Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
159/19.3T9FAR.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REJEIÇÃO
NULIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Em matéria de despachos interlocutórias, ter-se-á de entender que o acórdão do TRE, na parte referente aos mesmos, porque não conheceu, a final, do objeto do processo, isto é, não conheceu, em concreto, do mérito da decisão condenatória, é insuscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º n.º 1 c) e 432.º n.º 1 b), do C.P.P., o que implica que, neste segmento, o recurso tenha de ser rejeitado.

II. Considerando a significativa quantidade total de estupefaciente, quer cedido, quer apreendido, ao todo quase 3 kgs, a sua natureza – cocaína -, droga considerada “dura”, o seu elevado grau de pureza, bem como o facto da atividade em causa levada a cabo se ter prolongado por cerca de dois anos, com disseminação por diversos indivíduos, sendo a alguns deles com regularidade clientelar, apontam efetivamente na direção do crime de tráfico comum p. e p. pelo art. 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/1, e não do tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, do mesmo diploma legal, dado, tendo-se em atenção a factualidade provada, na sua globalidade, não se verificarem circunstâncias excecionais que diminuam, em grau considerável, a ilicitude dos factos.

III. No que concerne à medida concreta da pena, que o recorrente considera excessiva e desproporcional, constata-se que o tribunal recorrido fundamentou bem a sua determinação, nos termos do art. 71.º, do Cód. Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, na situação concreta, a culpa é elevada e as exigências de prevenção geral são muito fortes, atento o nefasto impacto que este tipo de atividade tem no domínio da saúde pública e na qualidade de vida das pessoas, em especial dos mais jovens. Por sua vez, as necessidades de prevenção especial, não sendo tão acentuadas, não podem também ser desvalorizadas, dada, além do mais, a falta de interiorização do desvalor da conduta.

IV. Nestes termos, a pena aplicada de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes é, no quadro descrito, justa, adequada, proporcional e não excedendo a medida da culpa.

V. Em face do exposto, acorda-se em rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso do arguido na parte relativa às decisões proferidas sobre os 5 recursos intercalares interpostos e julgar, no mais, improcedente o seu recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/05/2023, foi julgado parcialmente procedente o recurso do arguido AA e, em consequência, revertida, em parte, a condenação do mesmo, proferida pelo Juízo Central Criminal de ... -J4, da comarca de ..., de 03/11/2022, que o havia condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de detenção de arma proibida na pena de 10 (dez) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 (dez) anos de prisão, nos termos do dispositivo, que passamos a transcrever:

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:

A) Negar provimento ao recurso do despacho de 08/03/2022, ponto 1, interposto aos 07/04/2022 pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

B) Negar provimento ao recurso do despacho de 04/04/2022, interposto aos 04/05/2022 pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

C) Negar provimento ao recurso do despacho de 05/04/2022, interposto aos 04/05/2022 pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

D) Negar provimento ao recurso do despacho de 24/05/2022, interposto aos 27/06/2022 pelos arguidos BB, AA, CC e DD e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, para cada um deles.

E) Negar provimento ao recurso do despacho de 08/07/2022, interposto aos 08/08/2022 pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

(…)

N) Conceder parcial provimento ao recurso interposto do acórdão condenatório pelo arguido AA, absolvendo-o da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por que foi condenado na 1ª instância;

No mais, confirmam a decisão recorrida, incluindo a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

Sem tributação

(…)

2. Inconformado, uma vez mais, interpôs, em 23/06/2023 o referido arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões da sua Motivação (Transcrição):

1 - AA, arguido no âmbito do processo à margem devidamente identificado, vem, nestes termos, mui respeitosamente interpor recurso do Acórdão proferido nos autos pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, o que faz motivando e concluindo nos termos expostos na presente peça.

2 - O presente recurso visa sindicar o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora que decidiu, ao que aqui nos interessa, nos seguintes termos indicados a fls. ….

N) Conceder parcial provimento ao recurso interposto do acórdão condenatório pelo arguido AA, absolvendo-o da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por que foi condenado na 1ª instância; No mais, confirmam a decisão recorrida, incluindo a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01. Sem tributação.

3 - Em síntese e, no que releva, para o presente recurso o aqui Recorrente foi:

- Absolvido da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por que foi condenado na 1ª instância;

- Condenado a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

apresentado junto do Tribunal da Relação de Évora. Essa discordância determina a apresentação do presente recurso, que é interposto em tempo e por quem tem legitimidade.

7 - Antes de avançar com a questão da condenação e nomeadamente com a pena aplicada, será necessário analisar algumas questões prévias.

8 - Em sede de recurso e relativamente aos recursos intercalares o arguido levantou um conjunto de questões:

A) - Recurso do despacho datado de 8/03/2022, com a referência .......71 apresentado no dia 7/04/2022, conclusões 1 a 15 – transcritas no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora – relativo à não admissão do rol de testemunhas para além das 20 previstas no artigo 315º do CPP. – Verificação de nulidade – artigo 120º CPP.

B) - Recurso do despacho lavrado em acta aos 4/04/2022, com a referência .......75, apresentado a 4/05/2022, conclusões 1 a 8 – transcritas no acórdão objecto do tribunal a quo – relativo a vício decorrente da composição do tribunal – assistência a julgamento da Mmª. Senhora Juiz de Direito Drª. EE, através da plataforma webex.

C) - Recurso do despacho datado de 5/04/2022, com a referência .......61, apresentado no dia 4/05/2022, conclusões 1 a 13 – transcritas no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora – relativo a vício decorrente da composição do tribunal – assistência a julgamento da Mmª. Senhora Juiz de Direito Drª. FF , através da plataforma webex.

D) - Recurso do despacho proferido a 24/05/2022, apresentado a 27/06/2022, conclusões 1 a 17 – transcritas no acórdão objecto do tribunal a quo – relativo a irregularidade decorrente da alteração da ordem de produção da prova sem despacho fundamentado e sem a anuência dos mandatários.

E) - Recurso do despacho lavrado em acta aos 8/08/2022, (com acta assinada a 11/07/2022), apresentado a 8/08/2022, conclusões 1 a 34 – transcritas no acórdão objecto do tribunal a quo – relativo à não notificação e não audição de testemunha admitida por despacho.

9 - Ainda em sede de recurso o arguido levantou as questões abaixo indicadas:

- nulidade da acusação;

- vício previsto no artigo 410º, nº. 2, alínea b), do CPP;

- Nulidade prevista no nº. 1, alínea b), do artigo 379º do CPP;

- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação / omissão do exame crítico das provas/não descrição dos factos constantes da contestação ou resultantes da discussão da causa;

- violação do princípio do contraditório e do direito de defesa;

- Impugnação da matéria de facto / violação dos princípios in dúbio pro reo e da presunção de inocência/violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP /utilização de metadados na investigação;

- enquadramento jurídico-penal da conduta do Recorrente;

- atenuação especial da pena / dosimetria da pena aplicada;

- verificação dos pressupostos da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

10 - As matérias propostas, ou melhor parte das questões invocadas, não foram avaliadas na fundamentação do Acórdão objecto do presente recurso. Fazemos referência a parte das questões uma vez que nem todas mereceram pronúncia por parte dos Colendos Senhores Juízes Desembargadores junto do Venerando Tribunal da Relação de Évora.

11 - No recurso identificado em 8-A) das presentes conclusões o Recorrente invoca, em síntese, que não foi admitido o seu rol de testemunhas na sua globalidade apesar de apresentado em tempo e de ser invocada a solução proposta pelo Ministério Público – necessidade para a descoberta da verdade material, por praticados crimes identificados no nº. 2, do artigo 215º do CPP e, ainda, atenta a especial complexidade do processo. Com a decisão proferida perdem-se de vista os princípios de uma defesa plena e efectiva, da legalidade, da igualdade de armas e do contraditório, com a violação das normas previstas nos artigos 18º, 20º e 32º da CRP.

12 - Ora, salvo o devido respeito, que é indiscutivelmente muito, mal andou o Tribunal a quo. As testemunhas deviam ter sido admitidas atentas as normas invocadas e a lei do processo. Tal deverá determinar a declaração de procedência do recurso interposto, com todas as consequências legais.

13 - Caso assim se não verifique parece-nos óbvia a verificação de uma inconstitucionalidade.

- inconstitucionalidade dos artigos 315º, 283º, nº. 7 e 61º do CPP por violação do disposto nos artigos 18º, 20º, 29º e 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – pode o Ministério Público arrolar mais do que vinte testemunhas alegando processo de especial complexidade e o arguido não o pode fazer.

14 - O arguido é sujeito de direitos por essa razão pode socorrer-se dos mecanismos legais. O artigo 283º, nº. 7 do CPP prevê a possibilidade de arrolar mais do que vinte testemunhas. Não pode entender-se que essa faculdade seja concedida ao Ministério Público e negada ao arguido. Do processo resulta que ambos sustentaram o pedido tendo por base os mesmos fundamentos legais.

15 - inconstitucionalidade por violação do Princípio do contraditório e de uma defesa plena e efectiva, Princípio da legalidade e da igualdade de armas, em detrimento do previsto no artigo 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – ao arguido está vedada a possibilidade de arrolar mais do que 20 (vinte) testemunhas. Inconstitucionalidades que devem ser declaradas, com todas as consequências legais.

16 - No recurso identificado em 8-B) das presentes conclusões o Recorrente violação do Princípio da imediação da prova.

17 - Este princípio assume particular relevo quando o julgamento é o único momento em que o Magistrado Judicial está perante o arguido e as testemunhas, vendo-lhe os trejeitos, a forma de estar e de agir.

18 - Por essa razão e por outras que Vªs. Exªs. mui doutamente suprirão deverá o acórdão objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que admita como válida a tese proposta pelo aqui Recorrente.

19 - Interpretação distinta é, entendemos, inconstitucional.

