Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
211/18.2PALGS.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, representa, em relação ao tipo fundamental, um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade do produto estupefaciente. Em regra, está associado à atividade do dealer de rua, do pequeno traficante.

II. A menor ilicitude terá, neste contexto, de resultar de uma avaliação global da situação de facto.

III. Ora, no caso sub judice, e cingindo-nos aos factos dados como provados, o arguido e o seu irmão e coarguido, com a ajuda, por vezes, de uma terceira pessoa, venderam e distribuíram, pelo menos desde fevereiro de 2017 a fevereiro de 2019, por diversos consumidores, na cidade de…., quantidades apreciáveis de heroína e cocaína, cobrando € 25,00 por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína e a quantia de € 30,00 por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína, utilizando telemóveis, para contactos a fim de combinarem os locais das transações, que eram não só em ruas e praças daquela cidade, mas também na residência do ora recorrente.

Por outro lado, noutras ocasiões, o arguido e o irmão utilizaram, para as referidas transações, 6 viaturas automóveis, cujas matrículas se encontram todas identificadas, o que traduz bem a forma organizada do negócio que praticavam, em nada compatível como o simples e mero tráfico de dealer de rua.

Há que ter, igualmente, em conta os objetos e dinheiro apreendidos em casa do arguido, proveniente dessas transações - só seu quarto, cerca de € 1.750,00, em notas de cinco, dez, vinte, cinquenta e cem euros.

Finalmente, foi dado também como provado que, no período de tempo mencionado, o arguido e o irmão não exerciam qualquer outra atividade profissional, de forma regular, através da qual obtivessem outros ganhos monetários, constituindo, assim, a venda de produtos estupefacientes o seu modo de sobrevivência.

IV. Nesta conformidade, numa imagem global dos factos, não se mostra nada evidente uma menor ilicitude da factualidade em questão. Pelo contrário, a situação induz na direção do crime de tráfico comum, pelo que bem andou o tribunal coletivo em ter condenado o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º n.º 1, do citado DL n.º 15/93.

V. Relativamente à medida concreta da pena parcelar que foi aplicada ao recorrente pela prática do referido crime – 6 anos de prisão -, o tribunal a quo teve o cuidado de fundamentar bem a mesma, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71.º n.º 1, do Cód. Penal.

VI. As necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo, designadamente, à frequência com que crimes desta natureza tem vindo a aumentar. Por outro lado, a quantidade do produto estupefaciente transacionado e a dimensão da atividade levada a cabo permite concluir ser médio o grau de ilicitude dos factos, tendo o arguido atuado com dolo direto, não se mostrando arrependido e já ter sido condenado por factos idênticos, fazendo-se, assim, sentir também elevadas as exigências de prevenção especial positiva.

VII. Nesta conformidade, numa moldura abstrata que vai dos 4 aos 12 anos de prisão, a pena imposta de 6 anos de prisão está abaixo do ponto médio da respetiva moldura penal, pelo que não pode, de forma alguma, ser considerada excessiva e desproporcional, sendo, antes, justa e adequada e não excedendo a medida da culpa, pelo que não se justifica qualquer intervenção corretiva por parte deste Supremo Tribunal.

VIII. Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido e, em consequência, manter-se o acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão do Juízo Central de ... -J1, da comarca de Faro, de 17/05/2022, foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado, de acordo com o seguinte dispositivo (Transcrição):

Pelo exposto, julgamos a decisão instrutória procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do D.L. 15/93, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

b) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (dia 22.09.2015, 21h40);

c) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (dia 22.09.2015, 23h);

d) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (23.09.2015);

e) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (16.11.2015, pelas 20h55);

f) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (16.11.2015, pelas 22h23);

g) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (17.11.2015);

h) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (05.12.2015);

i) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (10.12.2015);

j) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (18.12.2015);

k) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (22.12.2015, pelas 22h35);

l) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (22.11.2015, pelas 2h10);

m) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de; 6 (seis) meses de prisão (11.01.2016)

n) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (21.01.2016);

o) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (24.04.2018, pelas 15h31);

p) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (24.04.2018, pelas 16h29);

q) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (25.04.2018);

r) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (26.04.2018);

s) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (13.05.2018);

t) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (14.05.2018);

u) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (20.05.2018);

v) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (27.09.2018);

w) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (01.11.2018);

x) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (08.11.2018);

y) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão (30.11.2018);

z) Condenamos o arguido AA, como autor material de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º, n. º1 e 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

aa) Operando o cúmulo jurídico, condenamos o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…)

2. Inconformado, interpôs, em 16/06/2022, o referido arguido recurso para o Tribunal da Relação de Évora, concluindo a sua Motivação, nos seguintes termos (Transcrição):

1. - O Arguido era “pequeno retalhista” do tráfico de drogas.

2. - Ao Arguido dever-se-ia aplicar o disposto no artigo 21º do D.L. nº 15/93 de 22 de Janeiro, e não o artigo 25º do mesmo diploma, o quer resultaria em pena não superior a 5 anos de prisão.

3. - E, ainda que, assim não se entendesse, atenta a diminuição da culpa do Arguido, pelas circunstâncias em que os factos foram praticados, nunca a pena deveria ser superior a 4 anos de prisão.

4.- Foram violados os artigos 71.º e 72.º do Código Penal e o art.º 21.º do D. L. nº 15/93.

