respectivo 2º adjunto (encontrando o aresto assinado pelos juízes outros desembargadores que formaram o colectivo),  foi lavrado (embora não se diga expressamente) ao abrigo do artigo 15º A, aditado ao Decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, pelo Decreto-lei nº 20/2020, de 14 de Março, vigente na altura (e entretanto revogado pelo recente Decreto-lei nº 78-A/2021, de 29 de Setembro – cfr. respectivo artigo 9º, com efeitos produzidos desde 1 de Outubro de 2021), pelo não ocorreu nulidade do acórdão por falta de assinatura.
Indefere-se, portanto, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos, a pretensa nulidade – que, a existir, sempre seria facilmente suprível nos termos do artigo 615º, nº 2, do Código de Processo Civil, não existindo o menor indício ou suspeita de que o juiz desembargador em questão não haja tido conhecimento do teor do acórdão recorrido e que não tenha transmitido à juíza desembargadora relatora a sua total concordância.
2 – Incumprimento do dever de reapreciação da prova em 2ª instância, em conformidade com as exigências fixadas no artigo 662º do Código de Processo Civil.
O anterior acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora foi anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça devido à violação do dever de reapreciação (a realizar de forma concreta e efectiva) da matéria de facto, com estrita e cabal observância do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil.
Referiu-se, a este propósito, que os juízes desembargadores que subscreveram o acórdão recorrido não deixaram expresso no respectivo texto qualquer juízo decisório autónomo sobre a prova em discussão (fosse em que sentido fosse), ou que permitisse vislumbrar as razões essenciais por si perfilhadas para o não atendimento das alterações na matéria de facto que a impugnante reclamava.
Com efeito, não existia nesse acórdão uma única referência concreta aos meios de prova referenciados pelo impugnante – depoimentos testemunhais e prestação de declarações por perito -, não se encontrando reflectido no texto do aresto o menor esboço de análise de reapreciação, concreta e efectiva, da prova produzida nos autos.
Mais se acrescentou que a fórmula totalmente genérica, difusa e abstracta, que aí foi utilizada, feita em termos puramente remissivos e eivada de considerações de índole geral, poderia facilmente transpor-se para qualquer outra hipotética situação, sem se conseguir descortinar sobre que exactos e concretos meios de prova foi exercido o dever de reapreciação que competia à 2ª instância.
Neste sentido, referir que “auditados, ponderados e apreciados os meios de prova relevados pela apelante indubitavelmente não configuram prova idónea, escorada e muito menos prova impositiva de que a convicção expressa no julgamento de facto não tenha fundamentação e não constituem incontestavelmente prova determinativa, impositiva das decisões pretendidas”  constituía numa generalização vaga e conclusiva à qual faltava a correspondente exposição da motivação concreta que lhe pudesse servir de suporte, e que teria de radicar necessariamente na reanálise dos meios de prova indicados, a que o Tribunal da Relação de Évora ostensivamente não procedeu.
 A questão que ora se coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça consiste basicamente em saber se o novo acórdão elaborado pelos mesmos juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, ao contrário do anterior, reflecte uma verdadeira e concreta reapreciação da matéria de facto, na sequência da impugnação apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, encontrando-se elaborado em conformidade com as exigências impostas no artigo 662º do mesmo diploma legal, tendo sido devidamente cumprido o ordenado por este Supremo Tribunal de Justiça.
Apreciando:
Pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 14 de Julho de 2021, quanto ao conhecimento da impugnação da matéria de facto fixada em 1ª instância nos seguintes termos:
 “Considera a recorrente que os seguintes factos, foram incorrectamente considerados como provados, a saber:
“13. Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 6 – Actualmente tem o valor de 55.400 euros e em 2011 tinha o valor de 52.100 euros. 14. Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 6 - 8 atualmente tem o valor de 79.200 euros e em 2011 tinha o valor de 74.500 euros. 15. Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 7 - A atualmente tem o valor de 163.500 euros e em 2011 tinha o valor de 153.700 euros. 16. Face ao relatório de avaliação referido em 12, o imóvel referido em 7 - 8 atualmente tem o valor de 156.400 euros e em 2011 tinha o valor de 147.000 euros. 17. Face ao relatório de avaliação referido em 12, os imóveis referidos em 6 - A, 6-8, 7 - A e 7 - 8, atualmente têm o valor global de 427.300 euros e na época dos negócios referidos em 6 e 7 tinham pelo menos o valor global de 300.000 euros. 18. O valor global patrimonial, atualizado, dos imóveis referidos em 6 - A, 6 - 8, 7 - A e 7 - 8 ascende a 160.040,00 euros. 19. Na data em que foram celebrados os acordos referidos em 6 e 7 a insolvente já se encontrava em situação de insolvência. 20. A Autora tinha conhecimento direto da situação de insolvência da Multiconstrói -Sociedade de Construções, Lda. na data em que celebrou os acordos referidos em 6 e7."
