Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2930/18.4T8BRG.G1.S2-A
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NULIDADE
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- ó a absoluta falta de fundamentação integra a previsão da al. b) do n.º 1 do artº 615.º do CPC;

II- É  intempestivo o recurso para uniformização de jurisprudência que é interposto para além do prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:



Processo 2930/18.4T8BRG.G1.S2- A
Recurso para Uniformização de Jurisprudência


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                       

AA e BB vieram, respectivamente na qualidade de cônjuge e filha do sinistrado falecido, instaurar acção especial emergente de acidente de trabalho contra SEGURADORAS UNIDAS, SA, (Ré- seguradora) e  PAINEL 2000 – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE PAINÉIS, SA (Ré- empregadora), pedindo a condenação da primeira Ré a pagar à primeira Autora uma pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 até atingir a idade de reforma por velhice e no valor de € 4.798,64 depois desta idade; à segunda Autora uma pensão anual no valor de € 2.399,32, enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48 a título de subsídio por morte, sendo metade devida à primeira Autora e a outra metade à segunda Autora; à primeira Autora a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos autos; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento. Alternativamente, pedem a condenação da segunda Ré a pagar à primeira e à segunda Autoras uma pensão anual e vitalícia no valor de € 11.996,60, sendo relativamente à segunda Autora enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento; a quantia de € 5.661,48, a título de subsídio por morte, metade a cada Autora; à primeira Autora a quantia de € 30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; juros de mora a calcular à taxa legal supletiva até integral pagamento.

As Rés contestaram.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

Condeno a ré entidade patronal a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 9.587,28 (nove mil quinhentos e noventa e sete euros e vinte e oito cêntimos);

À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos);

À primeira autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;

À segunda autora, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento.

Condeno a ré seguradora a pagar:

À primeira autora, a pensão anual e vitalícia no valor de € 3.598,98 (três mil quinhentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos) até atingir a idade de reforma por velhice e de € 4.798,64 (quatro mil setecentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) depois de atingir esta idade;

À segunda autora, a pensão anual no valor de € 2.399,32 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos), enquanto preencher as condições legais para o seu recebimento;

A quantia de € 5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) a título de subsídio por morte, sendo o montante de € 2.380,74 (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos) para a primeira autora e o montante de € 2.380,74 para a segunda autora (dois trezentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento;

À primeira autora, a quantia de € 30,00 (trinta euros) que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a tentativa de conciliação até integral pagamento.

As pensões são devidas desde a data do falecimento do sinistrado;

A ré entidade patronal apenas é responsável pelo pagamento da diferença relativamente às prestações da responsabilidade da ré seguradora;

As prestações da responsabilidade da ré seguradora são sem prejuízo de eventual direito de regresso.

Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 263.120,46 (duzentos e sessenta e três mil cento e vinte euros e quarenta e seis cêntimos).

Custas a cargo das autoras e das rés não proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio que foi concedido”.

A Ré – empregadora interpôs recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação foi decidido julgar improcedente o recurso de apelação, com a confirmação, na íntegra, da sentença recorrida.

A Ré – empregadora interpôs de revista em termos gerais e, subsidiariamente recurso de revista excepcional.     

x

Por decisão já transitada em julgado, não foi admitido o recurso de revista interposto em termos gerais.

O processo foi  distribuído à Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.

Por acórdão de 01.06.2022, a Formação deliberou “indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pela Ré / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação”.

A Ré- empregadora veio, em 18.06.2022, reclamar desse acórdão, arguindo nulidade, tendo a Formação deliberado, por acórdão de 07.09.2022, indeferir tal reclamação

Entretanto, e em 06.07.2022, veio a Ré –empregadora interpor o presente recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, invocando,

“por referência aos: - douto despacho singular de fls., que não admitiu a revista;

- douto acórdão de fls., proferido em 9/9/2020 (confirmativo do citado despacho singular);- douto acórdão de fls., proferido em 11/11/2020 (que, no tocante à oposição de julgados se pronunciou, também, de forma a corroborar o douto acórdão anterior); e subsidiariamente, cfr. o artigo 554º; - douto acórdão de fls., proferido em 1/6/2022, que não admitiu a revista excepcional e do qual foram arguidas nulidades ainda não conhecidas, o que releva para efeitos supervenientes nos termos do artigo 617º, ex vi dos artigos 666º e 679º”, contradição entre soluções normativas acolhidas naquelas decisões e as adoptadas no acórdão do STJ de 9.05.2018, proferido no processo n.º 532/11.5TTSTR.E1.S1.