5.- Mas, mesmo que se entendesse que o Arguido não pode beneficiar de atenuação especial, deveria a pena, por aplicação judiciosa do artigo 71º do C.P. não ser superior a 5 anos de prisão.

6.- Pelo que os factos praticados pelo arguido devem ser enquadrados, para todos os efeitos legais, no Art.º 21º do D. L. nº15/93, mas se assim não se entender, deve ser tida em conta a diminuição da culpa do arguido pelos motivos anteriormente indicados e ser-lhe aplicada uma pena nunca superior a 4 anos de prisão.

7 – O Tribunal a quo não ponderou devidamente os supra referidos factos, tendo em atenção os princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos no art.º 13º da CRP, com vista à justa obtenção de uma justa medida da pena.

Daí o presente recurso interposto daquela decisão, o qual deverá receber provimento e, em consequência, revogar-se a decisão decorrida no que se refere à medida da pena de prisão de 6 anos relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, substituindo-se por uma pena de prisão que se situe mais próxima do limite mínimo legal.

3. Por despacho da Senhora Juíza titular, de 29/06/2022, foi o recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu, em 05/07/2022, ao recurso do arguido, concluindo da seguinte forma (Transcrição):

1. O arguido AA foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma, na pena de 6 (seis) anos meses de prisão.

2. Alega o recorrente que o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica dos factos uma vez que o arguido era “pequeno retalhista” pelo que a matéria de facto provada integra a previsão do tipo privilegiado do tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93 de 22 de janeiro e pugna pela condenação numa pena parcelar de prisão nunca superior a 4 anos.

3. Ora como se encontra plasmado no D. Acórdão recorrido, a cujos fundamentos de facto e de direito se adere na integra, não restam dúvidas pela variedade e quantidade de droga apreendida e vendida, quantias monetárias apreendidas, vendas dadas como provadas, o facto do arguido não ser consumidor e constatação de que fazia dessa atividade modo e sustento de vida, que praticou um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, do D.L. 15/93.

4. Da imagem global dos factos provados não resultam circunstâncias que permitam sustentar uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.

5. O tribunal não errou no doseamento da pena e quando condenou o arguido numa pena de 6 anos de prisão, pelo que não padece o Acórdão recorrido de qualquer vício.

6. O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos (art. 21.º, n.º 1 do D.L. nº 15/93) e o arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão.

7. O Acórdão a quo tomou em linha de conta todas as circunstâncias impostas: o grau de ilicitude acentuado, atento nomeadamente o grande mnúmero de transações de substâncias estupefacientes efectuado, a qualidade e quantidade de estupefacientes vendido e apreendido, o dinheiro e objectos apreendidos, o dolo directo, a existência de antecedentes criminais do arguido, o facto de não ser consumidor e as suas condições socio económicas.

8. Para além destes aspectos, não podem também deixar de se considerar, como fez o tribunal, no domínio do tráfico de droga, as fortíssimas exigências ao nível da prevenção geral.

9. Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma.

5. Por decisão sumária da Senhora Desembargadora, de 07/11/2023, na sequência de promoção do Ministério Público, foram os autos remetidos ao STJ, por ser este o tribunal competente para apreciar e decidir o recurso em questão, dado visar unicamente a apreciação da medida das penas impostas ao recorrente.

5. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 18/12/2023, douto parecer, nos termos do qual acompanha a posição da sua Colega da primeira instância, defendendo, em síntese, também a improcedência do recurso do arguido e a manutenção do decidido.

Observado o contraditório, nada foi acrescentado.

6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando o conteúdo das Conclusões apresentadas, que delimitam, conforme é sabido, o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, o recorrente entende que, no concerne ao tráfico de estupefacientes, a conduta que levou a cabo deveria ter sido subsumida no art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22/011 – tráfico de menor gravidade – e não no art. 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, mas mesmo que tal não seja assim considerado, a pena relativamente a este ilícito-criminal nunca deverá ser superior a 4 anos, ou seja, próxima do limite mínimo legal.

III. Fundamentação

1. Na parte que ora interessa, é do seguinte teor o acórdão recorrido (Transcrição):

(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. FACTOS PROVADOS

Discutida a causa resultaram provados, com relevância decisão da mesma, os seguintes factos:

O arguido AA, também conhecido por AA, dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, na cidade de ..., pelo menos desde Fevereiro de 2017 até à data da sua detenção (em 05.02.2019), detendo e fazendo a entrega dessas substâncias a consumidores e/ou vendedores das mesmas, a troco de uma compensação pecuniária.

2. O arguido BB, também conhecido por BB, irmão do AA, ou BB, dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, na cidade de ..., pelo menos desde Março de 2017 até Setembro de 2018, detendo e fazendo a entrega dessas substâncias a consumidores e/ou vendedores das mesmas, a troco de uma compensação pecuniária.

3. No desenvolvimento da referida actividade os arguidos AA e BB eram previamente contactados pelos consumidores para números de telemóveis que facultavam para o efeito, comunicando-lhes o local onde se encontravam e onde seria feita a transacção, nomeadamente, junto do Hotel ..., no Parque das..., no antigo cemitério, nas traseiras do cinema, nas proximidades do antigo Hotel ..., nas traseiras do Mercado de..., ou nas traseiras do ... sito na Rua ..., todos localizados em ....

