Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15940/16.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INDEMNIZAÇÃO
CUMULAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DIREITO INTERNACIONAL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
PUBLICADO NA RLJ - A. 150 - Nº 4029 - ANOTADO POR PAULO MOTA PINTO (FLS. 329-350)
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. — A resolução do contrato é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual positivo.
II.— Indemnizar pelo interesse contratual positivo, traduz-se, na prática, em aplicar o princípio geral da obrigação de indemnizar consagrado no artigo 562.º do Código Civil.

III.— Em favor do cúmulo depõem ainda a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980, aprovada para adesão em 23 de Julho de 2020, e a Directiva 2019/771/UE, de 20 de Maio de 2019.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

   1. Ruas D’Outrora – Unipessoal, Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo comum contra Casa H, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de 38.181,05 €, acrescida da quantia que vier a ser apurada em sede de liquidação de sentença.

 2. A Ré Casa H, Lda., contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção. em que pediu a condenação da Autora no pagamento:

     I. — de16.922,48 €, referentes às obras do prédio adjudicadas e contratualizadas com Olivier Carneiro; II. — de 5.821,84 €, referentes a trabalhos e materiais executados no 5.º andar esquerdo,  acrescidos de 2.500 € a títulos de danos patrimoniais, “por força do material desaparecido na obra”, e de 5.000 € a título de danos não patrimoniais por danos causados à sua imagem.

  3. A Autora respondeu, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

  4. Em despacho de 25/8/2016, não foi admitida a intervenção principal provocada passiva de AA e do Condomínio do Prédio sito na Rua ... .

  5. Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que :

   I. — se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Autora II. — se julgou parcialmente improcedente o pedido reconvencional, “apenas o admitindo no que respeita ao valor de 5.821,84 € referente aos trabalhos e materiais executados no 5º andar esquerdo pela Ré”;  III. — se enunciou o objecto do litígio e se indicou os temas de prova.

  6. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional totalmente improcedente.

 7. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância foi do seguinte teor:

Nos termos e pelos fundamentos expostos:

a) Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a Casa H, Ldª a pagar à Ruas D’Outrora - Unipessoal Ldª

— a quantia de € 11.445,95, acrescida de IVA, a título de menos valias, e

— a quantia de € 900,00, acrescida de IVA, referente à elaboração do parecer técnico. b)

Absolvo a Autora Ruas D’Outrora - Unipessoal Ldª do pedido reconvencional deduzido pela Ré Casa H, Ldª.

Valor da Acção: € 38.181,05.

Valor da Reconvenção: € 22.744,32.

   8. Inconformadas, a Autora Ruas D’Outrora – Unipessoal Lda., e a Ré Casa H, Lda., interpuseram recurso de apelação.

9. O Tribunal da Relação julgou totalmente procedente o recurso interposto pela Autora Ruas D’Outrora – Unipessoal Lda., e totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré Casa H, Lda..

 10. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em :

a) Conceder provimento ao recurso interposto pela A. e, nessa medida, a parcela condenatória da Sentença passará a ter a seguinte redacção :

“Nos termos e pelos fundamentos expostos

a) Julgo a presente acção procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a “Casa H, Ldª” a pagar à “Ruas D’Outrora - Unipessoal Ldª” :

— a quantia de 11.445,95 €, acrescida de IVA, a título de menos valias.

— a quantia de 23.649,76 €, pela perda de receita da A., gerada pela impossibilidade de exploração comercial (arrendamento local) da fracção autónoma em causa.

— a quantia de 900 €, acrescida de IVA, referente à elaboração do parecer técnico.

b) Absolvo a Autora Ruas D’Outrora - Unipessoal Ldª do pedido reconvencional deduzido pela Ré Casa H, Ldª”.

b) Negar provimento ao recurso interposto pela R., confirmando, na parte por ela impugnada, a Sentença recorrida.

Custas : Pela R. (artº 527º do Código do Processo Civil).

  11. Inconformada, a Ré Casa H - Construção Civil e Obras Públicas, Lda., interpôs recurso de revista.

 12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Vem o Tribunal a quo imputar a responsabilidade à Recorrente por danos contratuais positivos e pelos danos decorrentes da resolução do contrato.

B. Para o efeito, o Tribunal a quo condenou a Recorrente na devolução da quantia de 11.445,95€, acrescido de IVA, por danos decorrentes da resolução do contrato, e,

C. No pagamento de 23.649,76€ decorrentes dos danos causados por o Recorrido se ver impossibilitado de explora comercialmente o (arrendamento) da fração.

D. Assim, questiona-se se pode a Recorrida tem direito a indemnização decorrente do interesse contratual positivo (impossibilidade de exploração comercial da fração), bem como do interesse contratual negativo (pela resolução do contrato de empreitada).

E. Em sede de responsabilidade contratual, a indemnização pode prosseguir dois objectivos: restabelecer a situação que existiria se a parte lesada não tivesse celebrado o contrato – indemnização pelo dano contratual negativo; ou colocar o lesado em situação idêntica à que se verificaria se o contrato tivesse sido contratualmente cumprido – indemnização pelo dano contratual positivo.

