Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
504/10.7TCGMR.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
CRÉDITOS RENEGOCIADOS
BANCO DE PORTUGAL
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO BANCÁRIO INSTITUCIONAL / ORGANIZAÇÃO E SUPERVISÃO BANCÁRIAS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / ENCERRAMENTO DO PROCESSO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, Almedina, 1970, 375, 376 e 361.
- Cadernos do Banco de Portugal, 5, Central de Responsabilidades de Crédito, Responsabilidades de Crédito, Lisboa, 2003, 10 a 13.
- E. Santos Júnior, O Plano de Insolvência. Algumas Notas, O Direito, 138 (2006), III, 589, nota (49); e, in Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, 2007, 140, nota (50).
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, 726, 760 e 761.
- Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2010, 2ª edição, Almedina, 365, 384.
- Pedro Pidwell, O Processo de Insolvência e a Recuperação da Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada, Coimbra Editora, Maio de 2011, 290.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 484.º,
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, 192.º, Nº 1, 197.º, AL. C), 218.º, N.º1, 230.º, N.º 1, B), 233.º, N.º1, AL. A), 234.º, Nº 1, C).
D.L. N.º 204/2008, DE 14 DE OUTUBRO, QUE ESTABELECE O REGIME JURÍDICO RELATIVO A CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO, (CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO (CRC), ASSEGURADA PELO BANCO DE PORTUGAL, NOS TERMOS DA SUA LEI ORGÂNICA, APROVADA PELA LEI Nº 5/98, DE 31 DE JANEIRO): - ARTIGO 1.º, N.º 1, A), N.º 2, 2.º, N.º 4, 3.º, N.º 1, N.º 2, A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-10-2009, REVISTA Nº 502/09.3YFL.SB; DE 28-10-2008, REVISTA Nº 08A3346, WWW.DGSI.PT
Sumário :
I - O plano de insolvência constitui uma providência de recuperação empresarial alternativa que visa a satisfação dos interesses dos credores, aplicável, indistintamente, a pessoas singulares e a pessoas coletivas.

II - Sendo o insolvente pessoa singular, o facto de, no processo de insolvência, se ter procedido à liquidação universal do seu património, sem se haver obtido o pagamento integral dos créditos verificados, não é ainda suficiente para, sem mais, se declarar a liberação do devedor.

III - Após integral execução do plano de insolvência, as pessoas singulares ou as pessoas coletivas responsáveis pelas dívidas ficam libertas do quantitativo que não tiver sido pago, neste âmbito, desde que o plano não estipule, expressamente, a sua responsabilidade pelas dívidas que não forem abrangidas pelo mesmo.

IV - O encerramento do processo de insolvência apenas ocorrerá, em princípio, no caso de o plano de insolvência se traduzir em medidas de recuperação da empresa insolvente, porquanto, consistindo antes num meio alternativo de liquidação do património do insolvente, o processo, tão-só, poderá ser encerrado com o rateio do saldo apurado na liquidação de bens.

V - Na categoria dos tipos de crédito em situação de incumprimento de pagamento, também, designados por créditos vencidos, sob o ponto de vista das responsabilidades dos devedores, de acordo com a natureza das operações, existe a classificação de créditos em mora, de créditos em contencioso e de créditos abatidos ao activo, compreendendo estes os créditos e juros vencidos que foram abatidos das contas de crédito, mas que continuam em cobrança.

VI - Os créditos renegociados resultam de operações de crédito, efetivamente, concedido que, tendo entrado em situação de incumprimento, decorrente da simples mora ou já da sua transição para a fase de contencioso, pelo facto de o seu pagamento integral não ter ocorrido, nos termos, inicialmente, acordados, foram, entretanto, renegociados, sem garantias adicionais, deixando, assim, de se encontrar na situação de incumprimento e, portanto, de constituir crédito vencido.

VII - Os créditos renegociados fazem parte, igualmente, das situações objeto de informação mensal relevante, a enviar pelas entidades participantes ao Banco de Portugal.

VIII - Sendo, legalmente, obrigatória a comunicação dos créditos renegociados, pelas instituições bancárias ao Banco de Portugal, os réus actuaram no cumprimento de um dever, mesmo na situação da nova realidade dos créditos renegociados, que legitima a verificação do dano resultante da não concessão de crédito aos autores que, como causa justificativa do facto, afasta a aparente ilicitude da sua conduta.

IX - Na ausência de estatuição expressa, em sentido diverso, constante do plano de insolvência, só o cumprimento deste exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes, pois que os responsáveis pelas dívidas apenas ficariam libertos, após integral execução do plano de insolvência celebrado, sendo, assim, realidades distintas, não incompatíveis, o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência e a execução concluída deste.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

“AA, Limitada”, com sede na ..., Pavilhão …, ..., Guimarães, e BB, residente na Rua …, nº …, ... (...), Guimarães, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “Banco CC, SA”, com sede na Avenida …, nº …, Lisboa, “Banco DD., SA”, com sede na Rua …, nº …, Porto, “EE - Banco ..., SA”, com sede na Rua ..., nº …, …, “FF, SA”, com sede na Rua …, nº …, Porto, e “GG - Instituição Financeira de Crédito, SA”, com sede na ..., Edifício …, Piso …, …, pedindo que, na sua procedência, se condenem, solidariamente, os réus a pagarem à autora “AA, Limitada”, a quantia de €5.372.227,16, e ao autor BB, a quantia de € 3.251.000,00.

Alegam, para tanto, e, em síntese, que a autora sociedade se dedica ao comércio de têxteis, sendo uma empresa muito conceituada, com uma carteira de clientes que lhe assegura um volume de negócios de três milhões de euros, tendo-se, porém, em 2007, mercê da crise do sector, visto obrigada a reestruturar-se, e, depois, a apresentar-se à insolvência, num processo liderado pelo autor HH, actualmente, seu único gerente, chamado, para o efeito, pelos sócios daquela, seus filhos.

Mais alegam que, tendo sido aprovado o plano de insolvência da autora, em que a mesma se obrigou ao pagamento de 10% do seu passivo comum, mediante vinte prestações mensais, com um período de carência inicial de dois anos, e à celebração de uma dação em cumprimento com o seu credor hipotecário, e assegurado o seu definitivo saneamento financeiro, viu-se, porém, impedida de aceder ao crédito necessário ao relançamento da sua actividade económica, porquanto os réus mantiveram inalteradas, na Central de Risco do Banco de Portugal, as informações pertinentes ao seu anterior incumprimento, relativamente aos créditos de que eram, inicialmente, titulares, não obstante as repetidas interpelações que lhes foram feitas para que as corrigissem, bem assim como a queixa apresentada, junto do Banco de Portugal.

Alegam ainda que a impossibilidade de recurso ao crédito, por parte da autora, determinou, directa e necessariamente, o seu colapso, correspondendo os prejuízos reclamados aos réus aos custos que, sem actividade, continuou a suportar, bem como aos lucros que deixou de obter, e ainda ao dano provocado na sua imagem comercial.

Relativamente ao autor HH, empresário prestigiado e respeitado, os prejuízos cuja indemnização reclama dos réus correspondem não só às remunerações que, como gerente da autora, auferia, e à participação que tinha nos seus lucros, como ainda ao sofrimento sentido, face às dificuldades económicas que, ele próprio e a sua família, passaram a sentir, com repercussões, inclusivamente, na sua saúde e dos seus familiares, e que o obrigaram a vender todo o património familiar com valor.

 O réu “Banco CC, SA”, na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente, sendo, ele próprio, absolvido do pedido.

Alegou, para o efeito, também, em síntese, que, no processo de insolvência da autora, foi reconhecido o seu crédito sobre a mesma, no montante de €1.464.166,03, integralmente, garantido por duas hipotecas, e, tendo ficado estabelecido, no referido plano de insolvência, a extinção condicionada de 90% dos créditos comuns, desde que fossem pagas as vinte prestações semestrais destinadas a satisfazer os remanescentes 10%, tal facto legitimaria que se mantivessem, até então, as anteriores comunicações realizadas à Central de Risco do Banco de Portugal, só por si idóneas, na tese dos autores, a impedirem a concessão de crédito pretendida, sendo, por isso, estranho à obtenção desse resultado, face à sua qualidade de credor privilegiado.

Mais alegou que, tendo ficado beneficiado no dito plano de insolvência com uma dação em cumprimento dos dois imóveis da autora, hipotecados, pelo valor de €838.000,00, com renúncia sua a qualquer outro, aquela protelou a celebração da necessária escritura, que apenas ocorreu, em 8 de Março de 2010, legitimando que, até então, se mantivesse a sua anterior comunicação de incumprimento à Central de Risco do Banco de Portugal, quanto a ela, uma vez que, mesmo após a dação, o remanescente do seu crédito continuou a ser exigível dos respectivos garantes, o autor HH e seus filhos.

Impugnou ainda a quase generalidade dos factos alegados pelos autores, relacionados com os danos sofridos pelos mesmos, defendendo, inclusivamente, que a afectação do prestígio e da imagem daqueles resultou da respectiva qualidade de insolventes, uma vez que o autor HH já assim fora declarado, em 2005, no âmbito de um processo judicial próprio, defendendo, também, serem, completamente, desajustados os montantes indemnizatórios reclamados.

O réu “Banco DD., S.A.”, na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente, sendo, ele próprio, absolvido do pedido.

Alegou, para o efeito, também, em síntese, que, no processo de insolvência da autora, foi reconhecido o seu crédito sobre a mesma, no quantitativo de €27.556,49, cujo incumprimento comunicara, oportunamente, à Central de Risco do Banco de Portugal, por expressa imposição legal, aí constando de Fevereiro de 2009 a Julho de 2010, e, por lapso seu, como responsabilidades abatidas ao activo sobre aquela, no valor de €27.141,00.

Mais alegou que, não tendo ele próprio votado o plano de insolvência da autora, certo seria que a moratória e o perdão aí previstos para os créditos dos credores comuns só se tornariam efectivos com o seu integral cumprimento, isto é, com o pagamento das vinte prestações, relativas ao valor de 10% dos mesmos, e que, se ocorresse, se repercutiria, apenas, no plano jurídico, e não, também, no plano contabilístico.

Alegou, igualmente, que a avaliação do risco de crédito não assenta apenas nas informações constantes da Central de Risco do Banco de Portugal, não consubstanciando as mesmas qualquer impedimento legal para a sua concessão, radicando antes a impossibilidade dessa concessão na situação de insolvência da autora.

Impugnou, também, a quase generalidade dos factos alegados pelos autores, respeitantes aos danos sofridos pelos mesmos, defendendo que são exorbitantes as quantias indemnizatórias por eles reclamadas.

O réu “EE - Banco ..., S.A.”, na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente, sendo, ele próprio, absolvido do pedido.

Alegou, para o efeito, também, em síntese, que comunicou à Central de Risco do Banco de Portugal o incumprimento do crédito de €9.500,00 sobre a autora, de acordo com a sua obrigação legal, sendo que a aprovação do plano de insolvência daquela não o extinguiu, ficando a moratória e o perdão nele previstos condicionados ao seu cumprimento.

Mais alegou que a comunicação da aprovação do plano de insolvência à Central de Riscos do Banco de Portugal caberia ao Tribunal onde o processo pendeu, que o fez, pelo que qualquer instituição bancária solicitada a conceder crédito o poderia ponderar; e ter sido, precisamente, a insolvência de ambos os autores, e a previsão de pagamento de apenas 10% do passivo comum da autora que lhe impossibilitou o recurso ao crédito, e não a sua inclusão como incumpridora naquela base de dados.