E ainda que o Tribunal a quo considerou indevidamente como não provado o facto sob o n° 2: "Que foi entregue o valor de 57.000 euros por conta do acordo denominado "Contrato de Mútuo", já que foi produzida prova de tal facto, concretamente quanto ao valor de 22 mil euros por prova documental e o remanescente em numerário por prova testemunhal.
Ou seja, em recurso do julgamento da matéria de facto, vem a apelante reclamar resposta positiva em relação à entrega do valor de 57.000 euros por conta do acordo denominado "Contrato de Mútuo", "...porque se sabe que foi entregue um cheque no valor de 22 mil euros, que não deu entrada formal na contabilidade da Multiconstrói, mas que foi passado pela Recorrente, recebido e depositado em conta da Multiconstrói." concatenado tal elemento probatório com o depoimento dos seus filhos BB, e CC.
Ora o Tribunal a quo considerou não provada a entrega do valor de 57.000 euros reportado ao denominado contrato de mútuo celebrado em 10 de Maio de 2011, porquanto e passa-se a reproduzir a fundamentação da convicção exposta pelo Julgador na 1ª instância:
"A testemunha BB, declarou que é filho da Autora e a sociedade Multiconstroi era propriedade de um dos seus sócios na Multiconstroi 2 o senhor DD.
...quanto ao pagamento referiu que ou foi por cheque ou por transferência. Declarou que foi este quem promoveu o empréstimo pela sua mãe à sociedade tendo sido o senhor DD a pedir pois tinha um prolema de tesouraria, tem a certeza que a mãe entregou o valor de 57.000 euros não sabe explicar bem como, mais declarou que a Multiconstroi estava com problemas financeiros devido à crise, explicou que a mãe nunca lhe emprestou dinheiro para a sua sociedade e que não conhecia bem a sociedade.
...A testemunha não conseguiu explicar como a mãe entregou o dinheiro à Multiconstroi.
A testemunha CC, declarou que é filho da Autora.
... Declarou que este e o irmão tinham uma sociedade com o senhor DD, a Multiconstroi 2, Lda., e este pediu à mãe para emprestar o dinheiro à sociedade tendo sido o senhor DD a pedir pois tinha um prolema de tesouraria, tem a certeza que a mãe entregou o valor de 57.000 euros em numerário e em cheque, não sabe explicar bem como, e tem a certeza que a mãe primeiro entregou o dinheiro e só depois foi reduzido a escrito o contrato de mútuo, mais declarou que a Multiconstroi estava com problemas financeiros devido à crise, e que explicou à mãe que estavam com problemas de tesouraria temporários e que também lhe disse que prestavam garantias reais. Mais referiu que a mãe nunca lhe emprestou dinheiro para a sua sociedade.
... O seu depoimento não se revelou muito credível pois não foi isento.
Quanto ao depósito do cheque no valor de 22.000 euros na conta da sociedade Multiconstroi, teve-se em consideração o documento junto aos autos pelo Novo Banco a 5-8-2020 de fls 284 (facto descrito em 11).
... não existir comprovativo da entrega do valor supostamente mutuado, pois apenas resultou demonstrada a entrega do valor de 22.000 euros, ...
..., pese embora em 10 dos factos provados se faça referência à entrada de fluxos financeiros a verdade é que as entradas são posteriores à celebração do acordo denominado de "Contrato de mútuo", que data de 10 de Maio de 2011, sendo certo que neste acordo se refere expressamente que o valor de 57.000 euros já foi entregue na totalidade nesta data. Daqui decorre que os fluxos financeiros referidos em 10 dos factos provados não podem ser considerados porquanto resulta o contrário do teor literal do acordo denominado "Contrato de mútuo ".
As partes envolvidas, Autora e legal representante da sociedade Multiconstroi tiveram o cuidado de documentar os factos que lhes interessam tal como a celebração do acordo denominado "Mútuo" e dos acordos referidos em 6 e 7 dos factos provados.