F. A resolução do contrato é a destruição da relação contratual do contrato de empreitada, implicando que as partes regressem à situação em que teriam caso o contrato não tivesse sido celebrado, traduzindo-se tais efeitos nos mesmos termos da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico.

G. Havendo resolução do contrato, a jurisprudência e a doutrina dominantes inclinam-se para a defesa da indemnização do chamado “dano de confiança” (quer o credor tenha ou não efectuado a sua contraprestação), por haver incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.

H. Este entendimento apoia-se não só na tese da incompatibilidade lógica entre a retroatividade do meio resolutivo e o pedido de uma indemnização (pelos danos positivos) que pressuporia a subsistência ou a manutenção do contrato, mas também no regime indemnizatório (no quadro do "interesse negativo") previsto nos artigos 898.º e 908.º do C.Civil para a anulação da venda de bens alheios e bens onerados (ou defeituosos, por remissão do art.º 913.º), em caso de dolo de um dos contraentes ou do vendedor - José Carlos Brandão Proença; ob. cit. pág. 187): a indemnização terá em conta apenas o interesse contratual negativo, ou seja, cobrirá os danos (danos emergentes e lucros cessantes) que o credor não teria tido se o contrato nunca tivesse sido negociado nem celebrado e não abrangerá, porque coloca o credor na posição em que ele estaria se a obrigação tivesse sido pontualmente realizada, os danos (danos emergentes e lucros cessantes) que o credor não teria tido se a obrigação tivesse sido devidamente cumprida, ou seja, a indemnização pelo interesse positivo e que redundaria em que o credor alcançasse o mesmo propósito correlativo ao exato cumprimento do cessado pacto.

I. Ora, atendendo ao estado do imóvel antes da celebração do contrato, parece evidente que o Recorrido não obteria qualquer rendimento da sua exploração nas condições em que este se encontrava.

J. Assim, parece-nos, salvo o devido respeito, que o Recorrido lucrará ao receber uma indemnização correspondente ao que presumivelmente auferia caso o contrato tivesse sido cumprido e uma indemnização pelo contrato não ter sido cumprido.

K. Tanto assim é, que as tipologias que o Recorrido previa existirem na fração, apenas seriam possíveis com a execução das obras.

L. O Recorrido aufere assim mais rendimentos com as presentes indemnizações, valor que nunca iria auferir sem a execução das obras.

M. Mais, a verdade é que no caso em apreço não resulta do contrato de empreitada celebrado entre as partes qual o destino a dar à fração intervencionada, nem sequer foi alegado ou suscitado que a Ré tinha conhecimento de que tal fração seria afeta ao arrendamento local.

N. Vem o Tribunal a quo alegar que, in caso se justifica a imputação de uma indemnização decorrente do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo, uma vez que «…face aos factos dados como provados, é de aceitar a relevância do interesse contratual positivo, por consideração do mesmo não levar a qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados, permitindo-se à A. libertar-se do contrato sem que para tal ter de renunciar aos lucros frustrados pelo seu não cumprimento.»

O. Salvo o devido respeito não podemos concordar,

P. Os trabalhos foram adjudicados em 11/09/2014. As obras iniciaram-se em 17/03/2015, devendo-se o atraso essencialmente à falta de licenciamento. Em outubro de 2015, estavam a decorrer obras no telhado. Em 18/03/2015, a Recorrida remeteu uma carta de resolução à Ré. Note-se ainda o contrato apenas resolveu com a receção da missiva em 18/03/2016.

Q. Da documentação junta aos autos, designadamente, das cartas enviadas pela sociedade Autora à sociedade Ré, com vista a esta retomar os trabalhos, bem como, da carta em que é operada a resolução contratual, em momento algum se adverte a sociedade Ré, como consequência do seu incumprimento, a eventual responsabilização pelo tipo de dano cujo ressarcimento ora é peticionado.

R. No contrato celebrado, em momento algum é indicado o destino da fração, pelo que o empreiteiro (Recorrente) quando contratou desconhecia tal facto.

S. Também aquando a resolução não foi indicado que, no caso de incumprimento do contrato no prazo admonitório a Recorrente seria responsável pelos danos decorrentes da não exploração da fração.

T. Assim sendo, a atribuição de uma indemnização deste jaez afrontaria os princípios da boa-fé.

U. Em suma, concluímos que, salvo casos muito excecionais atendendo a especiais interesses em jogo, em regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser o Acordão proferido pelo tribunal a quo em 14/07/2020, revogado e substituído por outro, assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!

  13. A Autora Ruas d’Outrora, Lda., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

 14. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. QUANTO À QUESTÃO PRÉVIA:

A)    Das alegações da Apelada, ora Recorrente, deduz a Apelante, ora Recorrida, que o  objecto do presente recurso é o Acórdão do douto Tribunal a quo, por via do qual foi decidido:

“(…): a) Conceder provimento ao recurso interposto pela A. e, nessa medida, a parcela condenatória da Sentença passará a ter a seguinte redacção

“Nos termos e pelos fundamentos expostos:

a) Julgo a presente ação procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a “Casa H, Ldª” a pagar à “Ruas D’Outrora-Unipessoal, Ldª”:

— a quantia de 11.445,95€, acrescida de IVA, a título de menos valias.

