Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
401/19.0GCVCT-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O recurso extraordinário de revisão é, como o nome indica, um meio extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado e não uma forma de requerer produção de prova que atempadamente não se requereu e, cujo resultado não se anteveria passível de contrariar a credibilidade da prova pessoal prestada em julgamento, tal como consta dos factos provados e da sua fundamentação.
II - O recurso de revisão instaurado não pode ter provimento porquanto a prova alegadamente “nova” oferecida, de natureza documental, tendente a demonstrar a impossibilidade de inexistência da quantia de 23.000 euros apropriados pela arguida em casa da ex mulher do seu tio e que uma motoserra dali retirada por ela seria propriedade deste, apenas porque pagou uma sua reparação, não colocam em crise a justeza da condenação, por um lado, porque não demonstram que o valor monetário não existisse ou que, por outro lado, existindo, pertencesse à arguida, bem como nem sequer suscitaria qualquer dúvida grave acerca da sua condenação por esse crime de roubo já que nunca tal importância e objecto seriam seus.
Decisão Texto Integral:




Acordam na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I-RELATÓRIO

1.1. AA, ora recorrente (neste recurso de revisão) arguida no procº401/19.0GCVCT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ...- Juízo Central Criminal – J... .,

foi ali julgada e condenada por acórdão proferido em 5 de Novembro de 2020 (transitado a 5.4.2021) pela prática:

- de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. a) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão,

- de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. d) e f) e nº 4 do Código Penal, na pena de 1 um ano e 6 seis meses de prisão, e pela prática de

- dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do Código Penal, nas penas de um mês de prisão para cada um.

Em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de quatro anos e dois meses de prisão.

Dessa decisão a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão datado de 22 de Março de 2021, foi julgado parcialmente procedente e determinada a suspensão da execução daquela pena única pelo período de cinco anos, sujeita a regime de prova , condicionada à obrigação de pagamento à assistente, durante esse período, da quantia de € 23.000.00, em cinco prestações anuais e sucessivas, quatro no valor de € 5.000,00, e a última no valor de € 3.000,00, vencendo-se a primeira no prazo de um ano após o trânsito em julgado da decisão, e as quatro seguintes, em igual dia dos anos civis subsequentes.

1.2 - A arguida veio agora instaurar o presente recurso EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, d) do CPP, de revisão, concluindo a sua motivação da seguinte forma:

1. AA foi acusada pela prática, em autoria e concurso efetivo, de um crime de roubo qualificado, p.p. art.210º-1 e 2/b), por referência ao art.204º-1/d) e f) e 2/a), um crime de roubo, p.p. art.210º-1 e 2/b), por referência ao art.204º-1/d) e f) e 4 CP, e dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, p.p. art.191º CP.

2. Em 1.ª instância foi condenada na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão e no pagamento a BB da quantia de € 23.000,00 a título de danos patrimoniais e de € 4.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%.

3. Em sede de Recurso, julgado parcialmente procedente, suspendeu-se a execução da pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão que lhe foi fixada em 1ª instância, pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP, e condicionada ao pagamento à assistente, durante o mesmo período de tempo, da quantia de 23.000,00 euros.

4. A condenação da arguida assentou, maioritariamente, na prova testemunhal produzida pela Assistente e pelo seu sobrinho CC, tendo as declarações prestadas pela arguida sido desconsideradas.

5. Da (pouca) prova documental na altura produzida, e que o Tribunal terá levado em conta, resultam, contudo, dúvidas que deviam ter beneficiado a arguida, a saber: a inspeção ocular à casa da assistente apenas foi realizada mais de 24h depois dos alegados factos, e foi considerada como se a assistente não tivesse estado naquele local, durante esse período; entre as inspeções oculares de 11/10 e de 8/11 poucas diferenças há, como se de um cenário montado se tratasse; faz-se referência ao dinheiro alegadamente roubado e a um peteiro cheio, deixado para trás, mas ninguém viu ou fotografou, alguma vez, um ou outro, para provar que existia, e nem o tribunal questionou a origem dessa quantia, apenas assumindo, com base nas palavras da assistente e do seu sobrinho, que existia e que tinha sido roubado pela arguida; e as perícias técnicas realizadas aos envelopes alegadamente remexidos e deixados para trás pela arguida apenas detetaram as impressões digitais da assistente e do seu sobrinho CC.

6. Por outro lado, a arguida sempre pediu, embora nunca o tivesse requerido formalmente (nem por si mesma nem através do seu defensor) que fossem verificadas as contas bancárias tituladas e co-tituladas tanto pelo seu tio DD, como, principalmente, pela Assistente e pelos seus sobrinhos CC e EE.

7. Do que conhecia de tais pessoas, por a Assistente ter sido casada com o seu tio, sentia que não seriam tão confiáveis e sérias como o Tribunal considerou, a ponto de valorizar os seus depoimentos e desprezar, por completo, o seu.

8. Atualmente, a arguida vive na casa de seu tio DD, na qual também viveram, de favor e a custo zero, há uns anos, os sobrinhos da Assistente, CC e EE.

9. Como DD se encontra no Lar de Idosos dos A.... .. ........, e foram necessários alguns documentos que se encontravam na sua casa, sem saber precisar exatamente onde, a arguida teve que os procurar.

10. Nessa senda, acabou por encontrar alguns documentos, do próprio tio e ali deixados por CC, por motivo que lhe é alheio.

11. Na sua posse, acabou por investigar algumas incongruências que foram declaradas pela Assistente e pelo seu sobrinho, tanto em sede de inquérito como de julgamento, nos presentes autos, que levaram à sua condenação e que, como se compreende, a verdade apenas opera em seu benefício, demonstrando a falta de seriedade de tais pessoas.

12. Por um lado, assistente e sobrinho defenderam que os € 23.000,00 alegadamente roubados pela arguida tinham sido resultado de poupanças de uma vida de trabalho; por outro, que tinham sido o resultado do que havia recebido da herança dos pais. Sendo que a Assistente nunca trabalhou e que auferia uma pensão de velhice de aproximadamente € 200,00, a primeira hipótese é excluída; quanto à herança, tendo recebido apenas uma casa (onde mora, mas que doou ao sobrinho CC), quase dois prédios rústicos e que pagou tornas a 4 irmãos, também nos parece difícil ter sido essa a via de aquisição de tal quantia.

13. Quanto à aquisição de um “papa-reformas” por DD, CC defendeu a tese de que tinha sido a tia, ora assistente, a emprestar € 10.000,00 ao marido. Não conseguimos ainda alcançar como é que tal testemunho se considerou credível, quando do mesmo apenas se retira que ao longo de uma vida de trabalho não se juntam € 10.000,00 para comprar um carro, mas após se estar reformado, e em apenas “3 ou 4 anos”, se junta essa quantia para a devolver a quem a emprestou.

14. Sendo certo que, como agora se demonstra documentalmente, em 1999 e ainda antes de casar com a assistente, em apenas uma conta-poupança, DD tinha mais de € 40.000,00 e também já era proprietário de um “papa-reformas”.

15. Ainda na senda dos documentos agora encontrados pela arguida, foi encontrado o livro de instruções e a fatura-recibo de reparação da eletrosserra que esta trouxe da casa da assistente; como sempre disse, apenas lá foi buscar os bens do tio.

16. Infelizmente, o Tribunal não considerou a versão da arguida, não considerou as declarações do próprio DD, e acreditando apenas nas declarações da assistente e do sobrinho, mandou devolver-lhe aquele esquipamento, que não lhe pertencia.

17. Por fim, na casa do tio, a arguida encontrou recentemente recibos de vencimento de 2007 e de 2008, uma carta da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública, com data de janeiro de 2019, e ainda um requerimento com data de 2008, apresentado junto do Millennium BCP, pertencentes a CC e por ele ali deixados.

18. Na sua posse, a arguida concluiu, mais uma vez, que as declarações ou versões de CC não são, contrariamente àquilo que o Tribunal ad hoc considerou, muito confiáveis.

19. É que, se por um lado, como auxiliar de ocupação na APPACDM, auferia um salário de aproximadamente € 500,00 mensais, por outro, conseguiu contratar uma aplicação financeira "taxa crescente”, no valor de € 20.000,00 (em 2008), e manter um Certificado do Tesouro CTPM, subscrito em 2018, com € 69.000,00 (em 2019).

20. Sendo certo que, à data do julgamento a arguida apenas suspeitava de seriedade da assistente e dos seus sobrinhos, e nunca requereu formalmente que o Tribunal providenciasse por qualquer outra investigação, também é certo que sempre se sentiu desamparada, perseguida, incriminada e injustiçada.

21. A arguida entende que uma condenação em pena de prisão baseada em prova testemunhal, quando da prova documental não se retira qualquer indício de culpa (pelo contrário, como aqui demonstrámos), não é correta nem justa.

22. E menos ainda o será se, perante as evidências que aqui se trouxe, se continuar a apelidar de imparciais, espontâneos e sérios os depoimentos que justificaram essa condenação.

