Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9317/18.7T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. De acordo com a interpretação que tem sido feita do art. 854.º do CPC, não cabe revista (a não ser nos casos em que o recurso é sempre admissível) dos acórdãos do TR que, em sede de ação executiva, não respeitem a recursos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

II. Incidindo a decisão impugnada sobre uma decisão do Tribunal de 1.ª Instância de natureza interlocutória (não final), que versa sobre matéria adjetiva – proferida após desistência do pedido por parte da Exequente -, a sua recorribilidade encontra-se limitada às situações previstas no art. 671.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC.

III. Pode dizer-se que a remuneração adicional ou variável do agente de execução visa premiá-lo pela “eficiência e eficácia” na recuperação ou garantia do crédito exequendo.

IV. Não pode, mediante o argumento a contrario, deduzir-se da disciplina estabelecida para certos casos no art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma. Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva. De qualquer modo, se tal preceito – reconhecimento do direito à remuneração adicional em todas as hipóteses não contempladas no art. 50.º, n.º 12 – se pudesses deduzir, a contrario, sempre careceria de uma redução teleológica.

V. Poderia revelar-se desconforme à Lei Fundamental, porque atentatório do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1, da CRP), remunerar o agente de execução pela satisfação do interesse do credor-exequente, sem que aquele tivesse desempenhado qualquer atividade profissional relevante para o efeito.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. O Novo Banco, S.A. (doravante NB), intentou, a 21 de abril de 2018, ação executiva contra AA e BB, com base numa livrança datada de 19 de julho de 2005, vencida a 16 de fevereiro de 2018, no montante de € 1.036.087,79.

2. Por despacho de 23 de julho de 2018, foi admitida a prestação de caução pela Executada/Embargante, BB, mediante garantia bancária no valor de € 1.305.589,22, ficando as custas a cargo da Requerente/Executada.

3. Também por despacho foi a referida caução julgada validamente prestada.

4. No decurso da ação executiva, e na sequência do despacho proferido a 7 de outubro de 2019, foi reconhecida a habilitação da Ares Lusitani – STC, S.A. (doravante AL), mediante cessão do crédito do NB.

5. A 6 de maio de 2020, a AL desistiu do pedido executivo.

6. A Senhora Agente de Execução, CC, a 7 de maio de 2020, apresentou o apuramento de responsabilidades/nota discriminativa, indicando ser-lhe devido o total de € 52.813,17, em que o montante de € 42.673,06 dizia respeito a valor recuperado ou garantido antes da 1.ª penhora.

7. Por despacho de 11 de maio de 2020, foi decidido o seguinte:

Por apenso à respetiva execução, veio a aqui executada deduzir os presentes embargos.

Sucede que, entretanto, após a sentença proferida nestes embargos, como se retira dos autos, a exequente veio desistir da execução e do pedido executivo, o que é válido e relevante, estando já na fase de extinção a execução, como foi pedido/acordado pelas partes.

No caso vertente, aquando da junção da desistência do pedido executivo, a sentença aqui já proferida ainda não tinha transitado em julgado, pelo que é considerar tal desistência ainda tempestiva e eficaz.

Conclui-se, pois, que se tornou inútil/impossível a continuação dos presentes autos, dado já não subsistir o litígio e a instância sobre os quais versavam os embargos, impondo-se a sua extinção.

Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art.º 277.º, al. e), do CPC, declaro extinta a presente instância de embargos de executado por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide.

Atenta a desistência do pedido executivo e o acordo das partes, por impossibilidade/inutilidade/desistência, julgo ainda prejudicada e extinta a instância de recurso aqui pendente.

Custas pela embargada/exequente e como acordado - cfr. os arts. 536.º, n.º 3, e 537.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Notifique e registe.

Comunique de imediato à Sra. AE.

Oportunamente, arquive estes autos, dando-se a devida baixa.

DN.

8. A Executada, BB, apresentou, entretanto, o seguinte requerimento:

BB nos autos de prestação de caução, à margem referenciados, em que é requerido Novo Banco, S.A., vem, em face do requerimento de desistência do pedido com referência nº. ..., apresentado pela Exequente nos autos principais, e do requerimento com a referência nº. ..., apresentado pelas partes no apenso de Embargos de Executado, requerer a V. Exa. se digne a ordenar a imediata devolução do original da garantia bancária nº. ..., prestada a favor do tribunal”.

9. A 12 de maio de 2020, a Senhora Agente de Execução, CC, informou do seguinte:

CC, Agente de Execução nos presentes autos tendo sido notificada do douto despacho de 11-05-2020, nos autos do apenso de Caução, Proc. nº 9317/18...., referência ... vem, junto de Vª. Exa. informar que, as custas ainda não se mostram pagas.

10. A Executada, BB, a 13 de maio de 2020, reclamou da nota de honorários e despesas apresentada pela Senhora Agente de Execução, invocando o disposto no art. 50.º, n.º 5, al. a), da Portaria nº. 282/2013, de 29 de agosto (n.º 6.º), o seu preâmbulo (n.º 9.º), assim como jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto (n.os 12.º, 15.º e 20.º).

11. A Senhora Agente de Execução respondeu à reclamação.

12. A 3 de junho de 2020, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, por ilegitimidade e por falta de fundamento, indefiro o requerimento de reclamação da conta/nota discriminativa.”

13. Não conformada, a Executada interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação e substituição dessa decisão por outra que “declare a inexistência do direito da Senhora Agente de Execução ao recebimento dos montantes por si peticionados a título de remuneração adicional e, em consequência, ordene a retificação da nota de honorários e despesas apresentadas”.

14. A Senhora Agente de Execução apresentou contra-alegações.

15. Por acórdão, a 16 de dezembro de 2020, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte:

Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso interposto pela Executada BB e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida de modo que os honorários da Agente de Execução não integrem a remuneração adicional que foi impugnada recursivamente.

Custas deste recurso a cargo da Senhora Agente de Execução.

Notifique”.

16. Inconformada, a Senhora Agente de Execução, CC, interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

“1. A remuneração do agente de execução encontra-se presentemente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.

2. Nos termos do n.º 5 do artigo 50.º do referido diploma, nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) do valor recuperado ou garantido; b) do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.

3. O n.º 6 estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente.

4. Por fim, o n.º 12 estatui que nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.

5. Note-se que o legislador estabeleceu expressamente uma única situação em que não há lugar ao pagamento da remuneração adicional ao Agente de Execução, que é a estatuída no parágrafo anterior.

6. A questão que se coloca nos autos consiste em saber se esta remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.

7. O Tribunal da Relação ... julgou procedente o recurso da executada negando o direito da Agente de Execução à retribuição adicional.

