Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
40/10.1TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
INVALIDADE
OPONIBILIDADE
INTERESSE NO SEGURO
REENVIO PREJUDICIAL
NULIDADE
ANULABILIDADE
FALSIDADE
TRANSPOSIÇÃO DE DIRECTIVA
TRANSPOSIÇÃO DE DIRETIVA
UNIÃO EUROPEIA
PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL – SEGUROS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS
Doutrina:
-Brandão Proença, Natureza e prazo de prescrição do direito de regresso no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, Cadernos de Direito Privado, n.º 41, 40 e ss.;
-Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro - Estudos, Coimbra Editora, 2009, 271 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL DE 1888 (CCOM): - ARTIGOS 428.º, N.º 1 E 429.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 498.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 272.º, 306.º, N.ºS 1 E 2, 629.º, N.º 1, 635.º, N.º 4 E 636.º, N.º 1.
SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO (ENTRETANTO REVOGADO PELO DECRETO-LEI Nº 291/2007, DE 21 DE AGOSTO): - ARTIGOS 2.º, N.º 2 E 14.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (NLOFTJ), APROVADA PELA LEI Nº 52/2008: - ARTIGO 31.º, N.º 3.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADA PELA LEI Nº 62/2013: - ARTIGO 44.º, N.º 3.
CONVENÇÃO DE SEGURANÇA SOCIAL, APROVADA PELO DECRETO N.º 30/76, DE 16 DE JANEIRO: - ARTIGO 36.º.
Legislação Comunitária:
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 267.º.
DIRETIVA 84/5/CEE DO CONSELHO, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1983 (SEGUNDA DIRETIVA): - ARTIGO 2.º, N.º 1.
DIRETIVA 72/166/CEE DO CONSELHO, DE 24 DE ABRIL DE 1972: - ARTIGO 3.º, N.º 1.
DIRETIVA 90/232/CEE: - ARTIGO 1.º.
REGULAMENTO (CEE) N.º 1408/71, DO CONSELHO DE 14 DE JUNHO DE 1971: - ARTIGO 93.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-04-2000, PROCESSO N.º 00B3061, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-04-2004, PROCESSO N.º 04B404, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-03-2005, PROCESSO N.º 05B3061, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-11-2005, PROCESSO N.º 05B3061, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-10-2008, PROCESSO N.º 08A2362, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-10-2009, PROCESSO N.º 501/09.5YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 471/2002.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 2195/06.0TVLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 3180/04.2TJVNF.P1.S1, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS;
- DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 2693/07.9TBMTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-01-2013, PROCESSO N.º 157-E/1996.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 601/05.0TJVNF.P2.S1, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT/JURISPRUDENCIA/SUMARIOS.
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):


- DE 28-03-1996, PROCESSO N.º C-129/94 (ACÓRDÃO DE RAFAEL RUIZ BERNÁLDEZ);
- DE 30-06-2005, PROCESSO N.º C-537/03 (ACÓRDÃO DE KATJA CANDOLIN);
- DE 01-12-2005, PROCESSO N.º C-442/10 (ACÓRDÃO DE BENJAMIN WILKINSON);
- DE 19-04-2007, PROCESSO N.º C-356/05 (ACÓRDÃO DE ELAINE FARREL);
- DE 20-07-2017, PROCESSO N.º C-287/16.
Sumário :
I - É pacífico o entendimento a respeito do contrato de seguro de que o regime do § 1, do art. 428º, do Cód. Com. se refere a nulidade absoluta (na terminologia do Código de Seabra) ou nulidade (na terminologia do Código Civil de 1966) e o regime do art. 429º, do Cód. Com. se refere a nulidade relativa (na terminologia do Código de Seabra) ou anulabilidade (na terminologia do CC de 1966).

II - Da conjugação da estatuição da nulidade (no § 1, do art. 428º, do Cód. Com.) e da anulabilidade (no art. 429º do Cód. Com.) com o disposto no art. 14º, do Decreto-Lei nº 522/85, resulta que a seguradora pode opor aos lesados a nulidade do § 1, do art. 428º, do Código Comercial, mas já não a anulabilidade do art. 429º do mesmo Código, em virtude de se tratar de uma anulabilidade não prevista no próprio Decreto-Lei nº 522/85.

III - Numa situação em que o tomador do seguro declarou, falsamente, ser proprietário do veículo e seu condutor habitual, com o intuito de conseguir que a seguradora: (i) celebrasse o contrato que de outra forma não seria celebrado; e/ou (ii) celebrasse o contrato em condições menos onerosas para o segurado, a doutrina e jurisprudência nacionais têm propugnado soluções diferentes.

IV - Segundo uma das orientações, o contrato de seguro dos autos seria nulocom fundamento na falta do requisito legal do interessedo tomador do seguro, exigido pelo artigo 428º, § 1º, do Cód. Com., entendendo-se que o interesse tem de revestir natureza económica; em consequência, e em conjugação com o artigo 14º, do Decreto-Lei nº 522/85, a nulidade seria oponível ao lesado e aos seus herdeiros, assim como àqueles que se encontram sub-rogados nos direitos de ambos.

V - Segundo outra orientação - com fundamento no requisito legal do interesse, previsto no § 1º, do art. 428º, do Cód. Com., se encontrar derrogado pela possibilidade de o contrato de seguro obrigatóriode responsabilidade civil automóvel ser celebrado por terceiro, prevista no art. 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85 -, a questão deve ser resolvida à luz do regime específico das falsas declarações na celebração do contrato de seguro, sendo assim o contrato anulável (art. 429º, do Cód. Com.), vício que não é oponível ao lesado ou aos seus herdeiros (art. 14º, do Decreto-Lei nº 522/85) e, consequentemente, também não o é àqueles que se encontrem sub-rogados nos direitos daqueles.

VI - Tendo-se colocado dúvidas acerca da conformidade da primeira orientação com o efeito útil das Directivas Comunitárias sobre Seguro Automóvel, decidiu-se suscitar uma questão prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

VII - Perante a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferida por acórdão de 20 de Julho de 2017, no proc. C-287/16, a interpretação do direito português em conformidade com o direito da União Europeia impõe que se entenda que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no art. 428º, § 1º, do Cód. Com., se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no art. 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85, pelo que a invalidade do contrato de seguro em causa nos autos é inoponível às herdeiros do falecido lesado e, consequentemente, é também inoponível à entidade sub-rogada no direito daquelas.

VIII - A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem recusando o tratamento diferenciado entre o titular do direito de regresso e o sub-rogado para efeitos de aplicação do prazo de prescrição previsto no nº 2 do art. 498º do Código Civil.