23. Sendo o recurso extraordinário de revisão um expediente extraordinário de reação contra uma decisão já transitada em julgado, que visa obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada, e que tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal, é tão-somente isso que a arguida pretende. Que factos e documentos que à data do julgamento desconhecia – ou desconhecia existir – sejam agora devidamente valorados, que a verdade seja finalmente revelada, e que a justiça seja feita.

24. Nos termos supra referidos, e nos mais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser autorizada a revisão da sentença”


1.3- Em resposta, disseram o Ministério Público e a assistente:


1.3.1- O MPº

“O recurso de revisão com base na al. d) do n.º 1 do art. 449º do CPP tem como fundamento se se descobrirem novos factos ou meios de prova.

O recorrente não indica novos factos ou novos meios de prova. Limita-se a colocar em causa a credibilidade dos depoimentos da assistente e do sobrinho, e a requerer prova que atempadamente não requereu e que já existia.Prova que, mesmo que produzida, não seria susceptível de abalar a livre convicção do tribunal e levar à prova do contrário ou à dúvida razoável, convicção que se mostra fundamentada e foi mantida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão transitada em julgado.

A arguida, aqui recorrente, nas quatro vezes que se deslocou à propriedade da ofendida, pessoa idosa e especialmente vulnerável, agrediu-a com socos, empurrões, puxões de cabelo, factos que não impugna nem quer impugnar, mas tão só o facto da existência do dinheiro, que insiste em não querer devolver, apesar de ter bens e a que ficou obrigada com condição da suspensão da pena de prisão, depois de uma actuação violenta, que repetiu várias vezes, contra uma pessoa idosa a quem devia respeito.

O recurso extraordinário de revisão é como o nome indica um meio extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado e não uma forma de requerer produção de prova que atempadamente não se requereu e, cujo resultado não se antevê como passível de contrariar a credibilidade da versão da assistente e do sobrinho, tal como consta dos factos provados e da sua fundamentação.

Assim, e tendo em conta todo o exposto, entendemos que rejeitando o presente recurso e mantendo a douta decisão transitada em julgado”

1.3.2- A assistente

(…)

5ª- Perpassa por toda a “MOTIVAÇÃO” da arguida, a invocação e alegação de factos completamente marginais ao fundamento invocado para sustentar o recurso a este meio processual excepcional.

6ª-Tais como o facto de sempre ter dito que era inocente, de não lhe terem sido prestadas a atenção e defesa convenientes, de a sua condenação se ter baseado em prova testemunhal.

7ª- Colocando repetidamente em causa os argumentos do Tribunal a quo, que fundaram a decisão constante do acórdão revidendo, e até tentando semear a desconfiança relativamente à inspecção ocular, em sede de inquérito.

8ª-Servindo-se deste recurso para fins que o mesmo não serve.

9ª.- Quando finalmente alega “Factos Novos” – e novos meios de prova”, mais não fez do que se aproveitar deste meio processual, utilizando-o como expediente dilatório,

10ª-Pois a prova “nova” que traz não suscita qualquer dúvida acerca da sua condenação, e, muito menos “graves dúvidas”, como a lei na alínea d), do nº 1, do artigo 449º do Código de Processo Penal, exige.

11ª.- Jamais documentos referentes ao valor da pensão da assistente e de partilhas por óbito deseus pais, poderão suscitardúvidas acercadacondenação daarguida pelo roubo, à assistente, da quantia de €23.000,00.

12ª.- Jamais recibos de vencimentos e documentos referentes a aplicações financeiras de uma testemunha, poderão suscitar dúvidas acerca da condenação da arguida pelo roubo à assistente, da quantia de €23.000,00.

13ª.-Jamais documentos bancários, 1 livrete de matrícula e registo dematrícula e1 livro de instruções e uma factura de reparação de uma electroserra – do ex-marido da assistente – poderão suscitar dúvidas acerca da condenação da arguida pelo roubo à assistente, da quantia de €23.000,00.

14ª.- Nenhuma da chamada “prova nova” aludida em recurso pela arguida põe em dúvida – nem apenas em dúvida, quanto mais graves dúvidas – a justiça da sua condenação.

15ª.- Da análise da argumentação desenvolvida no recurso, com o que se deixa dito sobre a natureza e a operância prática do recurso extraordinário de revisão, na visão consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, sempre sem censura do Tribunal Constitucional, resulta evidente que a pretensão da arguida, ora recorrente não é de atender.

16ª.- Não suscitando a prova e os factos novos que agora oferece, graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo isso o que apenas releva, nos termos da alínea d), do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, invocado pela arguida, são prova imprestável e de nula utilidade.

17ª.- E, não tendo valia, nada mais cumpre apreciar.

18ª.- E está, assim, infundado o pedido de revisão.

NESTESTERMOS,enos melhores deDireito, com o douto suprimento deste Alto Tribunal, deve ser negado provimento ao recurso da arguida e, em consequência, ser negada a revisão de sentença “

1.4 – No tribunal a quo, para os efeitos do artº 454º do CPP foi emitida pelo Ex. Sr Juiz a informação sobre o mérito do pedido com o seguinte conteúdo, aqui resumida ao essencial:

Para o efeito do disposto no artigo 454º do Código de Processo Penal, cumpre salientar que, ressalvado o devido respeito por diferente opinião, entendemos que o presente recurso não reúne os requisitos previstos no artigo 449º do Código de Processo Penal, e, por isso, deve improceder.

Com efeito, os fundamentos da revisão estão previstos no art. 449º, nº 1 do Código de Processo Penal (…)

“(…)

Nesses termos, o recurso de revisão, como recurso extraordinário, pressupõe que a decisão a rever esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo que suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

Nestes autos a arguida foi condenada por acórdão proferido em 5 de Novembro de 2020 pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 2, al. a) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. d) e f) e nº 4 do Código Penal, na pena de 1 um ano e 6 seis meses de prisão, e, pela prática de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do Código Penal, nas penas de um mês de prisão para cada um. Em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de quatro anos e dois meses de prisão.

Dessa decisão a arguida interpôs recurso, tendo, por acórdão datado de 22 de Março de 2021, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães sido julgado parcialmente procedente o recurso interposto e determinada a suspensão da execução daquela pena única pelo período de cinco anos, sujeita a regime de prova e condicionada à obrigação de pagamento à assistente, durante esse período, da quantia de € 23.000,00, em cinco prestações anuais e sucessivas, quatro no valor de € 5.000,00, e a última no valor de € 3.000,00, vencendo-se a primeira no prazo de um ano após o trânsito em julgado da decisão, e as quatro seguintes, em igual dia dos anos civis subsequentes.

A arguida apresenta recurso de revisão desta decisão alegando, como já o fez previamente no recurso ordinário que interpôs, não ter praticado os factos, não ter sido acolhida a sua versão dos factos, tendo sido (infundadamente) privilegiada a versão apresentada pela assistente, e ter sido efectuada uma errada apreciação das provas pelo tribunal de julgamento, apontando contradições e discrepâncias entre os depoimentos prestados pelas testemunhas.

Para além do que ali invocou alega, agora, ter encontrado documentos que colocam em questão a seriedade de tais pessoas, insistindo que a vítima não teria a quantia de € 23.000,00 que alegadamente lhe roubou.

Assim, entende que um desses documentos demonstra que, em 1999, ainda antes de casar com a assistente, DD tinha mais de € 40.000,00 depositados e era também proprietário de um “papa-reformas”. Enquanto os recibos de vencimento de 2007 e de 2008, a carta da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública, com data de Janeiro de 2019, e o requerimento com data de 2008 apresentado junto do Millennium BCP, todos pertencentes a CC, colocam em crise o depoimento que este prestou em tribunal, pois, como auxiliar de ocupação na APPACDM, auferia um salário de aproximadamente € 500,00 mensais, o que não se compagina com a circunstância de ter contratado uma aplicação financeira "taxa crescente”, no valor de € 20.000,00 (em 2008), e manter um Certificado do Tesouro CTPM, subscrito em 2018, com € 69.000,00 (em 2019).

Ainda na senda dos documentos encontrados pela arguida alega que o facto de ter encontrado o livro de instruções e a factura-recibo de reparação da electrosserra que trouxe da casa da assistente, demonstram que esse objecto era propriedade do seu tio e não daquela.

Ora, na nossa perspectiva, julgamos que estes documentos não colocam em crise a justeza da condenação, por um lado, porque não vislumbramos que relação tenham com os factos em discussão nos autos, nem demonstram que o valor monetário não existisse ou que, existindo, pertencesse à arguida. Sendo que, relativamente à serra, é a própria arguida a reconhecer não lhe pertencer, sendo certo que o facto de DD ter pago a sua reparação, não demonstra ser o seu proprietário.

Assim, e porque nenhum elemento probatório levanta dúvidas sobre a justeza da condenação, entendemos que o presente recurso não merece provimento.

