Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
121/06.6TBOBR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ÂMBITO DA REVISTA
PROVA DOCUMENTAL
FORÇA PROBATÓRIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BASE INSTRUTÓRIA
REQUISITOS DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OBJECTO DO RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
PROVA TESTEMUNHAL
TRANSCRIÇÃO DOS DEPOIMENTOS
RECURSO DE APELAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Doutrina:
Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013




Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

– DE 9 DE OUTUBRO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07B3011
– 18 DE JUNHO DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B2998

–4 DE NOVEMBRO DE 2010, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 7006.05.1TBBRG.G1.S1
– 30 DE JUNHO DE 2011, WWW.DGSI.PT, PROC. 6450/05.9TBSXL.L1.S1
– 29 DE NOVEMBRO DE 2011, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 39/2002.E1.S1
– 29 DE OUTUBRO DE 2015, WWW.DSGI.PT, PROC. Nº 233/09.4TBVNG.G1.S1
Sumário :
1. Não cabe no âmbito do recurso de revista a reapreciação de documentos sem força probatória plena (artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2).
2. Cabe ao apelante que pretende impugnar a decisão de facto o ónus de delimitar o respectivo objecto, indicando com precisão os pontos concretos que questiona, e de fundamentar o recurso, apontando os meios probatórios que impunham decisão diversa e que decisão deveria ter sido tomada.
3. Estes ónus têm de ser entendidos à luz da respectiva função e não ser entendidos de forma desproporcionalmente exigente.
4. Necessário é que o recorrido disponha dos elementos necessários para se pronunciar sobre a impugnação e que o tribunal tenha os dados necessários para apreciar o recurso, no que toca à prova gravada e aos pontos de facto indicados.
5. No caso, o recorrente indicou o princípio e o fim dos depoimentos que questiona, por referência ao suporte onde estão gravados, os pontos de facto (da então base instrutória) para cuja prova foram indicados e sintetizou o respectivo conteúdo, o que se considera suficiente.
6. Não incorre em incumprimento de um acórdão da Relação que determinou que o julgamento fosse repetido, mas sem que essa repetição abrangesse “a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o tribunal  a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições” , o juiz de 1ª instância que despacha no sentido de que lhe está vedada a possibilidade de reapreciação da prova produzida, por não ter sido quem realizou o julgamento, uma vez que não afirmou ter detectado contradições que não tem a possibilidade de resolver.


Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra BB e CC e mulher, DD, pedindo a declaração de nulidade absoluta, por simulação, do “negócio jurídico pretensamente titulado através da escritura pública “ de 13 de Dezembro de 2004, que a própria escritura fosse julgada nula e que fosse ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados com base no referido negócio; subsidiariamente, que o mesmo negócio fossa declarado ineficaz, por nele ter sido intencionalmente declarada e aposta, por parte do representante da A.”, o primeiro réu, uma “afirmação falsa, em tudo contrária à vontade da A. e às instruções que dela havia recebido por força do mandato” que lhe havia conferido, correspondente à procuração de 14 de Setembro de 2004, arquivada no cartório juntamente com a escritura.
Alegou, por entre o mais, ter vivido em união de facto com o primeiro réu, desde 1994, “durante mais de dez anos”; que, em 2004, pensando em terminar com essa união e em apropriar-se dos seus bens, o referido réu a convenceu a passar-lhe várias procurações, umas para movimentar duas contas bancárias de que era exclusiva titular, mas onde eram depositados “os proventos da actividade económica” de ambos, e outra para vender a fracção autónoma “B” de um prédio de que era exclusiva proprietária, que o vendeu simuladamente ao segundo réu, CC, que, nomeadamente, não pagou preço algum pela compra fictícia.
Requereu ainda que, com a citação, se considerassem revogados os poderes que lhe conferiu pela citada procuração de 14 de Setembro de 2004 e o contrato de mandato associado.
Alegou também que em Junho de 2005 o réu BB lhe comunicou o fim da união de facto e a intimou a abandonar a casa, entretanto simuladamente vendida a CC
CC e mulher, DD, negaram ter havido qualquer simulação e afirmaram terem dado de arrendamento a referida fracção ao primeiro réu. Em reconvenção, pediram que fossem declarados proprietários do prédio, entretanto transformado em duas habitações unifamiliares, por usucapião, e que a autora fosse condenada a abster-se de qualquer acto que prejudicasse o seu direito de propriedade.
Também contestou BB, alegando, nomeadamente, que a petição inicial era inepta e que “desde data anterior a 1994 que se dedica à compra e venda de terrenos e de casas e urbanizações de terrenos e venda de construções”, contestando a simulação e esclarecendo as vicissitudes por que passou a invocada fracção “B”: integra um prédio urbano que construiu num terreno comprado “unicamente para si próprio e no seu exclusivo interesse” e pago exclusivamente por si, cuja fracção “A” foi vendida a terceiros, fazendo seu o preço.
Alegou também que as contas bancárias só formalmente eram da titularidade da autora, pois na realidade eram suas.
A autora replicou, respondendo às contestações, incluindo a reconvenção.
Na sequência de despacho de citação, de 17 de Março de 2006, no qual o juiz entendera que deveria ser feita autonomamente a notificação para revogação das procurações, a autora viera requerer a notificação judicial avulsa do réu para que se considerassem revogadas as procurações; em 9 de Junho de 2006, o réu requereu a notificação judicial avulsa da autora, com a declaração de que não aceitava a revogação da procuração e do mandato; ao que se seguiu a instauração da acção nº 948/06.9TBOBR, pela autora.