4. No exercício da referida actividade, e pelo menos desde Janeiro de 2019 até à data da sua detenção (05.02.2019), o arguido AA contou com a colaboração de terceira pessoa, procedendo ambos ao corte, pesagem e acondicionamento da cocaína e heroína em doses individuais para vender a terceiros.

5. Nesse contexto, e pelos menos desde Janeiro de 2019 até ao dia 05.02.2019, os consumidores que pretendiam adquirir aqueles produtos estupefacientes contactavam o arguido AA pessoalmente ou através do seu telemóvel, e recebiam dele e, ou da terceira pessoa, quantidades não apuradas de heroína e cocaína, entregando-lhes quantias em dinheiro, como contrapartida.

Designadamente,

6. No período temporal compreendido entre Julho de 2017 e o dia 3 de Fevereiro de 2019, o arguido AA vendeu ao consumidor CC, e pelo menos em 20 ocasiões distintas, quantidades de heroína não apuradas, pelo preço unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros).

7. Durante os meses de verão do ano de 2017, e pelos menos em duas ocasiões distintas, o arguido AA vendeu ao consumidor DD, quantidades de heroína não apuradas, pelo preço unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros).

8. Durante o período temporal compreendido entre o início do ano de 2018 e o mês de Janeiro de 2019, o arguido AA vendeu ao consumidor EE, e pelo menos entre 1 a 2 vezes, quantidades de heroína não apuradas, pelo preço unitário de € 20,00 (vinte euros).

9. No período temporal compreendido entre os meses de Março e Abril de 2018, o arguido AA vendeu ao consumidor FF, e pelo menos em 20 ocasiões distintas, quantidades de heroína não apuradas, pelo preço unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros).

10. No 08.05.2018, pelas 11h40m, na Rua ..., em ..., o sobredito consumidor (FF) tinha na sua posse 0,893 gramas de heroína e 0,474 gramas de cocaína, que havia adquirido ao arguido BB, pelo preço global de € 70,00 (setenta euros). Noutras ocasiões e no período temporal compreendido entre os meses de Abril e Maio de 2018, o arguido BB vendeu ao referido consumidor (FF), e pelo menos em 10 ocasiões distintas, quantidades de heroína não apuradas, pelo preço unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros), e quantidades de cocaína não apuradas pelo preço unitário de € 30,00 (trinta euros).

11. No período temporal compreendido entre os meses de Março e Setembro de 2018, o arguido AA vendeu ao consumidor GG, e pelo menos em 30 ocasiões distintas, cocaína e/ou heroína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de € 25,00, por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína, e a quantia de 30,00, por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína.

12. Durante os meses de Abril e Maio de 2018, o arguido BB vendeu ao sobredito consumidor (GG), e pelo menos em 10 ocasiões distintas, cocaína e/ou heroína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros), por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína, e a quantia de 30,00 (trinta euros), por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína.

13. No período temporal compreendido entre Maio de 2018 e até á data da sua detenção (05.02.2019), o arguido AA vendeu ao consumidor HH, e pelo menos em 20 ocasiões distintas, heroína e cocaína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de € 25,00, por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína, e a quantia de 30,00, por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína. Em pelo menos dez das sobreditas transacções (que tiveram lugar durante o mês de Janeiro de 2019 e o início do mês de Fevereiro do mesmo ano), o arguido AA contou com a colaboração de terceira pessoa que entregou o produto estupefaciente ao referido consumidor, e recebeu em troca as quantias monetárias acima indicadas.

14. Durante os meses de Fevereiro de 2017 até ao verão de 2018, o arguido BB vendeu ao sobredito consumidor (HH), e pelo menos em 60 ocasiões distintas, cocaína e/ou heroína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros), por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína, e a quantia de 30,00 (trinta euros), por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína.

15. No dia 12.08.2018, o arguido BB vendeu ao consumidor II uma embalagem de heroína com o peso de 1,036 gramas, e uma embalagem de cocaína, com o peso de 0,420 gramas, pelo preço global de € 50,00 (cinquenta euros).

Noutras ocasiões e durante o período temporal compreendido entre os meses de Março de 2017 e Setembro de 2018, o arguido BB vendeu ao consumidor II, e por diversas vezes, quantidades não apuradas de heroína pelo preço unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros), e quantidades não apuradas de cocaína pelo preço unitário de 25,00 (vinte e cinco euros).

17. Na referida actividade de venda de produtos estupefacientes os arguidos AA e BB utilizavam como pontos de venda diversos locais da cidade de ..., previamente combinados com os consumidores, sendo que o arguido AA utilizava ainda a sua residência sita na Rua ..., 5A, 1.º Dt.º (D1), em ....

