Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
91/23.6JBLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
VIOLAÇÃO
RAPTO
CIDADÃO ESTRANGEIRO
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PENA DE EXPULSÃO
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 03/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O conceito de estrangeiro residente no país, tem como pressuposto ser titular de uma autorização de residência válida, tal como resulta do art. 74.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 04-07 (Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros de Território Nacional);

II - Em matéria de pena acessória de expulsão, apesar de o legislador no art. 151.º do referido diploma, fazer a distinção, em relação aos seus pressupostos de aplicação, entre “cidadão estrangeiro não residente no país” (n.º 1) e “cidadão estrangeiro residente no país” (n.º 2), sendo mais garantístico em relação aos cidadãos estrangeiros residentes, quer em relação à pena da condenação que permite a expulsão, quer à ponderação das circunstâncias pessoais do condenado e sua ligação ao país, entendemos que, mesmo em relação aos estrangeiros não residentes, deve ser ponderada, na aplicação da pena acessória, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial, como a lei exige para cidadão estrangeiro residente no país (n.º 2 do preceito).

III - Estes critérios, associados aos critérios gerais de aplicação das penas, são a baliza para o julgador aferir da necessidade ou desnecessidade de aplicação, aos cidadãos estrangeiros, da pena acessória de expulsão, tendo em consideração que a pena acessória de expulsão não é de funcionamento automático, por força da aplicação do art. 30.º, n.º 4 da CRP e entendimento consolidado da jurisprudência deste STJ, sufragado pelo tribunal Constitucional.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., por acórdão de 4 de Novembro de 2024, foi o arguido AA, no que a este recurso interessa, condenado nos seguintes termos:

- Pela prática de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo ar-tigo 152º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.ºs 1, alí-nea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- Pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.ºs 1, alí-nea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pela prática de um crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- Em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos de prisão;

- Na pena acessória de expulsão, ficando interdito de entrar em Portugal pelo período de 4 (quatro) anos.

2. Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, retirando da motivação, as conclusões: (transcrição)

I

O Recorrente foi condenado numa Pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva, o que se revela manifestamente excessivo dado o circunstancialismo factual e de direito supra exposto nas motivações. Atente-se,

II

Foi o arguido AA, condenado ;

1. pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo art.º 152º, n.ºs 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2. pela prática de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

3. pela prática de 1 (um) crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

4. pela prática de 1 (um) crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

5. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em i. a iv., nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, condenar o Arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão;

6. Condenar o Arguido na pena acessória de proibição de contacto com a Ofendida BB, pelo período de 4 (quatro) anos, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, quando ocorrer a respetiva libertação, nos termos do disposto no art.º 152º, n.ºs 4 e 5,

7. Condenar o Arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de arma, pelo período de 4 (quatro) anos;

8. Condenar o Arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do disposto no art.º 152º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal;

9. Condenar o Arguido na pena acessória de expulsão, ficando este interdito de entrar em Portugal pelo período de 4 (quatro) anos;

10. Condenar o Arguido no pagamento de indemnização no montante de €15.000,00 (quinze mil Euros) à Ofendida BB, a título de reparação pelos prejuízos sofridos;

11. Condenar o Arguido / Demandado no pagamento à Unidade Local de Saúde..., da quantia de €246,16 (duzentos e quarenta e seis Euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, desde a data da notificação do pedido cível até efetivo e integral pagamento;

-Tendo sido fixada e aplicada a pena única de 8 (oito) anos de prisão. Ora,

III

Considera a defesa que não foi tida em conta o relatório social nomeadamente na parte em que menciona “ as dificuldades na compreensão do seu percurso vivencial, especialmente no pais de origem, tendo o arguido apresentado lacunas em termos de matéria remota, o que não temos como aferir eventuais causas. Essas dificuldades foram idênticas nas suas duas entrevistas presenciais.” Mais,

IV

O douto acórdão não revelou a questão suscitada no relatório social, o qual refere que “Ao nível das relações interpessoais, surgem questões quanto à sua forma de agir perante terceiros, especialmente numa relação de maior proximidade afectiva, onde parece prevalecer um pensamento rígido e de acordo com a sua vontade, agindo de forma impulsiva em caso de contrariedade, o que suscita questões quanto a eventuais problemas de saúde mental, o que beneficiaria de diagnóstico prévio, que pudesse permitir uma melhor compreensão e controlo dos seus comportamentos.” Note-se que,

V

Este diagnóstico prévio que pudesse permitir uma melhor compreensão e controlo dos comportamentos do arguido, sugerido no relatório social pela técnica de reinserção social, nunca chegou a ser realizado, pese embora a defesa também tenha requerido uma perícia psicológica/psiquiátrica, mas no entanto a mesma foi indeferida. Observe-se,

VI

Que o arguido já beneficiou de algum acompanhamento psicológico e de terapêutica medicamentosa para dormir.

VII

Mais, o Arguido/Recorrente encontra-se perfeitamente integrado socialmente e familiarmente, na comunidade nacional onde inclusive já desenvolveu laços sociais e de amizade. Note-se que,

VIII

Tem beneficiado de visitas da progenitora e dos irmãos que residem em Portugal à 21 (vinte e um) anos.

IX

Conforme refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2018, proferido no âmbito do processo nº 2147/08: “ a decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse publico, a necessidade de ingerência e a prossecução das finalidades referidas no artº 8, nº 2 Convenção Europeia, e os direitos do individuo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida…”

X

No caso do Arguido/Recorrente, o principal fundamento apresentado pelo douto Tribunal ad quo para determinar a pena acessória de expulsão do território nacional, com a proibição de entrada pelo período de 4 (quatro) anos foi “a extrema gravidade dos factos por este praticados, a personalidade violenta e sem controlo por estes demonstrada e a falta de empatia pela vítima e de auto juízo crítico evidenciadas pelo Arguido ao longo do julgamento, por se considerar verificados os pressupostos a que alude o citado art.º 151º da Lei n.º 23/07, de 04.07.”