(…)”

1.4 - Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido da negação da revisão com os seguintes fundamentos e que aqui resumiremos ao que resulta de maior relevo:

[(…) O recurso de revisão não constitui uma qualquer nova instância de recurso em que se possa criticar/analisar o modo como a convicção dos julgadores foi formada, como parece pretender a requerente. Fê-lo no recurso ordinário que interpôs da decisão condenatória de 1ª instância, esgotando-se então os recursos.

(…) os elementos juntos pela recorrente (e nem entrando aqui na apreciação da forma como aos mesmos acedeu…) não são suscetíveis de serem entendidos como «novos» ou, pelo menos, que tenham capacidade de suscitar grave dúvida sobre a justiça da condenação.

Muito menos se justifica que se defira o que a requerente pede relativamente a pedidos a efetuar junto de instituições bancárias (e já indeferido pelo juiz do processo).

(…) a arguida poderia ter formulado já, no processo, até à data do julgamento - ou mesmo no decurso deste -, o pedido de consulta que ora formula.

Sabia (…) da possibilidade de a assistente e de os familiares desta terem contas bancárias. Pelo que teria sido possível ter pedido então o que vem agora solicitar depois do trânsito em julgado da decisão condenatória.

A arguida/requerente nada justifica (…) em termos de só agora pedir o que pede em termos de produção de prova, quando o poderia ter solicitado em fase anterior, quando se encontrava pendente a investigação e/ou, no máximo, quando se encontrava a ser julgada.

(…) os elementos que junta, (…) para que a sua «novidade» fosse relevante teriam de conduzir a uma grave dúvida sobre a justiça da condenação, e isso não sucede.

A requerente limita-se a levantar suspeitas quanto à impossibilidade de a assistente não possuir a quantia de 23.000 euros, baseando-se em extrapolações que efetua com base naqueles documentos.

Ora, já a arguida havia levantado tais dúvidas em sede de audiência, sendo as mesmas afastadas pelos julgadores, que entenderam essa matéria provada com base noutros elementos, nomeadamente perante as declarações da assistente e depoimento testemunhal então produzido.

Assim sendo - para além de se poder entender que tais elementos também nunca seriam desconhecidos da arguida, nos moldes atrás referidos (pois que acabam por entrar nos elementos de prova reportados à situação económica da assistente, tal como as contas bancárias que não eram desconhecidas como passíveis de existir) -, nunca, por si só, podem justificar a revisão, pois que não levantam as exigidas «graves» dúvidas quanto à justiça da condenação (o mesmo se diga quanto aos documentos que ora junta quanto ao ‘Black&Decker, quando pretende atribuir a sua propriedade a outra pessoa, apenas por ter localizado uma fatura de arranjo em nome diverso do da assistente).

No máximo, o que se poderia questionar era o total subtraído: note-se que a recorrente se limita a referir não ser possível a assistente ser detentora da elevada quantia em dinheiro constante da decisão condenatória, mas não afasta a possibilidade de se ter verificado a prática de todos os demais (gravíssimos) factos pelos quais foi condenada. Ora, a estar apenas em questão o montante exato subtraído, mesmo a existirem dúvidas fundadas (que não existem) acerca daquele exato montante, nunca a revisão seria possível, pois que se manteria a condenação pela prática dos crimes de roubo.(…)]

Em resposta crítica ao parecer, a recorrente veio ainda insistir na sua posição, de onde avulta, resumidamente:

(…) À data do julgamento, a arguida sabia que não tinha roubado o que quer
que fosse e sabia que a assistente nunca podia ter tido tal quantia. Contudo, só
agora descobriu os documentos que comprovam tal realidade, e, por isso, só
agora os pôde invocar e juntar na casa onde a arguida atualmente vive (e
que lhe foi doada pelo tio), viveram, durante largos meses, os sobrinhos da assistente. E foram eles quem, quando de lá saíram, deixaram para trás, além de muito lixo, os documentos que a arguida agora encontrou, quando teve que procurar documentação necessária ao tio.

Se alguma apreciação se fizesse sobre a forma como a arguida
encontrou os documentos que juntou, conforme o MP parece sugerir, apenas
se concluiria que só procurou por documentos necessários ao Tio, numa
propriedade sua, e encontrou o que foi deixado para trás pelos sobrinhos da
Assistente, quando dali saíram.

A arguida não só nega o roubo (explicitamente no ponto 35 das motivações de
recurso, pese embora o MP não o deva ter lido, para afirmar que apenas se nega
o roubo de € 23.000 e que, portanto, a condenação será sempre mantida pela
prática dos restantes crimes de roubo,
que ela também não cometeu), como
nega o roubo da quantia de 23.000€, essa sim, por a assistente nunca a ter
podido ter.

A arguida foi condenada numa pesada pena, levando apenas em consideração a prova testemunhal produzida em julgamento. Prova testemunhal essa claramente parcial, lacunosa e falaciosa, não comprovada por qualquer prova documental, sendo que a própria prova documental junta, como a pericial, é contrária aos testemunhos prestados –conforme também demonstrado nas motivações. entende o MP que a “arguida poderia ter formulado já, no processo, até à data do julgamento - ou mesmo no decurso deste -, o pedido de consulta que ora formula. Sabia, obviamente – e tanto como sabe agora - da possibilidade de a assistente e de os familiares desta terem contas bancárias…”

Ainda que pudesse presumir que tais pessoas tivessem contas bancárias, a arguida não o sabia: nem se tinham, nem se tinham tido, e muito menos que contas, em que instituições bancárias e com que montantes. Disso apenas ficou a saber recentemente, conforme já explicado – e daí serem factos novos e novos meios de prova.

Conforme explicitamente dito, e que resulta das “longas motivações”, a arguida não praticou qualquer dos crimes por que foi acusada e, posterior e injustamente condenada.

Entendemos que a prova produzida foi erradamente valorada, tanto em 1.ª instância como em sede de Recurso, porque apenas considerou o testemunho da Assistente e seus sobrinhos, desvalorizando por completo a prova pericial junta e da qual não resulta qualquer indício da prática dos crimes pela arguida, e não levando em consideração, em igual medida, a palavra da arguida.

Relativamente à eletrosserra a que o MP também faz referência, cabe apenas dizer que a arguida assumiu que foi a casa da Assistente buscar os bens do seu tio DD, a pedido dele – entre os quais aquela se inclui. Reparada em 2007, convenhamos na impossibilidade de encontrar o recibo de compra, anos antes. Contudo, tal como o dinheiro que desapareceu das contas bancárias de DD, a máquina era pertença sua. E errada e injustamente, foi ordenada a sua devolução à assistente (…) fim de citação]

1.5 - Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo de seguida explicitar a deliberação tomada e seus fundamentos.


II- O Direito


2.1- Atentas as conclusões formuladas pela recorrente e a natureza do pedido de revisão, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das que possam existir de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:

• Mostram-se preenchidos os requisitos formais do pedido de revisão extraordinária da decisão condenatória da arguida?

• Estão evidenciados com suficiência e cumulativamente factos ou elementos de prova “novos” que suscitem “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação?


2.2- O pedido de revisão e seus pressupostos gerais


O instituto da revisão de sentença visa fundamentalmente ultrapassar “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir no pressuposto de “(…) quando haja fortes elementos de convicção a decisão proferida não corresponder em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar” – in Pereira Madeira, CPP Comentado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, p. 1609.


Sendo uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, porquanto através dele se determina quebra do caso julgado –tem carácter absolutamente excepcional e apenas justificado pela verificação de circunstâncias substantivas imperiosas – neste sentido v. Ac. STJ de 11/11/2021 (Rel. Eduardo Loureiro).


As excepções ao caso julgado deverão ter, assim, um fundamento material inequívoco, que não poderá deixar qualquer margem para dúvidas.


Sendo por natureza um meio extraordinário de reacção contra uma decisão já firme e definitiva na ordem jurídica, é por isso compreensível não poder justificar-se como um meio alternativo ao recurso ordinário para se requerer novamente produção de prova que atempadamente não se requereu ou que foi impugnada por via de recurso, cujo resultado conste de factos provados e da sua fundamentação.


São dois os requisitos enunciados pela lei: é necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova “novos” e é também necessário que tais elementos novos suscitem “graves dúvidas”, sobre a justiça da condenação – neste sentido v. Ac. STJ de 13/09/2023.


Apenas a cumulação destes dois requisitos garante a excepcionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica – idem.


Ademais, quando se fundamente em novos factos e ou provas novas, como aliás já decidido neste STJ, entre outros arestos, e também por nós relatado no Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2023 (cfr recurso de revisão 1/20.2PJSNT-C.S1 desta 5ªSecção Criminal), diremos também que, para correcta hermenêutica do disposto no artº449.º, n.º 1, al. d), do CPP, deve entender-se , sobre o conceito de “factos e/ou provas novos”, que:


a)-Se trate de facto ou prova novos, que não existiam nem constavam do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal ou que:


b) Sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura. Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria , antes, de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é.


c)-Se o facto ou o meio de prova já constava do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP.


d)- Por fim, que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição (…).