— a quantia de 23.649,76€, pela perda de receita da A., gerada pela impossibilidade de exploração comercial(arrendamento local) dafração autónoma em causa.

— a quantia de 900€, acrescida de IVA, referente à elaboração do parecer técnico.

b) Absolvo a Ruas de D’Outrora- Unipessoal Ldª do pedido reconvencional deduzido pela Ré Casa H, Ldª”.

b) Negar provimento ao recurso interposto pela R., confirmando, na parte por ela impugnada, a Sentença recorrida.

Custas: pela R. (527º do Código do Processo Civil)”.

B) Sendo assim, o presente recurso é de revista, nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil (CPC), sendo-lhe aplicável o n.º 1 do artigo 674.º do CPC, do qual resulta que: “1 - A revista pode ter por fundamento:

a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º.”

C) Em nenhum momento das suas alegações a Recorrente fundamentou a presente revista em qualquer alínea referida no ponto antecedente.

D) Nesta medida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, entende-se que, salvo melhor entendimento, o presente recurso deve ser julgado, imediata e totalmente, improcedente.

2. QUANTO AO DANO CONTRATUAL NEGATIVO E AO DANO POSITIVO:

E) Caso o douto Tribunal ad quem entenda - contra o que se espera - que a aludida questão prévia não acarreta, imediata e totalmente, a improcedência do presente recurso, importa sublinhar que é firme entendimento da Recorrida que bem decidiu o douto Tribunal a quo em alterar, em parte,a parcela condenatória da sentença proferida em 1ª instância, dando em toda a linha – por ser de Justiça – razão à ora Recorrida.

F) Em relação à matéria objecto de recurso, dúvidas não há que a posição clássica, comum a vários autores, era a de que a tutela do direito indemnizatório, em caso de resolução contratual, "(...) se resume ao interesse contratual negativo (cf., entre outros, Almeida Costa in "Direito das Obrigações", 6ª ed., pg. 918 ; Antunes Varela in "Das Obrigações em Geral, Vol. II, pg. 109 ; Menezes Leitão in "Direito das Obrigações", Vol. II, pg. 259), tendo sido igualmente essa a posição acolhida por grande parte da Jurisprudência do S.T.J. (cf. Acórdãos do S.T.J. de 3/9/2004, 2/12/2004, 12/7/2005, 23/1/2007, 22/1/2008 e 23/10/2008, todos consultados na "internet" em www.dgsi.pt).” - página 37 do Acórdão em análise.

G) “No entanto, existe uma corrente [qualifiquemo-la apenas para efeitos do presente documento como “mitigada”] que, recusando esta construção, admite, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com os danos positivos.

Esta Doutrina inicialmente defendida por Vaz Serra (in B.M.J., nº 47, pg. 40),e depois por Romano Martinez (in "Da cessação do Contrato", pg. 208) e Galvão Telles (in "Direito das Obrigações", 7ª ed., pg. 463), entre outros." - página 37 do Acórdão em análise.

H) Em termos de direito comparado, e como é evidenciado no Acórdão em análise, há muito que se assiste a que as divergências sobre a possibilidade de cumular uma indemnização - e designadamente uma indemnização por não cumprimento - com a resolução do contrato têm vindo a diminuir, assistindo-se a um consenso cada vez maior no sentido de que nada se deve opor a tal cumulação (nesse sentido Direito francês, alemão, italiano, austríaco, suíço e países da "Common Law") [cfr. Acórdão do S.T.J. de 21/10/2010, disponível em www.dgsi.pt).

I) "(...) A opção por uma ou outra doutrina [doutrina clássica e doutrina mitigada] terá de encontrar a sua razão de ser na definição da figura da resolução contratual: se vista como destruidora da relação contratual, a tese clássica é a única que se coaduna; se vista como reintegradora dos interessesem jogo,o ressarcimento pelos danos positivos pode ter razão de ser nalguns casos (...)" [cfr. Acórdão do S.T.J. de 12/2/2009, disponível em www.dgsi.pt] – página 38 do Acórdão posto em crise.

J) Tal como é referido na Doutrina e na Jurisprudência, tem-se vindo a considerar que inexistem fundamentos para, em tese, afastar a possibilidade de se cumular a resolução do contrato com o pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo.

K) Conforme consta do referido Acórdão do S.T.J. de 12/2/2009 (citado no Acórdão posto em crise), e em relação aos efeitos da “resolução”, encontramos presente uma “destruição contratual mitigada”, uma vez que se remete “para o regime da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cf. os artºs 289.º e ss.).

L) Acresce que, em relação ao próprio regime dos efeitos, a regra prevista na lei de que a retroactividade da nulidade e da anulação não opera, além do mais, se contrariar "a vontade das partes" ou "finalidade da resolução", estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica, põe, definitiva e irremediavelmente, em crise a primeira premissa da Doutrina clássica (a destruição da relação contratual) e possibilita a aludida cumulação (indemnizatória), o que é devidamente sublinhado no Acórdão do S.T.J. de 12/2/2009 e no Acórdão posto em crise.