XI

Mas na verdade é que no contexto prisional o Arguido/Recorrente tem mantido um comportamento institucional correto, sem registo de qualquer situação anómala, ocupando o tempo em atividades recreativas;

XII

O Arguido/Recorrente deslocou-se para Portugal, no primeiro trimestre de 2022, onde passou a residir num quarto arrendado na ... até ser preso para cumprimento da medida de coação preventiva. Ora,

XIII

Acresce que o Arguido/Recorrente não tem antecedentes criminais; Por outro lado,

XIV

Atendendo ao tempo já decorrido em que o Arguido/Recorrente se encontra detido preventivamente, será de formular um juízo de prognose positivo relativamente ao comportamento futuro do mesmo.

XIV

Termos em que deve o Arguido/Recorrente ser absolvido da pena acessória de expulsão do território nacional, com proibição de entrada pelo período de 4 (quatro) anos.

XV

Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, deve a pena acessória de expulsão ser reduzida atentas todas as circunstâncias já descritas quanto aos laços criados pelo Arguido/ Recorrente com a comunidade portuguesa, a ausência de antecedentes criminais e o juízo de prognose positivo quanto à capacidade de ressocialização positiva do mesmo.

XVI

Considerando todas as envolventes do comportamento do Arguido, tendo em conta as exigências de reprovação e prevenção da prática de futuros crimes e os demais fatores estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal, face ao quadro punitivo aplicável, entende-se adequada a aplicação ao Arguido de uma pena inferior à aplicada, diminuindo se as penas parcelares pelo mínimo legal a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas (art. 18.º, n.º 2 C.R.P.), nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do Arguido, mostrando-se proporcional e adequada.

XVII

Pelo que, a pena encontrada pela instância violou o disposto no art. 71º, 77º e 40º todos do C.P..

XVIII

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser alterada a Douta Decisão recorrida, considerando-se o recurso interposto procedente, e condenar a Arguido, pela prática de um crime de violência domestica, dois crimes de violação, e um crime de rapto, devendo assim a medida concreta da pena principal, ser reduzida de acordo com os critérios legais previstos nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal, bem como ser absolvido da pena acessória de expulsão do território nacional, com proibição de entrada pelo período de 4 (quatro) anos, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio deverá a medida da pena acessória de expulsão do território nacional aplicada ser reduzida.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta. (fim de transcrição)

3. O Ministério Público na 1ª Instância apresentou resposta, retirando da respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição)

1.Por Acórdão proferido nos presentes autos foi o arguido AA condenado

pela prática de:

2. O crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, als. b), e 2, al. a) do CP é punível com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos;

3. O crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.ºs 1 e 2, do CP, é punível com pena de prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos; e

4. O crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161.º, n.º 1, al. b), do CP é punível com pena de

prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

5. No caso sub judice, temos, como fatores de valoração que militam a favor do

Recorrente:

- Não ter averbado quaisquer antecedentes criminais no seu CRC;

- Ter hábitos de trabalho;

- Beneficiar do apoio familiar.

6. Por outro lado, agrava a ilicitude o facto de o arguido:

- Demonstrar falta de capacidade em gerir emoções em consonância com as exigências da situação em concreto, não demonstrando competências para ajuizar criticamente algumas situações com que se depara;

- Não efectuar um juízo apropriado relativamente aos factos que levaram à instauração do presente processo judicial, demitindo-se do seu envolvimento, não efectuando também um reconhecimento adequado do impacto dos seus actos na ofendida.

7. O arguido agiu sempre com dolo directo, o que adensa o grau da respectiva culpa.

8. Relativamente à ilicitude, ela é considerável, não se podendo olvidar as consequências, sobretudo psíquicas, que advieram para a ofendida, então sua companheira, dos factos praticados pelo arguido durante o tempo que durou a relação amorosa.

9. O alarme social causado pela comissão destes tipos de crimes é muito grande, sendo, assim, a prevenção geral elevada.

10. Sopesando todas as considerações expendidas no Acórdão recorrido atinentes à culpa, ilicitude, prevenção geral e especial, tem-se por equilibrada e justa as penas parcelares de:

- 3 (três) anos e 6 (seis) meses pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravado;

- 4 (quatro) anos de prisão pela prática de 1 (um) de crime de violação;

- 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) de crime de violação (tendo em consideração o que ficou expresso no acórdão, nomeadamente o facto do Recorrente ter reiterado a sua conduta de molestar sexualmente BB e tendo tais factos ocorrido num período em que a Ofendida já tinha deixado bem claro que não mais queria relacionar-se amorosamente com o Arguido, assumem estes maior gravidade, impondo, por conseguinte, que sejam mais severamente punidos); e

- 4 (quatro) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de rapto.

11. A pena aplicável ao concurso de crimes, conforme resulta do art.º 77.º, nºs 1 e 2, do CP, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar vinte e cinco anos de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

12. In casu, os limites abstratos da pena única variam entre o mínimo de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 16 (dezasseis) anos de prisão (soma das penas parcelares).

13. Na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

14. No caso sub judice, há desde logo a considerar a elevada gravidade dos factos.

15. Bem como a personalidade do Recorrente, projetada nos factos em concurso, que revela fracas competências para ajuizar criticamente as situações em apreço, o período temporal em que as mesmas decorreram, a personalidade violenta e impulsiva e, como se refere no acórdão, “sem esquecer a culpa e as consideráveis necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, bem como a ausência de antecedentes criminais registados”.