Contudo, esquecem de demonstrar documentalmente a entrega do valor global dos 57.000 euros.
A verdade é que, no que respeita ao acordo denominado "Mútuo" apenas existe um cheque titulado pela Autora preenchido na data do acordo à ordem de "Multiconstroi", pelo valor de 22.000 euros. "
Ora consultados os elementos probatórios constantes dos autos e auditados os depoimentos das testemunhas referidas e até mesmo dos excertos dos depoimentos destacados pela apelante, verifica-se claramente que os mesmos não são demonstrativos de que a apelante entregou o valor de 57.000 euros por conta do acordo denominado de contrato de mútuo, como é pretensão da apelante.
Efectivamente para além do cheque no valor de 22.000 euros, as testemunhas BB e CC com depoimentos pouco assertivos e titubeantes limitaram-se à afirmação genérica da entrega do referido montante "em numerário e em cheque", o que claramente não permite sustentar com solidez a convicção que permita uma resposta positiva.
Ademais, importa mesmo relembrar que a apelante na sua petição inicial, alega ter feito várias entregas - arts 9° a 12° - o que claramente não logrou provar.
Tem, pois, este Tribunal ad quem por correcta a convicção da Ia instância a qual se partilha e faz sua, e nada mais se nos afigura por pertinente acrescentar.
Do valor dos quatro imóveis objecto dos dois contratos de dação em cumprimento (factos provados 13 a 18).
Vem a apelante pugnar por decisão diversa, concretamente sustentando que tal valor não deve ser estipulado num valor superior ao da venda de tais imóveis a terceiros pela Recorrente, tendo em conta a documentação relativa à venda de tais imóveis a terceiros, junta aos autos, e as declarações do Perito prestadas no Tribunal em conjugação com os depoimentos das testemunhas BB e CC.
Vejamos.
No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art° 607°, n° 5, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica.
A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. Temos, pois, que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal- art° 389° do Código Civil.
Ora efectivamente os factos provados sob os n°s 13 a 18 basearam-se no relatório pericial junto aos autos e nas declarações e esclarecimentos prestados pelo perito na audiência, sendo certo que nem os depoimentos das testemunhas BB e CC ou o valor pelo qual foi efectuada a venda de tais imóveis a terceiros, o vem cabalmente infirmar, pelo que não se descortina o mínimo fundamento razão ou argumento proeminente para decidir diversamente.
Finalmente ampara a sua discordância dos factos provados sob os ns 19 e 20 salientando os depoimentos das testemunhas BB e CC.
Porém, tais depoimentos nada patenteiam que imponham decisão diversa da proferida.
Como bem salientou o Tribunal "A Autora é mãe das testemunhas BB e CC que são sócios de DD, na sociedade Multiconstroi 2, Lda., sendo este último legal representante da sociedade insolvente.
Daqui decorre que, atenta a proximidade dos filhos da Autora ao grupo da insolvente através do legal representante da sociedade Multiconstroi, afere-se que a Autora não desconhecia à data da celebração dos acordos a sua situação de insolvência iminente que aliás era do conhecimento geral no ..., e o carácter prejudicial dos atas, pelo que o seu comportamento revela má fé, assim como o comportamento do legal representante da Mui ticonstroi. "
Ademais, importa apenas acrescentar que resulta do nosso ordenamento jurídico, concretamente, das normas do direito civil (artigos 349.° e 351.°, do Código Civil) a admissibilidade como meio de prova, de presunções judiciais, aí se prevendo que ''presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido'' e que "as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal», mais resultando do artigo 607°, n.° 4 do CPC, que o juiz deve extrair "dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência".
Realmente em muitas situações submetidas a julgamento, a prova dos factos relevantes tem de ser feita de forma indirecta, a partir de outros factos, na medida em que, não tendo aqueles sido directamente observados, eles podem decorrer de ilações que possam ser retiradas dos factos devidamente comprovados, tendo em conta as circunstâncias concretas.
Não há, pois, que alterar a decisão recorrida, quanto à matéria de facto, que tão só nos cumpre sufragar, partilhando inteiramente da convicção do tribunal a quo, e consequentemente, improcede, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a fixada pela 1ª instância.