8. No entanto afigura-se que mal andou o tribunal a quo.

9. A nosso ver, resulta da redação do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, exceto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12).

10. O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que nos termos do n.º 6 ocorre com a prestação de caução para garantia da quantia exequenda.

11. Ou seja, afigura-se que a constituição do direito à retribuição adicional da Agente de Execução ocorreu aquando da prestação de caução para garantia da quantia exequenda.

12. O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efetua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.

13. Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º).

14. É esse, cremos, o sentido do que se fez constar na exposição de motivos da Portaria.

15. Neste sentido veja-se a título de exemplo o Acórdão da Relação do Porto de 11.01.2007, relatado por Amaral Ferreira, o Acórdão da Relação do Porto de 11.01.2018 em que é Relator Paulo Dias da Silva e o Acórdão da Relação do Porto de 02.06.2016, em que é Relator Aristides Rodrigues de Almeida, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

16. Descendo ao caso dos autos vejamos, o Exequente instaura a competente ação executiva ordinária, com citação prévia,

17. A Executada, após a citação prévia deduz os seus Embargos de Executado, e de forma a suspender a Execução, evitando que a Agente de execução procedesse às competentes penhoras, presta caução à ordem do processo, onde inclui na quantia exequenda as despesas e honorários prováveis.

18. Sendo que, depois de julgados totalmente improcedentes os Embargos de Executado, e estando a quantia exequenda totalmente garantida pela caução prestada, ou seja, nada impedindo que a Exequente obtivesse o pagamento total nos autos, vem a Exequente desistir da execução.

19. E, socorrendo-se do argumento de se tratar de uma desistência e não de uma recuperação, vem a Executada insurgir-se contra a retribuição adicional da Agente de Execução, em manifesto abuso de direito!

20. Quando prestou caução a Executada incluiu o valor em crise no cálculo.

21. Os Embargos de Exequente foram julgados totalmente improcedentes, em consequência a Exequente tinha garantido o recebimento da quantia exequenda, pelo produto daquela garantia. E, correlativamente, nessa situação seria inquestionável o direito da Agente de Execução à retribuição adicional.

22. A Exequente desistiu sem receber? Não se afigura credível a um homem médio. Aliás, a Exequente, devedora única das custas e despesas e honorários da Agente de Execução, nem reclamou da conta apresentada pela Agente de Execução.

23. O único interveniente que se viu prejudicada foi a Agente de Execução, que vê agora a ser-lhe negada a retribuição adicional.

24. Porém, esta atuação, afigura-se um manifesto abuso de direito por parte da Executada.

25. Entendendo de forma diversa, é estar a incentivar Exequente e Executada a adotar qualquer uma solução que não passe pela entrega do produto da garantia prestada, com o único fito de evitar pagar essa fatia da remuneração à Agente de Execução.

26. Nessa medida, entendemos que pese embora no caso em apreço a execução tenha sido extinta na sequência de desistência da exequente, exatamente porque também nessa situação se verificam os requisitos de que depende o direito à remuneração adicional (existência de caução que garante a quantia exequenda), a agente de execução podia reclamar uma remuneração adicional.

27. E não deve ser permitido à Executada prevalecer-se da desistência da execução para vir alegar não ser devida a retribuição adicional da Agente de execução.

28. Reitera-se que, como supra se expôs, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 6 do art.º 50ª o direito à retribuição adicional da Agente de Execução ocorreu no momento do sucesso da execução que se deu com a prestação da caução,

29. Sendo irrelevante a desistência do pedido apresentado pelo Exequente, pois nas palavras da conclusão do Acórdão recorrido “E isto mesmo que este último tivesse desistido do pedido executivo, porquanto tal renuncia à quantia exequenda sempre seria por sua conta e risco, não podendo a Senhora Agente de Execução ser prejudicada na parte variável dos seus honorários.”

30. Aceitar, como pugna o Acórdão em crise, que depois de a Executada ter prestado caução e terem sido os Embargos julgados improcedentes, não ser devida a remuneração adicional à Agente de Execução, é fazer letra morta da regulamentação aplicável, designadamente do referido normativo legal.

31. Pois que, como se viu, nos termos no n.º 6 do art.º 50º está expressamente previsto o direito à remuneração adicional com e na medida da prestação da caução.

32. E, no caso em crise, decidir como decidiu o tribunal a quo é reconhecer que na verdade qualquer acordo pode ser efetuado à margem da execução, como forma de contornar as custas e valores devidos ao agente de execução no âmbito dessa ação executiva.

33. Ora, uma vez mais salvo o devido respeito, não é nem pode ser esse o entendimento a retirar da letra e nem sequer do espírito da Portaria acima identificada e aceitar que assim fosse seria reconhecer às partes na execução legitimidade para contornar habilmente a lei sem que tal lhes traga quaisquer consequências.

34. O legislador da Portaria 282/2013 pretendeu com a mesma criar “um sistema simples e claro, que não dê azo a dúvidas de interpretação e a aplicações díspares.“

35. Foi essa a intenção do legislador que nos preâmbulos das Portarias 282/2013 e 225/2013 fez constar a sua intenção de que “o regime seja tão simples e claro quanto possível.” Acrescentando que “Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, fatores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas. “

36. O legislador expressamente refletiu sobre a possibilidade da existência de um nexo causal entre o trabalho do agente de execução e o resultado, como consta dos preâmbulos das Portarias 282/2013 e 225/2013, que traduziu na lei pela inserção de um n.º 12 no atual artigo 50.º.

37. É essa a única exceção criada ao sistema – de aferição puramente matemática – que não seria “um sistema simples e claro, que não dê azo a dúvidas de interpretação e a aplicações díspares.“ se, caso a caso, tivesse de ser aferida a relação causa efeito entre o trabalho da Agente de Execução e o resultado obtido.

38. A intenção do legislador foi a de simplificar e a interpretação defendida na decisão recorrida não só contraria tal intenção como legitima que os Tribunais passem a ser inundados de uma miríade de incidentes para discutir as notas de honorários do agente de execução sobre este prisma da causalidade e sua medida, contrariamente àquela que é a intenção declarada do legislador de simplificar e acabar com a possibilidade de interpretações dispares.

39. Ainda que assim não se entenda, no caso dos autos, considerando que a quantia exequenda estava garantida pela caução prestada, que nessa caução a Executada incluiu o valor da retribuição adicional da Agente de Execução, que os Embargos de Executado foram julgados improcedentes, deve ser aplicada da figura do abuso de direito para corrigir a situação de injustiça gritante!