IX - Independentemente da natureza da qualificação do direito da A. como verdadeira sub-rogação ou antes como direito de regresso, tratando-se, sem dúvida, de um “direito ao reembolso” das prestações realizadas aos beneficiários, justifica-se a aplicação do prazo de três anos de prescrição a contar do pagamento às beneficiárias, aqui as herdeiras do falecido.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. Caisse Suisse de Compensation intentou acção contra Fundo de Garantia Automóvel, Herdeiros incertos de AA e BB, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe:

a) A quantia de € 39.769,93, a título de prestações já entregues à viúva do seu segurado;

b) A quantia de € 19.878,95, a título de prestações já entregues à filha do seu segurado;

c) A quantia de € 126.417,00, a título de prestações futuras a entregar pela autora à viúva do seu segurado;

d) A quantia de € 99.914,66, a título de prestações futuras a entregar pela autora à filha do seu segurado;

e) Juros de mora, à taxa legal, contados sobre as quantias antes enunciadas, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou as suas pretensões na ocorrência de um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel com a matrícula UL-...-... (pertencente à R. BB, que era conduzido por AA) e o motociclo com a matrícula …-…-TD (conduzido pelo seu proprietário, CC), acidente de que resultou a morte de ambos os condutores. Em virtude de CC ser segurado/beneficiário da A., e em consequência da sua morte, a A. passou a pagar a cada uma das suas herdeiras (concretamente DD e EE, respectivamente, viúva e filha do segurado) uma pensão, com periodicidade mensal, a partir de 1 de Junho de 2004, ficando, nessa medida, sub-rogada nos direitos destas últimas perante os responsáveis pelo acidente.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou a acção e deduziu incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros FF, S.A., de DD e de EE, incidente que foi admitido como intervenção acessória.

BB contestou a acção, invocando excepção de ilegitimidade passiva por, na data do acidente, existir seguro válido celebrado com a Companhia de Seguros GG, S.A., que cobria a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo com a matrícula UL-...-..., e deduziu incidente de intervenção principal provocada da referida seguradora, incidente que foi admitido.

Contestaram a acção a interveniente principal Companhia de Seguros GG, S.A., a interveniente acessória Companhia de Seguros FF, S.A.. e as intervenientes acessórias DD e EE.

Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual a A. requereu prazo para dedução de incidente de intervenção principal dos herdeiros legitimários de AA, pretensão que foi deferida. A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de BB, HH e II, na qualidade de herdeiros de AA, que foi admitido. Os intervenientes HH e II contestaram.

Na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, foi informado que GG – Companhia de Seguros, S.A. e Companhia de Seguros FF, S.A.. se fundiram por incorporação, passando a denominar-se JJ Companhia de Seguros, S.A.

Por sentença de fls. 992, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se HH, II e BB, na qualidade de herdeiros de AA e na proporção das quotas que a cada um deles coube na herança deste último, a pagar à A. a quantia de € 13.802,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação até efectivo pagamento, sendo absolvidos os demais intervenientes e demandados dos pedidos contra si deduzidos.

Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação no Tribunal da Relação do Porto. Tanto o FGA como BB contra-alegaram, pedindo a ampliação do objecto do recurso. Apenas foi admitido o segundo pedido de ampliação do objecto do recurso, que se decidiu mandar seguir como recurso subordinado.

Por acórdão de fls. 1177, foi a apelação julgada parcialmente procedente, bem como o recurso subordinado de BB, na qualidade de herdeira de AA, decidindo-se:

a) Revogar o segmento da sentença recorrida que absolveu do pedido a JJ Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de sucessora da GG – Companhia de Seguros, S.A., e seguradora do veículo de matrícula UL-...-..., condenando-se a mesma a pagar à A. a quantia de € 15.492,57;

b) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou BB, HH e II, todos na qualidade de herdeiros de AA e, com fundamento em ilegitimidade legal, absolvendo-se todos da instância;

c) No mais, manter a sentença recorrida.


2. A interveniente JJ Companhia de Seguros, S.A., veio recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. Afigura-se à Recorrente que o douto Acórdão recorrido não poderá manter-se.

2. A decisão recorrida consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.

3. Resultou provado nos presentes autos que na data em que se verifica o sinistro dos autos existia um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-...-... titulado pela apólice n.º AU4…1.

4. Resultou igualmente provado que o contrato de seguro celebrado com a Recorrida relativamente ao veículo matrícula UL-...-... era nulo nos termos dos arts.º 428.° e 429.° do Cód. Comercial.

5. Quem figurava, na proposta de seguro, como condutor habitual do veículo era o segurado HH, pai do condutor do veículo de matrícula UL-...-....

6. O veículo de matrícula UL-...-... era propriedade da Recorrida BB, casada, quer à data da celebração do contrato de seguro, quer à data do sinistro, com o condutor do UL-...-....

7. Conforme resultou da prova produzida nos presentes autos, à data do sinistro, o condutor habitual do veículo seguro era o filho do tomador do seguro.

8. A Recorrente apenas teve conhecimento destas situações depois de o contrato de seguro dos autos ter sido celebrado.

9. O Tomador do seguro, HH, declarou, também, aquando da subscrição da PROPOSTA DE SEGURO que era o proprietário da viatura segura desde 11.06.1999.

10. Aquando da celebração do contrato de seguro, o tomador do seguro não só omitiu que o condutor habitual do veículo era o seu filho mas, pior ainda, falseou a verdade quando referiu expressamente ser o proprietário da viatura de matrícula UL-...-..., a qual a Recorrente se estava a propor segurar.

11. O tomador do seguro omitiu conscientemente não ser ele o condutor habitual do veículo matrícula UL-...-... e que o dito veículo não era sua propriedade, prestando, assim, falsas declarações quer quanto à identidade do condutor habitual desse veículo quer relativamente ao direito de propriedade sobre o mesmo.

12. A propriedade do veículo e a identidade do condutor habitual são factos que influem sobre a existência e condições do contrato de seguro, o que sucedeu no caso concreto.

13. Entre outros factores, a data da licença de condução bem como a idade do segurado são elementos determinantes da contratação de um seguro.

14. O condutor habitual do veículo tinha, à data do sinistro, carta há apenas 2 (dois) anos e menos de 25 (vinte e cinco) anos de idade.

15. O único motivo por que o Segurado HH prestou falsas declarações sobre a identidade do condutor habitual do veículo bem como da propriedade do veículo foi, no primeiro caso, o não estar sujeito a agravamentos do "preço" do seguro e, no segundo caso, o facto de a Recorrida nem sequer fazer o seguro.

16. O segurado tinha plena consciência da falta de verdade nas declarações que prestou e de que iria beneficiar do prémio de seguro, sem qualquer agravamento, em prejuízo da Recorrente, como beneficiou, até à data em que procedeu à anulação do seguro devido ao facto de o veículo ter perecido.

17. A nulidade do contrato de seguro é uma excepção peremptória que impede o efeito jurídico dos factos alegados pela Recorrida KK, por um lado, e pela Recorrida BB, por outro, nos termos do n.º 3 do art.º 493.° do CPC, importando, pois, a absolvição da Recorrente.

18. A Recorrente aceitou o contrato de seguro em causa com base na proposta de seguro assinada pelo segurado HH em 11.06.1999.

19. Para a aceitação desta proposta pela Recorrente era condição essencial que o proponente respondesse e fizesse declarações com toda a verdade e isenção.

20. O segurado ao subscrever a proposta declarou que o veículo de matrícula UL-...-... era sua propriedade e que era o condutor habitual do dito veículo.

21. O que o mesmo declarou não correspondia minimamente à verdade.

22. Perante a proposta de adesão, a Recorrente aceitou o risco com desconhecimento de todos os factores agravantes do mesmo, não podendo assim sujeitar o processo à análise dos seus serviços, e, posteriormente, caso fosse essa a decisão, proceder à aceitação condicionada do risco, até em termos de valor do prémio do seguro.

23. Além do mais, o contrato de seguro é um contrato assente nos princípios da boa fé, pelo que a doutrina entende que nas declarações que prestam os segurados, além de responderem e prestarem os esclarecimentos expressamente solicitados, devem informar o segurador de quaisquer outras circunstâncias susceptíveis na opinião do risco.