Impugnou ainda a quase generalidade dos factos alegados pelos autores, pertinentes aos danos sofridos pelos mesmos.

O réu “FF, S.A.”, na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente, sendo, ele próprio, absolvido do pedido.

Alegou, para o efeito, também, em síntese, que foi reconhecido no processo de insolvência da autora o seu crédito sobre a mesma, no montante de €112.925,52, cujo incumprimento comunicara, oportunamente, à Central de Risco do Banco de Portugal, por expressa imposição legal, sendo que a aprovação do plano de insolvência daquela, apenas, o tornou não, imediatamente, exigível, ficando a moratória e o perdão nele previstos condicionados ao seu cumprimento.

Mais alegou que, se tivesse classificado os 90% do seu crédito como «abatido ao activo», e comunicado essa alteração à Central de Risco do Banco de Portugal, o seu conhecimento teria tido um efeito ainda mais gravoso, ao nível da concessão de crédito.

Alegou ainda que as comunicações constantes da Central de Risco do Banco de Portugal não consubstanciam impedimento legal para a concessão de crédito, constituindo apenas um dos factores de avaliação do risco relativo a quem o solicita, sendo que o tribunal onde correu o processo de insolvência da autora comunicara àquela base de dados a sua pendência, desfecho e encerramento.

Este réu impugnou a quase generalidade dos factos alegados pelos autores, relativos aos danos sofridos pelos mesmos, defendendo que o colapso da autora, com um passivo reconhecido de €3.656.437,56, resulta da sua situação de insolvência, e não de quaisquer comunicações realizadas à Central de Risco do Banco de Portugal, e bem assim como que são exageradas as quantias indemnizatórias para eles reclamadas.

O réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente, sendo, ele próprio, absolvido do pedido, e que os autores fossem condenados como litigantes de má fé.

Alegou, para o efeito, também, em síntese, que celebrou com a autora  um contrato de locação financeira, relativo a um equipamento de videovigilância, que a mesma nunca lhe restituiu, não obstante o contrato ter atingido o seu termo, inclusivamente, com duas rendas não pagas, sendo, por isso, perfeitamente, legal a comunicação que fez desse incumprimento à Central de Risco do Banco de Portugal.

Mais alegou não ter tido conhecimento, nomeadamente, pela própria, do processo e do plano de insolvência da autora, nem ter sido interpelado pela mesma, ou pelo Banco de Portugal, para alterar a comunicação de incumprimento que antes fizera à Central de Risco deste último.

Alegou ainda que a concessão de crédito resulta de uma avaliação global de risco, e não apenas do que consta na Central de Risco do Banco de Portugal, avultando, na concreta situação dos autos, a qualidade de insolvente de ambos os autores.

Este réu impugnou a quase generalidade dos factos alegados pelos Autores, pertinentes aos danos sofridos pelos mesmos, fazendo, nomeadamente, notar que não seria o seu crédito de €1.030,00 idóneo a impedir o acesso ao crédito bancário, ou a fundos estatais, por parte da autora.

Por fim, defende que a acção assenta em factos deturpados e na omissão de outros, essenciais, e que os autores pretendem com a mesma a obtenção de uma indemnização a que sabiam não ter direito, pedindo, por isso, a sua condenação como litigantes de má fé, em multa e condigna indemnização, correspondente, nomeadamente, ao valor da provisão a que o obrigaram e aos danos causados à sua imagem.

Na réplica, os autores sustentam a improcedência de todas as excepções deduzidas pelos réus, reiterando o seu pedido inicial.

 Alegam, para tanto, sempre em síntese, que a sentença homologatória de qualquer plano de insolvência implica a alteração de todos os créditos do insolvente, tenham ou não sido reclamados ou reconhecidos, por expressa imposição do artigo 217º, nº 1, do CIRE.

Respondendo, expressamente, ao réu “Banco CC, S.A.”, alegam ter sido ele quem protelou, por mais de um ano, a celebração da escritura de dação em cumprimento, prevista no plano de insolvência da autora, não tendo depois, também, procedido ao registo da inexigibilidade do remanescente do seu crédito na Central de Risco do Banco de Portugal.
            Respondendo, expressamente, ao réu “Banco DD., S.A.”, alegam que, se a moratória e o perdão de créditos previstos num plano de insolvência ficassem condicionados ao seu cumprimento, daí resultaria a sua completa ineficácia e inutilidade, e reiteram que, não constituindo as informações de incumprimento, constantes da Central de Risco do Banco de Portugal, impedimento legal para a concessão de crédito, acabam por funcionar como impedimento prático dessa mesma concessão.
            Respondendo, expressamente, ao réu “EE - Banco ..., S.A.”, reiteram que a autora deixou de estar em mora, ou em incumprimento, por mero efeito da sentença homologatória do seu plano de insolvência, devendo essa alteração ter sido comunicada à Central de Risco do Banco de Portugal; ou, pelo menos, a redução a 10% do crédito inicial naquelas situações.
            Respondendo, expressamente, ao réu “FF, S.A.”, alegam que as comunicações feitas pelo tribunal onde correu o processo de insolvência da autora, relativas à sua declaração como insolvente e, depois, ao encerramento dos autos, com a aprovação do plano de insolvência, não se confundem com as informações, a cargo dos credores, relativas à redução do valor dos créditos, e à remoção da mora ou do incumprimento, por mero efeito da sentença homologatória do plano de insolvência.
            Respondendo, expressamente, ao réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, alegam que o reporte à Central de Risco do Banco de Portugal nada tem a ver com o eventual incumprimento quanto à obrigação de entrega ou restituição de bem locado, mas, exclusivamente, com situações de mora ou incumprimento de créditos, e que não lhe aproveitaria o pretenso desconhecimento do processo de insolvência da autora, porque a informação inicial à Central de Risco do Banco de Portugal seria, originariamente, falsa.
            A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, e, em consequência, absolveu os réus de todos os pedidos contra si formulados.
            Os autores interpuseram recurso de revista, «per saltum», para este Supremo Tribunal de Justiça, solicitando a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a acção, totalmente, procedente e condene os réus no pedido, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade:
1ª – Os Recorrentes - AA, LDA., e BB - deram causa aos presentes autos ao propor contra os Recorridos - BANCO CC, S.A., BANCO DD, S.A., EE - BANCO ..., FF, S.A. E GG -INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. - acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de €5.372.227,16 (cinco milhões, trezentos e setenta e dois mil, duzentos e vinte e sete euros e dezasseis cêntimos) à recorrente e de €3.251.000,00 (três milhões, duzentos e cinquenta e um mil euros) ao recorrente.
2a - O presente recurso PER SALTUM foi interposto da douta sentença proferida em primeira instância pela 2a Vara Cível de Lisboa, que julgou pela total improcedência da acção proposta pelos Recorrentes tendo, consequentemente, absolvido as Recorridas.
3a - O presente recurso deve subir directamente ao Supremo Tribunal de Justiça conforme requerido no requerimento de interposição, processado como de revista e com os efeitos aplicados à Apelação - art.º 678.°, n.° 1, do CPC.
4ª - O valor da presente causa é superior à alçada da Relação, o valor da sucumbencia é superior a metade da alçada da Relação, os Recorrentes apenas suscitam questões de direito e não impugnam quaisquer decisões interlocutórias, tudo em conformidade com o disposto no art.° 678.°, n.° 1, alínea a), b), c) e d), do CPC.
5ª - Os Recorrentes não se conformam - nem podiam - com a aplicação do Direito aos factos dados como provados em audiência de discussão e julgamento.
6a - De acordo com a sentença ora em crise, lograram os Recorrentes provar a seguinte factualidade:

1. A recorrente dedicava-se ao comércio de têxteis, sendo uma empresa muito conceituada, com uma carteira de clientes que lhe assegurava um volume de negócios de cerca de três milhões de euros (Factos n.° 1 a 10 da Sentença).
2. Viu-se obrigada em 2007 - mercê da crise do sector - a reestruturar-se e, posteriormente, a apresentar-se à insolvência num processo liderado pelo recorrente, actualmente seu gerente único, chamado para o efeito pelos sócios daquela, seus filhos (Factos n.° 11 a 16 da Sentença).
3. Nesse contexto, foi aprovado e homologado por sentença Judicial o Plano de Insolvência e Recuperação da recorrente, o qual previa o pagamento a cada credor reclamante de 10% dos respectivos créditos reconhecidos, em 20 prestações mensais semestrais, vencendo-se a primeira prestação 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano de Insolvência e à celebração de uma dação em cumprimento com o seu credor hipotecário (Factos n.° 26 a 29 da Sentença).
4. Crente na sua recuperação, a recorrente iniciou contactos com algumas instituições bancárias, tendo em vista o acesso ao desconto de letras e cheques, uma vez que só necessitava desse tipo de financiamento (Facto n.° 30 da Sentença).

5. Mesmo após ao trânsito em julgado da Sentença Judicial de Homologação do Plano de insolvência, viu-se a recorrente impedida de aceder ao crédito necessário ao relançamento da sua actividade económica.
6. Porquanto todas as instituições bancárias, assim como o IAPMEI, entidade responsável pela concessão das linhas de crédito PME Invest criadas pelo Estado, se opuseram, com argumento uniforme:

"nenhuma   operação   de  crédito   seria   equacionável  enquanto  se   mantivessem   activas  as informações bancárias existentes na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal" (facto n.° 46 da Sentença), "não   valia  a  pena  solicitar  qualquer apoio  financeiro  enquanto se mantivessem aquelas informações na Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal" (facto n.° 48 da Sentença), "não ser possível equacionar qualquer operação financeira enquanto a empresa mantivesse as situações de incumprimento na Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal" (facto n.° 49 da Sentença), "não poderia aceder às linhas de crédito denominadas PME Invest enquanto constasse em situação de incumprimento na informação da Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal" (Factos n.° 33 e 45 da Sentença recorrida).
7. As informações prestadas à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal pelos Recorridos foi a mesma antes e depois da prolação da sentença no processo de insolvência (entre 12 de Fevereiro de 2009 e Outubro de 2009 ou Julho de 2010 - factos n.° 35, 36 e 42 da Sentença recorrida),
8. Não obstante as repetidas interpelações que lhes foram feitas para que as alterassem (factos n.° 37, 39 e 40 da Sentença) bem como a queixa apresentada junto do Banco de Portugal (facto n.° 38 da Sentença),

9. A recorrente viu-se impossibilitada de aceder ao crédito (facto n.° 43 da Sentença).
10."A impossibilidade da recorrente aceder ao crédito bancário, e nomeadamente às linhas de crédito postas à sua disposição pelo estado, determinou, directa e necessariamente, o seu colapso financeiro" (facto n.° 44 da sentença);

11."A recorrente acabou por suspender a sua actividade, em Dezembro de 2009, impossibilitada de aceder às matérias-primas necessárias à satisfação das encomendas dos seus clientes, por manifesta falta de condições financeiras" (factos n.° 51 e 52 da Sentença).
12.Os prejuízos reclamados pela recorrente correspondem aos custos que - sem actividade - continuou a suportar, bem como aos lucros que deixou de obter, e ainda ao dano provocado na sua imagem comercial (factos n.°s 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64).
13.Os prejuízos reclamados pelo recorrente, empresário prestigiado e respeitado, correspondem às remunerações que, como gerente da recorrente auferia, à participação que tinha nos seus lucros, como ainda ao sofrimento sentido face às dificuldades económicas que ele próprio, e a sua família, passaram a sentir, com repercussões inclusivamente na sua saúde e de seus familiares, e que o obrigaram a vender todo o património familiar com valor (factos n.°s 64 a 76 da Sentença).