19. Assim, na mesma data (05.02.2019), cerca das 20h53m, os arguidos AA e terceira pessoa detinham no interior da sobredita residência (sita Rua ..., 5A, 1.º Dt.º (D1), em ...), mais concretamente, na sala, os seguintes objectos:

a) Na mesa de apoio: uma colher e faca de metal; uma balança de precisão, com a inscrição Digital Scale; diversos recortes de plástico, em forma circular; um rolo de sacos de plástico transparente; 1 (um) saco contendo no seu interior heroína, com o peso de 56,589 gramas; 33 (trinta e três) pequenas saquetas (vulgo muchas), contendo no seu interior heroína, com o peso de 58,855 gramas; a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), em notas de cinco, dez, vinte e cinquenta euros;

b) No móvel da sala: 3 (três) embalagens de Redrate, medicamento utilizado no corte de produto estupefaciente (cocaína);

c) Na mesa de jantar: diversos recortes de plástico transparente; 1 (um) cartão da Caixa Agrícola com vestígios de heroína; 1 (um) telemóvel da marca Wiko;

d) No sofá: 2 (duas) tesouras, uma das quais contendo vestígios de heroína;

e) No rádio: 1 (um) telemóvel de marca Samsung, com os IMEI’s ..............71 e .............79.

20. Também na mesma data e local indicados em 19., o arguido AA detinha, ainda, os seguintes objectos:

a) No interior do seu quarto: a quantia de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em notas de cinco, dez, vinte, cinquenta e cem euros; 1 (um) telemóvel de marca F1, com os IMEI’s ..............46 e ............52; 1 (um) telemóvel de marca ZTC, com os IMEI’s .............48 e .............45;

b) Na casa de banho: 5,8 gramas de uma substância de corte (corte holandês); sacos de plástico; 3 (três) pequenas saquetas (vulgo muchas), contendo heroína com o peso total de 5,862 gramas; 1 (uma) pequena saqueta (vulgo mucha), contendo cocaína com o peso de 0,335 gramas;

c) Na cozinha: diversos recortes em plástico.

21. No desenvolvimento da sobredita actividade de tráfico os arguidos AA e BB efectuaram várias deslocações, usando para tal diversos veículos automóveis, mormente os veículos de matrícula ..-..-hZ, ..-..-SQ, ..-..-MO, ..-..-TF, ..-VH-.. e ..-AT-...

(…)

56. Os arguidos AA e terceira pessoa destinavam o medicamento Redrate, a substância de corte, a balança de precisão, os recortes em plástico e sacos que lhe foram apreendidos para preparar, pesar e acondicionar a cocaína e heroína que vendiam a terceiros.

57. Os arguidos AA e terceira pessoa conheciam a natureza e características estupefacientes das substâncias detidas, e não as destinava ao seu consumo, mas para venda e/ou cedência junto de consumidores que os procurassem para comprar, e que em troca como pagamento das mesmas lhe entregavam dinheiro.

58. À data dos factos os arguidos AA e BB não exerciam qualquer actividade profissional lícita regular, através da qual, auferissem qualquer ganho monetário.

59. Aliás, a venda de produtos estupefacientes constituía o modo de sobrevivência dos arguidos AA e BB, e um negócio com o qual, todos os arguidos obtinham ganhos monetários.

60. O dinheiro que foi apreendido aos arguidos AA e a terceira pessoa era proveniente dessa actividade de tráfico.

61. Os telemóveis que foram apreendidos aos arguidos AA e a terceira pessoa e acima indicados, foram pelos mesmos utilizados na concretização da actividade de venda de heroína e cocaína.

62. Com a conduta descrita, os arguidos AA e BB quiseram preparar, deter, vender, ceder, distribuir e transportar cocaína e heroína, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos produtos que possuíam, intentos que lograram alcançar.

63. Os mesmos tinham conhecimento que a detenção, importação, exportação, compra, preparação, transporte, distribuição, venda, oferta, cedência, recebimento a qualquer título de produtos estupefacientes são proibidos por lei e, não obstante, quiseram desenvolver tal conduta, apesar de não se encontrarem autorizados a tal.

64. Os arguidos AA e BB agiram sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou:

O arguido AA apresenta uma situação familiar relativamente estável, reportada à união de facto mantida há sete anos com a companheira JJ, tendo a cargo as duas filhas menores do casal. À data dos factos, o agregado incluía também, provisoriamente, o irmão do arguido, BB e o amigo KK, ambos coarguidos no processo.

Vivem em casa arrendada, dentro da malha urbana da cidade de ..., o que representa uma despesa de 300€ mensais. No presente, apenas a companheira detém atividade laboral regular, como empregada de limpezas, pelo que aufere aprox. 600€. À data dos factos, ao longo do ano 2018, AA tinha-se estabelecido por conta própria, na exploração do snack bar “Taberna ...”, cuja atividade cessou pouco antes de ter sido preso preventivamente à ordem do presente processo, em 7/2/2019.

Depois que retornou ao meio livre, em 14/12/2019 não chegou a reorganizar-se em termos de trabalho, o que associou aos constrangimentos e medidas de confinamento pelo COVID-19, vírus de que foi portador desde meados de junho, até ao início de agosto.

AA é natural de ..., ilha de ..., onde, tal como os cinco irmãos, cresceu inserido na família alargada, longe dos pais, que abraçara um projeto de emigração. Frequentou a escola no país de origem até um nível equivalente ao 9º ano. Em termos de trabalho, colaborava na exploração de um pequeno estabelecimento comercial familiar.

Em 2009, com 20 anos, veio para Portugal, através da progenitora, o que lhe facilitou o processo de integração e regularização oficial. Deu agora entrada no SEF de pedido de renovação do título de autorização de residência, que está a caducar.

No país de acolhimento, começou por viver numa das zonas periféricas de ...), vindo regularmente ao ...), onde tinha família, para trabalhar no verão, em serviços de copa.

