Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5528/05.3TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO INOMINADO
BEM IMÓVEL
MUNICÍPIO
DOMÍNIO PÚBLICO
LOTEAMENTO
FIM CONTRATUAL
CLÁUSULA ACESSÓRIA
ÓNUS DA PROVA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURIDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS EM ESPECIAL / DOACÇÃO.
Doutrina:
- A. Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, pp.35, 40.
- Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. II, p. 230.
- Fernanda Paula Oliveira, anotação ao Ac. STA, de 20.10.99, Processo n.º 44170, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 21, Maio/ Junho, 2000, p. 41 e segs..
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em especial, Vol. III, 7.ª ed., pp. 176 /178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 239.º, 252.º, N.º2, 342.º, N.º1, 473.º, 474.º, 798.º, 940.º, 963.º, N.º1.
DL N.º 289/73, DE 6-06: - ARTIGO 19.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
-DE12.11.2009, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.09.2005, EM VIA WWW.DGSI.PT; DE 9.06.2006, IN RLJ, ANO 136, 2007; DE 8.03.2012, PROC. Nº 3027 /07 .8TVLSB.L1.S1; DE 13.01.2011, PROC. N.º 2977/07.6TBGMR-C.G1.S1; DE 01.02.2011, PROC. N.º 205-A /1998. L1.S1, 1.ª SECÇÃO; DE 03.02.2011, PROC. N.º 6041/05.4TVLSB.L1.S1, 7.ª SECÇÃO; DE 01.03.2012, PROC. N.º 353/2000.E1.S1, 7.ª SECÇÃO; DE 17.01.2013, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1- Numa escritura de cedência de terrenos para o domínio público municipal, em que a, aqui, autora, no âmbito de uma operação de loteamento urbano, declara em resultado do  cumprimento da cláusula 5ª do alvará de licença de loteamento, que cede ao Município de Loures para instalação de equipamentos gerais determinados lotes de terreno, configura um contrato inominado de natureza privado / oneroso, regulado pelas estipulações nele contidos e subsidiariamente pelas disposições, que mais se aproximam do contrato típico mais afim, sem esquecer as regras comuns a todos os contratos, não lhe sendo, no entanto, aplicável o regime da doação modal, a que alude o art. 963 e segs, do C. Civil.

2- Não constando da aludida escritura que o Réu, Município, se obrigou a dar aos lotes de terrenos cedidos determinado fim, incumbia á autora demonstrar, nos termos do art. 342 nº1 do C: Civil, que essa cláusula ainda que acessória ou adicional fazia parte integrante do contrato plasmado na escritura firmado entre autora e réu.

3- Quando a questão sobre destino dos terrenos  foi abordada , pela via da alegação da autora, esta não logrou  provar a essencialidade  desse  aspecto  como decisivo para contratar, circunstância que, aqui, não deve  ser desvaloriza da  em termos de aferição da vontade negocial das partes  plasmada na aludida escritura .( cfr. art.  Resposta ao art. 9º da BI).

4- Incumbia, assim, á autora fazer a prova que houve acordo das partes sobre o destino a dar aos terrenos  ( cfr. art. 342 nº1 do C. Civil) e que o mesmo fazia também parte do contrato, ainda que consubstanciado numa obrigação acessória ou adicional.

5-  E não se provando que o clausulado relativo ao destino dos lotes de terreno  fizesse parte do contrato que as partes subscreveram quando outorgaram na escritura e, nomeadamente que o R se obrigou a dar aos terrenos um determinado fim, não se pode aqui, falar em incumprimento contratual por banda do R Município, ainda que este tenha dado um destino diferente aos terrenos, não  assistindo, assim, direito à indemnização nos temos em que a autora reclama. ( cfr.  art. 798 do C. Civil).

6-  Não pode, aqui, também  ser invocado  o enriquecimento sem causa ( cfr. art. 473 do CC), face à natureza subsidiária do mesmo ( cfr. art. 474 do C: Civil), já que a autora tinha à sua disposição outros institutos, como o do não cumprimento contratual  que, aliás, invocou , mas, como se viu,  não provou( art. 798 do C Civil), assim como, nada provou quanto ao erro/ alteração das circunstâncias ( art. 252 nº2 do C . Civil ) , o que à partida afasta a aplicação deste instituto. 

Decisão Texto Integral:

     

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

AA – Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do Infantado SA intentou acção de condenação com processo ordinário  contra, Município de Loures, BB e mulher CC ,GDL- Sociedade Distribuidora de Gás Natural de Lisboa SA e BP Portuguesa SA pedindo que :

a) Seja anulado o contrato outorgado entre a A. e o R. Município em 1985.09.27 (v. Doc. 2, adiante junto), com fundamento em erro sobre a base do negócio, ou,

se assim não se entender,

b) Seja declarada a resolução do contrato outorgado entre a A. e o R.

Município em 1985.09.27 (v. Doc. 2, adiante junto), com fundamento na verificação da

condição resolutiva. em alteração anormal das circunstâncias ou em incumprimento

imputável ao R. Município;

Em qualquer dos casos,

c) Serem declarados nulos e ineficazes os contratos titulados pelas escrituras de 1991.03.13, de 1991.03.19, de 1996.09.10, de 1997.10.31 e de 2002.06.30, ex vi dos arts. 5o, 53° e 56° do DL 448/91, de 29 de Novembro, dos arts. 20°, 57° e 60° do DL 400/84, de 31 de Dezembro, dos arts. 5° e 49° do DL 555/99, de 16 de Dezembro e dos arts. 271  e 294°do Cód. Civil;

d) Os RR  serem condenados a restituir à A. os lotes de terreno objecto do contrato outorgado em 1985.09.27 (v. Doe. 2, adiante junto) ou, subsidiariamente e se a restituição não for possível, a pagar-lhe a indemnização correspondente ao valor actual daqueles lotes, a liquidar em execução de sentença;

e) Deve ser ordenado ao abrigo do art. 8°/l do Cód. Reg. Predial, o cancelamento do registo de aquisição do prédio descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 283/011085, da freguesia de Loures, a favor da Câmara Municipal de Loures, bem como de todos os registos realizados posteriormente àquele, nomeadamente em prédios destacados ou desanexados do imóvel acima identificado».

A A fundamenta o seu pedido, alegando:

            Que tem promovido o loteamento e a urbanização da Quinta do Infantado, que abrange vários prédios sitos nas freguesias de Loures e de Frielas, do Município de Loures.

Mais alega que, por escritura de 27/9/1985, doou ao réu Município de Loures, para instalação de equipamentos gerais, vários lotes de terreno, que identifica, com a área total de 33.280 m2.

Alega, também, que, por escritura de 19/3/91, aquele réu cedeu à GDP - Gás de Portugal, SA, em direito de superfície, a título gratuito, uma parcela daqueles terrenos, com a área de 6.000 m2. Que, por escritura de 10/9/1996, o réu Município e os réus BB e mulher, permutaram entre si duas parcelas daqueles terrenos com a área de 13.000 m2 e de 2.000 m2. Que, por escritura de 13/3/1991, o réu Município cedeu em direito de superfície, à ré GDL, a referida parcela de 2.000 m2. Que, por escritura de 31/10/1997, os réus BB e mulher cederam à ré BP, em direito de superfície, uma parcela de terreno com a área de 3.793 m2. Que, por escritura de 30/6/2002, o réu Município deu em permuta aos réus BB e mulher, uma parcela de terreno com a área de 531,11 m2 e uma parcela de terreno com a área de 218,89 m2.

Alega, ainda, que nos aludidos terrenos cedidos pela autora ao réu Município, este não construiu, nem instalou, quaisquer equipamentos gerais de carácter público, sendo que a autora nunca teria efectuado as referidas cedências se soubesse que os terrenos em causa seriam transmitidos a particulares, para serem afectos a fins lucrativos de interesses privados.

