Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/22.5YRCBR
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: EXTRADIÇÃO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COSTA, MIGUEL JOÃO - OS LIMITES À EXTRADIÇÃO PARA FORA DA UNIÃO EUROPEIA IV - GENERALSTAATSANWALTSCHAFT BERLIN (EXTRADITION VERS L'UKRAINE) E O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 12 DE MAIO E 2022: IN: REVISTA DE CIÊNCIA CRIMINAL, A. 32, N,º 1 (JAN.-ABR. 2022), P. 209-244.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Em processo de extradição não há lugar ao julgamento em audiência do recurso do acórdão da Relação para o STJ, mas julgamento em conferência.
II - Falta de fundamentação e discordância da fundamentação são categorias diferentes. Não padece de falta de fundamentação a decisão que, não acolhendo a alegação do recorrente, decide em sentido contrário à sua expetativa ou pretensão.
III - A admissão e a concessão da extradição levam implícito – na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas – o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias, condicionamento que, posto que não explícito, conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos apropriados canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado.
IV - A Dupla incriminação deve ser verificada em concreto. A conspiração para defraudar (EUA) é, no caso, punida em Portugal pelo tipo de ilícito de associação criminosa.
V - A aplicação supletiva das regras do CPP ao procedimento de extradição não é automática. No processo de extradição, conforme decorre do disposto no artigo 46.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o Tribunal recetor do pedido não produz qualquer prova sobre os factos imputados ao extraditando e que constam do pedido de extradição, pelo que a qualificação jurídica efetuada, seja no pedido inicial seja, posteriormente, no acórdão, nenhuma repercussão tem ou pode ter no Estado que irá prosseguir com o procedimento criminal. Não é formulada uma acusação, nem se verifica uma audiência de julgamento. No processo de extradição, o visado não se opõe defendendo-se dos crimes que lhe são imputados, pelo que a qualificação jurídica feita pelo Estado Requerente, quer a realizada administrativamente aquando do controlo político, não retira ao tribunal na fase judicial a liberdade de qualificação jurídica desde que os direitos de defesa do requerido não sejam limitados em grau que a lei e a Constituição não consintam.
VI - Não comportando este procedimento (extradição) uma acusação e/ou audiência de discussão e julgamento para prova dos factos objeto da mesma, e sendo a qualificação jurídica apenas efetuada a fim de apreciar os pressupostos subjacentes ao pedido de extradição, nomeadamente quanto ao requisito da dupla incriminação, parece-nos claro que não há lugar à aplicação subsidiária do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
VII - Estando em causa a extradição de um cidadão da União Europeia, detido num Estado que não é o da sua nacionalidade o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou, nomeadamente no caso Petruhhin (de 6 de setembro de 2016, processo n.º C-182/15), que «os artigos 18.° e 21.°º TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado-Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado-Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado-Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado-Membro da nacionalidade do cidadão e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado-Membro, entregar-lhe esse cidadão, em conformidade com as disposições da Decisão-Quadro 2002/584, desde que esse Estado-Membro seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional»
VIII - E no caso Pisciotti (de 10 de abril de 2018, processo n.º C-191/16), o TJUE decidiu que «num caso como o do processo principal, em que um cidadão da União que foi objeto de um pedido de extradição para os Estados Unidos, no âmbito do Acordo UE-USA, foi detido num Estado-Membro diferente daquele de que é nacional, tendo em vista a eventual execução desse pedido, os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o Estado-Membro requerido estabeleça uma distinção, com fundamento numa norma de direito constitucional, entre os seus nacionais e os nacionais de outros Estados-Membros e autorize essa extradição, apesar de não permitir a extradição dos seus próprios nacionais, desde que tenha previamente dado às autoridades competentes do Estado-Membro de que é nacional o referido cidadão a possibilidade de pedirem a sua entrega no âmbito de um mandado de detenção europeu e que este último Estado-Membro não tenha tomado medidas nesse sentido»
IX - Do acórdão Pisciotti resulta que apenas se exige ao Estado-Membro a quem a extradição é pedida que conceda ao Estado-Membro de quem o cidadão é nacional a oportunidade de emitir um Mandado de Detenção Europeu, não resultando qualquer obrigação no sentido de ele próprio, prosseguir criminalmente o visado.
X - E no acórdão de 17 de dezembro de 2020 o TJUE decidiu que:
«Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando o Estado‑Membro da nacionalidade da pessoa reclamada, cidadão da União que é objeto de um pedido de extradição dirigido por um Estado terceiro a outro Estado‑Membro, tiver sido informado por este último da existência desse pedido, nenhum desses Estados‑Membros é obrigado a pedir ao Estado terceiro requerente que lhe envie uma cópia dos autos do processo penal a fim de permitir ao Estado‑Membro da nacionalidade da pessoa apreciar a possibilidade de exercer ele próprio a ação penal contra a referida pessoa. Desde que tenha informado devidamente o Estado‑Membro do qual a mesma pessoa tem a nacionalidade da existência do pedido de extradição, do conjunto dos elementos de direito e de facto comunicados pelo Estado terceiro requerente no âmbito desse pedido, bem como de qualquer alteração da situação em que a pessoa reclamada se encontra, pertinente para efeitos da eventual emissão contra ela de um mandado de detenção europeu, o Estado‑Membro requerido pode extraditar essa pessoa sem ter de aguardar que o Estado‑Membro da nacionalidade dessa pessoa renuncie, através de uma decisão formal, à emissão desse mandado de detenção, que incida, pelo menos, sobre os mesmos factos visados no pedido de extradição, quando este último Estado‑Membro se abstenha de proceder a essa emissão num prazo razoável que lhe tenha sido concedido para esse efeito pelo Estado‑Membro requerido, tendo em conta todas as circunstâncias do processo».
«Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro ao qual um Estado terceiro tenha apresentado, para efeitos de procedimento penal, um pedido de extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, não é obrigado a recusar a extradição e a exercer ele próprio a ação penal quando o seu direito nacional lho permita».
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 8/22.5YRCBR.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA, inconformado com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de março de 2022, que deferiu o pedido de extradição para os Estados Unidos da América, recorreu apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

I. Da decisão de extraditar sem garantias adicionais quanto ao respeito pelo princípio da especialidade (falta de fundamentação e nulidade por omissão de pronúncia)

1.ª O acórdão recorrido padece de insuficiência da fundamentação já que diz “não existirem provas” do incumprimento das garantias, sem qualquer pronúncia específica sobre as concretas provas que o extraditando apresentou na sua oposição.

2.ª Concretamente, alegou-se e documentou-se na oposição escrita que contrapôs ao pedido de extradição, o ora recorrente invocou que existe evidência jurisprudencial de que existem casos nos Tribunais do Distrito de Nova Iorque, em que os EUA perseguem penalmente por outros factos anteriormente praticados por pessoas extraditadas.

3.ª E, além do mais, de que inexiste tutela jurisdicional efectiva acessível à   pessoa extraditada para sindicar a respectiva violação e impedir a prossecução, em violação do princípio da especialidade, existindo uma divisão entre os Tribunais de Recurso dos Circuitos Federais (U.S. Court of Appeals).

4.ª Padece ainda da nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, al. d), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, já que a solicitação das referidas garantias é obrigatória para julgar os pressupostos da extradição, uma vez que na ausência das mesmas, a extradição deve ser recusada, nos termos do artigo 16.º, n.º 2 e 3, e 44.º, n.º 1, a. c), da Lei 144/99, de 31.08 (em conjugação com o artigo VII da Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908 alterada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, que complementa a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908) pelo que se trata de diligência obrigatória.

5.ª De tudo apresentou prova documental, tendo o Tribunal a quo considerando não estar obrigado a solicitar as referidas garantias, desde logo porque as mesmas tinham sido apreciadas pelo Ministério da Justiça na fase administrativa do processo de extradição e estavam abrangidas pelo princípio da confiança entre Estados soberanos, o que implica que o Tribunal entendeu que as mesmas estão subtraídas à apreciação judicial na fase jurisdicional do processo de extradição.

6.ª Suscita-se a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente a suficiência das garantias diplomáticas prestadas pelo Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP.

7.ª Norma extraída do artigo 46.º da Lei 144/99, de 31.08, conjugado com os artigos 16.º, n.º 2 e 3, e 44.º, n.º 1, a. c), da Lei 144/99, de 31.08 (em conjugação com o artigo VII da Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908 alterada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, que complementa a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908) pelo que se trata de diligência obrigatória.

8.ª Pelo que devem ser conhecidos o vício e nulidade invocados, declarando-se a inconstitucionalidade arguida, negando-se a extradição com esse fundamento ou reenviando o processo ao Tribunal a quo para que as supra, requerendo dos EUA as garantias necessárias a acautelar os vícios invocados e demonstrados.

II. Da não verificação da ausência de dupla incriminação quanto aos factos que integram a “count one” – crime de conspiração para defraudar

9.ª O Tribunal a quo veio decidir que os factos que integram a “count one” – crime de conspiração para defraudar - se enquadrariam no crime de associação criminosa previsto no artigo 299.º do CP, incorrendo em vários vícios e erro.

10.ªEm primeiro lugar, incorreu em contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação, e a fundamentação e a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, ex vi art. 3.º, n,.º 2, Lei 144/99, de 31.08, pois considera 1ue aqueles factos correspondem ao crime de burla qualificada, para depois afinal dizer que também correspondem ao crime do artigo 299.º do CP.

11.ªEm segundo lugar, o enquadramento nesse preceito sempre consubstanciaria nulidade por preterição das regras do artigo 358.º do CPP, nos termos do artigo 379.º, n,.º 1, al. b), do mesmo diploma, ex vi art. 3.º, nº 2, da Lei 144/99, de 31.08, uma vez que não foi o extraditando notificado nos termos desse normativo.

12.ª Invocando-se a inconstitucionalidade por violação do direito ao contraditório, à igualdade de armas e a uma defesa efectiva, da norma segundo a qual em processo de extradiçãopassiva não tem de ser comunicada previamente ao extraditando a intenção de proceder a uma alteração da qualificação jurídica ao abrigo do direito português dos factos que estão na base do pedido de extradição, norma extraída dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do CPP, ex vi art. 3.º n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, por violação dos artigos 20.º, n.º1, 32.º, n.ºs 1, 5 e 7 e do artigo.

13.ªA decisão recorrida padece de erro de julgamento, pois nunca a factualidade descrita como subjacente à “count one” poderia ser considerada punível no ordenamento jurídico português.

14.ªNunca poderia ser enquadrada no crime de associação criminosa, cujo n.º 5 prevê expressamente que “Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo.” (negrito e sublinhado nossos), pois apenas se indica uma “conspiração” com outra pessoa.

15.ªNem em qualquer outro crime previsto no ordenamento jurídico português, uma vez que o primeiro dos três crimes por cuja alegada prática o extraditando é requerido pelos Estados Unidos da América para ser julgado refere-se única e exclusivamente à coordenação de intenções de vir a cometer um crime de “fraude electrónica”. Factos esses que no ordenamento jurídico português não estão tipificados como crime ou sequer tentativa de o cometer, sendo meramente preparatórios da sua eventual execução e, como tal, – por regra e in casu – não puníveis pelo direito penal português (artigo 21.º do CP).

16.ªDesde já se invoca a inconstitucionalidade da norma segundo a qual é admissível a extradição pela prática de actos preparatórios não puníveis pelo ordenamento jurídico português.

17.ªNorma essa extraída da interpretação conjugada dos artigos 21.º do Código Penal; artigo II da Convenção, na redacção dada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, e 2.º e 31.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Material Penal.

18.ªInconstitucionalidade por violação do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa na vertente do princípio da segurança jurídica, e do artigo 18.º, n.º 2 e 3 da CRP, na vertente da proibição da restrição dos direitos, liberdades e garantias salvo nos casos expressamente previstos na Constituição e definidos em lei prévia, uma vez que se trata de uma norma com conteúdo restritivo do direito à liberdade.

19.ªDeve assim, em qualquer caso, ser recusada a extradição pela “Count One” (artigo 21.º do CP, artigo II da Convenção, na redacção dada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, e 2.º e 31.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Material Penal).

III. Da recusa de extradição por força da cidadania da União Europeia e da territorialidade europeia da infracção.

1) Nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, als. a) e c), do cpp)

20.ªEm concreto, o extraditando invocou:

a. Precedência da Prossecução na Áustria (devendo inclusivamente ser ao extraditando permitido ali apresentar-se), por força do direito da UE; subsidiariamente

b. Recusa de extradição com base no artigo 32.º, n.º 1, al. b) (e subsidiariamente no artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08), por força da nacionalidade austríaca do extraditando e como decorrência do direito da UE e, subsidiariamente, do próprio direito interno;

c. Recusa de extradição com base no artigo 32.º, n.º 1, al. a) (e subsidiariamente no artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08), por força da territorialidade europeia dos factos e como decorrência do direito da UE e, subsidiariamente, do próprio direito interno;

d. Reenvio de questões prejudiciais ao TJUE sobre as matérias de direitio da União pertinentes para a solução das questões supra.

21.ªO Tribunal recorrido claramente omitiu a pronúncia sobre as questões referidas, não sendo mera omissão de tratamento de argumentos do extraditando, mas antes da omissão da decisão de reais questões jurídicas e fundamentos de recusa de extraditar.

22.ªE omitiu por completo a fundamentação sobre a recusa de reenvio prejudicial, isto porque a recusa de reenvio não pode basear-se na circunstância de o Tribunal interno considerar que a interpretação do direito da UE não deve coincidir com a defendida pelos sujeitos processuais. E nem sequer de a interpretação do direito da UE suscitada pelos sujeitos processuais não ter sido ainda tratada ex professo, ou ir até além da já proferida pelo TJUE, pelo menos sem uma fundamentação devidamente explanada.

23.ªNo limite (a considerar-se hipoteticamente admissível a decisão “por atacado”), a verdade é que a decisão não pode considerar-se suficientemente fundamentada.

24.ªPelo que é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), e 379.º, n.º 1, al. a, do CPP, em conjugação com o artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, ex vi art. 3.º, n,.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

2) Nulidade por falta de indicação das provas relevantes (379.º, n.º 1, al. a), do cpp)

25.ªA decisão recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, e nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, pois não indica as provas nas quais se sustentaram as conclusões referentes à posição da República da Áustria

3) Precedência da prossecução na Áustria (erro de julgamento em matéria de facto e de direito)

26.ªSendo matéria relevante e de conhecimento oficioso (e que era já conhecido das autoridades austríacas e do Ministério Público português, mas não do extraditando e do Tribunal) deve ser tida em conta a pendência de processo penal pelos mesmos factos contra o requerente na Áustria, sob pena da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que aqui se invoca.

27.ªSuscita-se a inconstitucionalidade da norma da qual resulte que o Tribunal competente para a decisão do processo de extradição não está obrigado, após a prolação de decisão de primeira instância, mas antes do respectivo trânsito em julgado, a tomar em conta documentos relevantes para a decisão da matéria suscitada na oposição e dos quais o extraditando apenas tenha tomado conhecimento após a prolação da decisão.

28.ªE a inconstitucionalidade da norma da qual resulte que o Tribunal competente para a decisão do processo de extradição não está obrigado, após a prolação de decisão de primeira instância, mas antes do respectivo trânsito em julgado, a tomar em conta documentos relevantes para a decisão da matéria suscitada na oposição e dos quais o extraditando apenas tenha tomado conhecimento após a prolação da decisão, não obstante serem conhecidos das autoridades judiciárias portuguesas.

29.ªNormas extraídas dos artigos 55.º a 59.º da Lei 144/99, de 31.08, do artigo 165.º, 410.º e 434.º do CPP, ex vi artigo 3.º, n.º 2, da Lei, 144/99, de 31.08, e dos artigos 679.º a 682.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

30.ªInconstitucionalidade por violação do direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, e das garantias de defesa, previstas nos artigos 32.º, n.º 1 e 5, da CRP, bem como do princípio do Estado de direito.

31.ªA situação de um nacional de um outro EM da UE que se encontre em Portugal e seja alvo de um pedido de extradição por um Estado terceiro encontra-se no âmbito de aplicação do direito da UE, nomeadamente dos artigos 18.º, 20.º, e 21.º do TFUE. As discriminações referentes à nacionalidade neste âmbito, impondo uma solução diferente entre nacionais portugueses e nacionais de outro EM constituem uma restrição ao direito de livre circulação e residência na UE.

32.ªA Áustria tem precedência na prossecução penal do ora requerente, sendo a via da prossecução penal no país da nacionalidade sempre uma restrição menor do direito de residir no espaço da UE, à qual tem de ser dada prioridade (tendo este Estado além do mais jurisdição territorial e pessoal e sendo Estado que, tal como Portugal, não permite a extradição dos seus nacionais), pelo que terá de perseguir penalmente o extraditando pelos factos constantes do pedido de extradição (sendo que, aliás, já instaurou processo para esse efeito).

33.ªDevendo assim ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que consubstancie uma medida menos restritiva dos direitos do extraditando, nomeadamente a permissão de que o extraditando se desloque para o Estado da nacionalidade (a Áustria), ordenando-se a condução por escolta policial do extraditando ao aeroporto para que este embarque com destino à República da Áustria, garantindo assim que o mesmo ali chegue (mesmo a custas do próprio extraditando), isto independentemente da pendência de processo naquele EM da UE.