16. Neste contexto, a proporcionalidade entre a intensidade das consequências pessoais da pena única e o interesse social na punição, revelam que a pena de 8 (oito) anos de prisão, aplicada pelo tribunal a quo, situada no ponto médio da moldura legal abstrata do concurso, mostra-se equilibrada e justa, não merecendo censura.

17. O regime jurídico substantivo da pena acessória de expulsão resulta do preceituado no art.º 151.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho (a apelidada “Lei dos Estrangeiros”).

18. O Recorrente veio para Portugal em Outubro de 2021, integrando o agregado materno.

19. Até essa data tinha vivido em S. Tomé, país de onde é natural, inicialmente no agregado familiar e, posteriormente, passou a integrar o agregado de uma das suas irmãs, na sequência da deslocação da progenitora para Portugal, na procura de melhores condições de vida.

20. Abandou precocemente a escola, colaborando com a irmã na venda de peixe nos mercados e na recolha de madeira para revenda. Posteriormente exerceu atividade piscatória, até aos 32 anos de idade, passando depois a trabalhar para os serviços camarários da sua zona residencial, na limpeza e manutenção de ruas.

21. Deixou quatro descendentes, de duas relações afetivas distintas, no seu país de origem.

22. Em contexto prisional, tem mantido um comportamento institucional correto, sem registo de qualquer situação anómala, ocupando o tempo em atividades recreativas.

23. Já beneficiou de algum acompanhamento psicológico e de terapêutica medicamentosa para dormir.

24. Tem beneficiado de visitas regulares da progenitora e irmãos.

25. Porém, o Recorrente não demonstrou qualquer empatia pela vítima, nem juízo de autocensura e arrependimento pelos factos praticados.

26. Face ao exposto, não sendo a de expulsão obrigatória justifica-se, no entanto, amplamente no vertente caso: por um lado, pela gravidade dos factos praticados (crimes de violência doméstica, de violação e de rapto), por outro, a personalidade violenta, demonstrada nos factos praticados, a falta de empatia pela vitima e de autocensura da sua conduta, sendo que apenas reside em Portugal desde o ano de 2021.

27. Nada a censurar, pois, quanto à condenação do Recorrente na pena acessória de expulsão.

28. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.

29. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado. (fim de transcrição)

4. Neste Supremo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

5. Notificado o recorrente não houve resposta.

Realizado o exame preliminar, colhidos os vistos, cumpre decidir.

II Fundamentação

6. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça1 e da doutrina2 no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.3

Da leitura dessas conclusões, o recorrente coloca a este Supremo Tribunal, a questão da medida das penas, parcelares e única, bem como a pena acessória de expulsão.

Vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados.

7. Estão provados os seguintes factos: (transcrição)

1. A vítima BB e o Arguido AA conheceram-se em São Tomé, donde são naturais;

2. Em data indeterminada, mas pelo menos no 1º trimestre de 2022, o Arguido veio morar para Portugal e a vítima fê-lo em fevereiro de 2023, ficando esta última a residir com os seus tios paternos, em ...;

3. O Arguido residia num quarto, que arrendara, num apartamento sito na Praceta ..., em ..., concelho de ...;

4. Apesar da vítima e do Arguido terem mantido o contacto, a partir da vinda para Portugal da vítima, ocorreu uma aproximação entre ambos, vindo a iniciar uma relação de namoro entre si no final do mês de abril de 2023;

5. Em dia indeterminado do mês de maio de 2023, quando se encontravam no quarto onde o Arguido residia, motivado por ciúmes, uma vez que a vítima contactava amiúde o pai dos filhos, o Arguido quis enviar uma fotografia íntima deste com BB, do telemóvel da vítima para o pai dos filhos desta;

6. A vítima pediu ao Arguido para não enviar a fotografia, ao que este retorquiu, desferindo-lhe, pelo menos, uma bofetada, na cara, e atirando-a para cima da cama, enviando, contra a vontade da vítima, a referida fotografia;

7. No início de julho de 2023, o Arguido e a vítima passaram a viver em união de facto, no quarto onde o Arguido habitava, ocasião em que a vítima estava desempregada e o Arguido de férias;

8. O Arguido comprou à vítima um telemóvel novo, e, quando passaram a viver juntos, exigiu-lhe que deixasse de usar o que tinha anteriormente;

9. BB apenas podia usar o telemóvel sob a supervisão do Arguido, o qual atendia o telefone e respondia a mensagens, como se tratasse da vítima, insultando, por vezes, os destinatários, fazendo passar-se por esta;

10. Em casa, o Arguido estava sempre junto à vítima, nunca a deixando sozinha com os outros residentes, nem permitindo que falasse com os demais, bem como a acompanhava para todos os lugares, controlando os seus movimentos e privando-a da sua autonomia, nomeadamente quando esta estabelecia contactos com a sua família e amigos, impedindo-a de contar o que se passava;

11. Em data não apurada, a vítima entabulou conversação com outra moradora do apartamento e, momentos mais tarde, junto as uns contentores do lixo, colocados na rua onde viviam, o Arguido, desagradado com essa conversa, desferiu uma chapada na vítima;

12. Enquanto viviam juntos, além do supra descrito, o Arguido, por diversas vezes, motivado pelo facto de a vítima querer falar com outras pessoas, designadamente o pai dos filhos, desferiu-lhe bofetadas e palmadas na cara e ao longo do corpo, bem como lhe dizia que era bandida e que queria trazer homens;

13. Em data não concretamente apurada do mês de julho de 2023, o Arguido e a vítima encontravam-se em casa da mãe do Arguido, em ..., tendo ocorrido uma discussão, a propósito de um telemóvel, no decurso da qual o Arguido desferiu diversas bofetadas na vítima;