A Ré BP Portugal contestou, por excepção, invocando a incompetência material do tribunal Judicial e a caducidade do direito da autora de arguir a eventual anulabilidade do negócio que celebrou com o Município de Loures. Mais alegou que, de todo o modo, a acção deve improceder, mas que, quando assim se não entenda, deve ser julgado procedente  o  pedido  reconvencional  que  deduziu,  reconhecendo-se  à  ré  a propriedade da parcela de terreno com a área de 3.793 m2, por acessão industrial imobiliária.

O Réu, Município de Loures, contestou, concluindo pela improcedência da totalidade dos pedidos.

Os Réus, BB e mulher, contestaram invocando a ineptidão da petição inicial, a incompetência do tribunal em razão da matéria e a caducidade do direito de acção. Mais alegaram que, a não se entender assim, deve, de qualquer modo, improceder a acção.

A autora replicou, concluindo pela improcedência das excepções deduzidas, bem como do pedido reconvencional formulado.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções da incompetência em razão da matéria, da ineptidão da petição inicial e da caducidade, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto relevante considerada assente e da que passou a constituir a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação daquela sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls.1330 a 1361, confirmou a sentença recorrida embora com fundamentação diversa da aí expendida.

Novamente inconformada a autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.

Nas suas alegações de recurso a autora formula as seguintes conclusões:

A - DA NATUREZA DO CONTRATO

la. O contrato titulado pela escritura outorgada, em 1985.09.27, entre o ML e a ora

recorrente (v. fls. 25 e segs. dos autos) tem natureza estritamente privada, constituindo uma doação modal, conforme constitui jurisprudência unânime deste Venerando Tribunal (v. Ac STJ de 2013.03.12, Proe. 5097;05.4TVLSB.L 1.S1; Ac. STJ de 2005.09.22, Proc. 0581723; e Ac. STJ de 2001.01.18, Proc. 447/97/A) e foi decidido - e bem - no acórdão recorrido - cfr. texto n. o s 1 a 5 i 2a•          A natureza privada do referido contrato foi expressamente reconhecida e decidida no despacho saneador proferido, em 2009.05.15, de fls. 302 a 314 dos autos, já transitado em julgado (v. arts. 613°, 621° e 6220 do CPC) - cfr. texto n.º 3;

B - DO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO DE LOURES

30•      O Ml incumpriu frontalmente o contrato titulado pela escritura de ris. 25 e segs. dos autos ao dar um destino diverso aos lotes em causa - instalações comerciais e industriais e posto de abastecimento de combustíveis - conforme tem constituído Jurisprudência unânime deste Venerando Tribunal (v. Ac. STJ de 2013.03.12, Proc. 5097/05.4TVLSB.L1.S1;  Ac. STJ de 2005.09.22, Proc. 0581723, ambos in www.dgs1.pt) e foi decidido no acórdão recorrido, resultando tal incumprimento das seguintes razões principais:

a) Na escritura pública outorgada, em 1985.09.27.foi expressamente estipulado o

destino dos lotes transmitidos ao ML - "instalação de equipamentos gerais" (v. ponto

II) dos FP -, integrando esta estipulação o conteúdo do contrato e constituindo

uma obrigação juridicamente vinculante do ML (v. arts. 405. 405 e 762 e segs.

do C. Civil), e "a comprovar a essencialidade, para os doadores, deste destino do terreno

doado, aí temos, além do mais que resulta da prova produzida, a sua inclusão expressa na

escritura que formalizou a doação" (v. Ac. STJ de 2005.09.22, Proc.0581723, ln

www.dgsl.pt);

b) Estamos perante uma obrigação do ML Juridicamente vinculante, pois como

escreveu Baptista Machado, "um contrato por sua natureza neutral, pode, porém,

tornar-se contrato vinculado a um fim, por força de um entendimento das partes sobre o fim

a que se destina a prestação de uma delas"(v. Obra Dispersa. Vol. I, pág. 155 e 156);

c) O ML, ao dar um destino diverso aos lotes em causa - Instalações comerciais e

industriais e posto de abastecimento de combustíveis (v. pontos XVII) e XXI) dos

FP -, violou o dever de prestar expressamente estipulado, Incumprindo

frontalmente o referido contrato (v. arts, 406 e 762° e segs. do C. Civil);

d) O incumprimento do ML sempre resultaria da violação de deveres laferais,

livremente impostos e assumidos pelas partes. na escritura celebrada em

1985.09.27 (v. arts., 227°, 334 e 406° do C. Civil; cfr. Pinto Monteiro. RLJ, Ano 134.

p.p. 286 e segs. e Ano 136, p.p. 246 e segs.);

e) O incumprimento pelo ML do fim contratualmente estabelecido consubstancia

claramente violação do princípio da boa fé (v. arts. 227 e 762 nº/2 do C. Civil) -

cfr. texto n.D s 6 a 9;

C- DA OBRIGACÃO DE INDEMNIZAR DO ML

4°. Contrariamente ao decidido no douto Acórdão recorrido, o ML está obrigado a indemnizar justamente a ora recorrente, ex vi dos arts. 562° e segs., 798 e segs. e 801 do C. Civil, como tem sido decidido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em casos absolutamente paralelos, pois:

a) "A consequência desse incumprimento só pode ser a do direito a uma indemnização a favor

dos doadores/recorridos, nos termos do nº 2 do artigo 801 do Código Civil ( ... ) e que

corresponda à diferença entre o valor do terreno se lhe tivesse sido dado o destino constante

da escritura de doação e o valor que passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio 8

ser dado" (v. Ac. STJ de 2005.09.22, Proe. 0581723. in www.dgsj.pt: cfr. Pinto

Monteiro. RLJ, Ano 134°, p.p. 286 e segs. e Ano 136°, n." 3943, p.p, 246 e segs.);

b)  A consequência desse incumprimento culposo, impossibilitando a reposição in natura, só pode ser a do direito a uma indemnização a favor da doadora, aqui recorrida, nos termos do nº2 do art. 801 do CC (que) deve equivaler à quantia, a liquidar em momento ulterior, que resultar da diferença entre o valor do terreno doado se lhe tivesse sido dado, na totalidade, o destino constante da escritura de doação e o valor que passou li ter com o destino que. na realidade. lhe veio a ser dado" (V. Ac. STJ de 2013.03.12, Proc.5097/05.4TVLSB.Ll.Sl, ln www.dgsl.pt) - cfr. texto nºs 10 e 11;

No caso sub judice, a indemnização deve ser fixada com base no disposto no art.