34.ªTendo em conta a pendência de processo naquele EM da UE, se assim não se decidir resultará violado o princípio ne bis in idem, que constitui causa de recusa de extradição, prevista no artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08 e no artigo 29.º, n.º 5, da CRP, interpretados em consonância com o artigo 50.º da CDFUE, e ainda nos termos do disposto no artigo V (parte final) e no artigo 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.

35.ªSuscita-se a inconstitucionalidade da norma segundo a qual é permitida a extradição para Estado terceiro de pessoa contra a qual corra processo noutro EM da UE, por violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP.

36.ªNorma extraída do artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08 e no artigo 29.º, n.º 5, da CRP, interpretados em consonância com o artigo 50.º da CDFUE, e ainda nos termos do disposto no artigo V (parte final) e no artigo 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.

37.ªRequer-se a submissão de questão prejudicial ao TJUE para esclarecer se os artigos 18.º, 20.º e 21.º do TFUE, e o artigo 45.º da CDFUE impõem que o direito interno deva ser interpretado no sentido de dar a possibilidade ao extraditando de apresentar-se no Estado da sua nacionalidade para aí ser sujeito a prossecução penal, através da emissão de salvo conduto ou condução ao aeroporto para embarque com destino ao EM da nacionalidade.

38.ªNão sendo essa a interpretação a preconizar, esvaziar-se-ia o direito de cidadania da União do extraditando, decorrente do artigo 18.º, 20.º e 21.º do TFUE, do seu conteúdo essencial, incluindo o direito a residir no território da União, sendo essa interpretação desconforme com o artigo 45.º da CDFUE.

39.ªIsto porque a solução em vigor - notificar o Estado da nacionalidade para informar se pretende perseguir penalmente o extraditando e emitir um MDE contra o mesmo - é em regra inexequível e por isso é meramente teórica (como se constata flagrantemente nos presentes autos).

Subsidiariamente,

4) Recusa de extradição com base na nacionalidade de outro em da UE - erro de julgamento em matéria de direito (e nulidades por falta de fundamentação)

40.ªA qualidade de cidadão da UE que impõe a interpretação do direito nacional de forma a não discriminar cidadãos nacionais portugueses e de outro EM da UE, ao abrigo do disposto nos artigos 18.º, 20.º, e 21.º do TFUE, em matéria de causas de recusa de extradição pela qualidade de nacional do Estado requerente, impõe também que se interpretem as normas de direito interno sobre a aplicação da lei penal portuguesa de forma não discriminatória.

41.ªO que implica a recusar a extradição, por aplicação do artigo VIII da Convenção e dos artigos 32.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 144/99, de 31.08, e do artigo 33.º, n.º 3, da CRP, interpretado em conformidade com os artigos 18.º, 20.º, e 21.º do TFUE, e com o artigo 45.º da CDFUE: onde se lê “b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo o disposto no número seguinte” ler-se-á “b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia, salvo o disposto no número seguinte.” (o que terá como consequência a abertura em Portugal de processo contra o extraditando, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, al. e) ou f, do CP).

42.ªDúvidas existindo sobre as implicações daquela jurisprudência para a interpretação do artigo 32.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 144/99, de 31.08, e do artigo 33.º, n.º 3, da CRP, deverá este Supremo Tribunal levar à apresentação de questão prejudicial ao TJUE, devendo os sujeitos processuais ser notificados para exercerem o contraditório a este respeito e indicar a formulação concreta da mesma e o sentido em que entendem deve ser fixada a interpretação do direito UE, nomeadamente dos artigos 18.º, 20.º e 21.º do TFUE e do artigo 45.º da CDFUE.

43.ªOu, no limite, invocando a causa de recusa facultativa, prevista no art. 18.º, n.º 1, parte final, da Lei 144/99, de 31.08, no sentido de nele se ler “[...] quando o facto que a motiva for objecto de processo pendente ou quando esse facto deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa, ou do Estado-Membro da União Europeia da nacionalidade do extraditando”.

44.ªDúvidas existindo sobre as implicações daquela jurisprudência para a interpretação do artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08 deverá este Supremo Tribunal levar à apresentação de questão prejudicial ao TJUE, devendo os sujeitos processuais ser notificados para exercerem o contraditório a este respeito e indicar a formulação concreta da mesma e o sentido em que entendem deve ser fixada a interpretação do direito UE, nomeadamente dos artigos 18.º, 20.º e 21.º do TFUE e do artigo 45.º da CDFUE.

45.ªNo caso Petruhhin, o direito letão não previa a possibilidade de, havendo recusa de extradição por força da nacionalidade de outro EM, o extraditando ser julgado na Letónia, o que, desde logo, distingue esse caso do presente. E também nos casos subsequentemente decididos, inexistia essa base jurisdicional.

46.ªPortugal tem jurisdição para julgar os estrangeiros cuja extradição seja recusada, mesmo em caso de crimes cometidos fora do território nacional, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, al. f), do Código Penal, é evidente que a prossecução em Portugal representa uma medida menos restritiva dos direitos do extraditando e que permite realizar igualmente a finalidade que se pretenderia obter com a extradição para Estado terceiro.

47.ªHavendo dúvidas, pois alguma ambiguidade resulta ainda das decisões do TJUE, a solução é a apresentação de questão prejudicial ao TJUE, devendo os sujeitos processuais ser notificados para exercerem o contraditório a este respeito, nomeadamente a formulação das concretas questões e sentido que deve assumir a interpretação do direito da UE.

48.ªNão se admitindo as soluções aventadas, esvaziar-se-ia o direito de cidadania da União do extraditando, decorrente do artigo 18.º, 20.º e 21.º do TFUE, do seu conteúdo essencial, incluindo o direito a residir no território da União, sendo essa interpretação desconforme com o artigo 45.º da CDFUE.

49.ªIsto porque a solução em vigor - notificar o Estado da nacionalidade para informar se pretende perseguir penalmente o extraditando e emitir um MDE contra o mesmo - é em regra inexequível e por isso é meramente teórica (como se constata flagrantemente nos presentes autos).

50.ªEm qualquer caso, mesmo que o exercício da jurisdição não fosse imposto pelo direito da UE, nada impede este Colendo Tribunal de, tendo em conta que em Portugal nos regemos pelo princípio da legalidade, decidir neste sentido com base no direito interno, já que a abertura de processo penal em Portugal não é discricionária, bastando haver base jurisdicional para o efeito, como se verifica neste caso.

51.ªO tratamento discriminatório do extraditando resulta da interpretação das normas portuguesas invocadas, em particular aquelas que preveem a recusa de extradição com base no artigo 32.º, n. 1 da Lei 144/99, de 31.08, as quais, para respeitarem o direito da UE invocado têm de ser interpretadas no sentido de onde se refere português/portuguesa, deve incluir-se também, conferindo assim protecção equivalente, território da UE/nacionalidade de um EM da UE.

52.ªA discriminação é ainda mais flagrante quando se observa que em Portugal existem normas que, para conceder protecção equivalente àquela conferida pelo artigo 33.º da CRP e pela Lei de extradição, consagram precisamente a solução de direito aqui defendida: recusa de extradição do nacional de outro Estado a quem se pretende conferir protecção equivalente, julgando-se aqui os factos e aplicando a lei penal portuguesa no espaço,     mutatis mutandis, considerando a equivalência da nacionalidade desse outro Estado à portuguesa (art. 15.º, 18.º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil).

53.ªSendo aliás, duplamente discriminatória pois o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho, que regulamenta a aplicação daquele Tratado, apenas permite a quem tenha autorização de residência em Portugal concedida com base na nacionalidade brasileira beneficiar do estatuto em causa, o que é duplamente vedado ao extraditando por, embora reunir as demais condições para poder ser beneficiário do estatuto de igualdade – a saber, é nacional brasileiro, civilmente capaz e tem residência permanente em Portugal – não dispõe de autorização de residência, uma vez que sendo também cidadão Austríaco entrou em Portugal ao abrigo do seu direito à livre circulação no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, uma vez que a sua nacionalidade europeia é a que releva para efeitos de entrada e permanência em território português.

54.ªOu seja, beneficiando o extraditando, em abstracto, da totalidade dos direitos de que poderia dispor pela sua condição de nacional brasileiro, entre os quais se inclui a prerrogativa de não ser extraditado por Portugal para Estado terceiro ao abrigo da equiparação com os cidadãos nacionais, na prática vê ser-lhe vedado o exercício desses mesmos direitos por via de um mero obstáculo burocrático.

55.ªE, ao mesmo tempo, pela sua condição de nacional austríaco, apesar de ter também um estatuto equivalente ao dos cidadãos portugueses por força do direito da União, não beneficia das consequências que normalmente o direito português reconheceria a nacionais de outros Estados com estatuto equivalente ao dos nacionais portugueses (as consagradas no Tratado de Cooperação)

56.ªAssim é-lhe cerceada, não por uma mas por duas vias, uma protecção que pretende inequivocamente estender a não nacionais de estatuto privilegiado – por um lado cidadãos da UE e, por outro, cidadãos de um país com quem Portugal tem relações historicamente próximas, como é o Brasil –, direitos tipicamente exclusivos dos nacionais portugueses.

57.ªO que o coloca numa manifesta e injustificada situação de discriminação em virtude da condição de ser nacional de dois países; situação que menos poderá admitir-se como justificada tendo em conta os contextos normativos que, quer por uma via, quer por outra, pretendem alargar e não restringir os direitos daqueles cidadãos.

58.ªTendo novamente o Tribunal omitido totalmente na fundamentação este aspecto, o que constitui a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

5) Recusa de extradição com base na territorialidade em outro em da ue - erro de julgamento em matéria de direito e de facto (410.º, n.º 2, al. b), do CPP)

59.ªOs factos constantes do pedido de extradição - e só como ali descritos -foram praticados também em território da União Europeia, em concreto e, pelo menos, na Áustria.

60.ªNeste ponto, existe contradição insanável na decisão recorrida, ao considerar provado, ao mesmo tempo, que os factos são praticados em território americano, mas que o extraditando os praticou em Viena (Áustria) (p. 5), o que se invoca, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, Lei 144/99, de 31.08.

61.ªDevendo a factualidade ser alterada no sentido de considerar como provada a prática dos factos nos EUA e na Áustria (cf. artigo 7.º do Código Penal).

62.ªDeve considerar-se aplicável ainda o artigo 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08, interpretado em conformidade com o direito da União, sendo relevante para efeitos do mesmo artigo o território correspondente ao Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, devendo assim ser recusada a extradição, sempre que esteja em causa um cidadão de outro EM residente em Portugal.

63.ªEm qualquer caso, podendo a mesma ser recusada por força da aplicação do artigo 18.º, n.º 1, da Lei nº 144/99, de 31.08, que, interpretada de acordo com o direito da União e ainda conjugada com o artigo 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, significará que no caso de jurisdição territorial por força da prática de factos num EM integrante do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, os tribunais portugueses devem aplicar esta causa de recusa com carácter obrigatório.

64.ªSendo esta questão inteiramente nova, deverá ser objecto de colocação perante o TJUE por meio de questão prejudicial, devendo os sujeitos processuais ser notificados para exercerem o contraditório a este respeito, nomeadamente a formulação das concretas questões e sentido que deve assumir a interpretação do direito da UE (questão sobre se deve interpretar-se o direito da União no sentido de, quando os factos tenham sido praticados na UE e em Estado terceiro, dar prevalência ao exercício da jurisdição penal neste Espaço, ou território, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia (TUE), os artigos 18.º, 20.º, 21.º e 67.º a 89.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e o artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).

IV. Risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA - artigo 3.º da CEDH, 4.º da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2da crp, concatenado com os artigos 2.º, n.º 1e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.

1) Omissão de pronúncia quanto aos artigos 3.º CEDH, 4.º E 19.º, N.º 2, CDFUE, E 25.º, N.º 2, DA CRP (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP)

65.ªA decisão padece de vício de omissão de pronúncia, sobre a aplicação dos artigos 3.º da CEDH e 4.º / 19.º, n.º 2, da CDFUE, e 25.º, n.º 2, da CRP, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, o que aqui se invoca para os devidos efeitos (tendo também sido, à cautela, suscitados por requerimento em 24.03.2022 (Ref.ª CITIUS 207465 / 41751915).

66.ªPois cada standard normativo invocado (e em particular os decorrentes da CEDH e da CDFUE) representa, em si e autonomamente, um motivo de recusa de extradição autónomo.

67.ªPoderá a aplicação de cada um dos standards levar ao mesmo resultado. Caso em que, havendo recusa de extradição com base em um deles, o Tribunal poderia prescindir da decisão sobre os demais. No entanto, declarando os mesmos improcedentes - como sucedeu - terá de analisá-los individualmente, o que não aconteceu relativamente a qualquer um deles, nem sequer por remissão.

68.ªPelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que se pronuncie sobre as questões invocadas (o que, naturalmente, e uma vez mais, evidencia a insuficiência da matéria de facto para a decisão).

69.ªEsta crassa omissão afecta toda a decisão recorrida, porquanto vai influenciar a seleccção da matéria de facto relevante, bem como a seleccção, apreciação e exame crítico das provas, fazendo o Tribunal tábua-rasa de toda a matéria relevante constante dos autos.

70.ªDesde já se suscita a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP.

71.ªNorma extraída do artigo 3.º da CEDH, 19.º, n.º 2, da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenados com os artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.

2) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (410.º, n.º 2, al. a), do CPP)

72.ªO extraditando invocou circunstanciadamente na sua oposição, bem como em sede dos requerimentos probatórios e de alegações escritas a factualidade pertinente para a decisão sobre esta matéria, nomeadamente quais os estabelecimentos em que o extraditando ficaria detido se extraditado e quais as condições de detenção nos mesmos.

73.ªA decisão em matéria de facto é totalmente omissa quanto a estas matérias, padecendo do vício do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

74.ªCom efeito, não é possível decidir a matéria invocada sobre o risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA sem levar à matéria de facto provada ou não provada as condições concretas em que o extraditando será encarcerado, pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada, considerando-se provada a matéria alegada (cf., em particular, os pontos 100 a 184 da oposição, Ref.ª CITIUS 204605 / 41105736; os pontos 4 a 20, do requerimento de 21.02.2022, Ref.ª CITIUS 204533 / 205439; o ponto 2 das alegações escritas, Ref.ª CITIUS 206827 / 41543273).

75.ªO Tribunal apenas deu relevância a alguns aspectos relativos às condições de saúde do recorrente na perspectiva do artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08. o que é também manifestamente insuficiente.

76.ªOmitindo a consideração como provado ou não provado de factos essenciais, alegados na oposição, e documentados nos autos, enunciados nos pontos 105 a 125 da posição.

77.ªObliterando da factualidade relevante a conclusão pela prova ou falta dela das condições de saúde graves do extraditando, relevantes em absoluto para a matéria referente ao risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes, tais como, entre outros:

a. “O Extraditando sofre há anos de vários problemas de saúde, nomeadamente a nível cardiorrespiratório, tendo sofrido, nos últimos anos, vários pneumotórax espontâneos, estando, em momento anterior à sua detenção, em avaliação na Clínica ..., onde efectuou entre outros, no mês de Novembro de 2021, exames imagiológicos ..., e onde estava a fazer a reavaliação da sua situação de saúde.”

b. “O seu histórico de patologia cardiorrespiratória, torna-o particularmente vulnerável à Covid-19, sendo de evitar tanto quanto possível a sua exposição ao risco de contraí-la.”

c. “O Extraditando sofre de aneurisma da artéria carótida interna envolvendo a bifurcação carotídea, devidamente diagnosticado como tal – correndo o risco potencial de embolia ou mesmo de ruptura – tendo já sofrido uma trombose venosa profunda”

d. “o Extraditando tem também uma saúde mental frágil, com problemática identificada já desde 2007, em tratamento para ..., com toma de medicação para este tipo de patologia.”

e. “Tendo, inclusivamente, já tido duas tentativas de suicídio.”

78.ªPadecendo também de omissão quanto a estas matérias, ou seja, do vício do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

79.ªOra, tendo em conta que inexiste recurso em matéria de facto, estas omissões são gravíssimas e só podem ser supridas com o reenvio dos autos à primeira instância, não obstante toda a prova constar dos autos (documental e testemunhal, documentada por gravação).

3) Nulidade por falta de fundamentação por ausência de indicação e exame crítico da prova (artigo 379.º, N.º 1, AL. A), DO CPP)

80.ªA fundamentação da decisão a quo em matéria de facto não identifica os documentos utilizados, não explica o que se retirou de cada documento ou de cada testemunho, e não apresenta o raciocínio lógico e valorativo que conduziu à conclusão pela prova ou ausência dela quanto a cada facto.

81.ªEsta falta de fundamentação obviamente coarcta o direito de defesa e o próprio direito de recurso do extraditando (tornando por exemplo impossível a detecção dos vícios constantes do artigo 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, Lei 144/99, de 31.08) e, tendo em conta que inexiste recurso em matéria de facto, esta omissão é gravíssima e prejudica de forma inadmissível o direito de defesa do extraditando.