Para além deste trabalho sazonal, refere outros de cariz precário e indiferenciado, não declarados, na construção cívil.

A partir de 2013, ter-se-á fixado na zona de ..., iniciando a relação marital que vigora no presente, com JJ, de 31 anos. No contexto desta relação nasceram duas filhas, ainda a cargo do casal, atualmente com ... e ... anos. O arguido tem ainda uma filha de ... anos, fruto de anterior relação, que foi, entretanto, viver com a mãe para ... e com quem pouco contacta.

O seu modo de vida foi caracterizado pela instabilidade laboral, marcado por períodos interpolados de desocupação, ligado a pares maioritariamente conterrâneos. Na cidade de ... foi pelo menos até à data da prisão preventiva referenciado aos meios habitualmente conotados pela transação de produtos estupefacientes.

AA regista problemas com o sistema de justiça desde 2012-2013. Para além de várias condenações associados a crimes rodoviários, de condução em estado de embriaguez, condução sem habilitação legal e falsificação de documento, vem a confrontar-se com acusações ligadas ao crime de trafico de estupefacientes. No âmbito do pº nº 10/17.9... foi condenado em 4 anos de pena de prisão suspensa na sua execução, com transito em julgado em 25/1/2019.

Em situação de entrevista, AA evidencia uma atitude muito reservada, sendo difícil aferir do seu sentido crítico face aos processos em que se vê envolvido. Tende a neutralizar a gravidade dos mesmos, por situações de vida difíceis que lhes associa, como a falta de recursos económicos.

Tem sido, ainda assim cooperante com os serviços da DGRSP, na medida em que habitualmente comparece quando convocado. Ao longo dos 11 meses em que se manteve preso preventivamente, à ordem do presente processo, no EPR de ... manteve um comportamento discreto, sem registo a problemas disciplinares. Beneficiou sempre do apoio da companheira. Fora esta, não tem já família próxima em Portugal, referindo que pais e irmãos se mudaram para outros destinos de emigração, ... e ....

AA, depois de se ter ausentado para fora do país em finais do ano 2020, terá regressado ao meio de residência em setembro/2021, retomando as condições pessoais e sociais tal como descritas no relatório enviado em 1/10/2020.

Refere que durante cerca de um ano se manteve em ... a trabalhar na construção civil, porém não teve a preocupação de dar conta do seu paradeiro e modo de vida, junto das entidades oficiais. De momento já é possuidor de título de residência regular no país. Encontra-se desempregado, sendo a companheira, JJ, quem assegura o sustento do agregado, com trabalho efetivo numa firma de limpezas de apartamentos.

(…)

Consta do Certificado de Registo Criminal do arguido AA que foi condenado:

- no Processo nº 884/12.0..., por decisão de 05.11.2013, transitada em julgado em 30.09.2015, pela prática, em 16.09.2012, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez e de um crime de Falsificação de Documento, na pena única de 250 dias de multa;

- no Processo nº 11/13.6..., por decisão de 15.11.2013, transitada em julgado em 22.09.2014, pela prática, em 02.01.2013, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal e de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, na pena única de 90 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses;

- no Processo nº 1547/12.1..., por decisão de 18.03.2014, transitada em julgado em 24.09.2014, pela prática, em 13.07.2012, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 80 dias de multa; e

- no Processo nº 969/13.5..., por decisão de 05.03.2015, transitada em julgado em 10.04.2015, pela prática, em 10.06.2013, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 90 dias de multa.

- no Processo nº 2388/13.4..., por decisão de 19.06.2017, transitada em julgado em 22.09.2017, pela prática, em 30.03.2013, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 100 dias de multa.

- no Processo nº 10/17.9..., por decisão de 05.04.2018, transitada em julgado em 28.01.2019, pela prática, em 04.01.2017, de um crime de trafico de estupefacientes de quantidades diminutas e de menor gravidade, na pena de quatro anos de prisão suspensa na sua execução por um período de três anos.

- no Processo nº 83/18.7..., por decisão de 06.06.2018, transitada em julgado em 06.09.2018, pela prática, em 05.06.2018, de um crime de Condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena de dois meses e quinze dias de prisão suspensa na sua execução por um ano.

- no Processo nº 715/18.7..., por decisão de 01.03.2019, transitada em julgado em 01.04.2019, pela prática, em 02.12.2018, de um crime de violação de imposições, na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução por um período de um ano.

- no Processo nº 8147/18.0..., por decisão de 17.09.2019, transitada em julgado em 04.06.2020, pela prática, em 08.10.2018, de um crime de desobediência, na pena de cinco meses de prisão.

- no Processo nº 361/18.5..., por decisão de 14.01.2020, transitada em julgado em 13.02.2020, pela prática, em 01.07.2018, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 180 dias de multa.

(…)

4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Do Crime de Trafico de Estupefacientes.

Nos termos do artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, “quem, sem para tal se encontrar autorizado (…) oferecer, puser à venda, vender, distribuir (…), ceder (…) proporcionar a outrem (…) ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

São, assim, elementos típicos do crime previsto no artº 21º, nº 1:

- a oferta, o colocar à venda, vender, a distribuição, a cedência, o proporcionar a outrem ou a detenção, sem autorização;

- de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, que não se destinem ao consumo do próprio;

Como é sabido,

“quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva, desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples” - vd. Ac. do STJ de 25/11/2004, de que é relator o Sr. Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt, proc. 04P3970.