24. O contrato de seguro é NULO, nos termos dos art.ºs 428.° e 429.° do Cód. Comercial e também das Condições da Apólice.

25. Nos termos da lei, considera-se nulo o contrato de seguro celebrado entre o Segurado e a ora Recorrente e que tem por objecto o veículo de matrícula UL-...-... e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro.

26. A questão de sucessão de regimes legais é relevante.

27. Estando em causa um contrato celebrado na vigência do DL 522/85 (como sucede com o caso dos autos) e um acidente ocorrido nesse enquadramento, mas tratando-se de um efeito (a intervenção da Recorrida e do Fundo de Garantia) já produzido no domínio do DL 291/2007, a sucessão de leis é relevante.

28. O art.º 54.°, n.º 6 do DL 291/2007 assumiu um pendor objectivamente interpretativo, projectando o seu sentido na lei interpretada (o art.º 25.°, n.º 1 do DL 522/85), como resulta do art.º 13.°, n.º 1 do CC.

29. No quadro legal emergente da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (LCS), a afirmação do tomador do seguro nos termos em que o foi no caso dos autos gera a anulabilidade desse contrato de seguro por inexactidão dolosa quanto à declaração de risco, nos termos do art.º 25.°, n.º 1 da LCS.

30. Essa incidência (a falsa declaração quanto ao condutor habitual) refere-se a um elemento muito significativo para a apreciação do risco assumido pela Recorrente no contrato, com incidência na quantificação do prémio.

31. A referida nulidade actua, nos termos do art.º 25.°, n.º 1 da LCS, mediante declaração da seguradora ao tomador do seguro, sendo que isso, descobrindo a seguradora a fraude apenas posteriormente à ocorrência do sinistro, actuará, no quadro de um processo judicial instaurado contra essa seguradora, por via de excepção (invocação pela seguradora na contestação da extinção do contrato por nulidade nesse contexto declarada).

32. O disposto no art.º 22.° do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) não impede a oponibilidade da referida nulidade do contrato pela seguradora aos lesados pelo acidente e, reflexamente, ao Fundo de Garantia Automóvel, quando esta entidade exerce a sub-rogação decorrente de ter assumido, perante esses lesados, a responsabilidade indemnizatória emergente do referido acidente.

33. O Recorrido Fundo de Garantia Automóvel (FGA) aceitou, de imediato, em face da alegação de nulidade do contrato de seguro formulada pela Recorrente, regularizar o sinistro.

34. Assim que lhe foi participado o sinistro dos autos, e depois de ter procedido à respectiva averiguação, a Recorrente transmitiu ao Recorrido FGA a sua posição relativamente à validade do contrato de seguro titulado pela apólice n.º AU4…1.

35. Não assiste pois razão aos Senhores Juízes Desembargadores quando condenam a ora Recorrente por considerarem que a invalidade do contrato de seguro não é oponível à Recorrida CAISSE.

36. O douto Acórdão violou, por erro de aplicação e interpretação, o disposto nos art.ºs 428.° e 429.° do Código Comercial, art.ºs 14.°, 21.°, n.º 1, al. a) e 26.° do DL 522/85, de 31 de Dezembro, art.º 49.°, n.º 1, al. a) do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

37. O acidente dos autos teve lugar no dia 20.05.2004.

38. A petição inicial deu entrada na secretaria das extintas Varas Cíveis do … no dia 11.01.2010.

39. A ora Recorrente foi citada para contestar a presente acção no dia 18.12.2010, ou seja, quando a Recorrente é citada para contestar a acção dos autos já haviam decorrido mais de 5 (cinco) anos sobre o dia do acidente.

40. Nestes termos, o direito que a Recorrida CAISSE se arroga como sendo titular já se encontrava prescrito relativamente à ora Recorrente, nos termos do disposto no art.º 498.°, n.º 1 do Código Civil.

41. O douto Acórdão violou, por erro de aplicação e interpretação, o disposto no art.º 498.°, n.ºs 1 e 3 do Código Civil.


     A A. Recorrida Caisse Suisse de Compensation contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido condenou a Recorrente a pagar à Recorrida o montante de €15.492,57.

2. No recurso de apelação que determinou a prolação do acórdão em questão, a Recorrida fixou expressamente o respectivo valor em €20.880,41.

3. O valor da causa, a partir da interposição o recurso de apelação referido em 2 pela aqui Recorrida, passou a ficar reduzido ao valor do recurso, ou seja €20.880,41.

4. Nos termos combinados do disposto nos artigos 44°/1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e 629°/1 do C.P.C., o recurso a que se responde é legalmente inadmissível, uma vez que o valor da causa (delimitado pelo valor do recurso de apelação) é inferior à alçada do Tribunal da Relação.

5. A Recorrida funda o direito que invoca nos autos na sua sub-rogação nos direitos de crédito dos seus beneficiários perante os responsáveis pelos danos que sofreram com o acidente de viação de 20.5.2004, sub-rogação que se produz a partir da verificação de cada pagamento mensal efectuado aos aludidos beneficiários, e que opera pela forma constante dos artigos 589° e ss. do C.C., com a especial configuração prevista no art.º 36° da Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16 de Janeiro.

6. O prazo de prescrição dos sucessivos direitos de crédito adquiridos pela Recorrida através de sub-rogação começa a correr apenas no momento do pagamento, pela mesma Recorrida, das quantias devidas aos seus beneficiários, nos termos do disposto nos artigos 306°/1 e 498°/1 e 2, ambos do C.C.

7. O acórdão recorrido e a jurisprudência maioritária que se pronunciou sobre a matéria sustentam posição idêntica à invocada nos autos pela Recorrida, pelo que deverá manter-se integralmente, nessa parte, a decisão impugnada.

8. Ficou demonstrado nos autos que o Pai do condutor do veículo UL-...-... no momento do acidente de 20.5.2004 proferiu falsas declarações no acto de celebração do contrato de seguro para garantia dos riscos de circulação da aludida viatura, concluído em 11.6.1999.

9. A consequência jurídica de tais falsas declarações vem sendo, nos termos de jurisprudência constante e abundante, em particular do Supremo Tribunal de Justiça, reconduzida ao vício de anulabilidade, e não à nulidade.

10. O D.L. 522/85, de 31 de Dezembro, bem como os artigos 425º a 462º do Código Comercial, aplicam-se à génese e validade formal do contrato de seguro dos autos, por imposição do art.º 12° do C.C.

11. Resulta do art.º 14º do D.L. 522/85 que a anulabilidade decorrente de falsas declarações prestadas pelo segurado, tendo em vista a celebração do contrato de seguro, não pode ser oposta pela seguradora aos lesados, entre eles a Recorrida, em virtude de a norma contida no (desde então revogado) art.º 429º do Código Comercial constituir uma anulabilidade não prevista no dito D.L. 522/85.

12. Para efeitos do sinistro em apreciação no presente processo - o acidente de viação de 20.5.2004 - o seguro de cobertura dos riscos de circulação do veículo UL-…-… tinha aptidão jurídica para operar e determinar o ressarcimento dos prejuízos dos lesados decorrentes desse evento, incluindo a Recorrida.

13. O acórdão recorrido decidiu, portanto, de acordo com a lei e com a jurisprudência mais largamente difundida, em ambos os casos a respeito de cada matéria sobre a qual se debruçou, pelo que o seu teor e efeitos deverão manter-se na íntegra, por via de acórdão confirmativo a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça.