14. Em dia não concretamente apurado do mês de julho de 2023, quando o Arguido e a vítima se encontravam no referido quarto, estando BB deitada na cama, esta recusou manter relações sexuais anais com o Arguido;

15. Desagradado, o Arguido bateu-lhe, com um prato, no braço, causando uma ferida na parte superior do braço;

16. De seguida, o Arguido desferiu pancadas na vítima e agarrou a vítima pelos braços e imobilizou-a, segurando-lhe os pulsos, de barriga para baixo, na cama e introduziu e friccionou o pénis no seu ânus, apesar de a vítima lhe dizer que parasse e que não queria manter essa forma de trato sexual;

17. Ao fim de algum tempo, uma vez que a vítima chorava, o Arguido cessou a sua atuação;

18. Em dia não concretamente apurado do mês de julho de 2023, o Arguido e a vítima foram a casa da mãe deste, tendo o Arguido tentado bater na vítima, no que foi impedido pela sua mãe;

19. A mãe do Arguido auxiliou a vítima a contactar com a cunhada, que lhe providenciou um serviço de Uber de ... até à ..., onde o irmão residia, e onde ficou a residir, por uma semana, após o que regressou a casa do tio CC, no Bairro do ..., em ..., para encontrar trabalho;

20. Durante este período, a vítima manteve contacto com o Arguido, para que este lhe devolvesse os pertences, entre eles os seus documentos, ao que este dizia que apenas o fazia se esta fosse ter com ele;

21. Como a vítima logrou obter um emprego pediu, mais uma vez, ao Arguido, os seus pertences, combinando encontrarem-se na estação do ..., em ..., por volta das 10h30, no dia 02 de agosto de 2023;

22. A vítima foi acompanhada de um familiar, DD, ali chegando pelas 11h15 e encontrando-se com o Arguido na paragem de autocarro, no ..., em ...;

23. De imediato, tendo intenção de com a vítima manter relações, sabendo que aquela não o desejava, de forma a concretizar o seu propósito, o Arguido, logo formulou um plano para levar a vítima consigo e perguntou-lhe se precisava de segurança e insistiu para falarem a sós, de forma agressiva e aos gritos, ao que esta anuiu;

24. A vítima deslocou-se com o Arguido, em direção à Estação do ..., tendo subido as escadas, onde se encontrava uma mala de viagem com os seus pertences, tendo pegado na mesma;

25. Contudo, o Arguido orientou a vítima de forma a voltarem ao piso exterior da Estação do ..., onde se dirigiram à zona de táxis;

26. Quando a vítima se recusou a entrar no táxi, o Arguido disse-lhe, em tom sério, que se não entrasse iria rasgar-lhe a roupa e deixá-la nua, na rua, o que fez com que esta entrasse no táxi, em direção a ..., tendo estes discutido durante o percurso;

27. No percurso, o Arguido solicitou ao taxista para parar numa Bomba de Gasolina, perto do ...;

28. Na Bomba de Gasolina, nas imediações do ..., a vítima atendeu uma chamada do seu tio CC, tendo dito ao tio que estava com o Arguido, para ir buscar os seus documentos e pertences;

29. Após desligar a chamada, o Arguido ficou violento e, puxando-o, tirou o telemóvel à vítima, bem como a sua mala pessoal e rasgou uma outra mala e o Cartão Navegante de transporte;

30. O Arguido encaminhou a vítima para um jardim, nas imediações da dita Bomba de Gasolina, e retirou-lhe as sapatilhas;

31. Encaminharam-se à estação de metro do ..., entraram no metro, e, depois, apanharam um comboio com destino a ...;

32. No percurso entre a estação de ... e a residência, sempre que a vítima tentava afastar-se do Arguido, este segurava-lhe o braço;

33. Durante o percurso, os telemóveis da vítima e do Arguido tocavam, frequentemente, por via das chamadas de familiares preocupados com a vítima, e, por vezes, o Arguido deixava-a falar, sempre com a sua supervisão;

34. Numa dessas chamadas, a vítima referiu ao seu tio paterno que estava sequestrada, o que motivou que o Arguido, de imediato, puxasse o telemóvel e o desligasse;

35. Quando chegaram à residência foram para o quarto, onde o Arguido ordenou à vítima que tirasse a roupa e fosse para a cama, advertindo-a, que caso não o fizesse iria rasgar-lhe as roupas;

36. A vítima fez o que o Arguido lhe disse, enquanto este lhe dizia, repetidamente, que queria fazer sexo;

37. A vítima referiu-lhe que não havia condições para tal, contudo o Arguido disse-lhe que estava com vontade e que tinha que o fazer;

38. A vítima reiterou que não queria, contudo quando o Arguido insistiu e desta se aproximou, receosa de ser molestada fisicamente, a vítima ficou quieta e sem reação e o Arguido, aproveitando-se desse facto, introduziu o pénis na vagina da vítima, sem uso de preservativo, aí o friccionando até ejacular;

39. Após o Arguido conversou com a vítima, dizendo-lhe que iria mudar, persistindo para reatarem a relação, ao que aquela, considerando como boas as palavras do Arguido, acedeu a manter com ele uma relação sexual consentida, com penetração vaginal, sem uso de preservativo;

40. Após o Arguido insistiu com a vítima para que reatassem a relação, ao que esta se negou, tendo o Arguido, então, rasgado diversos documentos da vítima;

41. O Arguido pegou, entretanto, no passaporte da vítima, o que motivou que esta lho tentasse tirar e começasse a gritar;

42. De seguida, a vítima insistiu, por diversas vezes, que se queria ir embora, o que motivou que o Arguido lhe amarrasse os braços, atrás das costas, e os pés com panos;