- inconstitucionalidade por violação das regras relativas à composição do tribunal, por violação do Princípio da imediação da prova e por violação do direito a uma defesa efectiva, por contrária ao disposto nos artigos 18º, 20º e 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – pode o tribunal colectivo ser constituído por dois magistrados judiciais em sala e um a assistir via plataforma webex as declarações prestadas por arguidos e testemunhas apresentadas pela acusação. Inconstitucionalidade essa que se invoca e que deve ser declara, com todas as consequências legais.

20 - O Princípio da imediação da prova não se efectiva com audição das declarações prestadas pelos arguidos e testemunhas apresentadas pela acusação por um Juiz que assiste ao julgamento através de plataforma electrónica. Inconstitucionalidade essa que se invoca e que deve ser declara, com todas as consequências legais.

21- No recurso identificado em 8-C) dos presentes autos o Recorrente invoca violação do Princípio da imediação da prova. Este princípio assume particular relevo quando o julgamento é o único momento em que o Magistrado Judicial está perante o arguido e as testemunhas, vendo-lhe os trejeitos, a forma de estar e de agir.

22 - Por essa razão e por outras que Vªs. Exªs. mui doutamente suprirão deverá o acórdão objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que admita como válida a tese proposta pelo aqui Recorrente.

23 - Interpretação distinta é, entendemos, inconstitucional.

- inconstitucionalidade por violação das regras relativas à composição do tribunal, por violação do Princípio da imediação da prova e por violação do direito a uma defesa efectiva, por contrária ao disposto nos artigos 18º, 20º e 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – pode o tribunal colectivo ser constituído por dois magistrados judiciais em sala e um a assistir via plataforma webex as declarações prestadas por arguidos e testemunhas apresentadas pela acusação.

24 - O Princípio da imediação da prova não se efectiva com audição das declarações prestadas pelos arguidos e testemunhas apresentadas pela acusação por um juiz que assiste ao julgamento através de plataforma electrónica.

25 - Inconstitucionalidade essa que se invoca e que deve ser declara, com todas as consequências legais.

26 - No recurso identificado em 8-D) dos presentes autos o Recorrente salienta que no Tribunal de Primeira Instância o Mmº. Senhor Juiz Presidente decidiu, sem mais, alterar a produção da prova. A alteração é admitida por lei obedecendo a regras e não à vontade exclusiva do julgador.

27 - Por essa razão e outras que Vªs. Exªs. mui doutamente suprirão deverá ser revogado o despacho proferido, declarando-se a ilegalidade, com todas as consequências legais.

28 - De salientar, ainda, que posição distinta configura inconstitucionalidade.

- inconstitucionalidade do artigo 341º do CPP por violação do disposto nos artigos 18º, 20º e 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – não é necessária a audição das partes nem despacho fundamentado para a alteração da produção da prova.

29 - A prova é produzida nos termos previstos na lei. A alteração da sua produção está dependente da anuição das partes e de despacho fundamentado. Ora, tal facto configura ilegalidade – artigo 118º do CPP.

30 - No recurso identificado em 8-E) dos presentes autos o Recorrente salienta que arrolou testemunhas, nos termos e prazos previstos no artigo 315º do CPP. Foram admitidas 20 das testemunhas indicadas.

31 - Uma das testemunhas admitidas não foi notificada e não foi ouvida em sede de julgamento apesar da manutenção da intenção de proceder à inquirição avançada pelo Recorrente.

32 - Ora, não se entende a posição assumida pelo Tribunal. Não se entende porque as testemunhas não são admitidas e depois não ouvidas ao bel prazer do Tribunal.

33 - O arguido tem direito a ouvir as testemunhas por si apresentadas. A não audição viola claramente o direito de defesa do arguido, entre o mais.

34 - Por esta razão e por outras que Vªs. Exªs. mui doutamente suprirão deverá o Acórdão proferido ser revogado e substituído por outro que admita a inquirição da testemunha, com todas as consequências legais.

35 - Caso assim se não entenda parece-nos evidente a verificação de inconstitucionalidade.

- inconstitucionalidade do artigo 315º do CPP por violação do previsto nos artigos 18º, 20 e 32º da CRP, com a interpretação que lhe foi dada no sentido de que – apesar de não ter sido notificada uma testemunha pode o Colectivo de Juízes (depois de por despacho admitir a inquirição de testemunha) inviabilizar a sua inquirição por alegadamente não ter sido encontrada ou por não ser relevante para a descoberta da verdade material (conclusão apenas possível após a sua inquirição).

36 - Salvo melhor e mais douta opinião, sabemos que não pode o Tribunal admitir e depois recusar a inquirição de uma testemunha, sem mais…(dos autos não resulta uma única notificação – enviar carta é uma realidade a carta ser entregue é outra – dos autos não resulta que tenha chegado à testemunha qualquer comunicação para comparecer. Sendo assim é inconstitucional a interpretação proposta. Inconstitucionalidade que deve ser declara.

37 - Para além das questões supra elencadas outras há que merecem nova apreciação.

38 - O ora Recorrente entende que nos presentes autos foi claramente violado o Princípio do Contraditório. Tal violação configura nulidade que deverá ser declarada, com todas as consequências legais.

39 - A presente questão já foi levantada em sede de contestação e motivações de recurso (sem esquecer o requerimento de abertura de instrução).

40 - Conforme resulta evidente da leitura da acusação/pronúncia, para onde se remete, é evidente que o arguido se depara com um conjunto de alegadas vendas, não acompanhadas da indicação de hora, dia, mês, local. Sem esses elementos o arguido, aqui Recorrente, fica impedido de se defender. Falamos de uma defesa plena e efectiva.

41 - A indicação de ano (2018, 2019 e 15 de Setembro de 2020) não é bastante para possibilitar a concretização efectiva do princípio do contraditório. Sobre a matéria leia-se Acórdão proferido nos presentes autos por esse Venerando Tribunal, com certificação via Citius a 26/01/2021 – 1ª Subsecção – Processo nº.: 159/19. 3 T9FAR – C. E1 – Recurso Penal, com a referência .....40.

42 - Da acusação / pronúncia resulta evidente a falta de indicação relativa a datas, compradores, número de vendas, motivação e proventos obtidos.

43 - Tal insuficiência redunda na violação do direito de defesa do arguido e configura gravíssima ofensa aos direitos constitucionais do arguido – artigo 32º da CRP, o que deverá ser declarado com todas as consequências legais, nomeadamente com a revogação do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.

44 - Quanto à matéria proposta em sede de recurso – Vício do artigo 410º, nº. 2, al b) do CPP o Tribunal a quo limita-se a remeter para a “critica feita ao acórdão revidendo pelos arguidos/recorrentes GG e BB.” Concluindo em quatro linhas que não se verifica o vício identificado. Ora, com tal posicionamento não pode o aqui Recorrente conformar-se.

45 - O Recorrente deu entrada do seu recurso, apresentou as suas motivações e conclusões (não as dos arguidos GG e BB), formulou questões e apresentou especificidades. O Recurso é um direito do arguido. O Acórdão objecto do recurso proposto é uma consequência dos factos elencados. A inexistência / insuficiência da resposta configura omissão de pronúncia. A omissão de pronúncia configura nulidade, Nulidade essa que ora se invoca para todos os efeitos legais.

46 - Refere o Recorrente em sede de motivações e conclusões de recurso que o Acórdão proferido em primeira instância padece de nulidade por violação do disposto no nº. 2, do artigo 374º e do artigo 379º, nº. 1, al. a) ambos do CPP, por falta ou insuficiência do exame crítico das provas que alegadamente contribuíram para formar a convicção do Tribunal.

47 - Salientou o Recorrente que não consegue perceber, relativamente à factualidade dada como provada, a forma como a mesma foi apurada, a sua fundamentação. Não consegue perceber o raciocínio lógico, as premissas e os fundamentos que determinaram a indicação destes factos na qualidade de factos provados. Mais não consegue alcançar, porque não foi indicado, o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

48 - Esta limitação é séria e impossibilita de forma evidente a construção de uma argumentação coerente e credível e, por conseguinte, o verdadeiro exercício do direito ao recurso, na sua plenitude e concretização pretendidas.

49 - Atento o já referido desconhecimento das razões de ciência, das provas, dos elementos essências para a formação da convicção do Tribunal, dos fundamentos e da análise crítica dos depoimentos, para além do mais sempre se dirá que se verifica clara violação do disposto no nº. 2, do artigo 374º do Código de Processo Penal. Ilegalidade essa que configura nulidade, por violação expressa das leis do processo, que aqui se invoca por tempestiva, com todas as consequências legais.

50 - É evidente, para o ora Recorrente, que o Tribunal se limitou a repetir quase na íntegra os factos indicados na acusação pública / pronúncia.

51 - A factualidade dada como provada é quase omissa quanto a:

- factos invocados em sede de contestação;

- factos relativos à condição social, profissional e familiar do arguido.

52 - Da leitura do acórdão temos que conseguir perceber que as provas A, B e C foram determinantes para a prova do facto X, exercício que tem que ser efectuado e repetido para todos os factos, ainda que se admita que, de uma só vez, e com base nas mesmas provas se entendam provados mais do que um facto.

53 - Apesar da previsão do legislador a verdade é que não foi essa a linha seguida pelo Tribunal a quo. E também não foi a linha seguida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.

54 - Aliás, do que resulta da leitura do texto apresentado o que se faz é colocar pela negativa todas as afirmações propostas pelo Recorrente, concluindo-se pela sua não verificação e, em consequência pela improcedência do alegado.

55 - Acredita o Recorrente que necessário seria uma análise dos elementos apresentados e a fundamentação para a sua não aceitação, o que, salvo melhor e mais douto entendimento não se verifica. Não tendo sido analisada a questão proposta será de concluir pela verificação de nulidade por omissão de pronúncia, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais. Assim, deverá o Acórdão recorrido ser revogado com a consequente baixa dos autos para prolação de nova decisão.

56 - O Recorrente considera que se mostra violado o princípio do contraditório e a direito a uma defesa plena e efectiva.

57 - Senão vejamos, o arguido tem indicadas alegadas vendas nos anos de 2018 a 15 de Setembro de 2021. Será essa indicação suficiente para uma defesa plena e efectiva? Parece-nos evidente que não. Por essa razão sujeita a questão à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça.