     BB contra-alegou, formulando pedido de ampliação do objecto do recurso nos seguintes termos:

A) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto condenou a Recorrente a pagar à Caisse Suisse de Compensation a quantia de €15.492,57, absolvendo a aqui Recorrida da instância;

B) A Recorrida é parte ilegítima porque inexistiu qualquer processo judicial a decorrer para apurar responsabilidades quer da Recorrida, quer de AA, já falecido, relativamente ao acidente de 20/05/2004, quer outro condutor da moto CC;

C) O único processo que decorreu foi um processo-crime - Inquérito n.º 3361/04.9TDPRT, que correu termos na 2ª Secção (0203) do DIAP do Porto, o qual em 14/02/2005 veio a ser arquivado por falta de indícios da prática de crime e porque qualquer responsabilidade criminal a apurar-se se mostraria extinta, nos termos do art.º 1150 do Código Penal, uma vez que ambos os intervenientes faleceram;

D) A Recorrida não é responsável por qualquer pagamento à Recorrente e/ou a terceiros;

E) No momento do acidente o veículo automóvel conduzido por AA (veículo com matrícula UL-...-...) era titular de seguro titulado pela Apólice n.º AD 4…1, da Companhia GG, S.A.;

F) A Recorrida não tinha habilitação legal para conduzir e já se encontrava separada do condutor habitual daquela viatura há vários anos;

G) Apesar da viatura de matrícula UL-...-... ainda se encontrar registada em nome da Recorrida, era o AA quem o utilizava no seu exclusivo interesse;

H) A anulabilidade do contrato de seguro é inoponível por parte da Recorrente seguradora à aqui Recorrida;

I) Não tendo sido possível aferir da responsabilidade criminal dos condutores da viatura supra, verifica-se que a responsabilidade aqui em causa, apenas poderia decorrer no âmbito das situações dos artigos 500º e 503º do CC;

J) Sendo que, o prazo de prescrição a aplicar ao caso concreto será o prazo de três anos previsto no art.° 498º nº 1 do CC;

K) Logo era necessário que as herdeiras de CC tivessem intentado ação judicial para apurar responsabilidades pelo acidente e para reconhecimento do direito a uma indemnização, dentro do prazo de 3 anos a contar da data do acidente - 20/05/2004, no pressuposto que os herdeiros do falecido AA fossem citados até ao dia 20/05/2007, para poder operar a interrupção da prescrição;

L) O que também se aplica à Recorrente e Recorrida, pois estas também só teriam aquele prazo de 3 anos para pedir que fosse conhecida a responsabilidade de AA pelo acidente e também só tinha aquele prazo para pedir o conhecimento da responsabilidade daquele ou dos seus herdeiros pelas prestações pecuniárias pagas por aquela ao lesado/herdeiras de CC, bem como qualquer outra prestação pecuniária;

M) Só a partir do momento em que fosse reconhecida que a culpa pela produção do acidente foi de AA é que as herdeiras de CC tinham o direito a pedir à Recorrente o pagamento das prestações pecuniárias que lhe fossem devidas no âmbito da Apólice n° 75…2;

N) Até ao momento, inexiste, qualquer direito reconhecido às herdeiras de CC, nem existe qualquer ação judicial intentada por aquelas contra os herdeiros de AA no sentido de apurar responsabilidades pela produção daquele acidente e consequente pedido de indemnização ou pagamento de prestações pecuniárias;

O) Assim sendo, e como o direito que as herdeiras de CC tinham para pedir judicialmente uma indemnização pelos danos que advieram do acidente se encontra prescrito, então não tem a Recorrida Caisse Suisse qualquer legitimidade para pedir qualquer tipo de indemnização, de reembolso do que terá pago, ou o pagamento nas prestações futuras por ela alegadamente assumidas, pois o direito em que aquela poderia ficar sub-rogada nunca foi judicialmente reconhecido, porque nunca foi judicialmente pedido o seu reconhecimento por quem tinha legitimidade para o fazer (ou seja, as herdeiras de CC);

P) E mesmo que a Recorrida Caisse Suisse pretendesse ver reconhecido tal direito a uma indemnização por parte das herdeiras de CC, então aquelas também teriam que intervir nos autos como parte ativa, sob pena de ilegitimidade da Recorrente, o que se invocou;

Q) Contudo, nenhum efeito teria a intervenção provocada das mesmas, pois como já foi dito, o direito que aquelas poderiam ter a uma indemnização ou a pagamento de determinadas prestações encontra-se prescrito nos termos do art.° 498° n° 1 do CC, pois quando a Recorrida foi citada já há muito havia decorrido o prazo de prescrição;

R) Por tal motivo, e porque não se pode considerar que existiu qualquer interrupção ou suspensão do prazo prescricional, então qualquer direito a uma indemnização ou prestação pecuniária por alegada responsabilidade civil extracontratual relacionado com o acidente de 20/05/2004 encontra-se prescrito;

S) A considerar-se a Recorrida como parte legítima, a mesma teria que ser absolvida dos pedidos, dado que a existir qualquer responsabilidade daquela (via sucessória ou qualquer outra), o direito a qualquer tipo de indemnização por parte da Recorrente e herdeiras de CC já se encontra prescrito cfr. art.° 498° n° 1 do CC.;

T) Pelo que a condenação da Recorrente no douto Acórdão impugnado nenhum reparo merece, devendo manter-se na sua íntegra atenta a não violação de qualquer norma;

U) Caso o douto acórdão venha a ser revogado, no todo ou em parte, o acórdão a proferir deverá reconhecer como provadas as exceções alegadas pela Recorrida.


O R. Fundo de Garantia Automóvel contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):

1. A autora é uma instituição de previdência de direito suíço (alínea A) da matéria de facto assente).

2. CC era segurado/beneficiário da autora, tendo sido titular da apólice nº 75…2, o qual manteve a sua residência na Confederação Suíça entre 1989 e 1998, tendo nesse período aí exercido uma actividade lucrativa (resposta ao facto controvertido nº 1).

3. No dia 20 de Maio de 2004, CC circulava na Estrada Interior da Circunvalação, no Porto, no motociclo que lhe pertencia, de matrícula …-…-TD, no sentido Castelo do Queijo – Monte dos Burgos (resposta ao facto controvertido nº 2).

4. O TD circulava na Estrada Interior da Circunvalação, no sentido Oeste/Este (resposta ao facto controvertido nº 15).

5. O UL circulava na Estrada Exterior da Circunvalação, no sentido Este/Oeste (resposta ao facto controvertido nº 14).

6. A Estrada Interior da Circunvalação e a Estrada Exterior da Circunvalação são estradas paralelas, que ligam a zona Este à zona Oeste do Porto e que são separadas, excepto nas zonas de cruzamentos, por um separador central que, regra geral, está ajardinado (resposta ao facto controvertido nº 16).

7. A circulação no sentido Este/Oeste faz-se através da Estrada Exterior da Circunvalação, sendo que a circulação no sentido Oeste/Este se faz pela Estrada Interior da Circunvalação (resposta ao facto controvertido nº 17).

8. A Estrada Interior da Circunvalação, na zona do sinistro dos autos, caracteriza-se por ser uma recta com visibilidade superior a 200m, em ambos os sentidos de marcha, com duas hemifaixas de rodagem, com cerca de 3,5 metros de largura cada uma (resposta ao facto controvertido nº 18).