801° do C. Civil, conforme se decidiu nos citados Acórdãos deste Venerando

Tribunal- cfr. texto nºs 10 e 11;

6°.       Contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, é inaplicável ln casu o art.8020 do C. Civil, dado que (I) a ora recorrente não tem a "faculdade de resolver" O

contrato de 1985.09.27. ex vi do disposto no arf. 966 do Cód. Civil. e (ii) não tem

a faculdade "de exigir o cumprimento do que for possfvel",pois. conforme se encontra

provado no presente processo, o ML impossibilitou culposamente a reposição in natura. estando construídas nos lotes de terreno doados instalações comerciais e industriais e um posto de abastecimento de combustíveis (v. pontos nº s XVII),XXI) e XXII)dos FP) - cfr. texto nº s 12, 13.1 e 13.2.;

7º  O âmbito da presente acção resulta da conjunção dos pedidos consignados nas alíneas a) a e) da pi. com as causas de pedir e fundamentos que foram

expressamente invocados naquele articulado (v. arf. 498°/4 do CPC). tendo a A.

expressamente peticionado a condenação do Ml no pagamento de uma justa

indemnização, a liquidar em execução de sentença (v. arts. 55° a 57° da p.t, e alínea d) do petitório) - cfr. texto nº 13. 3 ;

8º O juiz "não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito" (V. art. 664 do CPC; cfr. arts. 264 e 660° do CPC; ACS. STJ de 2011.03.02, Proc. 823/06.7TBLLE.El.Sl; de 2010.12.09, Proc. 1201j07.6TBVCO.P1.Sl, e de 2008.04.10. Proc. 0784774, todos in www.dgsi.pt) não estando assim vinculado nem limitado pela qualificação jurídica eventualmente atribuída pela A. aos pedidos indemnizatórios formulados in casu - cfr. texto nºs 13. 4;

9°.       O art. 661°/1 do CPC (ctr. art. 668°/1/e) do CPC) convocado pelo douto Acórdão recorrido. tem que ser devidamente interpretado de acordo com critérios amplos, flexíveis e adequados à tutela Jurisdicional plena e efectiva dos direitos e interesses em causa (v. arf. 20° da CRP e arts. 3° e 6° do NCPC; cfr. Acs. STJ de 2004.11.18. Proc. 04B2640; de 1993.02.04; BMJ 424/669), considerando-se que os limites da condenação se referem ao pedido global e não à qualificação jurídica ou quantificação de cada uma das parcelas em que este se desdobra, tanto

mais que não existe "obstáculo 11 que a decisão do mérito dos pedidos deduzidos pela demandante repous(e) em diferente e mais alargada qualificação jurídica dos factos alegados e provados" (v. Ac. STJ de 2008.04.10, Proc. 07B4774, www.dgsi.pt) - cfr. texto n. o s 13.5 i

D - DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ML

10º Conforme se invocou na .PJ:. (v. fls. 2 a 59 dos autos), nas alegações de direito apresentadas, em 2012.02.23, e nas alegações de recurso apresentadas, em 2012.12.17, que aqui se dão por integralmente reproduzidas. o ML sempre deverá ser condenado. com base no enriquecimento sem causa (v. arf. 473 do C. Civil), a restituir à A., ora recorrente, aquilo com que injustamente se locupletou, correspondendo a Justa indemnizacão devida in casu à quantia, a liquidar em execução de sentença, que resultar da diferença entre o valor do terreno doado se lhe tivesse dado o destino constante da escritura outorgada, em 1985.09.27, e o valor que passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio a ser dado, conforme se decidiu, em caso absolutamente semelhante, no citado Acórdão deste Venerando Tribunal, de 2005.09.22 (v. António Pinto Monteiro, R.Y, Ano 136°, p.p. 255 e 256) - cfr. texto n , o 15.

NESTES TERMOS~

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão

recorrido, com as legais consequências.

 ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.

 O Município de Loures apresentou contra- alegações, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido e ao abrigo do art. 636 do NCPC (Novo Código de Processo Civil) requereu a ampliação do obejcto do recurso  não concordando com o Acórdão recorrido , na parte em que este decidiu que o contrato em apreço constitui uma doação modal e  que apenas  no que respeita ao lote com área de 28.850m2 não se apurou que aí tenham sido instalados equipamentos gerais, o que determinaria o não cumprimento parcial  de encargos,  isto é, o incumprimento parcial da cláusula modal pelo recorrido  concluindo, em resumo:

1. Considerou o douto acórdão recorrido estarmos perante uma doação modal sem direito de resolução por incumprimento do encargo, uma vez que o modo não foi determinante para a doadora / recorrida, já que esta celebrou o referido contrato , essencialmente para conseguir o loteamento em questão , sendo que a recorrida não fez qualquer prova de que não lhe era indiferente o destino que os lotes viriam a ter , não tendo demonstrado que opara si era essencial que o recorrido viesse dar-lhes o destino previsto na escritura , pelo que não pode vir agora invocar com êxito essa  essencialidade , inexistindo , por parte do recorrido , qualquer violação do princípio da boa fé.

2.Mesmo que se considere que o Município de Loures incumpriu o contrato ( o que não se concede nem admite)  sempre se dira que não assiste à recorrida qualquer direito a ser indemnizada .

3. A obrigação de restituir por enriquecimento sem causa , tem o seu objecto definido no art. 473 nº 2 do C Civil, pelo que a pretensão da recorrente só teria viabilidade na verificação de que a cedência dos terrenos foi efectuada « por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou “ o que claramente não se passou in casu.

4 A recorrente também não formulou qualquer pedido de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa , não podendo o juiz substituir-se-lhe e fixar qualquer montante , sob pena de nulidade e violação dos arts. 661 nº1 e 668 nº1 al. e) do CPC , para além de que  tendo a questão sido solucionada em sede de incumprimento parcial , não faz sentido falar em enriquecimento sem causa , atenta a natureza subsidiária deste instituto.

5 A presente questão emerge de cedência de terrenos para equipamentos gerais por parte da recorrente, com origem na cláusula 5ª do alvará de tloteamento nº 3/83 para além de consubstanciarem um imperativo legal , emergente do art. 19 nº 2 do DL 289/ 73 de 8/6.

6. No referido contexto legal, a menção “ instalação de equipamentos gerais” não constitui um condicionamento à cedência, mais não sendo que a mera reprodução da forma legal inserida no referido nº2 do art. 19º do DL 289/73 de 8/6.

7. A natureza do contrato “ sub judice” não é uma doação cujos requisitos  se encontram previstos no nº1 do art. 940 do C. Civil, sendo que o espírito de liberalidade inexiste “ in casu” já que a diminuição do património da recorrente não traduziu qualquer espírito de liberalidade, tratando-se de um contrato inominado .

8. A celebração deste contrato emergia de uma exigência legal do que a recorrente estava bem ciente, já que foi reiteradamente informada que teria de ceder gratuitamente ao Município diversos lotes de terreno para a instalação de equipamentos gerais , sem o que não seria aprovado o loteamento.

9 Assim o dever de instalar equipamentos gerais não decorre do contrato, mas das normas administrativas que regulam os loteamentos, e por isso, não foi esse o fito da recorrente ao celebrar o contrato, mas sim , de cumprir o prescrito na cláusula 5ª do alvará 3/83.

10. Não existindo obrigação contratual de instalação de equipamentos gerais pelo recorrido , que era , ali´s uma obrigação legal, não se pode dizer que tenha incumprido o contrato.

11. Foi considerada não provada a matéria constante do nº9 da BI , isto é não se provou quie a recorrente nunca teria cedido ao Município de Loures os lotes de terreno em apreço se soubesse que les não iam ser integralmente afectos à instalação de equipamentos gerais .

12. Adquirida a propriedade pelo Município de Loures pelo contrato “ sub judice” nenhum direito adquire a recorrente no que concerne ao destino das áreas de cedência , não só porque esse direito não pode aceder o vendedor de coisa imóvel, mas também porque não se encontrava consagrado o regime de reversão no momento da emissão de alvará de licença de loteamento , nem sequer no momento da outorga da escritura de cedência.

13. No âmbito do acordo de cedência dos terrenos pela recorrente , a instalação de equipamentos gerais não foi uma condição para a cedência , mas apenas o motivo impulsionador da viabilização do loteamento ( v Ac. STA de 14.03.2006 , procº nº 257/05 www.dgsi.pt ).

14. Deste modo, o contrato de  cedência em apreço, não pode ser classificado de doação modal, tratando-se de um contrato inominado, cuja característica principal é a de servir de instrumento de concretização de uma imposição legal existente no DL nº 289/73 de 6/6.  