82.ªPelo que a decisão padece, também neste ponto, da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, conjugado com o artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, devendo o processo ser reenviado à primeira instância para reformulação da decisão

4) Preterição de solicitação de informações e garantias adicionais (vícios e erro de julgamento em matéria de direito)

83.ªExiste uma “obrigação processual” de investigação do risco de sujeição a tratamento desumano e degradante decorrente das condições prisionais no Estado requerente, nos termos bem estabelecidos na jurisprudência do TEDH e do TJUE quanto aos artigos 3.º da CEDH e 19.º, n.º 2.º da CDFUE (v.g. pontos 185 a 188, 207 a 211, 216 a 221 da oposição).

84.ªIgual obrigação decorre, como sustentado pelo extraditando, do nosso artigo 25.º, n.º 2, da CRP.

85.ªA omissão das diligências que essa obrigação implica, nomeadamente que se verifica também a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, al. d), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, já que a solicitação das referidas informações e garantias é obrigatória para julgar os pressupostos da extradição, uma vez que perante o risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes que não seja afastado por tais informações ou garantias, a extradição deve ser recusada, nos termos das disposições daqueles artigos da CEDH e da CDFUE, e da obrigação processual de investigação deles decorrente, e ainda do artigo 25.º, n.º 2, da CRP, aplicável directamente nos termos do artigo 18.º, n.º 1 da CRP, pelo que se trata de diligência obrigatória.

86.ªPelo que deve a invalidade arguida ser declarada e reenviado o processo à primeira instância para solicitação das informações e garantias adicionais supra indicadas no ponto 197 da motivação (e na Secção IV, pontos 207 a 209, da oposição):

“Requer-se assim que sejam oficiadas as autoridades dos EUA, nos termos do disposto no artigo VII do Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, que complementa Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908, para:

a. Confirmarem em que estabelecimento o extraditando ficará preso, se extraditado, antes e após a condenação;

b. Indicarem quais as condições materiais de detenção nesse estabelecimento, em particular a caracterização das celas, capacidade e ocupação, espaço disponível (m2) por pessoa, existência de luz natural e artificial, instalações sanitárias (se são dentro cela e têm separação total do espaço de alojamento), salubridade, regime (incluindo o tempo que poderá passar fora da cela, o tempo que poderá passar ao ar livre, as actividades disponíveis, os contactos com o mundo exterior), e quais os cuidados médicos disponíveis para uma pessoa com as patologias do extraditando, de natureza física e mental.

c. Apresentarem garantias específicas de que essas condições cumprem os standards decorrentes da jurisprudência do TEDH supra identificada.

87.ªGarantias essas que, sujeitas ao contraditório, que se requer, deverão ser apreciadas ao abrigo dos critérios estabelecidos pelo TEDH no Acórdão Othman (Abu Qatada) v. the United Kingdom, de 17.01.2012, app. 8139/099: a) em primeiro lugar, a qualidade das garantias prestadas; b) em segundo lugar, as práticas do Estado requerente/de destino da pessoa a extraditar ou deportar, de forma a avaliar se as garantias são fiáveis.

88.ªSem prejuízo de este aspecto integrar também, em bom rigor, erro de julgamento quanto à aplicação dos motivos de recusa invocados, o que explicitamente se invoca.

5) Erro de julgamento sobre as causas de recusa decorrentes do risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA - artigo 3.º da CEDH, 4.º da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenado com os artigos 2.º, n.º 1 E 3.º, N.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08 E 17.º do acordo entre a união europeia e os estados unidos da américa sobre extradição

i. artigo 3.º da convenção europeia dos direitos humanos

89.ªA decisão recorrida certamente incorreu num qualquer erro de “transposição” de ma decisão proferida em outro processo para o presente, já que se baseia em dois argumentos: a) A aplicação de uma Convenção irrelevante para os presentes autos (!) (Convenção Europeia de extradição); b) A aplicação do artigo 18.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.

90.ªIgnorando in totum os fundamentos de recusa invocados pelo extraditando (artigo 3.º da CEDH, 4.º da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenado com os artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição), e que se deram por reproduzidos no texto da motivação, para facilidade de leitura (cf. pontos 96.ª a 110.ª da motivação).

91.ªResulta da leitura da decisão que o critério normativo adoptado por este Venerando Tribunal é o de que a aferição do risco de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes por força das condições prisionais não compete ao Tribunal competente em processo de extradição, já que a ausência de risco é pressuposto da celebração dos próprios Tratados de extradição que pressupõem que os Estados envolvidos são Estados de direito que, entre outros, se preocupam com os seus presos e as condições em que estes são recluídos. Pelo que neste âmbito vale a confiança entre Estados soberanos que resulta numa presunção de respeito pelos direitos humanos, nomeadamente a protecção contra tratamentos desumanos e degradantes.

92.ªO que implicitamente significa que o Venerando Tribunal considera não estar o respeito desses direitos sujeito a controlo jurisdicional.

93.ªDesde já se suscita a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP.

94.ªNorma extraída do artigo 3.º da CEDH, 19.º, n.º 2, da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenados com os artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da Américasobre extradição.

95.ªOra, ao contrário do decidido, os fundamentos jurídicos invocados constituem causas de recusa autónoma que não foram analisados, existindo flagrante erro de julgamento a este propósito.

96.ªÉ jurisprudência firme do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) que:

a. A protecção contra o tratamento proibido nos termos do Artigo 3.º é absoluta e que extradição de uma pessoa por um Estado Contratante pode suscitar problemas ao abrigo desta disposição e, portanto, assumir a responsabilidade do Estado em questão ao abrigo a Convenção, quando existem sérios motivos para acreditar que se a pessoa for extraditada para o país requerente, correria o risco real de ser sujeito a tratamento contrário ao Artigo 3.º. (Soering v. o Reino Unido, 1989, § 88).

b. O Artigo 3.º implica uma obrigação de não remover a pessoa em questão para o referido país, mesmo que se trate de um Estado não contratante (Harkins e Edwards v. Reino Unido, 2012, § 120; Trabelsi v. Bélgica, 2014, § 116).

c. O Tribunal não faz distinção entre as várias formas de maus-tratos proibidos pelo Artigo 3.º ao fazer a sua avaliação do risco relevante no contexto da remoção de uma pessoa para outro país (Harkins e Edwards v. United Reino, 2012, § 123).

d. As condições de detenção no país de acolhimento são também relevantes para a avaliação da conformidade com os requisitos do Artigo 3.º num contexto de extradição.

e. Saber se uma extradição do (inclusivamente para os Estados Unidos da América) viola u não o Artigo 3.º da Convenção, depende muito das condições em que seria detido e dos serviços médicos de que aí dispõe, bem como da gravidade dos problemas de saúde, inclusivamente de saúde mental.

97.ªO mesmo resulta da nossa jurisprudência (cf. por exemplo proferido no âmbito do proc. 538/14.2YRLSB.S210, confirmando que, por força da jurisprudência do TEDH, os Estados podem incorrer em responsabilidade se decidirem extraditar uma pessoa que corra o risco de ser sujeita a tratamentos desumanos no Estado requerente, obrigatoriedade de aferir a existência de risco de tratamentos desumanos no Estado requerente).

98.ªTal impunha a consideração de um conjunto de factores, de entre os quais a sobrelotação, aspectos de condições físicas inadequadas de detenção relacionados, em particular, com o acesso a exercício ao ar livre, luz natural ou ar, disponibilidade de ventilação, adequação da temperatura ambiente, possibilidade de utilizar a casa de banho em privado, e cumprimento de requisitos básicos sanitários e higiénicos.

99.ªBem como da saúde do extraditando, em particular: (a) o estado de saúde do extraditando, (b) a adequação da assistência e dos cuidados médicos prestados no Estado requerente, e (c) a conveniência de manter a medida de detenção tendo em conta o estado de saúde. Sendo particularmente importante aferir se os prisioneiros com perturbações mentais graves e tendências suicidas exigiam medidas especiais adaptadas ao seu estado, independentemente da gravidade da infracção pela qual tinham sido condenados.

100.ª A não consideração circunstanciada destes aspectos pelo Tribunal a quo constitui ela própria violação do artigo 3.º da CEDH, na vertente da “obrigação de investigação”, ou “obrigação processual”, constituindo erro de julgamento em matéria de direito (repercutido na matéria de facto, onde existe idêntico erro).

ii. artigo 19.º, n.º 2, da carta dos direitos fundamentais da união europeia

101.ª Idêntica protecção decorre do artigo 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) que “ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes”, reconhecida no acórdão Petruhhin de 6 de Setembro de 2016, processo C‑182/15, e reiterada no processo C‑897/19 PPU, por acórdão de 2 de Abril de 2020.

102.ª Sendo a protecção conferida por este direito, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 2, da CDFUE, pelo menos substancialmente equivalente à conferida pelo TEDH, nos termos do artigo 52.º, n.º 3, da Carta.

103.ª Pelo que, também por força do direito da UE, se requer que o Tribunal oficie às autoridades americanas para confirmarem as condições de detenção em que o requerente será colocado, nos termos supra expostos, e recusada a extradição por risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção no Estado requerente.

iii. artigo 25.º, n.º 2, da constituição da república portuguesa

104.ª À semelhança do artigo 3.º da CEDH, também o artigo 25.º, n.º 2, da CRP, deve ser interpretado como aplicando-se às situações em que o risco de submissão àqueles tratamentos decorra não da actuação directa do Estado português - por exemplo das condições de detenção em Portugal - mas sim da remoção, por via da extradição ou expulsão, para um Estado estrangeiro em que o visado vá sofrer tal tipo de tratamentos.

105.ª Desde já se suscita a inconstitucionalidade da norma segundo a qual é irrelevante em processo de extradição, não constituindo motivo de recusa, o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP.

106.ª E ainda a inconstitucionalidade da norma segundo a qual é irrelevante em processo de extradição, não constituindo motivo de recusa, o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por força das condições de detenção neste último, por violação dos artigos 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP.

107.ª Igualmente se suscita inconstitucionalidade da norma segundo a qual em processo de extradição o Tribunal não tem investigar o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1 e 4, e 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP.

108.ª E também se suscita inconstitucionalidade da norma segundo a qual em processo de extradição o Tribunal não tem investigar o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, , por força das condições de detenção neste último, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1 e 4, e 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP.

109.ª Normas extraídas do artigo 3.º da CEDH, 19.º, n.º 2, da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, e dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, 6.º, 18.º, n.º 1, e 55.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição.

110.ª É, assim, flagrante, o erro de julgamento, devendo ser revogada a decisão recorrida e remetido o processo à primeira instância para que seja emitida nova decisão apreciando devidamente os fundamentos aqui invocadas.

Termos em que, realizada a audiência oral requerida, nos termos do artigo termos do artigo 681.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, devem ser declarados os vícios invocados e reenviado o processo à primeira instância para suprimento das nulidades e vícios invocados, ou, conhecendo-se das questões de fundo, recusada a extradição com os fundamentos invocados

2. Respondeu o M.º P.º concluindo (transcrição):

«O tribunal pronunciou-se sobre todas as questões de que tinha que conhecer - entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir, e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

Por conseguinte:

-Não há insuficiência de fundamentação em qualquer das questões de que cumpria conhecer;

-Não há contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação, e a fundamentação e a decisão, em qualquer das questões de que cumpria conhecer;

-Não há omissão de pronúncia, em qualquer das questões de que cumpria conhecer;

-Não se verificam quaisquer nulidades, nomeadamente por alegada falta de provas relevantes ou por falta de indicação delas ou, ainda, por qualquer alteração factual ou jurídica, que, no sentido jurídico-processual, não aconteceu;

-A solicitação das aludidas garantias quanto ao tratamento prisional nos EUA não é obrigatória para julgar os pressupostos da extradição, não sendo, portanto, uma diligência obrigatória;

-Não se verificam quaisquer inconstitucionalidades;

-Não tendo tido o tribunal qualquer dúvida na aplicação da legislação aplicável à extradição, não tinha que sujeitar qualquer das questões enumeradas pelo recorrente à prévia apreciação e decisão do TJUE.

E, destarte,

-Não há violação de lei;

-Inexiste fundamento para a realização de audiência oral para discussão da matéria da motivação;

-O recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão nos seus precisos termos».

7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

A

O Direito

Questões a decidir:

a) Realização de audiência;

b) Princípio da especialidade;

c) Dupla incriminação;
d) Recusa de extradição por força da (1) cidadania da União Europeia e da (2) territorialidade europeia da infração;
e) Risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA.

a) Realização da audiência.

§ 1 Remata o requerente a sua alegação de recurso pedindo a realização de «audiência oral» que a fls. 4 tinha justificado do modo seguinte: «Requer-se a realização de audiência oral para discussão da matéria da presente motivação, nos termos do artigo 681.º, n.º1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP), ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, uma vez que a complexidade das questões subjacentes beneficiará de poder ser exposta e debatida em forum, permitindo a discussão dialéctica das mesmas, o tratamento mais detalhado da jurisprudência europeia invocada, e a colocação de questões por parte dos Colendos Conselheiros».

§ 2 A complexidade das questões não é fundamento de realização de audiência, nem o figurino legal da audiência consente «a colocação de questões por parte dos» juízes. Como já disse este STJ (acórdão 22-09-2016, Proc. n.º 483/16.7YRLSB.S1 – 5.ª Secção; acórdão de 11.01.2018, Proc. n.º 1331/17.6YRLSB.S1 – 3.ª Secção, ), em processo de extradição não há lugar ao julgamento em audiência do recurso do acórdão da Relação para o STJ, nos termos do n.º 5 do art. 411.º do CPP, antes havendo que ser julgado em conferência, pois, pese embora a norma remissiva do n.º 2 do art. 3.º da Lei 144/99, de 31-08, que constitui regime especial face ao regime geral do CPP, a forma explícita como aquele diploma regula o recurso da decisão da Relação para o STJ (art. 59.º, n.ºs 1 e 2) não deixa margem para dúvidas de que não existe qualquer lacuna a suprir com recurso à norma geral. E menos ainda com recurso a um regime supletivo em segunda mão, como é o processo civil. Em face do exposto e do que adiante ainda se dirá, e que aqui vai pressuposto, não há lugar a audiência.

b) Princípio da especialidade.

§ 3 Segundo o recorrente a decisão de extraditar não cuidou de garantias adicionais quanto ao respeito pelo princípio da especialidade, padecendo de falta de fundamentação e nulidade por omissão de pronúncia. A propósito tinha dito o acórdão recorrido: «Ora, no caso vertente não resulta dos autos minimamente que o requerido possa vir a ser processado por outros factos ou crimes que não os que vêm descritos no pedido. O Estado-requerente conhecedor das convenções, tratados internacionais já afirmou e deu garantias suficientes entre os estados de que essas convenções e tratados serão respeitados, ou seja, de que o princípio da especialidade será respeitado.

É de notar que na fase administrativa foi analisado previamente o pedido de extradição e o mesmo foi considerado admissível, oferecendo todas as garantias. Aliás, a fase administrativa destina-se a reunir os elementos legalmente exigidos e a apreciar e decidir, politicamente, da admissibilidade do pedido de extradição. O Estado estrangeiro apresenta, pela via diplomática, o pedido formal de extradição e todas as comunicações ao mesmo respeitantes, na autoridade central do Estado requerente, que, em Portugal, é a Procuradoria-Geral da República. A qual, verificada a sua regularidade formal e, considerando-o devidamente instruído, elabora informação, submetendo-o à apreciação do Ministro da Justiça. Que, por sua vez decide da admissão do pedido de extradição. Portanto, foram apreciadas todas as garantias que o Estado requerente ofereceu.

A garantia decorre do complexo de competências e poderes que é reconhecido às Missões Diplomáticas, que exercem a atividade de representação diplomática do seu país. Acresce que as Missões Diplomáticas emitem Notas, constituindo estas, consabidamente, o meio de comunicação por excelência entre o Estado acreditante e o Estado acreditador. Assim, as Notas Diplomáticas valem pelo seu conteúdo, vinculam o Estado da Missão que a emite, gozando de presunção iuris tantum quanto à sua autenticidade e veracidade – que decorre do princípio da boa fé e do princípio da confiança mútua, vigentes no plano das relações internacionais entre os Estados soberanos (ac STJ 499/18.9YRLSB.S1 de 22/04/20).

Em suma, presume-se a sinceridade do compromisso diplomático.

Aliás, o estado-requerente tem conhecimento que se violar o princípio da especialidade sofrerá de sanções, não saindo impune. Trata-se, também de confiança entre Estados Soberanos.

Assim, improcede esta questão e, nem há lugar a questionar o Estado requerente».

§ 4 Persiste o recorrente no seu inconformismo, alegando que o acórdão recorrido padece de insuficiência da fundamentação já que diz “não existirem provas” do incumprimento das garantias, sem qualquer pronúncia específica sobre as concretas provas que o extraditando apresentou na sua oposição. Sem razão, porém. A decisão recorrida, no ponto em questão, está suficientemente fundamentada, tanto que permitiu ao recorrente dela discordar de um modo lógico e inteligível. Falta de fundamentação e discordância da fundamentação são categorias diferentes. Não padece de falta de fundamentação a decisão que, não acolhendo a alegação do recorrente, decide em sentido contrário à sua expetativa ou pretensão.

