Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3944/11.0TBALM-C.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA
BEM IMÓVEL
PRÉDIO INDIVISO
REGISTO
OPONIBILIDADE
COMPROPRIEDADE
TERCEIRO
CADUCIDADE
VENDA JUDICIAL
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O direito de compropriedade sobre metade indivisa de um prédio penhorado, pertencente a um terceiro que não é parte no processo de execução, embora tenha sido constituído em data anterior à da penhora, caduca e transfere-para o produto da venda, no caso de não se provar que tinha registo anterior ao da penhora.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça


AA, casada, residente na ......, Vivenda ..., ..., ... ..., deduziu embargos de terceiro contra a penhora de metade do remanescente do produto da venda do prédio urbano composto de rés-de-chão, garagem e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 13021 e inscrito na matriz sob o artigo 2621 da União das Freguesias de ....

Os embargos foram deduzidos por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada por BB contra CC.

A embargante pediu:

a. Se ordenasse o levantamento da penhora e, que em consequência, se lhe restituísse o montante de 77.342,41 €;

b. Se determinasse a suspensão dos termos do processo de execução quanto a esta quantia, sendo impedida a sua entrega ao exequente ou restituição à executada.

Para o efeito alegou em síntese:

• Na execução que correu termos sob o n.º 3540/14.0... instaurada por DD contra a executada CC foi penhorado, em 22/09/2011, o prédio urbano acima identificado;

• O prédio pertencia em compropriedade à executada e ao seu ex-marido, EE, na proporção de metade indivisa para cada um;

• Em ...-...-2014 faleceu EE e sucedeu-lhe como única e universal herdeira a ora embargante, passando, assim, a ser comproprietária de metade indivisa do prédio;

• No âmbito do Proc. n.º 3540/14.0... foi efetuada a venda por leilão eletrónico do prédio urbano acima identificado;

• Foi exercido o direito de remição por FF, neta da executada e filha da embargante, o qual foi aceite, tendo o imóvel sido adjudicado àquela pelo valor de 201.000,00 €, em 22 de abril de 2021;

• Após pagas as custas da execução e o crédito do exequente, ficou um remanescente de € 154.684,81;

• Parte dele, no montante de 140 000,00, depositado no processo n.º 3540/14.0..., foi penhorado na execução de que estes embargos são apensos;

• A ora embargante tem direito a metade do remanescente do produto da venda do imóvel.

Os embargos foram recebidos liminarmente.

O exequente contestou. Na sua defesa começou por alegar que os embargos foram deduzidos intempestivamente. De seguida:

• Impugnou os factos alegados;

• Alegou que o direito de deduzir embargos de terceiro estava precludido, pois o acto alegadamente ofensivo do direito da embargante era a penhora do imóvel, e não a penhora do remanescente do produto da venda, e que foram deduzidos embargos de terceiro contra a penhora do imóvel pelo pai da ora embargante, mas a petição foi mandada desentranhar por não ter sido paga a taxa inicial,

• Alegou que havia caso julgado constituído pela sentença proferida no apenso D do processo de execução n.º º 3540/14.0...

Rematou o seu articulado, pedindo se indeferissem os embargos, face à sua intempestividade e, de todo o modo, por qualquer um dos fundamentos invocados.

A embargante respondeu à alegação de que os embargos foram deduzidos intempestivamente, sustentando que haviam sido deduzidos dentro do prazo legal.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.

Apelação:

A embargante não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação de Lisboa, pedindo se revogasse e se substituísse a sentença por decisão que concedesse provimento aos pedidos formulados nos autos.

Por acórdão proferido em 14-09-2023, o tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogou a sentença recorrida, ordenando o levantamento da penhora sobre a quantia de € 70.000,00, que deveria ser entregue à embargante.

Revista

O exequente/embargado não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso de revista, pedindo se anulasse o acórdão recorrido e se decidisse pela improcedência dos embargos de terceiro, tal como em primeira instância havia sido decidido.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. É pacífico que o acto alegadamente ofensivo do alegado direito da embargante é a penhora do crédito que a executada nestes autos detém naquele outro processo 3540/14.0..., que correu os seus termos no Juiz 3, deste tribunal (doravante, simplesmente designado por processo 3540);

2. É, pois, a data do conhecimento pela embargante dessa penhora, que está em causa, para se concluir pela tempestividade ou intempestividade dos presentes embargos;

3. Ora, a penhora do crédito em apreço, foi requerida pelo exequente, ora embargado recorrente, no dia 07/05/2021 (confr. doc. n.º 1, junto aos autos executivos, com a ressalva de que deste requerimento consta o processo n.º 7303/06.9..., que face à sua renumeração passou a ser o 3540/14.0...);