58 - Da acusação proferida não resultam factos que permitam aferir da motivação do arguido e, bem assim, das circunstâncias em que os factos ocorreram (data, número de vendas, local, proventos…), ao arrepio do disposto na alínea b), nº.3, artigo 283º do Código de Processo Penal. Da acusação resulta impossível perceber quando, onde e a quem o Recorrente vendeu cocaína.

59 - Sobre a matéria releia-se Acórdão proferido nos presentes autos por esse Venerando Tribunal, com certificação via Citius a 26/01/2021 – 1ª Subsecção – Processo nº.: 159/19. 3 T9FAR – C. E1 – Recurso Penal, com a referência 7110040.

60 - Tendo em atenção as decisões proferidas por esse mui douto Tribunal relativamente à necessidade de identificação (pelo menos aproximada) da data das vendas, dos compradores, do produto vendido, do rendimento obtido…notório é que mal andou o Tribunal a quo. Assim, deverá a decisão ser revogada com todas as consequências legais.

61 - Interpretação distinta é inconstitucional.

-Inconstitucionalidade resultante da interpretação da alínea b), do nº. 3, do artigo 283º do CPP quando interpretada no sentido de que é suficiente a indicação de vendas no período compreendido entre o ano de 2018 e 15 de Setembro de 2021 – em confronto com os artigos 18º, 20º e 32º da CRP. Inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.

62 - Também não se consegue entender que, com vendas avaliadas em 2060,00 € e valor apreendido de 13.000,00 €, se entenda que todo o dinheiro é proveniente da venda de produto estupefaciente, com a consequência perda desse valor a favor do Estado. De onde provêm os restantes 10.940,00 €? Há provas que indiciem a sua obtenção através da venda de produto estupefaciente? A resposta é não. Cabia ao Tribunal produzir essa prova? A resposta é sim.

63 - Dizer-se que o valor remanescente é proveniente de venda de produto estupefaciente redunda em clara suposição, com violação óbvia dos mais elementares princípios que conformam a lei. Com a resposta às perguntas indicadas necessário será ordenar a devolução ao Recorrente do valor identificado – 10.940,00 €, o que se requer.

64 - Pelo supra exposto é notória a violação do Princípio in dúbio pro reo e o princípio da presunção de inocência, o que se invoca.

65 - Também não se conforma o Recorrente com o entendimento relativo à utilização dos metadados. Na investigação dos presentes autos recorreu-se à utilização de metadados. Tal utilização foi declarada inconstitucional por acórdão com força obrigatória geral. Assim, deverá a questão indicada ser apreciada, com todas as consequências legais, sob pena de violação do determinado pelo Tribunal Constitucional.

66 - Relativamente ao enquadramento jurídico-penal da conduta do Recorrente, fala-se de um crime de tráfico previsto e punível pelo disposto no nº. 1, do artigo 21º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro.

67 - Importa, assim, em síntese, para preenchimento do tipo que, por acção do agente, pratique algum ou alguns dos actos previstos no artigo 21º do identificado Decreto-Lei.

68 - Vejamos, então, qual a factualidade dada como provada – pontos 137, 140, e 141 do Acórdão proferido em primeira instância.

69 - Analisados os factos temos que o arguido tinha na sua posse cocaína. Temos vendas espalhas pelos anos de 2018, 2019 e 2020. Falamos em 45 (quarenta e cinco) alegadas vendas. Temos vendas sem identificação de data e local o que inviabiliza o exercício de defesa plena e efectiva. Temos vendas sem identificação de data e local o que redunda em violação do disposto no artigo 32º da CRP. Temos vendas sem identificação de data e local o que viola o Princípio do Contraditório.

70 - Tal constatação deverá necessariamente determinar a revogação do Acórdão proferido, com todas as consequências legais.

71 - Temos o arguido na posse de produto estupefaciente. Será essa detenção suficiente para preencher o tipo previsto e punido no artigo 21º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro? Parece-nos que não.

72 - Assim, tendo em atenção a factualidade dada como provada a conduta do arguido preenche o tipo legal previsto na al. a), do artigo 25º, do Decreto – Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

73 - A esse crime corresponde uma pena que vai até cinco anos pelo que nunca poderia o arguido ser condenado a uma pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo necessário enquadrar os factos e atender à moldura penal aplicável – pena até cinco anos.

74 - Assim nos prestes autos temos:

- apreensão de cocaína;

- vendas no ano de 2018, 2019 e 2020, em número de 45 (quarenta e cinco) algumas doses vendidas a 20 €, outras a 40 € e ainda outras a 50 €, sem identificação sequer do mês em que alegadamente ocorreram;

- 13.000 € de alegados proventos obtidos com a venda de produto estupefaciente.

75 - Quanto às vendas já falamos não podendo nenhuma ser considerada, atenta a violação dos princípios supra indicados.

76 - Quanto ao valor apreendido sempre se dirá que, mesmo que as vendas fossem consideradas provadas a verdade é que o número de vendas e o produto vendido não chega ao valor apreendido. Valor das vendas: 2060,00 € / Valor apreendido: 13.000, 00 €

77 - Assim, pelo menos, 10.940,00 € não é dinheiro proveniente da venda de produto estupefaciente, o que determina a incorrecção da matéria de facto dada como provada e a consequente necessidade de devolução do valor apreendido ao arguido, ora Recorrente.

78 - Atenta a factualidade indiciada e a factualidade dada como provada quer no que se refere às alegadas vendas, notório é que foi mal efectuada a qualificação jurídica, pelo que deve o acórdão proferido ser revogado.

79 - Para além do mais sempre se dirá que a pena aplicada é em toda a linha desproporcional à conduta do agente.

80 - O Recorrente foi condenado na pena de 9 (nove) e 6 (seis) meses, pela prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido nos termos do disposto no nº. 1, do artigo 21º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro. Entende o Recorrente que, mesmo em face da factualidade dada como provada a pena aplicada é desadequada, por excessiva.

81- Por a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, a pena aplicada é absolutamente desproporcional.

82 - A pena aplicada contraria o espírito do legislador que criou uma válvula de escape para situações que sendo crime não são compatíveis com a factualidade dada como provada.

83 - Por essa razão deverá o acórdão objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que respeite a vontade do legislador, o enquadramento legal definido, a proporcionalidade e os fins das penas.

84 - Veja-se que para além da factualidade que determinará a condenação outros factos há que têm que ser levados em conta quando a decisão a tomar diz respeito à medida da pena. Fazemos referência a factos relacionados com a situação pessoal, profissional e social do arguido à data dos factos.

85 - Com os elementos constantes do processo e com os argumentos aqui aduzidos, com os fins definidos relativamente às penas (a sua razão de ser e os seus objectivos) parece-nos ser de aplicar ao arguido uma pena muito próxima dos limites mínimos, o que se requer, por ser de justiça!

86 - Outra questão que se coloca é a incorrecta interpretação da posição assumida pelo Mui Digno Magistrado do Ministério Público. Em sede de relatório, fls. …, ponto 4, referem os Colendos Senhores Juízes Desembargadores que: “O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu às motivações de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.” Ora, tal não corresponde ao que resulta da leitura do processo.

87 - O Mui Digno Magistrado Público junto do Tribunal de primeira instância pugnou pela aplicação de penas inferiores às determinadas, o que pressupõe um ponto de partida distinto do constante no acórdão recorrido.

88 - Entende o aqui Recorrente que, no acórdão, objecto do presente recurso se mostra claramente violado o disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal.

89 - A culpa é necessariamente o limite da pena.

90 - Mesmo a entender-se como certa e verdadeira toda a factualidade indicada no aliás douto acórdão, necessário seria concluir pela:

- evidente preparação do arguido para manter uma conduta licita;

- notória integração social, com respeito pelos valores, regras e Direito.

91 - Por força do disposto no nº. 1 e 2, alíneas c) e d) do artigo 72º, deveria a pena aplicada ter sido especialmente atenuada, o que in casu não se verificou.

92 - Obviamente o aqui Recorrente discorda da pena aplicada.

93 - Já sem falar na incorrecta qualificação jurídica, sempre se dirá que se os factos apurados são relevantes para a determinação da pena a aplicar a verdade é que para além deste episódio, existe um momento posterior e um momento anterior, ou seja, existe um indivíduo que o Tribunal também entendeu estar social, familiar e profissionalmente integrado.

94 - Note-se o que, sobre esta matéria, refere o acórdão objecto do presente recurso:

-o arguido tem casa;

-o arguido tem família;

-o arguido tem trabalho;

-o arguido é estimado por todos com quem priva;

-o arguido não tem averbamentos no seu certificado de registo criminal.

95- O aqui Recorrente é um profissional atento e cumpridor, é um bom pai de família, é tido como honesto, leal e amigo. É o elemento primordial no agregado familiar directo e na família de origem, a quem se dedica com grande cuidado e preocupação. É respeitado por amigos e demais comunidade como quem directamente lida, sendo sempre acarinhado.

96 - Na determinação da pena devem, ainda, atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas a) a f), do nº. 2, do artigo 71º do supra citado diploma legal.

97 - Mais deveria ter-se atendido ao facto de o arguido ser um homem trabalhador, mostrando vontade em prover pelo sustento da sua família. Mostra-se também absolutamente integrado e tem um comportamento socialmente irrepreensível o que tem determinado a angariação de respeito de toda uma comunidade. Nunca foi indiciado ou acusado pela prática de qualquer crime. Não tem qualquer averbamento no seu certificado de registo criminal.

98 - Em face destes elementos é nosso entendimento que a aplicação de uma pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão é de forma clara e evidente excessiva e desadequada, não satisfazendo nem o Direito nem a Justiça!

99 - No crime p. e p. pelo artigo 21º, nº.1, do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, falamos de um mínimo de 4 (quatro) e de um máximo de 12 (doze). A pena aplicada é em todo próxima do limite máximo. A pena aplicada é a negação do princípio da culpa e a incorrecta avaliação da censura. A pena aplicada é claramente a negação dos fins das penas.