2. Pelo despacho de fls. 628-631, de que os réus CC e mulher, DD, interpuseram recurso de agravo, admitido a fls. 637 com subida diferida e sustentado a fls. 664, foi apensada a acção nº 948/06.9TBOBR, proposta pela ora autora contra BB, na qual pedira que se declarasse extinta a procuração de 14 de Setembro de 2004, em 13 de Dezembro de 2004, por esgotamento do objecto, ou, se assim se não entendesse, que se declarasse que fora validamente revogada e resolvido o correspondente contrato de mandato, em 10 de Abril de 2006, por notificação judicial avulsa. Subsidiariamente ainda, pediu que se julgasse revogada a procuração e resolvido o mandato com justa causa, tendo em conta os factos que alegara.
A autora pedira ainda a condenação do réu no pagamento da “indemnização a liquidar”, pelos danos decorrentes do uso das procurações “em data posterior à extinção da respectiva validade”.
O réu também tinha contestado esta acção. Alegara que a procuração lhe fora conferida livremente e desacompanhada de quaisquer instruções e conferida no seu próprio interesse, pelo que era irrevogável; que os actos praticados ao abrigo da procuração eram válidos; que o imóvel fora construído exclusivamente com meios seus, tal como o terreno fora por si comprado; que a acção devia ser suspensa, por prejudicialidade da acção nº 121/06.6TBOBR, até que esta última fosse julgada; que se esgotara o fim para o qual a procuração fora concedida, o que fazia com que a segunda acção não tivesse qualquer efeito útil e que a autora fosse parte ilegítima. Alegara ainda que “todos os montantes, valores ou acções das contas ...” referidos na procuração, conferida no interesse dos dois, eram sua pertença exclusiva; que o pedido de indemnização não tinha causa de pedir.
A autora replicara e, também por convite do tribunal para concretizar os danos alegados na petição inicial, viera remeter para liquidação os danos decorrentes do uso das procurações.
Na audiência preliminar, foram indeferidas as excepções de ilegitimidade e ineptidão da petição inicial, bem como a existência de prejudicialidade entre as duas acções.
Pela sentença de fls. 1292, foi julgada parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção. O tribunal decidiu:
– declarar nulo  o contrato de compra e venda da fracção autónoma B, identificada nos autos,  outorgado no dia 13 de Dezembro de 2004 entre o réu BB, em representação da autora, e o réu CC, por simulação;
– determinar o cancelamento dos registos correspondentes;
– declarar extinta, por caducidade ocorrida em 13 de Dezembro de 2004 por “esgotamento do seu objecto”, a procuração de 14 de Setembro de 2004, conferida ao réu BB pela autora, e relativa à fracção autónoma “B”;
– declarar extinta a partir de 14 de Abril de 2004, por revogação, a procuração datada de 14 de Setembro de 2004, relativa aos poderes sobre a conta ... do ...;
– julgar improcedente o pedido de relegar para liquidação a determinação da indemnização pelos danos causados pela utilização das procurações;
– julgar improcedente o pedido de declarar nula a escritura pública de 13 de Dezembro de 2004.

3. Pelo Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1495, foram julgados os recursos de apelação e de agravo interpostos pelos réus. Foi decidido conceder provimento parcial ao recurso de BB e, portanto, decidido:
– Negar provimento ao agravo interposto da decisão de apensação dos processos;
– Alterar um quesito (o 17º), mantendo embora a resposta de “provado” e aditar questões á base instrutória, anulando a sentença e ordenando “a repetição do julgamento que não abranja a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”;
– Não conhecer do recurso de apelação interposto pelos réus CC e mulher, DD.
Pelo despacho de fls. 1545, não foi admitido o recurso interposto a fls. 1540 por BB da decisão relativa à apensação de acções, decisão da qual reclamou, nos termos do (anterior) artigo 688º do Código de Processo Civil. A reclamação foi indeferida (por decisão de fls. 71, do apenso relativo à reclamação).
A fls. 1780 foi proferida nova sentença, mantendo o decidido na anterior. Os réus recorreram, agora para o Tribunal da Relação do Porto., que, pelo acórdão de fls. 1202, negou provimento aos recursos.

4. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, BB formulou as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso:

«1. Vai o presente recurso interposto do douto acórdão do TRP que rejeitou o recurso da decisão sobre a matéria de facto, que implicava a reapreciação da prova gravada;

2. Segundo tem vindo a ser perfilhado pelo STJ, a rejeição da reapreciação da prova gravada constitui uma decisão ex-novo do Tribunal da Relação, pelo que não se verifica o impedimento processual recursivo da dupla conforme e o recurso interposto é o da revista normal;

3. O recorrente impugnou as respostas dadas aos pontos controvertidos 4º a 12°, 14° a 17°, 19°, 21°, 25° a 27° da base instrutória inicial (1º julgamento) e 41°, 42°, 60°, 65°, 75° e 81° da base instrutória aditada (2º julgamento), indicou os meios de prova que impunham decisão diversa, designadamente, os documentos e os depoimentos e, quanto a estes, por terem sido gravados, as passagens das gravações, com referência ao dia em que foram efectuadas, onde cada um está reproduzido, e indicou face a cada um dos pontos controvertidos, objecto do seu recurso, a decisão que, em seu entender deveria ter sido proferida.

4. Entendeu o TRP que tal indicação não é suficiente e que, para cumprir o ónus, o recorrente deveria também ter indicado o segmento concreto da gravação que impunha (ou imponha) decisão diversa sobre o ponto da matéria de facto.

5. Salvo o devido respeito, o entendimento perfilhado pelo TRP não encontra respaldo na letra e na teleologia da norma e decorre de uma concepção do processo e do exercício do direito ao recurso que vai além do necessário e exigido rigor, sacrificando o direito a uma decisão justa à conveniência do tribunal ad quem.

6. Acresce que a conveniência da justiça está em avaliar e ponderar todos os depoimentos, no seu todo, convocados e assinalados pela parte recorrente, com vista a aquilatar o seu contributo para a prova dos pontos controvertidos.

7. A reapreciação da prova gravada, porque contém a possibilidade da alteração da decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, a alteração da fundamentação e decisão jurídicas, impõe que a douta decisão proferida pelo TRP seja totalmente anulada.

8. O douto acórdão proferido pelo TRP cometeu a nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, al. d), e violou a disposição do artigo 640°, nºs 1 e 2, ambos do CPC.»

Também recorreram CC e mulher, que concluíram as alegações desta forma:

«1. - A págs.44ª do acórdão sob recurso existe manifesto erro de julgamento em todo o texto aí escrito.

2.-Escreve que os ora recorrentes não indicam os recursos intercalares a que se referem. Salvo o devido respeito, o ónus processual esgota-se na declaração de pretender o conhecimento do recurso intercalar e já não na indicação de "fls. x e y", coisa que nem sequer conseguem fazer no "citius" e sem recurso ao processo físico.