M) Dito isto, importa avançar um pouco mais e afirmar (como fez o Tribunal em1ª instância e também o Tribunal a quo) que a possibilidade de tal cumulação tem que ser avaliada caso a caso, consoante o tipo de contrato e o circunstancialismo que o rodeia, para que não se verifiquem desequilíbrios ou benefícios injustificados.

N) "Da Matéria de Facto Provada" nestes autos resulta expressamente que:

"32. A fracção autónoma, uma vez concluídos os trabalhos que constam dos orçamentos apresentados pela Ré à Autora, destinar-se-ia a exploração comercial (arrendamento).

33. Tal fracção permite dois apartamentos separados, sendo um tipologia T1 para 3 pessoas e outro tipologia T2 para 4 pessoas, as quais proporcionariam uma facturação total de € 23.649,76 (€ 10.034,80€ + € 13.614,96), desde 5 de Junho de 2015 a 30 de Abril de 2016.

34. (…) Tais apartamentos permitiriam à Autora auferir um rendimento de € 23.649,76 entre 5 de Junho de 2015 a 30 de Abril de 2016”.

"34 - A Em 28/1/2015, a A. enviou à R. uma carta, que foi por esta recebida, cujo teor consta de fls. 88 e 89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde consta, além do mais:

"Visto que é fundamental que o apartamento esteja pronto a tempo do verão para ser explorado turisticamente, venho no papel de sócio-gerente da Ruas D'Outrora Unipessoal Lda exigir o arranque da obra do apartamento (…) até 16 de Fevereiro e a sua execução nos prazos definidos no contrato, independentemente do arranque ou não da obra do prédio, visto que nem no orçamento nem no contrato foi estabelecida tal dependência. Se a obra não arrancar nessa data, a Casa dos Asfaltos/Casa H entrará em incumprimento do contrato (…). Realço que, em caso de litígio, também tenho como prejuízo acrescido a perda de rentabilidade prevista com a exploração turística após o término da obra (…)“.

O) É, assim, totalmente inquestionável que a Autora, ora Recorrida, advertiu a Ré, ora Recorrente, de que, como consequência do incumprimento desta, iria peticionar uma responsabilização pelo interesse contratual positivo, conforme doutamente evidenciado no Acórdão posto em crise, no qual ainda é devidamente realçado que "(...) a avaliação do prejuízo, que inclui o lucro cessante (artº 564º nº 1 do Código Civil) baseia-se numa presunção de facto que resultará da verificação de que normalmente o proprietário poderia realizar com a coisa o lucro correspondente ao preço do seu arrendamento." -(página 40 do Acórdão em análise).

P) Assim, bem esteve o Tribunal a quo ao entender que "no caso dos autos, e face aos factos dados como provados, é de aceitar a relevância do interesse contratual positivo, por a consideração do mesmo não levar a qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados, permitindo-se à A. libertar-se do contrato sem para tal ter que renunciar aos lucros frustrados pelo seu não cumprimento" (página 39 do Acórdão em análise).

Q) E importa sublinhar que não corresponde, assim, à verdade o vertido no artigo 19.º das alegações da Recorrente, segundo o qual "mais, a verdade é que no caso em apreço não resulta do contrato de empreitada celebrado entre as partes qual o destino a dar à fração intervencionada, nem sequer foi alegado ou suscitado que a Ré tinha conhecimento de que tal fração seria afeta ao arrendamento local”.

R) Como não corresponde à verdade o vertido no artigo 30.º das referidas alegações, nas quais a Recorrente refere que "(...) da carta em que é operada a resolução contratual, em momento algum se adverte a sociedade Ré, como consequência do seu incumprimento, a eventual responsabilização pelo tipo de danos cujo ressarcimento ora é peticionado.”

Termos em que se confia que vai o Venerando Tribunal ad quem manter a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos supra alegados, no respeito pela Lei e pela prática aplicação da boa JUSTIÇA!

   15. Como objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a apreciar é só seguinte: — se a indemnização cumulável com a resolução do contrato de empreitada deve orientar-se pelo interesse contratual negativo ou pelo interesse contratual positivo.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

         OS FACTOS

   16. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1 - A A. é uma sociedade que tem por objecto o “Alojamento mobilado para turistas; Actividades de fornecimento e, eventualmente, de preparação de refeições e bebidas para os respectivos turistas; Transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros; Prestação de serviços como guias turísticos”.

2 - A A. é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente ao ..º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua ...., nºs. .., .., --, .., .., .., .., .., freguesia de .... (ex-…), em …., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... .

3 - A R. é uma sociedade que tem por objecto a “Construção civil e obras públicas; Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; Promoção imobiliária; Gestão e administração de imóveis; Comércio, importação, exportação, representação e distribuição de materiais e equipamentos para construção; Aluguer de equipamentos para construção”.

4 - Em 11/9/2014, a A., enquanto “Dono de Obra”, e a R., enquanto “Empreiteiro”, assinaram um documento intitulado “Contrato de Empreitada de Imóvel”.

5 - Conforme resulta da cláusula 1ª/1 do acordo referido em 4., a R. obrigou-se perante a A. a executar uma obra “(...) definida na sua proposta que constitui o Orçamento nº P……. de ../../2014, aceite por ambas as partes no imóvel sito na Rua ..., nº …-…. – …”.