100 - Tendo em atenção as circunstâncias descritas nos autos e, aceitando-as como verdadeiras, sempre seria de aplicar uma pena muito próxima dos limites mínimos suspensa na sua execução. O arguido admite a sujeição a vigilância electrónica.

101 - Analisados os factos temos:

-um arguido sem antecedentes criminais. -um arguido inserido socialmente.

-um arguido inserido familiarmente.

-um arguido inserido profissionalmente.

102 - Temos o arguido na posse de cocaína. A detenção preenche o tipo previsto no artigo 21º - tipo matricial.

103 - Porém, como bem se pode ler no douto Acórdão proferido nospresentes autos por esse Venerando Tribunal, com certificação via Citius a 26/01/2021 – 1ª Subsecção – Processo nº.: 159/19. 3 T9FAR – C. E1 – Recurso Penal, com a referência 7110040, estamos perante a prática pelo arguido de um crime de menor gravidade, previsto e punido pelo disposto no artigo 25º, al. a) do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro e não do crime de tráfico do artigo 21º, nº. 1, do identificado diploma legal.

104 - Aqui chegados temos que considerar:

- a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, a ausência de vendas efectivadas.

105 - Face ao que se vem de dizer, impõe que se conclua mostrar-se indiciada a prática pelo arguido de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a), do Dec. Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, e não pelo crime de tráfico do artº. 21º, nº. 1, do Dec. Lei nº. 15/93.

106 - Dos autos resulta:

- diminuição considerável da ilicitude do facto.

- modus operandi simples;

- recurso a meios sem qualquer sofisticação;

- actuação solitária, sem qualquer estrutura organizada; -sem contactos ou vendas efectivadas ou programadas.

107 - Sabendo que a necessidade de prevenção geral é um facto, na fixação da medida concreta da pena, pondera-se que o arguido é de condição social modesta, a viver com a família, com actividade profissional regular, pelo que se julga adequada a aplicação de pena muito próxima dos seus limites mínimos, suspensa na sua execução. Tendo em atenção as penas aplicas a co-arguidos nos presentes autos é notória a violação do Princípio da Proporcionalidade.

108 - Resulta, ainda, mais evidente essa desproporcionalidade quando analisada em função do Processo nº.: 325/20. ...

Arguido: HH Juiz 5 – Tribunal de ...

Nesse processo o arguido foi condenado a uma pena de 6 anos e 6 meses pela prática do crime p. e p, pelo artigo 21º, nº.1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro. Este arguido foi condenado, em síntese, pelo envolvimento no tráfico de duas toneladas de cocaína….decisão já confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21-09-2011.

109 - A pena aplicada contraria claramente os fins das penas. Reintegração social? 9 anos e 6 meses? Onde? Como? – Impossível.

110 - O arguido, aqui Recorrente precisa de uma nova oportunidade. Precisa que o Tribunal entenda que é capaz de manter uma conduta licita e que a prisão preventiva já sofrida (três anos) é de molde a mantê-lo afastado da realidade descrita no processo.

111 - Um incumprimento por uma oportunidade, é o que se pede.

112 - Por essa razão deverá o acórdão objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que respeite a vontade do legislador, o enquadramento legal definido, a proporcionalidade e os fins das penas

113 - Entende o aqui Recorrente que foram violadas ou mal interpretadas as seguintes disposições legais:

- artigo 61º; -artigo 118º; -artigo 120º; -artigo 122º; -artigo 123º; -artigo 127º -artigo 141º; -artigo 283º -artigo 297º; -artigo 312º; -artigo 315º; -artigo 317º -artigo 328º; -artigo 331º;

- artigo 340º e,

- artigo 374º, Todos do CPP.

- artigo 21º,

-artigo 25º, ambos do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

-artigo 86º, da Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro

-artigo 18º; -artigo 20º;

-artigo 29º e, -artigo 32º Todos da Constituição da República Portuguesa

- artigo 6º da CEDH

114 - Mais violou os seguintes princípios, deveres e direitos: -Princípio In dubio pro Réu;

- Princípio da Legalidade;

- Princípio do Contraditório;

Princípio da livre apreciação da prova; -Garantias de defesa;

- Direito a uma defesa efectiva e plena; -Direito a intervir no processo;

- Direito a ter um juiz que ouve as razões das partes; -Direito a uma tutela jurisdicional efectiva;

- Princípio da Proporcionalidade; -Princípio da Imediação.

115 - Assim, atenta a matéria constante dos autos e, ainda, a demais prova carreada, com especial relevo para a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, entende o aqui Recorrente que deverá:

A) - ser revogado o douto Acórdão objecto do presente recurso;

B) - ser ordenada a baixa dos autos atenta a verificação dos vícios processuais invocados;

ou caso assim se não entenda,

C) - ser proferido acórdão que condene o arguido pela prática do crime previsto no nº. 1, do artigo 25º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com pena muito próxima dos limites mínimos, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova.

ainda, caso assim se não entenda,

D) - deverá condenar-se o arguido pela prática do crime previsto e punido nos termos do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, em pena próxima dos limites mínimos, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova.

E) - Deverá, por fim, ser devolvida ao arguido a quantia monetária correspondente a 10 940,00 €, diferença entre o valor apreendido (13.000,00€) e o valor das alegadas vendas (2.060,00€).

fazendo-se, assim, Justiça!

116 - O arguido, ora Recorrente pede uma oportunidade!

Termos em que,

sempre com o melhor e mais douto suprimento de Vªs. Exªs. deverá ser considerado procedente por provado o presente recurso:

- ser ordenada a baixa dos autos atenta a verificação dos

Vícios processuais invocados;

- ser o arguido absolvido da prática do crime de que vem acusado;

ou caso assim se não entenda,

-ser proferido acórdão que condene o arguido pela prática do crime previsto no nº. 1, do artigo 25º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com pena muito próxima dos limites mínimos, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova.

ainda, caso assim se não entenda,

-condenar-se o arguido pela prática do crime previsto e punido nos termos do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, em pena próxima dos limites mínimos, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova.

Deverá, também, ser devolvida ao arguido a quantia

Monetária correspondente a 10 940,00 €, diferença entre o valor

apreendido (13.000,00€) e o valor das alegadas vendas (2.060,00€).

3. Por despacho do Senhor Desembargador titular, de 10/08/2023, foi tal recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. Em 18/08/2023, o Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso do arguido, sustentando que não merecia provimento, devendo, em consequência, manter-se o acórdão do Tribunal da Relação, que não violou qualquer norma jurídica.

5. Por seu turno, neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 25/01/2024, douto e desenvolvido parecer, na sequência do qual defende, em resumo, que o recurso deve ser parcialmente rejeitado e, no mais, julgado improcedente.

Observado o contraditório, o recorrente respondeu, em 07/02/2024, ao parecer do Ministério Público, manifestando a sua discordância e reafirmando os termos do recurso que interpôs.

6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

Considerando o conteúdo das extensas Conclusões apresentadas (mais de 100!!), que delimitam, conforme é conhecido, o objeto do recurso, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso, o recorrente coloca múltiplas e variadas questões, todas elas já integrantes do recurso interposto do acórdão da 1ª instância, e, por conseguinte, analisadas e decididas no acórdão recorrido, cuja reapreciação, pelo menos, de algumas delas, estará vedada, como mais à frente se verá.

Mas, num esforço para resumir, temos, então:

- Decisões sobre os recursos dos despachos interlocutórios, interpostos em 07/04/2022, 04/05/2022 (2), 27/06/2022 e 08/08/2022 (Conclusões 8 A e 11 a 15, 8 B e 16 a 20, 8 C e 21 a 25, 8 D e 26 a 29 e 8 E e 30 a 36);

- Nulidades do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre o invocado vício previsto no art. 410.º n.º 1 b), do C.P.P., por violação do princípio do contraditório e do direito a uma defesa efetiva, por violação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., em razão da falta ou insuficiência do exame crítico das provas que contribuíram para formar a convicção do Tribunal, por violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência e pela utilização de metadados na investigação.

-Qualificação jurídica dos factos; e

- Medida concreta da pena:

III. Fundamentação

1. Na parte que ora releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido (Transcrição):

(…)

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

(…)

XV

Arguido AA

137) O arguido AA, pelo menos no período temporal compreendido entre o ano de 2018 e 15 de Setembro de 2020 (data da sua detenção), vendeu cocaína aos seguintes consumidores:

- No ano de 2020 vendeu a II, pelo menos em 5 ocasiões distintas, 50€ de cocaína, de cada vez;

- No ano de 2019, vendeu a JJ, por uma vez, 50€ de cocaína;

- Desde, pelo menos, o ano de 2018, vendeu a KK, em cinco ocasiões distintas, cocaína, no mínimo por 40€, de cada vez;

- Durante os anos de 2019 a 2020, vendeu a LL, em vinte ocasiões distintas, 50€ de cocaína, de cada vez;

- No ano de 2019 vendeu a MM, por uma vez, 50€ de cocaína;

- No ano de 2020 vendeu a NN, pelo menos por uma vez, 50€ de cocaína;

- No ano de 2020 vendeu a OO, em pelo menos cinco ocasiões diferentes, 40€ de cocaína, de cada vez;

- No ano de 2020 vendeu a PP, em pelo menos quatro ocasiões distintas, 50€ de cocaína, de cada vez;

- No ano de 2020 vendeu a QQ, em pelo menos três ocasiões diferentes, 20€ de cocaína, de cada vez.

138) No dia 15 de Setembro de 2020, cerca das 16H00, o arguido AA trazia consigo:

→ 1 (uma) embalagem de cocaína, com o peso líquido de 50.007g, grau de pureza de 63,5%, equivalente a 158 doses individuais, para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 68 embalagens com cocaína, com o peso líquido total de 115.831g gramas, sendo 8 delas com um grau de pureza 72,1% equivalente a 216 doses individuais, e as remanescentes 60 com um grau de pureza de 44,9%, equivalente a 125 doses individuais, perfazendo um total de 341 doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente.