4. A penhora foi concretizada por notificação de 10/05/2021 (confr. doc. n.º 2, junto aos autos executivos);

5. Sendo que, como resulta da sentença de 25/11/2021, supra transcrita, transitada em julgado e para a qual se chama a devida atenção, proferida no Apenso D, do Processo 3540, no âmbito de outros embargos de terceiro intentados pela Embargante, é certo que há muito mais de trinta dias considerando a petição de embargos de terceiro que a Terceira Embargante teve conhecimento do acto de penhora alegadamente ofensivo do seu alegado direito;

6. Mais, acresce que, ao contrário do que falsamente afirma na sua petição inicial, no artigo 33.º, não é verdade que a Embargante só tenha tido conhecimento desta execução (a 3944), após o dia 27/04/2021, pois, com efeito, a Terceira Embargante já tinha conhecimento da presente execução (3944), pelo menos, desde o dia 11/11/2020, pois nessa data foi nomeada fiel depositária no âmbito da tomada de posse de um imóvel penhorado (confr. doc. n.º 4, junto aos autos executivos);

7. Ou seja, a Terceira Embargante tomou conhecimento desta execução 3944, pelo menos, no dia 11 de Novembro de 2020 (doc. n.º 4); a Terceira Embargante já sabia da penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, como confessou no seu requerimento, com essa data, a que a sentença que constitui o doc. n.º 3 faz referência e que se juntou (confr. doc. n.º 5); - a Terceira Embargante reiterou esse conhecimento quanto à penhora do crédito na sua petição de embargos apresentada em 25/10/2021, na execução 3540 (confr. doc. n.º 6);

8. Sendo que os presentes embargos foram apresentados em juízo no dia 06 de Dezembro de 2021, pelo que, atendendo a qualquer uma das datas anteriores (referidas na conclusão supra 7ª), mesmo a data mais recente, os presentes embargos de terceiro são manifestamente intempestivos, pois é de 30 dias a contar do conhecimento do acto ofensivo do seu direito, o prazo em que deveriam ter sido apresentados em tribunal, o que não sucedeu, devendo, pois, ser liminarmente indeferidos;

9. No caso em apreço, o crédito que foi penhorado é o resultante da venda de um imóvel também penhorado numa execução e que foi, subsequentemente, vendido, originando um crédito da Executada e não da Embargante;

10. Por outra via, o acto alegadamente ofensivo foi o da penhora do imóvel vendido e não o da penhora do crédito do produto da venda, sendo que a reacção de terceiros ou dos próprios executados prejudicados, deveria ter surgido na sequência da penhora do imóvel vendido, nos respectivos prazos legais, pois a penhora de que aqui se trata é o produto dessa venda após pagar a quantia exequenda, não renascendo o direito de deduzir embargos ou oposição à penhora; o direito da Executada e/ou da Terceira Embargante;

11. Acresce ainda que afigura-se ao Embargado que estamos perante caso julgado, face ao que considera a sentença proferida no apenso D, da execução (já transitada em julgado), ao referir “sobre as pretensões feitas valer por via dos presentes embargos já recaiu o despacho de 20 de Setembro de 2021, consequente, repete-se, a um requerimento idêntico apresentado pela embargante nos autos de execução”;

12. Deste modo, para além do demais já alegado sempre se encontra esgotado o poder jurisdicional para o conhecimento da pretensão da Terceira Embargante (aliás duplamente esgotado atenta a decisão de 20 de setembro de 2021 que indeferiu a pretensão da embargante e atenta a decisão de indeferimento liminar dos embargos de terceiro deduzidos no Proc. n.º 3540/14.0...-D);

13. Acresce, ainda e finalmente que, como bem se refere na declaração de voto de vencido, o produto da venda de um direito da Executada CC sobre um prédio penhorado (no outro processo), que não foi então posto em causa por meio de embargos com sucesso, após paga a quantia exequenda e demais encargos no processo em que foi efectuada a penhora, reverteria (não fora a penhora destes autos) a favor da mesma Executada CC, não tendo sido demonstrado ou provado em lado algum qualquer direito a favor da Terceira Embargante AA sobre a referida quantia;

14. A Executada CC tinha outra Execução pendente contra si, a presente execução, na qual foi solicitada a penhora dessa quantia (crédito do outro processo resultante do remanescente da venda do imóvel) até ao montante necessário para proceder ao pagamento da quantia exequenda e encargos deste processo, o que foi deferido e determinado, ficando tal quantia à ordem destes autos para pagamento da quantia exequenda e encargos, não havendo qualquer direito da Terceira Embargante reconhecido nos autos em que foi solicitada a penhora sobre a quantia penhorada.

A embargante/recorrida respondeu ao recurso.

A título de questão prévia alegou que o recurso não era de admitir, visto que, visando o recurso a reapreciação de uma decisão do Tribunal da Relação, tendo em vista a sua alteração ou anulação, impunha-se ao recorrente que criticasse a decisão recorrida tendo em vista a verificação de qualquer um dos vícios referidos no artigo 674.º do CPC, o que não fez. No mais sustentou a manutenção da decisão recorrida.


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Questões suscitadas pelo recurso e pela resposta:

O recurso suscita a questão de saber se o acórdão recorrido é de revogar e de substituir por decisão que julgue improcedentes os embargos.