Consequentemente, permanecendo estabilizada a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada, nenhuma censura há a fazer - até porque tal, na atenção da alegação da recorrente, passava necessariamente pela alteração da matéria de facto- à decisão sindicada, onde foi feita, correcta e devidamente, a subsunção dos factos provados ao direito”
Vejamos:
Resulta dos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como do disposto no artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto.
Encontra-se assim absolutamente excluída da sua competência a análise e decisão relativamente ao acerto ou desacerto na prolação da decisão de facto pela 1ª instância, bem como a inerente discussão sobre a concreta valoração das provas em que a mesma assentou.
O objecto da presente revista consiste apenas em aquilatar se o Tribunal da Relação, no seu novo acórdão recorrido, confrontado com a concreta impugnação da matéria de facto que foi elaborada em conformidade com as exigências estabelecidas no artigo 640º do Código de Processo Civil, exerceu sobre ela, criticamente, efectivos poderes de reapreciação, sindicância e controlo, conforme a lei especialmente lhe impõe no artigo 662º do Código de Processo Civil.
Recorde-se que constitui jurisprudência  firmada no Supremo Tribunal de Justiça que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação deverá corresponder a um efectivo e novo juízo autónomo a levar a cabo, com rigor e o desenvolvimento exigível, pelos juízes desembargadores em causa, fundando-se materialmente (e não apenas formalmente) na análise da prova, tendo em atenção as razões da convicção do julgador de 1ª instância expressas na parte da sentença em que se deixou consignada a motivação da sua convicção.
Não se trata apenas de corrigir pontuais ou manifestos erros de valoração competidos pelo juiz a quo, ostensivamente desconformes em relação ao sentido dos meios de prova reunidos, antes importando extrair da actividade de reanálise dos meios de prova em causa um novo juízo decisório que se sobrepõe ao emitido pelo juiz a quo, embora condicionado e balizado pelas conclusões das alegações do recurso e pela eventual ampliação do objecto do recurso requerida pelo vencedor/apelado (artigo 636º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Ou seja, a amplitude da reapreciação de facto deverá ser idêntica ao do julgamento de primeira instância, sem o que não estará assegurado o princípio fundamental do duplo grau de jurisdição.
(Sobre este ponto, vide Miguel Teixeira de Sousa in “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistomologia”, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2013, publicado in “Cadernos de Direito Privado”, Ano 44, Outubro/Dezembro de 2013; Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2017, 4ª edição, a página 274; Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Almedina 2018, a páginas 326 a 327).
Só desse modo estará a 2ª instância em condições para se pronunciar, com conhecimento de causa, quanto às respostas (confirmativas ou modificativas) que entenda conferir, estabelecendo-se assim, o quadro factual final e definitivo sobre o qual irá incidir o inerente enquadramento jurídico.
(sobre esta matéria da competência do Supremo Tribunal de Justiça para sindicar o uso dado aos poderes consignados no artigo 662º do Código de Processo Civil, por parte dos Tribunais da Relação, vide, entre outros, o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2021 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 5503/17.5T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator José Manso Rainho), proferido no processo nº 1863/16.3T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 206/08.4TBMFR.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 4794/16.3T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Bernando Domingos), proferido no processo nº 877/15.5T8CSC.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 277/12.9TBALJ.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão 18 de Maio de 2017 (relatora Ana Luísa Geraldes), proferido no processo nº 4305/15.8SNT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão 29 de Novembro de 2016 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 2170/05.2TVLSB-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).    
Verifiquemos então quais as modificações concretas e essenciais introduzidas no acórdão de 14 de Julho de 2021, relativamente ao anterior (cuja nulidade foi declarada por este Supremo Tribunal de Justiça).
Registam-se objectivamente as seguintes diferenças na apreciação da impugnação da decisão de facto:
1º - O acórdão recorrido reproduz agora a fundamentação exposta pelo julgador de 1ª instância, onde directamente se alude ao depoimento das testemunhas BB e CC, ambos filhos da A.; à prova documental junta pelo Novo Banco em 5 de Agosto de 2020, comprovativa do depósito do cheque de € 22.000,00 na conta da sociedade Multiconstroi; à ausência de comprovativo da entrega do valor supostamente mutuado (€ 57.000), salvo a dita entrega de € 22.000,00.
2º - Inovatoriamente, é agora afirmado pelo Tribunal da Relação de Évora que consultou os elementos probatórios constantes dos autos e “auditou” os depoimentos das testemunhas referidas (o que só pode significar que procedeu -pessoalmente- à audição integral do registo da sessão de julgamento e, em especial aos diversos depoimentos ou declarações aí prestados).