9. A Estrada Exterior da Circunvalação, na zona do sinistro, apresenta 3 (três) hemifaixas de rodagem, com 3,5 metros de largura cada uma, sendo que as hemifaixas do meio e da direita servem para quem pretende seguir o sentido em direcção a Oeste, enquanto a hemifaixa mais à esquerda serve para quem pretende inverter o sentido de marcha e passar a circular na Estrada Interior da Circunvalação ou para quem pretende virar para passar a circular na Rua Direita do Viso (resposta ao facto controvertido nº 19).

10. A zona do acidente caracteriza-se, ainda, por ser uma zona de entroncamento/cruzamento entre as Estradas Interior/Exterior da Circunvalação e as Ruas Direita do Viso e do Senhor (resposta ao facto controvertido nº 20).

11. A Rua Direita do Viso apresenta-se à direita da Estrada Interior da Circunvalação, sendo que a Rua do Senhor se apresenta à direita da Estrada Exterior da Circunvalação (resposta ao facto controvertido nº 21).

12. O trânsito neste entroncamento/cruzamento é regulado por sinalização semafórica (resposta ao facto controvertido nº 22).

13. Quando o sinal de semáforo se encontra na posição “verde” quer na Estrada Exterior da Circunvalação quer na Estrada Interior da Circunvalação, para os veículos que seguem a sua marcha quer no sentido Este/Oeste quer no sentido oposto, existe uma luz do semáforo, na posição amarela, que funciona de forma intermitente, isto para os veículos que circulam na hemifaixa de rodagem mais à esquerda da Estrada Exterior da Circunvalação e cujos seus condutores pretendem ou inverter a marcha dos veículos por si conduzidos ou prosseguir a sua marcha em direcção à Rua Direita do Viso (resposta ao facto controvertido nº 23).

14. O limite de velocidade na Estrada Interior da Circunvalação é de 50 km/h (resposta ao facto controvertido nº 24).

15. O tempo estava seco sendo o pavimento da via em asfalto e encontrava-se em razoável estado de conservação (resposta ao facto controvertido nº 25).

16. A Estrada Interior da Circunvalação era ladeada por edificações, nomeadamente stands automóveis, casas de habitação e casas de restauração (resposta ao facto controvertido nº 26).

17. O UL circulava na Estrada Exterior da Circunvalação e pretendia seguir em direcção à Rua Direita do Viso (resposta ao facto controvertido nº 27).

18. O condutor do UL colocou-se na hemifaixa de rodagem mais à esquerda da via pela qual circulava (resposta ao facto controvertido nº 28).

19. O semáforo encontrava-se na posição de verde para os veículos que pretendiam seguir na direcção Este/Oeste (resposta ao facto controvertido nº 29).

20. E na posição de amarelo, intermitente, para os veículos que, como sucedia com o condutor do UL, pretendiam passar a circular na Rua Direita do Viso (resposta ao facto controvertido nº 30).

21. Pelas 23 horas e 35 minutos, do dia 20 de maio de 2004, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-JB, conduzido por LL, e um táxi estavam imobilizados no semáforo localizado no cruzamento da via referida em 3º com a Rua do Senhor, à esquerda, e a Rua Direito do Viso, à direita, uma vez que o semáforo apresentava luz encarnada, aguardando ambos que o mesmo acendesse a luz verde (resposta aos factos controvertidos nºs 3, 4 e 5).

22. Quando o semáforo mudou a luz para verde, o táxi e o veículo …-…-JB arrancaram em velocidade lenta (resposta ao facto controvertido nº 6).

23. O condutor do UL iniciou a manobra de atravessamento da primeira das duas hemifaixas da Estrada Interior da Circunvalação, sendo aí embatido pelo TD (resposta ao facto controvertido nº 33).

24. O TD circulava a uma velocidade não inferior a 100 km/h (resposta ao facto controvertido nº 34).

25. O condutor do TD tinha toda a hemifaixa direita da Estrada Interior da Circunvalação para passar pelo UL (resposta ao facto controvertido nº 35).

26. O embate deu-se entre a parte frontal do TD e a parte lateral direita, zona central, do UL provocando o capotamento deste (resposta ao facto controvertido nº 36).

27. O UL invadiu a hemifaixa de rodagem por onde circulava o TD (resposta ao facto controvertido nº 39).

28. Nos momentos que antecederam o acidente o UL circulava na Circunvalação mas em sentido contrário ao do TD (resposta ao facto controvertido nº 40).

29. O embate entre o UL e o TD processou-se na hemifaixa de rodagem esquerda da Estrada Interior da Circunvalação, atento o sentido Castelo do Queijo-Monte dos Burgos, sendo que em consequência desse embate CC foi arremessado ao solo, tendo sido projectado de rojo para junto da berma da via em que se deu o embate entre os referidos veículos (resposta aos factos controvertidos nºs 9 e 10).

30. Em consequência do acidente, o condutor do UL-...-... faleceu no próprio local (resposta ao facto controvertido nº 11).

31. Tendo CC ficado gravemente ferido, sendo de imediato transportado para o Hospital de S. João do Porto pelo INEM (resposta ao facto controvertido nº 12).

32. E minutos depois de aí ter chegado, já no dia 21 de Maio de 2004, faleceu em consequências das lesões sofridas em virtude do acidente (resposta ao facto controvertido nº 13).

33. Desde 26 de Junho de 1999 encontrava-se registada a favor de BB a propriedade do veículo UL-...-..., o qual, aquando do acidente, era conduzido por AA (resposta ao facto controvertido nº 8).

34. Em 20 de Maio de 2004 existia um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº AU4…1, que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-...-... (alínea D) da matéria de facto assente).

35. Aquando da celebração do contrato referido em 34º o respectivo tomador, HH, declarou ser o condutor habitual do veículo de matrícula UL-...-... (resposta ao facto controvertido nº 58).

36. E declarou que tal veículo lhe pertencia (resposta ao facto controvertido nº 59).

37. Na data da celebração do contrato referido em 34º o condutor habitual do veículo de matrícula UL-...-... era AA, filho de HH (resposta ao facto controvertido nº 60).

38. O qual tinha carta de condução há menos de dois anos, contando 23 anos de idade (resposta ao facto controvertido nº 61).

39. Na data da celebração do contrato referido em 34º o veículo de matrícula UL-...-... pertencia à corré BB (resposta ao facto controvertido nº 62).

40. Os factos referidos em 37º e 38º a terem sido declarados à Companhia de Seguros GG, S.A. teriam dado lugar a um agravamento do prémio de seguro (resposta ao facto controvertido nº 63).

41. E se o facto referido em 39º fosse declarado à Companhia de Seguros GG, S.A. esta não celebraria o contrato de seguro (resposta ao facto controvertido nº 64).

42. A autora pagou à viúva de CC, DD, desde 1 de Junho de 2004, uma pensão mensal de CHF 846,00 (resposta ao facto controvertido nº 42).

43. A partir de 1 de Janeiro de 2005, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 862,00 (resposta ao facto controvertido nº 43).

44. A partir de 1 de Janeiro de 2007, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 882,00 (resposta ao facto controvertido nº 44).

45. E a partir de 1 de Janeiro de 2009, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 914,00 (resposta ao facto controvertido nº 45).

46. Entre 1 de Junho de 2004 e 31 de Dezembro de 2009, a autora pagou a DD, o montante de CHF 58.842,00 (€ 39.769,93) (resposta ao facto controvertido nº 46).

47. A autora pagou à filha de CC, EE, desde 1 de Junho de 2004, uma pensão mensal de CHF 423,00 (resposta ao facto controvertido nº 47).