 A A fez ainda juntar um parecer subscrito pelo Prof. António Pinto Monteiro, inserido a fls. 1528 a 1576.

 Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Fundamentos

Foram considerados provados os seguintes factos:

I)         A autora dedica-se à compra e venda de prédios rústicos e urbanos, bem

como à construção civil - alínea A) dos factos assentes.

II)        No dia 27 de Setembro de 1985, na Secretaria da Câmara Municipal de Loures, perante DD, servindo de Notário Privativo, EE,

outorgando em representação, como sócio com poderes para o acto, de "AA -

Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do Infantado, Lda." (anterior denominação da

autora), declarou que, em cumprimento da cláusula 5a do alvará de licença de loteamento n.°

3/83, cedia ao Município de Loures, para instalação de equipamentos gerais, os seguintes

lotes de terreno:

1. Lote com área de 28 850 m2, com valor de 8.655.000$00, confrontando a norte e poente com Nó do Tojal - Via Rápida da Malveira e a sul e nascente com "AA", que passou a estar descrito na 1. Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 00283/011085, da freguesia de Loures, como prédio "Rústico - Olival da Quinta Nova - lote de terreno para instalações de equipamentos gerais - 28.850 m2 - norte e poente: Nó do Tojal - Via Rápida da Malveira; sul e nascente: AA - artigo 4, Secção V, do qual é parte - V.V. 8.655.000$00 -Desanexado do n. °00265 ";

2.Lote com área de 970 m2, com o valor de 280.000$00, confrontando a norte, sul e nascente com Espaço Público e a poente com Estrada n.° 115;

3.Lote com área de 425 m2, com o valor de 127.500$00, confrontando a norte e nascente com Espaço Público, a sul com Impasse 2-A e a poente com Espaço Público e Terreno Camarário;

4.Lote com área de 1013 m2, com o valor de 303.900$00, confrontando a norte com Impasse 2-A, a sul com Espaço Público, a nascente com Rua A e a poente com Terreno Camarário;

5.Lote com área de 75 m2, com o valor de 22.500$00, confrontando a norte com Terreno Camarário, a sul e poente com Espaço Público e a nascente com Impasse 2-A;

6.Lote com área de 1670 m2, com o valor de 501.000$00, confrontando a norte com Impasse 4-A, a sul e poente com Espaço Público e a nascente com Rua A;

cedência que LL, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Loures, declarou aceitar para o referido município, tendo tais declarações sido formalizadas por escritura pública celebrada naquela data - alínea B) dos factos assentes.

III)      Todos os referidos lotes de terreno foram destacados do prédio rústico denominado "Olival da Quinta Nova", então descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.° 19504, da fls. 54 do Livro b-55 (agora descrito sob a ficha n.° 00265/230985 da freguesia de Loures), inscrito na matriz sob o artigo 4, Secção V - alínea C) dos factos assentes.

IV)      No dia 19 de Março de 1991, no edifício dos Paços do Município de Loures, perante FF, servindo de Notário Privativo, JJ, outorgando em representação, como Presidente da Câmara Municipal de Loures, declarou que, nos termos da deliberação tornada por esta Câmara em reunião de 13 de Março de 1991, cedia, em direito de superfície, a título gratuito, à "GDP - Gás de Portugal, S.A.", no acto representada por GG e HH, ambos membros do seu Conselho de Administração, uma parcela de terreno com área de 6.000 m2 e o valor 9.000.000$00, a destacar do prédio descrito sob a ficha n.° 00283/011085 (a que se refere o n.° 1 da alínea B)) [actual ponto II)], parcela essa que ficaria a confrontar, de norte, nascente e poente com terreno do Município de Loures, e do sul com caminho público, declaração que foi formalizada por escritura pública celebrada na mesma data - alínea D) dos factos assentes.

V)        Essa parcela de terreno com área de 6.000 m2 passou a estar descrita na 1."

Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 002396/910523, da freguesia de

Loures - alínea E) dos factos assentes.

VI)      Pela apresentação 04/20010720, foi cancelado o direito de superfície constituído a favor da "GDP - Gás de Portugal, S.A.", sobre o prédio identificado na alínea anterior - alínea F) dos factos assentes.

VII)     No dia 10 de Setembro de 1996, no Edifício dos Paços do Município, perante II, servindo como Notária Privativa, JJ, outorgando como Presidente da Câmara Municipal de Loures, e BB e mulher CC declararam que permutavam entre si uma parcela de terreno com a área de 13.000 m , a foi atribuído o valor de 195.000.000$00, a destacar do prédio identificado no n.° 1 da alínea B) [actual n.° 1 do ponto II.], e uma outra parcela de terreno, com área de 2.000 m , a que foi atribuído o valor de 30.000.000$00, a destacar do prédio identificado na alínea E) [actual ponto V.], pelo prédio urbano, propriedade dos segundos outorgantes, sito na Rua da República, n.° 70, 70-A, 70-B, 70-C, 70-D e 70-E, tornejando para a Travessa do Pinhal, n.° 1, composto de rés-do-chão, para duas lojas, e primeiro andar, que esteve inscrito na respectiva matriz sob o artigo 26, mas agora está omisso, a que foi atribuído o valor de 260.000.000$00 (duzentos e sessenta milhões de escudos), declarações formalizadas por escritura pública celebrada na mesma data - alínea G) dos factos assentes.

VIII)   A parcela de terreno com área de 13.000 m2 passou a estar descrita na

l.a Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 3656/19970130, da freguesia

de Loures - alínea H) dos factos assentes.

IX)      A parcela de terreno com a área de 2.000 m2 passou a estar descrita na l.a

Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 3657/19970130, com as seguintes confrontações: a norte, com a auto-estrada, a sul com domínio público, a nascente e a poente com Município de Loures - alínea I) dos factos assentes.

X)        No dia 13-03-1991, o réu Município de Loures cedeu à "GDL -Sociedade Distribuidora de Gás Natural de Lisboa, S.A.", em direito de superfície, o prédio identificado na alínea anterior, direito que foi registado a favor desta ré pela inscrição F19910523020, Ap. 20, de 1991/05/23 - alínea J) dos factos assentes.

XI)      No dia 31-10-1997, os réus BB e mulher MM cederam à ré "BP Portugal - Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A.", em direito de superfície, uma parcela de terreno, com área de 3793 m2, destacada do prédio identificado na alínea H) [actual ponto VIII.], direito que foi registado a favor desta ré pela inscrição F20021011025, Ap. 25, de 2002/10/11 - alínea K) dos factos assentes.

XII)     Essa parcela de terreno com área de 3793 m2 passou a estar descrita na Ia Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 4807/20021011, da freguesia de Loures - alínea L) dos factos assentes.

XIII)   Dessa inscrição consta, além do mais, o seguinte: "Obrigações: a) Construção de um posto de abastecimento de combustíveis e de afins, de acordo com o projecto e pressupostos económicos da sociedade" - alínea M) dos factos assentes.

XIV)   No dia 30-06-2002, o réu Município de Loures cedeu, por permuta, aos

réus BB e mulher MM o direito de

propriedade sobre duas parcelas de terreno: uma, com área de 531,11 m , a desanexar do

prédio identificado na alínea E) [actual ponto V.]; outra, com área de 218,89 m , a

desanexar do prédio identificado no n. 1 da alínea B) [actual n.° 1 do ponto II.] - alínea N)

dos factos assentes.

XV)     A parcela de terreno com a área de 531,11 m2 passou a estar descrita na

l.a Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 4772/20020627, da freguesia

de Loures, e a sua aquisição, por permuta, foi registada a favor dos réus BB

Coelho e mulher MM pela Ap. 6, de 2002/06/27 - alínea O) dos

factos assentes.