139) Nesse mesmo dia, cerca das 16H20, na sua residência, sita em ..., 8375, ..., o arguido AA detinha os seguintes objetos:

→ 2 (duas) embalagens de cocaína com o peso líquido total de 1982.00 gramas, grau de pureza de 89,2%, equivalente a 8839 doses individuais, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 110 (cento e dez) munições;

→ 2 (duas) embalagens de cocaína com o peso líquido total de 200.152 gramas, grau de pureza de 97,8%, equivalente a 978 doses individuais, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 1 (um) saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 191.000 gramas, grau de pureza de 92,2%, equivalente a 880 doses individuais, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 1 (um) saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 32.916 gramas, grau de pureza de 46,5%, equivalente a 76 doses individuais, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 1 (um) saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 265.000 gramas, grau de pureza de 30,4%, equivalente a 402 doses individuais, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente;

→ 1 (um) saco de plástico com paracetamol, com peso líquido total de 899.000 gramas, para manipulação de doses individuais de cocaína;

→ A quantia monetária de 13.000€, proveniente da venda de cocaína; → 5 (cinco) telemóveis.

140) O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, queria deter para vender, como o fez, cocaína, sem estar autorizado para o efeito.

141) O arguido AA não é titular de licença que lhe permitisse deter munições para arma de fogo e, não obstante, quis detê-las, como o fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

142) O arguido AA utilizou os telemóveis com os Imeis ............00, ............66 e .............30 para aceitar e ajustar as vendas de produtos estupefacientes aos consumidores.

143) O arguido AA prestou serviço por conta de «L... unipessoal, Lda».

144) O arguido AA é considerado e estimado por todos com quem priva.

145) O arguido AA, nacional de ..., está em ... há cerca de 24 anos; Vive com a companheira RR há cerca de 9 anos e têm uma filha em comum.

146) O arguido AA nada tem averbado no seu certificado do registo criminal.

(…)

Recurso interposto pelo arguido AA do acórdão condenatório

Nulidade da acusação

O recorrente AA coincide quase integralmente nas suas críticas ao despacho de pronúncia e acórdão recorrido com a censura que lhes faz o também recorrente BB.

Assim, para evitar repetições inúteis, dá-se por reproduzida toda a fundamentação genérica que é comum, incidindo a apreciação agora apenas sobre as questões específicas deste recorrente que assinaladas se mostram.

Analisemos, então.

Refere o arguido que a “acusação/pronúncia” descreve um conjunto de “alegadas vendas”, não acompanhadas da indicação de hora, dia, mês e local onde ocorreram.

Mas, como se disse retro, ultrapassado está, com o despacho de pronúncia, o momento do conhecimento da verificação (ou não) dos requisitos da acusação, pelo que não ocorre violação do princípio da legalidade ou das normas contidas no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, improcede o recurso neste segmento.

Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP

Considera o arguido “que se verificam evidentes contradições entre a matéria de facto dada como provada, a matéria de facto dada como não provada, os critérios de formação da convicção do Tribunal, e a sujeição dos factos ao direito.”

Esta afirmação coincide com a crítica feita ao acórdão revidendo pelos arguidos/recorrentes GG e BB.

Assim, damos por reproduzido o que a propósito se explicitou, não o repetindo por integrar acto inútil e, por isso, proibido.

Não verificado está, pois, o vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP.

Nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP

Entende o recorrente, que o tribunal recorrido alterou a factualidade relativa ao crime de detenção de arma proibida por que vinha pronunciado e condenou-o, sem que a alteração lhe tivesse sido previamente comunicada para apresentar, querendo, a sua defesa.

Estabelece-se no artigo 358º, do CPP:

“1- Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”

E, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, é nula a sentença (ou acórdão) que condenar por factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.

Ora, foi o arguido pronunciado pela detenção de dois revólveres de calibre .38/.22 e 110 (cento e dez) munições, narrando-se também que o arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei, querendo deter revólveres e munições, sem estar legalmente habilitado, enquadrando-se essa conduta em um crime de detenção de arma proibida (previsto e punível pelas alíneas c) e d) do nº 1 do art. 86º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na sua versão atualizada.

O tribunal veio a condenar o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e), da Lei nº 5/2006, de 23/02, com fundamento na seguinte factualidade dada como provada: o arguido detinha 110 (cento e dez) munições

(…) o arguido AA não é titular de licença que lhe permitisse deter munições para arma de fogo e, não obstante, quis detê-las, como o fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Tendo sido dado como não provado no acórdão sob crítica: que o arguido AA detivesse dois revólveres de calibre .38/.22, susceptíveis de serem registados e legalizados; que o arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, querendo deter revólveres, sem estar legalmente habilitado.

Pois bem.

Alteração relevante da factualidade constante do despacho de pronúncia não existiu, pois, o tribunal recorrido limitou-se a considerar não provados factos que do mesmo constavam descritos, o que aquela não integra e a condenar por factos que nele se narravam.

A comunicação apresenta-se desprovida de utilidade para a estratégia da defesa do arguido, pois nesta não tem repercussão, uma vez que que os factos considerados como provados consistem numa mera redução daqueles que foram descritos na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos desta constantes – neste sentido vd. Ac. do Tribunal Constitucional nº 330/97, disponível no sítio respectivo.

Por outro lado, não se impõe a comunicação quando a alteração da qualificação jurídica resulta na imputação ao arguido de uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, sendo o bem jurídico protegido o mesmo, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar.

E, no que concerne à dosimetria penal inexiste agravação, sendo a moldura penal abstracta aplicável até mais branda.

De onde, não se verifica violação do artigo 358º, nºs 1 e 3, do CPP, nem do princípio do acusatório pela Lei Fundamental tutelado, não enfermando o acórdão da invocada nulidade, pelo que improcede o recurso neste segmento.

Isto sem prejuízo do que infra se decidirá quanto ao enquadramento jurídico penal dessa factualidade considerada assente.

Nulidade do acórdão por falta de fundamentação/omissão do exame crítico das provas/não descrição de factos constantes da contestação ou resultantes da discussão da causa

Refere o recorrente que o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do consagrado nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), do CPP, por falta ou insuficiência do exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal a quo.

Ora, percorrendo a decisão em causa, constata-se que se descrevem os factos provados relativos ao recorrente (e outros), a menção dos não provados, a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, desde logo aqueles em que assentou essa convicção e, de forma límpida e bem desenvolvida, o exame crítico dos respectivos meios de prova, com elucidação sobre a sua credibilidade, concretamente no que tange aos depoimentos prestados, bem como a menção às transcrições das conversações telefónicas interceptadas e Relatos de Diligência Externa que para essa convicção contribuíram

Também se explicita de forma detalhada o raciocínio lógico-dedutivo que, alicerçado nesses elementos probatórios, resultou que tinham de considerar-se como assentes os factos, nos termos em que assim se mostram.

Face ao que, a decisão revidenda não enferma de nulidade por falta de fundamentação.

Aduz ainda o recorrente que a factualidade dada como provada é “quase omissa quanto a factos invocados em sede de contestação”, bem como “a factos relativos à condição social, profissional e familiar do arguido”, reportando-se ao valor apreendido nos autos que justificou ser proveniente da venda de um veículo automóvel e bem assim quanto à alegação de ter permanecido por períodos no estrangeiro, durante os anos em que se terão processado as ditas vendas, o que considera estar comprovado por documentos que juntou.

No que tange à venda do veículo e seu valor e bem assim às permanências no estrangeiro, lida e relida a contestação que apresentou em 29/01/2022, concluímos que da mesma não constam factos que com qualquer delas se prendam.

Já quanto à factualidade relativa ao” trabalho do arguido antes dos factos, trabalho do arguido à data dos factos” e sua integração social, familiar e profissional, acrescenta que está comprovada pelos documentos juntos com a contestação, pelos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento e pelo teor do relatório social.

Na contestação, quanto a factos relativos à condição social, profissional e familiar, refere o arguido ser “considerado e estimado por todos com quem priva”; “trabalha e é essencial no sustento da casa”; “está social e profissionalmente inserido”; à data dos factos trabalhava no departamento de logística da empresa “L... unipessoal, Lda”; antes de dar entrada no estabelecimento Prisional vivia com a companheira e filho de ambos; é um homem de família.

O tribunal recorrido deu como provado:

O arguido AA prestou serviço por conta de «L... unipessoal, Lda».

O arguido AA é considerado e estimado por todos com quem priva.

O arguido AA, nacional de ..., está em ... há cerca de 24 anos; Vive com a companheira RR há cerca de 9 anos e têm uma filha em comum.

Não se vê que tenham sido omitidos, quer nos factos provados, quer nos não provados, da decisão revidenda, quaisquer factos aduzidos pelo recorrente na contestação relevantes para a decisão da questão da culpabilidade ou da determinação da sanção.

Assim sendo, também se não verifica, por ausência de inclusão de factualidade relevante nos factos provados ou não menção nos não provados, a nulidade do acórdão por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia, previstas no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c), do CPP, respectivamente.

Violação do princípio do contraditório e do direito de defesa

Considera o recorrente que a descrição das (por si denominadas “alegadas”) vendas, quando não constam narrados a hora, dia, mês e local, da ocorrência, impede o exercício do seu direito de defesa, violando também o princípio do contraditório.

Lida a factualidade que provada se mostra, resulta que os factos dados como provados estão enquadrados, a título introdutório, no período temporal compreendido entre o ano de 2018 e 15 de Setembro de 2020.

Certo que não se indicam as datas precisas das cedências de produto estupefaciente, mas indicam-se o ano ou anos respectivos; identificam-se cabalmente cada um dos compradores; descreve-se qual o produto (cocaína); o número de vendas a que procedeu o arguido, a cada um deles e qual a contrapartida monetária dessas cedências, como também constava do despacho de pronúncia.