Por despacho de 11.10.2022, foi a Recorrente convidada a  indicar, no prazo de 10 dias, qual dos referidos acórdãos pretendia invocar como acórdão recorrido.

A Recorrente veio responder nos seguintes termos:

1) Como decorre da exposição de fundamentos do recurso interposto – “a alegação do recorrente, na qual se identificam os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao acórdão recorrido” –, sem prejuízo da inerente consideração das referências ao acórdão sobre a arguição de nulidades (que, no tocante à oposição de julgados se pronunciou, também, de forma a corroborar o douto acórdão anterior), o acórdão aqui recorrido é o de 9/9/2020, como tal identificado no intróito.

2) Quanto ao pedido subsidiário de RUJ quanto à revista excepcional, não tendo o mesmo sido rejeitado até agora, era pertinente a indicação do respectivo acórdão recorrido, cujo teor – artigo 617º, nº 2, ex vi dos artigos 666º e 679º do CPC – estava dependente do trânsito em julgado e seria pertinente, como subsidiário, enquanto não devesse ser autonomizado”.

x

Pelo relator foi proferido o despacho liminar a que se refere o nº 2 do artº 692º do CPC nos seguintes termos:

“Estatui-se no artº 689º, nº 1, do mesmo diploma legal, que “1 - O recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido”.

Como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/12/2018, Proc. 5668/11.0TDLSB.E1.C1-A.S1, 3ª sec., proferido no âmbito do processo penal, mas que tem plena aplicação em matéria cível “Constituem pressupostos, de índole formal: -a interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); -a identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição; -indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão fundamento; -o trânsito em julgado dos dois arestos (aresto recorrido e aresto fundamento); - a indicação de apenas um aresto fundamento. Como pressupostos, de índole substancial: - dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação; - que incidam sobre a mesma questão de direito; - e assentem em soluções opostas”.

Ora, como é bom de ver, o presente recurso é intempestivo no que toca ao acórdão indicado como recorrido- de 09.09.2020, que já transitou em julgado há muito mais de 30 dias.

Por outro lado, desde logo porque só pode ser invocado um único acórdão recorrido, e também porque não tem qualquer cabimento legal, não é admissível a subsidiariedade pretendida pela Recorrente.

E ainda que o fosse, o recurso também se apresentava como intempestivo, por prematuro, no que diz respeito ao acórdão de 01.06.2022.

Com efeito, no momento da sua interposição, em 06.07.2022, ainda não havia transitado o acórdão recorrido.

O mesmo foi proferido, pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, em 01.06.2022.

Contudo, a Ré- Recorrente veio arguir a nulidade do mesmo em 18.06.2022.

O acórdão a apreciar e a decidir sobre essa nulidade foi proferido em 07.09.2022.

Como se disse, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do trânsito em julgado do acórdão recorrido – artº 689º, nº 1 do Cod. Proc. Civil.

Tratando-se de um requisito de admissibilidade, há-de estar verificado no momento da interposição do recurso, sob pena de rejeição – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. STJ de 12/1/2000, Proc. 1062/99 - 3.ª Secção, Rel. Cons. Armando Leandro, de 16/10/2003, Proc. 1207/03-5ª, rel. Cons. Pereira Madeira, citado no “Código de Processo Penal, Notas e Comentários”, 2ª ed., 1424, de Vinício Ribeiro e de 4/2/2021, Proc. 3407/16.8JAPRT-A.P1-A.S1.

Por sua vez, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pag. 390, refere, sem margem para dúvidas:

“É a natureza extraordinária do recurso com efeitos que diferem dos recursos ordinários que explica a solução contida no preceito de admitir a interposição do recurso depois de transitado em julgado o acórdão recorrido.