A resposta suscita a questão de saber se o recurso não é de admitir.

No despacho liminar, o ora relator entendeu que o recurso era de admitir.


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Questão prévia:

Chegados aqui cumpriria passar à discriminação dos factos julgados provados pelo acórdão recorrido, visto que, segundo o n.º 1 do artigo 682.º do CPC, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

Sucede que os fundamentos de facto do acórdão recorrido compreendem afirmações que encerram claros juízos de natureza jurídica. É o que se passa com as seguintes afirmações:

• A de que a metade da embargante nos 154,684,81, sobrantes da venda judicial do imóvel, foi quase integralmente penhorada à ordem da execução n.º 3944/11.0TBALM (ponto n.º 18);

• A de que o acto alegadamente ofensivo do alegado direito de propriedade da embargante é a penhora do crédito que a executada nestes autos detém naquele outro processo n.º 3540/14.0... (ponto n.º 22);

• A de que é da data do conhecimento pela embargante dessa penhora que está em causa para se concluir pela tempestividade ou intempestividade dos presentes embargos (ponto n.º 23).

A primeira responde à questão de saber se a embargante tem direito a metade da quantia de 154,684,81 que sobrou da venda do imóvel no processo executivo n.º 3540/14.0...

A segunda responde à questão de saber qual o acto que se deve ter como ofensivo do direito invocado pela embargante.

A terceira responde à questão de saber qual é o facto relevante para decidir sobre a questão da tempestividade dos embargos.

Todas estas questões de direito estão em discussão no presente recurso de revista.

Como é bom de ver, não é aos meios de prova que compete responder a estas questões. É ao julgador, mediante a aplicação das pertinentes normas jurídicas. Apesar de o CPC em vigor não compreender uma norma expressa como o do n.º 4 do artigo 646.º do CPC, segundo a qual tinham-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo [no sentido de tribunal que julga a matéria de facto] sobre questões de direito, continua válido o entendimento de que não cabem nos fundamentos de facto respostas a questões de direito. Cita-se em abono deste entendimento o acórdão do STJ proferido em 14-01-2016, no processo n.º 1391/13.9TTCBR.C1.S1. publicado em www.dgsi.pt. Na doutrina cita-se também em abono deste entendimento Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, páginas 720 e 721. Em consequência:

• Altera-se a redacção do ponto n.º 18 no seguinte sentido: “o sobrante da venda judicial do imóvel acima descrito, no montante de 154.684,81 €, foi quase integralmente penhorado à ordem dos presentes autos, com o Proc. n.º 3944/11.0TBALM, em que é Exequente o Senhor BB”;

• Consideram-se não escritos os pontos números 22 e 23.


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Factos considerados provados pelo acórdão recorrido:

1. No âmbito do proc. n.º3540/14.0..., que corre termos no Juízo de Execução de ... – Juiz 3, a embargante teve conhecimento que uma parte do produto obrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.

2. DD intentou uma ação executiva contra CC, em 26 de junho de 2011, tendo apresentado, como título executivo, uma sentença judicial datada de 7 de março de 2011, proferida no processo n.º 7303/06.9..., em que a Executada foi condenada no pagamento ao referido Exequente, a título de honorários, da quantia de € 20.000,00, acrescida de IVA à taxa legal aplicável e de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do trânsito da sentença e até integral pagamento (cfr. Documentos n.º 1 e 2).

3. A ação correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de ... – Juiz 3, sob o Proc. n.º3540/14.0... (cfr. Documentos n.º 1 e 2).

4. A Embargante, AA, é filha da Executada nesse processo, e também nos presentes autos, a Senhora CC, e do Senhor EE (cfr. Documento n.º 3).

5. A Executada e EE foram casados, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 9 de outubro de 1996, transitada em julgado a 6 de novembro de 1996 (cfr. Documentos n.º 2 e 4).

6. Em 2008, a Executada e EE procederam à partilha de bens comuns, efetuada no âmbito do processo de inventário n.º 925/03.1..., que correu termos no 1.º Juízo de Família e Menores da Comarca ..., tendo, no âmbito daquela, sido adjudicado a cada uma das partes ½ da totalidade dos bens imóveis que integravam o património comum do casal (cfr. Documento n.º 5).

7. Incluindo o prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 13021 e inscrito na matriz sob o artigo 2621 da União das Freguesias de ... (cfr. Documentos n.º 6 e 7).

8. A Executada e EE, passaram, deste modo, a constar como comproprietários dos bens imóveis que anteriormente integravam o património comum do casal (cfr. Documentos n.º 6 e 7).

9. Através da Ap. 1495, de 22/09/2011 foi o referido prédio urbano penhorado, à ordem dos autos que correm termos sob o Proc. n.º 3540/14.0... (cfr. Documentos n.º 1 e 7).

10. Sucede que a dívida contraída pela Executada, mãe da Embargante, perante o Exequente DD, é posterior à dissolução do casamento daquela com o Sr. EE.