40. A interpretação feita na decisão recorrida, além de violar o disposto no artigo 50º da Portaria 282/2013, é inconstitucional por retirar à Agente de Execução o direito a receber uma retribuição condigna pelo seu trabalho, violando assim o artigo 59º da CPR.

41. Pois que a interpretação defendida na decisão recorrida, assim como qualquer outra que retire à Agente de Execução a parte variável da sua retribuição, deixa-o sem uma retribuição condigna pelo trabalho e - muitas vezes – sem qualquer retribuição (condigna ou não), em violação do artigo 59.º da CRP.

Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve, data vénia, ser dado provimento ao presente recurso revogando o Acórdão recorrido, nos termos e pelos motivos supra referidos, como é de justiça!!!!

17. Por seu turno, a Executada/Recorrida, BB, apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões:

I - A Recorrente procedeu à apresentação do recurso de revista no âmbito dos presentes autos de execução, sem atender ao disposto no artº. 854º. do CPC;

II - Com efeito, decorre do mencionado normativo legal que a possibilidade de interposição de recurso de revista no âmbito do processo executivo é bastante mais restrita do que o que se verifica no âmbito das ações declarativas, dado que o recurso de em questão apenas poderá ter lugar nos (i) procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, (ii) de verificação e graduação de créditos e (iii) no caso de oposição deduzida contra a execução;

III - Ora, para além destes casos, apenas é admissível o recurso de revista nas situações em que o recurso é sempre admissível e as quais se encontram elencadas nos artºs. 671º., nº. 2 e 629º., nº. 2 do CPC;

IV - Sucede, porém, que o recurso em apreço não é reconduzível a nenhuma das referidas situações, sendo por isso a sua interposição manifestamente inadmissível;

V - Termos em que deverá o mesmo ser liminarmente rejeitado, porquanto o tribunal ad quem se encontra impedido de conhecer o seu respetivo objeto;

VI - Sem conceder, diga-se ainda, que a Recorrente não deu cumprimento ao ónus de alegação que sobre si impendia por força do artº. 639º. do CPC,

VII - Pois que, analisadas as alegações de recurso, verifica-se que a Recorrente procede nas suas conclusões à cópia integral das alegações que as antecedem,

VIII - Inexistindo, assim, qualquer esforço síntese da Recorrente relativamente aos fundamentos do recurso;

IX - Nesta medida e conforme o disposto no artº. 641º., nº. 2, alínea b), do CPC, deverá o mesmo ser rejeitado pelo tribunal ad quem;

X - Sem prescindir, diga-se também, que analisado o requerimento de interposição de recurso, verifica-se que existe um erro quanto à indicação dos efeitos do recurso, pois que a Recorrente requereu que fosse fixado ao presente recurso efeito suspensivo;

XI - Sucede, porém, que nos ternos do artº. 676º., nº. 1 do CPC, apenas poderá ser atribuído efeito suspensivo, quando o recurso de revista versar sobre matérias relativas ao estado das pessoas;

XII - Assim, caso venha a ser admitido o presente recurso de revista – o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona-, apenas lhe poderá ser fixado efeito meramente devolutivo;

XIII - Sem conceder, refira-se que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento, porquanto,

XIV - A Recorrente não tem direito ao pagamento de qualquer quantia a título de remuneração adicional, pois que tal retribuição se encontra condicionada à existência de um nexo de causalidade entre a atuação do agente de execução e a recuperação ou garantia da quantia exequenda;

XV - Com efeito, dispõe o artº. 50º., nº.5, alínea a), da Portaria nº. 282/2013, de 29 de agosto, que nos processos executivos para pagamento de quantia certa é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função dos montantes recuperados ou garantidos;

XVI - A ratio legis da norma em apreço é premiar a eficácia e eficiência do agente de execução na recuperação ou garantia dos créditos, cujo pagamento é peticionado, pelo que o direito à remuneração adicional não opera de forma automática, estando dependente do efetivo contributo do agente de execução na recuperação ou garantia da quantia exequenda.

XVII -   Tal conclusão, de resto, é corroborada quer pelo Anexo VIII da Portaria nº. 283/2013, de 29 de agosto que refere que o valor da remuneração adicional do agente de execução destina-se a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução,

XVIII -     Mas também pelo preâmbulo do mencionado diploma legal que refere que com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação;

XIX -    Assim, sendo forçoso concluir que o critério de atribuição da remuneração adicional ao agente de execução não tem apenas uma dimensão negativa – a de apenas não ser devida a remuneração variável quando não haja valores pagos ou garantidos -, mas também uma clara dimensão positiva, apenas devendo ser devida essa remuneração quando tenha correspondência na atividade desenvolvida, nomeadamente através da obtenção de pagamentos ou garantias, pelo agente de execução e na própria execução;

XX - Caso assim não fosse, admitir-se-ia que a Recorrente lograsse obter, por tal via, o pagamento de um montante manifestamente desproporcional à sua reduzida intervenção nos autos;

XXI - A qual, de resto, se reconduz à citação da Recorrida para no prazo de 20 dias proceder ao pagamento da quantia exequenda ou proceder à apresentação de oposição mediante embargos de executado,

XXII -  Não tendo, por isso, realizado quaisquer diligências de penhora que possam fundamentar o direito à remuneração adicional peticionada;

XXIII -   Ainda para mais, quando a causa de extinção dos presentes autos foi a desistência pela Exequente do pedido formulado, pelo que nenhum valor foi pago no âmbito destes autos, o que corresponde formalmente ao reconhecimento da inexistência do direito a que se arrogava.

XXIV -   Assim, extinguindo-se o processo sem que tenha ocorrido qualquer pagamento, nem tendo a Recorrente concorrido para a prestação da garantia bancária nos autos, não se compreende como pode arrogar-se no direito ao pagamento de qualquer remuneração adicional;

XXV -    Por outro lado, refira-se também que in casu tão pouco se poderá considerar existir qualquer montante garantido, porquanto na sequência da apresentação do requerimento de desistência da execução e antes de cessada a suspensão do processo, a Exequente expressamente consentiu na devolução e posterior cancelamento da garantia bancária entregue pela Recorrente à ordem do tribunal;

XXVI -  De igual forma, ter-se-á de concluir pela inconstitucionalidade do artº. 50º., nº. 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria 282/2013, quando interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir uma remuneração adicional de € 42.937,54, quando a sua única atuação foi proceder à citação da Recorrente para pagar ou opor-se à execução através da apresentação dos respetivos Embargos de Executado!