43. Entretanto, os familiares da vítima foram bater à porta da casa e o irmão do Arguido telefonou-lhe, tendo a vítima gritado;

44. Ato continuo, o Arguido desligou a chamada e encaminhou-a em direção à porta das traseiras da residência, percorrendo as imediações da casa;

45. O Arguido e BB jantaram, não tendo a vítima pedido auxílio, com receio da reação do Arguido;

46. Nessa noite o Arguido e BB pernoitaram na rua, em ...;

47. Na manhã de dia 03 de agosto de 2023, o Arguido encaminhou a vítima até à estação de ..., em ..., afirmando que a iria deixar ir para casa;

48. Em ..., o Arguido disse que iria comprar um bilhete, contudo comprou dois bilhetes de autocarro;

49. O Arguido deu-lhe indicações para irem em direção aos autocarros, contudo, no percurso, a vítima viu um grupo de motorista de autocarros e, aí, decidiu colocar-se no meio dos mesmos e pedir ajuda;

50. O Arguido abandonou o local;

51. O Arguido quis e agiu do modo descrito, sabendo que, de forma recorrente, molestava física, psíquica e sexualmente a vítima, bem como a coartava na sua liberdade de decisão e locomoção, ao impor-lhe a sua presença, controlar o uso do telemóvel e o modo como se relacionava com terceiros;

52. O Arguido quis, assim, com as suas condutas, maltratar BB, ofendendo-a na sua integridade física e psíquica, assim como na sua honra e bom nome;

53. O Arguido sabia que ao aceder ao telemóvel da vítima, tomar conhecimento do seu conteúdo e enviar fotografias íntimas da mesma, contra a sua vontade, invadia a sua vida privada, violava a sua intimidade e punha em causa a sua liberdade e autodeterminação;

54. Bem sabia o Arguido que as suas condutas se tratavam de meio adequado a produzir, como produziram, as mazelas físicas, humilhação, medo, insegurança e inquietação permanente, o que quis e logrou conseguir;

55. O Arguido agiu, sempre, com o propósito de manter com BB relações sexuais vaginais e anais, e, assim, satisfazer os seus desejos sexuais, o que logrou;

56. Bem sabendo que a vítima não desejava manter com ele relações sexuais, de qualquer natureza, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas e, para ultrapassar a recusa da vítima, quis e recorreu à força, à agressão física, à ameaça e intimidação para ultrapassar a sua resistência e melhor alcançar o seu propósito, bem como se prevaleceu do medo que a sua atuação causou à vítima e que a impediu de se opor às suas pretensões, como bem sabia que sucederia;

57. Entre os dias 2 e 3 de Agosto de 2023, ao agir da forma descrita, o Arguido quis e logrou privar a vítima da sua liberdade de locomoção e decisão, compelindo-a, pela força física e ameaça séria e grave, a acompanhá-lo ao longo dos concelhos de ..., ... e ..., bem como a manter-se em casa do Arguido, impedindo-a de sair e manietando-a, com o propósito de com ela manter relações sexuais, estando o Arguido ciente de que agia contra a vontade da vítima, que não o pretendia acompanhar nem com ele manter relações sexuais, nem deslocar-se/permanecer na residência do Arguido;

58. Bem sabia que, ao agir da forma descrita, condicionava gravemente a vida e bem-estar psico-social e que violava a liberdade e auto-determinação, incluindo sexual, de BB, ofendendo-lhe a respetiva dignidade humana e pondo em perigo a sua saúde física e psíquica;

59. Ao atuar das formas descritas estava o Arguido ciente de que o fazia, por vezes naquela que era a residência comum de ambos e que a vítima era e tinha sido sua namorada e companheira, com quem havia vivido em condições análogas às dos cônjuges;

60. Agiu o Arguido, em tudo, livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

B – Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pela Unidade Local de Saúde...

61. Em consequência das lesões infligidas pelo Arguido, nos termos infra descritos, a Unidade Local de Saúde... prestou, em 03 de agosto 2023, assistência hospitalar a BB, no valor de €246,16 (duzentos e quarenta e seis Euros e dezasseis cêntimos);

C – Das Condições Pessoais do Arguido:

62. AA regista um processo evolutivo decorrido no país de origem, no agregado familiar, na altura constituído pelos pais e irmãos;

63. No início da fase adulta passou a integrar o agregado de uma das irmãs, na sequência da deslocação da progenitora para Portugal, na procura de melhores condições de vida;

64. O progenitor, embora presente no seu crescimento, não constituiu figura de relevo no seu processo educativo;

65. AA cresceu em zona socio e economicamente desfavorecida;

66. O Arguido adquiriu apenas alguns conhecimentos de escrita, ainda que com maior dificuldade ao nível da leitura;

67. As primeiras experiências laborais, após o abandono escolar precoce, foram em colaboração com a progenitora e irmã, na venda de peixe, em mercados, e na recolha de madeira para revenda;

68. Por volta dos dezanove anos de idade realizou trabalhos indiferenciados, através da venda de artigos diversos, em mercados, nomeadamente roupa, sacos de plástico e areia, colaborado nas despesas do lar familiar;

69. Posteriormente, exerceu atividade piscatória, até aos 32 anos de idade, passando depois a trabalhar para os serviços camarários da sua zona residencial, na limpeza e manutenção de ruas;

70. AA veio para Portugal, em outubro de 2021, integrando o agregado materno, na zona de ....

71. No país de origem, o Arguido deixou quatro descendentes, de duas relações afetivas distintas;

72. Após uma permanência de cerca de cinco meses em casa da progenitora, optou pelo arrendamento de um quarto, na zona de ..., espaço habitacional em que viveu com BB;