Tratando-se de tráfico de estupefacientes

- com relevância para a apreciação do caso dos autos -

o crime-tipo vem previsto no art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1, sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas”, nos termos do qual “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos” (sendo que as substâncias que ao caso concreto importam, cocaína, e heroína, constam das tabelas I-B e I-A anexas ao diploma, e o art. 40º respeita ao consumo de estupefacientes),

- e os tipos privilegiados, vêm previstos no art. 25º/a) e 26º do mesmo diploma, nos termos dos quais,

no art. 25º, sob a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”, se prevê -

“se, nos casos do art. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I, III, V e VI”,

e, no art. 26º, sob a epígrafe “traficante-consumidor”, se prevê –

“1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV. …”

A propósito desta construção e estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefaciente, como é jurisprudência pacifica do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o tipo privilegiado do art. 25º cita-se, por clarividente, o Ac. do STJ de 22/3/2006, de que foi relator o Sr. Consº Henriques Gaspar, publicado na CJ STJ 2006, I, 216 e também acessível em www.dgsi.pt, proc. 06P664:

“Trata-se como é entendido na jurisprudência e na doutrina … de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de art. 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre ‘consideravelmente diminuída’, em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado, reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída) mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas, que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência de considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.

…A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico”.

Assim, o crime de tráfico de menor gravidade comporta previsão na generalidade dos sistemas jurídico-penais, justificado, por um lado, por uma razão de justiça material e de proporcionalidade, não sendo legítimo que a sua punição se assemelhe à do tráfico simples, de maior gravidade, além de que é instrumento de preferência dos grandes traficantes na difusão dos estupefacientes, cumprindo dissuadir dessa prática, que agrega

elevado número de agentes, dotados de grande mobilidade, eficácia e à margem de elevado e incontornável grau risco.

De um ponto de vista empírico o tráfico de menor gravidade é, como o nome sugere, um tráfico de reduzida, pequena, diminuta danosidade social, com escassa ressonância ético-jurídica, produtor de uma impressão juridicamente abaladora, limitadamente apenas à fímbria da norma de estatuição e de punição.

A ilicitude, genericamente, é a relação de antagonismo a estabelecer entre uma conduta humana e voluntária e o ordenamento jurídico; no aspecto formal ela assume a forma de acto contrário a uma proibição estabelecida pela ordem jurídica; de um ponto de vista material representa o ataque a bens individualmente relevantes ou coletivamente significantes.

A antijuridicidade é anterior à lesão ou perigo de lesão sociológica, no dizer de VON LIZT; diverge da culpa porque esta reveste a natureza de um juízo de reprovação individual, de desvalor subjectivo, sendo ambas passíveis de graduação, consoante a maior intensidade da lesão de bens jurídicos ou de perigo de ofensa.

A ilicitude exigida no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade é , ou tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta , pelo desvalor da acção e do resultado , funcionando, exemplificativamente, “ os meios utilizados , a modalidade ou as circunstâncias da acção , a quantidade ou a qualidade das plantas , substâncias ou preparações “, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde , em que a quantidade não é nem o único e nem, eventualmente, o mais relevante.

Por sua vez, estabelece o artigo 25º, al. a), do mesmo diploma legal: “se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.

Este crime constitui, como é entendido na jurisprudência e na doutrina, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude, em relação ao tipo fundamental do art. 21º.

Pressupõe em relação ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e o privilegiado reverte, assim, para o nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída) tendo em conta as circunstâncias referidas e outras.

Deste modo, a distinção entre os tipos base (art. 21º) e de menor gravidade (art. 25º) há-de partir da consideração e avaliação global da complexidade específica de cada caso em avaliação, objectiva e com projecção de igualdade, e não exasperadamente casuística ou fragmentária (cfr. Acórdão do STJ de 22-03-2006, CJ, Ano XIV. 2006, Tomo 1, págs. 216 e segs.)

Impõe-se, assim, uma valoração de todas as circunstâncias que configuram a situação concreta e ponderar se existe uma diminuição substancial da ilicitude, um menor desvalor da acção.

Neste sentido, se pronunciaram os acórdãos de 13 de Abril de 2005, em CJ, Ano XIII, Tomo II, pág. 173 e segs. e de 22 de Março de 2006, Ano XIV, Tomo I, pág. 216 que referem, “ A essência da distinção entre os tipo fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.

Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção com alargados espaços de indeterminação, de considerável diminuição de ilicitude”.

Tecidos estes considerandos, analisemos a situação concreta da arguida.

Da matéria provada consta, para além do mais o seguinte:

- Que os arguidos cediam a troco de dinheiro cocaína e heroína

- Que o fizeram – no que a este processo diz respeito - pelo menos durante 2 anos, sendo que só pararam porque foram detidos.

- Que o já tinham feito anteriormente e sido condenados por este crime;

- Que venderam a alguns consumidores mais de 60 vezes;

- Que não mostraram qualquer arrependimento.

Ponderando todos estes elementos na sua globalidade complexiva e tendo essencialmente em conta, o acima referido, que movimentaram quantidades de cocaína e heroína, drogas duras, das que provocam, efeitos mais nefastos para a saúde dos consumidores e para a sociedade, não podemos configurar a conduta dos arguidos como a de um normal traficante de rua, isto é, que exista no caso uma diminuição considerável da ilicitude do facto.