XXVII - Com efeito, uma tal interpretação, sempre será inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de Direito democrático, consignado no artº. 2º. da CRP,

XXVIII - Sendo, igualmente violadora do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, expressamente consagrado no artº. 20º. da CRP, porquanto o próprio exequente, em face do custo que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens, cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para tal pagamento;

XXIX - Pelo que, ao contrário do que alega a Recorrente, andou bem o tribunal a quo ao julgar totalmente procedente o recurso de apelação apresentado pela aqui Recorrida;

XXX - Resultando, de forma clara e inequívoca dos autos, que não há qualquer interpretação errónea da norma ou violação do direito à remuneração da Recorrente.

XXXI - Por outro lado, alega a Recorrente que a Recorrida age em abuso de direito;

XXXII - Todavia e apesar de alegar uma situação de abuso de direito, a Recorrente nem sequer especifica qual a vertente a que se reconduz a referida atuação;

XXXIII - Ora, dispõe o artº. 334º., do CC, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito;

XXXIV - Resultando, assim, do supra mencionado normativo legal que será abusivo o exercício de um direito se o mesmo (i) atentar contra a boa fé (ii) ofender os bons costumes ou (iii) for exercido com outra finalidade que não a atribuída pelo legislador;

XXXV - Todavia, para que se esteja perante uma situação de abuso de direito é necessário que o direito em causa seja exercido de forma manifestamente desproporcional e contrário aos princípios básicos do sistema, o que in casu não se verifica,

XXXVI - Pois que, a Recorrida se limitou a reagir contra a pretensão da Recorrente, no sentido de se proceder ao acionamento da garantia bancária nº. ..., para pagamento do valor total da nota discriminativa de honorários e custas da agente de execução;

XXXVII - De igual modo e contrariamente ao alegado pela Recorrente, o acórdão recorrido não é suscetível de colocar em crise o direito a uma retribuição condigna, expressamente prevista no artº. 59º., nº. 1, alínea 1) da CRP.

XXXVII I- Inversamente, a decisão em causa é a única que permite uma articulação entre o referido direito e o Princípio do Estado de Direito Democrático e do Direito de Acesso aos Tribunais e à Tutela Jurisdicional Efetiva, expressamente previstos nos artºs. 2º. e 20º., nº. 4 da CRP;

XXXIX - Por tudo quanto vem exposto, andou bem o tribunal ao quo ao conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrida, com a consequente revogação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que julgou improcedente a reclamação da nota de honorários e despesas de agente de execução, apresentada pela Recorrente.

Nestes termos e demais de Direito deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Assim se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

18. Ao abrigo dos arts. 652.º, n.º 1, al. a), in fine, e 639.º, n.º 3, ex vi do art. 679.º do CPC, a 12 de dezembro de 2021, a Relatora proferiu o seguinte despacho:

Nos termos expostos, ao abrigo dos arts. 652.º, n.º 1, al. a), in fine, e 639.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por remissão do art. 679.º – por analogia -, convida-se a Recorrente CC a aperfeiçoar/completar, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso na parte afetada, as conclusões das respetivas alegações:

(i) selecionando um acórdão fundamento do Tribunal da Relação sobre a questão de direito a apreciar;

(ii) cuja certidão, com nota de trânsito em julgado, deverá ser junta dentro do mesmo prazo.

        Notifiquem-se as partes.

        Sem custas.

19. A Senhora Agente de Execução juntou as conclusões das respetivas alegações depois de aperfeiçoadas/completadas, assim como certidão, com nota de trânsito em julgado, do acórdão-fundamento – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de janeiro de 2018, proc. n.º 3559/16.7T8PRT-B.P1 - que considera em oposição com o acórdão recorrido.

20. Por sua vez, a Executada, defendendo a falta de contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, pugna pela rejeição do recurso.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

a) (in)admissibilidade do recurso;

b) se a remuneração adicional do agente de execução apenas é devida quando a recuperação da quantia exequenda haja tido lugar na sequência de diligências por si promovidas ou, também, quando a dívida seja voluntariamente satisfeita ou garantida sem a sua intervenção.

II – Fundamentação

A) De Facto

Relevam os factos referidos supra.

B) De Direito

1. Está em causa um recurso de revista interposto pela Senhora Agente de Execução, CC, do acórdão do Tribunal da Relação ... de 16 de dezembro de 2020 que, revogando a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, apresenta ao seguinte segmento decisório:

Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso interposto pela Executada BB e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida de modo que os honorários da Agente de Execução não integrem a remuneração adicional que foi impugnada recursivamente.”

2. Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância, mediante o despacho datado de 23 de junho de 2020 (referência “Citius” n.º ...), decidiu, “por ilegitimidade e por falta de fundamento” indeferir o requerimento de reclamação da conta/nota discriminativa de honorários da Senhora Agente de Execução apresentado pela Executada, BB.

3. Não conformada com a decisão do Tribunal da Relação ..., a Senhora Agente de Execução, CC, interpôs o recurso de revista em apreço, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela repristinação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

(In)admissibilidade do recurso

1. Dizendo o acórdão recorrido respeito a uma decisão prolatada no âmbito de um processo de execução, a admissibilidade do recurso de revista encontra-se sujeita ao disposto no art. 854.º do CPC. Este preceito veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no caso sub judice, salvo se o respetivo fundamento assentar em alguma das hipóteses em que o recurso é sempre admissível.

2. Na verdade, de acordo com a interpretação que tem sido feita do art. 854.º do CPC, não cabe revista (a não ser nos casos em que o recurso é sempre admissível) dos acórdãos do Tribunal da Relação que, em sede de ação executiva, não respeitem a recursos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução[1].

3. Por outro lado, incidindo a decisão impugnada sobre uma decisão do Tribunal de 1.ª Instância de natureza interlocutória (não final), que versa sobre matéria adjetiva – proferida após desistência do pedido por parte da Exequente (cf. requerimento de 6 de maio de 2020) -, a sua recorribilidade encontra-se limitada às situações previstas no art. 671.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC.

4. Efetivamente, à luz do art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC, afigura-se admissível, a título excecional, o recurso de revista de acórdãos do Tribunal da Relação que recaiam sobre decisões interlocutórias do Tribunal de 1.ª Instância de caráter adjetivo nos casos em que o recurso é sempre admissível (art. 629.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas) [2].

5. Apesar de não ter indicado as normas ao abrigo das quais interpõe o presente recurso, a Recorrente não deixou de elencar, sob o n.º 15.º das conclusões das suas alegações, três acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 11 de janeiro de 2007, de 11 de janeiro de 2018 e de 2 de junho de 2016, que pretensamente se encontram em oposição com a decisão recorrida no que respeita à questão de saber se, nos termos do art. 50.º, n.os 5, 6, al. b), e 12, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, a “remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução” (cf. n.º 6.º das mesmas conclusões) - podendo aqui identificar-se a “questão fundamental de direito” em dissídio. Pode, nesta sede, enquadrar-se a pretensão recursória no âmbito dos arts. 671.º, n.º 2, al. a), e 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.