XVI)   A parcela de terreno com a área de 218,89 m passou a estar descrita na

1. Conservatória do registo Predial de Loures sob a ficha n.° 4773/20020627, da freguesia de

Loures, e a sua aquisição, por permuta, foi registada a favor dos réus BB

Coelho e mulher MM pela Ap. 7, de 2002/06/27 - alínea P) dos

factos assentes.

XVII)  Nos terrenos mencionados na alínea B) [actual ponto II.] foram construídos e estão em funcionamento um posto de abastecimento de combustíveis e diversas instalações que funcionam como locais de venda de produtos alimentares, bebidas e outras mercadorias, de veículos automóveis das marcas "Audi" e "Volkswagen" e armazéns para fins comerciais e industriais - alínea Q) dos factos assentes.

XVIII)            O posto de abastecimento de combustíveis da ré "BP Portugal, S.A." foi construído na parcela de terreno, com a área de 3793 m , referida na alínea K) [actual ponto XI.], com projecto aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Loures - alínea R) dos factos assentes.

XIX)   As confrontações da parcela de terreno identificada na alínea H) [actual

ponto VIII.] são as seguintes: a norte, com auto-estrada; a sul e poente, com domínio

público; a nascente, com Município de Loures - alínea S) dos factos assentes.

XX)     A presente acção está registada na 1. Conservatória do Registo Predial de Loures, pela inscrição F20060601012, Ap. 12, de 2006/06/01 - alínea T) dos factos assentes.

XXI)   Nos terrenos cedidos pela autora ao réu Município de Loures, este não construiu nem instalou quaisquer equipamentos, nem redes viárias, de saneamento ou abastecimento dos referidos lotes, mas encontra-se aí instalado o seguinte:

-           No lote com área de 28850 m2 - um conjunto de instalações industriais, um posto de abastecimento de combustíveis da BP e uma área vedada destinada a depósito de bilhas e abastecimento de gás, com pavilhão administrativo/zona de cargas;

-           No lote com área de 960 m2 - não tem qualquer construção, sendo que o local constitui continuidade de espaço verde situado nas traseiras dos prédios edificados e entre estes e o antigo arruamento;

-           No lote com área de 425 m2 - um parque infantil e um

estacionamento público ordenado;

-           No lote com área de 1013 m2 - estacionamento público ordenado;

-           No lote com área de 75 m2 - equipamento com destino a "PT";

-           No lote com área de 1670 m2 - espaço verde geral do

empreendimento e estacionamento.

-           resposta explicativa ao art° 1.° da base instrutória.

XXII)  O posto de abastecimento de combustíveis referido na alínea R) [actual ponto XVIIL] é composto por ilhas, sistemas de lavagem de automóvel, reservatórios e integra ainda o posto de abastecimento, um edifício de apoio comercial e administrativo, bem como uma zona destinada a estacionamento - resposta explicativa ao art.° 2.° da base instrutória.

XXIII)            O seu valor é de € 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros) -art° 3.°da base instrutória.

XXIV)            O valor do metro quadrado do terreno referido na alínea K) [actual ponto XI.] é de 15.000$00, pelo que o valor da parcela, antes da construção do posto de venda de combustíveis era de € 283.792,26 - art.° 4.° da base instrutória.

XXV)  Essas novas acessibilidades beneficiam, quer a cidade de Loures, quer

a Urbanização do Infantado, promovida pela autora - art.° 6.° da base instrutória.

XXVI)            O prédio urbano sito na Rua da República, n.°s 70, 70-A, 70-B, 70-C,

70-D e 70-E, em Loures, que foi objecto da permuta referida na alínea G) [actual ponto

VIL], tem valor e interesse histórico, designadamente para a história do Município de

Loures - art. 8.° da base instrutória.

XXVII)          Os órgãos e serviços competentes do Município de Loures, por

diversas vezes, informaram os representantes da autora que esta teria de ceder,

gratuitamente, ao Município, diversos lotes de terreno para a instalação de equipamentos

gerais, sem o que não seria aprovado o loteamento - art. 10° da base instrutória.

 

 Apreciando:

As questões suscitadas e a apreciar são as seguintes:

1ª A natureza do contrato em apreço, doação modal, não obstante a recorrente também aceitar a qualificação jurídica que o Acórdão recorrido deu ao contrato, o certo em que em sede de ampliação do objecto do recurso o recorrido, Município de Loures, questiona essa qualificação;

2º Incumprimento Contratual e obrigação de indemnizar;

3º Enriquecimento sem causa.

Natureza do contrato/ qualificação jurídica do contrato:

A este respeito importa, desde logo, fazer o confronto com o que vem provado:

No dia 27 de Setembro de 1985 na Secretaria da Câmara Municipal de Loures, perante DD, servindo de Notário Privativo, EE , outorgando em representação, como sócio e com poderes para o acto de” AA-Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do Infantado Ldª (anterior denominação da autora)declarou que, em cumprimento da cláusula 5ª do alvará de licença de loteamento nº3/83 cedia ao Município de Loures ,para instalação de equipamentos gerais, os seguintes lotes de terreno:

1. Lote com área de 28 850 m2, com valor de 8.655.000$00, confrontando a norte e poente com Nó do Tojal - Via Rápida da Malveira e a sul e nascente com "AA", que passou a estar descrito na 1. Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha n.° 00283/011085, da freguesia de Loures, como prédio "Rústico - Olival da Quinta Nova - lote de terreno para instalações de equipamentos gerais - 28.850 m2 - norte e poente: Nó do Tojal - Via Rápida da Malveira; sul e nascente: AA - artigo 4, Secção V, do qual é parte - V.V. 8.655.000$00 -Desanexado do n. °00265 ";

2.Lote com área de 970 m2, com o valor de 280.000$00, confrontando a norte, sul e nascente com Espaço Público e a poente com Estrada n.° 115;

3.Lote com área de 425 m2, com o valor de 127.500$00, confrontando a norte e nascente com Espaço Público, a sul com Impasse 2-A e a poente com Espaço Público e Terreno Camarário;

4.Lote com área de 1013 m2, com o valor de 303.900$00, confrontando a norte com Impasse 2-A, a sul com Espaço Público, a nascente com Rua A e a poente com Terreno Camarário;

5.Lote com área de 75 m2, com o valor de 22.500$00, confrontando a norte com Terreno Camarário, a sul e poente com Espaço Público e a nascente com Impasse 2-A;

6.Lote com área de 1670 m2, com o valor de 501.000$00, confrontando a norte com Impasse 4-A, a sul e poente com Espaço Público e a nascente com Rua A;

Cedência que, LL, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Loures, declarou aceitar para o referido município, tendo tais declarações sido formalizadas por escritura pública celebrada naquela data - alínea B) dos factos assentes.

Os órgãos e serviços competentes do Município de Loures, por diversas vezes, informaram os representantes da autora que esta teria de ceder gratuitamente ao Município, diversos lotes de terreno para a instalação de equipamentos gerais, sem o que não seria aprovado o loteamento-art. 10ºda BI –XX VII  dos factos provados. 

Confrontando também o instrumento da cedência dos identificados lotes de terreno consubstanciada pela escritura junta a fls.25 a 29 consta a seguinte declaração expressa pela Autora:” Que pela presente escritura e em cumprimento da cláusula 5ª do alvará de licença de loteamento número três barra oitenta e três, cede ao Município de Loures para instalação de equipamentos gerais, os seguintes lotes de terreno”( acima identificados).

            Estamos perante uma declaração que não poderá deixar de ser contextualizada e, desde logo, ressalta que a mesma parece pressupor a existência de um loteamento a decorrer ( note-se que é a própria A que sob o art.2º da pi que diz tem promovido o loteamento e a urbanização da Quinta do Infantado, que abrange diversos prédios nas freguesias de Loures e de Frielas, Município de Loures ) que tem  também como pressuposto a existência de um Alvará de loteamento.