6 - A proposta inicial (Orçamento nº P-…-A-JF de 7/8/2014, mencionada no Contrato de Empreitada) foi objecto de correcções por parte da R., dando origem ao Orçamento nº P-…-B-JF.

7 - Conforme Cláusula 1ª/3 do acordo referido em 4., os trabalhos de execução da obra deveriam iniciar-se até 15 dias “(...) após a formalização da adjudicação, caso as condições atmosféricas assim o permitam (…)”.

8 - Conforme (Cláusula 2ª) do acordo referido em 4., “o preço total a pagar pelo dono da obra é de 40.609,85 €, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, de acordo com o orçamento aprovado que faz parte integrante deste contrato”, sendo que as condições de pagamento relativas à empreitada em causa eram : “(...) 10% do valor global da obra com a adjudicação, 40% com a início dos trabalhos de cada actividade ; 30% com o meio dos trabalhos de cada actividade e 20% no final dos trabalhos de cada actividade” (Cláusula 3ª/1).

9 - Os trabalhos previstos na Cláusula 1ª e nos documentos anexos a este contrato têm a duração prevista de 105 dias, caso as condições climatéricas o permitam.

10 - Após solicitação da R., em 11/9/2014, a A. pagou àquela a quantia relativa a 10% do valor global da obra, acrescido de IVA.

11 - Em 17/3/2015, a R. procedeu ao arranque dos trabalhos relativos à empreitada com a execução de demolições e o reforço estrutural.

12- Em Abril de 2015, a R. executou outros trabalhos previstos no Contrato de Empreitada, nomeadamente, demolições, mais reforço estrutural, paredes interiores, picagem do pavimento da cozinha, remoção dos pregos das vigas e tratamento das madeiras.

13- Em Junho de 2015, A. e R. concluíram pela necessidade de, para além da execução dos trabalhos acordados, ser necessário executar determinados trabalhos a mais, designadamente, “trabalhos de apoio ao ar condicionado" e “alteração de acabamento de paredes e tectos interiores”, os quais foram orçamentados.

14- Em Junho de 2015, a R. executou trabalhos de apoio ao ar condicionado, de reparação de paredes e tectos (relativos aos trabalhos a mais) e de reforço da fixação dos autoclismos (relativos à empreitada).

15- Em 5/8/2015, a R. solicitou à A. o pagamento de :

“-30% do Contratual (Orçamento P-….-B-JF, factura FA 2015/…8) ;

-100% do adicional dos trabalhos de apoio ao Ar Condicionado (Orçamento P-…-E-JF, factura FA 2015/…0) ;

-50% do adicional do estuque (Orçamento P-….-B-JF, factura FA 2015/…9) (…)”.

16- Foram efectuados os seguintes pagamentos à R.:

a) 14.814,70 €, no dia 10/8/2015.

b) 1.761,77 €, no dia 12/8/2015.

17 - A A. enviou à R. duas cartas, datadas de 17/2/2016 e 29/2/2016, comunicando-lhe a necessidade de a mesma retomar os trabalhos no prazo de cinco dias a contar da recepção das mesmas, as quais foram recebidas por esta a 19/2/2016 e 1/3/2016, respectivamente.

18 - A R., em resposta às cartas referidas em 17., enviou carta à A. a : (i) Solicitar à A. um pedido de reunião; (ii) Colocar em causa a percentagem invocada pela A. no que concerne aos trabalhos efectivamente realizados relativos à empreitada e trabalhos a mais; (iii) Tentar justificar algumas “vicissitudes” relativas ao Contrato de Empreitada e, especialmente, (iv) Invocar alegados incumprimentos por parte do Condomínio da Rua ... 13 – 27, no contrato de empreitada celebrado por este com a R..

19 - Por carta enviada pela A. à R., datada de 18/3/2016, a A. procedeu à resolução unilateral do Contrato de Empreitada, com base em incumprimento, por parte da empreiteira (R.) do prazo para conclusão da empreitada, no abandono da obra por parte da empreiteira (R.) e, também, pelo facto da empreiteira (R.) ter solicitado e recebido indevidamente quantias por conta do Contrato de Empreitada.

20 - Em meados de Julho de 2014, a R., por intermédio do Engº BB, havia transmitido à A. que seria vantajoso que os trabalhos começassem ao mesmo tempo dos trabalhos a realizar para o Condomínio da Rua .... 13 – 27, devido à facilidade de passagem do entulho da fachada de trás do prédio através da fracção autónoma e também ao uso do mesmo contentor de entulho.

21 - Através de notificação datada de 18/12/2014, a administração do Condomínio da Rua .... 13 – 27 recebeu o deferimento do projecto de licenciamento da obra a executar no prédio.

22 - A 16/12/2014, a R. havia informado a administração do Condomínio da Rua ... 13 – 27 que : “(...) por nos encontrarmos numa época de festas e fecho do ano, não nos será possível iniciar os trabalhos até ao final do presente ano. A obra encontra-se em fase de preparação de modo a iniciarmos os trabalhos em Janeiro (…)”.