6. Note-se, a este propósito, que o Supremo Tribunal de Justiça[3] admitiu, com base nas referidas normas, o recurso de revista interposto de decisão do Tribunal da Relação ... que, revogando a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, decidiu que o Recorrente não tinha direito à remuneração adicional prevista no art. 50.º da Portaria n.º 282/13.

7. Na verdade, na medida em que abrange as situações reguladas pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, a remissão genérica contida no art. 671.º, n.º 2, al. a), do mesmo corpo de normas, vale “para os acórdãos da Relação sobre decisões da 1.ª instância (finais ou interlocutórias, de direito material ou adjetivo) em contradição com outro acórdão da Relação, quando o recurso de revista esteja afastado por disposição legal não atinente ao valor da causa[4]  – como sucede in casu, uma vez que a decisão foi proferida no âmbito de um processo executivo.

8. Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação ... é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (em virtude da remissão estabelecida no art. 671.º, n.º 2, al. a)), pois esta norma permite a interposição de recurso de revista nos casos em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça se encontra vedado por razões estranhas à alçada do Tribunal da Relação. I.e., este preceito é apenas aplicável às situações em que, sendo o recurso de revista admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida pela lei. É, justamente, conforme mencionado supra, o caso dos autos.

9. De acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, a admissibilidade do recurso de revista em caso de oposição de julgados, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

(i) o não cabimento de recurso ordinário impugnativo do acórdão recorrido por motivo alheio à alçada do Tribunal;

(ii) a existência de, pelo menos, dois acórdãos em efetiva oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo por objeto idêntico núcleo factual;

(iii) a anterioridade do acórdão fundamento, já transitado em julgado; e

(iv) a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça[5].

10. Assim, nestes casos, em ordem à admissibilidade do recurso de revista, é necessário:

(i) que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal alheios à alçada da Relação, já que se o valor da ação for inferior a €30.000,00 ou a sucumbência não atingir o montante de €15.000,00 o recurso de revista não é admissível;

(ii) que se verifique identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento (do Tribunal da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça); “não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória[6];

(iii) que a contradição seja frontal e não meramente pressuposta ou implícita, apenas relevando a oposição concernente a uma questão de direito que apresente natureza essencial para o resultado alcançado em ambos os acórdãos e não uma divergência que tão somente respeite a elementos sem caráter determinante ou se refira a meros obiter dicta;

(iv) que a divergência se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico;

(v) que o acórdão recorrido não tenha acatado solução adotada em sede de uniformização de jurisprudência[7].

11. Como requisitos de ordem formal do requerimento de interposição do recurso, compete ao recorrente invocar a contradição jurisprudencial motivadora do recurso de revista, nos termos do art. 637.º, n.º 2, do CPC, juntando cópia do acórdão fundamento (do Tribunal da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça) já transitado em julgado.

12. No caso sub judice, verificam-se os requisitos gerais de recorribilidade, pois que o valor da causa é superior a €30.000,00 e o da sucumbência ultrapassa o montante de €15.000,00.

13. Por outro lado, foram adequadamente preenchidos os pressupostos de ordem formal relativos ao requerimento de interposição do recurso.

14. Importa, pois, analisar os restantes requisitos de admissibilidade da revista, previstos no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.

15. A Recorrente identifica, ainda que imperfeitamente, uma divergência essencial entre as duas decisões – a do acórdão recorrido e aquela do acórdão fundamento - no que respeita à questão de saber se a remuneração adicional do agente de execução apenas é devida quando a recuperação da quantia exequenda haja tido lugar na sequência de diligências por si promovidas ou, também, quando a dívida seja voluntariamente satisfeita ou garantida sem a sua intervenção.

16. Efetivamente, pressuposto fundamental de admissibilidade do recurso em apreço é a existência de uma contradição decisória entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Não se afigura necessário que os julgados em contradição se revelem frontalmente opostos, sendo suficiente que as soluções adotadas sejam diferentes, que não sejam as mesmas. Importa, pois, que as decisões - e não os respetivos fundamentos – versem sobre a mesma questão de direito, e que esta haja sido objeto de decisão tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

17. Este requisito verifica-se no caso em apreço: enquanto no acórdão fundamento se decidiu que a remuneração adicional do agente de execução é sempre devida desde que haja satisfação ou garantia do crédito exequendo, exceto nos casos previstos no art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, no acórdão recorrido decidiu-se que a atribuição da remuneração adicional depende da existência como que de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva.

18. Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem relevância determinante.

19. Também este pressuposto se encontra preenchido no caso sub judice: a diferente resposta dada no acórdão fundamento e no acórdão recorrido à questão jurídica em causa conduziu a diferentes soluções.

20. Exige-se ainda a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, das mesmas normas ou institutos jurídicos, devendo as soluções em confronto, necessariamente divergentes, respaldar-se no “domínio da mesma legislação”.

21. Resulta da matéria de facto considerada como provada que tanto no acórdão fundamento como no acórdão recorrido está em causa um processo executivo, cuja diferente tramitação não se afigura relevante para a (in)admissibilidade, no caso dos autos, do recurso interposto pela Senhora Agente de Execução. A base factual subjacente ao caso em apreço não se afigura-se, pois, essencialmente diversa daquela do acórdão fundamento.

22. Por último, tanto o acórdão fundamento como o acórdão recorrido foram proferidos no domínio da mesma legislação.

23. Conclui-se, assim, pela admissibilidade do recurso de revista interposto pela Senhora Agente de Execução, CC.

Se a remuneração adicional do agente de execução apenas é devida quando a recuperação da quantia exequenda haja tido lugar na sequência de diligências por si promovidas ou, também, quando a dívida seja voluntariamente satisfeita ou garantida sem a sua intervenção

1. A Recorrente insurge-se, pois, contra a decisão do Tribunal da Relação ... que, no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa em que a Exequente veio desistir do pedido na sequência da prestação de caução por parte da Executada, lhe negou a atribuição da remuneração adicional prevista no do art. 50.º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013. O aresto impugnado considerou que, assumindo a remuneração adicional uma função de prémio – ou de incentivo e de recompensa pelos resultados obtidos – da atividade desenvolvida na lide executiva, o direito a essa remuneração depende da existência de um “nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo agente de execução e os proveitos da execução.”