Só, assim, se pode compreender aquela declaração da A  “ em cumprimento da cláusula quinta do alvará de licença de loeamento.nº3/83.”-

A referida cláusla5ª do Alvará nº 3/83 (cfr. fls. 188 a 191) estipula o seguinte:

Para instalação de equipamentos gerais são cedidas as parcelas de terreno com as áreas de.- vinte e oito mil oitocentos e cinquenta metros quadrados; quatrocentos e vinte e cinco metros quadrados ;mil e trezentos metros quadrados ; setenta e cinco metros quadrados; mil e seiscentos e setenta metros quadrados e novecentos e sessenta metros quadrados, identificados na planta  a que se refere a primeira prescrição. A escritura de cedência deverá celebrar-se no prazo de noventa dias, improrrogável, a contar desta data ( 9/7/1985),sob pena de caducidade deste alvará..

            A escritura de cedência dos aludidos terrenos surge precisamente dentro do prazo estipulado  no Alvará, mais precisamente a 25/9/1985.

            Significa que a escritura surge, aqui, como um procedimento obrigatório e necessário ao cumprimento do estipulado na citada clª5ª do Alvará, sob pena de caducidade  do licenciamento.

            A este respeito, note-se que o DL nº 400/84 de 31/12, bem como os dois diplomas legais que  antecederam na regulação dos loteamentos urbanos são omissos  em relação formalização da transferência de propriedade  e ao estatuto jurídico das parcelas de terreno cedidas em operações de loteamento urbano e, daí ter-se concluído que era obrigatório a escritura pública para formalizar a transferência  da respectiva propriedade ( cfr. Ac. STA de12.11.2009 acessível via www.dgsi.pt

            Significa, então, que a  cedência dos terrenos através da escritura   constituía um procedimento necessário para se operar a transferência de propriedade  para Município.

A escritura integra-se, assim, precisamente na operação de loteamento e no quadro do contrato de urbanização e visava sobretudo no âmbito do DL 289/73 de 6 de Junho em vigor  á data, operar a transferência do direito  de propriedade do loteador  para o domínio público municipal dos lotes destinados a equipamentos gerais,

Como interpretar, então, em termos de vontade das partes o negócio plasmado na aludida escritura?

            Como é sabido, no que respeita à interpretação das declarações negociais ( ou seja em termos de negócio jurídico plasmado na escritura) é jurisprudência pacífica que o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, constitui em regra, matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. 

Como se diz no Ac. deste Supremo de 17.01.2013, Relator: Cons. Bettencourt de Faria, acessível via www.dgsi.ptAo Supremo Tribunal de justiça cabe apenas exercer censura sobre o resultado interpretativo – sendo matéria de direito – quando haja que proceder à fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial ou seja, a determinação do sentido a atribuir á declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts. 236 nº1 e 238 do CC: (i) tratando-se da situação prevista no art. 236 nº1 do CC , tal resultado não coincida com o sentido que um declaratário normal , colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzxir do comportamento do declarante , ou (ii) tratando-se de situações contempladas  no art. 238 nº1 , do citado CC , não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso”. 

Nestes casos a intervenção do STJ está limitada às situações em que o erro de julgamento de facto resulta, à luz do princípio da livre apreciação, mas de uma incorrecta aplicação de critérios legalmente definidos relativamente à sua admissibilidade ou ao seu valor ( cfr. neste sentido  Ac de 8.03.2012  revista nº 3027 /07 .8TVLSB.L1.S1.  Cons. Serra  Baptista ; de 13.01.2011 revista  nº 2977/07 .6TBGMR C.G1.S1 Cons. Serra Baptista ; de 01.02.2011 , Revista nº 205-A /1998 L1.S1  1ª secção,  Cons. Garcia Calejo ; 03..02.2011  Revista nº 6041/05.4TVLSB L1.S1. 7ª secção  Cons. Lopes do rego e 01.03.2012 Revista nº 353/2000 E1. S1 /ª secção Cons.ª  Maria  Prazeres Beleza).

 

As instâncias divergiram na qualificação jurídica do contrato aqui em causa.

            A 1ªinstância qualificou-o como contrato inominado, cuja característica principal é a de servir de instrumento de concretização de uma imposição legal”.

            Por seu turno, a Relação considerou o contrato plasmado na escritura de 27/9/85 de natureza de uma doação modal.

            Já agora a recorrente também entende que se trata de uma doação de natureza modal, acolhendo a qualificação jurídica dada pela Relação.

Vejamos:

            A doação modal é aquela em que o doador impõe ao beneficiário uma obrigação um ónus ou encargo, que de certo modo, limita a atribuição que lhe faz, sendo que essa obrigação ou encargo é produto de uma determinação acessória de vontade do doador, porquanto o que ele pretende fundamentalmente é enriquecer gratuitamente o donatário ( animus donandi) e não impor-lhe obrigações ou encargos que limitem aquela liberalidade .

            Também Menezes Leitão in Direito das Obrigações – Contratos em especial Vol. III 7ª ed. pags. 176 /178,  a respeito dos elementos constitutivos do contrato de doação refere a atribuição patrimonial geradora de enriquecimento ( “ acto que atribua a outrem uma correcta vantagem patrimonial “ ; b) diminuição do património do doador ( supõe uma efectiva diminuição patrimonial ) “ ; c) espírito de liberalidade ( “ intenção de atribuir o correspondente benefício a outrem por simples generosidade ou espontaneidade e não em qualquer outra intenção, como por exemplo, o cumprimento de um dever ( cfr. art. 940 do C. Civil) referência que a lei admite a eventualidade de as doações serem oneradas com encargos ( cfr. art. 963 nº1 do CC ) consistindo “o modo ou encargo “ numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga a realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário, podendo por isso, consoante os casos revestir tanto a natureza de uma obrigação em sentido técnico como a de um mero ónus jurídico.

Se fizermos o confronto destes elementos característicos da doação modal, sem dificuldade concluímos  que à cedência  dos terrenos plasmada na escritura por banda da autora não esteve presente  qualquer espírito , generosidade ou espontaneidade .

            O Acórdão recorrido também comunga desta ideia quando diz que a autora não agiu com espírito de generosidade ou espontaneidade, mas sim com espírito interesseiro.

Significa que  a vontade da autora foi orientada para outros fins – a  emissão do alvará do loteamento- e a liberalidade é tão só o meio para a sua obtenção.  A causa da atribuição patrimonial não é a liberalidade da autora, mas sim a contrapartida que ela espera e pretende receber do Município, in casu, o licenciamento do loteamento, contrapartida essa que empresta ao negócio o carácter  oneroso.

Efectivamente,  não podemos esquecer que, no caso em apreço, estamos perante uma operação de loteamento e não um simples licenciamento de construção de três edifícios, como acontece  no caso  do Acórdão  de 12.03.2013.

No caso em apreço, estamos conforme resulta do que vem provado perante uma cedência de terrenos para dar cumprimento  ao clausulado no art. 5º do Alvará  que, mais não é  do que a expressão do  art. 19º nº2 do DL nº 289/73 de 6.06  no sentido de estabelecer    as   “ áreas mínimas a ceder às câmaras municipais para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos” .