23- A A. aceitou as condicionantes referidas em 20. e 22., no pressuposto de que a obra de renovação do telhado no prédio onde se localiza a fracção autónoma referida em 2., seria executada no prazo estabelecido no respectivo contrato de empreitada, ou seja, 45 dias.

24- A obra de renovação do telhado no prédio onde se localiza a fracção autónoma referida em 2. terminou em Janeiro de 2016.

25 - Em Março de 2015, a R. invocou que para ser possível executar a obra no prédio de renovação do telhado seria necessário em momento anterior efectuar outra obra também no prédio, concretamente a reabilitação da fachada tardoz do prédio.

26 - A obra relativa à reabilitação da fachada tardoz do prédio encontrava-se terminada desde 1/9/2015.

27 - Em Dezembro de 2015, a R. apenas fez trabalhos relativos à alteração da estrutura das vigas da cozinha, abertura do tecto para sótão, electricidade e trabalhos de ar condicionado.

28 - A A. havia permitido que a R. utilizasse a fracção autónoma para apoio a toda a obra a executar para o Condomínio.

29 - Pelo menos desde Janeiro 2016, a R. não executou qualquer trabalho relativo à empreitada e trabalhos a mais na fracção autónoma, apesar de ter deixado na mesma diversos materiais de construção.

30 - Em relação ao orçamento relativo à Empreitada, foram executados pela R. trabalhos no valor de 6.761,73 € (o que corresponde a 17% do total).

31 - Em relação aos trabalhos a mais, foram executados pela R. trabalhos no valor de 357 € (“trabalhos de apoio ao ar condicionado”, o que corresponde a 30% do total) e de 431,25 € (“alteração de acabamento de paredes e tectos interiores”, o que corresponde a 25% do total).

32 - A fracção autónoma, uma vez concluídos os trabalhos que constam dos orçamentos apresentados pela R. à A. destinar-se-ia a exploração comercial (arrendamento).

33 - Tal fracção permite dois apartamentos separados, sendo um tipologia T1 para 3 pessoas e outro tipologia T2 para 4 pessoas, as quais proporcionariam uma facturação total de 23.649,76 € (10.034,80 € + 13.614,96 €), desde 5/6/2015 a 30/4/2016.

34 - Tais apartamentos permitiriam à A. auferir um rendimento de 23.649,76 € entre 5/6/2015 e 30/4/2016.

35 - A A. pagou ao Engº CC, para a elaboração do Parecer Técnico sobre os trabalhos efectuados pela R., a quantia de 900 €, acrescida de IVA.

   17. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

I - As obras efectuadas no edifício sito na Rua .... nº .. – .., nas partes comuns foram, todas elas e desde início, negociadas com AA, na qualidade de Administrador do Condomínio.

II - Na data referida em 19. dos Factos Provados, as obras do apartamento do 0º esquerdo, estavam terminadas em mais de 50%.

III - A realização da obra na fracção autónoma referida em 2. dos Factos Provados dependia das obras a realizar pela R. nas partes comum do prédio.

IV - A realização dos trabalhos a mais referidos em 13. dos Factos Provados, implicaram atraso na realização da obra.

 18. O Tribunal da Relação de Lisboa

           

   I. — aditou ao elenco dos factos dados como provados o facto n.º 34-A:

“34 - A - Em 28/1/2015, a A. enviou à R. uma carta, que foi por esta recebida, cujo teor consta de fls. 88 e 89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde consta, além do mais :

“Visto que é fundamental que o apartamento esteja pronto a tempo do verão para ser explorado turisticamente, venho no papel de sócio-gerente da Ruas D’Outrora Unipessoal Lda exigir o arranque da obra do apartamento (…) até 16 de Fevereiro e a sua execução nos prazos definidos no contrato, independentemente do arranque ou não da obra do prédio, visto que nem no orçamento nem no contrato foi estabelecida tal dependência. Se a obra não arrancar nessa data, a Casa dos Asfaltos/Casa H entrará em incumprimento do contrato (…). Realço que, em caso de litígio, também tenho como prejuízo acrescido a perda de rentabilidade prevista com a exploração turística após o término da obra (…)”

    II. — julgou improcedente a pretensão da Ré:

— de que o facto dado como provado sob o n.º 23 fosse dado como não provado;

— de que o facto dado como não provado sob II fosse dado como provado;

— de que o facto dado como não provado sob III fosse dado como provado.

    O DIREITO

  19. O art. 801.º, n.º 2, do Código Civil diz que, quando a impossibilidade (objectiva,) definitiva e total da prestação seja imputável ao devedor, “o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato”; o art. 802.º, n.º 1, do Código Civil diz que, quando a impossibilidade (objectiva,) definitiva e parcial da prestação seja imputável ao devedor, “o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos, o credor mantém o direito à contraprestação”.

  20. O problema suscitado pelos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, relaciona-se com o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: O devedor há-de colocar o credor na situação em que estaria se não tivesse concluído o contrato ou deve colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido?; deve indemnizar o devedor pelo interesse contratual negativo ou deve indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo?; deve indemnizar pelo dano da confiança ou deve indemnizá-lo pelo dano do (não) cumprimento?