§ 5 A alegada evidência jurisprudencial de que existem casos nos Tribunais do Distrito de Nova Iorque, em que os EUA [rectius os tribunais dos EUA] perseguem penalmente as pessoas extraditadas por outros factos anteriormente praticados, não permite a inferência que o recorrente pretende inculcar de que nos EUA, sistematicamente, não se respeita o princípio da especialidade. Como sabe o recorrente também em Portugal existem casos de violação do princípio da especialidade, sem que a exceção permita traçar a regra de que Portugal desrespeita o princípio da especialidade. Nos Estados de Direito, esses casos residuais são a consequência da independência dos tribunais. Acresce que nada nos autos ou na alegação do requerente permite sequer inculcar a ideia de que o receio do requerente é minimamente fundado. Em conclusão não há fundadas razões para crer que o princípio da especialidade não será respeitado. Como disse o ac. STJ de 23-10-1997, SASTJ, não resultando direta ou indiretamente dos autos que o pedido de extradição tenha por fim perseguir o arguido por quaisquer outros crimes que não os mencionados no pedido, não se torna necessário que o Estado requerente apresente uma garantia formal no sentido de que só perseguirá o extraditando pelo crime constante do mesmo, tanto mais que já a prestou, ao assinar o Tratado onde consta a regra da especialidade. Assim também o ac STJ de 08-09-2003, ao afirmar que «essa exigência [garantia] não terá de ser satisfeita, nem expressa nem formalmente, pelos Estados Partes (…) pois que, na assinatura e ratificação desta, todos eles se obrigaram expressa e formalmente, perante os demais, a não perseguir, julgar ou deter a pessoa entregue, «por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivar a extradição» (…) «Acresce - como o STJ vem repetidamente afirmando - que «a admissão e a concessão da extradição levam implícito – na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas – o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias, condicionamento que, posto que não explícito, conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos apropriados canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado».

§ 6 Eventual violação do princípio da especialidade, tem consequências e graves, sendo infundada a afirmação de que inexiste tutela jurisdicional efetiva acessível ao recorrente. Desde logo o recurso para fazer cumprir o princípio da especialidade. Depois o estado que incumpre regras convencionais sabe que há um preço a pagar pela falta à palavra dada e a violação dos tratados. A título de exemplo ac. STJ de 08-06-2006, ao decidir que a admissão e a concessão da extradição levam implícito - na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas - o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias, condicionamento que, posto que não explícito, conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos apropriados canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado. Finalmente, o ac. deste STJ de 11-01-2012, que ilustra as consequências para o Estado que incumpriu e que ainda hoje se fazem sentir, cf. ainda ac. STJ de 03.12.2021, proferido no Proc. de Extradição n.º 1618/21.3YRLSB.S1, 5ª Secção

*

§ 7 Não se verifica a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, al. d), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08. Caso o recorrente queira aludir ao n.º 2, al. d), da norma, a resposta é a mesma por várias razões. Nem o acordo de extradição entre Portugal e os EUA, nem a Lei 144/99, taxam o alegado vício como nulidade; não há no caso inquérito ou instrução e os princípios da legalidade e tipicidade das nulidades consagrados no CPP, proíbem a analogia ensaiada pelo recorrente. Admitindo, apenas por eficácia de argumentação, que se verificava a nulidade arguida, depois de corrigido o lapso na identificação da norma, importa esclarecer o recorrente que a nulidade depende de arguição e que no momento em que foi arguida o prazo já se tinha escoado.

*

§ 8 A alegação do recorrente - referindo-se às garantias - de que o tribunal «entendeu que as mesmas estão subtraídas à apreciação judicial na fase jurisdicional do processo de extradição» é um enviesamento que a decisão recorrida não permite. Sendo assim, é destituída de fundamento a invocação da inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente a suficiência das garantias diplomáticas prestadas pelo Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP, norma extraída do artigo 46.º da Lei 144/99, de 31.08, conjugado com os artigos 16.º, n.º 2 e 3, e 44.º, n.º 1, a. c), da Lei 144/99, de 31.08 (em conjugação com o artigo VII da Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908 alterada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, de 14.07.2005, relativo ao Acordo entre a UE e os EUA sobre extradição, de 25.06.2003, que complementa a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América de 7 de Maio de 1908). Em conclusão não foi aplicada a solução normativa alegada pelo recorrente pelo que improcedem as inconstitucionalidades invocadas.

c) Dupla incriminação, conspiração para defraudar.

§ 9 Segundo o recorrente verifica-se a ausência de dupla incriminação quanto aos factos que integram a acusação pelo crime de conspiração para defraudar. Essa crítica não é nova pois tinha sido veiculada na oposição. Invoca o extraditando que «nunca a factualidade descrita como subjacente à “count one” poderia ser considerada punível no ordenamento jurídico português, sendo disso consequência que o extraditando não pudesse nunca ser extraditado por aqueles factos, salvaguardando-se, como é devido, que não viesse a ser sujeito a procedimento criminal por eles se extraditado por via dos demais.

(…)

Recorde-se que decorre com clareza do pedido de extradição – e tanto assim é que a decisão recorrida o dá por ‘assente’ – que: o extraditando “conspirou com um amigo e artista em Viena – Áustria, para criar e forjar trabalhos artísticos de BB. [sic]”.

60. Ora, outras razões não houvesse, como as que foram explanadas supra e nos pontos 26 a 48 da oposição, que se dão por integralmente reproduzidos, nunca a factualidade subjacente poderia ser enquadrada no crime de associação criminosa, cujo n.º 5 prevê expressamente que “Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo.” (negrito e sublinhado nossos).

61. Resulta pois em erro de julgamento a convicção sustentada pelo Tribunal a quo de que aos factos correspondentes à “count one” – ou seja, à “conspiração para cometer fraude electrónica”, cuja factualidade já vimos integrar apenas a prática de factos preparatórios não puníveis, in casu, pelo ordenamento jurídico português.

62. Pois retirando-se de modo inequívoco do pedido de extradição, bem como da matéria considerada assente na decisão recorrida, que o ora recorrente teria conspirado com apenas uma outra pessoa, é manifesto que não está preenchido o tipo do artigo 299.º, excluindo-se assim a associação criminosa do elenco de crimes nos quais os factos indiciados no processo que subjaz ao pedido de extradição teriam correspondência no ordenamento jurídico português, tendo necessariamente de se recusar a extradição por aquela “count”.»

§ 10 No acórdão recorrido decidiu-se que:

«O requerido encontra-se acusado da prática de um crime de conspiração para cometer fraude electrónica em violação do título 18 do Código dos EUA, secções 1343 e 1349, com pena máxima abstractamente aplicável até 20 (vinte) anos de prisão, de um crime de fraude electrónica e auxilio e encorajamento à prática de crime em violação das secções 2 e 1343 do título 18 do referido Código, secções 2 e 1343, com pena máxima abstractamente aplicável até 20 (vinte) anos de prisão e de um crime de apropriação indevida de identidade agravada e auxílio e encorajamento, em violação do título 18 do mesmo código, secções 2, 1208 A (a) (1) e 1208 (c) (5), com pena máxima abstractamente aplicável até 2 (dois) anos de prisão».

(…)

«Ora, voltando ao caso vertente temos que no pedido formal diz-se que “a conspiração para cometimento de fraude electrónica é um acordo para cometimento de um ou mais delitos - os conspiradores formam uma parceria com propósito ilícito, no qual cada membro ou participante se torna um parceiro ou representante de todos os outros participantes. É um delito por si só diferente de qualquer delito substancial especifíco.

Os factos imputados ao arguido têm correspondência típica e punível no direito penal português - crime de associação criminosa previsto e punido pelo artº 299º do Código Penal, abstractamente punível com com prisão de um (1) a oito (8) anos.

É certo que tal crime e como bem vem referido no parecer do Ministério Público não vem expresso no despacho da Sra Ministra da Justiça e no requerimento de extradição mas a factualidade respectiva vem enunciada no pedido de extradição (associação criminosa entre o requerido e os seus comparticipantes) e é criminalmente punível no nosso ordenamento penal. Por outro lado e como acima referimos a não correspondência in totum a nível de qualificação jurídica, de nomem iuris, e/ou as penas aplicáveis aos ilícitos criminais previstos nos Estados Unidos da América e previstos em Portugal, em nada colide com o princípio da dupla incriminação.

Na verdade, para a extradição o importante é que a factualidade descrita pelo estado-requerente “sendo integradora de ilícitos-tipicos previstos nesse Estado, seja igualmente subsumível concretos tipos legais de crime previstos no ordenamento penal português”.

Na resolução da assembleia da república nº 46/2007, que aprovou o Instrumento entre a República Portuguesa e os EUA, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, conforme o nº 2 do Artº 3º do Acordo entre a União Europeia e os EUA sobre a Extradição, assinado em Washington em 25 de Junho de 2003, e seus anexos, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, consta do artº I do anexo, quanto às infracções que admitem extradição o seguinte:

A - Em substituição do artigo ii da Convenção de extradição de 1908, aplica-se o seguinte:

“1 – As infracções admitem extradição quando, nos termos da lei dos estados requerente e requerido, sejam puníveis com pena privativa da liberdade por um período máximo de mais de um ano ou com pena mais grave. Também admitem extradição as infracções que consistam na tentativa, na cumplicidade ou na comparticipação na prática de uma infracção que admita extradição. Quando o pedido se refira à execução de uma sentença sobre uma pessoa condenada pela prática de uma infracção que admite extradição, o período de privação da liberdade por cumprir deve ser, de pelo menos, quatro meses.

2 – Quando for concedida a extradição relativamente a uma infracção que admita extradição, aquela deve ser também concedida relativamente a qualquer outra infracção especificada no pedido se esta for punível com pena privativa da liberdade inferior ou igual a um ano, desde que se encontrem preenchidos os outros requisitos da extradição.

3- Para efeitos do presente artigo, considera-se que uma infracção admite extradição:     a) Independentemente de a lei dos Estados requerente e requerido classificar ou não a infracção na mesma categoria de infracções ou descrever ou não a infração com a mesma terminologia (…)”(Parecer do Mº Pº)

Portanto, o facto de se efectuar uma qualificação jurídica dos factos elencados no pedido de extradição à luz do nosso ordenamento jurídico que não tem correspondência com os ilícitos imputados pelo Estado requerente e face ao exposto em nada viola o princípio da dupla incriminação, na medida em que este princípio impõe apenas a verificação, se os factos descritos no pedido de extradição são puníveis à luz do nosso ordenamento penal e, em caso, afirmativo, com pena superior a 1 (um) ano de prisão – como impõe o artigo 31.º, n.º 2, da LCJ.

Assim, como também não vislumbra a violação do disposto no artº 21º e 22º do Cod Penal até porque no caso vertente não estão indicados crimes que não tenham sido consumados ou pelo menos tentados»

§ 11 Estabelece o Anexo I, da Resolução da Assembleia da República n.º 46/2007, de 10 de setembro, que:

“A - Em substituição do artigo ii da Convenção de Extradição de 1908, aplica-se o seguinte:

«1 - As infracções admitem extradição quando, nos termos da lei dos Estados requerente e requerido, sejam puníveis com pena privativa da liberdade por um período máximo de mais de um ano ou com pena mais grave. Também admitem extradição as infracções que consistam na tentativa, na cumplicidade ou na comparticipação na prática de uma infracção que admita extradição. Quando o pedido se refira à execução de uma sentença sobre uma pessoa condenada pela prática de uma infracção que admite extradição, o período de privação da liberdade por cumprir deve ser de, pelo menos, quatro meses.
2 - Quando for concedida a extradição relativamente a uma infracção que admita extradição, aquela deve ser também concedida relativamente a qualquer outra infracção especificada no pedido se esta for punível com pena privativa da liberdade inferior ou igual a um ano, desde que se encontrem preenchidos os outros requisitos da extradição.
3 - Para efeitos do presente artigo, considera-se que uma infracção admite extradição:
a) Independentemente de a lei dos Estados requerente e requerido classificar ou não a infracção na mesma categoria de infracções ou descrever ou não a infracção com a mesma terminologia; (…)”.

§ 12 Por sua vez, o artigo 31.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, preceitua que:
“1 - A extradição pode ter lugar para efeitos de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.
2 - Para qualquer desses efeitos, só é admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano.
3 - Se a extradição tiver por fundamento vários factos distintos, cada um deles punível pela lei do Estado requerente e pela lei portuguesa com uma pena privativa de liberdade e se algum ou alguns deles não preencherem a condição referida no número anterior, pode também conceder-se a extradição por estes últimos.”

§ 13 A resolução n.º 45/116 – Modelo de Tratado de Extradição da ONU – recomenda expressamente que as diferenças dos elementos constitutivos dos crimes devem ser desconsideradas na apreciação da dupla incriminação. Perante a diversidade de sistemas jurídicos, e sob pena de as convenções serem imprestáveis, a dupla incriminação não se pode ater ao nomen iuris. Na atividade legislativa nacional em matéria de direito convencional a exigência da dupla incriminação tem vindo a ser entendida como respeitando ao facto em si (subsunção num tipo legal de crime) e não à qualificação jurídica (nomen juris) (PGRP00000948)-

§ 14 Os normativos legais acima transcritos refletem o princípio da dupla incriminação, impondo-se que o Tribunal do Estado recetor, aquando da apreciação dos requisitos para execução do pedido de extradição, verifique se os factos imputados ao extraditando são puníveis, tanto pela lei portuguesa como pela lei do Estado requerente, com uma pena privativa da liberdade de, pelo menos, um ano. Assim, a extradição deverá ser recusada caso os factos constantes do respetivo pedido não integrem factos ilícitos-típicos nos ordenamentos penais dos dois Estados envolvidos (Estado emissor do pedido de extradição e Estado recetor do pedido de extradição), Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de abril de 2020, processo n.º 498/18.0YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt).

§ 15 A exigência da dupla incriminação consta do artigo I A 1, do anexo do Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América sobre extradição aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2007, nos seguintes termos: «[a]s infracções admitem extradição quando, nos termos da lei dos Estados requerente e requerido, sejam puníveis com pena privativa da liberdade por um período máximo de mais de um ano ou com pena mais grave». Assim, a não verificação de dupla incriminação funciona como causa de recusa do pedido de extradição.

§ 16 A referida convenção entre Portugal e EUA não consagra uma definição de dupla incriminação e o mesmo acontece com a Lei 144/99. A questão que logo surge é a de saber se a dupla incriminação se afere em abstrato ou em concreto [Mário Mendes Serrano, Extradição regime e praxis, in Cooperação Internacional Penal, CEJ 2000, p. 47 (82)], Ana Pais, A ausência de controlo da dupla incriminação no âmbito da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. I, p. 804). Analisando os diplomas (Convenção de 1908 e o Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, feito em Washington em 14 de julho de 2005, conforme o n.º 2 do artigo 3.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre Extradição, assinado em Washington em 25 de Junho de 2003, e seu Anexo, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2007) facilmente se constata que o primeiro perfilha(va) a dupla incriminação em abstrato, enquanto o mais recente a dupla incriminação em concreto, o que se traduz na exigência de verificar se o facto é punível em ambas as ordens jurídicas. Que é nos EUA, resulta do pedido de extradição. Vejamos se no caso concreto a conspiração para defraudar é punida em Portugal. Como vimos a resposta do acórdão recorrido foi afirmativa o que mereceu a discordância do recorrente.

§ 17 Na parte relevante para o caso, dispõe o art. 299.º, CP, com a epígrafe «Associação criminosa»:

«1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

(…)

5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo».

§ 18 Consta do pedido de extradição, acusação n.º Um:

«10. Desde pelo menos 2017 (…) AA (…) o réu, e outros conhecidos e desconhecidos, intencionalmente e estando cientes, combinaram, conspiraram, aliaram-se e concordaram, por si e entre si, em perpetrarem fraude eletrónica (…)

11. AA (…) o réu e outros conhecidos e desconhecidos, intencionalmente e estando cientes, tendo concebido e pretendendo conceber um esquema e artifício para fraudar e para obter dinheiro e bens por meio de pretensões, declarações e promessas falsas e fraudulentas, fariam e de facto transmitiram ou causaram a transmissão, por meios eletrónicos, rádio e televisão, de comunicações no comércio interestadual e internacional, de escritos, símbolos, sinais, imagens e de sons com o objetivo de executar o tal esquema e artifício, infringindo a seção 1343 do título 18 do Código dos EUA, a saber, AA junto de outros conhecidos e desconhecidos, parcialmente por meio de utilização de e-mails e comunicações por telefone e celulares e transferência eletrónica interestadual de fundos, se engajaram em esquema para vender e presentear trabalhos artísticos forjados, do artista BB, e forneceram certificados falsos de autenticidade com o nome e a suposta assinatura de BB, para promover o tal esquema (…)». O realce é obviamente da nossa responsabilidade.

§ 19 Atendendo à previsão do tipo de ilícito de associação criminosa e aos factos que constam do pedido de extradição, cujos excertos que consideramos relevantes para a decisão da questão posta pelo recorrente transcrevemos, não restam dúvidas que a conduta imputada ao requerente preenche esse tipo de ilícito. Decorre expressamente da descrição factual efetuada na acusação que a associação em causa, com vista à prática de crimes de burla e falsificação, era composta pelo extraditando, pelo seu amigo austríaco e por mais pessoas. É verdade que em alguns segmentos apenas se referem duas pessoas, mas a acusação considerada na sua globalidade alude a mais de duas pessoas. Como tal, o crime de “conspiração para cometer fraude electrónica” que é imputado ao extraditando respeita a um grupo composto por, pelo menos, três elementos, conforme resulta do elenco factual (da acusação) supra transcrito.
§ 20 Nesta medida e ao contrário do invocado pelo recorrente, os factos ora imputados ao arguido preenchem os elementos objetivos típicos do crime de associação criminosa, nos termos previsto no ordenamento jurídico português. Como tal, sendo o crime em causa punível com pena superior a um ano de prisão, encontra-se preenchido o necessário requisito da dupla incriminação. Uma vez que está em causa a prática de um crime consumado, e não de atos preparatórios nem de qualquer crime na forma tentada, ficam prejudicadas as demais questões invocadas pelo extraditando, nomeadamente as inconstitucionalidades. Repete-se, não estamos perante um pedido de extradição pela prática de atos preparatórios, mas de um crime consumado, também punível pelo ordenamento jurídico português, sem afronta à CRP. Assim, em face do exposto, improcede, também nesta parte, o alegando pelo extraditando.

§ 21 Invoca o extraditando que a decisão recorrida incorreu no vício de contradição insanável, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, o que alegou nos seguintes termos:

«32. A decisão recorrida incorre no vício previsto no artigo 410.º n.º 2, b) do Código de Processo Penal quando dá por matéria assente que:

“Os factos praticados pelo extraditando que fundamentam o pedido e que se encontram descritos na acusação e que aqui se dão por reproduzidos, terão sido praticados em território americano entre os anos de 2017 e 2020 e encontram correspondência no ordenamento jurídico nacional no art.º 218, n.º 2, al a) – crime de burla qualificada, com pena máxima abstractamente aplicável até 8 anos de prisão – no art.º 256 n.º 1 – crime de falsificação de documentos, com pena máxima abstractamente aplicável até 3 (três) anos de prisão – e no art.º 22 n.º 1 e 5, al b) – crime de burla informática, com pena máxima abstractamente aplicável até 8 (oito) anos de prisão - todos do Código Penal.” (cfr. p. 5 da decisão recorrida, negrito e sublinhado nossos).

33. Conclusão que repete ipsis verbis mais adiante, na secção da motivação referente à decisão sobre a recusa por falta de dupla incriminação quanto ao crime de conspiração para defraudar (crf. p. 15 da decisão recorrida).

34. Vindo, no entanto, seguidamente e na mesma secção concluir que afinal:

“os factos imputados ao arguido têm correspondência típica e punível no direito penal português – crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299.º do Código Penal, abstractamente punível com a prisão de um (1) a oito (8) [sic.] anos.” (cfr. p. 19 da decisão, sublinhado nosso).

35. Ora, resulta com clareza do texto da decisão que o Tribunal a quo se convenceu de que os factos que estão na base do pedido de extradição – concretamente os que integram a “count one” – integrariam o crime de burla qualificada, com pena máxima abstractamente aplicável até 8 anos de prisão, previsto e punido pelo art.º 218, n.º 2, al a), o que fez sem qualquer ressalva ou referência a outro tipo penal em que pudessem enquadrar-se aqueles factos.

36. E que, posteriormente, vem invocar que afinal constituem também factualidade integrante do crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.º do Código Penal.

Dispõe o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal “[M]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

(…)

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.

§ 22 A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410.º/ 2/b, CPP, são vícios da decisão da matéria de facto, pelo que, admitindo por comodidade de argumentação que a decisão recorrida afirma, em sede de qualificação jurídica, que os factos integram o crime de associação criminosa e o crime de burla qualificada, podemos estar perante um clamoroso erro de direito, mas não perante a invocada contradição na decisão da matéria de facto. Mas, como adiante melhor se expenderá, não se verifica erro de qualificação jurídica dos factos.

§ 23 Depois de a decisão recorrida ter explicado ao recorrente, em reposta à sua oposição, que os factos consubstanciam o crime de associação criminosa, diz o recorrente que esse enquadramento consubstancia nulidade por preterição das regras do artigo 358.º do CPP, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma, ex vi art. 3.º, nº 2, da Lei 144/99, de 31.08, uma vez que não foi o extraditando notificado nos termos desse normativo. Sem razão, porém. A aplicação supletiva das regras do CPP ao procedimento de extradição não é automática. Pressupõe o recorrente como adquirido que há uma acusação, que ocorreu uma audiência de julgamento e que na sentença o tribunal alterou a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação sem comunicação prévia dessa alteração. Este figurino legal, pressuposto pelo recorrente, não quadra com o previsto na lei de extradição. O requerente foi notificado do pedido de extradição apresentado pelos EUA. Nesse pedido constam os factos e a qualificação jurídica.

§ 24 No processo de extradição, o visado não se opõe defendendo-se dos crimes que lhe são imputados, pelo que a qualificação jurídica feita pelo Estado Requerente, quer a realizada administrativamente aquando do controlo político, não retira ao tribunal na fase judicial a liberdade de qualificação jurídica desde que os direitos de defesa do requerido não sejam limitados em grau que a lei e a Constituição não consintam. De facto, conforme decorre do disposto no artigo 46.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o Tribunal recetor do pedido não produz qualquer prova sobre os factos imputados ao extraditando e que constam do pedido de extradição, pelo que a qualificação jurídica efetuada, seja no pedido inicial seja, posteriormente, no acórdão, nenhuma repercussão tem ou pode ter no Estado que irá prosseguir com o procedimento criminal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de abril de 2020, processo n.º 498/18.0YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt).

§ 25 Assim, “o pedido de extradição destina-se a fazer conduzir o Extraditando ao Estado requerente para aí responder sobre os factos que lhe vêm imputados, sendo, pois, sobre os factos que fundamentam o pedido e não sobre a qualificação jurídica dos mesmos no Estado requerido, que incide o pedido de extradição” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de abril de 2020, processo n.º 499/18.9YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt). Não comportando este procedimento (extradição) uma acusação e/ou audiência de discussão e julgamento para prova dos factos objeto da mesma, e sendo a qualificação jurídica apenas efetuada a fim de apreciar os pressupostos subjacentes ao pedido de extradição, nomeadamente quanto ao requisito da dupla incriminação, parece-nos claro que não há lugar à aplicação subsidiária do artigo 358.º do Código de Processo Penal.

§ 26 Em via subsidiária, diremos que na sequência das objeções levantadas pelo extraditando, o Ministério Público pronunciou-se, a 31 de janeiro de 2022, no sentido de que os factos em causa integrariam também o crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal. Esta posição do Ministério Público foi notificada ao requerente pelo que dela teve oportuno conhecimento. E, no momento próprio, deduziu oposição ao pedido, no exercício do contraditório, altura em que o requerente teve oportunidade de dizer o que entendeu para a sua defesa, nomeadamente que não se verificava a dupla incriminação. A pronúncia do tribunal surge em resposta às questões postas pelo requerente. Foi nesse contexto que o tribunal disse e entendeu que alguns dos factos preenchem também o crime de associação criminosa. As regras muito precisas que num código de processo penal de estrutura acusatória disciplinam a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação no decurso de uma audiência de julgamento com produção de prova, não podem ser transplantadas para o procedimento de extradição, onde repete-se não há acusação nem audiência de julgamento, e a oposição do requerente visa reagir a uma fase administrativa (Acórdão STJ de 07-09-2017, Proc. n.º 483/16.7YRLSB.S1 – 5.ª Secção).

§ 27 Não há, assim, violação do direito ao contraditório, nem do processo justo e equitativo. Acresce que sendo a decisão do Tribunal da Relação recorrível, teve o requerente outra oportunidade de contraditório, que exerceu sem restrições, pelo que o procedimento de extradição respeitou escrupulosamente as garantias de defesa do requerente nomeadamente o contraditório quanto à qualificação jurídica.

d) Recusa de extradição por força da cidadania da União Europeia e da Territorialidade Europeia da Infração:

§ 28 Invoca o recorrente que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que não apreciou todas as questões por ele invocadas, ou seja, a precedência da prossecução na Áustria, por força do direito da União Europeia e, subsidiariamente, a recusa de extradição, com base no artigo 32.º, n.º 1, alínea b) (e, subsidiariamente, no artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08), por força da nacionalidade austríaca do extraditando e da territorialidade europeia dos factos, e como decorrência do direito da UE e do próprio direito interno; recusa de extradição com base no artigo 32.º, n.º 1, alínea a) (e subsidiariamente no artigo 18.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08), e do reenvio de questões prejudiciais ao TJUE sobre as matérias de direito da União pertinentes para a solução das questões supra.

§ 29 Alega, ainda, ser o acórdão nulo por falta de fundamentação, concretamente no que respeita à recusa de reenvio prejudicial. Ora, dispõe o artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que é nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
(…)
c) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

§ 30 Por sua vez, preceitua o artigo 374.º do mesmo diploma legal, relativamente ao conteúdo da sentença, que a mesma se inicia por um relatório, ao qual se segue “a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (n.º 2).

§ 31 Face aos normativos atrás enunciados, a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de outubro de 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt).

§ 32 Por sua vez, no que respeita ao dever de fundamentação, este insere-se numa exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, ao constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram, e intraprocessualmente, realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.

[…]

A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. Para este, a fundamentação pode não ser suficiente para os fins que prossegue e que anseia da decisão do órgão jurisdicional, mas esta perspectiva não pode obumbrar o fim constitucional do dever de fundamentação (Acórdão do STJ de 23 de maio de 2018, proc. n.º 630/13.0PBGMR.1.S2 - 3.ª secção, sumário disponível em www.stj/jurisprudência/acórdãos/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2018; Acórdão do STJ de 14 de maio de 2020, processo n.º 498/18.0YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.).

§ 33 Desta forma, estando em causa uma decisão, as exigências de pronúncia e fundamentação dos acórdãos devem sofrer as devidas adaptações em função do objeto do processo, pelo que a omissão de pronúncia apenas ocorrerá quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado, seja a mesma suscitada pelas partes ou de conhecimento oficioso.

§ 34 Nesta senda, conforme se assumiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2019 (Processo n.º 881/16.6JAPRT.P1.S1), ao STJ não compete conhecer de toda a argumentação aduzida, mas apenas chamar à colação os fundamentos para decidir das questões pertinentes e, se assim for, não existe qualquer nulidade de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia”. Ora, no caso, a questão invocada é a eventual recusa de extradição por força da cidadania da União Europeia e da Territorialidade Europeia da Infracção”, sendo que, para fundamentar a mesma, o extraditando apresenta uma série de argumentos.

§ 35 O acórdão recorrido conheceu da questão suscitada, tendo-se pronunciado de forma clara e suficiente sobre as razões de facto e de direito com base nas quais entendeu não haver motivo bastante para recusa da extradição. Assim, após ter feito um enquadramento teórico e jurisprudencial, apreciou a questão concreta, referindo, nomeadamente, que:

«No caso vertente foi dado conhecimento do pedido e da detenção do extraditando ao estado austríaco para informar o que tivesse por conveniente e, até agora, a informação obtida foi a de que o procedimento criminal contra o requerido havia sido encerrado sob reserva de posteriores desenvolvimentos, e de que não foi emitido nenhum mandado de detenção europeu no âmbito desse processo.

Apesar desta informação insistiu-se, novamente com as autoridades austríacas e com caracter de urgência para informarem se pretendiam exercer acção penal contra o extraditando cuja a extradição foi pedida pelos EUA nos termos dos arts 33º nº 3 da CRP, do artº31º nº 1 da Lei 144/99 de 31/8, bem como dos arts 18º e 21º do TFUE.

Pelas autoridades austríacas veio a informação de que não pretendem exercer acção penal contra o extraditando.

Como é referido no parecer do Ministério Público “Nada havendo em contrário, obrigando a diferente entendimento, e sendo o requerido um fugitivo à justiça americana, tendo vivido por algum tempo nos EUA, não se aceita que, sem resposta da Áustria noutro sentido, se deva permitir que o extraditando se desloque para o estado da nacionalidade (a Áustria), estado esse que, por ter jurisdição territorial e pessoal (como decorre do pedido de extradição, os factos foram praticados em grande parte na Áustria (…) pessoas de nacionalidade austríaca), e não permitir a extradição dos seus nacionais, terá de perseguir penalmente o extraditando pelos factos constantes do pedido de extradição, por ter uma precedência na prossecução penal do ora requerente”.

Portugal perante os tratados e convenções e dentro do princípio de cooperação com os EUA apenas tem que se pronunciar sobre o pedido que o estado-requerente lhe submeteu, a sua legalidade e se existem causas de recusa.

É um facto que o artº 5º al f) da nossa Constituição [rectius, art. 5.º/1/f, Código Penal] estipula que “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional “por estrangeiros que forem encontrados em Portugal e cuja extradição haja sido requerida, quando constituírem crimes que admitam a extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”.

Portanto, esta norma constitucional apenas abrange factos cometidos em território estrangeiro e por agentes estrangeiros. Além disso, também concluímos que os factos em causa são factos cometidos contra vítimas estrangeiras (de contrário, cairiam no âmbito da norma que consagra o princípio da nacionalidade passiva), lesivos de bens jurídicos não nacionais (de contrário, cairiam no âmbito da norma que consagra o princípio da defesa dos interesses nacionais). Por outro lado, o seu âmbito restringe-se a factos que constituam “crimes que admitam a extradição”.

Já o artº 18º nº 1 da Lei 144/99 de 31 de Agosto estabelece que “pode ser negada a cooperação quando o facto que a motiva for objecto de processo pendente ou quando esse facto deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa”.

Estamos aqui perante uma hipótese de as autoridades portuguesas instaurarem um processo ao extraditando. Ora, tal só seria possível se perante um pedido de extradição e depois de o mesmo ter sido analisado o mesmo viesse a ser recusado por não estarem preenchidos todos os seus pressupostos. Antes desse momento, não pode falar-se de um dever de instaurar um processo penal. E, como constatamos não se verifica qualquer causa de recusa de extradição prevista no artº 6º da Lei 144/99.

(…)

Depois de analisados todos os pressupostos há que ponderar qual a jurisdição concretamente mais bem colocada para descobrir a verdade material – uma das finalidades essenciais do processo penal –, em especial, atendendo à localização predominante da base probatória e, sem dúvida que, em princípio, a jurisdição mais apta a reprimir os factos é aquela onde eles foram praticados.

No caso vertente, não estão verificadas causas de recusa de extradição, parte dos factos ocorreram nos EUA e a Áustria nada pretendendo extraditando.

Assim, nada justifica que seja em Portugal instaurado procedimento criminal pelos factos e crime em causa e não se argumente que com a não recusa do pedido de extradição se esvazia ou viola o direito de cidadania da EU decorrente dos arts 18º, 20º e 21º do TFUE”.

É patente a falta de razão do requerente.

*

§ 36 No que respeita à não apresentação de qualquer questão prejudicial ao TJUE, importa referir que a necessidade de reenvio prejudicial (quando há a possibilidade de recurso ordinário interno) não assume qualquer obrigatoriedade e cabe apenas ao juiz nacional, e não às partes em litígio, tomar essa iniciativa (Neste sentido, Luísa Lourenço, O Reenvio Prejudicial para o TJUE e os Pareceres Consultivos do Tribunal EFTA, Revista Julgar n.º 35, 2018, página 195). Neste caso, o Tribunal da Relação entendeu, face à decisão que havia tomado, e na sequência dos argumentos por si esgrimidos, que inexistia qualquer fundamento para apresentar questões prejudiciais ao TJUE.

§ 37 Desta forma, não havia necessidade de proceder a uma fundamentação mais exaustiva atendendo, até, à circunstância de o pretendido reenvio prejudicial não consubstanciar o objeto do processo. Finalmente, o extraditando invoca que a decisão em causa é nula, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, e nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, pois não indica as provas nas quais se sustentaram as conclusões referentes à posição da República da Áustria.

§ 38 O Tribunal da Relação elencou a factualidade provada que entendeu relevante, tendo indicado os meios de prova que a sustentaram e que constam dos autos. As comunicações da Áustria encontram-se, também, juntas ao processo, tendo sido notificadas ao recorrente para possibilitar o contraditório sem restrições. Como já disse este STJ, estamos perante um processo próprio, onde desde logo os fundamentos do pedido escapam a qualquer audiência de julgamento propriamente dita (art. 46.º, n.º 3 da Lei 144/99) e, daí, a necessária adequação à aplicação da lei processual penal geral no que tange aos factos provados, desde logo pela razão simples de que quanto aos factos imputados não ser possível a sua prova (art. 46.º, n.º 3, da Lei 144/99), mas ainda assim, na "aceitação" dos factos fundantes do pedido de extradição o acórdão recorrido não deixou de remeter para a documentação junta (ac. de 07-09-2017, Proc. n.º 483/16.7YRLSB.S1 – 5.ª Secção, SASTJ 2017). Tendo em consideração o tipo de processo em causa, deverá proceder-se a uma adequação das necessidades de fundamentação, em especial de facto, uma vez que a decisão não tem por base a realização de uma audiência de discussão e julgamento, nos termos previstos no Código de Processo Penal.

§ 39 A decisão de extradição não deve perder de vista os requisitos do art. 374.º (acórdão deste STJ de 09-06-2004, proferido no processo n.º 1911/04-3.ª Secção), desde logo porque o n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 144/99, dispõe que «(…) o processo é apresentado na sessão imediata, independentemente de inscrição em tabela e com preferência sobre os outros, para decisão final, sendo o acórdão elaborado nos termos da lei de processo penal». No entanto, como já acima referido, a remissão para o CPP deve «ter em conta a especificidade do presente processo relativamente às exigências de fundamentação presentes no processo criminal, máxime, no que tange ao exame crítico das provas (…). [A] necessidade de fundamentação neste tipo de processo especial não se coloca em termos paralelos aos de um processo penal comum; sendo certo que todas as decisões devem ser fundamentadas por mor do estatuído no art. 205.º, da CRP, a benefício da transparência e da ulterior possibilidade de controle pelo tribunal superior, com vista à transparência do processo e da decisão. A fundamentação da decisão judicial constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, que de forma explícita foi constitucionalmente garantido». (…) «Se o pedido está devidamente documentado/fundamentado e se os fundamentos de recusa se não verificam, a fundamentação passará a ser fundamentação de direito e não de facto. Face a tudo que se expôs, questionar-se-á que exame crítico das provas poderá incidir sobre elementos documentais, no caso, documentos autênticos, oficiais, emitidos no âmbito de cooperação internacional, não questionados, aceites pela Ministra da Justiça que declarou admissível o pedido, nos termos dos arts. 24.º, n.º 1, 46.º, n.º 2, 47.º, n.º 3 e 48.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 144/99. Com o devido respeito, não faz sentido, sendo espúria, a convocação de realização de exame crítico das provas neste específico contexto, (ac. STJ de 22.04.2020, Proc. n.º 499/18.9YRLSB.S1 - 3.ª Secção, SASTJ).

§ 40 Nesta medida, o Tribunal referiu na fundamentação as notificações efetuadas às autoridades austríacas e respetiva resposta, constando tal documentação dos presentes autos, a qual é do total conhecimento do aqui recorrente. Assim, em face do exposto, inexiste quaisquer das nulidades invocadas.

§ 41 O recorrente alega, ainda, que o pedido de extradição não deverá ser procedente porquanto, sendo nacional da Áustria, deverá ser dada precedência à prossecução criminal nesse país, por força do direito da União Europeia. De facto, o extraditando tem dupla nacionalidade, sendo brasileiro e austríaco, e é residente em Portugal, pelo que inexistem dúvidas que é um cidadão da União Europeia. Em face disso, o extraditando invoca que o Estado Português deverá permitir que este se desloque para o Estado da sua nacionalidade, por ser uma medida menos restritiva do que a extradição para os Estados Unidos da América, e em virtude de a Áustria ter jurisdição territorial e pessoal sobre o recorrente. Acrescenta, então, que ao não permitir a extradição dos seus nacionais, a Áustria terá de perseguir penalmente o extraditando pelos factos constantes do pedido de extradição (tendo aliás já aberto processo). Para sustentar a sua pretensão invoca, desde logo, jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente o Caso Pisciotti, de 10.04.2019, C-191/16.

§ 42 O exercício do poder punitivo estadual encontra-se, pela sua natureza, adstrito às suas próprias fronteiras, sendo o princípio da territorialidade o limite espacial do exercício do processo penal do Estado. “Com efeito, a soberania apenas é exercitável em território nacional” pelo que é assim «legítimo um Estado rejeitar a prática de atos que consubstanciam o exercício de um poder punitivo “estrangeiro” no seu território. Em regra, nem atos processuais de países estrangeiros são vinculantes e exequíveis em território português, nem os atos “nacionais” podem ser impostos e executados fora dos limites fronteiriços. Na verdade, um Estado estrangeiro não pode praticar atos processuais no nosso país sem consentimento, nem vice-versa» (Nuno Lemos Triunfante, Manual de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, 2018, Almedina, página 68).

§ 43 Sendo esse o princípio da territorialidade em termos “clássicos”, o mesmo sofre algumas alterações, desde logo, no âmbito da cooperação judiciária. Ademais, e estando Portugal inserido na União Europeia, esta territorialidade também deverá ser equacionada nessa conceção global europeia. Ora, o artigo 18.º do TFUE consagra o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, ao determinar que “no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade”.

§ 44 Por sua vez, o artigo 20.º, n.º 1, do TFUE, instituiu a cidadania da União, dispondo que “é cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui”. Por sua vez, o artigo 21.º desse diploma legal estabelece que “qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação”. Assim, e tendo em consideração os referidos direitos à não discriminação e à circulação livre na União Europeia, coloca-se a questão de saber, como no caso dos presentes autos, qual o procedimento adequado, a ser adotado pelos Estados, quando está em causa a extradição de um cidadão da União Europeia, detido num Estado que não é o da sua nacionalidade.

§ 45 O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou, nomeadamente no caso Petruhhin (de 6 de setembro de 2016, processo n.º C-182/15), onde considerou que “ao deslocar‑se para a Letónia, A. Petruhhin, nacional estónio, usou, na sua qualidade de cidadão da União, do direito de circular livremente na União, pelo que a situação em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação dos Tratados, na aceção do artigo 18.° TFUE (…).

Ora, regras nacionais de extradição como as que estão em causa no processo principal introduzem uma diferença de tratamento consoante a pessoa em questão seja um nacional desse Estado ou um nacional de outro Estado‑Membro, na medida em que levam a não conceder aos nacionais de outros Estados‑Membros, como A. Petruhhin, a proteção contra a extradição de que gozam os nacionais desse Estado. Ao fazê‑lo, tais regras são suscetíveis de afetar a liberdade de circulação dos primeiros na União”. Assim, “há que verificar se não existe uma medida alternativa menos atentatória do exercício dos direitos consagrados no artigo 21.º TFUE, que permita alcançar com a mesma eficácia o objetivo de evitar o risco de impunidade de uma pessoa que tenha cometido uma infração penal”.

§ 46 Concluiu, então, o referido acórdão, no sentido em que “os artigos 18.° e 21.°º TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado‑Membro da nacionalidade do cidadão e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado‑Membro, entregar‑lhe esse cidadão, em conformidade com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, desde que esse Estado‑Membro seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional” [realce da nossa responsabilidade].

§ 47 Em face desta decisão, impende sobre os Estados-Membros uma proibição de extraditar nacionais de outros Estados-Membros, o que decorre de uma causa de recusa já existente (a causa de recusa da nacionalidade), a qual integra o arsenal clássico de causas de recusa usado pela maioria dos Estados, pelo que “a causa de recusa da cidadania europeia será mais correctamente compreendida como uma extrapolação daquela tradicional causa de recusa para uma escala europeia, produzida por princípios fundamentais de direito europeu”(Miguel João Costa, Os limites à extradição para fora da União Europeia, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 2, maio-agosto de 2019, p. 352).

§ 48 Por sua vez, no caso Pisciotti (de 10 de abril de 2018, processo n.º C-191/16), estava também em causa o direito de circular livremente na União Europeia, sendo que o pedido de extradição havia sido efetuado no âmbito do acordo de cooperação entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. O órgão jurisdicional de reenvio apresentou ao TJUE a questão de saber se o artigo 18.º do TFUE deverá ser interpretado no sentido de que se opõe a que o Estado‑Membro requerido estabeleça uma distinção, com fundamento numa norma de direito constitucional, entre os seus nacionais e os nacionais de outros Estados‑Membros e autorize a extradição destes últimos, apesar de não permitir a extradição dos seus próprios nacionais.

§ 49 O Tribunal decidiu que “num caso como o do processo principal, em que um cidadão da União que foi objeto de um pedido de extradição para os Estados Unidos, no âmbito do Acordo UE‑USA, foi detido num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, tendo em vista a eventual execução desse pedido, os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o Estado‑Membro requerido estabeleça uma distinção, com fundamento numa norma de direito constitucional, entre os seus nacionais e os nacionais de outros Estados‑Membros e autorize essa extradição, apesar de não permitir a extradição dos seus próprios nacionais, desde que tenha previamente dado às autoridades competentes do Estado‑Membro de que é nacional o referido cidadão a possibilidade de pedirem a sua entrega no âmbito de um mandado de detenção europeu e que este último Estado‑Membro não tenha tomado medidas nesse sentido [realce da nossa responsabilidade].

§ 50 Conforme decorre expressamente da citada jurisprudência, o procedimento adequado, quando está em causa a extradição de um cidadão da UE, detido num estado-membro diferente daquele de que é nacional, passará sempre pela comunicação dessa detenção ao estado da nacionalidade, com vista a conceder a possibilidade de o mesmo solicitar a entrega do cidadão, no âmbito de um mandado de detenção europeu.

§ 51 Como tal, “a prevalência atribuída a um cidadão da UE para ser investigado e julgado no território de origem não deixa de ser uma manifestação “ampliada” de territorialidade. Mas, desta sorte, relacionada com o direito a circular livremente pela UE que poderia ser restringido em caso de extradição para país terceiro sem existir a possibilidade do EM de origem manifestar intenção de submeter o “seu” cidadão ao “seu” processo penal” (Nuno Lemos Triunfante, ob. cit. p. 69).

§ 52 Dos presentes autos resulta que as autoridades portuguesas, num procedimento exemplar, instaram as austríacas, por duas vezes, as quais responderam expressamente no sentido que não pretendiam solicitar a detenção e transferência do extraditado. Assim, não só não foi apresentado qualquer Mandado de Detenção Europeu por parte da Áustria, como as autoridades desse país emitiram uma comunicação, dirigida a esses autos, onde afirmam não terem qualquer intenção nesse sentido.

§ 53 Em face disso, consta no Acórdão recorrido:

“No caso vertente foi dado conhecimento do pedido e da detenção do extraditando ao estado austríaco para informar o que tivesse por conveniente e, até agora, a informação obtida foi a de que o procedimento criminal contra o requerido havia sido encerrado sob reserva de posteriores desenvolvimentos, e de que não foi emitido nenhum mandado de detenção europeu no âmbito desse processo.

Apesar desta informação insistiu-se, novamente com as autoridades austríacas e com caracter de urgência para informarem se pretendiam exercer acção penal contra o extraditando cuja a extradição foi pedida pelos EUA nos termos dos arts 33º nº 3 da CRP, do artº31º nº 1 da Lei 144/99 de 31/8, bem como dos arts 18º e 21º do TFUE.

Pelas autoridades austríacas veio a informação de que não pretendem exercer acção penal contra o extraditando.

Como é referido no parecer do Ministério Público “Nada havendo em contrário, obrigando a diferente entendimento, e sendo o requerido um fugitivo à justiça americana, tendo vivido por algum tempo nos EUA, não se aceita que, sem resposta da Áustria noutro sentido, se deva permitir que o extraditando se desloque para o estado da nacionalidade (a Áustria), estado esse que, por ter jurisdição territorial e pessoal (como decorre do pedido de extradição, os factos foram praticados em grande parte na Áustria, e por duas pessoas de nacionalidade austríaca), e não permitir a extradição dos seus nacionais, terá de perseguir penalmente o extraditando pelos factos constantes do pedido de extradição, por ter uma precedência na prossecução penal do ora requerente”.

Portugal perante os tratados e convenções e dentro do princípio de cooperação com os EUA apenas tem que se pronunciar sobre o pedido que o estado-requerente lhe submeteu, a sua legalidade e se existem causas de recusa. (…)

No caso vertente, não estão verificadas causas de recusa de extradição, parte dos factos ocorreram nos EUA e a Áustria nada pretendendo extraditando.

Assim, nada justifica que seja em Portugal instaurado procedimento criminal pelos factos e crime em causa e não se argumente que com a não recusa do pedido de extradição se esvazia ou viola o direito de cidadania da EU decorrente dos arts 18º, 20º e 21º do TFUE.”

§ 54 Tendo sido efetuada a comunicação da detenção ao estado austríaco e não tendo este tomado qualquer providência com vista a ser-lhe entregue o cidadão em causa, mas comunicando perentoriamente aos presentes autos que não o pretendia fazer, inexiste qualquer violação ao direito de circulação da União Europeia, estando, assim, o procedimento dos tribunais portugueses em conformidade com a atual jurisprudência do TJUE.


§ 55 De facto, do acórdão Pisciotti resulta que apenas se exige ao Estado-Membro a quem a extradição é pedida que conceda ao Estado-Membro de quem o cidadão é nacional a oportunidade de emitir um Mandado de Detenção Europeu, não resultando qualquer obrigação no sentido de ele próprio, prosseguir criminalmente o visado (Miguel João Costa, Os limites à extradição para fora da União Europeia, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 2, maio-agosto de 2019, p. 361). Do exposto resulta que, a diferença de tratamento a existir não é imputável à justiça portuguesa; acresce que a diferenciação de tratamento existente entre nacionais e não-nacionais (no sentido de ser proibida a extradição dos primeiros), como decorre da supracitada jurisprudência, é legitimada, porquanto a impunidade é um objetivo atendível – a evitar – à luz do direito da União Europeia.

§ 56 Não decorre, nomeadamente do acórdão Petruhhin, que haja qualquer proibição de extradição de cidadãos dos Estados-Membros (Neste sentido, Miguel João Costa, Os limites à extradição para fora da União Europeia, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 2, maio-agosto de 2019, p. 353). A referida decisão cria, assim, uma mera válvula de escape contra a extradição, desde que seja garantida a efetiva prossecução penal do cidadão, por parte do Estado-Membro que deteve o mesmo ou com recurso ao sistema do Mandado de Detenção Europeu. Assim, ou há extradição, ou há a instauração de processo penal no espaço europeu, nunca podendo remanescer a impunidade.

§ 57 Sucede que o extraditando pretende ser entregue à Áustria, reclamando essa iniciativa ao Estado Português. Sem que haja qualquer pedido da Áustria nesse sentido, tal colide com os procedimentos de cooperação judiciária. De facto, não consubstancia essa pretensão do requerente motivo de recusa do cumprimento do pedido de extradição, sendo que inexiste qualquer fundamento para que o mesmo seja entregue à Áustria, após a posição expressa das autoridades desse país. Inexiste, assim, qualquer obrigação, em decorrência da sua cidadania europeia, seja de o entregar ao país de que este é nacional (sem que o mesmo tenha efetuado qualquer pedido nesse sentido), seja de o perseguir criminalmente no país em que foi detido.

§ 58 Neste preciso sentido, aliás, concluiu o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, (Grande Secção), de 17 de dezembro de 2020, onde se entendeu que:

“1) Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se aplicam à situação de um cidadão da União Europeia, nacional de um Estado‑Membro que reside no território de outro Estado‑Membro e que é objeto de um pedido de extradição dirigido a este último por um Estado terceiro, mesmo quando esse cidadão tenha deslocado o seu centro de interesses vitais para esse outro Estado‑Membro num momento em que ainda não tinha o estatuto de cidadão da União.

2) Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando o Estado‑Membro da nacionalidade da pessoa reclamada, cidadão da União que é objeto de um pedido de extradição dirigido por um Estado terceiro a outro Estado‑Membro, tiver sido informado por este último da existência desse pedido, nenhum desses Estados‑Membros é obrigado a pedir ao Estado terceiro requerente que lhe envie uma cópia dos autos do processo penal a fim de permitir ao Estado‑Membro da nacionalidade da pessoa apreciar a possibilidade de exercer ele próprio a ação penal contra a referida pessoa. Desde que tenha informado devidamente o Estado‑Membro do qual a mesma pessoa tem a nacionalidade da existência do pedido de extradição, do conjunto dos elementos de direito e de facto comunicados pelo Estado terceiro requerente no âmbito desse pedido, bem como de qualquer alteração da situação em que a pessoa reclamada se encontra, pertinente para efeitos da eventual emissão contra ela de um mandado de detenção europeu, o Estado‑Membro requerido pode extraditar essa pessoa sem ter de aguardar que o Estado‑Membro da nacionalidade dessa pessoa renuncie, através de uma decisão formal, à emissão desse mandado de detenção, que incida, pelo menos, sobre os mesmos factos visados no pedido de extradição, quando este último Estado‑Membro se abstenha de proceder a essa emissão num prazo razoável que lhe tenha sido concedido para esse efeito pelo Estado‑Membro requerido, tendo em conta todas as circunstâncias do processo.

3) Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro ao qual um Estado terceiro tenha apresentado, para efeitos de procedimento penal, um pedido de extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, não é obrigado a recusar a extradição e a exercer ele próprio a ação penal quando o seu direito nacional lho permita”.

Realçando a importância deste Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, diga-se a propósito, que ele dá resposta a múltiplas questões suscitadas pelo recorrente, nomeadamente em tema de reenvio, que em face da sua jurisprudência se mostram desnecessárias.

§ 59 Assim, e em conformidade com o referido pelo Ministério Público nas contra-alegações de recurso apresentadas, “[N]ada havendo em contrário, obrigando a diferente entendimento, e sendo o requerido um fugitivo à justiça americana, tendo vivido por algum tempo nos EUA, não se aceita que, não havendo resposta da Áustria no sentido “convocar” o seu cidadão, se deva permitir que o extraditando se desloque para o estado da nacionalidade (…) A cooperação judiciária em matéria penal em Portugal deve limitar-se à pronúncia sobre os pedidos que lhe são feitos, pelo que, nada tendo sido pedido pelas autoridades austríacas, apenas tem de se pronunciar sobre o pedido dos EUA que, de acordo com o direito interno - lei 144/99 – e com os tratados e convenções, tem o seu formalismo próprio. (…) a jurisprudência Petruhin apenas abre caminho a, através de um conflito entre uma extradição e um MDE (mandado de detenção europeu), ser obtida uma decisão em favor do MDE que, por efeito reflexo, protege o nacional europeu da extradição apresentada por um Estado terceiro. A presença de um inquérito, no Estado da nacionalidade, aberto ou reaberto, ou a emissão de uma DEI, não são suficientes para provocar o efeito Petruhin.

Por isso, não há fundamento para não conceder a extradição, atrasando-a ou suspendendo-a, porque não corresponde a uma causa de recusa.”.

§ 60 Sejamos claros: Portugal, no caso em apreço, respeitou escrupulosamente as normas nacionais e da EU. A precedente afirmação não tem qualquer subentendido, apenas que as normas foram respeitadas. O que, afinal, pretende o requerente é que Portugal «obrigue» a Áustria a perfilhar o seu entendimento. Essa é questão relativamente à qual Portugal fez o que tinha de fazer, abstendo-nos no mais de qualquer outra consideração

§ 61 Finalmente, o extraditando procede à junção, com as suas alegações de recurso, de um documento, datado de 16 de março de 2022, proveniente das autoridades austríacas, onde consta que “[F]ica notificado que o processo contra AA pela prática de §§146, 147 Abs 1 Z 1, Abs 3 StGB será continuado de acordo com § 193 Abs 2 Z 1 CPP [Áustria]”, bem como de um outro documento consubstanciando uma Decisão Europeia de Investigação para Portugal, com vista à realização de interrogatório do requerente no dia 01.03.2022.

§ 62 Tais documentos são absolutamente estranhos ao presente processo, não constando do mesmo, não tendo, em qualquer momento, tal informação sido do conhecimento do Tribunal, como decorre da consulta eletrónica dos presentes autos. Acresce que os documentos ora juntos não podem ser considerados, atendendo à presente fase processual (valem aqui também as considerações constantes dos §§ 1 e 2). E, quanto a factos relevantes supervenientes, há regras, um procedimento próprio. Na verdade, “o processo de extradição é um processo especial e urgente, regulado em primeira mão pela L 144/99 e só subsidiariamente pelo CPP (art. 3.º, n.º 2 cit. Lei), com uma fase administrativa e uma fase judicial, onde não é possível discutir os factos imputados ao extraditado (arts. 46.º, n.º 1 e 3 da L 144/99) e em que a oposição apenas pode ter lugar com dois fundamentos (não ser o detido a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos da extradição) (art. 55.º da cit. L 144), onde, em princípio, não se pode invocar prova superveniente em fase de recurso”. Nesta medida, “os recursos não se destinam a criar ou debater questões novas (salvo o caso das questões que devem ser oficiosamente conhecidas) que não tenham sido suscitadas ou apreciadas pelo tribunal recorrido, mas apenas a reapreciarem uma questão (ou questões) decidida ou que deveria ter sido decidida pelo tribunal recorrido” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de fevereiro de 2019, processo n.º 65/14.8YREVR.S2, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de março de 2004 (Processo n.º 463/04), onde se lê que:

«I - Do disposto no artigo 165.º do CPP resulta que o documento que importe à solução do caso deve ser junto “no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.

II - A estipulação daquele termo final constitui um corolário do chamado princípio da imediação da prova: se todas as provas em que assenta a convicção do Tribunal devem ser “produzidas e examinadas em audiência”, necessário se torna concluir que só relevam as apresentadas até então.

III - Ora, a audiência que marca o termo final de apresentação de documentos há-de ser aquela em que seja produzida prova relevante à fixação da matéria de facto.

IV - Tal não sucede de todo em todo na fase de recurso do processo de extradição.

V - A junção de documentos pelas partes em tal fase revela-se, por isso, intempestiva e determina o respectivo desentranhamento, não significando tal qualquer violação de direito de defesa da Extraditanda. (…)

VII - Dos arts. 55.º, n.ºs 1 e 2, e 56.º da Lei 144/99, decorre que a oposição do extraditando é facultativa - constitui uma faculdade deste -, e a fase das alegações finais é imperativa sempre que haja lugar a produção de prova, a qual apenas ocorre quando tenham sido indicados meios de prova tidos por pertinentes pelo Tribunal ou/e este oficiosamente entenda necessário proceder a diligências de prova. (…)

XI - Do cotejo das disposições que regulam o processo de extradição na fase judicial e no âmbito do Tribunal da Relação resulta manifesto que naquela fase apenas são admissíveis dois articulados: a petição de extradição e a oposição à mesma.

XII - Embora se reconheça que a enumeração de factos não provados não seja despicienda numa decisão judicial proferida no âmbito de um processo de extradição, entende-se que tal enumeração não é, contudo, necessária e muito menos a sua omissão determina a nulidade de tal decisão e consequente revogação da mesma.

XIII - A estrutura de uma decisão de extradição não tem necessariamente que obedecer à própria de uma sentença do processo-crime tal como prescreve o art. 374.º do CPP.

XIV - O processo de extradição é um processo especial e nele o Tribunal toma posição quanto ao pedido de extradição.»

§ 63 Da mesma forma, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 2 de dezembro de 2004 (Processo n.º 4291/04), decidiu que:

«I - A estipulação, no art. 165.º do CPP, do termo final “até ao encerramento da audiência” constitui um corolário do princípio da imediação da prova: se todas as provas em que assenta a convicção do tribunal devem ser “produzidas e examinadas em audiência” necessário se torna concluir que só relevam as apresentadas até então (art. 355.º, n.º 1, do CPP), e que a audiência que marca esse termo final de apresentação de documentos há-de ser aquela em que seja produzida prova relevante à fixação da matéria de facto.

II - Assim, é intempestiva a junção de documentos em processo de extradição na fase de recurso do acórdão da Relação, não só porque no julgamento que então tem lugar não há produção de prova, como também porque o recurso é dirimido pelo STJ, o qual, como tribunal de revista, apenas conhece de direito.

III - A circunstância de o STJ ter ordenado o suprimento de nulidades que encontrou na decisão do tribunal da Relação não abre uma fase de instrução ou carreamento de prova, mas antes, apenas e tão só, impõe que a decisão proferida seja aperfeiçoada no sentido do suprimento das indicadas nulidades, mantendo-se as demais questões por definitivamente decididas».

§ 64 Subsidiariamente, e mesmo que assim não se considerasse, os documentos ora juntos não são de molde a infirmar o referido supra, porque não se trata de informação oficial das autoridades austríacas dirigida aos presentes autos, seja porque não consubstanciam um pedido de entrega do cidadão em causa, como se impunha: um MDE. Assim, tal documento não é relevante para a decisão da matéria suscitada na oposição.

*

§ 65 O recorrente invoca a inconstitucionalidade da norma da qual resulte que o Tribunal competente para a decisão do processo de extradição não está obrigado, após a prolação de decisão de primeira instância, a tomar em conta documentos relevantes para a decisão da matéria suscitada na oposição e dos quais o extraditando apenas tenha tomado conhecimento após a prolação da decisão, bem como a inconstitucionalidade da norma da qual resulte que o Tribunal competente para a decisão do processo de extradição não está obrigado, após a prolação de decisão de primeira instância, mas antes do respetivo trânsito em julgado, a tomar em conta documentos relevantes para a decisão da matéria suscitada na oposição e dos quais o extraditando apenas tenha tomado conhecimento após a prolação da decisão, não obstante serem conhecidos das autoridades judiciárias portuguesas.

§ 66 O recorrente não refere qualquer normativo específico relativamente ao qual pretende ver apreciada a inconstitucionalidade. Ademais, os documentos em causa não revestem interesse para a matéria factual relevante neste procedimento de extradição, pelo que a apreciação da inconstitucionalidade fica, desde logo, prejudicada.

§ 67 Mais invoca o extraditando que, tendo em conta a pendência de processo na Áustria, a concretização da extradição implicaria uma violação do princípio do ne bis in idem, o que constitui causa de recusa de extradição, nos termos previstos no artigo 18.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

§ 68 Além do já expendido e que aqui tem aplicação, para que esta peça não se torne enfadonha, diremos que o artigo 18. °, da Lei 144/99, de 31 de agosto, que tem por epígrafe a “Denegação Facultativa de Cooperação Internacional”, diz no n.º 1, que “[P]ode ser negada a extradição quando o facto que a motiva for objecto de processo pendente (…)”.

§ 69 Por seu turno, o artigo 8.º, n.º 1, alínea b) desse diploma legal, prevê que “[A] cooperação não é admissível se, em Portugal ou noutro Estado em que tenha sido instaurado procedimento pelo mesmo facto e o processo tiver terminado com sentença absolutória transitada em julgado ou com decisão de arquivamento”.

§ 70 O artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa estabelece que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Ora, o princípio ne bis in idem, que se encontra vertido nesse normativo, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, com vista a preservar a segurança e paz jurídica. Esta imposição encontra-se igualmente prevista no artigo 4.º, n.º 1, do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nos termos do qual “[N]inguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisprudências do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal”.

§ 71 Neste caso, por um lado, dos autos não resulta que exista qualquer processo-crime a correr termos na Áustria, muito menos sabemos qual o âmbito do seu objeto processual, ou seja, se abrange, ou não, os mesmos factos em que se baseia o pedido de extradição. Por outro, mesmo que estivesse pendente uma investigação criminal que versasse os mesmos factos, tal não significa que a extradição deva ser recusada, antes consubstanciando tal circunstância um mero motivo de recusa facultativa da mesma.

§ 72 Nesta medida, “sendo facultativa, impõe-se uma ponderação por parte do tribunal, tomando em consideração os próprios factos, os interesses em jogo, o exercício da nossa soberania ou a sua eventual afectação”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de agosto de 2020, processo n.º 1281/19.1YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.).

§ 73 Desconhecendo-se se há uma investigação, qual o seu objeto ou a fase em que se encontra, não havendo notícia de ter sido proferida qualquer acusação, não dispondo os autos de informação oficial no sentido de estar pendente um processo, com o respetivo objeto fixado, e que verse sobre os mesmos factos, não é possível, sequer, equacionar essa recusa facultativa. E convém não esquecer que a Áustria, estado da nacionalidade do requerente sabe da pendência do pedido de extradição, pois oportunamente e de modo exemplar foi interpelada por duas vezes.

§ 74 Da mesma forma, inexiste qualquer inconstitucionalidade que deva ser apreciada, atendendo a que o extraditando não se encontra a ser julgado, mesmo que em diferentes países, mais do que uma vez pelos mesmos factos.

§ 75 Invoca, ainda, o extraditando que Portugal deve recusar a extradição, por aplicação do artigo VIII da Convenção e dos artigos 32.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, interpretado em conformidade com os artigos 18.º, 20.º, e 21.º do TFUE, e com o artigo 45.º da CDFUE, ou seja, onde se lê “b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo o disposto no número seguinte” deve ler-se “b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia, salvo o disposto no número seguinte”.

§ 76 Conforme decorre da jurisprudência citada, nomeadamente do caso Pisciotti, inexiste qualquer obstáculo a que se estabeleça uma distinção, com fundamento numa norma de direito constitucional, entre os nacionais dos vários Estados‑Membros, sendo a extradição autorizada de um cidadão pertencente à União Europeia, mesmo que não se permita a extradição dos seus próprios nacionais.

§ 77 As normas em causa refletem essa mesma diferenciação, não havendo qualquer fundamento para que se proceda à analogia que o extraditando pretende. De facto, conforme já referido, desde que tenha sido dada previamente a possibilidade às autoridades dos Estados-Membros, de que o cidadão alvo da extradição é nacional, de requererem a sua entrega, e não tenham sido adotadas medidas nesse sentido, a extradição é possível, inexistindo qualquer fundamento para a sua recusa.

§ 78 Também não poderá proceder a invocação de que a extradição deverá ser recusada com base no disposto no artigo 18.º, n.º 1, parte final da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, como pretende o recorrente, que dispõe “[p]ode ser negada a cooperação quando o facto que a motiva (…) deva ou possa ser também objecto de procedimento da competência de uma autoridade judiciária portuguesa”. Como é sabido as causas de recusa facultativa da execução consubstanciam “uma convergência entre a defesa de alguns valores nacionais e a abertura ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões”, aí se estabelecendo uma cláusula para salvaguarda de interesses ligados à soberania penal do Estado, à efetividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo (ainda) de resguardo e proteção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de setembro de 2009, processo n.º 134/09.6YREVR).

§ 79 Nesta medida, o Estado Português deverá recusar a extradição sempre que se verificar um determinado conjunto de circunstâncias, ponderação que deverá ser efetuada pelo tribunal, consubstanciando uma verdadeira faculdade vinculada. Compulsada a decisão recorrida, consta que “[D]epois de analisados todos os pressupostos há que ponderar qual a jurisdição concretamente mais bem colocada para descobrir a verdade material – uma das finalidades essenciais do processo penal –, em especial, atendendo à localização predominante da base probatória e, sem dúvida que, em princípio, a jurisdição mais apta a reprimir os factos é aquela onde eles foram praticados.

No caso vertente, não estão verificadas causas de recusa de extradição, parte dos factos ocorreram nos EUA e a Áustria nada pretendendo extraditando.

Assim, nada justifica que seja em Portugal instaurado procedimento criminal pelos factos e crime em causa e não se argumente que com a não recusa do pedido de extradição se esvazia ou viola o direito de cidadania da EU decorrente dos arts 18º, 20º e 21º do TFUE”.

§ 80 Desta forma, foi efetuada uma apreciação, tendo o Tribunal concluído que, uma vez que os factos foram também praticados nos Estados Unidos da América, é a jurisdição desse país a mais habilitada a perseguir penalmente o extraditando, nomeadamente em termos probatórios, dado que aí residem as vítimas dos crimes imputados. Por outro lado, como já referido, não se trata de um cidadão português, pelo que, mais uma vez, não deverá ser feita qualquer tipo de interpretação, no sentido de abranger, também, cidadãos nacionais de outros Estados-Membros, circunstância que, como foi analisada, não vai contra os princípios europeus como disse o Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) 17 de dezembro de 2020, processo C 398/19, BY: (3) Os artigos 18.º e 21.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que o Estado‑Membro ao qual um Estado terceiro tenha apresentado, para efeitos de procedimento penal, um pedido de extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, não é obrigado a recusar a extradição e a exercer ele próprio a ação penal quando o seu direito nacional lho permita.

§ 81 Da mesma forma, e na esteira do já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “essa recusa facultativa é uma faculdade de que beneficia, e só, o cidadão nacional, pressuposto que o recorrente não recolhe. E não se veja nessa diferenciação de regime jurídico entre cidadão nacional e estrangeiro qualquer discriminação, ofensa ao princípio da igualdade, pese embora a CRP, nos art.ºs 13 .º e 15.º,  asseverar igualdade direitos e deveres, porque a CRP logo excepciona do âmbito desse princípio os direitos de que apenas podem beneficiar os cidadãos  portugueses, previstos na lei e na CRP,– art.º 15.º n.º 1, da CRP. O estatuto do estrangeiro não lhe confere, em absoluto, o direito a permanecer no nosso País, a não ser extraditado, e, em certos casos, a não ser expulso”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de março de 2015, processo n.º 1331/14.8YRLSB. S1, disponível em www.dgsi.pt).

§ 82 Finalmente, nada há a referir quanto à aplicação do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil atendendo a que se trata de uma questão nova, não invocada no requerimento de oposição à extradição (Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 2017, processo n.º 1323/17.5YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt), sendo que, seja como for, e em conformidade com o referido pelo próprio Extraditando, o mesmo não é beneficiário do estatuto de igualdade previsto nesse Tratado, pelo que nenhum direito daí lhe advém.

§ 83 Refere, ainda, o extraditando que os factos constantes do pedido de extradição foram praticados em território da União Europeia, em concreto, na Áustria. Acrescenta, ainda, existir contradição insanável na decisão recorrida, ao considerar provado, ao mesmo tempo, que os factos são praticados em território americano, mas que o extraditando os praticou em Viena.

Dispõe o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal que “[m]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.

Ora, “a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no n.º 2 al. b) do art. 410.º, do CPP apenas se verificará, quando analisada a matéria de facto se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão”( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de maio de 2020, processo n.º 259/18.7PFSXL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

§ 84 Os factos constantes da decisão recorrida não padecem da contradição invocada, deles resultando que o amigo/artista, que forjou os trabalhos artísticos a pedido do extraditando, se encontrava em Viena, o requerente terá praticado os factos descritos no pedido de extradição nos Estados Unidos da América, entre 2017 a 2020: o esquema para defraudar os compradores de arte, vendendo trabalhos artísticos forjados.

§ 85 Quanto à questão do lugar da prática dos factos, tal circunstância também não é de molde a fundamentar a recusa da extradição, não obstante parte dos factos terem sido praticados em país da União Europeia. Como tal, e na esteira das contra-alegações do Ministério Público, “no que tange ao lugar dos factos, frisa-se, mais uma vez, que o processo de extradição não visa o julgamento dos factos que demandam o pedido, mas, tão-só, garantir e verificar que estão reunidas as condições de respeito pela dignidade da pessoa humana próprias de um estado de direito, pelo que o referir-se que aconteceram nos EUA e, também, na Áustria e, ainda, noutros países – mas nunca em Portugal –, não assume qualquer relevância nem põe em causa a decisão, sendo que o pedido formal de extradição apresentado pelo estado-requerente descreve, em súmula, os factos criminosos práticos e a respectiva transnacionalidade, e indica provas que sustentam a acusação”. Assim, não consubstancia a circunstância invocada qualquer causa de recusa da extradição que deva ser considerada procedente.

e) Risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA

§ 86 Sustenta o requerente a existência de risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA (artigo 3.º da CEDH, 4.º da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2da CRP, concatenado com os artigos 2.º, n.º 1e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição). Complementa este tópico com alegação de omissão de pronúncia quanto aos artigos 3.º CEDH, 4.º e 19.º, n.º 2, CDFUE, e 25.º, n.º 2, da CRP (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP); insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (410.º, n.º 2, al. a), do CPP); nulidade por falta de fundamentação por ausência de indicação e exame crítico da prova (artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP; preterição de solicitação de informações e garantias adicionais; erro de Julgamento sobre as causas de recusa decorrentes do risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes por força das condições de detenção nos EUA.

§ 87 A propósito disse o acórdão recorrido: «Sustenta, ainda, o extraditando que sofre de graves problemas de saúde nomeadamente a nível cardiorrespiratório, e que sofreu, nos últimos anos, vários pneumotórax espontâneos, estando, em momento anterior à sua detenção, em avaliação na Clínica ..., onde efectuou, entre outros e no mês de Novembro de 2021, exames imagiológicos ..., e onde estava a fazer a reavaliação da sua situação de saúde.

Alega, ainda, doença física e mental grave, para a qual não terão o acompanhamento adequado, nem o entorno apropriado num estabelecimento com as condições do estabelecimento prisional americano que identifica, representando o encarceramento um sofrimento muito acima do que é inerente à normal execução de uma pena de prisão.

Traça o extraditando um panorama catastrofista, algo apocalíptico em matéria prisional que, certamente, a verificar-se na sua plenitude e integralidade, o apartaria do conjunto das “nações civilizadas”. Mas a conclusão que se teria que tirar daí seria a impossibilidade de cumprimento das normas convencionais de extradição de todos os cidadãos americanos.

Esta questão não é nova e já tem sido colocada bastas vezes. “Como salienta o acórdão do STJ de 16/5/2019, a propósito de uma situação com contornos idênticos aos do presente caso, “As condições de estada nas prisões (…) tornar-se-ia, segundo parece fazer crer, o recorrente, um ponto de antinomia e frágua relativamente ao sistema sedimentado em Portugal orientado para a reinserção social e a reintegração do individuo no meio social de que provém. […]

Porém, a lei não prevê a interdição ou negação do pedido de extradição para as situações em que as situações de prisão que o extraditando terá de enfrentar no seu país não são as mais adequadas e condizentes com a dignidade humana. […].”. Como se salienta no mencionado acórdão do STJ de 16/5/2019, “Alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de mazelas e deficiências que o permitem qualificar como um sistema caótico, desregrado, anómico, coactivo, violento e desapiedado não integra a causa de recusa inscrita no direito convencionado interestadual nem pan-estadual. Não colhe, por isso, como fundamento da pretensão recursiva a alegação de que o sistema prisional não oferece condições de reinserção e reintegração compatíveis com a pauta civilizada dos direitos humanos.”.

Alegações deste tipo, próprias de um Estado de não Direito, não se concretizariam senão num processo de natureza política, ou perante tribunal de exceção, etc. No caso, pelo contrário, estão em causa factos do foro criminal comum. A serem julgados numa ordem jurídica com garantias, recursos, e a panóplia de proteção das pessoas própria dos Estados de Direito.

O art. 3.º da CEDH, estabelece que «Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes».

As reservas que Portugal formulou à Convenção Europeia de Extradição, foram as seguintes:

«Artigo 1.º: Portugal não concederá a extradição de pessoas:

a) Que devam ser julgadas por um tribunal de exceção ou cumprir uma pena

decretada por um tribunal dessa natureza;

b) Quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão a pena em condições desumanas;

c) Quando reclamadas por infração a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo.

Artigo 2.º: Portugal só admitirá a extradição por crime punível com pena privativa da liberdade superior a um ano.

Artigo 6.º, n.º 1: Portugal não concederá a extradição de cidadãos portugueses.

Artigo 11.º: Não há extradição em Portugal por crimes a que corresponda pena de morte segundo a lei do Estado requerente.

Artigo 21.º: Portugal só autoriza o trânsito em território nacional de pessoa que se encontre nas condições em que a sua extradição possa ser concedida».

Socorrendo-se do artº 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos, artº 19º , nº 2 da carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artº 25º, nº 2 da CRP sustenta o requerido que a ausência de garantias jurídicas de um procedimento criminal e de cumprimento da pena de prisão em condições que respeitem os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, que diz verificar-se, no caso, constitui fundamento da recusa da extradição.

Pois bem.

Na reserva que a Assembleia da República formulou ao texto da Convenção Europeia de Extradição, constante do artigo 1.º, alínea b), da Resolução n.º 23/89, de 21 de Agosto, que aprovou a referida Convenção (Diário da República, I Série, n.º 191, de 21-08-1989), estabelece-se que Portugal não concederá a extradição de pessoas quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão a pena em condições desumanas.

Ora, nada nos autos nos diz que essas garantias não estão salvaguardadas ou que estão infringidas. “O princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores”.

Acresce, que as autoridades americanas garantem que o pedido de extradição não se destina a perseguição por motivos políticos ou por motivos de raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas.

E certamente que se razões houvessem para colocar em causa as garantias prestadas, Exma. Senhora Ministra da Justiça, não teria proferido, em 4 de Janeiro de 2022, despacho a declarar admissível o pedido de extradição apresentado pelos Estados Unido da América.

Os EUA é um estado de direito e como tal tem que ter a preocupação de fazer respeitar os direitos humanos nas suas prisões. Por outro lado, os sistemas prisionais, nomeadamente, o dos EUA, prestam assistência clínica aos seus reclusos, o que é exigido pelas normas internacionais.

Aliás, este é um dos pressupostos para a celebração e manutenção da vigência dos acordos e tratados internacionais sobre estas matérias que vinculam os estados que a eles aderem, como é o caso de Portugal e dos Estados Unidos.

Segundo dispõe o artigo 18.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária (Lei n.º 144/99), a extradição pode ser negada quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o seu deferimento pode implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. Resulta dos autos que o arguido tem vários problemas de saúde, nomeadamente a nível cardiorrespiratório, antes da sua detenção esteve em avaliação na Clinica ... onde fez exames imagiológicos .... Tem saúde mental frágil sofrendo de depressão, tem uma lesão no ... com perda de mobilidade.

Neste contexto, conforme se assinala no Acórdão do STJ de 30-10-2013, proferido no processo n.º 86/13.8YREVR.S1, “a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal ao prever no n.º 2 do artigo 18.º a possibilidade de negação do pedido de extradição quando este possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, faz depender a denegação facultativa da extradição, não só das consequências que a mesma possa implicar para a pessoa visada (em função da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal), mas também de um juízo de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas consequências.

É o que decorre da letra do preceito ao estatuir que: «Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves…». Ponderação em que assume particular relevância o confronto entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado” (cf. ainda o Acórdão do STJ de 11-01-2018, proferido no processo n.º 1331/17.6YRLSB.S1).

No caso vertente, se é certo que a gravidade dos factos imputados assume relevo criminal significativo, certo é também que as alegadas consequências da extradição, decorrentes do estado de saúde do requerido, não consubstanciam lesão ou prejuízo grave para o mesmo, concretamente de grau superior àquele que a medida de cooperação peticionada normalmente implica.

Não resulta que os padecimentos que o requerido sofre demande tratamentos clínicos com respostas mais exigentes ou que não possam ser tratados como é o caso das que envolvem internamentos hospitalares e/ou terapêuticas mais complexas, para além de que a matéria de facto provada não permite concluir que, por efeito da extradição, tais problemas de saúde podem agravar-se, ao ponto de desencadear consequências como uma gravidade tal que ultrapassa sobremaneira o grau de gravidade dos factos imputados, fundamentando, assim, a recusa da extradição.

Improcedendo, pois, também, este fundamento da oposição. Logo, não procede, também, as invocadas inconstitucionalidades. Pelas razões expostas não há qualquer fundamento para que sejam pedidas as informações adicionais nos termos em que vêm requeridas, até porque o estado-requerente presta todas as garantias necessárias, quer quanto à sujeição do requerido a um julgamento justo, quer quanto ao cumprimento de todas as normas internacionais relativas ao cumprimento de tempo de prisão a que venha a ser sujeito».

§ 88 Começa o recorrente por taxar a decisão recorrida como omissa quanto aos artigos 3.º CEDH, 4.º e 19.º, N.º 2, CDFUE, e 25.º, n.º 2, da CRP (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Valem aqui as considerações já expendidas a propósito da omissão de pronúncia (nomeadamente § 31). Encurtando razões diremos que o recorrente tem um entendimento curioso da omissão de pronúncia. Notificado do acórdão do TRC de 15 de março, o requerente suscitou em relação a esse acórdão, no dia 24 de março, várias invalidades e outras questões. A 29.03. 2022, veio recorrer do acórdão de 15 de março do TRC. A 8 de abril o TRC decidiu as invalidades e outras questões suscitadas. A 21 de abril o requerente veio «reiterar o seu interesse e renovar o requerimento de interposição do recurso apresentado relativamente àqueles acórdãos no dia 29 de março de 2022». Em direitas contas, o que recorrente pretende é recorrer em 29 de março de 2022 de um acórdão que foi proferido em 8 de abril de 2022.

§ 89 A precedente consideração tem apenas o fito de deixar expresso que o recorrente ignorou o pronunciamento do TRC quanto às invalidades e que pretende que este tribunal as aprecie, fazendo de conta que o TRC não as apreciou.

§ 90 Importa distinguir entre omissão de pronúncia e decisão de que o recorrente discorda. Salvo o devido respeito parece-nos que se verifica a segunda das situações. As decisões do TRC, de modo adequado e suficiente, convocando as pertinentes disposições legais e o entendimento jurisprudência, respondem à questão posta pelo recorrente e afastam a verificação de sério risco de violação dos direitos humanos. E tanto é assim que permitiu ao recorrente suscitar a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP, norma extraída do artigo 3.º da CEDH, 19.º, n.º 2, da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenados com os artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição. Acontece que a alegação do recorrente padece de enviesamento, pois essa dimensão normativa não foi aplicada no caso. Diversamente, o que se retira da decisão recorrida, é que a existir esse risco não deixaria o mesmo de ser logo identificado aquando do controlo político do pedido, na fase administrativa, e tal não aconteceu.

§ 91 Quanto à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada diremos que tem um recorte preciso na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça: verifica-se quando a [matéria de facto provada] se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo decisório seguro (ac. Supremo Tribunal de Justiça de 05-12-2007, disponível em www.dgsi.pt). A circunstância de não se ter provado a factualidade que o recorrente, no seu critério legítimo, entendia que devia ter sido considerado provado não constitui o invocado vício. O mesmo ocorre com as diligências que o recorrente pretendia que o tribunal levasse a cabo, mas que o TRC entendeu desnecessárias. O requerente não pode esquecer duas realidades inelutáveis: no procedimento de extradição não se realiza o julgamento da sua responsabilidade penal; o procedimento de extradição é norteado, assim o exigem as garantias de defesa, pela celeridade.

§ 92 Diz o recorrente que invocou na sua oposição, bem como em sede dos requerimentos probatórios e de alegações escritas a factualidade pertinente para a decisão sobre esta matéria, nomeadamente quais os estabelecimentos em que o extraditando ficaria detido se extraditado e quais as condições de detenção nos mesmos. Partir do pressuposto, alegado pelo requerente, de que vai ser encarcerado nos estabelecimentos prisionais que indica é um exercício pouco apropriado à luz da presunção de inocência. Depois, salvo o caso muito específico de Guantánamo, não há evidência dos sérios riscos alegados pelo requerente. E quanto às condições de saúde do requerente, admitindo por facilidade de argumentação que são todas as que alega, não são de molde a que obstem à extradição. Ao elenco dos factos provados e ou não provados, com as necessárias adaptações, como já foi dito e redito, dada a natureza do procedimento em causa, vão apenas os relevantes e não todos aqueles que o requerente entendeu alegar.

§ 93 Quanto á nulidade por falta de fundamentação por ausência de indicação e exame crítico da prova, por não identificados os documentos utilizados, o que inviabiliza o exercício do direito de defesa e o próprio direito de recurso do extraditando, correndo o risco de repetição, conforme já referido, o recorrente esquece o figurino legal do procedimento de extradição, as concretas exigências de celeridade.

*

§ 94 O TRC não procedeu ao seu julgamento; decidiu um pedido de extradição onde todos os factos desfavoráveis estão assentes, porque constam de documento oficial, que faz prova plena; coisa diversa é depois serem provados em julgamento. Como se advertia na vigência do CPP de 1929, quando depois de realizado o julgamento o tribunal coletivo voltava à sala para a leitura dos quesitos, advertia que aos quesitos e em relação aos factos desfavoráveis vão apenas aqueles que constam da acusação; aos demais quesitos vão os factos favoráveis ao réu. Com as devidas adaptações, isto vale para o caso. Os factos desfavoráveis são os constantes do pedido; todos os demais são favoráveis ao requerente que não terá interesse nem legitimidade para questionar a alegada falta de fundamentação. De qualquer modo, os padecimentos de saúde invocados pelo recorrente não constituem em si fundamento para obstar à extradição.

§ 95 Correndo o risco de repetição, em tema de preterição de solicitação de informações e garantias adicionais diremos que oportunamente o TRC fez as diligências que entendeu necessárias. Não se verifica a nulidade do artigo 120.º/1/d, CPP, pelas razões já referidas §§4, 39 e 40). Não procede o propósito do recorrente de, a pretexto de sindicar a decisão final, recorrer de decisões interlocutórias, cujo recurso está vedado (art. 49.º/3, Lei 144/99). O procedimento de extradição respeitou todas garantias de defesa, foi garantido o contraditório, o processo de extradição apresenta-se como justo e equitativo. Perante o TRC não foram levados elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que atestassem a alegação do recorrente da existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, de modo a possibilitar a conclusão de que, no caso em apreço, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, no seguimento da sua extradição para o Estado terceiro requerente, esse cidadão da União correrá um risco real de ser sujeito, nesse Estado, a um tratamento desumano ou degradante. Mais, notificada a Áustria, país de que o requerente também é nacional, não desencadeou MDE.

§ 96 A extrapolação, da responsabilidade do requerente, de «que o Venerando Tribunal considera não estar o respeito desses direitos sujeito a controlo jurisdicional» não tem apoio no decidido, constituindo um enviesamento da decisão recorrida. Falece qualquer base para a alegada a inconstitucionalidade, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, da norma segundo a qual não é sindicável jurisdicionalmente o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 4 e 5, e 27.º da CRP, norma extraída do artigo 3.º da CEDH, 19.º, n.º 2, da CDFUE, 8.º, 16.º e 25.º, n.º 2 da CRP, concatenados com os artigos 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08 e 17.º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição, pela simples razão de que essa dimensão normativa não foi a convocada nem aplicada na decisão recorrida.

§ 97 Igual sorte e por igual razão tem ainda a alegada inconstitucionalidade da norma segundo a qual é irrelevante em processo de extradição, não constituindo motivo de recusa, o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por força das condições de detenção neste último, por violação dos artigos 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP; o mesmo ocorre com a alegada inconstitucionalidade da norma segundo a qual em processo de extradição o Tribunal não tem investigar o risco de violação da proibição de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado requerente da extradição, por violação dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1 e 4, e 25.º, n.º 2, e 8.º e 16.º da CRP, pois, repete-se, essas soluções normativas não foram aplicadas, resultando a alegação do recorrente de claro enviesamento do decidido.

III

Decisão:

Acordam em julgar improcedente o recurso do extraditando AA.

Sem tributação

Notifique de imediato a decisão ao extraditando com a intervenção do intérprete nomeado que a deverá ler e explicar (art. 92.º/2, CPP).

Envie cópia de imediato ao TRC.

Supremo Tribunal de Justiça, 12.05.2022.

António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro (Presidente de seção)