“ A cedência de parcelas de terrenos para o domínio público municipal no âmbito de uma operação de loteamento resultará, ou de o plano municipal em vigor para a zona o impor ou, no silencio do plano, de tal resultar da lei ou da operação de loteamento em concreto . Deste modo, só haverá obrigatoriedade de cedência para o domínio público quando a operação de loteamento preveja a instalação de um equipamento que, devido á sua natureza ou finalidade, tenha de ter livre acesso da comunidade , ou infra estruturas que tenham de ser utilizadas por todos. Isto significa que a cedência de parcelas de terrenos para o domínio público depende, necessariamente  da concreta operação de loteamento que se pretende levar a cabo( cfr. Fernanda Paula Oliveira na anotação ao  Ac. STA de 20.10.99 P: 44170 in  Cadernos de Justiça Administrativa  nº 21 Maio/ Junho 2000 pag. 41 e segs).

É esta especificidade que preside à escritura aqui em causa, que não existe na denominada  “escritura de doação”  que aconteceu  no  Acórdão  de 12.03.2013 e  que  não pode ser ignorada  para  efeitos  de qualificação jurídica do contrato  subjacente na escritura.

Até a terminologia empregue nos dois instrumentos é bastante diversa, enquanto na escritura dos autos a autora declarou que “ em cumprimento da cláusula 5ª do alvará de licença de loteamento nº 3/83 cedia ao Município de Loures   para instalação de equipamentos gerais os identificados lotes de terrenos,  no  citado Acórdão estamos mesmo perante uma escritura denominada expressamente  de   “ doação “ em que o Município declarou aceitar a “doação acabada de fazer”  

            Este circunstancialismo terminológico empregue nas duas escrituras não é indiferente e poderá também servir e contribuir para uma melhor aferição da postura que as partes colocaram nos negócios em questão.

A doação modal  é aquela em que o doador impõe ao beneficiário uma obrigação que, de certo modo, limita a atribuição que lhe faz , tal obrigação é produto de uma determinação acessória da vontade do doador, porquanto o que ele quer principal e fundamentalmente é enriquecer gratuitamente o donatário ( animus donandi ) e não impor-lhe obrigações que limitem aquela liberalidade .

            Na cedência de terrenos aqui em causa no contexto de um loteamento, temos de reconhecer que a vontade da autora, cedente, é seguramente orientada para outros fins- a emissão de alvará  do loteamento- sendo que a liberalidade é tão só um meio para a sua obtenção. A causa da atribuição patrimonial não é a liberalidade do particular, mas sim a contrapartida que espera e pretende receber do Município, in casu, o licenciamento do  loteamento, contrapartida que empresta ao negócio o caracter de  oneroso. 

            Nas cedências ( cessões ) gratuitas de terrenos no âmbito de operações de loteamento   a vontade do cedente  é fundamentalmente orientada para  outros fins –a emissão do alvará de loteamento.   

Fazendo o confronto desta factualidade com o que foi plasmado na escritura denominada de “cedência de terrenos” e socorrendo-nos dos critérios do art.236 do C. Civil, podemos concluir  que estamos perante   um acto negocial de natureza  privada e como tal subtraído de uma relação jurídica administrativa( observa-se aqui, para o efeito,  a autoridade do caso julgado, quando no despacho de  de 2009.05.15 a fls.303 e segs.  afastou  a relação jurídica administrativa entre Município de Loures e a autora)  em  que  a autora  para cumprimento do estipulado na cláusula 5ª do alvará de loteamento,   cede os terrenos cedidos  ao  Município para  neles serem  instalados equipamentos gerais, mais não significa à luz dos apontados critérios e também do que vem provado     que a cedência por banda da autora  visava sobretudo o desembaraçar do licenciamento do loteamento, não presidindo a esse acto qualquer espírito de liberalidade no   sentido em  que este  vem definido no art. 940 do C. Civil.

            Eefctivamente, a liberalidade implica, em regra, a ideia de generosidade ou espontaneidade,  oposta à de necessidade  ou de dever ( cfr. A. Varela in C. Civil anotado Vol II pag. 230).

            Ora, como se disse,  a causa da atribuição patrimonial não é a liberalidade da autora , mas sim a contrapartida que esta  esperou e pretendeu receber do Município  , in casu , o licenciamento do loteamento, contrapartida essa que empresta ao negócio o carácter  oneroso, circunstancialismo que afasta do negócio consubstanciado na aludida escritura o espírito da liberalidade susceptível de o configura como doação.

            Neste particular não se acompanha a qualificação jurídica do Acórdão recorrido quando este qualifica o negócio como doação modal ( a situação em apreço não é idêntica á tratada no citado Ac. de 22.09.05 acessível via www.dgsi.pt , aqui , os autores estavam convencidos de que o terreno doado se destinava a determinado fim, sendo que nunca fariam a doação se soubessem que o terreno não viria a  ter esse destino, circunstancialismo que,  não se  verifica, porque não se prova, no caso dos autos) o que à partida afasta  a aplicação do regime do arts 963 e segs. do C. Civil.

            Considera-se mais adequado qualificar, o contrato em  apreço, como  um contato inominado ou atípico , ou seja um contrato  regulado pelas estipulações nele contidas e, subsidiariamente pelas disposições do contrato típico mais afim e depois pelas regras comuns a todos os contratos ( cfr. a  propósito  anotação do Prof. Pinto Monteiro  ao Ac. deste Supremo de 9.06.2006 in RLJ , Ano 136 , 2007 .

          Portanto na  escritura de cedência de terrenos para o domínio público municipal,  em que a autora no âmbito de  uma operação de  loteamento urbano, declara  em resultado  do cumprimento da cláusula 5ª do alvará de licença de loteamento, que cede ao Município de Loures para instalação de equipamentos gerais determinados lotes de terreno, configura um contrato inominado de natureza privado / oneroso, regulado pelas estipulações nele contidos e subsidiariamente pelas disposições que mais se aproximam do contrato típico mais afim, sem esquecer as regras comuns a todos os contratos, não lhe sendo, no entanto, aplicável o regime da doação modal, a que alude o art. 963 e segs, do C. Civil. 

Incumprimento Contratual e Obrigação de Indemnizar:

            Neste domínio vem provado:

Nos terrenos cedidos pela autora ao R este não construiu nem instalou quaisquer equipamentos, nem redes viárias, de saneamento ou abastecimento dos referidos lotes, conforme resulta da resposta ao dado ponto 1º da BI  resultando  que nesses lotes se encontra instalado:

 No Lote com área de 28. 850 m2 . um conjunto de instalações industriais , um posto de abastecimento de combustíveis BP e uma área vedada destinada a depósito de bilhas e abastecimento de gás, com pavilhão administrativo / zona de cargas;

No lote com área de 960 m2 não tem qualquer construção, sendo que o local constitui continuidade sde espaço verde situado nas traseiras dos prédios edificados e entre estes e o antigo arruamento;

No lote com área de 425 m2 um parque infantil e um estacionamento púbklico ordenado;

 No lote com área de 1013 m2 estacionamento público ordenado.

No lote com área 75 m2 equipamento com destino a PT

 No lote com área de 1670 m2 espaço verde de empreendimento e estacionamento;

 O referido lote de 28.850 m2 foi parcialmente objecto de permuta entre os RR Município de Loures e os RR BB e mulher,  tendo sido permutados parcelas de terreno com área total de 15.750 m2 restam  na titularidade do R Município a área de 13.100 m2.

 Fazendo o confronto das declarações negociais contidas na escritura temos:

 A 1ª outorgante, a autora declarou:

Que pela presente escritura e em cumprimento da cláusula quinta do alvará de licença de loteamento número três barra oitenta e três, cede ao Município de Loures, para instalação de equipamentos  gerais, os seguintes lotes …

Por seu turno, o R Município de Loures declarou:

Que aceita para o Município de Loures a referida cedência, nos termos exarados”.

            Segundo a recorrente o incumprimento por banda do R Município, traduziu-se na não aplicação por este  da totalidade dos terrenos cedidos ao destino  estipulado para equipamentos gerais.