  21. O primeiro termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual negativo — destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual positivo — destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. O problema está em que colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido pode conseguir-se através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da sub-rogação ou da troca ou através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da diferença — a teoria da sub-rogação (Surrogationstheorie) ou teoria da troca (Austauschstheorie) diz-nos que o credor da obrigação não cumprida tem o encargo ou o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor da prestação não realizada; a teoria da diferença (Differenztheorie), diz-nos que a o credor da obrigação não cumprida não tem o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro corresponde à diferença entre o valor da contraprestação e o valor da indemnização dos danos causados pela não realização da prestação pelo devedor [1].

   22. A indemnização prevista no art. 801.º, n.º 1, do Código Civil será sempre a indemnização pelo interesse contratual positivo calculada de acordo com a teoria da sub-rogação [2]; a indemnização prevista no art. 801.º, n.º 2, essa, poderá ser uma de duas — ou uma indemnização pelo interesse contratual negativo ou uma indemnização pelo interesse cotratual positivo calculada de acordo com a teoria da diferença.

  23. Os argumentos em favor de que a indemnização cumulável com a resolução do contrato é — sempre e só — uma indemnização pelo interesse contratual negativo devem considerar-se definitivamente — ou quase definititivamente — superados:

   24. O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida [3] [4].

  25. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes:

   26. Em 23 de Julho de 2020, foi aprovada para adesão a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980 — e, de acordo com os arts. 75.º e 76.º da Convenção, a indemnização cumulável com a resolução do contrato é uma indemnização pelo interesse contratual positivo [5].

  27. Em 20 de Maio de 2019, foi publicada a Directiva 2019/771/UE, sobre a venda de bens de consumo — e, de acordo com o considerando 61 da Directiva, a indemnização

“deverá repor a situação em que o consumidor se encontraria se o bem estivesse em conformidade” [6].

  Os termos em que está redigido o considerando 61 aplicam-se a toda a indemnização, incluindo à indemnização cumulável com a resolução do contrato de compra e venda.

  28. O Supremo Tribunal de Justiça, desde o acórdão de 12 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08B4052 —, admite que a indemnização cumulável com a resolução do contrato seja uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ainda que hesitando sobre se a indemnização pelo interesse contratual positivo deverá ser a regra [7] ou, tão-só, a excepção [8].

   29. Os acórdãos de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1 — e de de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2 — sugerem que o problema deverá resolver-se caso a caso, a partir de uma apreciação ou de uma ponderação que não esteja condicionada, “de forma apriorística, a um critério abstracto de regra-excepção” [9]. Como se diz no sumário do acórdão de 17 de Maio de 2018,

V. — A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo.

VI. — Contudo, a indemnização pelo interesse contratual positivo não é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo: a primeira visa colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido; ao passo que a segunda visa antes colocá-lo na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado.

VII – Indemnizar pelo interesse contratual positivo, traduz-se, na prática, em reconhecer ‘o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do Código Civil, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato’ […].

   30. A Ré, agora Recorrente, alega que as circunstâncias do caso determinam que a indemnização cumulável com a resolução do contrato seja uma indemnização pelo interesse contratual negativo:

P. Os trabalhos foram adjudicados em 11/09/2014. As obras iniciaram-se em 17/03/2015, devendo-se o atraso essencialmente à falta de licenciamento. Em outubro de 2015, estavam a decorrer obras no telhado. Em 18/03/2015, a Recorrida remeteu uma carta de resolução à Ré. Note-se ainda o contrato apenas resolveu com a receção da missiva em 18/03/2016.

Q. Da documentação junta aos autos, designadamente, das cartas enviadas pela sociedade Autora à sociedade Ré, com vista a esta retomar os trabalhos, bem como, da carta em que é operada a resolução contratual, em momento algum se adverte a sociedade Ré, como consequência do seu incumprimento, a eventual responsabilização pelo tipo de dano cujo ressarcimento ora é peticionado.

R. No contrato celebrado, em momento algum é indicado o destino da fração, pelo que o empreiteiro (Recorrente) quando contratou desconhecia tal facto.

S. Também aquando a resolução não foi indicado que, no caso de incumprimento do contrato no prazo admonitório a Recorrente seria responsável pelos danos decorrentes da não exploração da fração.

T. Assim sendo, a atribuição de uma indemnização deste jaez afrontaria os princípios da boa-fé.

  31. O facto provado sob o n.º 8 diz-nos que o contrato concluído em 2014 estipulava que. os trabalhos previstos tivesse a duração de 105 dias, “casos as condições climatéricas o permitissem”, e os factos provados sob os n.ºs 30 e 31 dizem-nos que, entre 2014 e 2016, “[e]m relação ao orçamento relativo à Empreitada, foram executados pela R. trabalhos no valor de 6.761,73 € (o que corresponde a 17% do total)” e que, “[e]m relação aos trabalhos a mais, foram executados pela R. trabalhos no valor de 357 € (“trabalhos de apoio ao ar condicionado”, o que corresponde a 30% do total) e de 431,25 € (“alteração de acabamento de paredes e tectos interiores”, o que corresponde a 25% do total)”

           

  32. A Autora, agora Recorrido, interpelou a Ré, agora Recorrente, para que cumprisse o contrato de empreitada — cf. factos provados sob os n.ºs 17 e 34-A — e, tendo advertido a Ré, agora Recorrente, nos termos em que o fez, não lhe era exigível que a esclarecesse de que a consequência do não cumprimento seria a indemnização pelo interesse contratual positivo.