Estas circunstâncias constituem, pelo contrário, elementos de ponderação que evidenciam uma ilicitude de acentuado relevo, que afastam a actividade dos arguidos do nível de ilicitude consideravelmente diminuída, que subjaz ao artº 25º do DL 15/93, de 22-1.

Os factos integram, pois, o crime base de tráfico por que vem acusado, p. no art. 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22-1.

Ao nível subjectivo, exige-se que os agentes tenham actuado com dolo, conforme resulta do disposto no artº 13º do C.P.

Ora, da factualidade apurada resulta que, os arguidos conheciam a natureza estupefaciente do produto, tendo agido deliberada e conscientemente.

Terá, assim, actuado com dolo directo, nos termos do artº 14º, nº 1 do C.P.

Estão, portanto, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime previsto no artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

Porque não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, importa concluir que os arguidos cometeram o crime de que vêm acusados.

(…)

5. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA

Os crimes de condução de veiculo sem habilitação legal e o crime de falsificação de documento são punidos, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa.

Os critérios a atender na escolha da pena, entre prisão e multa, vêm apontados no artº 70º do C.P., determinando esta norma que, o tribunal deve preferir a multa, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades são, segundo resulta do disposto no artº 40º, nº 1 do C.P., a protecção dos bens jurídicos e a reinserção do agente na comunidade.

Assim, a escolha entre prisão e multa, nos termos do artº 70º do C.P., depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial (Ac. R.C. de 17/1/96, C.J., tomo I, pág. 38).

No que se reporta aos arguidos,

As necessidades de prevenção geral são elevadas,

pelo incremento que se vem verificando da prática deste tipo de crimes, associada ao elevado sentimento de insegurança que tais condutas geram na comunidade, recomendando-se a aplicação de uma pena de prisão, como forma de repor a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas violadas;

Também são elevadas as exigências de prevenção especial, quanto aos arguidos porquanto, possuem antecedentes criminais da mesma natureza, e não mostraram qualquer arrependimento.

Neste quadro, fácil é de concluir que, só uma pena de prisão no que concerne aos arguidos realizará de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas (arts 70º e 40º, nº 1 do C.P.).

O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos (artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93).

O crime de condução de veiculo sem habilitação legal (artigo 3º, n.º1 e 2, do DL 2/98, de 3 .01) é punido com pena de prisão até 2 anos.

O crime de falsificação de documento (artigo 256º, n.º 1 e 3, do Código Penal) é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.

Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.).

Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P.

A culpa, como fundamento último da pena funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).

As necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo.

Atendendo, à quantidade do produto estupefaciente transaccionado e à não despicienda dimensão da sua actividade, é de concluir ser médio o grau de ilicitude dos factos.

Os arguidos actuaram com dolo directo, no cometimento dos crimes.

os arguidos não se mostraram arrependidos, e já foram condenados pelos mesmos ilícitos penais e não se afastaram das práticas delinquentes.

Fazem-se, assim, sentir elevadas exigências de prevenção especial positiva.

Não olvidemos igualmente que possuem antecedentes criminais na mesma natureza tanto no que respeita ao crime de trafico de estupefacientes como aos crimes de condução de veículo sem habilitação legal.

Não podemos igualmente esquecer que o arguido AA tinha em sua casa 89 doses de heroína prontas a serem vendidas e quantia monetária não despicienda, sendo que a actividade apurada de ambos é bastante similar. Por seu turno, o arguido BB já foi condenado por crime de trafico de estupefacientes e o arguido AA pelo mesmo crime mas em menor gravidade.

Nestes termos, e à luz do disposto nos arts 21º, nº 1 do D.L. 15/93, artigos 3º, n. º1 e 2, do DL 2/98, de 03.01 e 256º, n.º 1 e 3 e 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, entendemos adequado e proporcional aplicar aos arguidos AA e BB:

- a pena de 6 (seis) anos de prisão, pelo crime de trafico de estupefacientes.

- a pena de 6 (seis) meses de prisão, pela pratica de cada crime de condução de veiculo sem habilitação legal.

E ainda ao arguido AA:

- a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses pela pratica do crime de falsificação de documento.

Determinadas as penas (parcelares) dos crimes cometidos pelos arguidos, importa determinar a pena do concurso, em ordem a condenar os arguidos numa pena única, em conformidade com o disposto no artº 77º, nº 1 do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255).

Nos termos do artº 77º, nº 2 do C.P., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes.

No caso sub judice,

Arguido AA

a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 6 (seis) anos de prisão e como limite máximo 20 (vinte) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…)

Dentro de cada uma das molduras encontradas, é determinada a pena concreta do concurso, a aplicar aos arguidos, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do respectivo agente (artº 77º, nº 1 do C.P.).

Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelos arguidos e a personalidade revelada pelos mesmos, o hiato de tempo entretanto ocorrido e o facto de os arguidos praticarem leva a crer que a personalidade dos arguidos é flagrantemente criminógena, entendemos adequado e proporcional fixar a pena única:

- do arguido AA, em 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(…)

2. Relativamente à qualificação jurídica dos factos, tendo presente a matéria de facto dada como provada, designadamente, a constante dos arts. 1.º a 21.º e 56.º a 64.º do acórdão recorrido, não nos ficam dúvidas sobre o acerto da posição do tribunal coletivo em ter subsumido os factos em causa no tipo legal do art. 21.º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22/01.