            7a - No que concerne ao requisito facto voluntário das lesantes, bem andou a decisão ora em crise ao considerá-lo verificado, "Mostra-se, pois, preenchido o primeiro requisito de que dependia a constituição da obrigação de indemnização (radicada em responsabilidade por facto ilícito".

            - Entendeu o Tribunal a quo que o pressuposto da ilicitude não se verificava, em nenhuma das suas modalidades, sem prejuízo de ter feito nas entrelinhas da decisão proferida referência ao regime específico da Central de Responsabilidade de Crédito aplicável às instituições financeiras a operar em Portugal que aquelas violaram.

            9ª - Os créditos ficam em situação de incumprimento quando há faltas de pagamento das prestações da respectiva amortização, relativamente às datas em que estava previsto que esses pagamentos deveriam ocorrer. Os créditos nestas condições classificam-se, quanto à situação de crédito, como crédito vencido ou crédito abatido ao activo. Os créditos abatidos ao activo correspondem a situações de incumprimento de pagamento extremas em que, tendo a instituição financeira exigido o vencimento da totalidade do crédito e tendo sido desenvolvidos os principais esforços de cobrança considerados adequados, as expectativas de recuperação do crédito são muito reduzidas.

            10ª - Os créditos abatidos ao activo integram a informação da CRC designada vulgarmente como negativa.

            11ª - Os créditos renegociados, para efeitos de comunicação à CRC, são aqueles que resultam de operações de crédito efectivamente concedido que, tendo entrado em situação de incumprimento (pelo facto do seu pagamento não ter ocorrido nos termos inicialmente acordados), foram objecto de renegociação formal entre a instituição de crédito e o cliente sem que tenham sido prestadas garantias adicionais. Nestes termos, os créditos renegociados deixam de ser classificados, quanto à Situação de crédito, com o código "003" (Crédito vencido) e transitam para o código "005" (Crédito renegociado).

            12ª - O BdP, entidade supervisora das Recorridas, alertou-as para a necessidade de alterar a classificação das informações, respeitantes à Recorrente e por aquelas prestadas, para crédito renegociado.
           13ª - É obrigação legal das Recorridas actualizar as informações respeitantes à Recorrente e anteriormente comunicadas à CRC, incluindo-as na qualificação de créditos renegociados, sob pena de com tal omissão violarem aquelas, como violaram, o art.° 2.°, n.° 4, do Dec-Lei n.° 204/2008, de 14 de Outubro e o art.° 483.° e/ou 486.° do CC, de acordo com os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Setembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, processos n.° 6771/09.1TBOER.L1-8, n.° 6512/04.0TVLSB.L1-2, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt. e ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2011, processo n.° 3003/04.2TVLSB.LI.S2. e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Maio de 2010, processo n.° 671/08.OTBPFR.PI, também disponíveis em www.dqsi.pt.

           14ª - A conduta das Recorridas foi ilícita.

15ª - Violou a decisão recorrida o art.° 2.°, n.° 4, do Dec-Lei n.° 204/2008, de 14 de Outubro, o art.° 26, n.° 1, 3.°, n.° 2 e 12.°, art.° 16.°, n.° 1 e n.° 2, todos da CRP e art.° 70.°, 484.° e 486.°, do CC.

16ª - O plano de insolvência da Recorrente tinha "por fim a adopção de medidas ou providências, com incidência no passivo do devedor, nomeadamente, o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital quer quanto aos juros, o condicionamento do reembolso de todos os créditos, ou de parte deles, às disponibilidades do devedor, a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; Tudo no sentido da recuperação da empresa com a continuidade da sua actividade de uma forma normal apresentar uma proposta de liquidação das dívidas junto dos credores que mereça o acordo destes".

17ª - No que respeitava aos créditos comuns, prescrevia a redução do valor dos créditos sobre a insolvência - nos termos do art.° 196.°, n.°1, al. a), do CIRE - vencendo-se a primeira prestação 24 meses após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano - modificação dos prazos de vencimento, em conformidade com o prescrito no art.° 196º, n.° 1, al. c), do CIRE.

18ª - Verificado o pagamento das 20 prestações, o montante restante da dívida seria reduzido a zero.

19ª - Tal decorrência não foi ou é específica daquele plano, mas prescrição da própria lei - art.° 197°, n° 3, al. c), do CIRE.

20ª - Não foi a recorrente e os seus credores quem condicionou a produção dos efeitos da reestruturação do passivo ao integral pagamento das vinte prestações dos remanescentes 10% dos créditos comuns ou exerceu a recorrente qualquer autonomia de vontade especialmente concedida pelo CIRE.

21ª - As conclusões sufragadas na decisão recorrida resultam de uma interpretação errada do art.° 197°, n° 3, al. c), principalmente quando conjugado com os art.°s 217° e 218°, todos do CIRE.

22ª - Não precisa o Tribunal ou a decisão recorrida de vir em socorro dos credores sujeitos a planos de insolvência, ou com a sua tutela numa hipotética situação de incumprimento, pois que terá sido exactamente com esse fim que o legislador terá concebido o art.° 218°, do CIRE, nos termos do qual a moratória ou o perdão previstos no plano (SÓ) ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor e quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.

23ª - É no artigo 218°, do CIRE, que se define a disciplina decorrente da inexecução do plano ou do incumprimento das obrigações por ele mantidas, que respeitam a pagamentos devidos aos credores, prevendo o CIRE, desde logo, a ineficácia das medidas de redução e reestruturação implementadas pelo plano, sendo os créditos imediatamente exigíveis pela totalidade.

24ª - A única solução justa para os credores é aquela que se encontra prevista naquele diploma legal, ou seja, a ocorrência do fenómeno da repristinação dos direitos de crédito limitados no plano de insolvência, recuperando as vestes com que se exibiam ao tempo da aprovação do plano, sem que para tal seja necessário suspender os efeitos do plano até ao momento do seu integral cumprimento.

25ª - Os efeitos queridos e decorrentes da aprovação do plano de insolvência não equivalem para os credores, as repercussões do fenómeno da novação previsto no art.° 857° do Código Civil.

26ª - Os interesses públicos de crescimento económico, de estabilidade no emprego e de harmonia social trazidos pelo direito à recuperação da empresa foram totalmente sonegados e preteridos na decisão controvertida face a outros como a protecção do crédito bancário, esse sim liberto das limitações decorrentes de uma sentença transitada em julgado.

27ª - Com o entendimento vertido na sentença recorrida fica sem fundo a própria figura jurídica do plano de insolvência ou de recuperação, que deveria servir para conceder à empresa a possibilidade de ultrapassar adversidades creditícias, e que constitui, a favor destas, um DIREITO À RECUPERAÇÃO - pelo menos no que aos credores da insolvência concerne - uma vez cumpridas as obrigações que do mesmo decorrem.

28ª - A interpretação patente na decisão recorrida deita por terra todo o conteúdo do Título IX, do CIRE e os seus 3 Capítulos, tornando-o letra morta.

29ª - Pelos olhos da sentença recorrida, o conteúdo e os efeitos da aprovação, homologação e trânsito em julgado de um plano da insolvência são desprovidos de qualquer relevância jurídica.

30ª - É ilícita a falta de reconhecimento pela decisão recorrida da ALTERAÇÃO das obrigações contidas num plano de insolvência.

31ª - A prestação pelas instituições financeiras de informação negativa ao BdP, como ocorreu no caso concreto, determina e determinou a impossibilidade de TODA E QUALQUER INSTITUIÇÃO FINANCEIRA estabelecer linhas de financiamento em benefício da Recorrente.

32ª - A violação daquele plano de insolvência pelas Recorridas e subscrita pela decisão recorrida não teve por efeito apenas a impossibilidade de concessão de crédito à recorrente por aquelas, mas por todas as instituições financeiras que acederam àquela informação.

33a - Não há por parte das instituições de crédito acesso a dados históricos de clientes novos, designadamente a relatórios mensais anteriores.

34ª - As providências sobre o passivo da insolvente e previstas no plano de insolvência produziram todos os seus efeitos imediatamente com o trânsito em julgado da sentença de homologação (aliás, vide art.° 217° do CIRE "com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência"), sob pena de ser absolutamente desvirtuado o fim para o qual foi criado a figura jurídica do plano de insolvência, qual seja a recuperação da empresa, conforme supra desenvolvido.

35ª - Levada ao extremo a posição pugnada na sentença recorrida, e as alterações dos créditos introduzidas pelo plano de insolvência surtissem efeitos apenas com o pagamento da última prestação, não ocorreria, jamais, com o trânsito em julgado de uma qualquer sentença de homologação do plano de insolvência, o encerramento do processo de insolvência, uma vez que, mantendo a empresa todo o passivo que detinha ao tempo da declaração de insolvência, nunca deixariam de se verificar os pressupostos da situação de insolvência previstos no CIRE, designadamente a generalidade das obrigações vencidas, a empresa, alegadamente em recuperação, nunca deixaria de se encontrar em situação de insolvência.

36ª - O legislador, contrariamente ao defendido na decisão de que se recorre, assume expressamente, ao encerrar o processo de insolvência, que uma empresa não se encontra mais e para todos os efeitos em situação de insolvência, nos termos do art.° 230°, alínea b), do CIRE, com a eficácia plena e imediata daquele plano (perdão, redução e moratória), pela sentença de homologação.

37ª - Os credores da insolvência apenas podem exercer os seus direitos contra o devedor em recuperação com as restrições decorrentes do plano de insolvência aprovado e homologado.

38ª - As Recorridas, com a conduta adoptada, ignoraram o negócio jurídico que consubstanciava o plano de insolvência, ratificado por uma sentença de mérito, equivalente a uma transacção homologada judicialmente, praticando, inequivocamente um acto voluntário, ilícito, culposo e danoso, que arrastou a Recorrente para o encerramento da sua actividade.

39ª - Com o plano de recuperação, os credores reconhecidos em geral e as recorridas em concreto autolimitaram os direitos que detinham sobre a Recorrente, limitaram os seus créditos a 10% do seu valor originário e comprometeram-se a não exigir a totalidade do crédito, a não ser que a Recorrente não cumprisse as obrigações que lhe incumbiam, as quais apenas se venceriam dois anos depois da sentença de homologação do plano.

40ª - Com a manutenção das informações negativas enviadas ao BdP após o trânsito em julgado da sentença que homologou o plano de insolvência, as Recorridas continuaram a arrogar-se titulares da totalidade dos créditos como se da aprovação daquele plano não resultasse qualquer alteração na classificação daqueles créditos.

41ª - Antes e depois do plano, não sofreram os créditos das Recorridas, de acordo com a tese defendida na sentença controvertida, quaisquer alterações ou foram objecto de qualquer redução, moratória ou perdão.

42ª - Na tese da sentença recorrida, uma vez incumprida a obrigação, incumprida para sempre.

43ª - Pelo exposto, pode concluir-se pelo carácter ilícito e culposo da conduta das Recorridas, para efeitos do disposto no art.° 483°, do CC.

44ª - A sentença recorrida violou, assim, o art.° 192°, n.°1, 195°, nº 1, 217º, n.° 1, 230°, n° 1, al. b), 233°, nº 1, al. c), 197°, n.° 3, al. c), 218°, todos do CIRE e ainda o art.° 406°, do CC.