Resulta, destarte, claro, que dos factos provados da decisão revidenda não constam apenas “imputações genéricas”, pelo que não ocorre violação do princípio do contraditório, nem do direito de defesa do recorrente, não tendo sido postergadas as normas contidas no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

Impugnação da matéria de facto/violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência/violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP/utilização de metadados na investigação

O recorrente discorda da matéria de facto dada como provada nos pontos 136, 137, 139 (quanto à quantia monetária de 13.000 euros ser proveniente da venda de cocaína), 140 (no segmento: como o fez) e 141, mas sem fazer apelo à prova gravada ou a qualquer dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do CPP, divergindo, entre o mais que também se verá, a própria convicção pessoal sobre a prova produzida em audiência daquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, sendo certo que, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Vejamos.

No que tange ao facto vertido no ponto 136, certamente que está o recorrente em erro, pois esse ponto tem a seguinte redacção: O arguido SS nada tem averbado no seu certificado do registo criminal. Daí que não tem a ver com o ora recorrente AA.

Mas, presumindo que se está a referir à factualidade dada como assente no ponto 137, aduz o arguido que “da acusação /pronúncia não resulta indicação de data ou local da venda. A não indicação de tais elementos inviabiliza uma defesa efectiva. Contraria o Princípio do Contraditório e viola o disposto no artigo 32º da CRP.”

Já deixámos retro explicitado que inexiste a violação apontada e que os factos descritos não se apresentam como “genéricos”, susceptíveis (caso o fossem) de serem considerados como não escritos.

E, vero é que a convicção do tribunal recorrido quanto a essa factualidade se formou (como cabal e desenvolvidamente se alumia no acórdão condenatório) com sustentação em prova legal (depoimentos das testemunhas TT, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ, que consumiam cocaína e relataram a terem adquirido ao recorrente; declarações do arguido UU prestadas em 1º interrogatório judicial de arguido detido e também no decurso da audiência de julgamento; transcrições de conversações telefónicas interceptadas, que expressamente são indicadas no acórdão recorrido; autos de apreensão de equipamento “Samsung” e cartão inserido, bem como do equipamento “Nokia” e cartão inserido; relatórios de diligência externa autos de busca e apreensão do produto estupefaciente, entre o mais e relatório do exame de toxicologia ao estupefaciente apreendido) valorada com razoabilidade, de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum.

Argumenta também o recorrente que “o número de vendas e o produto vendido não chega ao valor apreendido. Valor das vendas: 2060,00 €. Valor apreendido: 13.000, 00 €. Assim, pelo menos, 10.940,00 € não é dinheiro proveniente da venda de produto estupefaciente.”

A propósito, diz-se na decisão sob crítica:

Doutra banda, a realização de pequenos trabalhos de obras por conta própria à 4 ou 5 anos atrás (depoimento da testemunha VV), ou o trabalho para o patrão “WW”, com horário reduzido a partir do início da pandemia (depoimento de RR) não têm o condão de, atento o constante vai e vem de encontros (que indiscutivelmente se percebe do exame dos apensos das intercepções), as vendas de cocaína, a detenção de quase 3 quilogramas de cocaína, não têm o condão de, dizíamos, firmar a possibilidade de ser outra, que não como resultado do tráfico, a origem dos 13.000€ que se apreenderam na residência do arguido. Conclusão que, tudo ponderado, decorre das regras de experiência.

Mostra-se perfeitamente sustentável esta conclusão a que chegou o tribunal recorrido, pois consubstancia um juízo de inferência que resulta convincente, posto que os factos indiciários se revelam suficientes e sólidos, bem como a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória se apresenta razoável face aos critérios lógicos do discernimento humano.

Na verdade, o valor matematicamente resultante do número de vendas comprovadas não é coincidente com o apreendido.

Mas, também nem esse número de vendas exclui que o arguido não tenha procedido a outras (o que se dá como provado), como até a quantidade e grau de pureza da cocaína também apreendida revela uma actividade com um desenvolvimento gerador de quantias monetárias significativas, pelo que não merece censura o entendimento do tribunal a quo.

Insurge-se ainda o arguido por se terem dado como provadas no ponto 140 as vendas descritas no ponto 137. Mas, já vimos que não tem razão quanto a essas vendas, pelo que a sua crítica quanto a este passo carece igualmente de fundamento.

Relativamente à materialidade depositada no ponto 141 dos factos provados, aduz o arguido que “é de realçar que o arguido foi acusado/pronunciado pelo disposto no artigo 86º, nº. 1, al. e), da Lei 5/2006 em termos distintos da condenação efectuada, assim deveria o arguido ter sido notificado da alteração da factualidade para apresentar, querendo, defesa. O que não aconteceu, pelo que, não pode ser dada como provado o fato constante em 141, com a necessária revogação do Acórdão proferido.”

Como se vê, este seu desacordo incide sobre o que considera ter sido uma alteração da factualidade e qualificação jurídica constante do despacho de pronúncia em confronto com a dada como provada na decisão revidenda, respectivo enquadramento-jurídico-penal e condenação.

Esta questão foi já tratada no âmbito da questão da “nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP” e a problemática de saber se os factos provados integram ou não os elementos objectivos do crime de detenção de arma proibida será analisada infra, pelo que, reportando-se esta factualidade aos seus elementos subjectivos, a sua relevância processual está dependente da que enforma aqueles elementos.

Entende também o recorrente que se verifica obliteração do estabelecido no artigo 355º, do CPP, porquanto em audiência de julgamento não foram analisadas as transcrições das conversações telefónicas interceptadas que lhe dizem respeito.

Como já se deixou explicitado quando da apreciação do recurso interposto pelo arguido XX, os autos de transcrição e os suportes técnicos de gravação das intercepções constam dos autos desde a fase de inquérito e foram indicados aqueles pelo Ministério Publico na acusação e posteriormente pelo Juiz de Instrução no despacho de pronúncia como meios de prova, tendo o recorrente deles tomado conhecimento porquanto destas peças processuais foi notificado, pelo que estava na sua disponibilidade examiná-los, exercer o contraditório quanto a eles e, inclusivamente, requerer a sua leitura em audiência ou que se procedesse à respectiva audição, o que não fez.

Destarte, a não leitura ou audição na audiência de julgamento não viola o estabelecido no artigo 355º, do CPP, o princípio do contraditório, o direito à não autoincriminação ou diminui, de forma geral, a plena garantia dos seus direitos de defesa, inexistindo impedimento legal algum a que sejam valorados para a formação da convicção do tribunal.

Quanto à alegada violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência, bem como do estabelecido no artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em apreciação de recurso interposto por outro arguido já expusemos o entendimento quanto a estes princípios, pelos que nos defendemos de o repetir.

Percorrendo acórdão recorrido, não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta obliterado esse princípio.

E, também se não alcança onde possa ser encontrada a violação do princípio da presunção de inocência, pois em passagem alguma do mesmo se patenteia considerar esse tribunal que ao arguido cumpria demonstrar a sua inocência.

De onde, a não violação das normas contidas nos artigos 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e 6º, (nº 2), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Afirma também o recorrente que foram utilizados “metadados na investigação”, ainda que não concretize quais.

Mas, vejamos.

Pelo Acórdão nº 268/2022, publicado no DR nº 108, 1ª Série, de 03/02/2022, declarou o Tribunal Constitucional, “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição”, bem assim “da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.”

A Lei nº 32/2008, de 17/07, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03, concernente à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.

Na investigação destes autos, a intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas de e para os telemóveis referenciados e respectivos IMEI associados, com facturação detalhada, trace-back e localização celular, foram sempre autorizadas por despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo do estabelecido nos artigos 187º, nº 1, alínea b), nº 4, alínea a) e nº 6, 188º, 189º, 190º e 269º, nº 1, alínea e), do CPP (concretamente ao recorrente cfr. despachos de 30/09/2019, 16/10/2019 e 28/10/2019). Ou seja, com suporte em normas legais que não foram declaradas inconstitucionais no acórdão do Tribunal Constitucional.

Como se elucida no ac. do STJ de 10/11/2022, Proc. nº 35/15.9PESTB-Z.S2, disponível em www.dgsi.pt, “o regime das escutas telefónicas previsto no CPP, nomeadamente no âmbito da investigação do crime de tráfico de estupefacientes não foi afetado pela declaração de inconstitucionalidade decidida, com força obrigatória geral, pelo ac. do TC n.º 268/2022, como também concluiu o Ministério Público na resposta apresentada na 1ª instância, com a qual o Sr. PGA junto deste STJ concordou, salientando (como consta do mesmo ac. do TC) que “a declaração de inconstitucionalidade não abrangeu todos e quaisquer metadados, mas apenas alguns””.

Posicionamento já sustentado no Acórdão do mesmo Tribunal de 08/11/2022, Proc. nº 107/13.4P6PRT-D.S1, no referenciado sítio consultável, onde se pode ler:

“Como bem salienta o Exmº Procurador Geral Adjunto no seu Parecer, o art. 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal permite aceder a dados de tráfego, neste caso, dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações e, por maioria de razão [in eo quod plus est, semper inest et minus (no que é mais está sempre compreendido o que é menos)], a dados de base relacionados, neste caso, com a identificação dos titulares dos cartões de telemóvel [nos quais, como salienta o acórdão do TC 268/2022, «o grau de agressão ao direito à intimidade da vida privada (…) é menos gravoso do que os demais metadados elencados no artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho (pois apenas identificam o utilizador do meio de comunicação em causa)»], aos quais o MP sempre poderia aceder por via do disposto no art. 14.º, n.ºs 1 e 4, al. b), da Lei 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), quando se investiguem os crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º, nomeadamente, crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.”

Este é também o entendimento que perfilhamos, sendo certo que da decisão recorrida não consta que se tenha feito apelo para a formação da convicção dos julgadores a quaisquer meios de prova que não os expressamente nela enunciados, mormente quaisquer outros constantes da fase de inquérito, nem da mesma resulta que tenham sido aplicadas as normas declaradas inconstitucionais.