Com efeito, é bem elucidativo de tal, nomeadamente, que o arguido e o seu irmão e coarguido BB, com a ajuda, por vezes, de uma terceira pessoa, tenham vendido e distribuído, pelo menos desde fevereiro de 2017 a fevereiro de 2019, por diversos consumidores, na cidade de ..., quantidades apreciáveis de heroína e cocaína, cobrando € 25,00 por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína e a quantia de € 30,00 por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína, utilizando telemóveis, para contactos a fim de combinarem os locais das transações, que eram não só em ruas e praças daquela cidade, mas também na residência do arguido AA, na rua de ....

Por outro lado, noutras ocasiões, o arguido e o seu irmão utilizaram, para as referidas transações, 6 viaturas automóveis, cujas matrículas se encontram todas identificadas, o que traduz bem a forma organizada do negócio que praticavam, em nada compatível como o simples e mero tráfico de dealer de rua.

Há que ter, igualmente, em conta os objetos e dinheiro apreendidos em casa do arguido, proveniente dessas transações - só seu quarto, cerca de € 1.750,00, em notas de cinco, dez, vinte, cinquenta e cem euros.

Finalmente, foi dado também como provado que, no período de tempo mencionado, o arguido AA e o seu irmão não exerciam qualquer outra atividade profissional, de forma regular, através da qual obtivessem outros ganhos monetários, constituindo, assim, a venda de produtos estupefacientes o seu modo de sobrevivência.

Ora, na ponderação de todo este circunstancialismo, fazendo apelo à chamada imagem global dos factos, não se mostra nada evidente, in casu, uma menor ilicitude da factualidade em questão2. Pelo contrário, a situação induz na direção do crime de tráfico comum, pelo que bem andou o tribunal a quo em ter optado pela condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º n.º 1, do citado DL n.º 15/93, e de ter afastado, de forma fundamentada, a sua previsão no art. 25.º, do mesmo diploma.

Passando, de seguida, à medida concreta da pena parcelar que foi aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, o tribunal coletivo teve o cuidado de fundamentar bem a mesma, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71.º n.º 1, do Cód. Penal3.

As necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo, designadamente, à frequência com que crimes desta natureza tem vindo a aumentar. Por outro lado, a quantidade do produto estupefaciente transacionado e a dimensão da atividade levada a cabo permite concluir ser médio o grau de ilicitude dos factos.

O arguido atuou com dolo direto, não se mostrou arrependido e foi já condenado por factos idênticos, fazendo-se, assim, sentir também elevadas as exigências de prevenção especial positiva.

Nesta conformidade, numa moldura abstrata que vai dos 4 aos 12 anos de prisão, a pena imposta de 6 anos de prisão está abaixo do ponto médio da respetiva moldura penal, pelo que não pode, de forma alguma, ser considerada excessiva e desproporcional.

Na verdade, a pena de 6 anos de prisão aplicada, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º n.º do DL n.º 15/93, de 21/01, não excede a medida da culpa e é justa e adequada, no contexto fáctico dado como provado, não se justificando, deste modo, qualquer intervenção corretiva por parte deste Supremo Tribunal.

Nada também a assinalar em contrário, relativamente à medida da pena conjunta que foi aplicada – 9 anos e 6 meses de prisão -, que foi estabelecida de acordo com o estatuído no art. 77.º, do Cód. Penal, sendo certo, porém, que o recorrente nem se refere a ela, nas Conclusões da Motivação do seu recurso.

Por último, a ponderação sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/08 (Perdão de penas e amnistia de infrações) incumbirá, nos termos do art. 14.º, da mesma lei, à primeira instância.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, manter-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Lopes da Mota (Adjunto)

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1. Em coerência com o que o recorrente refere no corpo da Motivação e até no art. 1.º das Conclusões, há certamente um lapso, nos arts. 2.º e 6.º das ditas Conclusões, trocando os números dos artigos 21.º e 25.º, do citado diploma.

2. O crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22/01, representa, em relação ao tipo fundamental, um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo-se em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade do produto estupefaciente. Em regra, está associado à atividade do dealer de rua, do pequeno traficante, sendo que a menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto. Vejam-se, por todos, os acórdãos do STJ de 31/1/2024 (Relator o Senhor Conselheiro Lopes da Mota), Proc. n.º 10/21.4GBFAF.P1.S1, 11/10/2023 (Senhor Conselheiro Agostinho Torres), Proc. n.º 314/22.9PDPRT.P1.S1, e 7/9/2023 (Senhora Conselheira Leonor Furtado), Proc. n.º 2/21.3GACNT.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3. Em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pg. 213 e ss., e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª ed., Almedina, pg. 53 e ss. Na Jurisprudência, entre outros, para citarmos os mais recentes, os acórdãos do STJ de 8/11/2023 (Relator o Senhor Conselheiro Lopes da Mota), Proc. n.º 14/21.7PEBRG.S1, e 25/10/2023 (Senhor Conselheiro Sénio Alves), Proc. n.º 38/22.7SHLSB.S1, no sítio indicado.