3.-Por outro lado escreve-se ainda que o TRC ordenou a ampliação da base instrutória com base no conhecimento de um recurso de agravo quando tal afirmação não corresponde à verdade processual dos autos. Foi na sequência do conhecimento do recurso de apelação interposto pelo co-réu BB sobre a sentença final de mérito proferida pela 1ª instância.

4.-Afirma por fim o acórdão em análise, a pags.44ª, no fim da mesma página, que não haverá de conhecer qualquer recurso intercalar dos ora réus recorrentes uma vez que ficou prejudicado pelo conhecimento de tal questão preambular de ampliação da matéria de facto.

5. -Salvo o devido respeito, nada tem que ver uma coisa com a outra (o objecto desse recurso tratava da possibilidade ou impossibilidade apensação de processos).

O recurso intercalar, apresentado nos autos pelos ora recorrentes a 13/07/2009, aguarda julgamento; sendo que o momento processualmente correcto para o seu conhecimento e julgamento seria com a prolação deste acórdão do TRP agora também sob recurso.

6.-A ser assim, o acórdão agora sob recurso haverá de padecer de omissão de pronúncia, nos termos do art.615°n°.l, al. d) do (n)CPC, nulidade essa que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos.

7.-O TRP rejeita as alegações de recurso sobre a matéria de facto, tal como vão formuladas pelos recorrentes (e co-réus).

8.-Salvo o devido respeito, os recorrentes cumpriram as exigências do normativo legal.

9. -No que toca ao recurso sobre matéria de facto, os recorrentes ou alegam a violação das regras da experiência comum ou alegam a total inexistência de prova, dizendo inclusivamente que nalguns casos que aí apontam apenas compreendem o julgamento assim efectuado e fundamentado por erro / lapso manifesto.

 10.-Os ora recorrentes alegam, nessa confluência, ponto por ponto, dessa matéria de facto, facto a facto, porque é que existe erro de julgamento por falta absoluta de prova e analisam cada um dos elementos de prova indicados pela sentença da primeira instância como sendo fundamento de convicção.

11.-Mais coligem essa prova e conjugam-na entre prova testemunhal e documental, sendo que em relação à prova testemunhal indicam o local de cada um dos depoimentos e que se fundam e cada um dos documentos que não poderiam provar o então dito como provado.

12.-Salvo o devido respeito entender como não suficiente o assim alegado obrigará a transcrever rigorosamente tudo, todos os depoimentos indicados como de testemunhas a suportar essa convicção, e a indicar rigorosamente todos os documentos dos autos ainda que os não indicados pela sentença.

13.-Na verdade e tratando-se de alegação de factos negativos, de inexistência absoluta de prova nesse sentido, naquele que vai escrito na sentença recorrida, outra forma pareceria não haver.

14. -O legislador não terá querido ir tão longe no ónus imposto sobre os recorrentes que, salvo o devido respeito, cumpriram a obrigação processual, acreditam, de forma aceitável no plano da exigência legal.

15.-Os ora recorrentes indicam o momento em que são prestados os depoimentos e indicam o tempo da gravação em que os depoimentos se verificam com interesse para a concreta discussão daquele concreto ponto da matéria de facto e quando contendendo com prova documental indicam ainda o modo como tal conjugação deve ou deveria ser feita para o sentido que se pretende (da não prova, e do tal lapso / erro de julgamento).

16.-Isto é, os recorrentes indicam os concretos meios de prova sobre que alegam a necessidade imperiosa de ser proferida uma decisão diferente no que toca aos concretos pontos da matéria de facto que indicam.

17.-Assim, e continuando a ressalvar o muito respeito devido, por entenderem os recorrentes que terão cumprido a exigência do art.640° do (n)CPC, o acórdão recorrido será ainda nulo nesta parte por violação de norma processual e ser ordenada a baixa do processo para que o julgamento dessa parte possa ser feito, após admitido para conhecimento.

18.Alegaram ainda os recorrentes que a Mma. Juiz do tribunal de primeira instância não logrou cumprir o mandato que o TRC lhe tinha conferido no que toca à apreciação da nova matéria de facto e assacou-lhe os vícios decorrentes da consequente nulidade por violação dos Arts.l52°nº.l, 411, 602°n°.l    e   620°   do   CPC, inconstitucionalizadas   que   ainda   vão   por    violação expressa do art.20° da CRP.

19,-O TRP entendeu que tais vícios não se verificavam uma vez que a decisão do TRC não exigia uma efectiva modificação da matéria de facto anterior não impunha à primeira instância uma efectiva reapreciação da matéria já julgada, mas que apenas o fizesse na medida do estritamente necessário para evitar contradições

20. -Salvo o devido respeito, o TRP não entendeu a questão sob julgamento e, por essa razão, acabou por não julgar essa parte do recurso.

Simplesmente, não é essa a questão, a questão que se lhe colocou a julgamento não era essa - que, assim retratada, como no acórdão recorrido, emerge quase "La Paliciana".

21. -Escreveu-se o seguinte na sentença da primeira instância, a fls. 16ª (atenta a paginação da própria decisão) pode ler-se o seguinte:

"Desde já se consigna que, não obstante o douto Tribunal da Relação de Coimbra ter decidido que se podia alterar a factualidade já dada como provada, com o intuito de evitar contradições, o certo é que o julgamento inicial não foi por nós realizado, pelo que se nos afigura que nos está vedado a possibilidade de reapreciação da prova produzida e que conduziu à resposta à matéria de facto já proferida nos autos."

23-Ora, a serem assim as coisas, não se trata da Mma. Juiz a quo poder ou não poder, caso necessite ou venha a ser necessário..., como vai escrito no acº. proferido pelo TRP.

24.-Trata-se sim da Mma. Juiz a quo, do tribunal de primeira instância, ter entendido que não podia julgar essa matéria, não obstante o TRC ter entendido que sim e a ter mandatado nesse sentido, isto é, na prática, se ter recusado a julgar essa matéria. Sendo que, o que está em causa não é esse segundo momento de não ter sido necessário a modificação dessa matéria de facto.

25.-Continuando a ressalvar o muito respeito devido, como os recorrentes escreveram no seu recurso agora conhecido pelo TRP, o que está em causa é a negação e a recusa pela Mma. Juiz da primeira instância do uso desse mandato e do julgamento da nova matéria ter ficado absolutamente condicionado por esse entendimento.