Por outro lado, não pode, por exemplo, fundar-se recurso de revisão na insistência do (a) recorrente em colocar em causa os argumentos do Tribunal que fundaram a decisão constante do acórdão revidendo, confirmado pelas Instâncias de recurso em sede de recurso ordinário, nomeadamente no que concerne ao facto de o Tribunal “(…)não ter valorado as declarações prestadas pelo arguido na perspectiva pretendida por este ou de outros elementos (…) e ter valorado o depoimento ou declarações de (…) pois o recurso de revisão não serve para debater o teor da fundamentação de acórdão que já transitou em julgado nessa linha argumentativa.”]


Também, mesmo tendo em conta, quando se invoque tal, uma possível falsidade de depoimentos ( esta não se confunde com credibilidade ou regras de convicção sobre os mesmos), a jurisprudência deste Supremo Tribunal é pacífica no sentido de que só há lugar à revisão da sentença com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado, nos termos do art.449.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.


Assim o decidiu este Supremo Tribunal, entre muitos outros, nos acórdãos de 01-02-2023 (proc. n.º 506/18.5JACBR-E.S1), de 06-10-2022 (proc. n.º 529/19.7T9PFR.P1-A.S1) e de 27-05-2021 (proc. n.º 205/18.8GCA VR-B.S1), publicados em www.dgsi.pt, e no acórdão de 8-01-2003, publicado na CJ, ASTJ, Ano XXVIII, tomo I, pág. 155.


Com interesse, à exaustão, vide ainda no mesmo sentido a jurisprudência e doutrina também retiráveis do Comentário actualizado ao CPP de PP Albuquerque, ed 5ª, vol II, págs 754 e ss bem como a também a citada no parecer do M.Pº:


[Acs do Supremo Tribunal de Justiça em 26.10.2022- processo 16/20.0PEBJA-C.Si [Relator - Lopes da Mota]: Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova - seja pessoal, documental ou outro -, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-AS1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).;Novos» factos ou meios de prova são, em regra, como se sublinhou no acórdão de 06.07.2022, cit, reproduzindo o afirmado em anteriores acórdãos, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos de 9.2.2022, cit., e de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-AS1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, face ao disposto no n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-AS1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-AS1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).»


Por fim, idem citº, salientando a não admissibilidade do recurso de revisão quando não se coloque a possibilidade séria de uma absolvição, os citados Acs do STJ de 20.11.2014, de 24.02.2021, processo 95/12.4GAILH-A.S1 e de 02.12.2021, processo 156/14.5TACLD-A.S1 bem como Paulo Pinto de Albuquerque in "Comentário do Código de Processo Penal.", 4ª edição, (pág. 1208)


Dito isto, voltemos ao caso concreto.


2.3- O pedido em concreto e as sua justificabilidade


2.3.1- A Decisão revidenda


Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão a quo recorrida e a motivação desta (que se transcrevem integralmente):

[1. BB nasceu em ........1938 e residia, na data dos factos, na Travessa ..., em ..., ..., juntamente com o seu sobrinho CC.

2. A residência era uma vivenda, inserida no aglomerado rural da freguesia de
..., vedada por muros, dois portões e uma porta.

3. No período compreendido entre 18.12.1999 e 09.04.2018, BB foi casada com DD, tio da arguida.

4. Após o divórcio do casal, DD passou a residir com a arguida.

5. BB havia sofrido um aneurisma e feito cirurgia às cataratas em data próxima dos factos, tendo a arguida conhecimento de que BB tinha sido “operada à cabeça”.

6. Motivada pela falta de dinheiro para cuidar de DD, a arguida decidiu dirigir-se à residência de BB supra identificada, com o propósito de, após molestá-la física e emocionalmente, fazer seus todos os objectos de valor que lograsse remover. Assim:

*

7. No dia 10.10.2019, cerca das 10h30, a arguida dirigiu-se à residência de BB;

8. Chegada ao local, entrou num terreno agrícola adjacente à residência e deslocou-se até um dos portões que veda o logradouro da residência, assim acedendo a esse logradouro.

9. Depois, deslocou-se até à porta de acesso ao interior da residência e bateu à porta.

10. BB, julgando ser o seu sobrinho, abriu a porta.

11. Então, a arguida entrou abruptamente, introduzindo-se no interior da habitação sem o consentimento ou autorização de BB.

12. Já no interior, desferiu-lhe estaladas na face, empurrões e murros na zona dos
olhos e, em tom de voz elevado, disse-lhe já não ter dinheiro para sustentar o “
velhote”, referindo-se a DD, seu tio, dizendo-lhe, em concreto, que precisava de dinheiro para substituir a prótese daquele.

13. Como BB lhe disse que não tinha dinheiro, a arguida voltou a desferir-lhe estalos e empurrões.

14. De seguida, começou a remexer a habitação, em busca de dinheiro.

15. Exigiu ainda todo o ouro que BB tivesse e, perante a recusa desta, voltou a desferir-lhe mais murros e bofetadas.

16. Enquanto BB estava prostrada e imóvel, a arguida removeu e fez seus:

a. quantia de € 23.000,00, que se encontrava no interior das almofadas do sofá da sala-de-estar;

b. chave de um dos portões que veda o logradouro da residência;

c. cadernetas da Caixa Geral de Depósitos tituladas por BB e diversa documentação;

d. electrosserra, marca Black & Decker – modelo GK 30, 1300W, sem número de série, no valor de € 50,00.

17. Depois, saiu do local cerca das 15h00.

*

18. No dia 07.11.2019, cerca das 14h00 horas, a arguida voltou a dirigir-se à residência de BB, renovando o propósito supra referido.

19. Chegada ao local, entrou novamente num terreno agrícola adjacente à residência e deslocou-se até um dos portões que veda o logradouro da residência, assim acedendo a esse logradouro.

20. Depois, deslocou-se até à porta de acesso ao interior da residência e aí deparou-se com BB, que se encontrava no exterior da residência e com a porta aberta.

21. De imediato, abeirou-se desta e empurrou-a para o interior da residência, onde também se introduziu.

22. Já no interior, arrastou BB pelos cabelos, arrancando-os, desferiu-lhe socos e pontapés, enquanto lhe exigia o ouro da “segunda mulher” de DD, assim como as cadernetas do banco.

23. Depois de procurar por objectos de valor na residência, como não conseguiu encontrar o que pretendia, a arguida abandonou o local, levando consigo a chave da porta principal da residência, de valor inferior a € 102,00.

*

24. Nos dias 13.11.2019 e 14.11.2019, a arguida voltou a entrar no logradouro da
residência de BB, espaço totalmente murado, sem autorização ou
consentimento dela ou de CC.

*

25. Em consequência directa e necessária da actuação da arguida no dia 10.10.2019, BB sofreu dores, traumatismo da face (equimose arroxeada na pálpebra inferior da região orbitária direita 4 cm por 2.3 de maiores dimensões, sem atingimento da conjuntiva, escoriações arciforme de concavidade inferior, com crosta hemática, na região da hemi-face esquerda, com 1 cm) da mão esquerda (equimose arroxeada da falange distal do 4º dedo com 3 cm de diâmetro, mobilidades conservadas da articulação inter-falângica distal, dolorosas), lesões essas que lhe determinaram 8 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

26. Em consequência directa e necessária da actuação da arguida no dia 07.11.2019, BB sofreu dores, perda de cabelo, ferida abrasiva da face tibial direita e edema e hematoma com 8x6cm no tornozelo esquerdo, com limitação dolorosa, lesões essas que lhe determinaram 8 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

27. No dia 29.11.2019, pelas 08h00, a arguida guardava na sua residência, sita na Rua ..., ..., os seguintes bens que havia removido a BB:

a. chave de um dos portões que veda o logradouro da residência;

b. facturas emitidas em nome de BB;

c. documentos bancários em nome de DD.

28. No mesmo dia, pelas 08h15, a arguida guardava no interior do veículo automóvel de
matrícula ..-..-QJ, que estava estacionado nas imediações da Rua...,..., os seguintes bens que havia removido a BB:

a) chave da entrada da residência de BB;

b. sete cadernetas da Caixa Geral de Depósitos de contas co-tituladas por BB e DD;

c. três cadernetas da Caixa Geral de Depósitos de contas tituladas por BB;

d) extracto bancário da Caixa Geral de Depósitos (depósito a prazo), no valor de € 50.000,00.

29. Ainda naquele dia 29.11.2019, pelas 11h45, a arguida guardava num anexo na sua residência, sita em Lugar ..., ... ..., a
electrosserra 1300W, propriedade de BB.

30. Ao actuar do modo descrito nos dias 10.10.2019 e 07.11.2019, teve a arguida o
propósito, concretizado, de entrar na residência de BB, sem autorização ou
consentimento desta, molestar o seu corpo, causando-lhe lesões da natureza das verificadas, bem sabendo que os comportamentos violentos, que pré-ordenadamente assumiu, eram adequados a permitir-lhe remover e fazer seus os objectos subtraídos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade da sua legítima dona, não ignorando em toda a sua actuação que se tratava de uma vítima especialmente vulnerável e débil, quer em razão da idade, quer do estado de saúde.