45ª - Os prejuízos reclamados pela recorrente e provados no âmbito dos presentes autos correspondem aos custos que - sem actividade - continuou a suportar, bem como aos lucros que deixou de obter, e ainda ao dano provocado na sua imagem comercial (factos n.°s 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 da Sentença Recorrida).

46ª - Os prejuízos reclamados pelo recorrente e provados no âmbito da presente acção, empresário prestigiado e respeitado, correspondem às remunerações que, como gerente da recorrente auferia, à participação que tinha nos seus lucros, como ainda ao sofrimento sentido face às dificuldades económicas que ele próprio, e a sua família, passaram a sentir, com repercussões inclusivamente na sua saúde e de seus familiares, e que o obrigaram a vender todo o património familiar com valor (factos n.° 64 a 76 da Sentença Recorrida).

47ª - Tendo a primeira instância considerado provados factos que integram o conceito de nexo naturalístico, resta ao Tribunal ad quem apurar a verificação do nexo legal por não enquadramento nos termos do disposto no artigo 563° do Código Civil.

48ª - É manifesta a verificação daquele nexo de causalidade nos factos dados como provados nos presentes autos.

49ª - Na decisão recorrida, o Tribunal a quo deu por verificado, sem qualquer margem para dúvidas, o nexo causal factual, impondo-se suprir esta falha, substituindo-se este Venerando Tribunal àquele, proferindo decisão que o considere verificado.

50ª - A sentença ora em crise, ao subscrever a tese das Recorridas ignorou ainda a realidade e o senso comum, que nos ensinam que nenhuma instituição financeira consideraria a possibilidade de conceder crédito à Recorrente enquanto o Mapa de Responsabilidades da mesma na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal reflectisse incidentes.

51ª - Ainda que assim não se entenda, resulta dos factos provados que a causa real do colapso da Recorrente foram efectivamente as informações constantes da CRC que, em primeira linha, não permitiram que a mesma acedesse ao crédito.

52ª - As informações constantes da CRC e a ausência de incidentes são o requisito primário para a averiguação da concessão do crédito pelas instituições financeiras, ou pelas linhas de apoio do IAPMEI, reveste natureza excludente, na sua ausência, não há lugar à análise de qualquer outro.

53ª - Foi a informação falsa difundida pelo Banco de Portugal e transmitida pelas instituições financeiras, como série causal, que atingiu o seu termo e produziu realmente o efeito que se traduziu nos danos causados aos Recorrentes.

54ª - É a causa real que constitui as rés na obrigação de indemnizar (acto voluntário, ilícito, culposo e adequado à produção dos danos).

55ª - O colapso da Recorrente deveu-se à prestação de informação falsa ou inexacta, o dano peticionado podia ter sido causado pela causa hipotética ou virtual, porém, a causa real impede a causa virtual de produzir o dano, como não chega a ocorrer a causa virtual, torna-se a mesma irrelevante.

56ª - Ainda que assim não se entenda, por causa da conduta das Recorridas, da transmissão de informação falsa, não foi sequer dada a oportunidade ou a chance à Recorrente de se candidatar à concessão de crédito, pois que a conduta das Recorridas implicou a não verificação do requisito primário e impeditivo: a ausência de incidentes negativos na CRC.

57ª - A perda de oportunidade determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final.

58ª - A perda de chance da Recorrente é passível de ser ressarcida no caso concreto, pois ocorreu efectivamente uma lesão da integridade do património da Recorrente e, consequentemente do Recorrente - património esse entendido como a soma de todos os valores juridicamente protegidos.

59ª - O dano causado pelas Recorridas é certo: a chance de reabilitação da Recorrente foi irremediavelmente afastada pelos actos ilícitos praticados por aquelas, como de resto vem sendo seguido pela jurisprudência e doutrina, patente, designadamente, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2013, processo n.° 29/04.0TBAFE.P1.S1 e do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Fevereiro de 2013, processo n.° 1773/06.2TBVNG.P1

60ª - Verificam-se os requisitos da responsabilidade civil pela prática de Factos Ilícitos, previstos no art.° 483.°, do CC, pelo que devem as instituições financeiras aqui recorridas ser condenadas ao pagamento das quantias de €5.372.227,16 (cinco milhões, trezentos e setenta e dois mil e duzentos e vinte e sete euros e dezasseis cêntimos) e €3.251.000,00 (três milhões duzentos e cinquenta e um mil euros), à Recorrente e ao Recorrente, respectivamente.

61ª - Violou a sentença ora em crise o disposto no art.° 2.°, n.° 4, do Dec-Lei n.° 204/2008, de 14 de Outubro, no artigos 26, n.° 1, 3.°, n.° 2, 12.° e 16.°, n.° 1 e n.° 2, todos da CRP, nos artigos 70.°, 484.° e 486.°, do CC, nos artigos 192.°, n.° 1, 195.°, n.° 1, 217.°, nº 1, 230º, nº 1, b), 233º, nº 1, al. c), 197º, n.° 3, al. c), 218.°, todos do CIRE, e violou, ainda, o disposto nos artigos 406.°, 483º e 563º, todos do CC.

Nas suas contra-alegações, os réus “Banco CC, SA”, “Banco DD, SA”, e “FF, SA” concluem no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, a douta sentença recorrida, e o réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” conclui, também, no sentido de que, a admitir-se a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, deverá ser, totalmente, absolvido dos pedidos formulados pelos autores, nos termos do disposto pelo artigo 636º, do CPC.

O Tribunal de 1ª instância entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. “AA, Lda.”, aqui 1ª autora, é uma sociedade comercial que, com o intuito do lucro, se dedica ao comércio por grosso de têxteis, importação e exportação, tendo sido constituída, em 7 de Fevereiro de 1997, por escritura pública exarada de fls. 52 a 53, verso, do Livro de Escrituras Diversas nº …-D, do 1º Cartório Notarial de Guimarães, tendo como sócios únicos AA e II (conforme escritura «CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE» que é fls. 36 a 39 dos autos, e que se deu por, integralmente, reproduzida) - (alínea A) da Matéria de Facto Assente).

2. Actualmente, o capital social da autora “AA, Lda.” é de €750.000,00, dividido em duas quotas, uma, no valor nominal de €225.000,00, pertencente a JJ, e outra, no valor nominal de €525.000,00, pertencente a II (conforme «CERTIDÃO PERMANENTE» que é fls. 40 a 47 dos autos, e que se deu por, integralmente, reproduzida) - (alínea B) da Matéria de Facto Assente).

3. JJ e II, sócios da autora “AA, Lda.”, são filhos de BB, aqui 2º autor (conforme assentos de nascimento daqueles, que são fls. 76, e fls. 78 e 79 dos autos, e que se deram por, integralmente, reproduzidos) - (alínea L) da Matéria de Facto Assente).

4. O autor BB nasceu, no dia … de Setembro de 19…, tendo 71 anos de idade, em Dezembro de 2010 (conforme assento de nascimento respectivo, que é fls. 81 dos autos, e que se deu por, integralmente, reproduzido) - (alínea M) da Matéria de Facto Assente).

5. O autor BB foi declarado insolvente, no processo nº 6.132/05.1TBGMR, que correu termos, no Tribunal de Guimarães - (alínea R) da Matéria de Facto Assente).

6. A autora “AA, Lda.” era - e é - uma das empresas mais prestigiadas do ramo do comércio de têxteis-lar - (artigo 1º da Base Instrutória).

7. A autora “AA, Lda.” deteve uma carteira de clientes - quer no mercado interno, quer no mercado externo – que, em 2003, lhe assegurou um volume de negócios de €3.288.482,00, sendo o mesmo, em 2004, de €3.499.212,00 - (artigo 2º da Base Instrutória).

8. A autora “AA, Lda.” atingiu um volume de negócios/facturação, em 2003, de € 3.288.482,00, em 2004, de € 3.499.212,00, e, em 2005, de €2.611.078,00 - (artigo 3º da Base Instrutória).

9. No decurso do ano de 2006, a actividade da autora “AA, Lda.” foi afectada pela crise internacional no sector dos têxteis, nomeadamente, com a invasão do mercador europeu, por parte de artigos têxteis com origem em alguns países asiáticos - (artigo 4º da Base Instrutória).

10. Em 2006, o volume de negócios/facturação da autora “AA, Lda.” foi de € 1.735.609,50 - ( artigo 5º da Base Instrutória).

11. Em 2007, o autor BB assumiu a gerência da autora “AA, Lda.” - (artigo 6º da Base Instrutória).

12. Actualmente, o autor BB é o único gerente da autora “AA, Lda.” - (alínea C) da Matéria de Facto Assente).

13. Com experiência e conhecedor do sector têxtil, o autor BB decidiu proceder a uma reestruturação completa da autora “AA, Lda.”, quer no plano económico-financeiro, quer no plano do pessoal e da estratégia para a dinamização da empresa - (artigo 7º da Base Instrutória).

14. Reduzindo o número de trabalhadores da empresa, o autor BB afastou os colaboradores (agentes) menos produtivos e optimizou a carteira de clientes da empresa, afastando aqueles que ofereciam risco e dinamizando as relações com os de maior prestígio - (artigo 8º da Base Instrutória).

15. No plano económico-financeiro, o passivo acumulado pela autora “AA, Lda.” ascendia a cerca de €3.500.000,00, o que lhe dificultava o desenvolvimento normal da sua actividade, pela pressão dos credores - (artigo 9º da Base Instrutória).

16. Em 26 de Setembro de 2007, a autora “AA, Lda.” apresentou-se à insolvência, correndo os respectivos autos, pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o nº 3.915/07.1TBGMR - (alíneas D) e E) da Matéria de Facto Assente).

17. Nos autos de insolvência da autora “AA, Lda.”, o réu “Banco CC, S.A.” reclamou créditos, no montante global de €1.464.166,03, que viriam a ser aí reconhecidos, e que se discriminam, do seguinte modo:

- contrato de mútuo com hipoteca, celebrado em 11 de Novembro de 2005, incumprido em 11 de Novembro de 2006, cujo montante em dívida, à data da reclamação de créditos, ascendia a € 847.401,49;

- contrato de mútuo com hipoteca, celebrado em 11 de Novembro de 2005, incumprido em 30 de Junho de 2006, cujo montante em dívida, à data da reclamação de créditos, ascendia a €604.393,50;

.- garantia bancária, no valor de €10.404,76;

.- saldo devedor da conta de depósitos à ordem nº …, cujo descoberto, à data de 07 de Setembro de 2007, ascendia a €53,61, a que acresciam €2,67, a título de juros, o que totalizava a quantia de €56,28;

.- letras, no valor de €1.385,00 e de €525,00, vencidas em 30 de Novembro de 2007 - (alínea O) da Matéria de Facto Assente).

18. À data da reclamação de créditos, referida no facto anterior, o réu “Banco CC, S.A.” era titular de uma hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 761-Silvares, e uma hipoteca sobre o prédio rústico descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o nº 1063-Silvares, até ao montante de €1.550.000,00 - (alínea P) da Matéria de Facto Assente).

19. Nos autos de insolvência da autora “AA, Lda.”, o réu “FF, S.A.” apresentou-se a reclamar, em devido tempo, os créditos de que era titular, à data da declaração de insolvência, então, no montante de €112.925,53 - proveniente de letras descontadas (aceites), dum contrato de abertura de crédito e do saldo a descoberto da conta de depósitos à ordem da autora, crédito esse depois reconhecido naquele processo - (alínea N) da Matéria de Facto Assente).

20. O valor dos créditos reconhecidos, nos autos de insolvência da autora “AA, Lda.”, atingiu o montante de €3.656.437,56 - (artigo 44º da Base Instrutória).

21. No exercício da sua actividade, o réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” celebrou, em 31 de Janeiro de 2002, com a autora “AA, Lda.”, o contrato de locação financeira nº …, nos termos do qual lhe cedeu um sistema de observação, da marca Philips, devendo-lhe esta pagar 60 rendas, no montante inicial contratado de €289,75 - (alínea S) da Matéria de Facto Assente).

22. A autora “AA, Lda.” não pagou ao réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” as rendas vencidas, em 25.12.2006 e, em 25.01.2007, no âmbito do contrato de locação financeira nº …; e não exerceu o direito de aquisição do sistema de observação, da marca Philips, objecto daquele acordo -  (alínea T) da Matéria de Facto Assente).

23. A autora “AA, Lda.” não restituiu ao réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” o sistema de observação, da marca Philips, objecto do contrato de locação financeira nº … - (alínea T) da Matéria de Facto Assente).

24. Em 2007, a autora “AA, Lda.” teve um volume de negócios/facturação de €1.167.800,35, na pendência de um processo de insolvência e com um quadro de pessoal reduzido a 04 elementos - (artigo 10º da Base Instrutória).

25. Em 2008, sujeita às dificuldades com que foi confrontada pela pendência do processo de insolvência e agravadas pela conjuntura de recessão que se instalou na Europa - e à qual Portugal não escapou -, a autora “AA, Lda.”, mesmo assim, teve um volume de negócios/facturação de € 615.144,64 - (artigo 11º da Base Instrutória).

26. O Plano de Insolvência da autora “AA, Lda.”, e relativamente aos credores comuns, previa o pagamento a cada credor reclamante de 10% dos respectivos créditos reconhecidos, em 20 prestações mensais semestrais, vencendo-se a primeira prestação 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano de Insolvência (conforme «CERTIDÃO» judicial que é fls. 49 a 69 dos autos, e que se deu por, integralmente, reproduzida) - (alínea G) da Matéria de Facto Assente).

27. O Plano de Insolvência da autora “AA, Lda.”, no seu Ponto 6 A), e, relativamente ao réu “Banco CC, S.A.”, previa a celebração de uma dação em cumprimento dos imóveis, identificados no facto enunciado sob o número 18, em benefício deste, para pagamento do seu crédito de €838.000,00 (conforme «CERTIDÃO» judicial que é fls. 49 a 69 dos autos, já reproduzida supra) - (alínea H) da Matéria de Facto Assente).

28. Por sentença homologatória, transitada em julgado, em 12 de Fevereiro de 2009, foi homologado o Plano de Insolvência da autora “AA, Lda.”, através da qual a mesma logrou obter o seu definitivo saneamento financeiro, obrigando-se ao pagamento de 10% do seu passivo - ali reconhecido - , em 10 anos, mediante 20 prestações semestrais, vencendo-se a primeira, em 12 de Fevereiro de 2011, bem como à celebração, em benefício do réu “Banco CC, S.A.”, da dação em cumprimento, referida no facto anterior - (alíneas F) e H) da Matéria de Facto Assente).

29. O despacho de encerramento do processo de insolvência da autora “AA, Lda.” transitou em julgado, em 02 de Abril de 2009 - (alínea F) da Matéria de Facto Assente).

30. Aprovado o respectivo Plano de Insolvência, e transitada a respectiva sentença homologatória - em 12 de Fevereiro de 2009 -, a autora “AA, Lda.” iniciou contactos com algumas instituições bancárias, tendo em vista o acesso ao desconto de letras e cheques, acreditando que só necessitava desse tipo de financiamento - (artigo 12º da Base Instrutória).

31. O Estado Português criou linhas de crédito para apoio das empresas, denominadas «PME INVEST», que se destinavam a financiar a sua actividade, e que eram concedidas pelas Instituições Bancárias a quem o Estado assegurava o respectivo reembolso, através de garantias por si prestadas - (artigo 13º da Base Instrutória).

32. No decurso do seu processo de reestruturação financeira, a autora “AA, Lda.” deu início aos respectivos processos de candidatura às linhas de apoio denominadas «PME INVEST» - (artigo 14º da Base Instrutória).

33. Em meados de 2009, foi dito à autora “AA, Lda.” que não poderia aceder às linhas de crédito, denominadas «PME INVEST», enquanto constasse em situação de incumprimento na informação da Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal - (artigo 15º da Base Instrutória).

34. De imediato, a autora “AA, Lda.” solicitou ao Banco de Portugal as informações que sobre si constavam daquela Central, e constatou que alguns dos seus credores continuavam a comunicar o valor dos créditos de que eram detentores junto da empresa, antes da prolação da sentença que homologou o Plano de Insolvência - (artigo 16º da Base Instrutória).

35. Entre 12 de Fevereiro de 2009 e Julho de 2010, o réu “Banco CC, S.A.”, o réu “Banco DD., S.A.”, o réu “FF, S.A.”, e o réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” continuaram a comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal montantes como estando em dívida pela autora “AA, Lda.” e o que consideravam ser a sua situação de incumprimento - (artigo 17º da Base Instrutória).

36. Entre 12 de Fevereiro de 2009 e Outubro de 2009, o réu “EE. - Banco ..., S.A.” continuou a comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal montantes referidos como estando em dívida pela autora “AA, Lda.” e o que considerava ser a sua situação de incumprimento - (artigo 17º da Base Instrutória).

37. A autora “AA, Lda.” Interpelou, por escrito, o réu “Banco CC, S.A.”, o réu “Banco DD., S.A.”, o réu “EE. - Banco ..., S.A.” e o réu “FF, S.A.”, nos seguintes termos:

«No passado dia 13 de Fevereiro, transitou em julgado a sentença proferida nos autos em epígrafe que homologou o Plano de Insolvência da apresentante AA, Lda.

Na sequência de tal facto, torna-se urgente que o Banco informe o Banco de Portugal, tendo em vista retirar aquela empresa da situação de incumprimento.

Tal situação tem impedido que aquela firma aceda ao crédito, com prejuízos incomportáveis para a normalização da sua actividade.

Neste quadro, deverá ser diligenciado de imediato junto do Banco de Portugal a retirada daquela empresa da lista de incumprimento» - (alínea I) da Matéria de Facto Assente).

38. Atento o silêncio e a inacção do réu “Banco CC, S.A.”, do réu “Banco DD., S.A.”, do réu “EE. - Banco ..., S.A.”, do réu “FF, S.A.”, e do réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, em 15 de Abril de 2009, a autora “AA, Lda.” remeteu ao Banco de Portugal a carta registada com aviso de recepção, cuja cópia é fls. 70 e 71 dos autos, que se deu por, integralmente, reproduzida e onde, nomeadamente, se lê:

«(…)

1 - Esta firma requereu um processo de insolvência que correu termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, aí registado sob o nº 3915/07.1TBGMR;

2 - No prosseguimento daquele processo judicial, foi aprovado um Plano de Insolvência, através do qual esta firma se obrigou ao pagamento de 10% da totalidade dos créditos comuns devidamente reconhecidos em 20 prestações mensais, vencendo-se a primeira 24 meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória do mesmo Plano.

3 - A respectiva sentença transitou em julgado em 12/2/2009, tornando-se os respectivos termos vinculativos para a generalidade dos credores, inclusive as instituições bancárias.

4 - Sucede que, não obstante os inúmeros contactos levados a cabo junto das várias instituições financeiras que viram os seus créditos reconhecidos naquele processo judicial, algumas delas persistem em comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito dessa Instituição situações de incumprimento desta firma que violam de modo manifesto os termos do Plano de Insolvência.

5 - Tais condutas vêm impedindo esta firma de aceder ao crédito, afectando irreversivelmente a sua recuperação comercial e financeira e colocando em risco a sua sobrevivência.

(…)

7 - Assim, deve essa Instituição tomar de imediato todas as medidas tendentes a eliminar toda a informação constante da Central de Responsabilidade de Crédito fornecida pelas Instituições Financeiras em causa e que violam frontalmente os termos do Plano de Insolvência judicialmente aprovado.

8 - Mais se impõe que essa Instituição indague junto dessas Instituições Financeiras dos motivos que justificam tais condutas, claramente persecutórias para com esta firma e com evidentes prejuízos para a actividade desta última (…)» - (artigo 19º da Base Instrutória).

39. Em 25 de Maio de 2009, porque o réu “Banco CC, S.A.”, o réu “Banco DD., S.A.”, o réu “EE. - Banco ..., S.A.” e o réu “FF, S.A.” nada fizeram, a autora “AA, Lda.” insistiu e interpelou-os, de novo, nos seguintes termos:

«Não obstante o tempo decorrido e o teor do nosso e-mail de 02 de Março, o Banco persiste em prestar informação FALSA ao Banco de Portugal sobre alegadas situações de incumprimento por parte da AA, Lda.

Sucede, porém, que a aprovação do Plano de Insolvência com trânsito em julgado da respectiva decisão homologatória implica necessariamente a actualização das informações prestadas pelas instituições bancárias ao Banco de Portugal, não lhes sendo lícito manter na situação de incumprimento os créditos afectados pelo plano de insolvência.

Tal conduta por parte da banca vem impedindo o acesso da empresa ao crédito bancário, inclusive aquele que é garantido, parcial ou totalmente, pelo Estado, ao abrigo das medidas de combate à crise económico-financeira.

Tal conduta, a manter-se, determinará inexoravelmente o encerramento da AA, Lda., que ocorrerá em poucos dias.

O Banco, sendo uma das instituições bancárias que está a prestar informações presentemente FALSAS ao Banco de Portugal, será destinatário de uma acção judicial a instaurar contra todos os bancos, bem como contra o Banco de Portugal (a quem foi tempestivamente denunciada toda a situação e que nenhuma medida tomou até à presente data), para ressarcimento de todos os danos resultantes da ilicitude dessa conduta e que ascendem a centenas de milhares de euros» - (alínea J) da Matéria de Facto Assente).

40. Não obstante as interpelações levadas a cabo pela autora “AA, Lda.”, aludidas nos factos enunciados sob os números 37 e 39, o réu “Banco CC, S.A.”, o réu “Banco DD., S.A.”, o réu “EE. - Banco ..., S.A.”, o réu “FF, S.A.”, e o réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” nada fizeram, e continuaram a enviar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal as informações de incumprimento por parte daquela, como se não tivesse sido proferida - e transitado em julgado - a sentença homologatória do Plano de Insolvência - (artigo 18º da Base Instrutória).

41. O Banco de Portugal respondeu à carta reproduzida no facto enunciado sob o número 38, por carta datada de 15 de Julho de 2009, cuja cópia é fls. 72 dos autos, que se deu por, integralmente, reproduzida e onde, nomeadamente, se lê:

«(…)

Na sequência da reclamação de V. Exas. e do procedimento previsto pelo Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, foi-nos comunicado pela instituição de crédito que se encontra esclarecido e resolvido com V. Exas. o assunto que deu origem à referida reclamação.

Com esta comunicação fica encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo de reclamação.(…)» - (artigo 20º da Base Instrutória).

42. Em Agosto de 2009, a informação prestada pelo réu “Banco CC, S.A.”, pelo réu “Banco DD., S.A.”, pelo réu “EE. - Banco ..., S.A.”, pelo réu “FF, S.A.”, e pelo réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal era a mesma que prestaram antes da prolação da sentença do processo de insolvência - (artigo 21º da Base Instrutória).

43. A autora “AA, Lda.” viu-se impossibilitada de aceder ao crédito - (artigo 22º da Base Instrutória).

44. A impossibilidade da autora “AA, Lda.” aceder ao crédito bancário, e, nomeadamente, às linhas de crédito postas à sua disposição pelo Estado, determinou, directa e necessariamente, o seu colapso financeiro - (artigo 24º da Base Instrutória).

45. A autora “AA, Lda.” fez inúmeros contactos, junto do I.A.P.M.E.I., tendo em vista o apoio daquela instituição ao acesso às aludidas linhas de crédito e a resposta foi sempre a mesma: «Para aceder às linhas de crédito é necessário previamente corrigir ou retirar as informações bancárias existentes na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal» - (artigo 25º da Base Instrutória).

46. A autora “AA, Lda.” contactou ainda outras instituições financeiras, nomeadamente, o “KK, S.A.” e a “LL”, tendo recebido como resposta que «nenhuma operação de crédito seria equacionável enquanto se mantivessem activas as informações bancárias na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal -.(artigo 26º da Base Instrutória).

47. Em 2008, a autora “AA, Lda.” contactou o “MM, S.A.”, tendo em vista a viabilização de um financiamento de apoio à tesouraria, no montante de €50.000,00 - (artigo 28º da Base Instrutória).

48. O “MM, S.A.” recusou, expressamente, atender à pretensão da autora “AA, Lda.”, referindo que não valia a pena solicitar qualquer apoio financeiro enquanto se mantivessem aquelas informações na Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal - (artigo 29º da Base Instrutória).

49 - No decurso dos meses de Março e Abril de 2009, na qualidade de gerente da autora “AA, Lda.”, o autor BB manteve contactos directos e pessoais com a Administração do “KK, S.A.”, tendo-lhe sido dito não ser possível equacionar qualquer operação financeira enquanto a empresa mantivesse as situações de incumprimento na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal - (artigo 30º da Base Instrutória).

50. Conhecendo a decisão de aprovação do Plano de Insolvência da autora “AA, Lda.”, e a comunicação do encerramento do processo, mercê daquela aprovação, qualquer instituição de crédito estaria habilitada a ponderar no risco de aprovação de um qualquer crédito, pelo facto de ter corrido termos o processo de insolvência, do encerramento do mesmo, por aprovação do respectivo plano, e porque os créditos centralizados na Central de Responsabilidades de Crédito coincidiam com os reclamados naquele processo - (artigo 65º da Base Instrutória).

51. A autora “AA, Lda.” acabou por suspender a sua actividade, impossibilitada de aceder às matérias-primas necessárias à satisfação das encomendas dos seus clientes, por manifesta falta de condições financeiras - (artigo 31º da Base Instrutória).

52. A autora “AA, Lda.” suspendeu a sua actividade, em Dezembro de 2009 - (artigo 41º da Base Instrutória).

53. Em 08 de Março de 2010, foi celebrada a escritura de dação em cumprimento entre a autora “AA, Lda.” e o réu “Banco CC, S.A.”, prevista no Ponto 6 A) do Plano de Insolvência, aprovado no processo de insolvência daquela - (alínea Q) da Matéria de Facto Assente).

54. Em 08 de Março de 2010, quando a autora “AA, Lda.” celebrou a escritura de dação - que se obrigara a celebrar quando o seu Plano de Recuperação foi aprovado - já suspendera a sua actividade, por entender que não tinha possibilidades económicas e financeiras para a desenvolver - (artigo 66º da Base Instrutória).

55. À data de suspensão de actividade, por parte da autora “AA, Lda.” - Dezembro de 2009 -, mantinha-se o prestígio inerente aos produtos comercializados pela marca “AA” - (artigo 33º da Base Instrutória).

56. A autora “AA, Lda.” gozava de uma boa imagem comercial nos mercados de têxteis-lar - (artigo 49º da Base Instrutória).

57. Fornecedores e clientes em geral interrogam-se sobre as razões que levaram a autora “AA, Lda.” a suspender a sua actividade, atento o prestígio de que gozava e o lugar que ocupava no mercado de têxteis-lar - (artigo 50º da Base Instrutória).

58. A maioria dos clientes recusavam-se a adquirir junto de outras empresas os mesmos produtos que a autora “AA, Lda.” comercializava - (artigo 51º da Base Instrutória).

59. Uma parte dos produtos comercializados pela autora “AA, Lda.” só são aceites pelo mercado com a marca «RG», sendo recusados se comercializados por outra qualquer empresa - (artigo 34º da Base Instrutória).

60. A carteira de clientes da autora “AA, Lda.” é intransmissível e ainda hoje a empresa continua a receber pedidos de encomendas para os seus produtos, com a sua actividade suspensa - (artigo 35º da Base Instrutória).

61. Com a suspensão de actividade da autora “AA, Lda.”, esta continua a suportar encargos com a contabilidade, renda, manutenção e limpeza - (artigo 40º da Base Instrutória).

62. A autora “AA, Lda.” manteve alguns stocks de matérias-primas, no valor de €15.000,00 - (artigo 42º da Base Instrutória).

63. A autora “AA, Lda.” manteve alguns stocks de produtos acabados, no valor de €20.000,00 - (artigo 43º da Base Instrutória).

64. Aquando da assumpção do cargo de gerente da autora “AA, Lda.”, por parte do autor BB, ficou acordado com os sócios da empresa que 50% dos lucros seriam atribuídos ao primeiro e os remanescentes 50% destinar-se-iam a reservas a constituir pela própria empresa, visando a criação de um fundo de maneio e de uma estrutura financeira que lhe assegurasse um futuro de sucesso - (artigo 39º da Base Instrutória).

65. Na qualidade de gerente da autora “AA, Lda.”, o autor BB auferia o salário mensal, a que acrescia igual valor de subsídio de férias e subsídio de Natal, de: €1.000,00, em 2007 e 2008, de € 1.500,00, de Janeiro a Agosto de 2009, inclusive, e de €500,00, desde Setembro a Dezembro de 2009 - (artigo 52º da Base Instrutória).

66. Desde a suspensão da actividade da autora “AA, Lda.”, em Dezembro de 2009, não mais o autor BB auferiu do seu salário - (artigo 53º da Base Instrutória).

67. Atenta a sua idade e o seu estado de saúde, as pessoas próximas do autor BB consideravam previsível que ele mantivesse o cargo de gerente da autora “AA, Lda.”, pelo menos, mais nove anos - (artigo 54º da Base Instrutória).

68. A cessação de actividade da autora “AA, Lda.” causou - e continua a causar - sofrimento ao autor BB, nomeadamente, muito desgosto e tristeza - (artigo 55º da Base Instrutória).

69. O autor BB é um empresário que goza de enorme prestígio no meio em que vive e foi sempre conotado como homem de sucesso - (artigo 56º da Base Instrutória).

70. Na sequência da suspensão da actividade da autora “AA, Lda.”, o autor BB fechou-se em casa, deixou de ter vida social e encontra-se deprimido, triste e frustrado - (artigo 57º da Base Instrutória).

71. A cessação de actividade da autora “AA, Lda.” impediu o autor BB de auferir quaisquer rendimentos, vendo-se este na necessidade de alienar bens pessoais para fazer face às necessidades de sobrevivência, suas e do seu agregado familiar - (artigo 58º da Base Instrutória).

72. O autor BB procedeu à venda de automóveis, relógios, peças em ouro e quadros, tudo vendido num mercado em crise - (artigo 59º da Base Instrutória).

73. A situação de inactividade em que se encontra o autor BB fá-lo recear pelo seu futuro e dos seus, circunstância que lhe gera enorme angústia - (artigo 60º da Base Instrutória).

74. Tendo sempre vivido no meio de uma família considerada abastada, por virtude do seu trabalho e do seu sucesso, o autor BB tem assistido, impotente, à depauperação do património da família para valer à sua própria sobrevivência, vivendo na angústia de vender jóias pessoais, dele, da mulher e dos filhos, que sempre guardaram com paixão e carinho - (artigo 61º da Base Instrutória).

75. A suspensão da actividade da autora “AA, Lda.” atirou o autor BB e toda a sua família para uma situação económica muito abaixo daquela a que estavam habituados, conforme descrito nos factos anteriores, situação que lhe vem causando enorme sofrimento e o levou já ao isolamento - (artigo 62º da Base Instrutória).

76. A tudo isso acresce o facto da filha II padecer de doença grave - esclerose múltipla - cuja evolução é condicionada, negativamente, pelo stress e ansiedade - (artigo 63º da Base Instrutória).
                                                               *
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da verificação do elemento «ilicitude» da conduta dos réus.

II – Eventualmente, a apreciação dos demais elementos da responsabilidade civil, para além do facto voluntário, já incontroverso.

III – E a definição e quantificação dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, reclamados pelos autores.

                I. DA ILICITUDE DA CONDUTA DOS RÉUS

I. 1. Diz a autora, a este propósito, que era obrigação legal dos réus actualizarem as informações respeitantes aquela e, anteriormente, comunicadas à Central de Responsabilidades de Crédito, incluindo-as na qualificação de créditos renegociados, pois que as providências sobre o passivo da insolvente, previstas no plano de insolvência, produziram todos os seus efeitos, imediatamente, com o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e com o encerramento do processo de insolvência, momentos a partir dos quais aquela já não se encontrava em situação de insolvência, tendo os réus limitado os seus créditos a 10% do seu valor originário e comprometendo-se a não exigir a totalidade do crédito, a não ser que a autora não cumprisse as obrigações que lhe incumbiam, as quais, apenas, se venceriam dois anos depois da sentença de homologação do plano.

A violação do “direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, a que alude o artigo 483º, nº 1, do Código Civil (CC), constitui, em regra, um facto ilícito, a menos que se demonstre a existência de uma causa justificativa do facto, capaz de afastar a sua aparente ilicitude, como acontece quando o agente pratica o facto no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, que legitimam a verificação do dano, se bem que, podendo a ilicitude provir do dano causado pelo facto, se reporte, em primeira linha, ao facto do agente e não ao seu efeito danoso[2].

Assim, a afirmação ou divulgação de “um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa”, contemplada pelo artigo 484º, do CC, pode não constituir um facto antijurídico, se corresponder ao exercício de um direito ou faculdade ou ao cumprimento de um dever.

I. 2. Preceitua, por seu turno, o artigo 192º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no seu nº 1, que “o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código”.

O plano de insolvência constitui uma providência de recuperação empresarial em que os credores, num primeiro momento, aceitam limitar o conteúdo dos seus direitos, ou, dito de outro modo, depreciar o montante dos seus créditos, com sentido de, a prazo, no decurso da execução do plano, beneficiarem com vantagem[3], consubstanciando um meio alternativo de satisfação dos interesse dos credores, a que todo o processo de insolvência se dirige[4].

O CIRE prevê ainda, como formas de recuperação, a exoneração do passivo restante e o plano de pagamentos, aplicáveis, exclusivamente, a pessoas singulares, para além do plano de insolvência, que se aplica, indistintamente, a pessoas singulares e a pessoas coletivas.

O plano de insolvência, após o trânsito em julgado da decisão que o homologa, determina o encerramento do processo de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo daquele, nos termos do disposto pelo artigo 230º, nº 1, b), sendo certo que, uma vez encerrado o processo, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, mas os credores podem exercer os seus direitos contra o devedor, sem qualquer restrição, exceto se tal não for permitido pelo plano de insolvência aprovado, atento o preceituado pelo artigo 234º, nº 1, c), ambos do CIRE.

Na verdade, constituindo o plano de insolvência uma via alternativa de satisfação dos interesses do credor, relativamente ao regime supletivo consagrado pelos artigos 1º e 192º, nº 1, do CIRE, o processo de insolvência encerra, normalmente, com a homologação daquele plano, a menos que, por exemplo, exista uma modalidade de liquidação universal do património do devedor, diferente da que se acha, supletivamente, traçada, e em que, não obstante a homologação do plano de insolvência, o processo continua[5].

Dispõe, por outro lado, o artigo 197º, c), que “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, o cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes”, sendo certo que, uma vez encerrado o processo, “cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando, designadamente, o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte”, atento o estipulado pelo artigo 233º, nº 1, a), ambos do CIRE.

Assim sendo, quando o insolvente é uma pessoa singular, o facto de, no processo de insolvência, se ter procedido à liquidação universal do seu património, mas sem se haver obtido o pagamento integral dos créditos verificados, não é ainda suficiente para a liberação do devedor, podendo, igualmente, ser necessário que ele tivesse solicitado, tempestivamente, e obtido decisão favorável quanto ao benefício da exoneração do passivo restante, a menos que, não tendo formulado este pedido, venha a ficar exonerado, desde que seja aprovado um plano de insolvência e neste não fique ressalvada a manutenção da sua responsabilidade pela parte das dívidas não satisfeitas em execução do plano.

Mas, quando os devedores sejam sociedades comerciais, uma vez que estas se extinguem, no caso de encerramento do processo de insolvência, após o rateio final, verifica-se a extinção da responsabilidade pelo remanescente.

Assim, as pessoas singulares e as pessoas coletivas responsáveis pelas dívidas ficariam libertas do que, após integral execução do plano de insolvência, não tiver sido pago, neste âmbito, desde que o plano não estipule, expressamente, a sua responsabilidade pelas dívidas que não forem abrangidas pelo plano[6].

Aliás, o plano de insolvência pode exonerar o devedor das suas obrigações, após o cumprimento do que nele esteja estipulado, como acontece nas situações em que não é possível liquidar, integralmente, as dívidas[7].

Porém, em princípio, o encerramento do processo de insolvência apenas ocorrerá, no caso de o plano de insolvência se traduzir em medidas de recuperação da empresa insolvente, porquanto, consistindo antes num meio alternativo de liquidação do património do insolvente, o processo, tão-só, poderá ser encerrado com o rateio do saldo apurado na liquidação de bens[8].   

Como já se disse, decorre da redação do proémio do nº 1, do artigo 218º, do CIRE, que, “salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso…”, a questão do incumprimento das obrigações previstas no plano de insolvência está na disponibilidade dos credores, ou seja, o regime do CIRE apenas é aplicável se o plano não previr, expressamente, solução distinta.

Verificando-se o incumprimento do plano de insolvência pelo devedor, serão afectadas a moratória e o perdão dos créditos previstos no plano, que ficarão sem efeito, relativamente ao crédito em que o devedor se constitua em mora, mediante interpelação escrita do mesmo, mas que se manterão quanto aos demais créditos, desde que o devedor tenha cumprido as suas obrigações, nos estritos termos previstos no plano, de acordo com o disposto pelo artigo 218º, nº 1, a), do CIRE.

I. 3. Na categoria dos tipos de créditos em situação de incumprimento de pagamento, também designados por créditos vencidos, sob o ponto de vista da responsabilidades dos devedores, de acordo com a natureza das operações, com base na agregação de saldos de contas do Plano de Contas para o Sistema Bancário, existe a classificação de créditos em mora, compreendendo os créditos e juros não pagos, no prazo contratado, de créditos em contencioso, compreendendo os créditos e juros não pagos, no prazo contratado, mas mantendo-se, no entanto, expectativas de cobrança, e cujos processos transitaram para os serviços de contencioso da instituição financeira respetiva, e de créditos abatidos ao activo, compreendendo os créditos e juros vencidos que foram abatidos das contas de crédito, mas que continuam em cobrança.

Os créditos renegociados resultam de operações de crédito, efetivamente, concedido que, tendo entrado em situação de incumprimento, decorrente da simples mora ou já da sua transição para a fase de contencioso, pelo facto de o seu pagamento integral não ter ocorrido, nos termos, inicialmente, acordados, foram, entretanto, renegociados, sem garantias adicionais, entre a entidade participante e o beneficiário do crédito, quanto à forma ou ao prazo de pagamento, deixando, assim, de se encontrar na situação de incumprimento e, portanto, de constituir um crédito vencido[9].

No entanto, o tipo classificativo dos créditos renegociados faz parte das situações objeto de informação mensal relevante, a enviar pelas entidades participantes ao Banco de Portugal.

I. 4. Preceitua o artigo 1º, nº 1, a), do DL nº 204/2008, de 14 de Outubro, que estabelece o Regime Jurídico relativo a Central de Responsabilidades de Crédito, que “a Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro, tem por objecto centralizar as responsabilidades efectivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas;” abrangendo, continua o respetivo nº 2, “a informação recebida relativa a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional”.

Estipula ainda o artigo 2º, nº 4, do diploma legal em apreço, que “a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões”.

Finalmente, dispõe o artigo 3º, no seu nº 1, do referido DL nº 204/2008, de 14 de Outubro, que “as entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, nos termos da regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, referidos no número seguinte,…”, acrescentando o correspondente nº 2, a), que “cada entidade participante fica obrigada a comunicar ao Banco de Portugal os saldos, em fim de cada mês, das responsabilidades decorrentes das seguintes operações de crédito concedido em Portugal,…respeitantes a operações activas, com pessoas singulares ou colectivas, a comunicar em nome do beneficiário directo do crédito”.

Deste modo, qualquer entidade sujeita à supervisão do Banco de Portugal, como acontece com os Bancos réus, está obrigada a participar à Central de Responsabilidades de Crédito todos os elementos informativos referentes a operações de crédito, a fim de que as instituições de crédito possam considerar a informação proveniente da referida entidade centralizadora e, com base nela, recusar ou conceder o crédito pretendido.

Contudo, a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo, exclusivamente, a estas proceder à sua alteração ou rectificação, nos termos do disposto pelo artigo 2º, nº 4, do mesmo diploma legal, não competindo ao Banco de Portugal proceder a qualquer alteração desses dados, que apenas se concretiza quando comunicada pela entidade que os tenha transmitido, uma vez que só ela conhece todos os contratos celebrados com os seus clientes, a evolução das responsabilidades destes e as eventuais situações de incumprimento, quando ocorram.

I. 5. Recuperando a factualidade mais importante que ficou demonstrada, importa reter que, em 26 de Setembro de 2007, a autora “AA, Lda.” apresentou-se à insolvência, sendo o autor HH, desde 2007, o único gerente daquela, também, ele, declarado insolvente.

Ficou previsto, no plano de insolvência respeitante ao processo de insolvência da autora, homologado, por sentença, transitada em julgado, em 12 de Fevereiro de 2009, através do qual aquela logrou obter o seu definitivo saneamento financeiro, que a mesma se obrigava ao pagamento, em relação a cada um dos credores comuns, de 10% do passivo reconhecido, em dez anos, mediante vinte prestações semestrais, vencendo-se a primeira, em 12 de Fevereiro de 2011, bem como à celebração, em benefício do réu “Banco CC, S.A.”, de uma dação em cumprimento dos imóveis identificados, para pagamento do seu crédito de €838.000,00.

Entretanto, o despacho de encerramento do processo de insolvência transitou em julgado, em 2 de Abril de 2009.

Após a aprovação do plano de insolvência, acreditando que só necessitava de financiamento, através de desconto de letras e cheques, a autora iniciou contactos com algumas instituições bancárias, mas, em meados de 2009, no decurso do seu processo de reestruturação financeira, foi-lhe dito que não poderia aceder às linhas de crédito «PME INVEST», enquanto constasse em situação de incumprimento da informação da Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal.

Aliás, entre 12 de Fevereiro de 2009 e Julho de 2010, os réus “Banco CC, S.A.”, “Banco DD., S.A.”, “FF, S.A.” e “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, e, entre 12 de Fevereiro e Outubro de 2009, o réu “EE. - Banco ..., S.A.”,  continuaram a comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal montantes como estando em dívida pela autora e o que consideravam ser a sua situação de incumprimento.

Então, a autora interpelou, por escrito, os réus “Banco CC, S.A.”, “Banco DD., S.A.”, “EE. - Banco ..., S.A.” e “FF, S.A.”, dando conta que havia transitado em julgado a sentença que homologara o plano de insolvência, tornando-se urgente que aqueles réus informassem do facto o Banco de Portugal, tendo em vista retirar aquela empresa da situação de incumprimento, o que a vinha impedindo de aceder ao crédito, com prejuízos incomportáveis para a normalização da sua actividade.

Em 15 de Abril de 2009, atento o silêncio e inação destes réus e, também, do réu “GG - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, a autora remeteu ao Banco de Portugal uma carta registada, com aviso de recepção, onde escreveu que foi aprovado um plano de insolvência, por sentença homologatória, transitada em julgado, e, não obstante os inúmeros contactos levados a cabo junto das várias instituições financeiras que viram os seus créditos reconhecidos no processo de insolvência, algumas delas persistem em comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito situações de incumprimento da autora, que violam, de modo manifesto, os termos do plano de insolvência, sendo certo que tais condutas a vêm impedindo de aceder ao crédito, afectando, irreversivelmente, a sua recuperação comercial e financeira e colocando em risco a sua sobrevivência, solicitando ainda que o Banco de Portugal tome, de imediato, as medidas tendentes a eliminar toda a informação constante da Central de Responsabilidade de Crédito fornecida pelas instituições financeiras em causa.

E, em 25 de Maio de 2009, porque os réus “Banco CC, S.A.”, “Banco DD., S.A.”, “EE - Banco ..., S.A.” e “FF, S.A.” nada fizeram, a autora  insistiu e interpelou-os, de novo, no sentido de que persistia a situação de prestação de informação falsa ao Banco de Portugal sobre alegados incumprimentos, por parte daquela, o que  não lhes era lícito manter, e que vem impedindo o acesso da empresa ao crédito bancário, inclusive, aquele que é garantido, parcial ou, totalmente, pelo Estado, ao abrigo das medidas de combate à crise económico-financeira, o que, a manter-se, determinaria, inexoravelmente, o encerramento da autora, continuando, contudo, todos os réus a enviar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal as informações de incumprimento, por parte daquela.

Por carta datada de 15 de Julho de 2009, o Banco de Portugal respondeu à autora, dizendo que, através da comunicação pela instituição de crédito, se encontra esclarecido e resolvido o assunto que deu origem à referida reclamação, ficando encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo em causa.

Porém, em Agosto de 2009, todos os réus reiteravam à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a mesma informação prestada antes da prolação da sentença homologatória do plano de insolvência.

A autora viu-se impossibilitada de aceder ao crédito bancário, e, nomeadamente, às linhas de crédito postas à sua disposição pelo Estado, para adquirir as matérias-primas necessárias à satisfação das encomendas dos seus clientes, o que determinou, directa e necessariamente, o seu colapso financeiro, acabando por suspender a sua actividade, em Dezembro de 2009, por manifesta falta de condições económicas e financeiras para a desenvolver.

A autora fez inúmeros contactos, junto do I.A.P.M.E.I., tendo em vista o apoio daquela instituição no acesso às aludidas linhas de crédito, e contactou ainda outras instituições financeiras, nomeadamente, o “KK, S.A.” e a “LL”, e a resposta foi, invariavelmente, a de que, para aceder às linhas de crédito, era necessário, previamente, corrigir ou retirar as informações bancárias existentes na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

No decurso dos meses de Março e Abril de 2009, na qualidade de gerente da autora, o autor manteve contactos directos e pessoais com a Administração do “KK, S.A.”, tendo-lhe sido dito não ser possível equacionar qualquer operação financeira enquanto a empresa mantivesse as situações de incumprimento na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

Em 8 de Março de 2010, foi celebrada a escritura de dação em cumprimento entre a autora e o réu “Banco CC, S.A.”, prevista no plano de insolvência, aprovado no processo de insolvência daquela.

Em 2008, a autora contactara o “MM, S.A.”, tendo em vista a viabilização de um financiamento de apoio à tesouraria, no montante de €50.000,00, que este recusou, expressamente, referindo que não valia a pena solicitar qualquer apoio financeiro enquanto se mantivessem as informações na Central de Responsabilidades de Crédito no Banco de Portugal.

I. 6. Tendo o plano de insolvência da autora, que teve lugar no respetivo processo de insolvência, sido aprovado, por sentença homologatória, passada em julgado, em 12 de Fevereiro de 2009, quer os créditos comuns, quer o crédito hipotecário de que era beneficiário o réu “Banco CC, S.A.”, transitaram da categoria de créditos abatidos ao activo, correspondendo a situações de incumprimento de pagamento, mas mantendo expetativas de cobrança, para a categoria classificativa de créditos renegociados, porquanto foram objecto de transação, sem garantias adicionais, quanto à forma e ao prazo de pagamento.

Ora, os créditos renegociados fazem parte do elenco das situações objeto de informação mensal relevante, a enviar pelas entidades participantes à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

Porém, após a aprovação do plano de insolvência, no decurso do processo de reestruturação financeira da autora, os réus continuaram a comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal os montantes daqueles créditos como estando ainda em dívida pela autora, independentemente da renegociação operada, e que consideravam numa situação de incumprimento, tendo sido dito à autora que não poderia aceder às linhas de crédito «PME INVEST», enquanto constasse da aludida situação de incumprimento, sem embargo da interpelação escrita que esta efetuou, junto dos réus, face ao sucedido, enfatizando que se tornava urgente que informassem o Banco de Portugal da homologação judicial do plano de insolvência, tendo em vista retirar a autora da situação de incumprimento, o que a vinha impedindo de aceder ao crédito, com prejuízos incomportáveis para a normalização da sua actividade, e que motivou que a mesma, atento o silêncio e inação dos réus, tenha comunicado o facto ao Banco de Portugal, voltando a insistir, junto dos réus, no sentido de que persistia a situação de prestação de falsa informação ao Banco de Portugal sobre os alegados incumprimentos, por parte daquela, mas sem sucesso, porquanto todos continuavam a enviar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal as informações de incumprimento, por parte da autora.

Até que, por carta datada de 15 de Julho de 2009, o Banco de Portugal respondeu à autora, dizendo que, através da comunicação pela instituição de crédito, se encontrava esclarecido e resolvido o assunto que deu origem à referida reclamação, ficando encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo em causa.

Porém, em Agosto de 2009, todos os réus reiteravam à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a mesma informação prestada antes da prolação da sentença no processo de insolvência.

Assim sendo, tendo o Banco de Portugal, em 15 de Julho de 2009, informado a autora que se encontrava esclarecido e resolvido o assunto que dera origem à referida reclamação, ficando encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo em causa, os réus continuaram a prestar-lhe a mesma informação, como já acontecia antes da prolação da sentença no processo de insolvência.

Na verdade, não se provou que o Banco de Portugal tivesse ou não transmitido aos réus a informação que, em 15 de Julho de 2009, prestara à autora, de que se encontrava encerrada a intervenção daquela entidade no processo em causa.

Pese embora os créditos comuns e o crédito privilegiado dos réus sobre a autora, por força da transação que conduziu à homologação judicial do plano de insolvência, passassem a pertencer à categoria classificativa de créditos renegociados, continuavam sujeitos a que os réus informassem o Banco de Portugal sobre a sua existência, porquanto estes condicionaram os efeitos da reestruturação do passivo ao integral cumprimento do acordo, que, apenas, ocorreria, quanto aos créditos comuns, vinte e quatro meses depois, e, quanto ao crédito privilegiado, com a celebração da escritura de dação em cumprimento dos dois imóveis hipotecados ao réu “Banco CC, SA”.

Com efeito, não obstante o trânsito em julgado da decisão homologatória do plano de insolvência e até do encerramento do processo de insolvência, existia a obrigatoriedade de comunicação pelos réus dos créditos renegociados à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

Aliás, na ausência de estatuição expressa, em sentido diverso, constante do plano de insolvência, o que não acontece, como já se disse, só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes, atento o disposto pelo artigo 197º, c), do CIRE, pois que os responsáveis pelas dívidas apenas ficariam libertos, após integral execução do plano de insolvência celebrado.

Ora, a aludida obrigatoriedade de comunicação pelos réus dos créditos renegociados afasta, desde logo, qualquer tipo de ilicitude na participação que aqueles fizeram à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, relativamente aos créditos concedidos à autora, o que inviabiliza qualquer êxito na respetiva pretensão indemnizatória, com base nos danos causados pela recusa de concessão de crédito[10], e isto, repita-se, porque sendo a comunicação mensal obrigatória para os réus, o Banco de Portugal, enquanto entidade central supervisora, não os advertiu, ou, pelo menos, tal não se demonstrou, que se encontrava esclarecido e resolvido o assunto que deu origem à reclamação da autora e que ficava encerrada a intervenção do Banco de Portugal no processo em causa, ou, no mínimo, não fez desconsiderar pela Central de Responsabilidades de Crédito, tratando-a, de modo integrado e coerente, a informação, sistematicamente, recebida pelos réus, de modo a que a mesma não pudesse ser transmitida aos potenciais interessados na avaliação do risco da concessão de crédito.

Aliás, na ausência de estatuição expressa, em sentido diverso, constante do plano de insolvência, o que não se verifica, como já se disse, só o cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes, atento o disposto pelo artigo 197º, c), do CIRE, pois que os responsáveis pelas dívidas apenas ficariam libertos, após integral execução do plano de insolvência celebrado.

A comunicação automática realizada pelos réus ao Banco de Portugal, no contexto analisado da nova realidade dos créditos renegociados, não constitui, pois, uma informação falsa, «maxime», conscientemente, falsa, pelo que não se verifica o elemento «ilicitude» do facto voluntário do agente, por parte dos réus, cabendo antes ao Banco de Portugal, como já se disse, a responsabilidade pelo não tratamento adequado dessa informação, na sequência do que, oportunamente, e, após várias insistências da autora, lhe fez transmitir ser esse o seu entendimento.

Aliás, provou-se que, em cata dirigida aos réus pela autora, datada de 25 de Maio de 2009, esta dizia que “O Banco, sendo uma das instituições bancárias que está a prestar informações presentemente FALSAS ao Banco de Portugal, será destinatário de uma acção judicial a instaurar contra todos os bancos, bem como contra o Banco de Portugal (a quem foi tempestivamente denunciada toda a situação e que nenhuma medida tomou até à presente data), para ressarcimento de todos os danos resultantes da ilicitude dessa conduta e que ascendem a centenas de milhares de euros”.

Atendendo à não demonstração do pressuposto constitutivo da responsabilidade civil em que se traduz a ilicitude da conduta dos réus, não importa apreciar os demais pressupostos, e, consequentemente, proceder à quantificação dos danos ocorridos, improcedendo, com o muito devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista dos autores.

CONCLUSÕES:

I - O plano de insolvência constitui uma providência de recuperação empresarial alternativa que visa a satisfação dos interesse dos credores, aplicável, indistintamente, a pessoas singulares e a pessoas coletivas.

II – Sendo o insolvente pessoa singular, o facto de, no processo de insolvência, se ter procedido à liquidação universal do seu património, sem se haver obtido o pagamento integral dos créditos verificados, não é ainda suficiente para, sem mais, se declarar a liberação do devedor.

III - Após integral execução do plano de insolvência, as pessoas singulares ou as pessoas coletivas responsáveis pelas dívidas ficam libertas do quantitativo que não tiver sido pago, neste âmbito, desde que o plano não estipule, expressamente, a sua responsabilidade pelas dívidas que não forem abrangidas pelo mesmo.  

IV - O encerramento do processo de insolvência apenas ocorrerá, em princípio, no caso de o plano de insolvência se traduzir em medidas de recuperação da empresa insolvente, porquanto, consistindo antes num meio alternativo de liquidação do património do insolvente, o processo, tão-só, poderá ser encerrado com o rateio do saldo apurado na liquidação de bens.

V - Na categoria dos tipos de crédito em situação de incumprimento de pagamento, também, designados por créditos vencidos, sob o ponto de vista da responsabilidades dos devedores, de acordo com a natureza das operações, existe a classificação de créditos em mora, de créditos em contencioso e de créditos abatidos ao activo, compreendendo estes os créditos e juros vencidos que foram abatidos das contas de crédito, mas que continuam em cobrança.

VI - Os créditos renegociados resultam de operações de crédito, efetivamente, concedido que, tendo entrado em situação de incumprimento, decorrente da simples mora ou já da sua transição para a fase de contencioso, pelo facto de o seu pagamento integral não ter ocorrido, nos termos, inicialmente, acordados, foram, entretanto, renegociados, sem garantias adicionais, deixando, assim, de se encontrar na situação de incumprimento e, portanto, de constituir crédito vencido.

VII - Os créditos renegociados fazem parte, igualmente, das situações objeto de informação mensal relevante, a enviar pelas entidades participantes ao Banco de Portugal.

VIII – Sendo, legalmente, obrigatória a comunicação dos créditos renegociados, pelas instituições bancárias ao Banco de Portugal, os réus actuaram no cumprimento de um dever, mesmo na situação da nova realidade dos créditos renegociados, que legitima a verificação do dano resultante da não concessão de crédito aos autores que, como causa justificativa do facto, afasta a aparente ilicitude da sua conduta.

IX - Na ausência de estatuição expressa, em sentido diverso, constante do plano de insolvência, só o cumprimento deste exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes, pois que os responsáveis pelas dívidas apenas ficariam libertos, após integral execução do plano de insolvência celebrado, sendo, assim, realidades distintas, não incompatíveis, o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência e a execução concluída deste.

DECISÃO[11]:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar o presente recurso de revista, «per saltum», confirmando, inteiramente, a douta sentença impugnada.

                                                    *

Custas da revista, a cargo dos autores.

                                                    *

Notifique.

Lisboa, 1 de Julho de 2014

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

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[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, Almedina, 1970, 375, 376 e 361. 
[3] Pedro Pidwell, O Processo de Insolvência e a Recuperação da Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada, Coimbra Editora, Maio de 2011, 290.
[4] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, 726.
[5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, 760 e 761. 
[6] Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2010, 2ª edição, Almedina, 384.
[7] Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 2010, 2ª edição, Almedina, 365.
[8] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, 760 e 761; E. Santos Júnior, O Plano de Insolvência. Algumas Notas, O Direito, 138 (2006), III, 589, nota (49); e Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina, 2007, 140, nota (50). 
[9] Cadernos do Banco de Portugal, 5, Central de Responsabilidades de Crédito, Responsabilidades de Crédito, Lisboa, 2003, 10 a 13.
[10] STJ, de 27-10-2009, Revista nº 502/09.3YFL.SB; STJ, de 28-10-2008, Revista nº 08A3346, www.dgsi.pt
[11] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.