26.-Por sua vez, por esse pré-juízo origina a que não tenha podido haver um verdadeiro julgamento sobre tais factos, tendo ocorrido uma "desobediência" absoluta do mandato para o acto de julgar aquela matéria (assente no diferente entendimento, como se escreveu na sentença).

27.-Este entendimento configura violação de caso julgado material e um verdadeiro não julgamento, que conduziu a uma verdadeira não decisão (a da primeira instância, validada nessa parte pelo acórdão agora sob recurso), ficando o "acto de julgar" absolutamente condicionado e inquinado "ab initio", e constituindo nulidade insuprível por violação dos Arts.l 52°n°.l, 411°, 602°n°.l e 620° do CPC

28.- Normas  essas  que vão inconstitucionalizadas pelo entendimento que delas é feito com esse resultado, por violação    expressa    do Art.20°    da   CRP    que aqui expressamente  se  invoca para todos  os  devidos  e  legais efeitos,   designadamente no que toca à  declaração   de inconstitucionalidade.

29. -O acórdão recorrido violou os Arts.240°, 342° e 349° do Código Civil; os Arts.l30°, 152°n°.l, 411°, 417°, 602°, 607°n°.4, 615°, als. b) e c) e 620° do CP Civil e ainda, enferma de inconstitucionalidade, por violação do Art.20° da C. R. Portuguesa, na medida em que veda às partes o direito à justa composição dos interesses e viola o princípio da tutela efectiva através do dever de julgar e no cumprimento das decisões dos tribunais superiores transitadas em julgado, devendo declarar-se nula e de nenhum efeito, mais se declarando a presente acção improcedente, com os demais efeitos da lei.»

A autora contra-alegou, sustentando a decisão recorrida

 Nas contra-alegações correspondentes ao recurso interposto por BB, concluiu desta forme:

«A) Não se verifica, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não existe qualquer conclusão 65º nas alegações do apelante BB, ora recorrente;

B) O ali apelante não cumpriu o ónus que o artigo 640.° do CPC lhe impunha, quanto à concreta indicação dos meios de prova gravados em que baseava a sua arguição,  pois o mesmo não indicou os segmentos da gravação onde estão contidas as informações que o recorrente entendia apoiar o seu ponto de vista, limitando-se a indicar o início e o fim da gravação da totalidade de cada depoimento;

C) Não tendo o então apelante cumprido cabalmente o dever que sobre si impendia, bem andou o Tribunal da Relação do Porto ao rejeitar o recurso nessa parte, pois a lei não prevê qualquer convite ao aperfeiçoamento.


Nas contra-alegações correspondentes ao recurso interposto por CC e mulher, DD, concluiu assim:

«A) Não se verifica, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não existe qualquer recurso intercalar apresentado pelos Réus CC e mulher, ora recorrentes, pendente de apreciação;

B) O recurso de agravo interposto pelos recorrentes em 13/07/2009, mediante o qual os recorrentes impugnaram a decisão de apensação das ações de fls. 628 a 631, foi então apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra e, como tal, a decisão de improcedência que recaiu sobre o mesmo transitou já em julgado;

C) Os então apelantes não cumpriram o ónus que o artigo 640.º do CPC lhes impunha, quanto à concreta indicação dos meios de prova gravados em que baseavam a sua arguição, pois os mesmos não indicaram os segmentos da gravação onde estão contidas as informações que os recorrentes entendiam apoiar o seu ponto de vista, limitando-se a indicar o início e o fim da gravação da totalidade de cada depoimento;

D) Não tendo os ali apelantes cumprido cabalmente o dever que sobre si impendia, em andou o Tribunal da Relação do Porto ao rejeitar o recurso nessa parte, pois a lei não prevê qualquer convite ao aperfeiçoamento;

E) Só no caso de a Sra. Juiz que presidiu ao segundo julgamento encontrar contradições entre a matéria de facto que resultava provada após a realização deste e a matéria de facto já provada anteriormente, a mesma podia (e devia) proceder às alterações necessárias, mas não havendo qualquer contradição, como efetivamente não houve, então não havia necessidade de se alterar a matéria de facto já provada que, assim, se manteve.

 F) Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não conferiu propriamente um segundo grau de jurisdição à Sra. Juiz que presidiu ao segundo julgamento.

G) Por outro lado, os recorrentes omitiram o dever que sobre si impendia de alegar e de demonstrar quais as contradições entre a matéria de facto provada após o aditamento à base instrutória e aquela que já o havia sido, evidenciando de que forma, e com base em quê, a anterior matéria de facto deveria ser alterada.

H) Não se verifica por isso qualquer omissão de pronúncia (isto, em resposta ao teor da conclusão 20 das alegações a que se responde) nem outro qualquer vício do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.»

Os recursos foram admitidos como revista, com efeito meramente devolutivo.

5. A fls. 1333, o Tribunal da Relação do Porto proferiu novo acórdão, por ter sido arguida a nulidade do seu anterior acórdão, no qual decidiu:

– Indeferir a nulidade do acórdão arguida pelos recorrentes CC e mulher, DD;
– Deferir a nulidade arguida por BB;
“Proceder à sanação do vício em causa, conhecendo da questão colocada na conclusão 36ª das alegações do mencionado recorrente, reapreciando a matéria constante do artigo 65º da base instrutória, em que ocorrera omissão de pronúncia”. Procedendo a essa reapreciação, a Relação deliberou manter, “também nessa parte, inalterada a decisão sobre a matéria de facto”.

6. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:

Do Proc. 121/06.6TBOBR

1. A Autora e o Réu BB têm um filho em comum: EE, nascido em ... de 1997.


2. O Réu CC é ... de profissão e trabalhou para o Réu BB.


3. A Autora outorgou em 14/09/2004 no Cartório Notarial de ... uma procuração ao primeiro Réu, BB, concedendo-lhe poderes especiais para especificadamente vender a quem quisesse, pelo preço, cláusulas e condições que entendesse, podendo ele próprio comprar para si, o prédio urbano, sito na Rua ..., constituído por fracção "B", correspondente ao rés-do-chão e primeiro direito, sito a nascente, para habitação, tendo rés-do- chão, sala, hall, cozinha, despensa, casa de banho e garagem e o primeiro andar, três quartos, duas casas-de-banho, hall e duas varandas, possuindo logradouro e jardim, inscrito na matriz sob o artigo 4494-B.