Com efeito, mostra-se sustentada essa convicção na análise conjugada dos depoimentos das testemunhas TT, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ, que consumiam cocaína e relataram a terem adquirido ao recorrente; declarações do arguido UU prestadas em 1º interrogatório judicial de arguido detido e também no decurso da audiência de julgamento; transcrições de conversações telefónicas interceptadas, que expressamente são indicadas no acórdão recorrido; autos de apreensão de equipamento “Samsung” e cartão inserido, bem como do equipamento “Nokia” e cartão inserido; relatórios de diligência externa (RDE); autos de busca e apreensão do produto estupefaciente, entre o mais e relatório do exame de toxicologia ao estupefaciente apreendido.

Ou seja, mesmo que se entendesse que no decurso da investigação tinham sido utilizados dados informáticos preservados pela operadora sem comunicação ao arguido, essa utilização não foi essencial, não foi determinante, para o apuramento da matéria de facto dada como provada que sustenta a condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes

Daí que essa convicção não se tenha formado com alicerce em prova proibida, como parece entender o arguido, embora se tenha coibido de o apontar expressamente.

Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente teria este que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das regras da experiência comum, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.

Tal demonstração de que as provas que aponta conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.

Destarte, considera-se esta definitivamente fixada como assente se mostra, cumprindo negar provimento ao recurso nesta parte.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

Subsidiariamente, refere o recorrente que a sua conduta seria subsumível à previsão do artigo 21º, nº 1 conjugado com o artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, discordando da condenação pelo artigo 21º, nº 1 do mesmo – tipo-base.

Analisemos.

Provado está que:

O recorrente AA, pelo menos no período temporal compreendido entre o ano de 2018 e 15 de Setembro de 2020, vendeu cocaína aos seguintes consumidores:

No ano de 2020, a II, pelo menos em cinco ocasiões distintas, 50 euros, de cada vez, desse produto.

No ano de 2019, a JJ, por uma vez, 50 euros desse produto.

Desde, pelo menos, o ano de 2018, a KK, em cinco ocasiões distintas, cocaína, no mínimo por 40 euros, de cada vez.

Durante os anos de 2019 a 2020, a LL, em vinte ocasiões distintas, 50 euros de cocaína, de cada vez.

No ano de 2019, a MM, por uma vez, 50 euros desse produto.

No ano de 2020, a NN, pelo menos por uma vez, 50 euros desse produto.

No ano de 2020, vendeu a OO, em pelo menos cinco ocasiões diferentes, 40 euros de cocaína, de cada vez.

No ano de 2020 vendeu a PP, em pelo menos quatro ocasiões distintas, 50€ de cocaína, de cada vez.

No ano de 2020, vendeu a QQ, em pelo menos três ocasiões diferentes, 20 euros de cocaína, de cada vez.

No dia 15 de Setembro de 2020, cerca das 16:00 horas, o arguido AA trazia consigo:

Uma embalagem de cocaína, com o peso líquido de 50,007 gramas e grau de pureza de 63,5%, equivalente a 158 doses individuais diárias, para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Sessenta e oito embalagens com cocaína, com o peso líquido total de 115,831 gramas, sendo oito delas com um grau de pureza de 72,1% equivalente a 216 doses individuais diárias e as remanescentes sessenta com um grau de pureza de 44,9%, equivalente a cento e vinte e cinco doses individuais diárias, perfazendo um total de trezentos e quarenta e uma doses individuais diárias, para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Nesse mesmo dia, cerca das 16:20 horas, na sua residência, sita em ..., 8375, ..., o arguido AA detinha:

Duas embalagens de cocaína com o peso líquido total de 1.982,00 gramas e grau de pureza de 89,2%, equivalente a 8.839 doses individuais diárias, para preparação de doses individuais com o fim de revenda a consumidores desse estupefaciente.

Duas embalagens de cocaína com o peso líquido total de 200,152 gramas e grau de pureza de 97,8%, equivalente a 978 doses individuais diárias, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Um saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 191,000 gramas e grau de pureza de 92,2%, equivalente a 880 doses individuais diárias, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Um saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 32,916 gramas e grau de pureza de 46,5%, equivalente a 76 doses individuais diárias, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Um saco de plástico com cocaína, com o peso líquido total de 265,000 gramas e grau de pureza de 30,4%, equivalente a 402 doses individuais diárias, para preparação de doses individuais para revenda a consumidores desse estupefaciente.

Um saco de plástico com paracetamol, com peso líquido total de 899,000 gramas, para manipulação de doses individuais de cocaína.

A cocaína é um estupefaciente que integra as denominadas “drogas duras” e das com efeito mais nocivo para a saúde e danosidade social do seu consumo.

Cumpre se tenha ainda em consideração a bem significativa quantidade total de estupefaciente, quer cedido, quer apreendido, o seu grau de pureza, bem como que a actividade se prolongou por cerca de dois anos, com disseminação por diversos indivíduos, sendo a alguns deles com regularidade clientelar.

E, que o recorrente pretendia expandir a sua difusão, extrai-se da circunstância de deter também 899,000 gramas de paracetamol, produto que se destinava à mistura com o estupefaciente para aumentar a quantidade vendável e assim amplificar o lucro.

Vendo a factualidade provada na sua globalidade, não se verificam circunstâncias excepcionais que diminuam, em grau considerável – acentuado - a ilicitude dos factos, antes as circunstâncias que provadas se encontram apontam para uma ilicitude normal (até acrescida, convenhamos) para o tipo base de tráfico.

Estão também provados os elementos subjectivos do tipo de ilícito em causa.

Termos em que, a conduta do recorrente integra a prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01 e não o do artigo 21º, nº 1 conjugado com o artigo 25º, alínea a), do mesmo.

(…)

Atenuação especial da pena/dosimetria da pena aplicada

O recorrente foi condenado na pena de 9 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01.

Em seu entender, deveria ter beneficiado de atenuação especial da pena, por aplicação do disposto no artigo 72º, nºs 1 e 2, alíneas c) e d), do Código Penal.

Já se deixou alumiado, quando da apreciação supra de outro recurso, que a atenuação especial da pena prevista neste artigo só poderá ter lugar se “existirem circunstância anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena” – cfr. Ac. do STJ de 05/03/2009, Proc. nº 08P4133, que pode ser lido em www.dgsi.pt.

Tendo em atenção a matéria de facto que provada se encontra, não se verificam factos de que resulte essa diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, desde logo não se comprovou o seu arrependimento sincero e vero é, também, que não decorreu muito tempo desde a prática do crime.

Face ao que, não opera a atenuação especial.

Aduz ainda o recorrente que a pena em que foi condenado é excessiva e desproporcional.

Já se mencionaram os parâmetros e directrizes a observar para a determinação da medida concreta da pena, pelo que nos dispensamos de o redizer.

O tribunal recorrido ponderou para o efeito:

em desfavor do arguido:

- A natureza do estupefaciente cedido, trata-se de cocaína (estupefaciente de elevado poder aditivo e danosidade para saúde) considerada uma “droga dura”;

- A detenção de cocaína para venda, com graus de pureza de 63%, 72.1%, 44.9%, 89.2%, 97.8%, 92.2%, 46.5% e 30.4%;

- A quantidade total de cocaína com peso líquido de 2.836,906 gramas;

- O número total de doses individuais que a cocaína era susceptível de originar: 11.674;

- A circunstância de a maior parte da cocaína ainda não estar dividida em “muchas” ou “saquetas” para venda directa ao consumidor, mas ainda em blocos;

- O dolo com que o arguido agiu, intenso e directo, modalidade que exprime o modo mais intenso da vontade, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal;

- O período de tempo da actividade de venda de produtos estupefacientes (mais de um ano);

- A ilicitude e a culpa que se apresentam em grau definitivamente muito elevado;

- Os fins que determinaram a sua conduta: a obtenção de proventos financeiros fáceis;

- As necessidades de prevenção geral que se impõem com elevada acuidade, pois são consabidos os efeitos nefastos para a comunidade associados ao tráfico de estupefacientes;

Em favor do arguido, considera o Tribunal:

- Estar familiar e socialmente integrado;

- Não registar antecedentes criminais.

Analisando a transcrita fundamentação, resulta que foram tidos em consideração e de forma correcta os factores relevantes para a determinação concreta da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Reforça-se, ainda, que as exigências de prevenção geral são muito fortes, dados os efeitos perniciosos que os produtos estupefacientes e designadamente a cocaína, por via da forte dependência que causa, provoca nos indivíduos, nas famílias e na comunidade em geral.

E, no que tange à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido carece de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito – dada a falta de interiorização do desvalor da conduta delituosa - tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes.

Destarte, ponderando a culpa, como medida superior da pena, atendendo às exigências de prevenção e às demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, tendo também em conta as penas aplicadas aos demais arguidos, a pena de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente (ainda que robusta) não excede a medida da respectiva culpa, como também não ultrapassa os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, apresentando-se como adequada e proporcional, não se verificando violação das normas contidas nos artigos 18º, 20º e 29º, da Constituição da República Portuguesa.

Cumprindo absolver o recorrente do crime de detenção de arma proibida, como se disse, fica sem efeito o cúmulo jurídico das penas efectuado na 1ª instância.

Verificação dos pressupostos da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena

Pugna ainda o recorrente, subsidiariamente, pela aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

Pressuposto formal da aplicação desta pena de substituição é de a sua medida não ser superior a 5 anos.

O recorrente foi condenado em pena de prisão de 9 anos e 6 meses de prisão, pelo que preenchido não está esse pressuposto, de onde resulta a sua inadmissibilidade.

Pelo exposto, o recurso merece parcial provimento.

(…)

2. Começando pela matéria respeitante aos 5 mencionados recursos interlocutórios, como pertinentemente observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu completo e bem alicerçado parecer, neste segmento, o acórdão recorrido não aplicou ao arguido qualquer pena, não conheceu, a final, do objeto do processo, não conheceu, enfim, do mérito da decisão condenatória.

Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade as decisões colegiais da relação, que, em recurso, pondo (ou não) fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objeto da acusação e/ou pronúncia.