2. Conforme o art. 173.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro – doravante EOSAG):

O agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem”, e, no n.º 2 que, “As tarifas previstas no número anterior podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de atividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a atuação do agente de execução”.

3. Por sua vez, a Portaria n.º 282/2013 prevê diversas regras, gerais e especiais, sobre os honorários e o reembolso das despesas do agente de execução. No âmbito das regras gerais, de acordo como o art. 43.º, “O agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria”. Conforme o art. 45.º, n.º 1.º, “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado” e, segundo o n.º 2.º, “O autor ou exequente que, por sua iniciativa, requeira ao agente de execução a prática de atos não compreendidos na remuneração fixa prevista na tabela do anexo VII da presente portaria é exclusivamente responsável pelo pagamento dos honorários e despesas incorridas com a prática dos mesmos, não podendo reclamar o seu pagamento ao executado exceto quando os atos praticados atinjam efetivamente o seu fim”. Por seu turno, de acordo com o n.º 3, “No caso previsto na parte final do número anterior, o executado apenas é responsável pelo pagamento dos atos que efetivamente atingiram o seu fim”, acrescentando o n.º 4 que “O agente de execução que, por sua iniciativa, pratique atos desnecessários, inúteis ou dilatórios, é responsável pelos mesmos, não podendo reclamar a qualquer das partes o pagamento de honorários ou despesas incorridas em virtude da sua prática”.

4. Por seu turno, o art. 50.º da mesma Portaria estabelece uma disciplina especial composta por diversos segmentos normativos, que podem suscitar algumas dificuldades interpretativas. Assim, conforme o preceito referido:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos. 2 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que não haja lugar a citação prévia do executado e se verifique após a consulta às bases de dados que não existem bens penhoráveis ou que o executado foi declarado insolvente, caso o exequente desista da instância no prazo de 10 dias contados da notificação do resultado das consultas apenas é devido ao agente de execução o pagamento de 0,75 UC. 3 - Quando o exequente requeira a realização de atos que ultrapassem os limites previstos nos pontos 1 e 2 da tabela do anexo VII da presente portaria, são devidos pelo exequente pela realização dos novos atos os seguintes valores: a) 0,25 UC por citação ou notificação sob forma de citação por via postal, efetivamente concretizada; b) 0,05 UC por notificação por via postal ou citação eletrónica; c) 0,5 UC por ato externo concretizado (designadamente, penhora, citação, afixação de edital, apreensão de bem, assistência a abertura de propostas no tribunal); d) 0,25 UC por ato externo frustrado. 4 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, quando haja lugar à entrega coerciva de bem ao adquirente, o agente de execução tem direito ao pagamento de 1 UC, a suportar pelo adquirente, que poderá reclamar o seu reembolso ao executado. 5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido; b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar. 6 - Para os efeitos do presente artigo, entende -se por: a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. 7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor. 8 - Em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas atualizada tendo em consideração o valor efetivamente recuperado, afetando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito. 9 - O cálculo da remuneração adicional efetua -se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante. 11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução. 12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional. 13 - Havendo lugar à sustação da execução nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos. 14 - Nos casos de delegação para a prática de ato determinado, e salvo acordo em contrário entre os agentes de execução, o agente de execução delegado tem direito ao pagamento, a efetuar pelo agente de execução delegante, de 0,75 UC por ato externo realizado. 15 - Havendo substituição do agente de execução, que não resulte de falta que lhe seja imputável ou de delegação total do processo, o agente de execução substituído e o substituto devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado no processo. 16 - Em caso de conflito, entre os agentes de execução, na repartição do valor da remuneração adicional, a Câmara dos Solicitadores designa um árbitro para a resolução do mesmo.

5. O art. 50.º da Portaria n.º 282/2013 distingue, pois, entre remuneração fixa (n.os 1-4) e remuneração variável (n.os 5-16), estabelecendo para elas regras diferentes: enquanto o valor da primeira se determina mediante o recurso ao Anexo VII, o da segunda define-se com base no Anexo VIII.

6. A questão em apreço não tem sido, todavia, objeto de uma resposta pacífica por parte da jurisprudência das Relações, como, de resto, se depreende da recensão apresentada no acórdão recorrido.

7. De um lado, entende-se que “a remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução”[8]. O agente de execução tem direito à remuneração adicional ainda que a extinção da execução resulte de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou, até, de ato do próprio credor (desistência da execução). Para fundamentar esta posição, invocam-se os elementos teleológico (retirado da exposição de motivos da Portaria n.º 282/2013) e gramatical da interpretação da lei, assim como a natureza mista da remuneração do agente de execução[9].

8. De outro lado, a posição atualmente dominante considera, tal como o acórdão recorrido, que a atribuição da remuneração adicional depende da existência como que de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva – i.e., a cobrança ou garantia do crédito exequendo[10]. Deve, pois, aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua “eficiência e eficácia”.

9. Importa referir ainda uma posição como que intermédia ou mitigada, segundo a qual, desde que hajam sido efetuadas no processo executivo diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado obtido, ainda que por acordo das partes, deve presumidamente ser considerado como ocorrendo na sequência da atividade desenvolvida pelo agente de execução[11].

10. Segundo o Supremo Tribunal de Justiça[12], em caso de a ação findar com a celebração, pelas partes, de um acordo de pagamento:

I - Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a remuneração adicional prevista na Portaria nº 282/2013, desde que haja produto recuperado ou apreendido, nos termos do art. 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que para o resultado contribuíram as diligências promovidas pelo agente de execução; II – O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido intervenção directa nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação, na qual foi acordado o valor da dívida e as condições de pagamento.”

11. Pode dizer-se que a remuneração adicional ou variável do agente de execução visa premiá-lo pela “eficiência e eficácia” na recuperação ou garantia do crédito exequendo (quanto mais cedo esta ocorrer, maior será, em termos relativos, a remuneração adicional)[13].

12. Tal como afirma a Recorrente nas suas alegações, o art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, apenas exclui expressamente o direito à remuneração adicional nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. Omite, ao disciplinar o regime aplicável a tal remuneração adicional, o estabelecimento de qualquer outro fator condicionante do recebimento da remuneração adicional, como seja a existência de uma contribuição causal – direta ou tão somente indireta - do agente de execução para o sucesso do pleito executivo.

13. Contudo, interpretar consiste em retirar do texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica, pois que o enunciado linguístico, que é a letra da lei, é apenas um significante, portador de um sentido (espírito) para que nos remete[14].