11. O pai da Embargante, EE, faleceu em ... de ... de 2014, no estado de divorciado de CC, Executada nos presentes autos, tendo a Embargante sucedido a seu pai como sua única herdeira (cfr. Documentos n.º 3 e 8).

12. No âmbito do proc. n.º 3540/14.0..., foi efetuada venda por leilão eletrónico do prédio urbano composto de rés-do-chão, garagem e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 13021 e inscrito na matriz sob o artigo 2621 da União das Freguesias de ..., no qual foram apresentadas várias propostas sobre o imóvel penhorado, sendo a proposta de maior valor apresentada no montante de 201.000,00 €.

13. Foi exercido o direito de remição por FF, neta da Executada e filha da Embargante, o qual foi aceite, tendo o imóvel sido adjudicado àquela pelo valor de 201.000,00 €, em 22 de Abril de 2021 (cfr. Documento n.º 9).

14. Através de notificação datada de 27 de abril de 2021, foi a Embargante notificada da Conta Corrente Discriminada da Execução (cfr. Documento n.º 10).

15. Posteriormente, a Embargante teve conhecimento que o Senhor BB intentou uma ação executiva contra CC, que corre termos no presente juízo, para cobrança de uma dívida exclusiva daquela Executada, sua mãe.

16. No dia 15 de novembro de 2021, o Senhor Agente de Execução no Proc. n.º 3540/14.0..., notificou a Embargante do seguinte despacho proferido nesse processo (cfr. Documentos n.º 12 e 13): “Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente ao(s) executado(s) – art.º 849.º, n.º 1, al. b) do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes à indevida penhora devem ser esgrimidas nessa outra execução). Notifique.”

17. Nessa data a Embargante teve conhecimento que, no dia 27 de outubro de 2021, o Senhor Agente de Execução do Proc. n.º 3540/14.0... informou esses autos do seguinte (cfr. Documento n.º 11): “•A quantia remanescente que a executada se arroga ter direito encontra-se depositada nos autos; •O montante de 140.000,00 euros encontra-se penhorado à ordem do processo n.º 3944/11.0TBALM, onde a executada é a mesma (CC); •Ambos os mandatários vieram aos autos reivindicar a devolução da quantia remanescente, ficando o processo a aguardar decisão do Exmo Juiz; •Decisão proferida, seguidamente foram apresentados embargos de terceiro por AA. Resumindo: •A executada arroga-se no direito de receber a totalidade da quantia remanescente; •A embargante arroga-se no direito de receber metade da quantia remanescente, ou seja 77.342,41 euros; •Encontra-se penhorado à ordem do processo 3944/11.0TBALM a quantia de 140.000,00 euros. - O AE tem depositado nos autos 154.684,81 euros e ao transferir o montante penhorado resta 14.684,81 euros. É o que me cumpre informar”.

18. O sobrante da venda judicial do imóvel acima descrito, no montante de 154.684,81 €, foi quase integralmente penhorado à ordem dos presentes autos, com o Proc. n.º 3944/11.0TBALM, em que é Exequente o Senhor BB.

19. As dívidas exequendas no Proc. n.º 3540/14.0... e nos presentes autos foram contraídas pela Executada, CC, depois do divórcio com EE (cfr. Documentos n.º 1 a 8).

20. O imóvel penhorado e vendido judicialmente no Proc. n.º 3540/14.0..., pertencia, em partes iguais, à Embargante, por sucessão na metade do seu pai, EE, e à mãe, Executada nos dois processos executivos (cfr. Documentos n.º 1 a 8).

21. E a penhora e execução só prosseguiu no Proc. n.º 3540/14.0... contra a totalidade do referido imóvel, porque a oposição à execução e penhora apresentada pelo Senhor EE no referido processo não prosseguiu por falta de pagamento da taxa de justiça.

22. A penhora do crédito em apreço, foi requerida pelo Exequente, ora Embargado, no dia 07/05/2021 (confr. doc. n.º 1, junto aos autos executivos, com a ressalva de que deste requerimento consta o processo n.º 7303/06.9..., que face à sua renumeração passou a ser o 3540/14.0...).

23. A penhora foi concretizada por notificação de 10/05/2021 (confr. doc. n.º 2, junto aos autos executivos).

24. Na sentença de 25/11/2021, proferida no Apenso D, do Processo 3540, no âmbito de outros embargos de terceiro intentados pela Embargante, escreveu-se:

“1. No dia 21 de Maio de 2021, AA requereu nos autos de execução o seguinte: “para evitar este autêntico esbulho de dinheiro que pertence à ora Requerente (…) que ordene ao Senhor Agente de Execução para não proceder a qualquer ato de oneração da quantia depositada à ordem deste Tribunal, nomeadamente de penhora dos referidos € 140.000,00 à ordem do referido processo, pelo menos até que V. Exa. decida a quem pertence o dinheiro e determine o seu destino”. Para tanto, alegou que: “tendo tido conhecimento através do CITIUS, que o Senhor Agente de Execução se prepara para proceder-se à transferência/pagamento de € 140.000,00 para penhora a favor de outro processo”(…) “só pertence à Executada a metade de € 154.684,81” e “o Senhor Agente de Execução não pode realizar qualquer ato de disposição ou oneração dessa quantia, sob pena de violar o direito de propriedade da ora Requerente, que se sabe existir”.

2.No dia 20 de Setembro de 2021, sobre o requerimento anterior foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento de 21 de Maio de 2021: O AE deve proceder da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: Pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente aos executados – art. 849.º, n.º 1, al. b), do CPC, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por AE de outra execução (caso em que todas as questões atinentes a indevida penhora devem ser esgrimidas nessoutra execução). Notifique.”

3.No dia 25 de Outubro de 2021, AA deduziu embargos (de terceiro), onde pediu: “a) Ser os presentes embargos de terceiro admitidos e julgados procedentes, após produzidas e apreciadas as provas e, em consequência, ser ordenada a restituição à Embargante do montante de € 77.342,41 (setenta e sete mil trezentos e quarenta e dois euros e quarenta e um cêntimo), correspondente a metade do produto da venda do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos; b) Ser determinada a suspensão dos termos do processo em que se inserem os presentes embargos quanto a esta quantia, sendo impedida a sua restituição à Executada”.

Para tanto, alegou ter tomado conhecimento da decisão de 20 de Setembro de 2021, o qual “ (…) é altamente gravosa para a Embargante e violadora do seu direito de propriedade que, aliás, já tinha sido ofendido com a venda do imóvel em questão nos autos da ação executiva à margem identificados”, e, novamente, “34.º Sucede que, do remanescente, só pertence à Executada a metade de € 154.684,81. 35.º Com efeito, a dívida em causa é da Executada, e não da Embargante, não podendo a metade que lhe pertence no imóvel penhorado responder por outras dívidas da Executada, além daquela que deu origem à sua venda neste processo (cfr. Documentos n.º 2, 3 e 4). 36.º Tem, por isso, a Embargante, direito a metade do remanescente do produto da venda do imóvel do qual era comproprietária, isto é, € 77.342,41 (setenta e sete mil trezentos e quarenta e dois euros e quarenta e um cêntimos)”. 4. Pois bem. Afigura-se que os presentes embargos de terceiro devem ser liminarmente indeferidos por duas razões que seguem enunciadas e explicadas: - intempestividade: por via dos presentes embargos, pretende a embargante prevenir a transferência pelo Agente de Execução do produto remanescente da venda de um imóvel para outra acção executiva e/ou para a executada, que, no requerimento apresentado a 20 de Maio de 2021 nos autos de execução confessou estar iminente, por isso que referiu “tendo tido conhecimento através do CITIUS, que o Senhor Agente de Execução se prepara para proceder-se à transferência/pagamento de € 140.000,00 para penhora a favor de outro processo”(…)”, especificando concretamente “como resulta do documento com data de 19/05/2021 - Documento: j7wBognH6NZ, disponível no CITIUS, o Senhor Agente de Execução prepara-se para “proceder-se à transferência/pagamento do valor supra indicado, mais declarando que se encontram reunidos os pressupostos processuais e legais para que este pagamento seja realizado. Este documento não é comprovativo de realização de transferência, mas tão só com documento de suporte prévio a realização da transferência.” Os presentes embargos deviam ter sido deduzidos no prazo de 30 dias após conhecimento da transferência iminente do produto da venda pelo Agente de Execução, que ocorreu, confessadamente, a 20 de Maio de 2021 – arts. 344.º, n.º 2 e 350.º, n.º 1, ambos do CPC. Foram-no apenas no dia 25 de Outubro de 2021 e, por isso, são intempestivos e não podem ser recebidos.”

25. A Executada já tinha conhecimento da presente execução (3944) pelo menos, desde o dia 11/11/2020, pois nessa data foi nomeada fiel depositária no âmbito da tomada de posse de um imóvel penhorado (confr. doc. n.º 4, junto a estes autos executivos).

26. Ou seja: a Embargante tomou conhecimento desta execução 3944, pelo menos, no dia 11 de Novembro de 2020 (doc. n.º 4);

27. A Embargante sabia que tinha sido solicitada a penhora do crédito aqui em apreço, pelo menos, desde 21 de Maio de 2021, conforme resulta do requerimento que apresentou naquela data no processo n.º 3540/14.0...

28. Esse conhecimento é mencionado igualmente na petição de embargos de terceiro apresentada no processo n.º 3540/14.0...” Passa a integrar o elenco dos factos provados o seguinte:

29. “Na sequência de uma notificação efetuada pelo Senhor Agente de Execução no dia 15/11/2021, no âmbito do Proc. n.º3540/14.0..., que corre termos no Juízo de Execução de ... – Juiz 3, a Embargante teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem do presente processo.”


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Resolução das questões:

O recorrente pediu a revogação do acórdão recorrido e a substituição dele por decisão que julgasse improcedentes os embargos com vários fundamentos.

O primeiro fundamento do recurso visa o segmento do acórdão que decidiu que os embargos foram deduzidos tempestivamente.

As razões do acórdão foram as seguintes:

• Os embargos apresentados têm função repressiva na sequência da notificação que foi feita à ora embargante, em 15/11/2021, no âmbito do proc. n.º3540/14.0..., em que esta teve conhecimento que uma parte do produto sobrante da venda executiva da moradia onde vive, no montante de 140.000,00 €, foi penhorada à ordem deste processo;

• Após, 15 de Novembro de 2021, a embargante dispunha de 30 dias, para deduzir os embargos. Fê-lo em 6 de Dezembro de 2021. Não tinha ainda decorrido o referido prazo.

O recorrente, sem se referir expressamente a esta fundamentação, repete o que alegou na contestação aos embargos sobre a intempestividade da respectiva dedução. Alega, para a sustentar, que a embargante, ora recorrida, já sabia da penhora do remanescente do produto da venda pelo menos desde o dia 21 de Maio de 2021. Segundo ele, a ora recorrida confessou esse conhecimento num requerimento apresentado em tal data no processo n.º 3540/14.0... e reiterou-o nos embargos de terceiro que deduziu por apenso ao mencionado processo.

A alegação não procede.

A questão de saber quando é que a embargante teve conhecimento da penhora é questão de facto, cuja resolução compete às instâncias. Esta questão foi resolvida pelo acórdão recorrido no seguinte sentido: a embargante teve conhecimento da penhora na sequência da notificação que lhe foi feita pelo agente de execução no dia 15-11-2021.

Considerando o disposto no n.º 2 do artigo 682.º do CPC conjugado com o n.º 3 do artigo 674.º do mesmo diploma, este tribunal apenas poderia alterar a decisão do tribunal recorrido quanto à mencionada questão se, no julgamento dela, o acórdão tivesse incorrido numa das seguintes ilegalidades:

• Se tivesse ofendido uma disposição expressa da lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto;

• Se tivesse ofendido uma disposição expressa da lei que fixasse a força de determinado meio de prova.

A alteração ao abrigo da primeira hipótese é de afastar pois não há disposição da lei que exija um meio de prova especial para demonstrar o momento em que o embargante teve conhecimento do acto ofensivo da sua posse.

A alteração ao abrigo da segunda hipótese também é de afastar não obstante o recorrente alegar que a embargante confessou em duas peças processuais [requerimento apresentado no dia 21 de Maio de 2021, no processo de execução n.º 3540/14.0..., e na petição de embargos de terceiro deduzidos por apenso ao mesmo processo de execução] que sabia, pelo menos desde o dia 21 de Maio de 2021, da penhora do remanescente e de os números 1 e 2 do artigo 358.º do Código Civil reconhecerem a algumas modalidades de confissão [confissão judicial escrita e confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular] uma força probatória qualificada.

Com efeito, como bem decidiu o acórdão da Relação, a embargante não confessou em nenhuma das peças processuais a que alude o recorrente que teve conhecimento da penhora de parte do remanescente pelo menos no dia 21 de Maio de 2021. A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigo 352.º do Código Civil) e a embargante não reconheceu em nenhuma das mencionadas peças que teve conhecimento da penhora de parte do remanescente pelo menos no dia 21 de Maio de 2021. No requerimento apresentado em 21 de Maio alegou que tinha conhecimento de que o senhor agente de execução se preparava para proceder à transferência/pagamento de € 140 000 para penhora a favor de outra processo e solicitava ao tribunal que ordenasse ao agente de execução para não proceder a qualquer acto de oneração da quantia depositada à ordem do tribunal, nomeadamente de penhora dos referidos € 140 000,00. Por sua vez, a petição de embargos de terceiro, transcrita em parte nos factos provados, também não compreende nenhuma alegação no sentido de que tinha conhecimento da penhora.

Subsiste, assim, como facto relevante para responder à questão de saber se os embargos foram deduzidos dentro do prazo legal – 30 dias a contar do conhecimento da penhora (n.º 2 do artigo 344.º do Código de Processo civil) - o que a Relação julgou provado. E tomando-o em consideração, não merece qualquer censura o acórdão quando decidiu que os embargos foram deduzidos no prazo de 30 dias previsto na lei.

Improcede, em consequência, o primeiro fundamento do recurso.


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O segundo fundamento do recurso é constituído pela alegação de que o direito de a embargante deduzir embargos de terceiro estava precludido. Na tese do recorrente, o acto que ofendeu o direito da embargante não foi a penhora do remanescente do produto da venda, mas a penhora do imóvel vendido. Logo, era contra este que deviam ser deduzidos os embargos. Sucede – continua o recorrente - que tal direito extinguiu-se, pois foram deduzidos embargos de terceiro contra a penhora do imóvel, mas a petição de embargos foi desentranhada por não ter sido paga a taxa de justiça inicial.

Ao alegar no sentido acima exposto, o recorrente argumenta como se a penhora do imóvel, mesmo depois da venda deste, continuasse a incidir sobre o remanescente do produto da venda, após o pagamento das custas e do crédito exequendo.

Este argumento não tem amparo na lei. Com efeito, decorre dos n.ºs 2 e 3 do artigo 824.º do Código Civil que a penhora caduca com a venda do imóvel e que os direitos do credor que beneficia de tal garantia real transferem-se para o produto da venda. Porém, a transferência dá-se apenas para o montante do produto que é necessário para pagar o seu crédito. Daí que a parte do produto da venda que não seja necessário para pagar o crédito exequendo e as custas da execução (visto que estas saem precípuas do produto dos bens penhorados - artigo 541.º do CPC) poderá ser objecto de nova penhora. E no caso de esta ofender direitos de terceiro, o n.º 1 do artigo 342.º do CPC confere a tal terceiro a faculdade de a ela se opor mediante embargos de terceiro. Ao exercício desta faculdade é irrelevante o facto de a petição dos embargos de terceiro deduzidos contra a penhora do imóvel ter sido desentranhada por falta de pagamento da taxa de justiça.


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O terceiro fundamento do recurso visa o acórdão na parte em que afirmou que o despacho proferido em 20 de Setembro de 2021 no processo de execução n.º 3540/14.0... e a decisão proferida nos embargos de terceiro deduzidos pela ora embargante por apenso ao referido processo de execução [apenso D)] não constituíam caso julgado quanto às questões discutidas nos presentes embargos de terceiro.

O recorrente, ignorando a fundamentação do acórdão, alega que, ao ordenar o levantamento da penhora sobre a quantia de € 70.000,00 e ao ordenar a entrega dela à embargante, o acórdão recorrido violou o caso julgado constituído pelas decisões judiciais acima indicadas.

Ao alegar no sentido acima exposto, o recorrente argumenta como se houvesse identidade entre as questões decididas pelo acórdão recorrido e as decididas pelas decisões acima mencionadas e como se o que por estas foi decidido tivesse força obrigatória em relação à embargante, ora recorrida, fora do processo onde foram proferidas.

Este argumento não procede.

Em primeiro lugar, não é exacto que haja identidade entre as questões decididas pelo acórdão recorrido e as julgadas pelas decisões acima mencionadas.

Comecemos pelas questões decididas no despacho proferido em 20 de Setembro de 2021.

Este despacho recaiu sobre um requerimento apresentada pela ora embargante em 21 de Maio de 2021, no processo de execução n.º 3540/14.0... Pedia a requerente se ordenasse ao agente de execução para não proceder a qualquer acto de oneração da quantia depositada à ordem do tribunal, nomeadamente da penhora dos referidos 140 000 euros até que o tribunal decidisse a quem pertencia tal dinheiro e determinasse o seu destino.

A resposta que o tribunal deu a este pedido foi a seguinte: ordenou ao agente de execução que procedesse da seguinte forma quanto ao valor remanescente da venda: pagas as custas e a quantia exequenda destes autos, deve devolver o remanescente aos executados, salvo no caso de aquele valor remanescente ter sido penhorado por agente de execução de outra execução, caso em que todas as questões atinentes a indevida penhora devem ser esgrimidas nessa outra execução.

Como se vê pela exposição acabada de fazer, não há qualquer identidade entre a questão decidida no despacho acima mencionado e a decidida no acórdão sob recurso.

Vejamos, de seguida, a decisão proferida nos embargos de terceiro deduzidos pela ora embargante por apenso à execução n.º 3540/14.0...

Na petição de embargos, a ora embargante, também aí embargante, pediu se ordenasse a restituição à mesma do montante de € 77 342,41, correspondente a metade do produto da venda do imóvel penhorado à ordem dos referidos autos e se determinasse a suspensão dos termos do processo em que se inseriam os embargos quanto a esta quantia sendo impedida a restituição à executada.

Sob o ponto de vista do efeito jurídico, o pedido coincide em parte com o deduzido nos presentes embargos de terceiro, visto que nestes a embargante também pediu se lhe restituísse o montante de € 77.342,41 e se impedisse a sua restituição à executada.

Sucede que a decisão proferida em tais embargos não se pronunciou sobre estes pedidos. A decisão foi no sentido do indeferimento liminar dos embargos com a justificação de que haviam sido apresentados fora do prazo legal.

A conclusão que se impõe é a de que não identidade entre a questão decidida no despacho liminar dos embargos deduzido por apenso à execução n.º 3540/14.0... e a decidida no acórdão sob recurso.

Em segundo lugar não tem amparo na lei o argumento de que as decisões acima mencionadas tinham força obrigatória em relação à embargante, ora recorrida, fora do processo onde foram proferidas.

Vejamos.

O despacho proferido em 20 de Setembro de 2021, no processo de execução n.º 3540/14.0..., é de qualificar como despacho que resolveu uma questão incidental. Ora, resulta do n.º 2 do artigo 91.º do CPC que a decisão das questões e incidentes suscitados num processo, não constitui caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia.

Visto que no caso não se coloca a hipótese da excepção, vale a regra de que a decisão constitui caso julgado apenas dentro do processo onde foi proferida.

Também a decisão que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro não tem força obrigatória fora do processo onde foi proferida. Com efeito, decorre do artigo 349.º do Código de Processo Civil, conjugado com o n.º 1 do artigo 619.º, n.º 1, do mesmo diploma, que apenas a sentença de mérito proferida nos embargos de terceiro tem força obrigatória fora do processo onde foi proferido. E é sentença de mérito para estes efeitos a que se pronuncia sobre a existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.º 2 do artigo 348.º do CPC.

Por todo o exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação.


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Por fim, alega o recorrente que não há prova de que a embargante tenha qualquer direito sobre a metade do remanescente do produto da venda.

Esta alegação visa o segmento do acórdão onde se afirmou que, sendo a embargante, proprietária de metade do prédio vendido, esse direito, na mesma proporção, passou a incidir sobre o valor que restou da venda do imóvel, pertencendo metade à Executada e a outra metade à embargante.

O fundamento do recurso ora em apreciação também é de julgar improcedente.

Com relevância para a sua apreciação, cabe dizer que está provado que o prédio urbano que foi vendido no processo de execução n.º 3540/14.0... pertencia, aquando da sua penhora, à executada e ao seu ex-marido, na proporção de metade indivisa para cada um e que, antes da venda, a metade indivisa pertencente a este último havia sido adquirida, por sucessão por morte, pela embargante, ora recorrida. Assim, no momento da venda, que teve lugar em 22 de Abril de 2021, o prédio pertencia em compropriedade à executada e à ora embargante, na proporção de metade indivisa para cada uma.

A questão que o fundamento do recurso suscita é a de saber se, apesar da venda, manteve-se o direito da embargante sobre o imóvel ou se tal direito caducou e se transferiu para o produto da venda.

A questão coloca-se porque resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 824.º do Código Civil que, na venda em execução, há direitos sobre os bens vendidos que se mantêm e há direitos que caducam e se transferem para o produto da venda.

Daí que a resposta à questão de saber se a embargante, ora recorrida, tem direito a metade do remanescente do produto da venda, passa por responder à questão de saber se o direito a metade indivisa do prédio caducou com a venda e se transferiu para o produto da venda.

Segundo o n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil, os direitos de terceiro que se transferem para o produto da venda são os seguintes:

• Os direitos reais de garantia que os onerarem;

• Os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente do registo.

Fixando o sentido e o alcance do preceito “a contrario”, ou seja, dos direitos de terceiro que não se transferem para o produto da venda, é de afirmar que continuam a incidir sobre os bens vendidos os seguintes direitos:

• Os direitos reais que tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia;

• Os direitos que, embora não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, foram constituídos em data anterior e produzem efeitos em relação a terceiros independentemente do registo. É o que se passa por exemplo com os direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP, adquiridos por usucapião, e as servidões aparentes [artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código do Registo Predial].

Considerando esta interpretação do artigo 824.º, n.º 1 e 2, do Código Civil e a circunstância de a compropriedade revestir a natureza de um direito real de gozo e de os factos jurídicos que determinam a sua aquisição só produzirem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo [artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, ambos do Código do Registo Predial], é de afirmar o seguinte quanto à subsistência/caducidade do direito de compropriedade da ora embargante:

• Ele subsistiria sobre o bem vendido se tivesse registo anterior ao da penhora;

• Caducaria na hipótese contrária.

No caso, embora esteja provado que o direito de compropriedade, que a ora embargante adquiriu por sucessão por morte, foi adquirido antes da penhora do prédio vendido, não está demonstrado que tenha registo anterior. Com efeito, o facto relativo ao registo não figura nos factos assentes e na certidão do registo predial relativa ao imóvel junta ao processo [documento n.º 7 junto com a petição] não está inscrita a partilha do prédio entre a executada e o ex-marido, após o divórcio entre ambos, e da qual resultou a situação de compropriedade.

Deste modo, considerando os n.ºs 2 e 3 do artigo 824.º do Código Civil e o facto de não estar provado que o direito de compropriedade sobre o imóvel, adquirido pela embargante, tinha registo anterior ao da penhora no processo n.º 3540/14.0..., é de afirmar que tal direito caducou com a venda e que o direito à metade indivisa do prédio transferiu-se para o produto da venda.

Em consequência, assiste-lhe o direito a metade do remanescente de tal produto. Não merece, pois, censura a decisão recorrida de ordenar o levantamento da penhora sobre a quantia de € 70.000,00 e a entrega dela à embargante.

Decisão:

Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas custas do recurso.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024

Emídio Francisco Santos (relator)

Fernando Baptista

Afonso Henrique