73. Umas semanas após a sua chegada a Portugal, o Arguido iniciou funções, no setor da construção civil, na montagem de andaimes, auferindo remuneração salarial na ordem dos €750,00 (setecentos e cinquenta Euros) mensais;

74. Em período precedente à atual prisão, o Arguido exercia funções na montagem de andaimes, na zona de ...;

75. Não há conhecimento de qualquer prática aditiva por parte do Arguido;

76. No presente contexto prisional o Arguido tem mantido um comportamento institucional correto, sem registo de qualquer situação anómala, ocupando o tempo em atividades recreativas;

77. Já beneficiou de algum acompanhamento psicológico e de terapêutica medicamentosa para dormir;

78. Tem beneficiado de visitas regulares da progenitora e irmãos;

79. O Arguido não demonstrou qualquer empatia pela vítima, nem juízo de auto censura e arrependimento pelos factos praticados, supra descritos;

80. O Arguido não tem antecedentes criminais registados. (fim de transcrição)

8. Apreciando

O arguido reclama da medida das penas parcelares concretas, da pena única e da pena de expulsão.

8.1 Analisemos as penas parcelares.

O legislador estatui como parâmetros de determinação da medida da pena que a mesma que deve ser fixada - “(…) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” visando a aplicação das penas “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo ser ainda levado em conta “(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)” considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (artigos 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2) do mesmo código.

A densificação jurisprudencial destes critérios tem sido feita, por este Supremo Tribunal de Justiça, de modo a considerar e ponderar o equilíbrio entre “exigências de prevenção geral”, a “tutela dos respectivos bens jurídicos”, a “socialização do agente” e o seu grau de culpa, enquanto limite da pena.

Como escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ponderando os referidos equilíbrios, “(...) Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente”,4 ou “(...) a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível”5.

Ao nível doutrinal, Figueiredo Dias, considera que a medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto (...) a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida".6

No mesmo sentido, Fernanda Palma considera que, “(…) A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos – prevenção geral negativa, incentivar a convicção de que as normais penais violadas são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos – prevenção geral positiva. A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral”.7

Ainda, no mesmo sentido, Anabela Rodrigues considera também que a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada (…)”. Acrescenta a autora, que a prevenção especial se traduz na “(…) necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto, mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes”, sendo certo que ambas são balizadas pela culpa “ (…) a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (…) Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado”.8

Neste mesmo sentido, Figueiredo Dias considera, “(…) culpa e prevenção são assim dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena ( em sentido estrito ou de determinação concreta da pena”)9, acrescentando, “ (…) comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente».10

Ainda a este propósito, Germano Marques da Silva, considera “A pena criminal é na sua natureza retribuição ou repressão, constitui a reacção jurídica ao crime. Ao mal do crime corresponde a pena, traduz a reacção à culpabilidade do delinquente pelo mal do crime. Mas, em sendo repressão ou retribuição, pela sua própria natureza, ela há-de servir para realizar as finalidades que a lei lhe assinala: protecção dos bens jurídicos e reintegração do na sociedade. Estas finalidades são as chamadas finalidades de prevenção, geral e especial”.11

Enunciados os grandes princípios jurisprudenciais e doutrinais em matéria de medida da pena, vejamos, antes de mais, o pensamento do Tribunal recorrido nesta matéria.

O Tribunal recorrido, na interpretação destes mesmos preceitos legais, considerou, no que respeita à medida da concreta das penas, o seguinte: (transcrição)

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e a fixação da sua medida concreta.

Tal como ficou supra explicitado, ficou demonstrado nos presentes autos que o Arguido incorreu na prática:

- de 1 (um) crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, n.ºs 1, als. b), e 2, al. a) do Código Penal;

- de 2 (dois) crimes de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal; e

- de 1 (um) crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

O crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, n.ºs 1, als. b), e 2, al. a) do Código Penal é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

O crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, é punido com pena de prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos.

E o crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º, n.º 1, al. b), do Código Penal é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no artigo 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no artigo 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).

Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.

Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:

- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do princípio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);

- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;

- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss..

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:

- a ilicitude do facto;

- o modo de execução e suas consequências;

- grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- o grau de intensidade do dolo;

-as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;

- condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

No caso em apreço,

- o Arguido agiu com dolo direto, de elevada intensidade, revelando uma personalidade mal formada, com qualidades desvaliosas, profundamente distanciada do dever-ser jurídico-penal, indiferente à proteção e ao bem estar da sua Companheira, aproveitando-se das carências afetivas desta e do amor que esta nutria pelo mesmo, o que é merecedor de forte censura e que contra si milita severamente;

- as consequências dos crimes cometidos foram consideráveis, conforme ficou patente nas sevícias a que a Ofendida foi sujeita por parte do Arguido, que motivaram que esta não mais quisesse com este manter relacionamento amoroso, vontade que este não respeitou, persistindo em concretizar a sua vontade e satisfazer os seus desejos sexuais contra a vontade da Ofendida, demonstrando não ter qualquer respeito por aquela que foi sua namorada e companheira;

- o grau de ilicitude, e demérito da ação, é igualmente elevado;

- o Arguido negou os factos que lhe são imputados, escudando-se em alegados ciúmes da Ofendida, o que é revelador que este não interiorizou as consequências dos seus atos, revelando fraco juízo crítico e reduzida interiorização do desvalor dos factos por si praticados, não demonstrando qualquer tipo de arrependimento ou empatia pelo sofrimento com estes causado a BB;

- as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no tipo de crimes de violência doméstica, violação e rapto são prementes, dada a cada vez maior frequência com que os primeiros dois ocorrem e as consequências tão negativas para a saúde física e psíquica dos ofendidos.