14. O texto constitui o ponto de partida da interpretação (art. 9.º, n.º 1, e n.º 2, do CC). O intérprete deve, em princípio, optar por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no pressuposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento (art. 9.º, n.º 3, do CC).

15. O elemento racional ou teleológico da interpretação da lei (art. 9.º, n.º 1, do CC) consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste objetivo constitui um auxílio da maior relevância para determinar o sentido com que a norma deve valer. O esclarecimento da ratio legis revela a "valoração" ou ponderação dos diversos interesses em jogo que a norma regula e, por conseguinte, o peso relativo dos mesmos interesses, a preferência de um deles em detrimento do outro traduzida na solução consagrada na norma.

16. Deste modo, reveste-se, nesta sede, de particular relevância, levar em devida linha de conta a razão de ser da referida distinção entre remuneração fixa e variável.

17. De acordo com o preâmbulo da Portaria n.º 282/2013:

“(…) procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes” (sublinhado nosso); “com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação”.

18. Segundo o acórdão recorrido:

“A remuneração fixa ou funcional visa compensar o trabalho de acordo com o ofício desempenhado, independentemente dos resultados, estando os encargos dessa retribuição previamente firmados, caracterizando-se pela sua inflexibilidade. A remuneração variável ocorre em função dos resultados, habilidades ou competências, integrando elementos distintos, havendo uma componente base e uma componente de incentivos, podendo ainda integrar uma componente de benefícios (v.g. seguros de vida, saúde, subsídio de refeições). Por último, podemos ter ainda uma remuneração estratégica, que possibilita uma combinação equilibrada dos distintos modos de remuneração anteriormente assinalados, mas alinhando os mesmos com as finalidades corporativas ou organizacionais, atendendo-se aos proveitos obtidos pelo grupo e não apenas pessoalmente, mas diferenciando a participação individual. E esta assenta nos seguintes pilares: equidade e consistência remuneratória (i), de acordo com as responsabilidades atribuídas e capacidades demonstradas; alinhamento com a estratégia corporativa (ii), permitindo um nível sustentável de desempenho; competitividade (iii), de modo a proporcionar a escolha do mérito; valorização do desempenho em função dos resultados (iv), governação clara e coerente dos procedimentos (v)”.

19. A previsão da atribuição da referida remuneração na sequência das diligências empreendidas pelo agente de execução permite concluir que essa retribuição pressupõe o desenvolvimento de uma atividade deste profissional funcionalmente orientada ao sucesso da execução[15].

20. A descoberta desta "racionalidade" inspiradora do legislador na fixação do regime jurídico da remuneração adicional do agente de execução permite definir o alcance da norma do art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, como abrangendo também a falta de contribuição causal do agente de execução para o êxito do pleito como causa de exclusão dessa remuneração.

21. No que toca ao elemento sistemático, deve levar-se em linha de conta a norma enquanto harmonicamente integrada na unidade do sistema jurídico (art. 9.º, n.º 1, do CC). Está em causa o princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Baseia-se no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem, por princípio, a um pensamento unitário[16].

22. Deste modo, importa levar em devida linha de conta que o legislador estabelece regras de cálculo da retribuição adicional que não abstraem da concreta intervenção do agente de execução para o sucesso da lide executiva.

23. De acordo com o art. 173.º, n.º 2, do EOSAE, a remuneração variável do agente de execução encontra-se “dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos” com a sua atuação. Variando a remuneração adicional em função do valor recuperado ou garantido, do momento processual em que o montante é recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (art. 50.º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013), o respetivo cálculo efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII (art. 50.º, n.º 9). De resto, o legislador, em função do sucesso integral da lide executiva - traduzido na obtenção da totalidade do crédito exequendo subsequente à realização de diligências de penhora -, pretendeu garantir um valor mínimo de remuneração adicional ao agente de execução, correspondente a 1UC, num caso em que, pela aplicação das regras gerais, o montante dessa remuneração seria inferior (art. 50.º, n.º 10); e reduziu essa remuneração a metade nos casos em que atuação do agente de execução (v.g., através da realização de uma penhora) assume relevância secundária na realização coativa do crédito exequendo, considerando que o exequente, em momento prévio à instauração da execução, já era titular do direito de ser pago pelo valor do bem garantido com preferência sobre os demais credores que não dispusessem de garantia equivalente (art. 50.º, n.º 11).

24. Acresce que, no anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, o legislador refere que o valor da remuneração adicional do agente de execução se destina a premiar a “eficácia e eficiência” da recuperação ou garantia de créditos na execução.

25. A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos permite afirmar a exigência da verificação como que de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a realização (ainda que voluntária) do crédito exequendo enquanto requisito da remuneração adicional. O an e o quantum desta remuneração estão dependentes da atividade desenvolvida pelo agente de execução com vista à obtenção da quantia exequenda, surgindo o resultado dessa atividade como conditio sine qua non da mesma retribuição. Assim, o resultado obtido pelo exequente de modo alheio à atividade empreendida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo da sua parte, direto ou indireto, para a obtenção da quantia exequenda, não permite atribuir-lhe o direito à remuneração adicional.

26. Não pode, mediante o argumento a contrario, deduzir-se da disciplina estabelecida para certos casos no art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013 (“Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional”), um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma. Na verdade, não se mostra adequado, a partir da regra contida no art. 50.º, n.º 12, deduzir-se a contrario que os casos que ela não contempla na sua hipótese seguem um regime oposto. Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva. De qualquer modo, se tal preceito – reconhecimento do direito à remuneração adicional em todas as hipóteses não contempladas no art. 50.º, n.º 12 – se pudesses deduzir, a contrario, sempre careceria de uma redução teleológica. A norma restritiva seria, com efeito, exigida pelo fim da regulação. Só assim esse preceito, que se deduziria da regra contida no art. 50.º, n.º 12, concebido demasiado amplamente, se reconduziria e seria reduzido ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido do mesmo preceito. Tal resulta do imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual, de proceder às diferenciações postuladas pela valoração.

27. Por outro lado, a restrição de uma norma pela via da sua redução teleológica pode ser acompanhada da ampliação do âmbito de aplicação de outra norma. Por consequência, poderia, alternativamente, proceder-se à interpretação extensiva do art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013. Tratar-se-ia de uma extensão teleológica, pois que a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são diretamente abrangidos pela letra da lei mas são compreendidos pela finalidade da mesma. Está em causa a plena realização do fim da regra legal. Pretende-se também evitar uma contradição de valoração que não se afigura justificável.

28. Não pode igualmente descurar-se que “os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada [17].

29. Por último, em ordem à atribuição da remuneração adicional, a apreciação da relevância – atual ou potencial - da intervenção do agente de execução para a satisfação do crédito exequendo não pode deixar de ser casuística.