31. A arguida sabia que não tinha autorização ou consentimento para aceder ao espaço anexo à habitação (logradouro da residência) de BB e ainda assim actuou da forma supra descrita, nos dias 13.11.2019 e 14.11.2019.

32. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas.

*Requerimento de pedido cível:

33. BB era, na data dos factos, tal como é actualmente, uma pessoa frágil e doente, tendo sofrido um aneurisma e sido submetida a uma intervenção cirúrgica às cataratas.

34. A actuação da arguida provocou em BB dores, desgosto, mal-estar e humilhação, bem como trauma psicológico, tendo a mesma chegado a dizer ao seu sobrinho CC, com quem vive, que até já tinha pensado em suicidar-se. Tem medo de estar sozinha em casa, nomeadamente porque tem receio de ser novamente agredida pela arguida, vivendo em permanente estado de angústia. Jamais esquecerá o que lhe aconteceu nos dias 10.10.2019, 7.11.2019, 13.11.2019 e 14.11.2019.

Mais se provou que:

35. A arguida concluiu a 4ª classe sem retenções e sem registos disciplinares, mas sem
motivação para dar continuidade aos estudos. Começou a trabalhar nos campos com a mãe até completar 15 anos de idade, momento em que começou a tomar conta de uma tia materna, idosa acamada, em ..., durante um período de 3 anos. Após o falecimento desta tia, a arguida regressou a casa da mãe nos .... Aos 23 anos de idade contraiu matrimónio e manteve-se a viver em casa dos pais com o marido. Desta relação resultou uma filha, sendo que, após o seu nascimento, a arguida ingressou numa fábrica, nos ..., onde trabalhou durante os 29 anos seguintes, tendo rescindido contrato para tomar conta de um tio idoso. Assim, em 2018 veio viver para ..., para a casa do referido tio, na freguesia de ... e, durante o período diurno, enquanto o tio frequentava o Centro de Dia, a arguida trabalhava numa fábrica e mais tarde num restaurante. A arguida não é referenciada com problemas de saúde e/ou comportamentos aditivos que condicionem a sua conduta. À data dos factos, a arguida vivia com o tio DD, 93 anos de idade, reformado. O agregado residia numa moradia individual, de construção antiga, com condições de habitabilidade. A filha encontra-se autonomizada e mantém com a arguida uma relação cordial. Desde Março de 2020, a arguida trabalha numa fabrica de componentes automóveis, na freguesia de ..., ..., auferindo um salário mensal liquido de € 796,75, em regime de turno fixo das 22h30 às 6h30. 36. À data dos factos, não eram conhecidos à arguida antecedentes criminais.

1.2. Factos não provados com interesse para a decisão da causa

1. que a arguida tinha conhecimento de que BB havia sofrido um aneurisma; *
Requerimento de pedido cível:

2. que BB passa noites sem dormir.

[Toda a restante alegação contida na acusação e no requerimento de pedido cível constitui matéria conclusiva ou questão de direito, pelo que não foi considerada].

1.3. Motivação da decisão de facto

O Tribunal sedimentou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada da prova produzida em audiência, designadamente nas declarações de BB (assistente) - tanto nas que foram prestados em julgamento, como, sobretudo (em face da sua notória dificuldade em depôr), nas que foram prestadas no decurso do inquérito (lidas em julgamento ao abrigo do art.356º-2/b. e 5 CPP: fls. 63 ss. e 105 ss.) -, a qual explicou os contornos da actuação da arguida nas quatro vezes que esta se deslocou à sua propriedade, onde reside com o seu sobrinho CC. Trata-se de uma propriedade murada e que tem uma casa de habitação. Nessa data, a arguida residia com DD (ex-marido da arguida), o qual estava ao seu cuidado. Esclareceu que dia 10.10.2019, por volta das 10h30, quando se encontrava sozinha em casa (o seu sobrinho tido saído para trabalhar), bateram à porta e ela, julgando tratar-se do sobrinho, abriu-a. Foi então surpreendida pela arguida, que de imediato entrou, de forma abrupta, para o interior da casa. Aí desferiu-lhe estaladas, empurrões e murros, nomeadamente na zona do olho direito, gritando que não tinha dinheiro para sustentar o “velhote” (referindo-se a DD), concretamente para substituir a prótese deste. A depoente disse então à arguida que não tinha dinheiro para lhe dar, pelo que esta voltou a agredi-la com estalos e empurrões. Remexeu a casa à procura e exigiu o ouro que BB tivesse, altura em que, perante a recusa desta, voltou a desferir-lhe murros e bofetadas. A depoente manteve-se sempre no mesmo local da casa (sala-de-estar). Entretanto, a arguida conseguiu encontrar a quantia de € 23.000,00, que estava escondida dentro do sofá da sala. A arguida acabou por abandonar a casa cerca das 15h00, levando consigo, além daquele dinheiro, cadernetas da Caixa Geral de Depósitos, vários documentos e uma electrosserra.

Posteriormente, no dia 07.11.2019, cerca das 14h00 horas, a arguida voltou a dirigir-se à sua residência, numa altura em que a depoente se encontrava no exterior e se preparava para sair. Empurrou-a para o interior e aí arrastou-a pelos cabelos com muita força, arrancando uma grande parte deles, e agrediu-a com socos e pontapés, exigindo-lhe o ouro da segunda mulher do DD e as cadernetas do banco. Acabou por ausentar-se levando consigo a chave da porta principal da casa, que estava na fechadura.

Por causa do comportamento da arguida, tem medo de estar sozinha em casa, com receio de ser novamente agredida e vive constantemente num clima de terror.

A testemunha CC (sobrinho da assistente) referiu que no dia em que, pela primeira vez, a arguida se deslocou à residência da sua tia (BB), onde o depoente também vive, chegou a casa e encontrou muito nervosa, apavorada, com marcas de unhas na cara e um olho ferido. Tentou acalmá-la e transportou-a ao hospital. A tia disse-lhe então que a arguida se tinha deslocado lá a casa durante um período em que o mesmo estava ausente, contando-lhe uma versão dos factos similar à atrás reproduzida, sublinhando a violência das agressões e a circunstância de a arguida ter conseguido encontrar os € 23.000,00 que estavam escondidos no sofá. Sobre esta quantia, a testemunha esclareceu que se tratava de um montante proveniente das poupanças da sua tia, e que ela tinha levantado do banco na sequência do problema dos “lesados de BES”, com receio que pudesse vir a ser prejudicada.

Nessa ocasião, a arguida levou consigo a chave de um dos portões da propriedade. Cerca de 1 mês depois, e também numa altura em que a testemunha estava ausente, a arguida voltou a dirigir-se lá a casa. Nessa altura, quando a testemunha chegou, encontrou, de novo, a sua tia em pânico, com medo, ferida num pé e sem uma parte do cabelo, tendo a ofendida, mais uma vez, contado à testemunha aquilo que se passara, em especial as agressões perpetradas pela arguida. Desta vez, a arguida levou a chave da porta principal da casa. A testemunha sublinhou que a sua tia era (e continua a ser) uma pessoa muito frágil e doente (aneurisma) e que os factos levados a cabo pela arguida lhe causaram um profundo trauma psicológico, tendo a mesma chegado a dizer-lhe que já tinha pensado em suicidar-se. Desde então passou a ter medo de estar sozinha em casa e vive em estado de angústia. A testemunha referiu ainda que, alguns dias depois, a arguida voltou a deslocar-se à propriedade mais duas vezes, entrando no logradouro da residência, tendo numa delas sido interceptada pela própria testemunha, que impediu que ela se aproximasse da casa.

A testemunha FF (sobrinha da assistente) esclareceu que, em dia que não sabe precisar, quando estava a almoçar em casa (a uma hora um pouco mais tardia do que é comum), apareceu a assistente, muito agitada, a coxear, transmitindo-lhe que, mais uma vez – foi, portanto, em 07.11.2019 –, a arguida tinha entrado na sua residência e a tinha agredido e puxado os cabelos.

A testemunha GG (agente PJ) falou nas diligências probatórias realizadas no decurso do inquérito, designadamente naquelas que deram origem aos autos de busca e apreensão de fls. 182, 186 e 196.

As testemunhas HH e II (agentes GNR) refeririam que se deslocaram à residência da assistente e elaboraram os relatórios tácticos de inspecção ocular de fls. 9 e ss. e 163 e ss.

As testemunhas JJ, KK e LL (agentes GNR) compareceram igualmente no local nos dias 07.11.2019 (JJ, o qual viu a assistente com falta de cabelo e ferida na perna e no pé), 13.11.2019 (KK, o qual elaborou o auto de fls. 132) e 14.11.2019 (LL, o qual comprovou a presença da arguida no logradouro da residência da assistente e elaborou o auto de fls. 152).

A testemunha MM (sobrinho da assistente, irmão da testemunha CC) falou sobre a grave afectação que os factos descritos tiveram sobre a pessoa da assistente, garantindo que, devido à sua idade e estado de saúde, não mais foi a mesma pessoa, chegando até a falar em suicídio.