  33. Finalmente, a indemnização pelo interesse contratual positivo não proporciona nenhum benefício ou vantagem injustificada ao credor, que deva ponderar-se de acordo com o princípio da boa fé — da indemnização pelo interesse contratual não resulta nenhu, desequilíbrio grave na relação de liquidação: com a indemnização pelo interesse contratual positivo, o credor receberá tão-só, em valor, aquilo que tinha o direito a receber, em espécie.

III. — DECISÃO

   Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

     Custas pela Recorrente Casa H, Lda.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

       Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.


_________

[1] Cf. designadamente João Baptista Machado, “A resolução por incumprimento e a indemnização”, in: João Baptista Machado. Obra dispersa, vol. I — Direito privado. Direito internacional privado, Scientia Juridica, Braga, 1991, págs. 195-213; Jorge Ribeiro de Faria, "A natureza do direito de indemnização cumulável com o direito de resolução dos arts. 801º e 802º do Código Civil", in: Direito e Justiça, vol. VIII, tomo I (1994), págs. 53-89; Idem, “A natureza da indemnização em caso de resolução do contrato: novamente a questão", in: Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 11-62; ou Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 692-694.

[2] Cf. designadamente Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, cit., págs. 694-696.

[3] Cf. desenvolvidamente João Baptista Machado, "Pressupostos da resolução por incumprimento”, João Baptista Machado. Obra dispersa, vol. I — Direito privado. Direito internacional privado, Scientia Juridica, Braga, 1991, págs. 125-193; João Baptista Machado, "A resolução por incumprimento e a indemnização", in:  João Baptista Machado. Obra dispersa, vol. I — Direito privado. Direito internacional privado, Scientia Juridica, cit., págs. 195-213; Jorge Ribeiro de Faria, "A natureza do direito de indemnização cumulável com o direito de resolução dos arts. 801º e 802º do Código Civil", cit., págs. 53-89; Jorge Ribeiro de Faria, “A natureza da indemnização em caso de resolução do contrato: novamente a questão", cit., págs. 11-62; e, sobretudo, Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1604-1697 — cujos argumentos são retomados, em termos mais sintéticos, em “Indemnização e resolução do contrato por não cumprimento”, in: Cadernos de direito privado, n.º especial — II Seminário dos Cadernos de Direito Privado, Dezembro de 2012, págs. 63-96.

[4] Sobre o actual estado da doutrina, vide por todos António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, vol. IX — Direito das obrigações. Cumprimento e não-cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 937-949.

[5] Cf. designadamente Maria Ângela Bento Soares / Rui Manuel Moura Ramos, “Do contrato de compra e venda internacional — Análise da Convenção de Viena de 1980 e das disposições pertinentes do direito português”, in: Contratos internacionais, Livraria Almedina, Coimbra 1986, págs. 1-273 (202-208).

[6] Sobre o conteúdo da Directiva 2019/771/UE, vide, p. ex., Jorge Morais Carvalho, “Venda de bens de consumo e fornecimento de conteúdos e serviços digitais – As Diretivas 2019/771 e 2019/770 e o seu impacto no direito português”, in: RED. Revista eletrónica de direito, n.º 3—2019, págs. 63-87 (84); ou Nuno Manuel Pinto Oliveira, O direito europeu da compra e venda 20 anos depois. Comparação entre a Directiva 1999/44/CE, de 25 de Maio de 1999, e a Directiva 2019/771/UE, de 20 de Maio de 2019”, in: Revista de direito comercial, ano 4 (2020), WWW: < https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5efaea6464897d40aa00e95f/1593502314501/2020-24+-+1217-1376.pdf > (1217-1376).

[7] Como se sustenta nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2010 — processo n.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1—, em cuja fundamentação se diz:: “somos do entendimento que, em regra … será admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo” — e de de 24 de Janeiro de 2017 — processo n.º 1725/13.6TVLSB.C1.S1 —em cujo sumário se escreve que “a resolução não deve pôr em causa outras consequências deste incumprimento”, desde que não consumidas, e que “[o] credor pode… cumular a resolução com a indemnização, devendo esta ser integral, abrangendo todos os danos causados pelo incumprimento contratual”.

[8] Como se sustenta nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2009 — processo n.º 885/04.1TCSNT.L1.S1 —; de 15 de Dezembro de 2011 — processo n.º 1807/08.6TVLSB.L1.S1 —; de de 24 de Janeiro de 2012 — processo n.º 343/04.4TBMTJ.P1.S1 —; de 12 de Março de 2013 —processo n.º 1097/09.3TBVCT.G1.S1 —; de 4 de Junho de 2015 — processo n.º 4308/10.9TJVNF.G1.S1 —; ou de 8 de Setembro de 2016 — processo n.º21769/10.9T2SNT.L1.S1.

[9] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1.