Para efeitos de admissibilidade importa sobremaneira determinar a exacta data em que o acórdão recorrido se considera transitado em julgado. Por um lado, o direito do interessado precludem passados 30 dias depois do trânsito em julgado. Por outro, o requerimento de interposição não pode ser apresentado enquanto o acórdão estiver pendente de alguma reclamação relacionada com pedidos de declaração ou de arguição de nulidades, nos termos dos artigos 684º e 685º, ou do resultado de recurso interposto em matéria de inconstitucionalidade. Ambos factores, extemporaneidade e prematuridade, determinam a falta de uma condição de admissibilidade do recurso extraordinário”.

Como se viu, o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência foi interposto no dia 06.07.2022, antes de ter transitado o acórdão de 01.06.2022.

Impõe-se, pois, a rejeição do presente recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, por inadmissibilidade legal, atenta a respectiva extemporaneidade – artºs 692º, nº 1, 689º, nº 1, e 641º, nº 2, al. a), todos do CPC.             

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Decisão:
Nestes termos, e por intempestivo, dado que foi interposto fora do prazo legalmente previsto, e em apreciação liminar, vai o presente recurso para  uniformização de jurisprudência rejeitado, nos termos do artº 692º, nº1, do CPC.

Custas pela Recorrente”.

A Recorrente veio reclamar para a conferência, nos seguintes termos:

“1 No que à questão aprecianda (saber da tempestividade da interposição de recurso para fixação de jurisprudência) importa, a decisão ora em mérito apenas diz:

Ora, como é bom de ver, o presente recurso é intempestivo no que toca ao acórdão indicadocomo recorrido- de 09.09.2020, que já transitou em julgadohá muito mais de 30 dias

2º “Como é bom de ver”, porque a Recorrente não merece demonstração do que “é bom de ver”.

3º O artigo 205º da CRP não exceptua o dever de fundamentação quando seja “bom de ver”.

4º A alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, como é bom de ver, também não.

5º Isto porque o que “é bom de ver” não é sequer qualquer esboço de exercício fundamentador, é apenas soberba interpretativa.

6º E isto porque estaria o Estado de Direito estuprado se a negação da tutela jurisdicional efectiva pudesse ficar à mercê de um qualquer “como é bom de ver” de quem lha queira negar e esteja investido no poder de o fazer.

7º Como, para uns, “é bom de ver”, veda-se aos destinatários da decisão a lógica fundante do que “é bom de ver”.

8º Dizer “Ora, como é bom de ver, o presente recurso é intempestivo no que toca ao acórdão indicado como recorrido- de 09.09.2020, que já transitou em julgado há muito mais de 30 dias” não é mais do que uma conclusão, sem se ter comunicado à Recorrente como é que ficou tão bom de ver.

9º Designadamente, sem se invocar, com recurso à revelação do método da contagem dos prazos, qual o dia considerado pelo Tribunal para o início do decurso do prazo e o dia em que ocorresse o termo do mesmo e aquele em que a Recorrente haja praticado o acto, de onde resulte a extemporaneidade.

10º Sem isto, temos apenas duas conclusões gratuitas e infundamentadas: “como é bom de ver” e “há muito mais de 30 dias”.

11º Esse Tribunal pode estar farto da Recorrente, mas a Recorrente não se farta de se escorar na Lei e no Direito para, argumentando e demonstrando a sua razão (quando afinal podia recorrer só dizendo que, “como é bom de ver”, as decisões de que recorre estão erradas), obter tutela jurisdicional efectiva dos direitos de que se arroga.

12º Conhece bem a Recorrente o entendimento miraculoso (pois que tendente a sanar vícios veementes) de que só a absoluta falta de fundamentação constitui o vício previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

13º Sendo esse mesmo vício que, in casu, se verifica quando apenas se oferece à Recorrente uma decisão (preclusiva, ainda por cima) conclusiva sem qualquer substrato demonstrativo, cuja explicação se encerra em si mesma e em afirmações vagas e convenientes à rejeição.

14º Assim expressamente se invocando a nulidade do despacho ora em mérito, por violação do preceituado na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

SEM PRESCINDIR,

15º Segundo Brites Lameiras, Recurso excepcional de revista (e dupla conforme) – Tópicos de reflexão, in Direito em Dia:

“A revista é o recurso ordinário que tem por objecto um acórdão de um tribunal da Relação e é dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça”.