48. A partir de 1 de Janeiro de 2005, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 431,00 (resposta ao facto controvertido nº 48).

49. A partir de 1 de Janeiro de 2007, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 443,00 (resposta ao facto controvertido nº 49).

50. E a partir de 1 de Janeiro de 2009, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 457,00 (resposta ao facto controvertido nº 50).

51. Entre 1 de Junho de 2004 e 31 de Dezembro de 2009, a autora pagou a EE, o montante de CHF 29.421,00 (€ 19.878,95) (resposta ao facto controvertido nº 51).

52. A autora criou reservas matemáticas, para o pagamento da pensão devida a DD, no montante de CHF 187.071,00 (€ 126.417,00) (resposta ao facto controvertido nº 52).

53. E criou reservas matemáticas para o pagamento da pensão devida a EE no montante de CHF 147.807,00 (€ 99.914,66) (resposta ao facto controvertido nº 53).

54. O 1º corréu procedeu ao pagamento às herdeiras de CC, da quantia de € 70.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida, pelo sofrimento sofrido pela malograda vítima com o vislumbre da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha com a morte do marido e pai (resposta ao facto controvertido nº 54).

55. O 1º corréu pagou à Companhia de Seguros FF, S.A.. a importância de € 151.016,97, a título de despesas com o funeral, subsídio por morte e com as pensões de sobrevivência (resposta ao facto controvertido nº 55).

56. Sendo que dessa quantia € 26.095,18 corresponde a pagamento feito à viúva a título de pensões (resposta ao facto controvertido nº 56).

57. E que dessa importância, € 119.285,54 corresponde a pagamento feito à filha a título de pensões (resposta ao facto controvertido nº 57).

58. E a quantia de € 5.636,26, a título de despesas com transportes, alojamento, despesas com o funeral e subsídio por morte (resposta ao facto controvertido nº 57-A).

59. Foi enviada ao 1º corréu a carta que se mostra junta a fls. 34 a 37 dos autos, à qual este respondeu através da missiva junta a fls. 40  (alínea B) da matéria de facto assente).

60. Pela 2ª Secção do DIAP do Porto, correu o inquérito nº 361/04.9TDPRT, o qual culminou com uma decisão de arquivamento nos termos que constam de fls. 108 e seguinte (alínea C) da matéria de facto assente).

61. No processo nº 5616/05.6TBMTS, do 4º Juízo Cível do …, BB, HH e II, acordaram em pôr termo à lide mediante a celebração da seguinte transacção, judicialmente homologada por sentença proferida a 22 de Janeiro de 2008 e já transitada em julgado:

“I – Metade do Bem imóvel do activo da herança:

1º A cabeça de casal [BB] e os requerentes [HH e II], em relação ao único bem imóvel constante do activo – VERBA 1 – acordam em atribuir-lhe o valor global de € 65.000,00.

2º O imóvel será colocado à venda, por ambos, pelo valor de € 69.000,00 de forma a assegurar o pagamento da respectiva comissão à imobiliária que conseguir angariar a venda.

3º Até à respectiva venda, a cabeça-de-casal poderá usufruir do imóvel, nele habitando.

4º Na data da respectiva escritura pública de compra e venda serão pagas as tornas respectivas que a cabeça de casal e os requerentes têm direito, nos termos legais previstos, quanto à metade do imóvel relacionada neste processo.

II – Metade dos Bens móveis do activo da herança:

5º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 2, 3 e 4 acordam que ficam adjudicados à cabeça de casal pelos valores de, respectivamente, € 750,00, € 550,00 e € 200,00, sendo que cabeça de casal pagará as tornas respectivas a que os requerentes têm direito aquando da venda do bem imóvel como atrás se alude em I.

6º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 5 e 6 acordam que ficam adjudicados à cabeça de casal pelos valores relacionados tendo já os requerentes desta recebido as respectivas tornas.

7º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar.

8º Quanto aos bens móveis relacionados no Ponto 23º da Reclamação apresentada pelos requerentes nos autos, acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar.

9º Quanto aos bens móveis relacionados na VERBA 19 (acções e depósitos a prazo), ambas as partes aceitam prescindir de relacionar os depósitos a prazo como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar a este propósito e que o número de acções são os seguintes: 676 acções da “PT Multimédia SGPS, SA” e 2631 acções da “P…, SA”, procedendo-se à partilha das mesmas da seguinte forma:

   a) das 338 acções da “PT Multimédia SGPS, SA”, são adjudicadas à cabeça de casal 282 acções e aos requerentes 56 acções;

   b) das 2631 acções da  “P…, SA”, são adjudicadas à cabeça de casal 2192 acções e aos requerentes 439 acções.

III – Passivo da herança

10º Quanto ao passivo relacionado na VERBA 20 fica prejudicado com o acordado em I.

11º Quanto ao passivo relacionado nas VERBAS 21, 22, 23, 24, 25 acordam ambos no reconhecimento da existência de tais verbas e aceitam pagar os respectivos montantes relacionados nas proporções legais respectivas.

12º Quanto ao passivo relacionado nas VERBAS 26 e 27 acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no passivo da herança, pelo que nada há a dividir ou a pagar.

13º Quanto ao passivo relacionado nos Pontos 32, 33, 34 e 35 da Reclamação apresentada pelos requerentes acordam ambos no reconhecimento da existência de tais passivos e aceitam pagar os respectivos montantes relacionados nas proporções legais respectivas. Sendo certo ainda, que a cabeça-de-casal já requereu, junto da Segurança Social, o respectivo subsídio de funeral obrigando-se esta a entregar aos requerentes a respectiva quantia que venha a receber na proporção legal.

14º Acordam ainda acrescentar ao passivo da herança a quantia de € 583,53 dispendida pela cabeça de casal no pagamento do IMI do bem imóvel da herança respeitante aos anos de 2004, 2005 e 2006, sendo que dessa quantia os requerentes se obrigam a pagar àquela a quantia de € 97,26.

IV – Custas

15º O pagamento das custas judiciais em dívida a juízo bem como o imposto de selo devido pela presente transacção, se a ele houver lugar, será suportado em partes iguais por ambas as partes, prescindindo ambas de custas de parte e procuradoria na parte disponível.”

62. No dia 31 de Julho de 2008, no Cartório Notarial do Sr. Notário MM, em Matosinhos, no livro de escrituras diversas número cento e noventa e sete-A, de folhas quarenta e uma a quarenta e três, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros e partilha, na qual os seus outorgantes, BB, HH e II declararam serem os únicos herdeiros de AA, falecido a 20 de Maio de 2004, sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade, a primeira na qualidade de viúva do falecido e o segundo e a terceira, na qualidade de progenitores do finado; mais declararam que a herança aberta por óbito de AA era composta por uma fracção autónoma, designada pelas letras “AC”, correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo e na cave, lugar de aparcamento, com entrada pelo nº 226 C, na Rua …, registada a favor do autor da herança e da viúva deste, ainda no estado de solteiros, na freguesia de …, concelho de Matosinhos e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número dois mil trezentos e quarenta e quatro, com o valor global de quarenta e quatro mil novecentos e sessenta euros; mais acordaram na adjudicação a BB da fracção antes descrita, declarando HH e II terem recebido de BB, a título de tornas em dinheiro, a quantia de sete mil quatrocentos e noventa e três euros e três cents.