O fenómeno da violência doméstica no nosso País tem sido sinalizado como um problema social a exigir medidas para a sua resolução, que têm vindo a ser adotadas, no que se insere à alteração nesta matéria através da revisão do Código Penal de 2007, assim como a adoção de um Plano Nacional contra a Violência Doméstica;

- as necessidades de prevenção especial, atendendo ao grau de violação dos deveres impostos e aos sentimentos revelados pelo Arguido são elevadíssimas.

Em benefício do Arguido não podemos deixar de ter presente que este não tem antecedentes criminais registados, beneficia de apoio familiar e regista hábitos de trabalho.

Assim sendo, atentas as molduras penais aplicáveis aos crimes cometidos pelo Arguido e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido:

- na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, n.ºs 1, als. b), e 2, al. a) do Código Penal;

- na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de 1 (um) de crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal;

- na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) de crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal, sempre se explicitando que tendo o Arguido reiterado a sua conduta de molestar sexualmente BB e tendo tais factos ocorrido num período em que a Ofendida já tinha deixado bem claro que não mais queria relacionar-se amorosamente com o Arguido, assumem estes maior gravidade, impondo, por conseguinte, que sejam mais severamente punidos; e

- na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º, n.º 1, al. b), do Código Penal. (fim de transcrição)

Como resulta da transcrição efectuada, o Tribunal recorrido fez uma aplicação proporcional e adequada dos critérios legais sobre a determinação da medida da pena.

Na verdade, o Tribunal recorrido ponderou e bem, o dolo directo com que o arguido actuou, o elevado grau de ilicitude manifestado no modo de execução dos crimes, persistência da sua intenção criminosa, motivo fútil no seu cometimento (ciúmes) e tirando partido dos sentimentos que a vítima nutria por si, o que a levou a acreditar na suas palavras e alegado arrependimento, em especial no crime de rapto e segundo crime de violação, tudo revelando um elevado grau de culpa.

O Tribunal recorrido ponderou ainda as circunstâncias favoráveis ao arguido, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais registados, apoio familiar e hábitos de trabalho.

Importa ainda salientar, como fez o Tribunal recorrido no seu douto acórdão, as fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crimes, dado o seu elevado número12 e o forte contributo para o sentimento de insegurança, por força do impacto que os mesmos têm na sociedade.

Tendo em conta o que fica dito e ainda a circunstância de o arguido “não demonstrou qualquer empatia pela vítima, nem juízo de auto censura e arrependimento pelos factos praticados”, é manifesto ser elevado o seu grau de culpa, sendo, por isso as penas em que o mesmo foi condenado, proporcionais e adequadas, satisfazendo ainda as demais finalidades das penas, não merecendo, por isso, qualquer censura.

8.2 Pena única

O arguido vem ainda reclamar da pena única em que foi condenado no cúmulo jurídico efectuado.

A este propósito, escreveu-se no acórdão recorrido: (transcrição)

Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art.º 77º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas.

Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art.º 77º do Código Penal (cfr., por todos, Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstrata, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a ação típica, isto é, nos factos.

Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma «carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).

Assim, no caso em apreço, a pena única a aplicar tem como limite máximo 16 (dezasseis) anos de prisão (correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos quatro crimes pelos quais o Arguido vai condenado) e como limite mínimo 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos, o período temporal em que decorreram, a personalidade violenta e impulsiva do Arguido neles espelhada, e sem esquecer a culpa e as consideráveis necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, bem como a ausência de antecedentes criminais registados por parte do Arguido, entende o Tribunal como ajustada a aplicação ao Arguido da pena única de 8 (oito) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152º, n.ºs 1, als. b), e 2, al. a) do Código Penal; de 2 (dois) crimes de violação, p. e p. pelo art.º 164º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), do Código Penal; e de 1 (um) crime de rapto, p. e p. pelo art.º 161º, n.º 1, al. b), do Código Penal.(fim de transcrição)

Vejamos.

O artigo 77º, nº 1 do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso, estatui “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Acrescenta o n.º 2, “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

No cúmulo jurídico, como resulta do nº1 do preceito, deverá ter-se em conta o conjunto dos factos e a gravidade dos mesmos ou, na expressão do legislador, são “considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Como refere este Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 05 de Junho de 2012, a “ pena única deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação ente si, mas sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. (…) Com a pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda considerar, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.”1314

No caso em apreço, tendo em consideração uma perspectiva global dos ilícitos e a personalidade do arguido, nomeadamente o seu percurso de vida, as suas condições pessoais e ausência de antecedentes criminais, é manifesto estarmos em presença da primeira situação criminal, circunscrita no tempo, ainda que pluriocasional.

É a partir da pena parcelar mais grave, que a pena única será mais ou menos agravada em função da perspectiva global do facto e da personalidade do agente, tendo sempre como limite a sua culpa e a preservação do princípio da proporcionalidade.

A pena única a aplicar tem como limite mínimo, a pena parcelar mais grave (4 anos e 6 meses de prisão) e como limite máximo 16 anos de prisão (correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos quatro crimes pelos quais o arguido foi condenado).

Assim, tendo em consideração, que a pena única deve ser encontrada tendo em conta a gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e tendo ainda em conta que a pena conjunta aplicada (8 anos de prisão) se situa um pouco abaixo da mediana dos parâmetros do cúmulo jurídico, entendemos que a mesma é adequada e proporcional à sua culpa, não merecendo a intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça.

Improcede, assim, a reclamada redução da pena única.

8.3 Pena de expulsão.

O recorrente vem ainda peticionar a não aplicação da pena de expulsão decretada no douto acórdão recorrido.