Foram também valorados os demais elementos juntos aos autos, de que se destacam os exames médico-legais de fls. 16 e ss. e 269 e ss, bem como a certidão de assento de nascimento de fls. 32, os relatórios tácticos de inspecção ocular de fls. 9 e ss, 24 e ss. e 163 e ss, o relatório fotográfico de fls. 29 e ss., os registos clínicos de fls. 87 e 88 e 127 e ss, os fotogramas de fls.123, os autos de fls. 132 e 152, os autos de busca e apreensão de fls. 182,186 e 196, as fotografias de fls. 236 e ss. e o auto de exame de objectos de fls. 348.

Foram ainda considerados o Relatório Social e, relação aos antecedentes criminais, o CRC da arguida.

A arguida negou a prática da quase totalidade dos factos que lhe são imputados, assumindo apenas ter-se deslocado a casa de BB por três vezes, tendo numa delas ficado pelo respectivo logradouro, e desvalorizando a sua conduta. Conhece bem a arguida uma vez que esta foi casada com o seu tio DD, com que a arguida residia e de quem cuidava na data dos factos. Agiu sempre movida pelo propósito de ir buscar pertences desse seu tio. Da primeira vez, não agrediu a BB e trouxe de casa desta uma electrosserra, várias facturas e documentos bancários, bem como a chave de um dos portões que veda o logradouro da residência (foi sempre por esse portão que entrou no logradouro); não trouxe qualquer valor em dinheiro, designadamente € 23.000,00; chegou a casa de BB cerca de 9h00 e ausentou-se uma hora depois. Da segunda vez, voltou a entrar dentro da casa e acabou por desferir uma estalada na cara de BB porque esta começou a insultá-la; pouco tempo depois, ausentou-se sem trazer nada consigo. E da terceira vez, não chegou a entrar na casa, tendo sido abordada pelo sobrinho da BB (CC) quando se encontrava no logradouro da residência, tendo ali comparecido depois alguns elementos da GNR. Perante tudo aquilo que se disse a respeito dos demais elementos probatórios, esta versão da arguida não foi considerada. (…)]- (fim de transcrição).

Por outro lado, considerou o Tribunal da Relação, no recurso interposto daquele acórdão, e na discussão sobre a matéria de facto (que, porém, manteve inalterada):

[ (…)

No caso sub judice, a recorrente, condenada pela prática de dois crimes de roubo, um deles qualificado, em concurso real com dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, vem alegar ocorrer erro de julgamento no facto provado 16 a), ou seja, que nas circunstâncias referidas em 7 a 17, não se apropriou da quantia de 23.000,00 euros, com a sua consequente absolvição do pedido cível quanto aos danos patrimoniais.

Sendo certo que, mesmo sem a prova daquela alínea a), e relativamente à parte criminal, a conduta ali descrita continuaria sempre a integrar um crime de roubo embora desqualificado nos termos do n.º 2 alínea b) do art.º 210º do CP, cumpre analisar se se provou ou não tal matéria.

A recorrente fundamenta o alegado erro de julgamento na credibilidade que o tribunal a quo atribuiu às declarações da assistente e ao depoimento da testemunha CC, sobrinho desta e que com ela vive, em detrimento das declarações por si recorrente prestadas, e na ausência de qualquer outra prova, por exemplo documental, que atestasse o levantamento da quantia em causa de qualquer instituição bancária.

Ora, face à explicação fornecida por aquela testemunha, quanto à existência daquela quantia monetária na habitação (por factos que como é do conhecimento público, se passaram há alguns anos - a questão conhecida como a dos “lesados do BES”), testemunha que apenas por ser da família e viver com a recorrida não implica que tenha que ser menos credível, explicação perfeitamente plausível, tanto mais que, logo na data da denúncia apresentada pela assistente (no dia a seguir aos factos), fora referida tal apropriação, o depoimento daquele CC mereceu total credibilidade ao tribunal a quo, mesmo na ausência de qualquer documento que comprovasse o seu levantamento da instituição bancária.

Porém, no processo penal português vigora o princípio da livre apreciação da prova, que a recorrente alega como violado na atribuição de credibilidade a essa testemunha e à assistente, princípio que significa que o julgador tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o tribunal livre de formar a sua convicção na apreciação da prova, em conformidade com as regras de experiência, nada obstando a que nessa actividade de valoração dos meios probatórios produzidos alicerce a sua convicção apenas nalguns deles, contanto que se lhe afigurem credíveis, em detrimento de outros, eventualmente, em maior número e até de maior vastidão e amplitude probatória, mas não revestidos de suficiente consistência e credibilidade de molde a permitir a infirmação dos primeiros (neste sentido, ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto, Recurso 99.2001).

Pois, “... contrariamente ao que parece entender a recorrente, não basta, para se considerarem provados factos, que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre questões num determinado sentido para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão, já que ele não é um mero depositário de depoimentos, sendo que a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual, etc.” - Ac deste Tribunal de 1/10/2008, relatado pela Sr.ª Desembargadora Nazaré Saraiva, in www.dgsi.pt.

A recorrente, com a alegação de que o facto 16 a) deveria ter sido dado como não provado, limitou-se a manifestar a sua discordância com a apreciação da prova feita em 1ª instância, pretendendo apenas e só que a sua versão dos factos mereça total credibilidade, esquecendo-se, porém, que é ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente, já que, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção … terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção” Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24/11/2004.

O tribunal a quo, fez uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, fazendo uma indicação e análise crítica das provas que serviram para fundamentar a sua convicção, em obediência ao n.º 2 do art.º 374º do CPP, e fazendo uma avaliação da prova totalmente “…recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” (expressão do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal), pelo que, não foi violado aquele princípio.

Mas, sendo certo que a impugnação da matéria de facto também pode ser feita através da arguição dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do CPP, vícios de conhecimento oficioso para o tribunal de recurso, mas que têm que resultar apenas do próprio texto da decisão, por si só ou conjugado com regras de experiência comum, impõe-se verificar se qualquer deles se verifica no acórdão recorrido.

Esses vícios são a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e o erro notório na apreciação da prova (respectivamente alíneas a), b) e c) daquele n.º 2).

Por os das alíneas a) e b) claramente não ocorrerem, por a matéria de facto provada ser suficiente para a decisão de direito e não ocorrer qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, verifiquemos o da alínea c), que ocorre quando analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal.

Tratando-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio, tal não se verifica também no acórdão recorrido, no qual, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto ao facto 16 a), expondo com clareza os motivos da sua convicção, fazendo-o de forma linear, crítica e compreensível para o tribunal de recurso e para o cidadão comum relativamente às razões que levaram à prova dos factos imputados à recorrente.

Tem, pois, que ser mantida na integra a matéria de facto provada, com a condenação da recorrente, pela prática do crime de roubo agravado, descrito em 6 a 17, 30 e 32 da matéria provada, e no pagamento de 23.000,00 euros, a título de danos patrimoniais, à assistente. (…) fim de transcrição].

2.3- A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL


No seu recurso, numa primeira parte, a recorrente repete e reafirma novamente o seu dissentimento da convicção atingida pelo tribunal de condenação. Já na parte restante, vem invocar o que entende serem novos meios de prova, escrevendo na motivação o seguinte:


“(…)


A.2 FACTOS NOVOS – e novos meios de prova

40. Em determinado período, durante a vigência do casamento entre DD e a assistente, o sobrinho desta, CC, viveu na casa do DD, sita à Rua... ..., ...

41. Atualmente, e pelo menos desde o julgamento, é nessa mesma casa que reside a arguida.

42. Também o seu tio DD, proprietário da habitação, aí residiu, até ter integrado a resposta social de Lar de Idosos, nos ..., devido à idade avançada e necessidade de apoio permanente de 3ª pessoa.

43. Ora, recentemente, na procura de documentos necessários ao Tio DD, a arguida encontrou alguns que vêm comprovar que sempre disse a verdade, e que os depoimentos da assistente e do sobrinho, especialmente, tidos por convincentes, sérios e imparciais, não o eram. Senão, vejamos:

44. Relativamente à quantia alegadamente roubada pela arguida do sofá da assistente ( 23.000,00), a testemunha CC “esclareceu” que se tratava de um montante proveniente das poupanças da sua tia, e que ela tinha levantado do banco na sequência do problema dos “lesados de BES”, com receio que pudesse vir a ser prejudicada.

45. Eventualmente pela “espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio (…) a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências (…) a linguagem gestual” (já que quanto a garantias de imparcialidade, não seria esta testemunha o melhor exemplo, por ser sobrinho da assistente e viver com ela), o Tribunal valorou este depoimento, sem prestar a devida atenção, com todo o respeito, às suspeitas reveladas pela arguida.

46. Tanto a assistente como o seu sobrinho CC justificaram a existência – e propriedade – de € 23.000,00 escondidos no sofá da casa da assistente, como resultado de poupanças de uma vida, entretanto levantadas por receio de ser mais uma “lesada do BES”.

47. Noutra ocasião, em sede de inquérito, a proveniência do dinheiro era a partilha por morte dos pais da assistente.

48. Ora, as primeiras notícias relacionadas com o processo do BES remontam ao início de 2015; desde essa altura até ao alegado roubo aqui em causa, decorreram mais de quatro anos e meio.

49. Por saber ficou quando e de onde teria a assistente levantado esse dinheiro, e como e durante quanto tempo é que o conseguiu juntar (atendendo à justificação das poupanças).

50. É que, de entre os documentos agora encontrados pela arguida, consta um comprovativo emitido pelo Centro Nacional de Pensões, em 02 de janeiro de 2006 e em referência a 2005, segundo o qual a assistente auferia, a título de pensão, a quantia anual de € 2804,58 (Doc. 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido).

51. Não será difícil de compreender que, nunca tendo exercido uma profissão, e auferindo uma pensão de velhice de aproximadamente € 200,00 por mês, a assistente não teria conseguido juntar € 23.000, a não ser que não gastasse absolutamente nada com a sua própria sobrevivência.

52. Isto, mesmo sem relevarmos a crise económica que abalou o país entre 2009 e 2011.

53. Já quanto à alegada partilha, ainda que a defesa da arguida não o tenha requerido, também nem a PJ, nem o MP nem o Tribunal, oficiosamente, na senda pela descoberta da verdade material e pela realização da justiça, diligenciaram no sentido de saber se teria sido feita ou não, e que fortuna teria a assistente herdado dos pais.

54. Contudo, porque se nos afigurou como indispensável para a descoberta da verdade ou, pelo menos, para aferir da seriedade e da verdade dos depoimentos da assistente e do seu sobrinho CC, foi efetuada a competente pesquisa na Conservatória do Registo Predial, nos Cartórios Notariais de ..., no Arquivo do Tribunal e no Arquivo Distrital, tendo sido encontradas as partilhas por óbito dos pais da assistente, que se juntam sob Doc. 2 e aqui se dão por integralmente reproduzidas.

55. Conclui-se, de tais documentos, que em 1956 os pais da assistente detinham 15 bens imóveis, sendo 14 prédios rústicos e a casa da família; a assistente tinha 6 irmãos.

56. Pela partilha da mãe, a assistente recebeu um terreno de mato e pinheiros e 1/3 de um terreno de cultivo; posteriormente, o pai doou-lhe, por conta da quota disponível da sua herança, a casa da família e outro prédio rústico.

57. Como acabou por receber mais do que qualquer outro dos irmãos, a assistente teve de pagar tornas a quatro deles, tudo conforme a escritura de partilha por morte de seu pai, que se junta e que acima se identificou.

58. Ora, além da casa onde continua a viver (e que ainda na vigência do casamento com DD, a assistente BB doou ao sobrinho CC, conforme Doc. 3 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido), e dos terrenos, não há nota de ter recebido qualquer outro bem ou quantia; pelo contrário, os documentos que existem sustentam até que teve que pagar aos irmãos pelo “excesso” de herança que recebeu.

59. Por outro lado, para ludibriar o tribunal no sentido de justificar que, no casal BB e DD, era a assistente quem tinha posses, o seu sobrinho CC afirmou que “Quando a sua tia se casou com o DD, no ano de 1999, este como não tinha dinheiro emprestou-lhe cerca de € 10.000,00, para a aquisição de uma viatura que não necessita de carta de condução para ser conduzida, vulgarmente denominada “papa reformas”. Posteriormente, volvidos três a quatro anos, o DD acabou por lhe devolver essa quantia por transferência bancária, tendo dessa forma saldado tal dívida, isto tudo na vigência do casamento”.

60. Sucede, porém, que quando prestou declarações enquanto testemunha num outro processo judicial (328/18.3...), movido por DD contra a aqui assistente, relativamente a este assunto, a versão foi outra: segundo CC, DD e BB teriam comprado o carro juntos, tendo ambos contribuído para a compra, e quando começaram a ter desentendimentos, tinha havido devolução à senhora da “sua parte”.

61. Reconheceu ainda, no mesmo processo, que sabia que, à data do casamento com a assistente, DD tinha “algumas poupanças” e que, após o casamento, alteraram as titularidades das contas bancárias.

62. De todas estas afirmações, apenas uma corresponde à verdade e pode ser comprovada: DD e BB casaram em 1999 (catolicamente, em 18 de dezembro, conforme assento de nascimento da Assistente, junto aos autos).

63. Relativamente ao dinheiro e às contas bancárias, meias-verdades: antes do casamento, DD já tinha bastante dinheiro amealhado e guardado no banco, e apenas ele autorizou ou indicou como co-titular de todas as suas contas, a aqui assistente, que assim passou a poder movimentá-las como queria.

64. Quanto ao mais, e mesmo sem ver documentos, as declarações de CC causam estranheza: se DD, que começou a trabalhar aos 13 anos de idade, não conseguiu juntar € 10.000,00 para, aos 60, comprar uma viatura, tendo precisado que a esposa (ora assistente) lhe emprestasse essa quantia, muito menos a conseguiria juntar, já reformado, para a devolver, “volvidos três em quatro anos”.

65. E, de facto, não foi isto que aconteceu, bem sabendo CC que o que dizia, ainda que tendo jurado falar com verdade, era mentira!

66. Primeiro, porque muito antes de casar com a Assistente, já DD tinha amealhado, fruto do seu trabalho, avultadas quantias - e em apenas uma das contas de que era titular, em janeiro de 1999, tinha mais de € 40.000,00 (conforme Doc. 4 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).

67. Depois, porque sem condições para arrendar ou comprar casa, ou sequer para se sustentar sem ajuda, foi na casa de que DD é proprietário (e onde agora vive a arguida), que o CC viveu, por favor, antes de ir viver para a casa da tia.

68. E depois, porque conforme “Livrete de matrícula e registo de velocípede”, emitido pela Câmara Municipal de ..., relativo à primeira viatura, vulgarmente conhecida como “papa-reformas”, que DD adquiriu (Doc. 5 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido), adquiriu-a em março de 1989 – mais de 10 anos antes de casar com a assistente.

69. Posteriormente, em janeiro de 2008, DD trocou este primeiro veículo por outro da mesma categoria, conforme informação da Conservatória dos Registos Predial e Comercial de ... (Doc. 6 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido) e confirmação pelo stand onde celebrou o negócio e sempre fez as manutenções (a saber, R.... . ......, Lda).

70. Mais se informa que, face a esta descoberta, foram requeridas informações quanto à propriedade de outros veículos por parte de DD junto do IMTT e da CRPCVC, e não foram encontrados quaisquer outros registos.

71. Pelo que, conforme documentalmente aqui comprovamos, DD nunca precisou do dinheiro da assistente, antes pelo contrário: tanto ela quanto os sobrinhos – CC e EE se serviram dele, da sua casa (para lá viverem a custo zero) e do seu dinheiro (para fazer obras em casa da Assistente, para comer diariamente em restaurantes, para rechear as suas contas bancárias, etc).

72. Ainda sobre os documentos agora encontrados pela arguida em casa do seu tio DD, que motivaram o presente recurso, há a referir o livro de instruções e uma fatura de reparação da eletrosserra “Black&Decker”, emitida em nome de DD (Doc. 7 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido).

73. Pese embora tanto a assistente quanto o seu sobrinho CC tenham declarado que a referida eletrosserra pertencia à assistente e que a arguida lha roubou, a verdade é que a máquina sempre pertenceu ao DD, que inclusivamente pagou em 2007, pela sua reparação, mais do que aquilo que o Sr. perito entende que a máquina vale atualmente (€ 50,00).

74. Pelo que, não só a arguida falou a verdade, como o tribunal ordenou que a máquina fosse devolvida a quem apenas dela pretendia se apropriar (a assistente).

75. Conforme sempre alegou, e contrariamente ao afirmado em julgamento pela assistente e pelo seu sobrinho CC, a arguida apenas foi a casa da assistente buscar os bens que pertenciam ao tio, e que por infortúnio não pôde levar consigo quando dali fugiu.

76. Por último, mas de todo menos importante, os últimos documentos que a arguida encontrou em casa do tio DD, recentemente.

77. Como já se disse, os sobrinhos da assistente, CC e EE, viveram durante algum tempo, a custo zero, na casa de DD, em ..., onde agora vive a arguida.

78. Por motivo que esta desconhece, quando CC foi viver para casa da assistente, deixou para trás alguns documentos, como recibos de vencimento de 2007 e de 2008, uma carta da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública, com data de janeiro de 2019, e ainda um requerimento com data de 2008, apresentado junto do Millennium BCP (juntos sob Doc. 8 que aqui se dão por integralmente reproduzidos)

79. Contudo, uma vez na sua posse, a arguida concluiu, mais uma vez, que as declarações ou versões de CC não são, contrariamente àquilo que o Tribunal ad hoc considerou, muito confiáveis.

80. É que, se por um lado, como auxiliar de ocupação na APPACDM, auferia um salário de aproximadamente € 500,00 mensais, por outro, conseguiu contratar uma aplicação financeira "taxa crescente”, no valor de € 20.000,00 (em 2008), e manter um Certificado do Tesouro CTPM, subscrito em 2018, com € 69.000,00 (em 2019).

81. Conforme referiu repetidas vezes ao longo de todo o processo, e ainda sem saber de todas estas contas, subscrições, movimentações e valores, a arguida mantem o entendimento de que seria de todo o interesse verificar todas as contas bancárias tituladas pela assistente e pelos seus sobrinhos, CC e EE, e também pelo tio DD (que terão sido, pouco a pouco, esvaziadas durante o casamento).

82. Uma condenação em pena de prisão efetiva baseada em prova testemunhal, quando da prova documental não se retira qualquer indício de culpa (pelo contrário, como aqui demonstrámos), não é correta nem justa.

83. E menos ainda o será se, perante as evidências que aqui se trouxe, se continuar a apelidar de imparciais, espontâneos e sérios os depoimentos que justificaram essa condenação.

84. Pelo que se torna necessário verificar, junto do Banco de Portugal, que contas existiram e/ou existem tituladas e/ou co-tituladas pela assistente BB e pelos seus sobrinhos CC e EE, e ainda por DD, em que instituições bancárias, e os movimentos dessas mesmas contas, junto de cada uma das instituições, desde 1998 (antes do casamento entre a assistente e DD), até 2020, pelo menos, ou pelo período que for legalmente possível.

85. Atendendo à importância da junção dessa documentação aos autos, na sua versão original, e à impossibilidade legal de ser a arguida a requerê-lo, desde já se requer ao Tribunal que oficie o Banco de Portugal e as instituições bancárias em que houver contas por aqueles tituladas, para a juntar com a máxima celeridade.

86. Entendemos que uma vez que tal operação foi oficiosamente requerida em relação à arguida, o mesmo deve suceder agora, em relação à assistente, seus sobrinhos e DD, uma vez que, comprovada que está, a nosso ver, a injustiça da decisão, não pode a mesma manter-se, por não se poder sonegar o valor da liberdade em detrimento do valor de coisas (ou de dinheiro, se é que existe). ]


Como se pode ver deste cenário argumentativo, praticamente quase todo ele radica na indicação de uma maioria de elementos de prova que já em fase de julgamento poderiam ter sido indicados, conhecidos ou mesmo averiguados, não parecendo convincente ou aceitável, na forma agora explicada pela recorrente que só na actual fase recursiva extraordinária pudessem ter sido descobertos, nem que a má estratégia de defesa ou lacunas por parte da mesma, como anteriormente já referimos, possa ter cabimento para fundamento de recurso de revisão.

Tal como muito bem foi, aliás, salientado no resumo contido na informação judicial prévia, para além do que já invocara no recurso ordinário, alega, agora:

“(…)ter encontrado documentos que colocariam em questão a seriedade de tais pessoas ( assistente e sobrinho), insistindo que a vítima não teria a quantia de € 23.000,00 que alegadamente lhe roubou. Mais entende que um desses documentos demonstra que, em 1999, ainda antes de casar com a assistente, DD tinha mais de € 40.000,00 depositados e era também proprietário de um “papa-reformas”.Enquanto os recibos de vencimento de 2007 e de 2008, a carta da Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública, com data de Janeiro de 2019, e o requerimento com data de 2008 apresentado junto do Millennium BCP, todos pertencentes a CC, colocariam em crise o depoimento que este prestou em tribunal, pois, como auxiliar de ocupação na APPACDM, auferia um salário de aproximadamente € 500,00 mensais, o que não se compagina com a circunstância de ter contratado uma aplicação financeira "taxa crescente”, no valor de € 20.000,00 (em 2008), e manter um Certificado do Tesouro CTPM, subscrito em 2018, com € 69.000,00 (em 2019).

Na senda dos documentos encontrados pela arguida alega também que o facto de ter encontrado o livro de instruções e a factura-recibo de reparação da electrosserra que trouxe da casa da assistente, demonstram que esse objecto era propriedade do seu tio e não daquela.(…)”

Ora, não obstante este argumentário, também nos parece claro que:

“(…)

os ditos novos documentos não colocam seriamente em grave crise a justiça da condenação, porquanto sua relação directa com os factos em discussão nos autos não é de todo esclarecida nem indubitável mas, sobretudo, não têm a virtualidade de demonstrarem que os 23.000,00 euros não existissem ou que, existindo, pertencessem à arguida ou lhes estivesse conferida alguma forma de titularidade. Relativamente à motoserra, é a própria arguida a reconhecer não lhe pertencer, sendo certo que o facto de DD ter pago a sua reparação, não demonstra ser o seu proprietário. Mesmo que possa ter havido alguma alteração da verdade dos factos em relação à existência daquela quantia, nada tende a conseguir demonstrar convincentemente que ela inexistisse nem que alguma vez, existindo como se provou existir, a arguida tivesse algum direito de apropriação legítimo sobre a mesma. (…)”

A arguida requer meios de prova que apelida de “novos” mas que, no essencial, não consegue justificar com clareza e suficiência não ter a sua defesa podido terem sido juntos ou averiguados até ou na altura do julgamento.


Dizer que ignorava a existência de contas bancárias é manifesto ser insuficiente e intempestivo pois que no julgamento tal questão bem poderia ter sido colocada, sendo certo que, ainda que demonstráveis, da pretendida documentação não resulta que o dito dinheiro lhe estivesse atribuído legitimamente por forma a justificar ter agido como agiu.


A suficiência dos factos provados foi apreciada pelo Tribunal a quo e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.


No presente recurso de revisão a recorrente impugna a existência dos 23.000 euros e não de outros objectos (excepto a questão ligada à motoserra, que já se verá ser irrelevante e inconsequente), não obstante ter agido violentamente e de forma várias vezes repetida, contra a ex mulher do seu tio DD.


Vem neste recurso de revisão requerer produção de prova que atempadamente naquele processo não requereu e podia até ter feito, sendo porém muito pouco provável que uma repetição do julgamento nessa parte pudesse contrariar decisivamente a credibilidade da versão da assistente e do sobrinho, tal como consta dos factos provados.


Assim, ainda que pudessem aceitar-se, por hipótese de raciocínio, como “novos”, os elementos juntos ou pretendidos juntar pela recorrente, estes não se revelam capazes de suscitarem uma “grave dúvida” sobre a justiça da condenação.


O grau de convicção exigido pela lei não é sequer o mesmo que imporia a absolvição no processo se fossem conhecidos ao tempo deliberação, mas bem mais exigente. Bem além de uma dúvida “razoável”, ela teria de ser “grave” ao ponto se atingir profundamente o caso julgado na base de dados novos inequívocos ( cfr Ac STJ de 6.11.2019-proc 739/09.5TBTVR-C-S1 e também já citado pelo referido supra Ac STJ de 13.09.2023- proferido no 391/22.2PAVRS-A.S1 (1).


Concordamos igualmente que se revela de todo injustificado deferir pedidos a efetuar junto de instituições bancárias (igualmente não aceite pelo juiz do processo) pois que a defesa da arguida poderia tê-lo feito no processo, até à data do julgamento, até porque não é minimamente credível face à sua convivência familiar e às regras da experiência que não soubesse da possibilidade de a assistente e de os familiares desta terem contas bancárias.


Ter-lhe-ia sido, pois, possível, solicitar à data o que vem só agora requerer.


A requerente continua agora a levantar suspeitas quanto à impossibilidade de a assistente não possuir a quantia de 23.000 euros (por isso que, diz, não poderia dela ter-se apropriado) mas essas dúvidas já em sede de julgamento e recurso ordinário tinham sido colocadas, sendo certo, porém, terem sido ineficientes, dada a convicção suficientemente formada perante a prova produzida e a credibilidade atribuída às declarações da assistente e aos restantes depoimentos.


Os pretendidos novos elementos de prova não estão convincentemente demonstrados como incontornavelmente desconhecidos da arguida, reportados à situação económica da assistente e às contas bancárias que não se acredita minimamente serem desconhecidas ou não averiguáveis à data) mas ainda assim não geram as necessárias «graves» dúvidas quanto à justiça da condenação (também os documentos quanto à motoserra, não são por si suficientes para se atribuir, sem mais, a sua propriedade ao ex marido da assistente e tio da arguida pois que a circunstância de uma fatura de arranjo em nome diverso do da assistente não determina necessariamente tal pretendida titularidade).


Consequentemente, mostra-se infundado o presente pedido de revisão.


III- DECISÃO


3.1 - Pelo exposto, nega-se por infundado o presente recurso extraordinário de revisão.


3.2 - Taxa de justiça em 3 Uc a cargo da recorrente (Tabela III do RCP)

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

Agostinho Torres- (Relator)

João Rato (adjunto)

Orlando Gonçalves (adjunto)




______________________________________________

1. In: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e45e2bb10c2cf0bb80258a2a0033f714?OpenDocument↩︎