5. Por despacho de fls. 1782 foi apreciada a questão prévia da eventual inadmissibilidade do recurso por falta de preenchimento do requisito do valor da alçada da Relação (cfr. art. 629º, nº 1, do Código de Processo Civil), questão suscitada pela A. Recorrida Caisse Suisse de Compensation, alegando que “O valor da causa, a partir da interposição do recurso de apelação referido em 2 pela aqui Recorrida, passou a ficar reduzido ao valor do recurso, ou seja € 20.880,41”, decidindo-se não ter a Recorrida razão. O valor da acção é indicado pelas partes e fixado pelo juiz no despacho saneador (art. 306º, nºs 1 e 2, do CPC), não variando na fase recursória. No caso dos autos, o valor da acção é de € 285.980,54. Tendo a acção sido interposta em 21 de Janeiro de 2012, nos termos conjugados do art. 31º, nº 3, da Lei nº 52/2008 e do art. 44º, nº 3, da Lei nº 62/2013, encontra-se preenchido o pressuposto legal de que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal da Relação.

      No mesmo despacho, e ao abrigo do nº 1, do art. 636º do CPC, admitiu-se o pedido de ampliação de objecto do recurso formulado pela Recorrida BB.


6. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa, no recurso da interveniente JJ, S.A., as seguintes questões:

- Regime legal aplicável ao contrato de seguro dos autos relativo ao veículo UL-...-...;

- Oponibilidade aos lesados da eventual invalidade do mesmo contrato de seguro dos autos;

- Prescrição do direito da A. Caisse Suisse de Compensation, sub-rogada no direito das herdeiras do falecido CC.


Do requerimento de ampliação do objecto do recurso de BB resultam as seguintes questões:

- Falta de legitimidade passiva e/ou ausência de responsabilidade da requerente;

- Inoponibilidade à requerente da anulabilidade do contrato de seguro relativo ao veículo UL-...-...;

- Prescrição do direito de indemnização das herdeiras do falecido CC, e, consequentemente, do direito da A. Caisse Suisse de Compensation.

A segunda questão objecto da ampliação de recurso coincide com uma das questões do recurso da JJ, S.A. A segunda e a terceira questões objecto da ampliação de recurso apenas serão conhecidas se o recurso da JJ, S.A. proceder, em termos tais que seja afectada a posição jurídica da requerente da ampliação.


7. Quanto ao regime legal aplicável ao contrato de seguro dos autos que cobre a responsabilidade do condutor do veículo UL-...-..., assinale-se que, uma vez que o acidente de viação ocorreu a 20 de Maio de 2004, é aplicável a tal contrato o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto), em conjugação com o regime dos arts. 428º e 429º do Código Comercial de 1888 (entretanto revogados pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril).


8. Quanto à questão da oponibilidade aos lesados (no caso, as herdeiras do falecido CC) da invalidade do contrato de seguro, devem ter-se em conta as normas legais que aqui se transcrevem:


Código Comercial

Artigo 428º

 “O seguro pode ser contratado por conta própria ou por conta de outrem.

§ 1. Se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo.

(…).

Artigo 429º

Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.

(…)


Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro

Artigo 2.º

(Sujeitos da obrigação de segurar)

1. A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário.

2. Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.

(…).

Artigo 14º

(Oponibilidade de excepções aos lesados)

“Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.


      É pacífico o entendimento de que o regime do § 1, do art. 428º, do Cód. Com. se refere a nulidade absoluta (na terminologia do Código de Seabra) ou nulidade (na terminologia do Código Civil de 1966) e o regime do art. 429º, do Cód. Com. se refere a nulidade relativa (na terminologia do Código de Seabra) ou anulabilidade (na terminologia do CC de 1966). Neste sentido, ver, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16/10/2008 (proc. nº 08A2362), de 20/01/2010 (proc. nº 471/2002.G1.S1) e de 31/05/2011 (proc. nº 2693/07.9TBMTS.P1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, assim como Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro - Estudos, Coimbra Editora, 2009, págs. 271 e seg.

      Da conjugação da estatuição da nulidade (no § 1, do art. 428º, do Cód. Com.) e da anulabilidade (no art. 429º do Cód. Com.) com o disposto no supra transcrito art. 14º, do Decreto-Lei nº nº 522/85, resulta que a seguradora pode opor aos lesados a nulidade do § 1, do art. 428º, do Código Comercial, mas já não a anulabilidade do art. 429º do mesmo Código, em virtude de se tratar de uma anulabilidade não prevista no próprio Decreto-Lei nº 522/85.

       Em consequência, a resposta à questão em apreciação será diferente consoante se considerar aplicável ao caso dos autos um ou outro regime do Código Comercial. Ambas as soluções têm sido propugnadas pela doutrina e pela jurisprudência nacionais.

Segundo uma das orientações, o contrato de seguro dos autos seria nulo pelo facto de o tomador do seguro ter declarado, falsamente, ser proprietário do veículo e seu condutor habitual, com o intuito de conseguir que a seguradora: (i) celebrasse o contrato que de outra forma não seria celebrado (facto provado 41); e/ou (ii) celebrasse o contrato em condições menos onorosas para o segurado (facto provado 40). A nulidade tem fundamento na falta do requisito legal do interesse do tomador do seguro, exigido pelo artigo 428º, § 1º, do Cód. Com., entendendo-se que o interesse tem de revestir natureza económica. Em consequência, e em conjugação com o artigo 14º, do Decreto-Lei nº 522/85, a nulidade seria oponível ao lesado e aos seus herdeiros, assim como àqueles que se encontram sub-rogados nos direitos de ambos.

      Segundo outra orientação, no contrato de seguro dos autos, por se tratar de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o requisito legal do interesse, previsto no § 1º, do art. 428º, do Cód. Com., encontra-se derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no art. 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85, pelo que a questão deve ser resolvida à luz do regime específico das falsas declarações na celebração do contrato de seguro, sendo assim o contrato anulável (art. 429º, do Cód. Com.), vício que não é oponível ao lesado ou aos seus herdeiros (art. 14º, do Decreto-Lei nº 522/85) e, consequentemente, também não o é àqueles que se encontrem sub-rogados nos direitos daqueles.

     Variante desta segunda orientação é aquela que, sem se referir directamente ao requisito do interesse, afasta implicitamente o regime do § 1º, do art. 428º, e se limita a subsumir no regime do art. 429º todas as situações de falsas declarações. Com o mesmo resultado: o contrato de seguro é anulável mas a anulabilidade é inoponível aos lesados ou seus herdeiros (art. 14º, do Decreto-Lei nº 522/85) e, consequentemente, é também inoponível a quem se encontre sub-rogado nos direitos daqueles.