            Desde logo, coloca-se, aqui, a questão de saber se o declarado destino dos terrenos faz parte do  conteúdo do contrato e que valor lhe deve ser atribuído.

            Trata-se,aqui, de um problema de determinar o âmbito da vinculação negocial ( cfr. Prof. A. Pinto Monteiro in Erro e Vinculação  Negocial pag. 40) sendo necessário recorrer às regras da interpretação da declaração negocial ( cfr. os citados arts. 236 e segs. do C. Civil).

            Tratando-se de um contrato inominado com normas que até podem ser relacionadas com o contrato de compra e venda,  nomeadamente quando, por exemplo,  transfere a propriedade para o domínio público municipal, temos como  obrigação típica e mais comum deste contrato  aquela que é constituída pelo pagamento do preço( aqui,   pelo banda do R  constituído pela contrapartida do  licenciamento do loteamento).

            Será que a par desta obrigação( licenciamento do loteamento) o R  assumiu também a obrigação de dar aos terrenos cedidos um certo fim?

A respeito da declaração sobre a finalidade a dar a á coisa o Prof. Pinto Monteiro in Erro e Vinculação Negocial pag. 35  refere “  A declaração sobre a finalidade a dar á coisa pode ter visado qualquer benefício fiscal, ultrapassar algum impedimento legal, conseguir determinada autorização administrativa para o negócio, manter uma certa imagem social, prevenir algum juízo ou comentário depreciativo , etc. Não faria sentido, numa situação destas , aceitar que o vendedor pudesse exigir do comprador uma actuação em estrita conformidade  com o fim declarado ou, em caso de incumprimento , a resolução do contrato.  Para isso seria necessário que o comprador se tivesse obrigado , perante o vendedor , a dar á coisa tal  destino – não sendo esse o sentido da sua declaração , também não podem ser aquelas as consequências apropriadas , sem prejuízo de lhe serem aplicáveis sendo caso disso , as sanções respectivas ( de índole fiscal , administrativa , etc,).

 E acrescenta o citado Autor:

 “ Há assim que apurar, por via interpretativa ( art. 236 ) o sentido da declaração sobre o destino da coisa .”

É o que vamos procurar fazer.

Na verdade, temos de reconhecer que a obrigação de dar á coisa vendida um determinado fim, não constituiu uma obrigação típica ou muito comum na compra e venda ( a que, aqui, se recorre por efeito da atipicidade do contrato aqui em causa) e, daí que, como refere Pinto Monteiro, na referida anotação ao acórdão deste Supremo de 9.06.2006. só pela via do acordo das partes poderia ser incluída no contrato, o que,  aqui , tudo indicia que  não aconteceu, ou, pelo menos, nada vem provado nesse sentido.

            Ora, não resultando provado quaisquer circunstâncias negociais ou outras que atestassem a inclusão dessa obrigação no contrato e, socorrendo-nos dos critérios do citado art. 236  e 239 do C. Civil- segundo o qual, na “falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia coma vontade que as partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé , quando outra seja a solução por eles imposta”) impõe que ,  não podemos concluir que o destino a dar aos terrenos fizesse parte do conteúdo do contrato plasmado na aludida escritura de cedência de terrenos, ainda que a título acessório ou lateral.

            Na verdade, por muitas voltas que se dê, do texto da escritura  não se pode retirar do facto de  o  R   aceitar a cedência dos terrenos para instalação de instalações gerais, que o R  quis também  em termos declaração negocial  se comprometer ( vincular) com o destino a dar  aos terrenos, nomeadamente quando o que   vem provado é  que a cedência dos terrenos era antes uma exigência do R para aprovar o loteamento. Cfr. art. 10 da BI.

            Incumbia  á  autora  fazer a prova que houve acordo das partes sobre o destino a dar aos terrenos  ( cfr. art. 342 nº1 do C. Civil) e que o mesmo fazia também parte do contrato plasmado na aludida escritura, ainda que consubstanciado numa obrigação acessória ou adicional.

            Ou seja, quando a questão sobre destino dos terrenos  foi abordada , pela via da alegação da autora, esta não logrou  provar a essencialidade  desse  aspecto  como decisivo para contratar, circunstância que, aqui, não deve  ser desvaloriza da  em termos de aferição da vontade negocial das partes  plasmada na aludida escritura .( cfr. art.  Resposta ao art. 9º da BI).

E sendo assim,  á partida a autora não se pode, assim,  valer dessa obrigação acessória/ adicional, para fundamentar  o alegado incumprimento contratual por banda do R Município.

            Aliás a este respeito, como se referiu, não  se deu como provado  que “ a autora nunca teria cedido ao Município de Loures os lotes de terreno identificados em B se soubesse que eles não iria ser integralmente , afectos à instalação de equipamentos gerais, antes seria transmitidos a particulares para serem afectos a fins de interesse privado”- cfr. resposto ao art. 9º da BI, circunstância que diferencia  substancialmente  o caso em apreço, do tratado no citado Acórdão deste Supremo  de 9.05.2006, em que foi provado que “a autora não teria alienado ao R Município de Almada os terrenos em causa se soubesse que neles não seriam instalados equipamentos públicos.”

            Isto para dizer que  a autora segundo os princípios da boa fé negocial também  não se pode prevalecer do destino a dar aos terrenos cedidos  consignado na escritura, como pressuposto da sua  decisão de contratar, o que á partida também afasta aqui a aplicação do regime do erro/ alteração das circunstâncias,  nomeadamente o referenciado no nº2 do art.252 do C Civil.

 E sendo assim, no caso em apreço, nem pela via da factualidade que vem provada, nem pela via interpretativa à luz dos critérios dos citados arts. 236 e 239 do C. Civil,  se pode dizer  que o R Município de Loures tenha assumido no contrato  plasmado  na aludida escritura de cedência de terrenos, que firmou  com a autora, a qualidade  de donatário  e que se tenha  obrigado a dar aos terrenos  cedidos um determinado fim.

            Em resumo, não se provando que o R Município se tenha contratualmente obrigado a dar aos lotes de terreno cedidos um determinado fim, o de instalação de  equipamentos gerais, não se pode aqui falar em incumprimento pelo facto de ter dado a um dos lotes de terreno  cedidos destino diferente .

 O certo é que a autora não conseguiu fazer prova de que as partes submeteram o negócio  constante da escritura   a esse acordo sobre o destino a dar aos terrenos cedidos,  prova que lhe competia ( art. 342 nº1 do C. Civil), já que, como se referiu, quando  a matéria sobre esse aspecto  foi submetida á  apreciação  probatória, mereceu resposta negativa. ( cfr. citada resposta ao art. 9º  da BI).

 E sendo assim, não há aqui, lugar a incumprimento contratual susceptível  de fundamentar o direito à indemnização, nos termos em que a  autora reclama.( cfr. art. 798 do C Civil).

        Neste particular, sublinhe-se, não se acompanha o Acórdão da Relação quando situa a questão no âmbito do incumprimento contratual ainda que parcial.

 

            Enriquecimento sem causa

            Por último e relativamente ao enriquecimento sem causa ( art. 473 do C Civil ) não pode, aqui, ser invocado , face à natureza subsidiária do mesmo ( cfr. art. 474 do C: Civil) já que a autora tinha à sua disposição outros institutos, como o do não cumprimento contratual  que, aliás, invocou , mas, como se viu,  não provou( art. 798 do C Civil), assim como, nada provou quanto ao erro/ alteração das circunstâncias ( art. 252 nº2 do C . Civil ) , o que à partida afasta a aplicação deste instituto.  

III-Decisão:

Nestes termos e em conformidade com os  fundamentos supra  expostos, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

            Custas pela A.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria 1