4. No dia 13/12/2004 foi outorgada escritura pública de compra e venda lavrada de fls. 99 a 100 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 279-H no Cartório Notarial de ... na qual o Réu BB declarou vender em representação da Autora AA ao Réu CC, pelo preço de cinquenta mil euros, a fracção autónoma identificada em 3., inscrita na matriz sob artigo 4494, com valor patrimonial tributário de €49.005, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob n.º 8.527 e o Réu CC declarou aceitar essa venda e que a fracção adquirida se destinava exclusivamente a habitação.

5. A referida fracção encontra-se inscrita a favor da Autora mediante a inscrição G-1 Ap. 15 de 01/06/2001 por aquisição a FF e mulher GG.

6. CC registou essa aquisição a seu favor na Conservatória de Registo Predial de ... pela inscrição G-1, Ap. 04/050203.

7. A constituição da propriedade horizontal do aludido prédio encontra-se registada na Conservatória de Registo Predial de ... sob inscrição F-1 referente à Ap. n.º 26 de 12/12/2002.

7-A). Mediante escritura pública outorgada em onze de Julho do ano de dois mil e dois, no Segundo Cartório Notarial de ..., BB declarou vender a HH, que declarou comprar, pelo preço de oitenta e dois mil trezentos e um euros e sessenta e cinco cêntimos, o seguinte imóvel: Casa com logradouro e Quintal, sita no Bairro ..., inscrito na matriz do artigo 3336 (...) descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número cinco mil duzentos e sessenta e quatro, cujo direito de propriedade ali se encontra registado a favor do vendedor, pela inscrição G-Um (...)

8. A Autora viveu com o Réu BB, com trato sexual e comunhão de mesa, durante dez anos, pelo menos desde 1995 e até 2002 na casa que aquele possuía na Rua ..., e a partir desta data na casa que constitui o prédio identificado em 4.

9. Aí Autora e Réu BB recebiam amigos e familiares, aí davam as festas familiares, almoços comemorativos das efemérides locais.

10. Numa primeira fase, entre os anos de 1994 e 1997, a Autora cozinhava, tratava da casa, fazia as compras e as demais tarefas de dona de casa.

11. Mais tarde passou a trabalhar com o Réu BB na aquisição, transformação e venda de imóveis, actividade que era o principal sustento do casal.

12. A Autora era exclusiva titular da conta n.º ... do Banco ... e da conta n.º ... do Banco ... onde foram depositados proventos da actividade económica referida em 11.

13. Todos os negócios eram celebrados indistintamente por um e outro.

14. A Autora movimentava as contas bancárias atrás referidas para sobre elas efectuar os pagamentos que houvesse que efectuar na compra dos imóveis e na celebração dos negócios do casal.

15. Em data anterior a Junho de 2005 o Réu BB envolveu-se sentimentalmente com outra mulher e pensou em pôr termo à situação referida em 8.

16. O Réu BB sugeriu à Autora a venda da casa identificada em 4., que se tornara pequena face às necessidades e desejos do casal.

17. E, com o produto da venda, comprar outra mais espaçosa e adequada às crescentes exigências de vida do casal e do respectivo agregado familiar.

18. A adesão da Autora à venda assentou num projecto e convicção de comunhão de vida com o Réu BB.

19. O Réu BB convenceu a Autora a outorgar procurações que lhe concediam poderes para movimentar livremente as contas bancárias referidas em 12., e a identificada em 3.

20. CC não quis adquirir para si o referido prédio, nem por ele pagar qualquer quantia e nunca ninguém lho quis alienar, nem a Autora nem o seu procurador.

21. O Réu BB sabia que violava e contrariava a vontade e intenção da Autora e bem assim as suas instruções.

22. As declarações de CC e BB apostas na dita escritura foram proferidas por ambos com consciência plena e recíproca da sua falsidade.

23. O que fizeram intencionalmente, para enganar e prejudicar a autora, a qual, como bem sabiam, nunca concordaria com tal acto, visando transferir a propriedade para fora da esfera jurídica quer da autora quer do réu BB a fim de que a autora não beneficiasse ou recebesse o que quer que fosse com a venda (redacção dada pelo douto acórdão da Relação de Coimbra)

24. Ao contrário das declarações da referida escritura, nunca o Réu CC pagou qualquer preço, nem a quantia de 50.000 euros aí indicada, nem qualquer outra, ao Réu BB ou à Autora.

25. O prédio valia à data de 13/12/2004 cerca de €119.000,00.


26. O Réu CC não tinha capacidade económica para comprar tal imóvel.

27. O Réu CC vivia com a família na localidade da ....

28. Na data da propositura da presente acção, o imóvel referido em 4. tinha sido apenas habitado por Autora, Réu BB e respectivo filho.

29. O Réu CC sempre soube que a Autora vivia na casa referida e nunca lhe comunicou tê-la comprado, nem nunca dela tirou ou pretendeu tirar qualquer proveito ou fruição.

30. O Réu BB em meados de Junho de 2005 comunicou à Autora que a comunhão de vida com ela tinha terminado e que deveria abandonar a casa até ao fim do mês de Dezembro de 2005.

31. Após aquela comunicação de Junho de 2005, a Autora veio a tomar conhecimento do teor e da natureza do negócio jurídico celebrado pelos Réus através da outorga na escritura pública.

32. Foi assinado pelos Réus um documento particular intitulado “Declaração- Protocolo”, datado de 13 de Dezembro de 2002, mas referindo-se no artigo primeiro “Na data de hoje, 13 de Dezembro de 2004” referente ao pagamento do preço do negócio referido em 4.

[aditados]:

32. A) O direito de propriedade sobre a fracção referida em E) dos factos assentes adveio à Autora por compra do terreno que fez a FF e mulher GG, em 2001.

32. B) No qual a Autora construiu, e com base no alvará de construção n.º 466, emitido em 28/12/2001 pela Câmara Municipal de ..., o prédio urbano de propriedade horizontal, com as fracções autónomas "A" e "B".

32. C) Foi o Réu BB quem desenvolveu e completou as negociações com FF e mulher, GG, no ano de 2001, tendentes à aquisição do terreno inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob artigo 7313, e que àqueles pertencia.