        Suscitaram-se dúvidas acerca da conformidade da primeira orientação com o efeito útil das Directivas Comunitárias sobre Seguro Automóvel, mais concretamente, dúvidas sobre se, além das exclusões do artigo 2º, nº 1, da Directiva 84/5/CEE, se podem aceitar outras exclusões ao princípio geral do artigo 3º, nº 1, da Directiva 72/166/CEE, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (em particular o acórdão Rafael Ruiz Bernáldez, de 28 de Março de 1996 (proc. C-129/94), o acórdão Benjamin Wilkinson, de 1 de Dezembro de 2001 (proc. C-442/10), o acórdão Katja Candolin, de 30 de Junho de 2005 (proc. C-537/03) e o acórdão Elaine Farrel, de 19 de Abril de 2007 (proc. C-356/05)).Após notificação das partes, por despacho de fls. 1352 e segs., decidiu-se:


1. Suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a seguinte questão prejudicial:

O artigo 3º, nº 1, da Directiva 72/166/CEE, o artigo 2º, nº 1, da Directiva 84/5/CEE, e o artigo 1º, da Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros, respeitantes ao seguro da responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma legislação nacional que comine com a nulidade absoluta o contrato de seguro, em consequência das falsas declarações sobre a propriedade do veículo automóvel, assim como sobre a identidade do seu condutor habitual, sendo o contrato celebrado por quem não tem interesse económico na circulação do veículo e estando subjacente o intuito fraudulento dos intervenientes (tomador, proprietário e condutor habitual) de obter a cobertura dos riscos de circulação, mediante: (i) a celebração de contrato que a seguradora não celebraria se conhecesse a identidade do tomador; (ii) o pagamento de um prémio inferior ao devido, em razão da idade do condutor habitual?

2. Declarar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269º, nº 1, alínea c), e do artigo 272º, do Código de Processo Civil, até à resolução da questão prejudicial enunciada.


Em resposta à questão prejudicial, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu acórdão, em 20 de Julho de 2017 (proc. C-287/16), com a seguinte decisão:


O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato. (negrito nosso)


     Perante esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpretação do direito português em conformidade com o direito da União Europeia, impõe que se entenda que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no art. 428º, § 1º, do Cód. Com., se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no art. 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85, pelo que a factualidade subjacente (pontos 35 a 41) releva apenas para efeitos de subsunção no regime específico das falsas declarações prestadas aquando da celebração do contrato de seguro, regime que determina a anulabilidade do contrato (art. 429º, do Cód. Com.), a qual não é, porém, oponível às herdeiras do falecido CC (art. 14º, do Decreto-Lei nº 522/85) nem, consequentemente, é oponível à A. Caisse Suisse de Compensation, sub-rogada nos direitos daquelas mesmas herdeiras. Esta posição corresponde à orientação seguida por este Supremo Tribunal nos acórdãos de 16/10/2008 (proc. nº 08A2362), de 31/05/2011 (proc. nº 2693/07.9TBMTS.P1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt; e, em sentido próximo, do acórdão de 11/02/2016 (proc. nº 601/05.0TJVNF.P2.S1), cujo sumário pode ser consultado em www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios.

      Conclui-se, assim, que a invalidade do contrato do seguro relativo ao veículo automóvel UL-...-..., celebrado entre HH e a Companhia de Seguros GG, S.A., à qual sucedeu a JJ, S.A., é inoponível às herdeiras do falecido CC e, consequentemente, é também inoponível à A. Caisse Suisse de Compensation, sub-rogada no direito daquelas.


9. Relativamente à questão de saber se o direito de que a A. é titular prescreveu, alega a Recorrente JJ, S.A., que “O acidente dos autos teve lugar no dia 20.05.2004; A petição inicial deu entrada na secretaria das extintas Varas Cíveis do … no dia 11.01.2010; A ora Recorrente foi citada para contestar a presente acção no dia 18.12.2010, ou seja, quando a Recorrente é citada para contestar a acção dos autos já haviam decorrido mais de 5 (cinco) anos sobre o dia do acidente; Nestes termos, o direito que a Recorrida CAISSE se arroga como sendo titular já se encontrava prescrito relativamente à ora Recorrente, nos termos do disposto no art.º 498.°, n.º 1 do Código Civil.”

         Vejamos.

      Tendo o acórdão da Relação (a fls. 1711) decidido que “prescreveram as pretensões da autora que respeitam a prestações realizadas antes de 18 de novembro de 2007”, decisão que não foi impugnada, no presente recurso apenas se discute se prescreveu ou não o direito da A. ao reembolso das prestações por ela efectuadas às herdeiras do falecido CC a partir de 18 de Novembro de 2007.

       O direito da A. Caisse Suisse de Compensation, aqui Recorrida, funda-se no regime conjugado da Loi Fédérale sur l`Assurance Vieillesse et Survivants, da Loi sur l`Assurance Invalidité, da Loi Fédérale sur l`Assurance d’Accidentes, e do art. 36º da Convenção de Segurança Social, celebrada entre Portugal e a Suíça (aprovada pelo Decreto nº 30/76, de 16 de Janeiro), regime que lhe atribui um direito de sub-rogação perante os responsáveis pelo acidente, que o Estado Português se obrigou a reconhecer, nos termos do art. 93º do Regulamento (CEE) nº 1408/71, do Conselho, de 14 de Junho de 1971.

Entenderam as instâncias ser aplicável ao caso o nº 2 do art. 498º do Código Civil que dispõe: “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”. No sentido da aplicação analógica deste regime às hipóteses de sub-rogação legal tem decidido a jurisprudência deste Supremo Tribunal, recusando o tratamento diferenciado entre o titular do direito de regresso e o sub-rogado. Nas palavras do acórdão de 25/03/2010, proc. nº 2195/06.0TVLSB.S1, www.dgsi.pt,“Não pode (…) olvidar-se que tal diferenciação radical de regimes entre a subrogação e o direito de regresso, assente na respectiva fisionomia dogmática ou conceitual, e não na ponderação dos interesses que lhe vão subjacentes, acaba por conduzir a um tratamento injustificadamente diferenciado de situações que, de um ponto de vista material, não merecem a aplicação de regimes radicalmente divergentes (podendo conduzir, em última análise, a uma verdadeira impossibilidade prática de obtenção pelo interessado do reembolso através da via da subrogação, bastando que tenha ocorrido uma dilação significativa – e não necessariamente imputável ao credor subrogado, podendo a demora radicar numa situação litigiosa quanto ao apuramento exacto dos danos causados pelo sinistro - entre os momentos do evento danoso e daquele em que se realizou o cumprimento que gera a subrogação). No sentido da aplicação analógica do nº 2 do art. 498º, do CC, cfr. também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2000 (proc. n.º 00B3061), de 22/04/2004 (proc. nº 04B404), de 08/03/2005 (proc. nº 05B3061), de 17/11/2005 (proc. nº 05B3061) e de 10/01/2013 (proc. nº 157-E/1996.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, assim como os acórdãos de 22/10/2009 (proc. n.º 501/09.5YFLSB), de 16/03/2011 (proc. n.º 3180/04.2TJVNF.P1.S1), cujos sumários podem ser consultados em www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios.

Independentemente da natureza da qualificação do direito da A. Caisse Suisse de Compensation como verdadeira sub-rogação ou antes como direito de regresso, trata-se, sem dúvida, de um “direito ao reembolso” das prestações realizadas às beneficiárias, na expressão de Brandão Proença (“Natureza e prazo de prescrição do ‘direito de regresso’ no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, in Cadernos de Direito Privado, nº 41, págs. 40 e segs.), o que justifica a aplicação do prazo de três anos a contar do pagamento às beneficiárias, aqui as herdeiras do falecido CC. Confirma-se a decisão da Relação no sentido de não ter prescrito o direito da A. Caisse Suisse ao reembolso das prestações por esta efectuadas às referidas herdeiras a partir de 18 de Novembro de 2007.

Conclui-se assim que o direito da A. a ser reembolsada no montante fixado pela Relação não prescreveu.


10. Não procedendo qualquer das pretensões da Recorrente, a posição jurídica da requerente da ampliação do objecto do recurso, BB, não é afectada pelo que não cabe conhecer das demais questões suscitadas em sede de ampliação.


11. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 02/11/2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho