Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
752/04.9TBEPS.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
SIMULAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, n.ºs 3809 e 3810, p. 254 e ss, 269 a 271 e 274.
- Costa Gomes. Manuel Januário, “Contrato de Mandato”, Direito das Obrigações, vol. III, Lições coordenadas pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, pp. 273, 283 a 293.
- Lebre de Freitas, em parecer datado de 10 de Outubro de 2014.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica – Facto Jurídico em especial o Negócio Jurídico”, vol. II, Coimbra, 1953, Almedina, pp. 169, 198; Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1966, pp. 169/170.
- Mota Pinto, Carlos Alberto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, p. 356; Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2012, 4.ª edição, editada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, p. 434.
- Pessoa Jorge, O mandato sem representação, Edições Ática, Lisboa, 1961, pp. 17, 19 e 20.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. I, 4.ª ed., p. 227; vol. II, 3.ª ed., p. 748.
- Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, “Anteprojecto do Livro das Obrigações”, p. 67 e ss., citado por Antunes Varela, in op. loc. cit, pp. 254 e 255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 240.º, 349.º, 351.º, 364.º, N.ºS 1 E 2, 1142.º, 1143.º, 1157.º, 1178.º, N.ºS 1 E 2, 1180.º, 1181.º, 1183.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 662.º, N.ºS 1 E 2, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 1 A 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO: - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/06/2004, PROC. N.º 04A1937, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 07/12/2005, PROC. Nº 05B3853, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 26/01/2006, PROC. Nº 05S3228, 17/06/2008, PROC. Nº 08A1700, E DE 16/10/2012, PROC. Nº 5726/03.4TBSTS.P2, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI,.PT ;
-DE 24/10/2006, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 05/07/2007;
-DE 10/07/2008;
-DE 31/03/2009;
-DE 10/09/2009, E DA MESMA DATA, PROC. Nº 374/09.8YFLSB, ESTE EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 23/09/2008, 18/11/2008, 16/04/2009 OU 11/03/2010, WWW.DGSI.PT , PROCS. NºS 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1, RESPECTIVAMENTE;
-DE 05/02/2009, PROC. N.º 4092/08; DE 21/09/2010 PROC. N.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; DE 21/10/2010, PROC. N.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; E DE 30/11/2010, PROC. N.º 581/1999.P1.S1, IN WWW.STJ.PT . VEJA-SE AINDA, PELA NOVIDADE, O RECENTE ACÓRDÃO DE 26/02/2013;
-DE 02/02/2010;
-DE 13/06/2010, DE 17/05/2011, E DE 20/03/2011;
-DE 28/06/2011, DE 12/09/2006, DE 19/12/2006, DE 12/09/2006 E DE 16/12/2010, TODOS IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 17/04/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 22/05/2012, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13/11/2012;
-DE 11/12/2012;
-DE 24/09/2013, PROCESSO N.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1; DE 6/3/2014, PROCESSO N.º 1387/05.4TBALM.L1.S1; E, AINDA, OS ACÓRDÃOS DE 30/04/2002 – PROC. N.º 02 A917; DE 19/10/2004, COL. AC. STJ, XII, 3º, 72; DE 22/02/2011, COL. AC. STJ, XIX, 1º, 76; AC. STJ; DE 12/02/2004 – PROC. N.º 03B4113; DE 26/10/2004 – PROC. N.º 3388/04; DE 20/09/2007, COL. AC STJ XV, 3º, 58; DE 03/11/2009, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; DE 25/11/2008 – PROC. N.º08 A3334; DE 05/06/2012 – PROC. N.º 5534/05.5TVLSB.L1 (TODOS CITADOS NESTE ÚLTIMO ARESTO).
Sumário :
I - O tribunal de revista não possui poder jurisdicional para operar a reforma de uma decisão proferida por um tribunal inferior, mas tão só para apreciar o iter recursivo que dessa decisão se peticiona em via de recurso.

II - A censura do STJ ao julgamento da matéria de facto ocorre em duas situações: (i) uma, decorrente de juízo negatório, por insuficiência ou deficiência da compreensão global da necessidade de formação de um quadro completo e suficiente para apreciar e dirimir a questão de direito que prevalece para o veredicto; (ii) outra, quando seja alegada a utilização, ou errada utilização, de determinados meios de prova, a saber nos casos em que tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova”.

III - Desta competência residual, em matéria de sindicância da decisão de facto, resulta que ao STJ está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente decisional prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva.

IV - São elementos essenciais da simulação (i) a existência/verificação de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, (ii) o desígnio/intenção de enganar terceiros (animus decipiendi); (iii) a consumação de um acordo simulatório (pactum simulationis).

V - Pretendendo o recorrente inculcar a ideia de que ocorreu um acordo simulatório entre ele, e o recorrido, consistente em, por codilho entre ambos, com intenção de acarretar prejuízo para a autora original, traduzido na execução do imóvel dado como garantia do mútuo, ter o primeiro usado em seu benefício a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do recorrido, incumbia-lhe provar ter exorbitado ou extravasado os poderes que haviam sido conferidos por aquela através do mandato, sem o que não se poderá concluir pela existência de simulação.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório.

AA, intentou acção ordinária, contra BB, pedindo que se declare:

Que o Réu BB não emprestou à Autora AA a quantia de 18.064.000$00 a que se refere a escritura pública outorgada no dia 22 de Dezembro de 2000, descrita na petição inicial;

Que o outorgante CC, na qualidade de procurador da Autora e no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela procuração junta a esta petição, ao confessar que a Autora é devedora ao Réu BB da quantia de 18.064.000$00, nos demais termos dessa escritura pública, e o Réu BB ao declarar que aceitava aquela declaração ou contrato, tinham conhecimento que isso não correspondia à verdade e que através da divergência entre essas declarações e a vontade real, pretendiam enganar terceiros;

e que se declare nulo o contrato celebrado através da referida escritura.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- por procuração outorgada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim e aí arquivada no 10.º Cartório, a Autora AA constituiu seu mandatário o seu filho DD, divorciado, a quem, entre outros, conferiu poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, contrair empréstimos junto de quaisquer bancos, constituir hipotecas a favor de terceiros para garantia de quaisquer financiamentos ou empréstimos, penhorar ou hipotecar o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...;

- a Autora tinha dois filhos, o citado CC e outro EE, falecido em Setembro de 1996, no estado de divorciado;

- àquele EE sucederam-lhe dois filhos, FF e GG, residentes em …, ..…, França, que da Autora são netos;

- a Autora é septuagenária e está internada num Lar da Terceira idade, sendo que o objectivo de constituir mandatário o seu filho CC era o de evitar deslocar-se aos mais diversos locais, tais como Repartições Públicas e Bancos;

- a Autora paga uma mensalidade no Lar onde se encontra e podendo supostamente necessitar de alguma intervenção cirúrgica ou tratamento médico e medicamentoso, passou a procuração em causa ao seu filho CC para poder contrair empréstimos e prestar garantias necessárias a esses empréstimos, e tudo exclusivamente no interesse da Autora e o seu valor utilizado na satisfação dessas necessidades;

- a Autora veio agora a saber que o CC mantinha negócios com o Réu JJ e este conhecedor da existência da indicada procuração e dos poderes que, através dela, eram conferidos ao CC, propôs a este que, através da competente escritura pública se confessasse devedor de determinada quantia e que, em garantia do seu pagamento fosse constituída hipoteca naquele prédio rústico atrás identificado;

- o CC e o Réu BB acabaram por combinar entre eles como capital em dívida o montante de 18.064.000$00 e declarar que a Autora devia ao Réu essa importância, proveniente do empréstimo.

O réu apresentou contestação, defendendo-se por excepção de ilegitimidade e caso julgado, bem como por impugnação.

Em síntese, invoca a ilegitimidade activa, porquanto a escritura pública em causa foi outorgada por DD na qualidade de procurador (e em representação) da sua mãe ora Autora, ou seja, os respectivos poderes de representação foram conferidos pela Autora ao seu filho CC através da procuração irrevogável no interesse exclusivo do procurador; assim, o titular do interesse relevante ao objecto da presente acção é o DD, razão pela qual a autora é parte ilegítima na presente acção; invoca ainda o Réu ilegitimidade passiva do Réu HH em relação ao pedido da alínea b) ao pretender-se uma declaração em relação ao CC que não foi demandado na presente acção; excepciona, ainda, o caso julgado, porque a Autora no processo n.º 414/97, nos autos de execução para pagamento e quantia certa com processo ordinário que lhe é movida pelo Banco II e, na sequência da penhora nos aludidos autos sobre o imóvel que fora objecto de penhora, regularmente citado na sua qualidade de credor com garantia real veio apresentar a reclamação de créditos contra a Autora com base no celebrado através de escritura pública referida no art. 16.º da p.i., mas por decisão proferida em 14.5.2003, no apenso B e já transitada em julgado foi o crédito do ora contestante julgado verificado e graduado em 2° lugar, logo a seguir ao crédito reclamado pelo M.ºP.º; no que concerne à cumulação de pedidos, o Réu sustenta que o pedido formulado pela Autora na alínea a) é incompatível com os formulados nas alíneas b) e c).

Conclui pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé.

A autora respondeu às excepções.

A sentença – cfr. fls. 473 a 483 – proferida julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos que contra si haviam sodo formulados.

Interposto recuso de apelação – cfr. fls. – o Tribunal da Relação do Porto em decisão datada de 16 de Maio de 2013, decidiu julgar a apelação improcedente.

Após várias vicissitudes processuais – v.g. incidente de suspeição da Juíza Desembargadora relatora e incidente de habilitação de herdeiros – veio o ora recorrente apresentar recurso de revista, para o que ressuma o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

I.a. – Quadro conclusivo.

Para o pedido de reforma do acórdão – cfr. fls. 872 a 882.

Pelo que se requer a V.ªs Ex.ªs a reforma do acórdão nos seguintes termos:

1.º as testemunhas indicadas JJ e KK não são testemunhas do Réu, devendo ficar a constar que são testemunhas da Autora;

2.º que na audição dos seus depoimentos não existem elementos a confirmar a versão do Réu;

3.º as quais depuseram a confirmar a versão da Autora;

4.º a testemunha LL, arrolada pelo Réu, referiu que não se lembrava de nada, como funcionário do Cartório Notarial onde se realizou a escritura há alguns anos, e que já se encontrava reformado;

5.º a testemunha MM, arrolada pelo Réu, declarou que foi ele próprio que emprestou o cheque de fls. 350 e fls. 498 para ser emprestado o dinheiro ao referido procurador da Autora;

6.º o referido cheque de 15.000.000$00 foi junto pelo Réu para prova do empréstimo discutido nestes autos;

7.º o qual não foi emitido a favor do Procurador;

8.º que levantou directamente no PP BCP;

9.º tendo depositado 12.000.000$00 na sua conta;

10.º o fax da NN enviado pelo BB dirigido ao CC, exige o pagamento com os juros , no total de 17.920 contos, reporta-se a este e não ao outro empréstimo;

11.º nunca tendo existido qualquer outro cheque que titule o empréstimo ao procurador;

12.º não existe cheque, ou qualquer outro comprovativo de entrega de dinheiro do Réu à Autora;

Deverá ser considerado como provado que para além deste cheque não existe outro cheque;

13.º que nenhum cheque foi emitido pelo Réu a favor da Autora, por confissão deste porque isso resulta da própria alegação do Réu BB com a junção da prova em requerimento de 6 de Novembro de 2006;

14.º que o cheque em causa foi emitido a favor de DD no dia 8 de Abril de 1999 pelo Banco … sendo um cheque da conta do Sr. MM e esposa, OO.

15.º e que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.

Por tudo isto, estão reunidos todos os elementos para que V. Exªs possam reformar o acórdão, nos termos expostos.”           

Para a modificação/revogação do acórdão recorrido – cfr. fls. 883 a 896.

1/ A sentença proferida na 1ª instância, mantida pelo Acórdão da Relação, considerou improcedente a acção, com fundamento nas respostas negativas aos quesitos 3º e 6º da Base Instrutória.

2/ Existe no processo prova testemunhal e documental que não foi tida em consideração pelo Tribunal recorrido e que impunha decisão diversa da proferida.

3/ No que se refere à apreciação da prova testemunhal, existe um erro manifesto do Tribunal recorrido quando refere que JJ e KK são testemunhas do Réu, o que não é verdade uma vez que as referidas testemunhas foram arroladas pela Autora.

4/ O Acórdão recorrido fez uma interpretação contrária, não só quanto aos depoimentos destas testemunhas como da própria posição processual, indicando-as como testemunhas da parte contrária, o que constitui um erro grosseiro e grave.

5/Estas testemunhas, no seu depoimento, referiram que a Autora não precisava de pedir dinheiro, tinha passado uma procuração para que o filho lhe tratasse das coisas se ela fosse operada, não tinha pedido dinheiro ao Sr. JJ, que nem conhecia e que nem tinha visto a cor do dinheiro, pois ela mandava-os fazer a actualização da caderneta e esse dinheiro nunca apareceu na caderneta.

6/ O Tribunal recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao não valorar o depoimento da testemunha DD, aqui Recorrente, a qual foi a única que teve uma participação directa nos factos em crise nos presentes autos, uma vez que outorgou a escritura de mútuo e hipoteca.

7/ O Tribunal Recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao valorar o depoimento de outras testemunhas que não tiveram participação directa nos factos, afirmando em Tribunal que não se recordavam do sucedido, nomeadamente o Senhor LL, funcionário no Notário da Póvoa de Varzim, local onde foi outorgada a escritura aqui em causa, o qual referiu, como não podia deixar de ser, que não se recordava de nada.

8/ Os depoimentos em causa e o cheque que titulou o negócio real demonstram de forma evidente que a escritura de mútuo consubstancia um negócio simulado, do conhecimento do Recorrido.

9/Existem nos autos elementos de prova documental, além de depoimentos, que só por si, implicam necessariamente decisão diversa da que foi proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não tomou em consideração e que o douto Tribunal desta Relação, de igual modo, não atentou na importância desses documentos.

10/ Salvo melhor opinião, os documentos juntos pela primitiva Autora seriam suficientes, de per si, para o Tribunal, verificando a inexistência de qualquer empréstimo por parte do Réu DD à Autora AA, ter decidido de modo diverso.

11/ O Tribunal recorrido entendeu que "O extracto e o cheque de fls. 387 e 388, nada tem a ver com o cheque emitido pelo Réu a favor da autora", existindo nesta decisão um manifesto lapso, porque jamais existiu um cheque emitido pelo Recorrido a favor da primitiva Autora.

12/ Nenhuma das partes alegou tal situação, nem mesmo o Recorrido que ao longo da sua douta contestação, mais não referiu que o dinheiro foi recebido pelo procurador e que esse facto não é relevante, atento os termos em que a procuração foi outorgada.

13/ O único cheque junto aos autos para provar um qualquer empréstimo é o cheque que o PP faz referência, no valor de 15.000.000$00, o qual foi levantado pelo procurador, aqui Recorrente, no balcão da Praça …, como consta do verso do referido cheque. Tendo de imediato depositado 12.000.000$00 no Banco QQ, o qual se situa na mesma rua.

14/ O douto Acórdão proferido entende que este cheque não tem nada a ver com o cheque que o Réu emprestou à Autora, o que é não exacto, uma vez que foi precisamente através deste cheque que foi feito o empréstimo ao CC, não existindo qualquer outro cheque.

15/ Foi o próprio BB que, para provar ter emprestado de facto o dinheiro, que juntou cópia deste cheque por requerimento de 6 de Novembro de 2006 e que requereu que fosse oficiado ao Banco para que juntasse cópia (frente e verso) e informasse a pedido de quem foi emitido.

16/ Segundo o ofício do Banco PP e conforme cópia que o Banco juntou aos autos, foi passado a favor do DD, emitido pelo Banco a pedido do MM e da sua esposa, OO, de acordo com as informações bancárias, a fls. 350 e 498, respectivamente, do processo.

17/ E que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.

18/ Este cheque, que não foi minimamente valorado pelo Tribunal recorrido, prova de uma forma clara e inequívoca que o negócio de mútuo não foi celebrado com a Autora.

19/ Não existe qualquer outro elemento documental nos autos que prove qualquer mútuo do recorrido BB à Autora AA, o que revela que a escritura de mútuo e hipoteca consubstancia um negócio simulado.

20/ A simulação é do perfeito conhecimento do Recorrido, uma vez que este tem perfeito conhecimento que não emprestou qualquer quantia à AA. E ao não existir qualquer empréstimo por parte do Recorrido à AA, a escritura de mútuo e hipoteca só pode ter por base um negócio simulado.

21/ O Cheque é datado de 8 de Abril de 1999, tendo a escritura de confissão de divida sido outorgada em 22 de Dezembro de 1999, ou seja, cerca de oito meses após a emissão do cheque, o que mais uma vez revela a simulação do mútuo.

22/ Ao não entender o supra exposto, existiu uma errada interpretação da prova por parte do Tribunal, o qual, rectificando o erro cometido quanto à posição das testemunhas e fazendo referência ao cheque do PP …, apesar de ter sido junto pelo próprio Recorrido, altera a matéria de fato provada na 1ª instância, designadamente as respostas aos quesitos 3º e 6º

23/ Deste modo, há um manifesto lapso na douta sentença da 1ª instância que inquina todo o raciocínio, pelo que o douto Acórdão deste Tribunal, está viciado por esse lapso, partindo do princípio que o empréstimo era feito pelo Réu através de um cheque seu e não usando um cheque de terceiro.

24/ Devendo ser alterado o Acórdão, por necessidade de rectificação dos lapsos manifestos que foram cometidos e por conseguinte, ser alterada a matéria de facto, nos termos do disposto no art. 712º do CPC.

25/ Tais vícios de raciocínio e de interpretação da prova, constituem uma nulidade de julgamento, e como tal, a decisão deve ser reapreciada.

Sem prescindir,

26/ Ficou demonstrado que foi o Recorrente que recebeu o valor mutuado e que actuou conluiado com o ora Recorrido (BB).

27/ Ficou também demonstrado que o ora Recorrente actuou em conivência com o Recorrido para enganar e causar prejuízo à Autora originária.

28/ Ficou demonstrado que a quantia em causa foi entregue ao Recorrente, sendo intenção de ambos que o contrato em causa produzisse efeitos entre os mesmos, e apenas entre estes. De resto, o Recorrido tem pleno conhecimento que nunca emprestou qualquer quantia à AA.

29/ A escritura em crise nos presentes autos, mais não foi do que a formalização do negócio realizado em Abril de 1999 através da entrega do cheque que se encontra junto aos autos e que titula a referida quantia,

30/ O conluio entre o ora Recorrente e o Recorrido, para retirar do património da Autora originária o imóvel entregue como garantia no negócio simulado manifesta-se pelo facto de através da execução que corre termos sob processo o n.º 414/07 do 2º Juízo do Tribunal de ..., este último ter exigido o pagamento da quantia exequenda mediante a adjudicação do imóvel hipotecado.

31/ Sendo certo que o Recorrente usou em seu benefício e não em favor de sua mãe a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do Recorrido aquando da outorga da escritura que formalizou o negócio ocorrido meses antes.

32/ Assim, ao contrário do que refere o Acórdão recorrido verifica-se que o Recorrente, na qualidade de Procurador utilizou conscientemente a procuração para fins diversos extravasando os limites formais dos poderes que lhe foram conferidos, com conhecimento do Recorrido, sendo ineficaz o negócio jurídico celebrado nos termos do art. 269.º do C.C..

33/ A verdade é única - o empréstimo foi feito ao CC e não á sua mãe, em Abril de 1999 e não em Dezembro de 2000, havendo também simulação na data da escritura de mútuo - e tendo sido adicionados os elevados juros de mais de 3.000 contos,

34/ Só passados vários meses, foi celebrado o falso contrato de mútuo em que o procurador se confessou, nessa qualidade devedor ao R, BB, aliás, como se este nessa data, tivesse emprestado à A, a verba mencionada na escritura, sendo do total conhecimento do R. BB que jamais emprestou dinheiro a nenhum deles, e o dinheiro entregue pelo cheque supra mencionado, foi entregue ao Recorrente e exclusivamente para este.

35/ Só mais tarde, se tendo convertido em mútuo, e com o objectivo de que fosse o património da A. a pagar ao R. o empréstimo feito ao procurador.

36/ É pois justa e necessária a anulação do Acórdão, face a todos os erros e lapsos cometidos quanto aos elementos probatórios.

37/ Há pois uma simulação objectiva e subjectiva do negócio pois não era intenção dos outorgantes concretizaram o negócio em causa ou qualquer outro negócio.

38/ Quer a declaração do Procurador quer a declaração do BB, são falsas, do seu total conhecimento e praticadas, para que se apoderasse de parte do património da Autora originária, como veio a acontecer na já citada execução.

39/ Pelo que, a escritura - seja quanto ao autor do empréstimo, seja quanto ao destinatário, ao momento do dito empréstimo, à quantia em causa - é uma falsidade, sempre com o intuito de defraudar o património da idosa AA e, consequentemente, diminuir o património da herança desta.

40/ A simulação constitui numa divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante por acordo entre declarante e declaratório e no intuito de enganar terceiros, conforme dispõe o art. 240º do Código Civil.

41/ Segundo a doutrina da confiança, a simulação é a divergência entre a vontade real e o sentido objectivo da declaração, e só produz a invalidade do negócio se for conhecida ou cognoscível do declaratário, tendo sido esta a tese adoptada pela sentença e pelo Acórdão em apreço, que consideram que só podia ser anulado o negócio desde que o Recorrido conhecesse que o dinheiro não era destinado à mandante.

42/ A procuração emitida a favor do BB pelo CC (a fls. 388) revela, na verdade, a coacção exercida sobre este, para que emitisse todas as declarações e mais algumas.

43/ Não se diga, como sucede com o Acórdão recorrido, de que poderíamos estar perante uma liberalidade da Autora ao Recorrente.

44/ O Acórdão recorrido cometeu um erro de raciocínio ao entender que houve um cheque para emprestar o dinheiro à mãe do ora Reclamante por parte do BB, não se apercebendo que, na realidade, o único cheque movimentado para este negócio de empréstimo, foi aquele que a esposa da testemunha MM emitiu, cuja cópia está junta aos autos pelo Réu, e que o Procurador CC depositou na sua conta.

45/ O cheque é a prova irrefutável, concludente sem quaisquer sombras de dúvida, que o empréstimo no valor de 15 mil contos foi destinado ao CC, no seu interesse e não no interesse da sua mandante. Cheque este cuja prova é determinante do destino do dinheiro ali mencionado, tendo posteriormente sido celebrada a escritura com o acréscimo de exorbitantes juros.

46/ Sobre a mesma situação jurídica, e sobre os mesmos factos que aqui são objecto de superior conhecimento, no processo 3523/06.4TBVCD do Tribunal de ..., que foi procedente na 1ª instância, o Tribunal da Relação de Guimarães, entendeu ouvir os depoimentos testemunhais e fazendo errada interpretação do depoimento da testemunha KK, que se referia ao carinho e confiança da A. nos filhos, á entrega e doação de um outro imóvel ao filho interpretou no sentido de que esta tinha aceitado e autorizado tal declaração da escritura aqui em apreço.

47/ Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a matéria de facto dada como provada, face às declarações e aos documentos juntos aos autos, e conceder- se a anulação da escritura, mútuo e hipoteca do bem em causa.

48/ Caso assim se não entenda, deve anular-se o Acórdão recorrido, atento os vícios supra referidos, e substituindo-o por outro que considere procedente a acção.

49/ O Acórdão recorrido, ao considerar que se trata de uma liberalidade, sem qualquer prova desse facto, e ao fazer errada alusão a depoimentos testemunhais, como se fossem testemunhas da outra parte, faz errada interpretação dos factos e do Direito, violando o principio constitucional contido no artº 13º da CRP – princípio da igualdade da Justiça,

50/ O Acórdão Recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 240º, 241º, 244º e 246º do Código Civil, bem como o artigo 655º do Código de Processo Civil.”

Não foram produzidas contra-alegações.  

I.b. – Questões a merecer apreciação.

As conclusões retidas no quadro conclusivo que se deixou extractado, consentem que se ressumam as sequentes questões:

a) – Reforma do acórdão recorrido;

b) – Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto;

c) – Pacto de Simulação.

d) – Constitucionalidade – artigo 13.º da CRP (principio da igualdade).

II. – Fundamentação.

II.a. – De Facto.

Após reapreciação da decisão de facto, requestada pelo recorrente na apelação, o tribunal de apelação manteve a factualidade que vinha adquirida da 1.ª instância.

1- Por procuração datada de 8 de Abril de 1999, outorgada na Secretaria Notarial da …, e aí arquivada no 1.º Cartório, a A., AA constituiu seu mandatário o seu filho DD, divorciado, a quem, entre outros, conferiu poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, contrair empréstimos junto de quaisquer bancos, constituir hipotecas a favor de terceiros para garantia de quaisquer financiamentos ou empréstimos, penhorar ou hipotecar o prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ..., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a fls. 7 a 10 (cfr. al. a).

II- A Autora tinha dois filhos: um o CC, outro, EE, falecido em Setembro de 1996, no estado de divorciado (cfr. al. b);

III- Ao EE sucederam-lhe dois filhos: FF e GG, que da Autora são netas (cfr. al. c).

IV - A Autora é septuagenária (cfr. al. d).

V - Por escritura pública, outorgada no dia 22 de Dezembro de 2000, exarado de fis. 10 a fls. 11-verso do Livro n.º 174 e de escrituras diversas do 1.º Cartório da Secretaria Notarial da …, o referido CC, outorgando na qualidade de procurador da Autora e no uso dos poderes que lhe tinham sido conferidos pela procuração junta a esta petição como documento n.º1 declarou (cfr. A).

VI- Que confessa devedora a aqui Autora ao aqui Réu da importância de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, que aquela recebeu do segundo a título e empréstimo (cfr. 1).

VII- O empréstimo vence juros à taxa anual de dez por cento, acrescido de quatro por cento no caso de mora (cfr. n.º2).

VIII- Os juros de capital em dívida serão pagos semestralmente, vencendo-se os primeiros juros em vinte e três de Maio de dois mil e um e os restantes nos semestres seguintes (cfr. n.º3).

IX- A amortização total do capital terá de ser efectuada até ao dia vinte e três de Abril do ano dois mil e três (cfr. n.º 4).

X- O incumprimento ou mora superior a um ano de quaisquer prestações juros, implicará, necessariamente, a imediata resolução do presente contrato e consequente execução da sua garantia, sem prejuízo da indemnização que for devida (cfr. n.º 5).

XI - Serão da responsabilidade da aqui A. todas as despesas judiciais e extra judiciais que o segundo outorgante tenha de suportar para conseguir a cobrança da quantia em dívida, bem como as emergentes do presente contrato e respectiva inscrição no registo predial (cfr. n.º 6).

XII- A devedora poderá, em qualquer momento, liquidar, total ou parcialmente, o capital em dívida desde que, simultaneamente liquide os juros já vencidos (cfr. n.º 7).

XIII- Para garantia do presente contrato o CC em nome da sua representada AA, hipoteca, a favor do Réu BB o prédio rústico no sítio da …, …, sito no lugar …, da freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob o número mil novecentos e sessenta e oito da mesma freguesia de ..., e nela registado a favor da sua constituinte pela inscrição G-dois e inscrito na matriz sob o artigo …, ao qual atribuem o valor de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos (cfr. n.º 8).

XIV - Por sua vez, o Réu BB declarou que - aceitava aquele contrato nos termos aí exarados; que o CC e a Autora ficavam desonerados de quaisquer contratos de empréstimo que tenham outorgado com ele, com excepção do que acabavam de celebrar (cfr. al. f).

XV - A Autora está internada num Lar da terceira idade (cfr. al. g).

XVI- A Autora constituiu seu mandatário o filho CC para evitar ter de se deslocar às Repartições Públicas e aos Bancos (cfr. resposta ao quesito 2).

XVII- O DD, intervindo na qualidade de procurador da Autora AA declarou que aquela se confessa devedora ao segundo outorgante - BB, da quantia de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, que recebeu do segundo a título de empréstimo (cfr. resposta ao quesito 3).

XVII- E que em garantia desse pagamento fosse constituída hipoteca sobre o prédio rústico identificado em e), dos factos assentes (cfr. Resposta ao quesito 5).

XVIII- Com a celebração do contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel diminui o valor deste, no montante mutuado, enquanto não for expurgada a referida hipoteca (cfr. resposta ao quesito 7).”

II.b. – De Direito.

II.b.1. – Reforma do acórdão recorrido.

O recorrente pede a reforma do acórdão recorrido, em síntese, por: i) errónea afectação/imputação das testemunhas JJ e KK (foram-no ao Réu devê-lo-iam ter sido à Autora); ii) que na audição dos seus depoimentos não existem elementos a confirmar a versão do Réu, ao invés confirmaram a versão da Autora; iii) desconhecimento dos factos da testemunha LL, funcionário do Cartório Notarial; iv) declaração da testemunha MM de que tinha sido ele a emprestar o cheque para ser emprestado o dinheiro; v) o cheque foi junto para prova do empréstimo (discutido nos autos) e não foi emitido a favor do procurador que o terá levantado no PP e depositado 12.000.000$00 na sua conta; vi) um fax da NN, enviado pelo BB ao CC exigindo o pagamento de 17.920.000$00, “reporta-se a este e não ao outro empréstimo”; vii) não há outro cheque que titule o empréstimo ao procurador e não existe outro comprovativo de entrega de dinheiro do Réu à Autora; viii) nenhum cheque foi emitido pelo Réu a favor da Autora, por confissão deste, porque isso resulta da própria alegação do Réu BB com a junção da prova em requerimento de 6 de Novembro de 2006; ix) o cheque em causa foi emitido a favor de DD, no dia 8 de Abril de 1999, pelo Banco PP sendo um cheque da conta do Sr. MM e esposa, OO; x) que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu.

Basado neste arrazoado recorrente impetra a reforma do acórdão recorrido.

Adrega que o pedido de reforma já obteve resposta no foro jurisdicional adequado, vale por dizer no tribunal de apelação – cfr. fls. 972. No despacho prolatado nesta sede escreveu-se a propósito do pedido impetrado pelo recorrente (sic): “O pedido de reforma do acórdão de 16/5/2013 deduzido pelo recorrente DD conjuntamente com as alegações de revista apresentadas em 13/312015 substitui idêntico pedido que tinha sido formulado em 14/6/2013, o qual se encontra de fls. 661 a 700.

Ouvido o réu - o qual nada alegou - e na· impossibilidade de reunir em conferência os mesmos Juízes Desembargadores que proferiram o acórdão de 16/5/2013, visto o disposto nos arts. 669.º, n.º 3 e 668.º, n.º 4, ex vi art. 716.º, n.º 1, e art. 700.º, n.º 1, todos do antigo Código de Processo Civil, cumpre decidir esse pedido de reforma.

Não se divisa lapso manifesto no acórdão de 16/5/2013 na parte em que se relaciona com a resposta dada ao quesito 3 e com a resposta dada ao quesito 4.

Não tem significado para o sentido da decisão e dos respectivos fundamentos que as testemunhas JJ e KK tenham sido arrolados pela autora AA e não pelo réu.

O cheque bancário de 15.000.000 de escudos, sacado pelo Banco RR e copiado a fls. 385 e 386, e o depósito em numerário de 12.000.000 de escudos numa conta bancária, documentado a fls. 387, realmente não estão correctamente caracterizados nos fundamentos do acórdão, até porque não existe referência documental a qualquer cheque sacado directamente pelo réu em benefício da autora AA, mas daí não se extrai que as respostas dadas aos quesitos devam ser alteradas, nomeadamente as respostas aos quesitos 3 e 6.

Assim sendo e não se divisando elementos documentais ou outros que impliquem necessariamente decisão diversa daquela que foi proferida em 16/5/2013, indefere-se o pedido de reforma do acórdão.

O autor habilitado DD pagará cento e dois euros de taxa de justiça pelo pedido de reforma do acórdão.”

Ainda assim, dir-se-á a propósito da figura jusprocessual da reforma de decisões judiciais, forrageando-nos na doutrina impressiva e lidimar expressa no  Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que (sic): “O nº 2 do artigo 669º do CPC (na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro e na esteira do DL nº 329/A/95, de 12 de Dezembro) [[1]] consagra a figura da reforma de mérito, traduzida na reapreciação do julgado pelo tribunal que proferiu a decisão.

Sendo a regra o esgotamento do poder jurisdicional do julgador, uma vez proferida a decisão (nº1 do artigo 666º), aquele juízo de reforma é limitado a três situações precisas: lapso manifesto na determinação da norma aplicável; lapso manifesto na qualificação jurídica dos factos; preterição, por manifesto lapso, de elementos probatórios (documentos, ou outros) constantes dos autos e bastantes para, se tomados em consideração, conduzirem a decisão diversa.

Dizendo buscar maior economia processual, no evitar a interposição de recursos, ou suprir a impossibilidade legal de recorrer, o legislador conferiu ao juízo "a quo" a possibilidade de corrigir uma situação de erro notório e, assim, repor a legalidade.

Refere-se no relatório preambular do citado DL nº 329/A/95 que esta solução "será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um erro juridicamente insustentável (...) embora em termos necessariamente circunscritos e com garantia do contraditório."

Mas, como nota, e bem, o Cons. Amâncio Ferreira tratou-se de instituir mais um recurso, "sob a capa de uma reforma". "Não se pode aceitar no nosso ordenamento jurídico este recurso esdrúxulo e espera-se que o legislador na melhor oportunidade o elimine." (apud "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª ed., 62).

É necessária a demonstração de lapso manifesto o que, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, tem a ver com uma totalmente errada interpretação dos preceitos legais, não por adesão a esta ou outra corrente doutrinária ou jurisprudencial (que até as há opostas) mas a um erro gritante que pode ser resultado de "lapsus scribendi", ou outro, obviamente perceptível (mas a não confundir com mero erro ou lapso material do artº 667º), senão, e no limite, um desconhecimento ("ignorantia facti et juris") da matéria tratada na decisão, gerador de erro essencial na decisão.

Isto nas hipóteses da alínea a).

A situação da alínea b) - olvidar ostensivo de elemento constante dos autos - será reveladora de menor zelo no estudo do processo ou de falta de cuidado na preparação da decisão, perfilando-se, embora, como possível, ainda assim, surge com menor grau de probabilidade.

Este incidente não tem a ver com a mera discordância da decisão, com o inconformismo perante a solução jurídica encontrada, ou com a decepção face ao sentenciado "quo tale".

Aqui, trata-se de considerar a existência de "error in judicando", o que só pode ser motivador dos recursos.

Já no incidente em apreço o erro é, tão-somente, resultado de lapso grosseiro e patente, ou de "aberratio legis", por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal.

Não é abundante a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre o "thema decidendum", embora "una voce sine discrepante" alinhe neste sentido (v.g os Acórdãos de 9 de Junho de 2005 - 05B1422 - decidiu que "a reforma da sentença (ou acórdão) a que alude o nº2 do artigo 669º do CPC não abrange qualquer erro de julgamento, mas apenas aquele que foi resultante de lapso do julgador na fixação dos factos ou na interpretação e aplicação da lei."; de 11 de Fevereiro de 2004 - 03S1784 - julgando que "a reforma da sentença (...) tem como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados naquelas alíneas a) e b), não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento."; cf., ainda,"inter alia" os Acórdãos de 18 de Setembro de 2003 - 03B1855 - e de 3 de Fevereiro de 1999 - 98B789).

(…) A seguir na linha da recorrida, todas as decisões passariam a ser alvo de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida, em desacordo com o decidido, viria dizer que o julgador se enganou.

E assim protelaria o trânsito de uma decisão judicial (…), dilatando no tempo o cumprimento de obrigações, a indefinição da situação jurídica e o desgaste do lesado.

O perfil substancial do pedido de reforma corresponde à interposição de recurso, mas tratando-se de uma faculdade excepcional deve conter-se nos apertados limites definidos pela expressão "manifesto lapso", que não em termos de exercitar mero desacordo sobre a bondade do julgado.” [[2]]

O instituto de reforma das decisões judiciais, enquanto forma de reparação de erros calamitosos e ostensivos de julgamento, constitui-se como um mecanismo jusprocessual destinado a modificar a decisão, pelo tribunal que proferiu a decisão sobre o caso.

A alteração, modificação e/ou revogação das decisões judiciais operam-se mediante a via recursiva, o que vale por dizer na instância judiciária de rango superior aquela que proferiu a decisão. Não possui o tribunal de revista poder jurisdicional para operar a reforma de uma decisão prolatada por um tribunal de rango inferior, mas tão só para apreciar o iter recursivo que dessa decisão se peticiona em via de recurso.

 Ainda assim, e juncado de inanidade endoprocessual, por aquilo que se deixou dito, sempre se dirá que a reforma pretendida pelo recorrente atina com impugnação da decisão de facto, mais concretamente da ponderação/razoamento que o tribunal de apelação efectuou, ou no caso não, da impugnação decisão de facto que o recorrente havia alentado da decisão de primeira (1.ª) instância.

Este veio recursivo será apreciado no apartado sequente.

Quanto à reforma peticionada descarta-se pelas razões expressas supra, vale dizer que ela só pode ser operada pelo tribunal que prolatou a decisão reformanda, como o foi, indeferindo-a.         

II.b.2. – Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto. Nulidade do acórdão por errónea apreciação dos elementos documentais e testemunhais aportados pela actividade probatória dos sujeitos processuais,

Pede o recorrente a nulidade do acórdão por (sic): i) existe um erro manifesto do Tribunal recorrido quando refere que JJ e KK são testemunhas do Réu, o que não é verdade uma vez que as referidas testemunhas foram arroladas pela Autora; ii) o Acórdão recorrido fez uma interpretação contrária, não só quanto aos depoimentos destas testemunhas como da própria posição processual, indicando-as como testemunhas da parte contrária, o que constitui um erro grosseiro e grave; iii) estas testemunhas, no seu depoimento, referiram que a Autora não precisava de pedir dinheiro, tinha passado uma procuração para que o filho lhe tratasse das coisas se ela fosse operada, não tinha pedido dinheiro ao Sr. JJ, que nem conhecia e que nem tinha visto a cor do dinheiro, pois ela mandava-os fazer a actualização da caderneta e esse dinheiro nunca apareceu na caderneta; iv) O Tribunal recorrido, salvo o devido respeito que é muito, errou ao não valorar o depoimento da testemunha DD, aqui Recorrente, a qual foi a única que teve uma participação directa nos factos em crise nos presentes autos, uma vez que outorgou a escritura de mútuo e hipoteca; v) o Tribunal Recorrido,  errou ao valorar o depoimento de outras testemunhas que não tiveram participação directa nos factos, afirmando em Tribunal que não se recordavam do sucedido, nomeadamente o Senhor LL, funcionário no Notário da Póvoa de Varzim, local onde foi outorgada a escritura aqui em causa, o qual referiu, como não podia deixar de ser, que não se recordava de nada; vi) os depoimentos em causa e o cheque que titulou o negócio real demonstram de forma evidente que a escritura de mútuo consubstancia um negócio simulado, do conhecimento do Recorrido; vii) existem nos autos elementos de prova documental, além de depoimentos, que só por si, implicam necessariamente decisão diversa da que foi proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não tomou em consideração e que o douto Tribunal desta Relação, de igual modo, não atentou na importância desses documentos; vii) os documentos juntos pela primitiva Autora seriam suficientes, de per si, para o Tribunal, verificando a inexistência de qualquer empréstimo por parte do Réu JJ à Autora AA, ter decidido de modo diverso; viii) o Tribunal recorrido entendeu que "O extracto e o cheque de fls. 387 e 388, nada tem a ver com o cheque emitido pelo Réu a favor da autora", existindo nesta decisão um manifesto lapso, porque jamais existiu um cheque emitido pelo Recorrido a favor da primitiva Autora; ix) nenhuma das partes alegou tal situação, nem mesmo o Recorrido que ao longo da sua douta contestação, mais não referiu que o dinheiro foi recebido pelo procurador e que esse facto não é relevante, atento os termos em que a procuração foi outorgada; x) o único cheque junto aos autos para provar um qualquer empréstimo é o cheque que o PP faz referência, no valor de 15.000.000$00, o qual foi levantado pelo procurador, aqui Recorrente, no balcão da …, como consta do verso do referido cheque. Tendo de imediato depositado 12.000.000$00 no Banco QQ, o qual se situa na mesma rua; xi) o Acórdão proferido entende que este cheque não tem nada a ver com o cheque que o Réu emprestou à Autora, o que é não exacto, uma vez que foi precisamente através deste cheque que foi feito o empréstimo ao CC, não existindo qualquer outro cheque; xii) foi o próprio BB que, para provar ter emprestado de facto o dinheiro, que juntou cópia deste cheque por requerimento de 6 de Novembro de 2006 e que requereu que fosse oficiado ao Banco para que juntasse cópia (frente e verso) e informasse a pedido de quem foi emitido; xiii) segundo o oficio do Banco PP e conforme cópia que o Banco juntou aos autos, foi passado a favor do DD, emitido pelo Banco a pedido do MM e da sua esposa, OO, de acordo com as informações bancárias, a fls. 350 e 498, respectivamente, do processo; xiv) e que esse cheque foi levantado no banco em causa pelo procurador CC, que foi testemunha simultânea de Autora e Réu; xv) este cheque, que não foi minimamente valorado pelo Tribunal recorrido, prova de uma forma clara e inequívoca que o negócio de mútuo não foi celebrado com a Autora; xvi) não existe qualquer outro elemento documental nos autos que prove qualquer mútuo do recorrido BB à Autora AA, o que revela que a escritura de mútuo e hipoteca consubstancia um negócio simulado; xvii) a simulação é do perfeito conhecimento do Recorrido, uma vez que este tem perfeito conhecimento que não emprestou qualquer quantia à AA. E ao não existir qualquer empréstimo por parte do Recorrido à AA, a escritura de mútuo e hipoteca só pode ter por base um negócio simulado; xviii) o cheque é datado de 8 de Abril de 1999, tendo a escritura de confissão de divida sido outorgada em 22 de Dezembro de 1999, ou seja, cerca de oito meses após a emissão do cheque, o que mais uma vez revela a simulação do mútuo; xix) ao não entender o supra exposto, existiu uma errada interpretação da prova por parte do Tribunal, o qual, rectificando o erro cometido quanto à posição das testemunhas e fazendo referência ao cheque do PP, apesar de ter sido junto pelo próprio Recorrido, altera a matéria de fato provada na 1ª instância, designadamente as respostas aos quesitos 3º e 6º; xx)  há um manifesto lapso na douta sentença da 1ª instância que inquina todo o raciocínio, pelo que o douto Acórdão deste Tribunal, está viciado por esse lapso, partindo do principio que o empréstimo era feito pelo Réu através de um cheque seu e não usando um cheque de terceiro; xxi) devendo ser alterado o Acórdão, por necessidade de rectificação dos lapsos manifestos que foram cometidos e por conseguinte, ser alterada a matéria de facto, nos termos do disposto no art. 712º do CPC; xxii) tais vícios de raciocínio e de interpretação da prova, constituem uma nulidade de julgamento, e como tal, a decisão deve ser reapreciada.

O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - pelo que a sua competência ou poderes de cognoscibilidade em matéria de recurso (de revista) está confinada a questões de direito - cfr. artigo 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 1 a 3, ambos do Código Processo Civil, na redacção que lhe foi confiada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

A eventual censura, deste Supremo Tribunal, ao labor de julgamento da matéria de facto que as partes hajam aportado para alicerçar fácticamente as pretensões que almejam ver resolvidas jurisdicionalmente, ocorre em duas situações: a) – uma decorrente de juízo negatório, por insuficiência ou deficiência da compreensão global da necessidade de formação de um quadro completo e suficiente para apreciar e, concludentemente, dirimir a questão de direito que prevalece para o veredicto, ou pertinente subsunção à previsão normativa adrede, de uma adequada solução do litígio; b) – ou quando seja alegada a utilização, ou errada utilização, de determinados meios de prova, a saber nos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 674.º do Código Processo Civil. Vale dizer que na primeira situação prefigurada, o tribunal de revista exerce a sua função de sindicância ex officio, por ser imprescindível para sua função de proceder ao julgamento de direito, que a lei lhe comina, dever estar munido de todos os factos, necessários e suficientes, para o fazer, enquanto que no segundo caso, o tribunal de revista opera por solicitação ou impulso – exterior – a sindicar, escrutinar ou censurar o desvio de regras de procedimento – indutoras, na pretensão recursiva do impetrante, de uma deficiente utilização do meios de prova de que o tribunal dispôs para apreciar a questão de facto – que viciaram e desvirtuaram o correcto julgamento e conduziram a uma desadequada e errada inferência de supostos de facto para o julgamento de direito.     

Não importará, para a economia do recurso, proceder, aqui e agora, a uma recensão dos meios de prova que o ordenamento concita e coloca à disposição dos sujeitos processuais para comprovação dos factos em que fundamentam as suas pretensões e posições de defesa. O único meio de defesa que aqui importará desenhar, na sua função persuasória para o convencimento do tribunal de que determinada factualidade ocorreu ou se desenrolou, historicamente, como qualquer dos sujeitos a narra e sugere ao tribunal, será a prova testemunhal, já que os recorrentes não colocam em crise os demais meios de prova utilizados pelas instâncias. Estará, assim, em causa sindicar se as instâncias – valeria, ou seriamos mais rigorosos, dizer a primeira (1.ª) instância, já que a decisão sob recurso se limita a transcrever e a remeter para o «bem julgado da sentença» - fizeram desadequada utilização, ou infringiram, algum critério ou regra que deva ser observada pelo tribunal na «livre apreciação» que fez da prova testemunhal em que se baseou para formular o juízo conviccional em que fundeou a decisão da matéria de facto.    

Significa o que acaba de ser dito que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa”; ou, ainda, que tenha infringido os limites traçados pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil para o exercício do poder de reapreciação da decisão de facto da 1.ª instância. [[3]]

Estão assim subtraídos à sua apreciação os meios de prova sem valor tabelado, relativamente aos quais a última palavra pertence à 2.ª Instância; e também o controlo da interpretação de declarações negociais, no que se refere à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos; apenas lhe é permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação. [[4]/[5]]

Resulta, assim, limitada, e de efeitos cingidos, a possibilidade de o Supremo Tribunal, em sede recurso de revista, sindicar ou escrutinar a decisão de facto adquirida pelas instâncias. Valendo-se, como tribunal que atina, primacialmente, como aferidor da decisão em matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar a decisão da matéria de facto se esta revelar uma incompletude proposicional para sustentar uma decisão arrimada ao direito ou nos já apontados casos ineridos nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.ºs 1 a 3, ambos do Código Processo Civil. Desta competência residual, em matéria de sindicância da decisão de facto, resulta que ao Supremo tribunal está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente decisional prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva. Vale por dizer que tendo as instâncias laborado a decisão de facto num conspecto de livre apreciação da prova escapa ao Supremo Tribunal sindicar a percepção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados, ou seja o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou e razoou para obter o resultado probatório que consignou na decisão de facto. A decisão de facto fundada em meios de prova que devam ser apreciados livremente pelo tribunal, pelo razoamento e capacidade de inteligibilidade pessoal-institucional a que estão sujeitos, desde que não violem as regras estipuladas para a sua produção em tribunal, não podem ser escrutinadas pelo Supremo Tribunal. De facto, o distanciamento que da prova produzida por meios não vinculados e que possam ser percepcionados, directamente, pelo Supremo Tribunal ou que não possam decorrer directamente da lei, conduziria a criar uma volatilidade nos mecanismos de produção e aquisição de prova para o processo que tornariam as decisões infinitamente sindicáveis e sem certeza relativa quanto a um dos suportes decisórios, ou seja uma decisão de facto performativa da aplicação do direito. A criação de um espaço de certeza e de segurança para a aplicação do direito pelo Supremo Tribunal impõe que se confira á decisão de facto, consolidada pelas instâncias numa livre apreciação da prova não vinculada, um valor de certeza probatória e de pressuposto referencial incontornável. [[6]]

Decorre do que fica explanado que, no âmbito do julgamento da matéria de facto, cabe, quase em exclusivo, ou numa dimensão quase total, às instâncias fixaram os parâmetros em que o Supremo Tribunal terá de se movimentar e orientar para aplicar o direito que ao caso couber. A este Supremo Tribunal cabe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos a que chegaram por aplicação das referidas normas. [[7]] Esta função, capacidade cognoscente atina com o já referido enquadramento estatutário que a lei processual lhe inculca, e à qual o vincula, de conhecer tão só de matéria de direito deixando para as instâncias o poder-dever de formular os juízos, extrair conclusões fácticas e justificar os resultados das provas apresentadas pelos sujeitos processuais. Desta injunção normativa extrai-se, com meridiana linearidade intelectiva, que o Supremo estaria capacitado e poderia intervir na operação de reapreciação da decisão de facto estabelecida pela 2.ª instância e criticar a forma como aceitou ou modificou a decisão de facto que lhe vinha aportada da 1.ª instância, se viesse alegado que na conclusão a que chegou para se alcandorar a uma determinada decisão de facto, as instâncias utilizaram um comportamento inibitório ou perverso violador de normas de direito probatório material. [[8]

Vale por dizer, em jeito de remate, que o Supremo pode sindicar a decisão da matéria de facto a que as instâncias chegaram nas duas hipóteses da 2.ª parte do n.º 3 do art. 674.º: a) – quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência (1ª hipótese); b) – ou quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico (2ª hipótese). “Estas duas situações relevam, primacialmente, do direito substantivo: constituindo normas de direito material exigem determinado meio para a forma ou prova de facto jurídico (cfr. arts. 220 CC, 223 CC e 363 CC, para o documento; por exemplo, art. 313-1 CC, para a confissão), vedam o recurso a determinado meio de prova (arts. 393 CC, 394 CC e 395 CC, para a testemunha; art. 351 CC, para a presunção judicial) ou fixam a força de determinado meio de prova (arts. 358 CC, n.ºs 1 e 2, para a confissão; arts. 371 CC e 373-1 CC para o documento; art. 350 CC, para a presunção legal), elas são ofendidas quando o tribunal dá como assente a existência de um facto, baseado em meio de prova (formado extraprocessualmente ou, embora formado no processo, com eficácia extraprocessual) que seja inidóneo para a estabelecer, ou a nega, não obstante ter sido produzido o meio exigido ou suficiente para o efeito. O mesmo para os meios de prova, de formação e com efeito fixada por lei (a perícia no recurso da decisão arbitral sobre a indemnização do expropriado, de acordo com o art. 61-2 do Código das Expropriações; meio diferente do documento na oposição de mérito à execução da sentença, nos termos do art. 729-b CPC; a admissão, de acordo com os arts. 567-1 CPC e 574-1 CPC.

Todos estes casos são errores in judicando, respeitantes à identificação, interpretação e aplicação da norma de direito probatório. Mas, além disso, constituem questões de direito as que visam verificar os errores in procedendo, respeitantes ao desenvolvimento do procedimento conducente ao apuramento dos factos em causa.” [[9]]      

Este é o quadro geral em que ao tribunal de Revista é permitida a sindicância da decisão de facto adquirida pelas instâncias. Cabe-lhe, nas palavras do Professor Lebre de Freitas, em parecer referido na nota 4, datado de 10 de Outubro de 2014 – pensamos que inédito – “(…) com a verificação de que o tribunal da relação violou regras legais de procedimento probatório que lhe cabia ter observado.”     

O tribunal reapreciou a impugnação da decisão de facto nos termos que a seguir ficam expressos, para injunção impressiva dos elementos probatórios que estiveram na base da impugnação e para daí se poder inferir, ou não, se ocorreu algum alor contravencional que permita uma intervenção do Tribunal de Revista, nos parâmetros que se deixaram vincados.

Em causa estão os factos dos ares 3.º e 6.º da base instrutória.

A matéria desses artigos era a seguinte: “3.º - O filho da A e o R. combinaram entre si que aquele se confessasse devedor da quantia PTE 18.064.000$00?” e “6.º - Pretendiam enganar os netos da A, filhos do falecido EE?”

A resposta do tribunal recorrido a estes dois artigos foi a seguinte: “3.º - Provado apenas que o DD, intervindo na qualidade de procurador da Autora - AA declarou que aquela se confessa devedora ao segundo outorgante - BB, da quantia de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, que recebeu do segundo a título de empréstimo” [e ao] “6.º - Não provado.

Mas para a apelante a resposta aos dois artigos devia ter sido "provado". Fundamenta a sua pretensão no depoimento da testemunha DD e nos documentos que indica:

./ documento junto aos autos pelo Banco PP …, contendo a cópia de um cheque no valor de Esc. 15.000.00$00;

./ documento contendo um extracto de uma conta corrente de que é titular a testemunha DD para prova do depósito em numerário nessa conta da quantia de Esc. 12.000.00$00; e

./ procuração outorgada pela referida testemunha CC Losa ao Réu HH, no mesmo dia 8/04/1999, onde concede poderes a este último para, entre outras, outorgar uma escritura de mútuo, podendo efectuá-la consigo próprio;

documentos que, na sua perspectiva, provam que o dinheiro a que se reporta a escritura de mútuo celebrada e que é objecto da presente acção, se destinou ao indicado CC e foi ele quem usufruiu de tal montante.

No que respeita ao depoimento da indicada testemunha CC, ora habilitado e com interesse pessoal e directo na procedência da acção, não é pelo facto de ter sido o único, que com o réu esteve na escritura, e por isso melhor conhecimento tem dos factos, que o seu depoimento é mais credível.

Ouvido este, confirmamos que relata os factos na exacta medida em que são relatados na petição inicial; mas ouvidos os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo réu, LL, JJ e KK, vêm estas dizer que o aludido empréstimo foi constituído pelo filho da autora, DD, mas em nome dela e no interesse dela; estes depoimentos afiguram-se-nos sérios e isentos e não podem ser afastados pelo depoimento de uma testemunha que antes poderia ser parte, e que agora é mesmo parte.

Quanto aos documentos indicados, analisados estes, consideramos que são irrelevantes para a decisão desta causa pelas razões que passamos a expor:

O extracto e o cheque de fis. 381 a 387 nada têm a ver com o cheque emitido pelo réu a favor da autora, e mesmo sendo esse o caso, o depósito da quantia de 12.000 contos na conta do DD sempre poderia ser uma liberalidade da sua mãe a favor dele; ou pode ser proveniente de um qualquer outro negócio; nada, nem no cheque nem no extracto que a autora invoca nos permite relevar esses documentos na matéria de facto em causa neste processo.

O mesmo se passa com a invocada procuração, não tem nada a ver com o objecto dos presentes autos, é uma procuração directa do DD ao réu, não em representação de ninguém, provém dele próprio, e a procuração é apenas um acto unilateral, no caso sem qualquer relevância na matéria em causa nos autos e que nada, nem indiciariamente demonstra.

Face ao exposto, não havendo qualquer fundamento para que este Tribunal da Relação proceda à alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida à luz do disposto no art. 712.º, n.º 1 CPC ou para anular a decisão da primeira instância sobre quaisquer pontos da matéria de facto da base instrutória ou para ordenar a ampliação da matéria de facto alegada e com interesse para a decisão da causa, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo, conclui-se pela fixação da matéria de facto com interesse para a decisão da causa nos termos que foram fixados pelo tribunal a quo.

O que tudo nos conduz à total improcedência deste recurso de apelação, pois que, com os factos que resultaram provados, e tal como decidido na 1.ª instância, a autora não logrou demonstrar que o réu conluiado com o seu filho DD tivessem forjado uma dívida inexistente.

Como se alcança do extracto sacado da decisão recorrida, a reapreciação da matéria de facto foi efectuada baseando-se nos elementos probatórios com que o recorrente pretendia despeitorar a convicção adquirida pelo tribunal de primeira (1.ª) instância.

Os cheques com que o recorrente pretende contravir a argumentação da reapreciação não são documentos cuja probidade e inconsútil acepção probatória esteja para além da livre apreciação da prova, isto é, não se trata de matéria cujo conteúdo esteja afastada de uma apreciação livre quando estão em causa meios de pagamento efectuados a determinadas pessoas. Não está em causa nem o valor do cheque nem o fim a que se destinou, mas tão só a pessoa a quem o cheque foi pago e o fim para que serviu. Estes movimentos – exteriores à literalidade do cheque – podem e devem ser congraçados com os demais elementos de prova, como o foram, a retirar desse codilho a ilação perceptiva que um razoamento arrimado às regras da lógica indutiva permitem.

Não se descortinam fissuras ou perversões de raciocínio que alentem uma censura do juízo apreciativo a que o tribunal de apelação se alcandorou – pressuposto censório que poderia justificar a intervenção deste Supremo Tribunal – pelo que não tem este tribunal possibilidade de intervir na sindicância da decisão de facto que está firmada pela instância de apelação. 

II.B.3. – Pacto de Simulação.

Na burundanga em que se desdobra o aranzel recursivo do recorrente – repete de forma “pregnante”, percuciente e ad nauseam as mesmas galimatias dobando e escarchando um fastidioso e entediante ror de inanidades parecendo querer desafiar a inteligência de quem julga pela iteração alusiva e desaforada das mesmas razões, de facto e de direito – o recorrente pede que seja decretada a nulidade do acórdão recorrido por ter existido um pacto simulatório entre o recorrente e o recorrido, com a intenção de prejudicar a Autora.

Restauremos, em síntese apertada, tanto mais que parte das razões aduzidas na parte referente ao recurso – cfr. itens de 30 a 46 da minuta de recurso – serviram de base ao pedido de reforma da decisão. Partindo de uma tropia ou axioma, qual seja o de que “está demonstrado” que foi o recorrente que recebeu o valor mutuado e que actuou conluiado com o recorrido (BB), que: i) o ora Recorrente actuou em conivência com o Recorrido para enganar e causar prejuízo à Autora originária; ii) que a quantia em causa foi entregue ao Recorrente, sendo intenção de ambos que o contrato em causa produzisse efeitos entre os mesmos, e apenas entre estes; iii) a escritura em crise nos presentes autos, mais não foi do que a formalização do negócio realizado em Abril de 1999 através da entrega do cheque que se encontra junto aos autos e que titula a referida quantia; iv) o conluio entre o ora Recorrente e o Recorrido, para retirar do património da Autora originária o imóvel entregue como garantia no negócio simulado manifesta-se pelo facto de através da execução que corre termos sob processo o n.º 414/07 do 2º Juízo do Tribunal de ..., este último ter exigido o pagamento da quantia exequenda mediante a adjudicação do imóvel hipotecado, e sendo certo que (sic): v) o Recorrente usou em seu benefício, e não em favor de sua mãe, a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do Recorrido aquando da outorga da escritura que formalizou o negócio ocorrido meses antes; vi) o Recorrente, na qualidade de Procurador utilizou conscientemente a procuração para fins diversos extravasando os limites formais dos poderes que lhe foram conferidos, com conhecimento do Recorrido, sendo ineficaz o negócio jurídico celebrado nos termos do art. 269.º do CC; vii) a verdade é única - o empréstimo foi feito ao CC e não á sua mãe, em Abril de 1999 e não em Dezembro de 2000, havendo também simulação na data da escritura de mútuo - e tendo sido adicionados os elevados juros de mais de 3.000 contos; viii) só passados vários meses, foi celebrado o falso contrato de mútuo em que o procurador se confessou, nessa qualidade devedor ao R, BB, aliás, como se este nessa data, tivesse emprestado à A, a verba mencionada na escritura, sendo do total conhecimento do R. BB que jamais emprestou dinheiro a nenhum deles, e o dinheiro entregue pelo cheque supra mencionado, foi entregue ao Recorrente e exclusivamente para este; ix) só mais tarde, se tendo convertido em mútuo, e com o objectivo de que fosse o património da A. a pagar ao R. o empréstimo feito ao procurador; x) há, pois, uma simulação objectiva e subjectiva do negócio pois não era intenção dos outorgantes concretizaram o negócio em causa ou qualquer outro negócio. (sublinhado nosso)

O contrato de mútuo – cfr. art. 1142.º do Código Civil - configura-se como aquele em que alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível, “ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

O contrato de mútuo apresenta-se, normativamente, como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes e oneroso, porquanto dele resultava um benefício para uma das partes, o mutuante. [[10]]  

Mediante o contrato de mútuo, o mutuante, proporciona, ao mutuário, a cessão temporária de uso de determinadas quantias ou bens. O mutuário que recebe a coisa para retirar dela o aproveitamento, obriga-se a efectuar a restituição de quantia ou bem fungível em valor equivalente, do mesmo género e qualidade, ao que lhe foi entregue pelo mutuante.

Poder-se-á dizer que o contrato de mútuo se apresenta como representando uma cessão, pelo mutuante, de um valor patrimonial, traduzido na possibilidade de dispor de um valor em que se expressa, financeira e/ou economicamente, a quantia ou a coisa mutuada.  

O mútuo é um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutionem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário. [[11]] Este traço característico do contrato de mútuo não surge, por exemplo, em contratos em que ocorre uma entrega de uma coisa, como é o caso dos contratos de comodato ou de depósito, dado que nestes não se opera uma translatio dominii.  

O contrato de mútuo pode “funcionar como contrato oneroso, desde que seja remunerada (com juros adequados) a concessão do uso do dinheiro (ou de outra coisa fungível) proporcionada pelo mutuante (art. 1145.º do Cód. Civil)”. [[12]]

O mútuo típico revela-se, pelos apontados traços definidores, um contrato mediante o qual uma das partes, o mutuante, como ou sem retribuição renúncia temporariamente à disponibilidade de uma certa quantia de dinheiro ou ao equivalente a certa coisa fungível, pela cedência a outrem, o mutuário, podendo este retirar delas um aproveitamento.

Ao lado do contrato típico de mútuo real cujo traço distintivo se caracteriza pela entrega de uma quantia ou outra coisa fungível, a doutrina configura o contrato de mutuo consensual. “[De] acordo com essa doutrina, ao lado da figura do mútuo real, tal como o Código de 1867 o previu e regulou nos artigos 1523.º e seguintes (e o Código de 1966 o remodelou nos arts. 1142.º e segs.), dentro da galeria dos contratos típicos ou nominados, haveria que admitir a existência e a validade do contrato de mútuo consensual, trazido pelo intérprete, não através dos módulos negociais típicos da lei, mas à arreata (perdoe-se­-nos a expressão) do principio da liberdade de contratar.

A principal diferença prática existente entre as duas espécies residiria no facto de o mutuante, neste último caso, ficar obrigado pelo contrato antes da entrega da coisa, logo que houvesse mútuo acordo das partes acerca da realização do empréstimo. Ao passo que, no caso do mútuo real, o mutuante não ficaria vinculado senão a: partir da entrega, podendo antes dela voltar atrás na consumação do contrato (porque perdesse a confiança no outro contraente, porque precisasse do dinheiro para outros fins, porque não tivessem sido oferecidas garantias com que contava, etc.).

Ora, a verdade é que, não obstante a convicta sugestão de Vaz Serra, o contrato de mútuo continuou a ser definido, quer nos textos dos anteprojectos (1.a e 2.a revisões ministeriais), quer na versão definitiva do Código, em termos que apenas cobrem ou albergam a figura do mútuo real.” [[13]

O contrato de mútuo assume, relativamente à forma, as características de um contrato solene – cfr. artigo 1143.º do Cód. Civil – dado para que seja eficaz e válido se torna necessário que as declarações de vontade expressas pelos contraentes sejam plasmadas em escritura pública, se a quantia mutuada for igual ou superior às quantias legalmente fixadas.   

Tratando-se de uma formalidade exigida por lei resulta do preceituado no n.º 1 do artigo 364.º do Cód. Civil que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial. Documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.” Nos termos do n.º 2 do citado preceito o documento pode ser substituído por confissão expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas para prova da declaração.

Do preceituado no n.º 2 pode-se inferir que quaisquer documentos – autênticos ou particulares – poderão constituir formalidades “ad probationem”, desde que, excepcionalmente, resultar, inequivocamente, da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto. [[14]]

Tratando-se de um contrato de mútuo real e oneroso a necessidade de redução das declarações em escritura pública ou documento particular autenticado torna este tipo de contrato um contrato solene, não podendo a prova ser efectuada senão por documento de valor, o que faz depender a validade do contrato de mútuo, a partir dos limites fixados na lei, de um requisito ad substantiam – cfr. artigo 364.º ex vi do artigo 219.º do Cód. Civil.

Nos termos do artigo 240º do Código Civil, a simulação prefecciona-se quando ocorre um acordo entre um declarante e um declaratário,  prospectando o objectivo de enganar terceiros, e se congrace e deflagre uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.

Insulam-se na figura jurídica estatuída no citado preceito três elementos essenciais: i) a existência/verificação de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada; ii) o desígnio/intenção de enganar terceiros (animus decipiendi); iii) e a consumação de um acordo simulatório (pactum simulationis) [[15]].

A simulação “é a divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente do acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros”. [[16]] “São terceiros, para efeitos de simulação, quaisquer pessoas que não sejam os simuladores, nem os seus herdeiros (ou legatários), a menos que (quanto a estes) se trate de herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas. Ocorre todavia que as mesmas pessoas sejam titulares de um direito (situação ou posição jurídica) ilicitamente prejudicado - ainda que só na sua consistência prática (credores) com a validade ou nulidade do negócio simulado.” [[17]]

De forma lapidar e relativamente ao instituto jurídico da simulação escreveu-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que (sic): “A dogmática da simulação encontra-se na emissão de uma declaração negocial sem sintonia com a vontade real do declarante, sendo que essa divergência resulta de um acordo entre este e o declaratário, tal como dispõe o n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil.

Não iremos debruçar-nos sobre o “distinguo” entre simulação absoluta e simulação relativa (aqui tendo por detrás do negócio simulado outro dissimulado – artigo 241.º da lei civil) por tal ir para além da economia desta decisão.

Assim, e como acabou de se insinuar, movemo-nos no domínio das divergências entre a vontade real e a declarada, sendo próximos conceitos de simulação onde a divergência é acordada entre o declarante e o declaratário “no intuito de enganar terceiros” , a reserva mental (artigo 244.º) em que a declaração é contrária à vontade real mas o propósito é enganar o declaratário que, obviamente, não contribuiu para essa divergência, e a declaração não séria (artigo 245.º).

O Prof. Manuel de Andrade, ainda na vigência do Código Civil de 1867 (artigo 1031.º) propôs, como nova conceptualização, “a divergência intencional entre a vontade e a declaração, procedente do acordo entre o declarante e o declaratário, determinada pelo intuito de enganar terceiros” (in “Teoria Geral da Relação Jurídica” II, 1992 – Reimpressão, 169).

Certo que o “pactum simulationis” é, precisamente, o elemento distintivo da acima referida reserva mental, também apodada pelo Prof. Manuel de Andrade (ob. vol. cit. 216) de simulação unilateral.

A lei fulmina de nulidade o negócio simulado (n.º 2 do artigo 240.º do Código Civil) sem que, contudo, distinga entre a simulação inocente, ou seja, apenas com o intuito de enganar terceiros mas sem os prejudicar (“animus decipiendi”) e a fraudulenta, onde ocorre o “animus nocendi” ou propósito de lesar os terceiros.

Note-se que, para efeitos de simulação, o terceiro abrange “quaisquer pessoas, titulares de uma relação jurídica ou, praticamente, afectada pelo negócio simulado e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros (depois da morte do “de cujus”) – Prof. Mota Pinto apud “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 481. (cfr., ainda, o Prof. Manuel de Andrade, ob. vol. cit. 198 – São terceiros, para efeitos de simulação, quaisquer pessoas que não sejam simuladores, nem seus herdeiros (ou legatários) a menos que (quanto a estes) se trate de herdeiros legitimários que venham impugnar o negócio simulado para defender as suas legítimas”).

A simulação gera uma nulidade atípica já que os simuladores não a podem invocar contra terceiro de boa fé (artigo 243.º, n.º 1 e Prof. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil”, 845).

Como julgou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1995 – CJSTJ, 1995, II, 118 – a simulação identifica-se com o propósito de “criar uma aparência” e é nesse “fingimento” que se situa “o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros” – cfr., ainda, e v.g., os Acórdãos de 4 de Novembro de 2010 (381/03.4TBVLN.G1.S1); de 23 de Novembro de 2011 (783/09.2TBLMG.P1.S1); e de 12 de Julho de 2011 (2378/06.3TBBCL.G1.S1, este relatado pelo, ora, 1.º Adjunto e na qual foi 1.º Adjunto o, ora, 2.º).

Enfim, e como ensina o Doutor Henrich Ewald Horster, “a simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar” (in “Parte Geral do Código Civil Português”, 1992, 536).

Sintetizando, agora, os requisitos da simulação elencando-os:

- Divergência entre a vontade real e a vontade declarada (que, ressalvando o merecido respeito pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 2007 – 06 A4009 – entendemos ser o 1.º requisito e não o 2.º);

- Acordo simulatório;

- Intuito de enganar (“animus decipendi”) ou de prejudicar (“animus nocendi”) terceiros.

Quanto ao primeiro dos requisitos as vontades real e declarada são aferidas em termos psicológicos, que não jurídicos; o acordo simulatório implica um encontro de vontades entre os simuladores com um objectivo comum; se o propósito for apenas o “decipiendi”, a simulação é, como já se deixou dito, inocente, sendo, contudo, fraudulenta se os dois propósitos (“decipiendi” e “nocendi”) se cumulam.

A averiguação destas intenções integra matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (cfr., v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2007 – 07 A702 – e de 14 de Novembro de 2006 – 06B3584 – quanto ao acordo simulatório).

Mas o negócio simulado é absolutamente nulo tanto na simulação absoluta como na relativa.

E esta conclusão não é afastada mesmo perante a inoponibilidade a terceiros de boa fé (cfr. o artigo 243.º do Código Civil e o Prof. Rui de Alarcão, BMJ, 84-307); Prof. Beleza dos Santos, in “A Simulação em Direito Civil”, Coimbra, 1921).

Na simulação absoluta inexiste qualquer negócio por detrás.

Há apenas uma ostensiva aparência negocial (“colorem habet, substantiam vero nulam”).

A importância do pacto simulatório é enfatizada pelo Prof. Pedro Pais de Vasconcelos (apud “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 682) nos termos seguintes: “Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso, e a regulamentação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real.”

E como acima deixámos dito, este acordo, que surge em momento posterior à formação da vontade (com divergência entre o pensado e o declarado), é que constitui o núcleo distintivo entre a simulação e figuras da área (reserva mental e declarações não sérias) sendo, por conseguinte, o elemento fundamental da figura que tratámos.” [[18]/[19]]

Como se deixou anotado supra o demandante, pretende inculcar a ideia de que ocorreu um acordo simulatório entre o filho da primeva demandante e o demandado/recorrido consistente em: i) ter ocorrido corrilho entre o recorrente e o recorrido; ii) esse codilho teve como intenção acarretar um prejuízo para a primitiva autora, traduzido na execução do imóvel dado como garantia do mútuo; iii) manifestando-se o acordo simulatório no facto de o recorrente (sic) “[ter usado] em seu benefício, e não em favor de sua mãe, a quantia mutuada, sendo tal facto do conhecimento do Recorrido aquando da outorga da escritura que formalizou o negócio ocorrido meses antes.”

Importa pontuar que a pretensão de demonstração/comprovação da existência de um acordo simulatório se situa no plano da conformação factual da lide e que esta se decide ou estabiliza no julgamento da decisão de facto consolidado nas instâncias – cfr. artigo 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 do Código Processo Civil.

De relance diremos que conforme doutrina e jurisprudência há bastante tempo firmadas, relativamente às ilações extraídas pelas instâncias em sede de matéria de facto, com base em presunções judiciais, compete ao Supremo Tribunal de Justiça apenas verificar se elas exorbitam o âmbito dos factos provados ou deturpam o sentido normal daqueles de que foram extraídas. Quando tal não suceda o tribunal de revista deve acatar a decisão das instâncias, por esta se situar ainda no âmbito da matéria de facto, que por regra é imodificável (arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC) [[20]].

É que, ao firmar o conteúdo de presunções judiciais, a Relação opera “no âmbito da sua competência, no quadro da decisão da matéria de facto, na envolvência do principio da livre apreciação da prova a que se reporta o artigo 607.º, n.º 1 do Código de Processo Civil” [[21]].

Este Supremo Tribunal só pode verificar se elas foram extraídas dentro dos limites contidos nos arts. 349º e 351º do CC, se era ou não permitido o uso de presunções, e se elas enfermam de manifesto ilogismo.

O tribunal de 1.ª instância – no que foi coonestado pelo Tribunal de apelação – respondeu aos enunciados de facto que haviam sido propostos para comprovação/infirmação das pretensões da demandante, pela forma seguinte: “Quesito: 3).- Provado apenas que o DD, intervindo na qualidade de procurador da Autora ­AA, declarou que aquela se confessa devedora ao segundo outorgante- BB, da quantia de dezoito milhões e sessenta e quatro mil escudos, a qual recebeu do segundo a título de empréstimo.

Quesito: 4.- Provado apenas o que consta da resposta ao quesito anterior (3)

Quesito: 5 -Provado.

Quesito: 6) - Não provado.

Quesito: 7) - Provado apenas que com a celebração do contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel diminui o valor deste, no montante mutuado, enquanto não for expurgada a referida hipoteca.

Quesito: 8) -Provado apenas o que consta da resposta ao quesito anterior (7).” – cfr. fls. 460. [[22]]

A matéria de facto adquirida não inculca, da parte dos intervenientes da escritura constante da alínea E) dos factos assentes – cfr. fls. 152 a 154 – ocorreu codilho entre o demandante e o réu. Na verdade, essa convicção vem de forma lidimar expressa na justificação da decisão de facto do tribunal de 1.ª instância quando se pronuncia no seguintes termos (sic): “(…) Ou seja para as testemunhas indicada pela Autora o empréstimo foi constituído pelo filho da Autora, DD, o qual agiu em seu nome e para benefício pessoal, ao passo que segundo o depoimento das testemunhas arroladas pelo Réu e ouvidas esta audiência de julgamento, estas sustentaram que tal empréstimo fora constituído pelo filho DD em nome e do interesse da Autora e para esta tal como documentam nos autos (procurações juntas ao processo e contrato de mútuo)”.       

Os factos provados – e não pode este tribunal extrair outros para além daqueles que vêm adquiridos pelas instâncias – não inculcam a existência de pacto ou codilho entre o demandante DD e o demandado BB para enganar a primeva autora e/ou com a actuação que ficou demonstrada a tivessem querido prejudicar no seu património.

Tal como se escreveu na decisão de primeira instância (sic): “Ora o procurador - filho da Autora ( aqui não demandado), munido daquela procuração celebrou com o Réu o negócio jurídico em causa dentro dos poderes contidos nessa mesma procuração, ou seja, não resulta da matéria de facto comprovada que o procurador utilizou conscientemente a procuração para fins diversos ou extravasou os limites formais dos poderes que lhe foram conferidos. Porque nesta hipótese o negócio jurídico celebrado só é ineficaz se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso (cfr. art. 269.º do CC).

No caso vertente o filho da Autora BB constituiu -se seu mandatário obrigando -se a realizar actos jurídicos no interesse por conta dela, cujo mandato é presumidamente gratuito (arts. 1.157.º e 1.158.º n.º 1 do CC).

O mandato é um contrato, ao passo que a procuração é um acto unilateral. O primeiro impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem; o segundo confere o poder de os celebrar em nome doutrem. O mandato e a procuração podem coexistir ou andar dissociados.

O mandato presume - se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume - se oneroso (cf. n.º 1 do art. 1158° do CC).

Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (n.º 2 do citado art. 1.158.º do CC).

Inexistindo elementos probatórios nos autos, no sentido de se concluir que o negócio celebrado por BB com o filho da Autora foi efectuado apenas com o intuito de enganar e prejudicar a Autora que nada recebera do Réu, nomeadamente o montante mutuado, mas foi aquele seu filho que ficara indevidamente com esse mesmo valor, conluiado com o ora Réu, extravasando (DD) os poderes objectivamente conferidos por aquela(Autora), actuando assim(procurador) em conivência com o Réu para enganar ou causar prejuízo à Autora, em nosso entender, a acção terá de improceder.” – cfr. fls. 482.

Da matéria de facto adquirida ressalta que o ora habilitado/recorrente; DD, agiu no âmbito de um mandato que lhe havia sido conferido pela primeva Autora, AA – cfr. resposta ao quesito 3.º.

A propósito do contrato de mandato, com e sem representação, tivemos a oportunidade de escrever na Revista n.º 1.150/10.0TBBABT.E1.S1 que: “(…) O mandato corresponde fundamentalmente à ideia de alguém confiar a outrem a realização de um acto.” [[23]]

 “No mandato há, pois, uma pessoa, o mandante, que encarrega outra, o mandatário, de realizar determinado acto no interesse e por conta do primeiro; procura-se assim fazer realizar por intermédio de outrem os actos que ao próprio interessado não convém efectuar pessoalmente. Mas deve salientar-se desde já que nem todo o acto de cuja prática se encarrega alguém pode constituir objecto de mandato; pelo menos á face da nossa lei actual, é necessário que se trate de um acto jurídico.” 

“Os factos voluntários ou actos jurídicos pode, segundo outra classificação de carácter fundamental, distinguir-se em negócios jurídicos e simples actos jurídicos (ou actos jurídicos strito sensu)” O Professor Mota Pinto, define facto jurídico como sendo “[todo] o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância jurídica traduz-se, principalmente, senão mesmo necessariamente, na produção de efeitos jurídicos.” [[24]]  

“Se o mandatário realiza o negócio em nome da mandante e com os necessários poderes de representação, diz-se que o mandato é representativo; o mandatário actua como representante do mandante. Se, porém, o mandatário age nomine próprio, o mandato não é acompanhado de representação.” [[25]]   

O artigo 1157.º do Código Civil define mandato como sendo “[o] contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra.”

A lei distingue entre mandato com representação e mandato sem representação – cfr. artigos 1178.º e 1180.º, ambos do Código Civil. Na primeva das indicadas figuras jurídicas – mandato com representação –, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, “é também aplicável o disposto nos artigos 258.º e seguintes”, - n.º 1 do primeiro dos indicados preceitos -, sendo que o mandatário “a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas também em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada” – n.º 2 do citado artigo 1178.º do Código Civil.

Já no que atina com a figura de mandato sem representação, estabelece o artigo 1180.º do mesmo Código, que: "O mandatário que agir em nome próprio adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido de terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes".

O cotejo entre as duas figuras que pode revestir o mandato sobra a ideia de que no mandato sem representação, o mandatário, apesar de intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu representante, o que vale por dizer que não ocorrendo uma representatividade formal do contrato, o mandatário age sendo ele quem adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos jurídicos que celebra, obrigando-se, nos termos do preceituado no artigo 1181.º do Mesmo livro de leis, na observância do contratualizado com o mandante e no cumprimento obrigações que assumiu para com o mandante, o mandatário que age sem representação deve transferir para este a titularidade desses direitos. O incumprimento do contratualizado, por banda do mandatário, legitima e confere ao mandante o direito de exigir judicialmente o cumprimento do contrato, definindo, nos exactos termos em que o mandatário assume as respectivas responsabilidades - cfr. artigo 1183.º do Código Civil.   

Porém, acção em que o mandante exija o cumprimento das obrigações a que o mandatário se vinculou, assume uma feição obrigacional ou pessoal e não real. Esta é a posição de Pires de Lima e Antunes Varela (Cód. Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 748) quando a este respeito escrevem que: "a acção não é de reivindicação, porque, antes da transferência, o mandante não tem nenhum direito sobre os bens adquiridos; a acção destina-se apenas a obter o cumprimento de uma obrigação – transferir os bens.

Daqui uma consequência: o mandante não goza do direito de sequela, nem sequer do direito de separação, no caso do mandatário se tornar entretanto insolvente.

Se os bens ou direitos forem entretanto alienados pelo mandatário, este responde nos termos gerais, pelo prejuízo causado ao mandante com a falta de cumprimento da obrigação, mas não pode o mandante reivindicá-los do património de terceiros".

Decorre do que fica sumariamente referido que o mandatário adquire a titularidade dos direitos adquiridos, pela concreção e materialização dos actos praticados no exercício do mandato, com o consequente ingresso desses direitos na sua esfera jurídica. Desta transferência/aquisição da titularidade dos direitos adquiridos, em função ou em exercício do mandato, para a esfera jurídica do mandatário deflui que o mandante se mantém como um allius em relação aqueles que hajam contratualizado com o mandatário constituindo-se uma relação de terceiros entre os que hajam contratado com o mandatário e o mandante.

Poder-se-ão elencar os elementos definidores ou caracterizadores que pode revestir a figura de mandato sem representação. Assim, de ordinário, o mandato sem representação emerge ou pode surgir quando se encontram reunidas as seguintes condições ou circunstancialismo: 1) - que uma pessoa possua interesse em realizar um negócio, sem intervenção pessoal; 2) - deste interesse deriva a necessidade do interessado em interpor outrem, com quem delineia e fornece indicações quanto ao negócio a realizar e os termos em que ele deve ser concretizado, surgindo este como verdadeiro e real contraente; 3) - a materialização do negócio adquire uma feição pessoal com a pessoa que realiza o negócio, mantendo-se o real interessado em zona escura, não aparente e não visível; 4) - realizado o negócio, operar-se-á a efectiva transferência para a esfera jurídica do verdadeiro e real interessado no negócio de todo o feixe de direitos que dele hajam resultado e que se encontrem sediados na esfera jurídica do mandatário. O direito a exigir o cumprimento do contrato de mandato decorre, naturalmente, dos termos e com os efeitos que resultam do acordo de vontades que conformaram o contrato, sendo que a partir do momento em que o contrato se perfeccione, o mandante tem o direito de exigir do mandatário tudo o que este haja adquirido na execução do mandato.   

São características do mandato, a gratuitidade ou onerosidade; a solenidade ou a consensualidade; e o facto de poder ser sinalagmático, não sinalagmático ou sinalagmático imperfeito. [[26]]

“Vigora para o contrato de mandato o princípio da liberdade da forma. Estabelecendo a distinção entre procuração e mandato, observa Vaz Serra (R.L.J. Anos 112-222 e 109-225) que a procuração é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa confere a outra poderes de representação para, em seu nome, concluir um ou mais negócios jurídicos; diversamente, o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra.

Sendo a procuração o acto pelo qual alguém confere poderes de representação, tal significa que se o procurador celebrar o negócio jurídico para cuja conclusão lhe foram atribuídos esses poderes, o negócio produz efeitos em relação ao representado.

O mandato, por sua vez, é independente da procuração, podendo ser com representação ou sem ela.

Por isso, o mandato pode ser concluído sem observância de forma especial, nos termos gerais decorrentes do art. 219.º do Código Civil.” [[27]]

Não se provou que o ora recorrente tivesse exorbitado ou extravasado os poderes que haviam sido conferidos no mandato que lhe tinha sido outorgado pela mãe pelo que, à vista desta realidade (judicial) comprovada de forma, insofismável, pela matéria de facto adquirida, não merecerá censura a decisão recorrida.           

 II.b.4. – Constitucionalidade – artigo 13.º da CRP (principio da igualdade).

Como derradeiro vector de cognoscibilidade apresta-se a invocada inconstitucionalidade (do acórdão recorrido) por (sic): “O Acórdão recorrido, ao considerar que se trata de uma liberalidade, sem qualquer prova desse facto, e ao fazer errada alusão a depoimentos testemunhais, como se fossem testemunhas da outra parte, faz errada interpretação dos factos e do Direito, violando o princípio constitucional contido no artº 13º da CRP – princípio da igualdade da Justiça.

O juízo/censura de inconstitucionalidade induz-se do sentido normativo adverso que quem quer adquire do alcance e dimensão reguladora de uma disposição legal.

As decisões judiciais aplicam normas de direito positivo e como tal são passíveis de poder infringir comandos preceptivos e/ou reguladores contidos na normação ordinária que ofendam princípios rectores e fundantes da ordem constitucional.

Ao considerar que o acórdão recorrido, sem qualquer prova desse facto considerou ter existido uma liberalidade, o recorrente pretende acoimar e induzir um juízo de inconstitucionalidade sobre a decisão em si mesma, o que não se prefigura ajustado.

De qualquer modo, sempre se dirá que não ofende qualquer princípio de direito constitucional, indutor de um recurso nesta sede, o facto de uma decisão subsumir erradamente uma realidade jurídica, mediante um incorrecto julgamento ou um julgamento despojado de provas. Adrega neste caso de ocorrer erro de julgamento a corrigir em sede de recurso ordinário.

Desatende-se, pois, a arguida inconstitucionalidade.        

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar o recorrente nas custas.

                                      Lisboa, 20 de Outubro de 2015

                               

                                   Gabriel Catarino (Relator)

                                  

                                   Maria Clara Sottomayor

                                  

                                   Sebastião Póvoas            

_______________________
[1] Actualmente o instituto da reforma da decisão encontra assento no artigo 616.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

[2] Ac. de Ac. do STJ de 24-10-2006, relatado pelo Conselheiro Sebastião, disponível em www.dgsi.pt

[3] cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Setembro de 2009,  relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, em que se escreveu (sic): “Por isso mesmo se diz que o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, isto é, conhece apenas da matéria de direito, o que, aliás, está consignado no artº 26º da Lei 3/99 de 13/01, onde se prescreve que «fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito». Cfr. ainda acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Setembro de 2009, www.dgsi.pt. proc. nº 374/09.8YFLSB

Nesta conformidade, a jurisprudência uniforme deste Tribunal tem sido no sentido de que «de harmonia com o artigo 722º, nº 2 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (nem de agravo como decorre do artº 755º, nº 2, do CPC), salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova», como sentenciou o Ac. STJ, de 25.09.1996 in ADSTA, 420º- 1467.” 
[4] Cfr. Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Setembro de 2008, 18 de Novembro de 2008, 16 de Abril de 2009 ou 11 de Março de 2010, www.dgsi.pt. procs. nºs 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1).

[5] Quanto aos poderes de sindicância do Supremo Tribunal de Justiça da reapreciação efectuada pelo Tribunal veja-se o acórdão desta secção de 31-03-2009, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou:”1. Nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na 1.ª instância alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; determinando a sua fundamentação.2) Do uso de qualquer destes poderes não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este Supremo Tribunal pode sobre eles exercer censura directa ou indirecta. 3) A censura directa consiste em apurar se a Relação excedeu os limites do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Exerce censura indirecta – ou tácita – quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. 4) A faculdade da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º, do Código de Processo Civil pressupõe que a matéria de facto tenha sido impugnada nos termos do artigo 690-A (hoje 685-B) ou que do processo constem todos os elementos de prova que fundamentaram o julgado em 1.ª instância. 5) A faculdade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 712.º pressupõe que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente – e sem possibilidade de ser contrariado por quaisquer outras provas – para uma decisão diversa.6) Embora a Relação possa fazer uso de presunções judiciais (simples, de experiência ou de primeira aparência) não pode utilizá-las para alterar um facto dado por provado pela 1.ª instância, e alcançar outro diferente, mas tão-somente, dele se servir como fundamento base do raciocínio lógico-discursivo que conduziu à conclusão presumida.7) E o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso (e a base de que partiu) a presunção judicial.” Ou ainda do mesmo Relator o acórdão de 02-02-2010 em que se escreveu: “1) O Supremo Tribunal de Justiça está limitado nos seus poderes sobre a matéria de facto, âmbito em que, de harmonia com o disposto nos artigos 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – e 722.º, n.º 2 e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, só lhe é lícito intervir em questão de prova vinculada ou perante desrespeito de norma reguladora do valor legal das provas. 2) Tratam-se de questões de direito, já que, em tais hipóteses, não há que apreciar as provas segundo a convicção de quem julga (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) mas apenas determinar se para a prova de certo facto a lei exige, ou não, determinado meio de prova insubstituível, ou de decidir se determinado meio de prova tem, ou não, face à lei, força probatória plena. 3) Fora do âmbito da prova vinculada, cuja apreciação é pura matéria de direito, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos da causa, isto é, a decisão da matéria de facto, é de livre apreciação do julgador nas instâncias no seu papel de apuramento da factualidade relevante, cabendo à Relação a última palavra. E mesmo a Relação só pode censurar o respondido à base instrutória através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil. 4) E só se, na fase de julgamento do mérito, o Supremo Tribunal de Justiça deparar com insuficiência de matéria de facto para decidir de direito, ou se o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão, é que deve devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, desde que nos limites da matéria alegada (artigo 729.º, n.º 3, ainda do Código de Processo Civil). Ou ainda os acórdãos de 28-06-2011; de 12-09- 2006; 19-12-2006; 12-09-2006 e 16-12-2010, todos  in www.stj.pt
[6] Cfr. neste sentido um parecer do Professor Lebre de Freitas, de 13 de Outubro de 2014, em que referindo-se ao papel crucial que devem observar as instâncias de julgamento ao principio da imediação no momento em que procedem ou devem propor-se a reapreciar a prova adquirida com base na livre convicção que o julgador formou com base na prova testemunhal. Refere, apertis verbis, este Professor que “à luz do princípio da imediação, a Relação não pode desprezar, sem novo juízo seguro e motivação pormenorizada, o juízo formado na 1.ª instância na presença de testemunhas (…); só por erro objectivo de julgamento (…) ou violação duma máxima de experiência não contrária â lei (nomeadamente a que rege a admissibilidade da prova testemunhal), poderia fundar esse juízo, que carecia da explanação das razões concretas duma nova convicção (…)”. Na jurisprudência vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de STJ, de 24 de Setembro de 2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos; de 6 de Março de 2014, processo n.º 1387/05.4TBALM.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, e ainda os acórdãos de 30/04/2002 – Proc. n.º 02 A917; de 19/10/2004, Col. Ac. STJ, XII, 3º, 72; de 22/2/2011, Col. Ac. STJ, XIX, 1º, 76; Ac. STJ; de 12/02/2004 – Proc. n.º 03B4113; de 26/10/2004 – Proc. n.º 3388/04; de 20/09/2007, Col. AC STJ XV, 3º, 58; de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.;  de 25/11/2008 – Proc. n.º 08 A3334; de 5/6/2012 – Proc. n.º 5534/05.5TVLSB.L1 (todos citados neste último aresto).        
[7] cfr. acórdão deste Supremo, de 13-11-2012, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou: “1. Se a Relação reaprecia a prova ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, fá-lo livremente formando a sua convicção acerca de cada facto questionado, tal como a 1.ª instância, nos termos do artigo 655.º do Código de Processo Civil. 2. O actual artigo 685-B, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil não obriga a que a impugnação seja feita por referência aos artigos da base instrutória, nem à especificação separada dos meios de prova gravados relativamente a cada um dos factos postos em crise. 3. Obriga, sim, a que se seriem os concretos pontos de facto e relativamente a cada um se identifique o meio probatório impositivo de decisão diversa, sendo tal indicação feita com referência à gravação constante da acta. (…) 5. O Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, limita-se a aplicar o direito aos factos materiais que as instâncias fixaram, não podendo sindicar essa fixação salvo nas situações excepcionais dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. 6. Mas pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto já que se tal for feito ao arrepio do artigo 712.º, do Código de Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.”

[8] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2009, Proc. n.º 4092/08; de 21-09-2010 Proc. n.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; de 21-10-2010, Proc. n.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; e de 30-11-2010, Proc. n.º 581/1999.P1.S1, in www.stj.pt . Veja-se ainda, pela novidade, o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26-02-2013, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, de cujo sumário consta: “I – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2, do CPC). II – Não se verificando nenhuma destas hipóteses, o STJ tem de acatar a decisão de facto recorrida, visto que somente lhe compete, enquanto tribunal de revista, aplicar aos factos materiais fixados pela Relação o regime jurídico que julgue adequado (art. 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). III – Se o STJ não censurar a decisão de facto das instâncias com base no art. 722.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, terá necessariamente de improceder a revista que não impugne o julgamento de fundo adoptado pela Relação quando a matéria de facto subsista inalterada.” Ou ainda o acórdão desta secção relatado pelo Conselheiro Alves Velho, de 11-12-2012, em cujo sumário se extractou a seguinte doutrina: I – Quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o STJ não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º, n.º 1, do CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. I – Em regra, se as respostas ultrapassam o âmbito da matéria quesitada, em termos não comportáveis no articulado pelas partes, têm de ser limitadas ao âmbito do perguntado, considerando-se não escrito o que o exorbite. III – Porém, se tal não se mostra possível, em virtude de, por exemplo, a resposta se traduzir na criação de factos novos, inserindo conteúdo diferente do perguntado ou invertendo o sentido do que estava sob indagação, então, terá de ser completamente eliminada. IV - A decisão da Relação que, em apreciação de impugnação da matéria de facto, visando o recorrente que se responda “provado” ou “não provado” a certos quesitos, modifique o sentido da factualidade para mais gravosa para o impugnante que o que resultaria das simples respostas de “provado” ou “não provado” a esses quesitos, preenche os vícios de excesso de pronúncia e de violação de normas processuais relativas ao uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo referido art. 712.º, com referência ao n.º 4 do art. 646.º do CPC.” Ou ainda o acórdão deste Supremo, de 10-07-2008, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que, na parte interessante do sumário se escreveu: “1) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância. 2) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada. 3) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil é incensurável pelo Supremo Tribunal de Justiça sendo a respectiva decisão irrecorrível.4) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.5) A fundamentação das respostas aos quesitos – quer quanto aos provados, quer quando aos não provados – basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada. 6) O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que na fase de ponderação decorra um processo lógico-racional conducente a uma conclusão sensata e prudente. 7) Mas esse processo, insondável e íntimo, não tem que ser transposto para a motivação, que se limita a elencar criticamente as provas consideradas credíveis. 8) Contra a falta ou a insuficiência da motivação reage-se com o incidente do n.º 4 do artigo 653.º Código de Processo Civil, também na Relação quando altera ou inova a base instrutória.
[9] Cfr. Parecer do Professor Lebre de Freitas, citado supra, de 10 de Outubro de 2014.

[10] Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, págs. 269 a 271 e 274, depois de apontar os traços definidores que devem assumir os contratos sinalagmáticos ou bilaterais e onerosos e gratuitos, refere que “No que concerne ao contrato de mútuo, este pode ser considerado o exemplo típico do contrato que, sendo por natureza, graças à sua estrutura, um contrato unilateral, pode ao mesmo tempo funcionar como uni con­trato oneroso, desde que seja: remunerada (com os juros adequados) a concessão do uso do dinheiro (ou de outra coisa fungível) proporcionada pelo mutuante (cfr. art. 1145.º do Cód. Civil).

Com efeito, do contrato de mútuo resul­tam obrigações, em princípio, apenas para uma das partes, que é o mutuário (a obrigação de restituir o equivalente da coisa recebida; a obrigação de pagar os juros estipulados ou os juros devidos; etc.).
A prestação a cargo do mutuante, que é a peça fundamental da operação negocial no seu aspecto económico, não assenta numa obrigação resultante do contrato, porquanto se trata, bem pelo contrário, de uma prestação integradora do contrato”   
[11] Para uma distinção mais impressiva entre mútuo real e mútuo consensual v ide Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124.º, n.ºs 3809 e 3810, págs. 254 e segs. 
[12] cfr. Antunes Varela, in op. loc. cit. pág. 271 e 274, quanto à necessidade de ter em conta a função económica do contrato para definição da gratuitidade ou onerosidade do contrato de mútuo. 
[13] cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, “Anteprojecto do Livro das Obrigações”, págs. 67 e segs., citado por Antunes Varela, in op. loc. cit, pág. 254 e 255. 
[14] Cfr. neste sentido Mota Pinto, Carlos , in “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 2012, 4.ª edição, editada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 434. 
[15] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 227; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1966, pág. 169/170.
[16] Cfr. Manuel Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica – Facto Jurídico em especial o Negócio Jurídico”, vol. II, Coimbra, 1953, Almedina, pág. 169.
[17] Cfr. Manuel Andrade, in op. loc. cit., pág. 198.
[18] cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2012, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.pt

[19] cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-05-2012, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, disponível em www.dgsi.pt., em que a propósito desta temática se escreveu (sic): ““A lei portuguesa supõe a classificação entre simulação absoluta e relativa no art. 241º, sob a epígrafe “simulação relativa”. O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade.

Trata-se de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, pág. 845). A atipicidade deriva do facto dos simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art. 243º, nº1).

(…) Enquanto o negócio simulado é sempre nulo (art. 240º, nº2), o negócio dissimulado fica sujeito a uma valoração jurídica autónoma, destinada a verificar se os requisitos legais de validade para o negócio em causa foram ou não observados com a celebração do negócio simulado. Se houverem sido, o negócio dissimulado é válido; se não foram, o negócio será nulo ou anulável, conforme o vício que estiver em causa.

A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico.

 “I – Por via de regra, pelo menos, identifica-se o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência. II – É no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade “fazendo crer que”, como é próprio da simulação, que há o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros”. - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.5.1995, CJSTJ, 1995, II, 118.

A divergência entre a vontade real e a manifestada pode ser intencional ou não intencional. A simulação é sempre uma divergência intencional.

O art. 240°, nº1, estabelece os seus requisitos: A existência de um pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado; e o intuito de enganar terceiros.

Segundo Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005 – 413:

“A vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado (Geschäftswille) — consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração.

É uma vontade efectiva correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarado”.

 “A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar” – Henrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português” – 1992, pág.536.
Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova do requisito “intuito de enganar terceiros” pode ser feita de forma diríamos expressa – quando, por exemplo, existe um quesito a indagar sobre a intenção que é matéria de facto – ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções.”
[20] Neste sentido decidiram, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 26/01/06, Proc. nº 05S3228, 17/06/08, Proc. nº 08A1700, e de 16/10/12, Proc. nº 5726/03.4TBSTS.P2, todos disponíveis em www.dgsi,.pt.
[21] Ac. do STJ de 7/12/05, Proc. nº 05B3853, in www.dgsi.pt .

[22] Eram os seguintes os enunciados de facto que haviam sido propostos pelo tribunal para prova da matéria alegada pelos litigantes, quanto dos requisitos “intuito de enganar terceiros” e “pactum simulationis: “3. O filho da A. e o R. combinaram entre si que aquele se confessasse devedor da quantia de PTE 18.064.000$OO?

4. Como se de um empréstimo se tratasse?

5. E que em garantia desse pagamento fosse constituída hipoteca sobre o prédio rústico identificado em e), dos factos assentes?

6. Pretendiam enganar os netos da A., filhos do falecido EE?

7. Diminuindo o acervo hereditário no caso do decesso da A.?

8. E fossem os bens da herança a responder pelo pagamento de tal quantia?

[23] “O mandatário vincula-se, assim, pelo mandato, à prática de um acto jurídico. Como melhor resultará da formulação do outro elemento essencial – o agir por conta – o acto jurídico em causa é um acto jurídico alheio, aparecendo, assim, o mandato como um contrato e cooperação jurídica entre sujeitos.” – cfr. Costa Gomes. Manuel Januário, “Contrato de Mandato”, inerido em “Direito das Obrigações”, vol. III, Lições coordenadas pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, pág. 273.   
[24] cfr. Mota Pinto, Carlos Alberto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, pág. 356.

[25] Cfr. Pessoa Jorge; DD, “O mandato sem representação”, Edições Ática, Lisboa, 1961, pág. 17, 19 e 20. Quanto à distinção entre mandato e representação, na jurisprudência, vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de Ac. STJ de 05-07-2007 (João Camilo): “A confusão entre contrato de mandato e procuração vem de antes da entrada em vigor do Código Civil de 1966, conforme se pode ver exaustivamente na interessante obra de HH Leitão Pais de Vasconcelos, denominada “ A Procuração Irrevogável “, editada pela Almedina, que vamos seguir de perto, na exposição que vamos efectuar.

Na mesma obra, é feita referência à clarividente opinião de Ferrer Correia que, além de fazer a distinção, faz uma identificação das razões que conduziram à confusão das duas figuras e expõe o modo como foi operada a distinção.

Assim sendo, hoje já não há dúvidas de que procuração e mandato são negócios jurídicos diferentes, sendo a primeira um negócio unilateral e o segundo um contrato.

A procuração limita-se a outorgar poderes de representação, enquanto o contrato de mandato, como negócio bilateral que é, não tem a ver com a referida outorga de poderes de representação, mas antes com a constituição da obrigação de alguém praticar determinados actos jurídicos por conta de outrem.

A procuração é um negócio incompleto, no dizer de Oliveira Ascenção – in Direito Civil, vol. II, pág. 273 -, querendo com a mesma exprimir a ideia de que, em princípio, a procuração encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de um modo independente. A mesma funciona em conjunto com uma relação jurídica que lhe está subjacente, tendo o próprio Código Civil, no seu art. 265º, nº 1, previsto a existência da relação subjacente, nomeadamente quando liga a subsistência da procuração à relação que lhe serve de base, ou quando no art. 264º nº 4 regula o recurso pelo procurador a auxiliares.

Pela procuração, o dominus outorga poderes de representação, em consequência do que os actos praticados pelo procurador no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos directamente na esfera daquele dominus. Apesar disso, da procuração não resulta nenhuma obrigação de o procurador exercer esses poderes e nem resulta, normalmente, qualquer indicação sobre como os deverá exercer.” No mesmo sentido os acórdão de 13-06-2010, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos; de 17 de Maio de 2011, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, numa abordagem mais específica sobre a figura da procuração irrevogável, e ainda o acórdão de 20-03-2011, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, centrando-se na figura do mandato comercial.”   
[26] cfr. Costa Gomes, Manuel Januário, op. loc. cit. págs. 283 a 293.
[27] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de  22/6/04, proferido no Proc. 04A1937.