32. D) Designadamente, o Réu BB contactou os referidos FF e mulher, GG, e mostrou-lhes o seu interesse na aquisição do terreno para si.

32. E) Acordou com eles o preço.

32. F) Celebrou com eles e subscreveu, na qualidade de promitente adquirente, o contrato-promessa de compra e venda que constitui o doc. 1 da sua contestação.

32. G) Pagou a esses vendedores, no modo e tempo combinados, a totalidade do preço, com dois cheques pessoais sacados sobre a conta n.º ... do ....

32. H) Conta de que era exclusivo titular, e onde eram lançadas todas as quantias dos negócios que apenas o Réu BB levava a cabo.

32. I) E manifestou aos vendedores o seu interesse na realização da escritura definitiva.

32. J) O Réu BB vendeu a habitação referida em H) dos factos assentes, que era seu bem próprio e exclusivo, com vista ao investimento do produto dessa venda na urbanização do prédio referido em 43.º, supra

32. L) O que efectivamente veio a fazer, tendo recebido o preço do comprador, através de cheque que depositou na sua conta.

32. M) Além do produto da venda daquela casa, o Réu BB aplicou naquela urbanização outras quantias provenientes de poupanças suas e resultantes do seu trabalho.

32. N) Foi o Réu BB quem encomendou o projecto de construção para o referido terreno e efectuou todas as reuniões necessárias com os autores do projecto.

32. O) O Réu BB pagou o projecto de obra através de cheque pessoal, sacado sobre a supra referida conta bancária, de que era exclusivo titular.

32. P) O Réu BB ajustou com empresas e empresários das várias especialidades da construção civil, como pedreiros, carpinteiros, pintores, electricistas, canalizadores, a construção do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob número .../fracções A e B.

32. Q) Negociou e acordou com tais empresas e empresários o preço dos materiais de construção e das obras ajustadas, sendo que a A., por vezes, também participava nas negociações e decidiam em conjunto qual o melhor orçamento.

32. R) Acompanhou, sempre que estava em Portugal, o desenvolvimento das obras.

32. S) Após ter construído as duas habitações referidas em 57.º, o Réu BB ajustou a venda da fracção "A" com II e mulher ....

32.º T) E reservou para si a fracção "B".

32.º U) O Réu BB incumbiu a Autora de outorgar a escritura pública de compra e venda da fracção "A" a favor dos terceiros adquirentes referidos em 61.º, por ele escolhidos.

32. V) E recebeu e fez seu o preço da venda dessa fracção, que lhe foi pago, através do Banco financiador daqueles compradores, através de transferência bancária para a referida conta n.º ... do ....

32. W) O Réu BB costumava deslocar-se a França e à Suíça com alguma regularidade e aí permanecer algumas semanas em cada uma das suas deslocações.

32. X) O Réu BB tinha vários negócios a correr em Portugal, nomeadamente a aquisição e urbanização do terreno referido em 43.º e 44.º, que exigiam a prática de uma série de actos como a realização da escritura de compra e venda, a apresentação e subsequente tramitação do processo camarário de licenciamento do projecto de construção e a constituição da propriedade horizontal.

32. Y) Entre os anos de 1994 e 1997 era o Réu BB quem suportava e pagava todas as despesas com alimentação, vestuário e calçado, produtos para casa, electricidade, água, gás e telefone, entregando à Autora os montantes que ela lhe solicitava e eram necessários para tal efeito.

32. Z) A partir do terceiro ou quarto ano de vida em comum, a Autora passou a trabalhar, auferindo rendimentos próprios, pelo que passou a partilhar com o Réu BB as despesas domésticas.

32. AA) E na conta n.º ... do Banco ... eram lançados os dividendos das 7871 acções que foram compradas pelo Réu BB, em data anterior ao início da relação com a Autora, através de um empréstimo bancário por aquele contraído.

32. BB) Quem contactava, discutia e era aconselhado pelos gerentes das Agências Bancárias sobre as melhores aplicações dos fundos, e os instruía sobre as aplicações a fazer.

32. CC) E era por esses funcionários bancários tido como o verdadeiro e real titular de tais contas.

32. DD) A Autora é a única e exclusiva titular da conta n.º ... do ..., Agência de ..., e aí vem depositando os seus rendimentos e poupanças, resultantes do seu trabalho.

Do Proc. 121/06.6TBOBR-A

33. Em 14 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial de ... a cargo da Notária JJ, foi outorgada uma procuração, através da qual a Autora constitui o Réu seu bastante procurador, com a concessão de poderes especiais para, em seu nome, prometer vender ou vender, a quem ele quisesse, pelo preço cláusulas e condições que entender convenientes, podendo ele mandatário comprar para si, a fracção autónoma a que corresponde a letra "B" de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., inscrito na respectiva matriz sob o art. 4.494, podendo requerer em todas as repartições tudo quanto ao ditos actos se tornasse necessário.

34. Tal procuração encontra-se arquivada naquele Cartório Notarial junto dos documentos que instruíram a escritura exarada de fls. 99 a fls. 100 do Livro de Notas para escrituras Diversas daquele Cartório com o n.º 279-H.

35. No dia 13 de Dezembro de 2004, naquele mesmo Cartório, o Réu, munido daquele instrumento de mandato, celebrou com CC, carpinteiro, residente no lugar da ..., a escritura pública que constitui o documento junto a fls. 14-16.

36. Nesse mesmo dia 14 de Setembro de 2004, com termo de autenticação celebrado no mesmo Cartório Notarial acima referido, a Autora outorgou uma procuração, por documento particular, através da qual concedia ao Réu os poderes necessários para ele movimentar todas as quantias, títulos, acções e obrigações que estejam depositadas no Banco ..., incluindo movimentar, vender, comprar ou liquidar as 7.871 acções do Banco ... relativas à conta n.º ... do ..., Sucursal de ..., podendo para isso tudo quanto se mostre essencial ao cumprimento do mandato.

37. Em 8.02.06, a Autora deu entrada em juízo à acção ordinária n.º 121/06.6TBOBR, na qual formulava, como pedido principal, a declaração de nulidade absoluta, por simulação, do pretenso negócio jurídico de compra e venda titulado pela referida escritura celebrada em 13.12.04 referida em 35. e, como pedido subsidiário, a declaração de nulidade do mesmo acto com base em violação das instruções e da relação de mandato.