16º Alertando, e fundamentando, para que “…a lei está, nesta matéria, carente de um aperfeiçoamento e de uma clarificação urgentes”, insere a seguinte Nota:

«[5] Deixo aqui nota de que, do meu ponto de vista, esta terminologia (revista excepcional e revista normal), embora operativa como método de trabalho, não é rigorosa e é equívoca, posto que a revista é apenas uma, não há duas (excepcional e normal). O que há são duas realidades distintas: o recurso de revista, por um lado, e, por outro, um mecanismo específico de acesso ao STJ, pensado para certos casos de irrecorribilidade, que permite que excepcionalmente se possa aceder ao recurso de revista.»

17º Ou seja, seguidos os trâmites previstos – são consabidas as inúmeras divergências sobre quais são os trâmites devidos –, no mesmo e único recurso, pode o Supremo chegar ao pretendido conhecimento por duas vias, sendo uma dessas vias dependente de pressupostos específicos e correndo ambas em simultâneo, de acordo com os respectivos fundamentos.

18º Neste âmbito e sentido, Alves Velho, Sobre a revista excecional. Aspetos práticos, profere que “…a revista excepcional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do artigo 672º”.

19º E, ainda a propósito, o mesmo Autor acrescenta:

“Admitido o recurso pelo Relator, segue-se a remessa ao STJ e a distribuição, como previsto nos artigos 213º e 215º do CPC, em cujas espécies, note-se, não consta qualquer alusão a revista excecional.

Assim, o recurso deve ser distribuído como revista, cabendo ao relator proceder à apreciação liminar sobre o prosseguimento e saneamento da instância de recurso, nos termos previstos pelos artigos 679º e 652º do CPC”.

20º Daqui se evidencia a intuitiva conclusão de que nos casos em que a “instância de recurso” engloba ambas as vias de revista – a geral e a excepcional -, que partindo do mesmo genoma, seguem cada uma, pela natureza das coisas, por um relator e por uma Conferência, e sendo natural e óbvio que não coincidam no tempo as suas decisões e, por isso, o trânsito em julgado dos respectivos acórdãos.

21º Nesses casos, de duas vias para a revista, mantendo-se o vínculo gemelar das duas soluções, como troncos da mesma raiz, abrindo-se as janelas da recorribilidade de recurso para uniformização de jurisprudência (RUJ), seguem cada uma os seus trâmites, com fundamentos e pressupostos obviamente diferentes.

22º Nestes sentidos, cfr. Ac.STJ de 12/9/2017, no processo nº 8013/10.8TBBRG.G2.S1-A: https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/530771/, que trata dos prazos do RUJ em dois momentos e defere o entendimento de que a primeira interposição do RUJ, ainda sem trânsito em julgado ou com caso julgado transitório,[1] não fazendo falta a renovação do RUJ que o ali recorrente fez.

23º Na fundamentação, consta:

«O que vale por dizer que as normas processuais devem ser aplicadas tendo sempre presentes as razões que estiveram na sua génese e o espírito que presidiu à respectiva criação.

Note-se que, segundo cremos, caso o requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, apresentado em 23/6/16, tivesse sido indeferido oportunamente, por prematuridade, nada impediria que, posteriormente, após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, fosse interposto novo recurso.

E o mesmo se passaria se, em vez de renovar o recurso em 20/9/16, o recorrente tivesse desistido do interposto em 23/6/16 e se limitasse a interpor outro naquela data.

Parece-nos, pois, que em ambas as situações não seria posta em causa a admissibilidade deste último recurso.

O que não nos parece adequado, do ponto de vista dos aludidos princípios fundamentais, é que, no caso dos autos, se tenha em consideração, apenas, o requerimento de interposição de recurso apresentado em 23/6/16, para se indeferir o mesmo, por prematuridade, ignorando-se, pura e simplesmente, o apresentado em 20/9/16 e as circunstâncias que estiveram na base da interposição de ambos os recursos, atrás referidas. Haverá, assim, que concluir que o recurso em questão não foi interposto fora de prazo, por prematuridade, antes se entendendo que foi atempadamente interposto, nada obstando ao conhecimento do seu objecto».