Seguidamente explicou o Tribunal da Relação de Évora que tais depoimentos das testemunhas não são demonstrativos da entrega do valor de € 57.000,00 por conta do denominado contrato de mútuo, designadamente pelo carácter pouco assertivo e titubeante das referidas testemunhas, que se limitaram à afirmação genérica da entrega do dito montante em numerário e em cheque, não permitindo sustentar com solidez a convicção conducente à resposta “provado” pretendida pela impugnante.
Conclui, “fazendo sua” a convicção de 1ª instância (o que será entendido como perfilhando uma autónoma convicção de facto que acaba por ser coincidente com a perfilhada em 1ª instância, o que é compreensível e aceitável pela alusão aos concretos meios de prova valorados que constituem as razões que suportam o seu juízo de facto ).
3º - Quanto ao valor dos imóveis objecto da dação em cumprimento, o acódão do Tribunal da Relação de Évora assenta o seu veredicto no relatório pericial junto aos autos e nas declarações e esclarecimentos prestados pelo perito na audiência, prevalecente em relação aos citados depoimentos das testemunhas BB e CC, filhos da A.
4º - Quanto aos factos provados em 19º e 20º, (19.Na data em que foram celebrados os acordos referidos em 6 e 7 a insolvente já se encontrava em situação de insolvência; 20.A Autora tinha conhecimento direto da situação de insolvência da Multiconstrói Sociedade de Construções, Lda. na data em que celebrou os acordos referidos em 6 e 7.), o Tribunal da Relação de Évora desvalorizou, mais uma vez, o depoimento daquelas duas testemunhas (supra citadas), recorrendo a presunções judiciais já extraídas em 1ª instância, nos termos gerais do artigo 351º do Código Civil.
Ora, perante esta nova abordagem na reapreciação da decisão de facto, não é agora possível afirmar-se que o Tribunal da Relação de Évora incumpriu os deveres processuais a que se encontrava especialmente vinculado nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil.
Existe neste novo acórdão referência expressa e inequívoca aos meios de prova que estão em causa, permitindo seguir o exame crítico que os juízes desembargadores desenvolveram sobre os mesmos, tendo sido devidamente explicada, de forma concreta e discriminada, a razão pela qual consideraram correcta a posição adoptada pela 1ª instância neste domínio.
Como se salientou supra, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o sentido dessa mesma apreciação, reveladora do efectivo exercício do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Neste plano, o Tribunal da Relação funciona como última instância, salvo casos de violação do direito probatório material que aqui, manifestamente, não se verificam, nem foram suscitados pela recorrente.
Pelo que carece agora (ao contrário do que sucedeu anteriormente) de razão a recorrente, não se justificando a nova anulação do acordão recorrido.
3 – Arguição de nulidade do acórdão por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Alega a recorrente que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora não contém qualquer fundamentação jurídica, sendo por isso nulo.
Ora, a nulidade prevista no artigo 615º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, que constitui, em si, um vício estritamente formal da sentença, apenas se verifica quando na decisão proferida não é consignada a base factual ou jurídica que permita compreender o veredicto proferido.  
Na situação sub judice, os fundamentos jurídicos da acção, que justificavam a sua procedência, assentavam exclusivamente, em sede de recurso de apelação, na alteração sobre a matéria de facto fixada em 1ª instância, absolutamente determinante para a modificação da decisão jurídica assumida em 1ª instância.
Não existindo fundamento para a respectiva alteração, o enquadramento jurídico perfilhado em 1ª instância (e corroborado no Tribunal da Relação) permanecerá necessariamente incólume, dado que a própria apelante não dirigiu contra tal veredicto nenhuma questão de direito susceptível de o colocar em crise ou refutar.
Ou seja, versando o recurso de apelação apenas a modificação da decisão de facto, a improcedência da respectiva impugnação, apresentada nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, implica inevitavelmente a inviabilidade de alteração do decidido no âmbito da aplicação do direito aos factos, pelo há que considerar suficiente que o acórdão do Tribunal da Relação se louve na fundamentação jurídica desenvolvida em 1ª instância e que, para estes efeitos, não sendo discutida ou contrariada, implicitamente avocou.
Nega-se, por conseguinte, a revista.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista.
 Custas pela recorrente.


Lisboa, 3 de Novembro de 2021.


Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida
 
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.