38. A Autora na parte final da petição inicial da acção 121/06 solicitou a notificação judicial do Réu para que, no acto da citação, fosse notificado de que ela lhe retirava todos os poderes que lhe havia conferido por aquela procuração, que assim expressamente revogava, resolvendo o contrato de mandato por ela titulado.

39. A Autora requereu que no mesmo acto da citação fosse o Réu informado de que os factos narrados na petição inicial sempre deveriam constituir justa causa, assim subsidiariamente invocada, para concretização daquele acto.

40. No mesmo sítio e momento, a Autora requereu a notificação do mesmo Réu para lhe ser comunicado também que lhe revogava todas as demais procurações que lhe havia passado e lhe retirava todos os poderes que, através das mesmas, lhe havia conferido.

41. O Réu foi citado para contestar aquela acção no dia 16.05.06, data em que recebeu o duplicado da respectiva petição inicial.

42. O despacho que ordenou a citação do Réu, proferido em 17.03.06 e constante de fls. 44 daquela acção, entendeu, porém, que a referida notificação para revogação das procurações deveria ser efectuada de forma autónoma, através de notificação judicial avulsa.

43. Tal despacho transitou em julgado e a Autora veio a requerer a notificação judicial avulsa nos termos do documento junto.

44. Tal notificação, ordenada por despacho judicial de 6.04.06, foi efectuada na pessoa do Réu em 10.04.06 e publicado o respectivo anúncio em 20.04.06 num dos jornais mais lidos na localidade da residência do Réu, na qual se não publica qualquer jornal.

45. Em 9.06.06, o Réu deu entrada em juízo ao requerimento para notificação judicial avulsa da Autora, através do qual declarava impugnar os factos invocados pela Autora no requerimento atrás referido em 42. e 43. como fundamentos de justa causa para a revogação pretendida.

46. Na escritura, o Réu, na qualidade de procurador da Autora, declarou vender a CC, contra a verdade sabida, a fracção autónoma referida em 33. e aquele CC, também contra a verdade sabida, declarou comprar-lha pelo preço de 50.000 euros.

41. E ambos falsamente declararam ter sido pago e recebido.

42. Na escritura de 13-12-2004 ambos outorgaram naquele título vontade diferente da sua vontade real.

43. Nem o procurador da Autora (BB) quis vender ou vendeu ao CC o dito imóvel.

44. Nem este o comprou ou quis comprar.


45. Não tendo sido pago nem recebido pela Autora ou pelo procurador qualquer preço.

46. O Réu sabia que violava e contrariava a vontade e a intenção da Autora e bem assim as instruções da mandante e os poderes por ela conferidos no respectivo instrumento de mandato.

47. A qual, conforme ambos sabiam, só havia consentido na venda válida do imóvel, que lhe pertencia, com vista à compra de uma casa melhor.

48. Autora e Réu com o trabalho de ambos sustentavam o lar.

49. Auferindo rendimentos que indistintamente aplicavam nas despesas e encargos não só da economia doméstica como em actividades económicas de interesse comum do casal.»

7. Estão assim em causa neste recurso:

No recurso interposto pelo réu BB:

a)– Nulidade por omissão de pronúncia;

b)– Cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil, quanto à prova gravada, para que a impugnação possa ser conhecida pela Relação; consequente nulidade do acórdão recorrido, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil e violação dos nºs 1 e 2 do citado artigo 640ª

No recurso interposto pelos réus CC e mulher, DD:
a)– nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado o recurso interposto da decisão de apensação dos processos (615º, nº 1, d));
b)– cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil no que respeita à prova gravada e à prova documental;
c)– incumprimento, pelo tribunal de 1ª instância, de determinações do Tribunal da Relação de Coimbra quanto `à apreciação de matéria de facto;
d)– inconstitucionalidade de normas referidas aos artigos 152º. Nº 1, 411º, 602º, nº 1 e 620º do Código de Processo Civil.


8. Recurso interposta por BB:
a) – A nulidade por omissão de pronúncia por falta de conhecimento da questão a que se refere a 36ª conclusão das alegações, relativa ao quesito 65º, foi suprida pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 1334. Não se determina, portanto, que o processo volte à Relação para a questão ser apreciada, porquanto já o foi.
Sempre se acrescenta, todavia, que daqui não resulta nenhuma limitação ao recurso que porventura tivesse como objecto a reapreciação da prova quanto a este ponto, por se tratar de documentos sem força probatória plena e, portanto, sem possibilidade de reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º,nº 3 e 682º, nº 2).

b) – Cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil quanto à prova gravada e consequente nulidade do acórdão recorrido, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil:
Está fora de dúvida que o recorrente, nas alegações do recurso de apelação, ao indicar os depoimentos testemunhais cuja apreciação impugna, indicou a data em que tinham sido prestados e o início e fim de cada depoimento, na gravação; mas não indicou “com exactidão as passagens[dos excertos dos depoimentos]da gravação em que se funda o seu recurso”, nem procedeu à “transcrição dos excertos que considere relevantes”(al. a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil).
O Tribunal da Relação do Porto recordou a história e a razão de ser desta exigência, lembrando que a respectiva inobservância conduz “à imediata rejeição do recurso na respectiva parte” e rejeitou o recurso relativo à decisão de facto na parte em que “a impugnação tem como suporte a prova gravada” (ponto 4.2 do acórdão recorrido).
Como o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes observou (cfr. por exemplo o acórdão de 4 de Novembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 7006.05.1TBBRG.G1.S1 e jurisprudência nele citada, e ainda os acórdãos de 29 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 39/2002.E1.S1 ou de 30 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. 6450/05.9TBSXL.L1.S1), «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão. Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. (…) Nesse sentido, impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça”, continua o mesmo preâmbulo, “no [então] artigo 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto. Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo nº 6 do [então] artigo 705”. O ónus especificamente criado foi, assim, justificado pela necessidade de impor ao recorrente uma “delimitação do objecto do recurso” e uma “fundamentação”, repete-se, tendo em conta o âmbito possível do recurso da decisão de facto, tal como foi concebido (cfr. acórdãos de 9 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B3011, ou de 18 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2998).
O artigo 690º-A do Código de Processo Civil foi posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto. Continuou a incumbir ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto proferida em primeira instância, para o que agora releva, “especificar (…) os concretos pontos de facto que [o recorrente] considera incorrectamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.Mas, se “os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas [tiverem] sido gravados”, passou a caber-lhe, “sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522ºC”.
O artigo 690º-A veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que em sua substituição acrescentou ao Código o artigo 685º-B, mantendo os ónus referidos (indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicassem decisão diversa da proferida), mas determinando que, sendo possível “a identificação precisa e separada dos depoimentos”, que cabe ao recorrente, “sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt .
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente:
– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al.b),
exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c),
sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder apresentar a “transcrição dos excertos” relevantes.
Cumpridos os requisitos assim definidos para a delimitação e fundamentação da impugnação da decisão de facto, então caberá à Relação julgar o recurso, nos termos amplos acima referidos.»
Estes ónus, no entanto, têm que ser entendidos à luz da respectiva função, como se recorda no acórdão de 29 de Outubro de 2015 deste Supremo Tribunal, www.dsgi.pt, proc. nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, não devendo tornar-se em requisitos desproporcionadamente exigentes, tendo em conta o objectivo, em primeiro lugar, de delimitação e fundamentação do recurso e, em segundo lugar, de permitir ao tribunal de recurso encontrar sem dificuldade os pontos dos elementos de prova gravados que o recorrente tem por mal apreciados: Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.(…) o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa – não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (como ocorrerá normalmente nos casos, como o dos autos, em que tal indicação do recorrente das passagens da gravação, é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso)”
 No caso presente, o recorrente não transcreveu os depoimentos, nem sequer em parte; mas indicou o início e o fim respectivo, por referência ao suporte onde se encontram gravados, os pontos de facto (da então base instrutória) para cuja prova foram indicados e sintetizou o respectivo conteúdo (na sua perspectiva, naturalmente). Ou seja: a recorrida dispôs dos elementos de que necessitava para se pronunciar sobre a impugnação e foram fornecidos ao tribunal de recurso os dados necessários para conhecer o recurso de facto, no que toca à prova gravada e aos pontos de facto indicados.
O recurso procede, neste ponto; o que não significa que se anule pura e simplesmente o acórdão recorrido, como sustenta o recorrente. Caberá ao Tribunal da Relação, reapreciando a matéria de facto cuja reapreciação rejeitou no respectivo ponto 4.2, determinar em que medida a reapreciação afecta o julgamento proferido no acórdão.

9. Recurso interposto pelos réus CC e mulher, DD:


a) – Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado o recurso interposto da decisão de apensação dos processos (615º, nº 1, d)):

 Os recorrentes réus CC e mulher, DD sustentam que o acórdão recorrido é nulo porque não obtiveram conhecimento do recurso intercalar que interpuseram em 13 de Julho de 2009 sobre a decisão de apensação dos processos aqui em causa.

Antes de mais, deve dizer-se que se entende que não basta afirmar que se mantém interesse na apreciação de um recurso intercalar; a afirmação abstracta, ou a de que se mantém interesse porque nunca houve decisão sobre ele, que é a mesma coisa, não satisfaz o objectivo do preceito, que é o de evitar o conhecimento de recursos de decisões intercalares que, a final, vem a revelar-se inútil, tendo em conta o desfecho da causa.

De qualquer forma, o recurso foi apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, pelo acórdão de 1495, tendo transitado em julgado a decisão de improcedência do recurso de agravo; ao apreciar a questão da apensação de processos, o Tribunal da Relação de Coimbra refere-se aos “agravantes”, abrangendo também, portanto, o recurso interposto por CC e mulher, DD (cfr. fl. 1523 e segs.).

Improcede, portanto, a arguição de nulidade. Tal como se disse no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 1334, não estava pendente nenhum recurso intercalar que houvesse de ser apreciado nesse acórdão.


b)– Cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil no que respeita a prova gravada e a prova documental: Vale aqui o que se disse no ponto 8.b) deste acórdão.
Relativamente à prova documental, cumpre observar, por um lado, que os documentos foram considerados no acórdão recorrido e, por outro, que está fora do âmbito da revista controlar decisões sobre documentos sem força probatória plena, como é o caso.

            Improcede, portanto, a arguição de nulidade.


c)– Incumprimento, pelo tribunal de 1ª instância, de determinações do Tribunal da Relação de Coimbra quanto `à apreciação de matéria de facto;
O que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu a este respeito não merece qualquer censura.
Com efeito, com a anulação da primeira sentença, em virtude da determinação da ampliação da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Coimbra deliberou que fosse repetido o julgamento, mas sem que essa repetição abrangesse “a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o Tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”.
O juiz que elaborou a segunda sentença não afirmou que detectou contradições depois de repetido o julgamento e que, apesar disso, não podia reapreciar a “prova produzida e que conduziu à resposta à matéria de facto já produzida nos autos” (fl. 1795).
Improcede, por isso, a alegação de incumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

d) – inconstitucionalidade de normas referidas aos artigos 152º, nº 1, 411º, 602º, nº 1 e 620º do Código de Processo Civil: os recorrentes não densificam a acusação de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20º da Constituição – que, aliás, contém várias normas. Nada há, pois, a apreciar; e, de qualquer forma, não se entende que o tribunal de 1ª Instância se recusou a cumprir ou, pura e simplesmente, não tenha cumprido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, pressuposto de que os recorrentes partem para alegar a inconstitucionalidade.

10. Nestes termos, decide-se:
a) conceder provimento parcial a ambos os recursos, na medida que decorre do ponto 8.b) deste acórdão, anulando o ponto 4.2 do acórdão recorrido e determinando a reapreciação da matéria de facto rejeitada nesse ponto 4.2, pelos mesmos juízes que elaboraram o acórdão recorrido, se for possível;
b) determinar que o Tribunal da Relação do Porto verifique se o resultado dessa reapreciação implica a alteração dos outros pontos do acórdão, procedendo às alterações que entender;
c) quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido, sem prejuízo do disposto na al. b) desta decisão.

Custas por recorrentes (4/5) e recorrida (1/5), sem prejuízo do poio judiciário concedido.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Olindo Geraldes
Maria do Rosário Morgado