24º Além de os autos andarem pelo TC, a audição da recorrente na sequência da baixa gerou novos prazos até à data em que o recurso entrou e havendo, como é de lei e de toda a doutrina, um recurso de revista a defender a inexistência da dupla conforme, foram ainda invocados os pressupostos da revista excepcional – RE.

25º “Nestes termos, decide-se não admitir o recurso ordinário de revista interposto pela Ré/Recorrente Lda. para o Supremo Tribunal de Justiça.

Notifique e, oportunamente, abra-se nova conclusão a fim de se tomar posição relativamente ao recurso de revista excepcional que, em alternativa, foi interposto pela Ré/Recorrente”.

26º A primeira foi indeferida, mas tinha de se esperar pelo resultado da segunda, a RE (expressamente reconhecida pela conferência competente), para eventualmente se avançar com recurso para uniformização quanto à parte da via normal – RN.

27º Sem prescindir, e notando contradições que não podem ter escapado, em vez do “caso julgado transitório” a que alude Lebre de Freitas, citado no Ac.STJ nº 8013, uma vez que, havendo pedidos de admissão da revista por duas vias, a normal e a excepcional, enquanto a admissão de uma delas não estiver decidida, relativamente à outra o que existe é apenas esgotamento do poder jurisdicional sobre aquela via já decidida e não trânsito em julgado do acórdão dessa via, que está em suspenso até transitar o conhecimento da outra via, no caso, a excepcional.

28º Assim não se entendendo, e sendo casos de revista pedida por duas vias, vem sempre a dar-se a situação ocorrida no Ac.STJ nº 8013, de se reconhecer a suspensão de uma das vias, mas acabar-se por se considerar que enquanto essa não seja decidida não há trânsito em julgado e validando um RUJ prematuro, que, aliás, tinha sido renovado.

29º Ora, a consideração do ora propugnado, do esgotamento do poder jurisdicional em matéria de uma das vias e trânsito simultâneo ao conhecimento da última via, coincide com todos os institutos e princípios aplicáveis e torna tudo coerente e simples.

TERMOS EM QUE,

Deve a decisão reclamada ser revogada”.

Não foi apresentada resposta

Cumpre decidir:

Quanto à nulidade por falta de fundamentação, a que se refere a al. b) do nº 1 do artº 615º do CPC e que a Reclamante vem invocar, ela não se verifica.

A nulidade prevista em tal norma só ocorre quando há uma absoluta falta de fundamentação, o que patentemente não é o caso.

Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.- Ac. do STJ de 2/06/2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt

O despacho está devidamente fundamentado e não se reconduz, como a Recorrente, em termos claramente redutores, pretende fazer valer, ao parágrafo “Ora, como é bom de ver, o presente recurso é intempestivo no que toca ao acórdão indicadocomo recorrido- de 09.09.2020, que transitou em julgadohá muito mais de 30 dias”. Basta ler a decisão reclamada.

Aliás, não se adere aos termos jocosos que a Recorrente emprega com referência à expressão “é bom de ver”. É nosso timbre a adopção de linguagem clara e respeitosa.

E há realidades que estão demonstradas por si só, como é o caso: não oferece qualquer dúvida que o  acórdão recorrido transitou em julgado há mais de 30 dias, como se demonstra à evidência na decisão reclamada. E a Reclamante, natural e obrigatoriamente representada por advogado, tem obrigação de conhecer as datas em que foram proferidas as diversas decisões, os prazos para delas reclamar ou recorrer, e a data em que apresentou o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

A Recorrente pode não concordar com a solução encontrada, mas tal divergência não é, sem  mais, fundamento de nulidade.

Essa discordância também a demonstra na pouco clara argumentação constante dos pontos 15 e seguintes da reclamação. Mas esse esforço argumentativo não pode escamotear aquela manifesta realidade- a intempestividade do recurso, como se nos afigura que no despacho reclamado exaustiva e acertadamente se considerou.

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Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em desatender a reclamação da Recorrente e, em consequência, manter-se o despacho liminar do Relator, que não admitiu, pelas razões aí mencionadas, o recurso para uniformização de jurisprudência.

Custas pela Ré/recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 12/01/2023

Ramalho Pinto (Relator)

Domingos Morais

Mário Belo Morgado

Sumário (elaborado pelo relator).