Nestes termos, ter-se-á de entender que o acórdão do TRE, na parte referente aos recursos interlocutórios, porque não conheceu, a final, do objeto do processo, isto é, não conheceu, em concreto, do mérito da decisão condenatória, é insuscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º n.º 1 c) e 432.º n.º 1 b), do C.P.P., o que implica que, neste âmbito, o recurso tenha de ser rejeitado1.

No que diz respeito às invocadas nulidades, constata-se, ao fim e ao cabo, como anota o Senhor Procurador-Geral Adjunto, uma reedição das opostas à decisão da 1ª instância, voltando o recorrente a arguir praticamente as mesmas nulidades, agora ao acórdão do Tribunal da Relação, considerando padecer o mesmo das nulidades por omissão de pronúncia sobre o vício previsto no artigo 410.º n.º 2 b), do C.P.P., arguido ao acórdão da 1ª instância (conclusões 44 e 45), por violação do princípio do contraditório e do direito a uma defesa efetiva (conclusões 38 a 43 e 56 a 61), por violação do disposto nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1a), do C.P.P., em razão da falta ou insuficiência do exame crítico das provas que contribuíram para formar a convicção do Tribunal (Conclusões 46 a 55), por violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência (Conclusões 62 a 64), e, por fim, pela utilização de metadados na investigação (Conclusão 65).

Começamos por dizer, a este propósito, que pese embora se estar em presença de um recurso de 2.º grau, iremos, oficiosamente, apreciar esta matéria.

O recorrente poderá não concordar com a fórmula adotada pelo tribunal a quo e até discordar, naturalmente, do sentido da decisão tomada, o que não poderá dizer é que não foi apreciada e decidida esta concreta matéria que suscitou na motivação do seu recurso.

Nada na lei veda o procedimento seguido pelo Tribunal e, na economia da decisão, de forma alguma se poderá dizer que há omissão de pronúncia e, em consequência, ocorrer uma nulidade.

Sobre a alegada violação do princípio do contraditório e do direito a uma defesa efetiva, defende o recorrente que foi violado o princípio do contraditório, porquanto da acusação/pronúncia resulta a falta de indicação relativa a datas, compradores, número de vendas, motivação e proventos obtidos, elementos sem os quais ficou impedido de se defender, o que integra a violação do seu direito de defesa e configura gravíssima ofensa aos direitos constitucionais do arguido – artigo 32º da CRP.

Pretende, deste modo, ver declarada a nulidade que, na sua ótica, tal constitui, tudo como melhor se aprecia das Conclusões 38 a 43 e 56 a 61.

Precisa o recorrente que esta questão já foi levantada em sede de contestação e motivações de recurso (sem esquecer o requerimento de abertura de instrução), os momentos próprios para o efeito, sem que, ao que se vê, lhe tenha sido dada razão.

E assim deverá continuar a ser, pois resulta, de forma clara, que dos factos provados da decisão recorrida não constam apenas “imputações genéricas”, muito pelo contrário, pelo que não há qualquer violação do princípio do contraditório, nem do direito de defesa do recorrente, não tendo sido postergadas as normas contidas no art. 32º nºs 1 e 5, da CRP.

Segue-se a nulidade por violação do disposto nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 a), do C.P.P., em razão da falta ou insuficiência do exame crítico das provas que contribuíram para formar a convicção do Tribunal.

Ora, como, oportunamente, contrapõe, uma vez mais, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, se existe nulidade que, pela sua natureza própria, só à decisão proferida em 1ª instância pode ser assacada é precisamente esta. Como, aliás, foi.

À decisão recorrida apenas será de exigir que se tenha pronunciado circunstanciada e cabalmente sobre tal matéria, o que resulta exemplarmente feito pelo tribunal a quo, como se pode verificar da análise do acórdão em causa.

Por outro lado, é também manifesto, através do exame cuidado do acórdão recorrido, que o Tribunal não se quedou numa situação de dúvida, inultrapassável, relativamente aos factos imputados ao recorrente que deu por assentes.

Não se vislumbra, por conseguinte, violação do princípio in dubio pro reo e, consequentemente, atropelo ao princípio da presunção de inocência, que o recorrente, quase em desespero, traz à colação.

Para encerrarmos este capítulo das nulidades, invoca ainda o recorrente que na investigação dos presentes autos se recorreu à utilização de metadados, tendo tal utilização sido declarada inconstitucional por acórdão com força obrigatória geral – o acórdão n.º 268/2022 -, devendo esta questão ser apreciada, com todas as consequências legais, sob pena de violação do determinado pelo Tribunal Constitucional (Conclusão 65).

Seria, contudo, de esperar que o recorrente tivesse concretizado que metadados foram utilizados na investigação, o que, na verdade, não faz.

Certo é que também aqui é de perfilhar o entendimento vertido na decisão recorrida e inferir, como aí, que não consta que os julgadores tenham feito apelo, para a formação da sua convicção, a quaisquer meios de prova que não os expressamente que foram enunciados, mormente quaisquer outros constantes da fase de inquérito, nem daquela resulta que tenham sido aplicadas as normas que foram declaradas inconstitucionais.

Passando, de seguida, à qualificação jurídica dos factos, entende o recorrente que devia ter sido condenado, antes, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade2 p. e p. pelo art. 25.º, do citado DL n.º 15/93.

Acontece que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, bem andaram as instâncias em o ter condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º n.º 1.

Na verdade, como foi bem frisado, a significativa quantidade total de estupefaciente, quer cedido, quer apreendido, ao todo quase 3 kgs, a sua natureza – cocaína -, droga considerada “dura”, o seu grau de pureza, bem como que o facto da atividade em causa levada a cabo se ter prolongado por cerca de dois anos, com disseminação por diversos indivíduos, sendo a alguns deles com regularidade clientelar, não apontam efetivamente nessa direção. Por outro lado, dúvidas não existem que o recorrente pretendia expandir a sua difusão, extraindo-se tal, nomeadamente, da circunstância de deter também 899,000 gramas de paracetamol, produto que se destinava à mistura com o estupefaciente para aumentar a quantidade vendável e assim amplificar o lucro.

Nesta conformidade, tendo-se em atenção a factualidade provada, na sua globalidade, não se verificam circunstâncias excecionais que diminuam, em grau considerável, a ilicitude dos factos, pelo que a sua subsunção não podia deixar de ser efetivada no crime de tráfico comum.

Por último, no que concerne à medida concreta da pena aplicada, que o recorrente considera excessiva e desproporcional, constata-se que o tribunal recorrido fundamentou bem a sua determinação, nos termos do art. 71.º, do Cód. Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção3.

Ora, na situação concreta, a culpa é elevada e as exigências de prevenção geral são muito fortes, atento o nefasto impacto que este tipo de atividade tem no domínio da saúde pública e na qualidade de vida das pessoas, em especial dos mais jovens. Por sua vez, as necessidades de prevenção especial, não sendo tão acentuadas, não podem também ser desvalorizadas, dada, além do mais, a falta de interiorização do desvalor da conduta.

Sublinhe-se ainda que a pretendida atenuação especial da pena4, ao abrigo do disposto no art. 72º, nºs 1 e 2, alíneas c) e d), do Cód. Penal, não faz o menor sentido, por falta do seu pressuposto material, ou seja, a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção, como bem salientou o tribunal recorrido, subscrevendo-se, na íntegra, a argumentação utilizada.

Nestes termos, e para concluirmos, a pena imposta de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. e pelo art. 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, é, no quadro descrito, justa, adequada, proporcional e não excedendo a medida da culpa.

Não foram violadas, pois, as normas indicadas, designadamente, as da Constituição da República.

Mantida que foi a medida da pena, a possibilidade de suspensão da sua execução está legalmente excluída, atento o consignado no art. 50.º n.º 1, igualmente do Cód. Penal.

Do mesmo modo, no contexto da decisão tomada, a devolução da quantia monetária que o recorrente solicita não pode ser atendida.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

a) Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso do arguido AA, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1 c), 417.º n.º 6 b), 420.º n.º 1 b) e 414º n.ºs 2 e 3, todos do C.P.P., na parte relativa às decisões proferidas sobre os 5 recursos intercalares interpostos pelo mesmo, matéria a que se reportam as conclusões 8 A e 11 a 15, 8 B e 16 a 20, 8 C e 21 a 25, 8 D e 26 a 29 e 8 E e 30 a 36 das Conclusões da Motivação do seu recurso; e

b) julgar, no mais, improcedente o recurso do arguido, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Lisboa, 28 de fevereiro de 2024

(Processado e revisto pelo realtor)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Teresa de Almeida (Adjunta)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

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1. Nesse sentido, os acórdãos do STJ de 8/11/2022 (Relator o Senhor Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha), de 14/10/2020 (Senhor Conselheiro Gabriel Catarino) e de 19/6/2019 (Senhor Conselheiro Pires da Graça, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

2. O crime de tráfico de menor gravidade representa, em relação ao tipo fundamental, um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo-se em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade do produto estupefaciente. Em regra, está associado à atividade do dealer de rua, do pequeno traficante, sendo que a menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto. Vejam-se, por todos, os acórdãos do STJ de 31/1/2024 (Relator o Senhor Conselheiro Lopes da Mota), Proc. n.º 10/21.4GBFAF.P1.S1, 11/10/2023 (Senhor Conselheiro Agostinho Torres), Proc. n.º 314/22.9PDPRT.P1.S1, e 7/9/2023 (Senhora Conselheira Leonor Furtado), Proc. n.º 2/21.3GACNT.C1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3. Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pg. 213 e ss., e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª ed., Almedina, pg. 53 e ss. Na Jurisprudência, entre outros, para citarmos os mais recentes, os acórdãos do STJ de 8/11/2023 (Relator o Senhor Conselheiro Lopes da Mota), Proc. n.º 14/21.7PEBRG.S1, e 25/10/2023 (Senhor Conselheiro Sénio Alves), Proc. n.º 38/22.7SHLSB.S1, no sítio indicado.

4. Como refere o Professor Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 307, este instituto só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Na jurisprudência, vide, por todos, o acórdão do STJ, de 28/6/2023, no Proc. n.º 357/21.0GBILH.S1, no sítio já referenciado.