Na decisão recorrida, a propósito da condenação na pena acessória de expulsão, escreveu-se o seguinte: (transcrição)

O Ministério Público requereu, ainda, que Arguido seja condenado na pena acessória de expulsão, ao abrigo do disposto no art.º 151º, n.º 2, da Lei 23/2007, de 04.07.

Vejamos.

Nos termos do disposto no art.º 151º da Lei n.º 23/07, de 04.07 (na redação introduzida pela Lei n.º 56/2015, de 23.06): “1- A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses.

2 – A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro, com residência permanente, quando a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional”.

Ponderando a pena imposta ao Arguido, a extrema gravidade dos factos por este praticados, a personalidade violenta e sem controlo por estes demonstrada e a falta de empatia pela vítima e de auto juízo crítico evidenciadas pelo Arguido ao longo do julgamento, por se considerar verificados os pressupostos a que alude o citado art.º 151º da Lei n.º 23/07, de 04.07, consideramos ser de determinar a expulsão do Arguido, ficando este interdito de entrar em Portugal pelo período de 4 (quatro) anos. (fim de transcrição)

Vejamos.

O artigo 151º, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho (Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros de Território Nacional), sob a epígrafe “Pena acessória de expulsão”, consagra:

1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses.

2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

O conceito de estrangeiro residente no País, tem como pressuposto ser titular de uma autorização de residência válida, tal como resulta do artigo 74º e seguintes do referido diploma legal.

O artigo 135º do referido diploma, estabelece limites à expulsão de cidadãos estrangeiros no País. Essas limitações, à expulsão constante do número 1, são superadas e afastadas, como resulta do número 2 do artigo, “em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.

Apesar de o legislador, em matéria de pena acessória de expulsão, fazer a distinção, em relação aos seus pressupostos de aplicação, entre “cidadão estrangeiro não residente no País” (nº1) e “cidadão estrangeiro residente no País” (nº2), sendo mais garantístico em relação aos cidadãos estrangeiros residentes, quer em relação à pena da condenação que permite a expulsão, quer à ponderação das circunstâncias pessoais do condenado e sua ligação ao País, entendemos que, mesmo em relação aos estrangeiros não residentes, deve ser ponderada, na aplicação da pena acessória, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial, como a lei exige para cidadão estrangeiro residente no País (nº 2 do preceito).

Estes critérios, associados aos critérios gerais de aplicação das penas, são a baliza para o julgador aferir da necessidade ou desnecessidade de aplicação, aos cidadãos estrangeiros, da pena acessória de expulsão, tendo em consideração que a pena acessória de expulsão não é de funcionamento automático, por força da aplicação do artigo 30º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e entendimento consolidado da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragado pelo Tribunal Constitucional.15

Tendo em conta estes preceitos legais e entendimentos jurisprudenciais dos mesmos, no caso concreto, justifica-se a aplicação da pena acessória de expulsão.

Alega o recorrente que o mesmo mantém “um comportamento institucional correto, sem registo de qualquer situação anómala, ocupando o tempo em atividades recreativas” no estabelecimento prisional, o que associado à ausência de antecedentes criminais, justifica o não decretamento da pena da expulsão.

Tal factualidade não tem, por si só, contrariamente ao alegado, a virtualidade de impedir a sua condenação na pena acessória de expulsão. Desde logo, o bom/normal comportamento prisional é o que se espera de qualquer detido, não revelando o mesmo qualquer sinal positivo ao nível da sua personalidade ou integração no nosso País, o mesmo acontecendo com a ausência de antecedentes criminais, ainda que este seja tido em conta. Para efeitos da aplicação da pena acessória de expulsão, importa sim o que resulta dos factos provados ao nível do comportamento delituoso e das circunstâncias pessoais do arguido.

Resulta dos factos provados que o arguido apenas veio para Portugal em 2021, vivendo aqui a sua mãe e irmãos e em São Tomé e Príncipe quatro filhos de duas relações afectivas.

Estes factos são demonstrativos da pouca ligação ao nosso País o que, associado à gravidade dos factos cometidos pelo arguido, persistência no cometimento dos mesmos e à sua personalidade (ausência empatia pela vítima, arrependimento e juízo de autocensura), bem como o elevado grau de culpa e ainda as fortes exigências de prevenção geral e não se verificando nenhuma causa que obste à expulsão, justifica-se a condenação do mesmo na pena acessória de expulsão, a qual se mantém.

Assim, improcede também esta pretensão do recorrente e em consequência o recurso.

III Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s - artigo 513.º, n. º1 do Código de Processo Penal e artigo 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

Supremo Tribunal de Justiça, 05 de Março de 2025.

Antero Luís (Relator)

José Carreto (1º Adjunto)

Jorge Raposo (2º Adjunto)

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1. Neste sentido e por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006, proferido no Proc. Nº O6P2267.

2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.

3. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10 /1995, publicado no DR/I 28/12/1995.

4. Sumário do acórdão de 31 de Janeiro de 2012, Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S

5. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04 - 3.ª ambos in www.dgsi.pt

No mesmo sentido, Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).

6. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime - Noticias Editorial, pág. 227).

7. As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” in “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, 2000, Almedina, pág. 31-51.

8. A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570 e seguintes).

9. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 214.

10. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2.º a 4.º, Abril-Dezembro de 1993, pág. 186 e 187,

11. Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo 1999, pág. 45.

12. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) 2023, verificou-se, nesse ano, ao nível da violência doméstica um total de 30.461 participações e um aumento de 5,6 na criminalidade violenta e grave, onde se inserem os crimes de violação e sequestro, disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.

13. Proc. nº 202/05.3GBSXL.L1.S1, disponível em: www.dgsi.pt

14. Neste sentido também, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 421e segs.

15. Veja-se, por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2020, Proc. nº 115/10.7PGAMD-B.S1, disponível em www.dgsi.pt