30. In casu, verificou-se a desistência do pedido por parte do Exequente, na sequência da prestação de caução pela Executada. Não resulta dos autos que a prestação de caução tenha ocorrido na sequência de qualquer atividade da Recorrente funcionalmente orientada à satisfação do crédito ou à sua garantia, não tendo a mesma – como, aliás, reconhece nas suas alegações de recurso – sequer chegado a realizar qualquer penhora. Da análise dos autos decorre que a sua atuação se limitou ao envio à Recorrida da respetiva carta de citação, não tendo praticado qualquer ato próprio da instância executiva.

31. Não podendo, por conseguinte, afirmar-se a existência como que de um qualquer nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela Recorrente e o valor garantido através da caução prestada pela Executada, não se encontram, por conseguinte, preenchidos os pressupostos de que depende a constituição do direito à retribuição adicional reclamada, no montante de € 42.937,54.

32. Em suma, a atividade da Senhora Agente de Execução não se reveste, in casu, de relevância – atual ou potencial - para o êxito da ação executiva por parte da Exequente. Por isso mesmo, não tem direito à remuneração adicional que reclama.

33. Refira-se, ainda, que, diferentemente do inculcado pela Recorrente, não se descortina qualquer exercício abusivo de um qualquer direito por parte da Executada ao discutir a retribuição adicional cujo montante incluiu na caução por si prestada. Não pode falar-se de exercício disfuncional, pela Executada, da sua posição jurídica: não atentando – e muito menos “manifestamente” - contra a “boa-fé”, os” bons costumes” ou o “fim económico ou social do direito” (art. 334.º do CC), não afeta, minime que seja, a axiologia imanente do sistema jurídico. É que a Recorrida limitou-se a adotar, compreensível e prudentemente, uma perspetiva maximalista do quantum das custas da execução associadas ao processo, de molde a assegurar a idoneidade da caução – art. 623.º, n.º 2, do CC - a prestar, mediante garantia autónoma, para a obtenção ou a suspensão de um efeito imediato relativamente a uma determinada situação jurídica: in casu, a suspensão da execução. De resto, a caução traduz-se na garantia imposta ou autorizada por lei para “assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada”.

34. Por fim, a Recorrente alega que a interpretação da lei feita na decisão recorrida é inconstitucional por privar a agente de execução do direito a uma retribuição condigna do seu trabalho, violando assim o art. 59.º da CPR.

35. Não lhe assiste, todavia, razão. Com efeito, o art. 59.º, n.º 1, al. a), da CRP, estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer uma justa retribuição do trabalho, devendo esta ser conforme à quantidade de trabalho (à sua duração e intensidade), assim como à sua natureza e qualidade[18]. No caso sub judice, a Recorrente não desenvolveu trabalho (em quantidade ou qualidade) suscetível de justificar a remuneração adicional que reclama, sendo certo que sempre será remunerada pela tramitação do processo e restantes atos praticados através da retribuição fixa prevista no art. 50.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013.

36. Como o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de mencionar[19], o que poderia revelar-se desconforme à Lei Fundamental, porque atentatório do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva (arts. 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1, da CRP), seria remunerar o agente de execução pela satisfação do interesse do credor-exequente, sem que aquele tivesse desempenhado qualquer atividade profissional relevante para o efeito.

37. Improcede, assim, a pretensão recursória da Recorrente CC.


IV - Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso de revista interposto pela Senhora Agente de Execução, CC, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 18-01-2022


Maria João Vaz Tomé (relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

________

[1] Cf., inter alia, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 1101/15.6T8PVZ.1.G1-A.S1; de 19 de setembro de 2019 (Nuno Pinto de Oliveira), proc. n.º 2878/09.3TBBRG-C.G1-A.S1; e de 29 de outubro de 2019 (Henrique Araújo), proc. n.º 23647/09.5T2SNT-B.L1.S2.
[2] Vide, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina. 2020, p. 406.
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2021 (Ferreira Lopes), proc. n.º 3252/17.3T8OER-E.L1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[4] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina. 2020, p. 407.
[5] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de março de 2019 (Rosa Tching), proc. n.º 99/16.8T8LLE-C.E1.S1.
[6] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p.61.
[7] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 74-75.
[8] Cf. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2 de junho de 2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), proc. n.º 5442/13.9TBMAI-B.P1; de 11 de janeiro de 2018 (Paulo Dias da Silva), proc. n.º 3559/16.7T8PRT-B.P1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de fevereiro de 2017 (Esagüy Martins), proc. n.º 24428/05.0YYLSB-F.L1-2; de 7 de novembro de 2019 (Anabela Calafate), proc. n.º 970/17.0T8AGH-A.L1-6 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[9] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de janeiro de 2018 (Paulo Dias da Silva), proc. n.º 3559/16.7T8PRT-B.P1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[10] Cf. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10 de janeiro de 2017 (Maria Cecília Agante), proc. n.º 15955/15.2T8PRT.P1; de 6 de maio de 2019 (Jorge Seabra), proc. n.º 130/16.7T8PRT.P1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt; do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de abril de 2019 (Manuel Capelo), proc. n.º 115/18.9T8CTB-G.C1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 2019 (Arlindo Crua), proc. n.º 6186/15.2T8LSB-A.L1-2; de 4 de fevereiro de 2020 (Diogo Ravara), proc. n.º  8177/17.0T8LSB.L1-7; de 6 de fevereiro de 2020 (Inês Moura), proc. n.º  3421/16.T8FNC.L1-2; de 25 de fevereiro de 2021 (Carlos Castelo Branco), proc. n.º 22785/19.0T8LSB-A.L1-2 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt; do Tribunal da Relação de Évora de 10 de outubro de 2019 (Florbela Moreira Lança), proc. n.º 1984/13.4TBABF.E1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[11] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de abril de 2020 (Albertina Pedroso), proc. n.º 252/14.9TBVRS-E.E1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[12] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2021 (Ferreira Lopes), proc. n.º 3559/16.7T8PRT-B.P1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[13] Cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, Lisboa, AFDL Editora, 2018, p. 95.
[14] Cfr. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, pp.175, 181-182.
[15] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de janeiro de 2017 (Maria Cecília Agante), proc. n.º 15955/15.2T8PRT.P1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[16] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p.183.
[17] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de fevereiro de 2020 (Inês Moura), proc. n.º 3421/16.T8FNC.L1-2 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[18] Cf. José Joaquim Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 772.
[19] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2021 (Ferreira Lopes), proc. n.º 3252/17.3T8OER-E.L1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.