Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2561/14.8T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª. SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO DE LUGANO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS
LUGAR DA PRESTAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 64.º, 96.º, ALÍNEA A), 97.º, N.º 1, 608.º, N.º 2.
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO DE LUGANO RELATIVA À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E CRIMINAL (JO DA UNIÃO EUROPEIA DE 21-12-2007, L-339): - ARTIGOS 2.º/1, 5.º, N.º 1, AL. B),
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 3-3-2005, PROC. N.º 05B316, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 10-5-2007, PROC. N.º 07B072, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 21-2-2008, PROC. N.º 4714/07;
-DE 5-4-2016, PROC. N.º 27630/13.8YIPRT-A.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA:

-DE 9-6-2011, PROCESSO C-87/10;
-DE 25-2-2010 (ANOTADO POR MARIA JOÃO FERNANDES, NA REVISTA O DIREITO, ANO 142.º, 2010, II, 371/384).
Sumário :
I - Os tribunais portugueses são incompetentes em razão da nacionalidade para conhecer de uma ação proposta contra sociedades e pessoas singulares, todos residentes na Suíça, visando a sua condenação no pagamento do preço de artigos de vestuário produzidos e confecionados pelo vendedor e destinados a Lausana - Confederação Helvética.

II - O contrato em causa deve ser qualificado, para os efeitos do art. 5.º, n.º 1, al. b), da Convenção de Lugano, contrato de compra e venda de bens, não relevando a circunstância de o comprador, ainda antes da embalagem dos produtos, ter efetuado um controlo de qualidade para se certificar da ausência de defeitos aparentes.

III - O critério a considerar, na falta de estipulação em contrário, para determinação do local de entrega dos bens objeto de venda a que alude o artigo art. 5.º, n.º 1, al. b), primeiro travessão da Convenção de Lugano de 2007, é o do lugar da entrega material dos bens ao comprador através do qual este adquire o poder de dispor efetivamente dos bens, não sendo de adotar o critério da entrega dos bens ao transportador.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA, Lda. com sede em Esposende propôs ação declarativa comum contra BB, SA, BB Holding, SA, CC, DD e EE, todos domiciliados na Suíça pedindo a sua condenação solidária no pagamento à A. de 2.018.696,18€ (dois milhões, dezoito mil seiscentos e noventa e seis euros e dezoito cêntimos) acrescido de juros de mora vencidos no valor de 62.676,50€ (sessenta e dois mil seiscentos e setenta e seis euros e cinquenta cêntimos); e bem assim pede a A. a sua condenação no pagamento de juros de mora vincendos a partir de 11-12-2014 (data em que a ação foi proposta) até efetivo e integral pagamento calculados à taxa aplicável às relações comerciais.

2. A A. fabricou artigos de vestuário que vendeu à ré BB, SA ao abrigo de contrato celebrado em 16 de outubro de 2006.

3. A ré não pagou as quantias reclamadas nas faturas juntas relativas a mercadorias vendidas constando das faturas o local de destino "BB, SA, Chemin …,28,CH-1052 - Le Mont-Sur-Lausanne,Switzerland.

4. Suscitada a questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou que, apesar de não se verificarem os pressupostos do pacto de jurisdição, os tribunais Suíços são internacionalmente competentes porque os bens foram entregues na sede da 1ª ré BB, SA.

5. O Tribunal da Relação considerou "provado que os bens foram entregues a um transitário que os levou para a Suíça, mais concretamente para a sede da ré BB, SA o que quer dizer que o local de entrega efetiva dos bens foi o do território do Estado Membro Suíço. Assim, o local para efeitos de conexão determinativa da competência internacional será o da sede da 1ª ré, na Suíça, mais concretamente em Lausana, como vem referenciado na petição inicial".

6. Desta decisão interpôs recurso a A. que apresentou as seguintes conclusões:

1.a - O Tribunal da Relação estava limitado à apreciação do pacto jurisdição que foi o objeto da decisão impugnada, sendo, por isso, nulo, na parte em que decidiu aplicar o artigo 5.° da Convenção de Lugano - vd. 2.a parte ai. d) n.° 1 art.º 615.° ex vi art.º 666.° CPC.

2.a - Na petição e na réplica (fls. 4 e fls. 1031) a recorrente afirmou que as peças de confeção eram fabricadas sob fiscalização da 1.ª ré e entregues a essa ré em Portugal, na pessoa do transitário contratado e pago pela mesma para as receber e transportar para a Suíça.

3.a - A recorrente era, pois, absolutamente alheia ao transporte das peças de confeção para a Suíça, que corria por conta e risco da 1.a ré, sendo, por isso, em Portugal o lugar onde as peças foram e deviam ser entregues - vd. 1 .a previsão al. b) n.º 1 art.º 5.° Convenção de Lugano.

4.a - O contrato celebrado entre a recorrente e a ré BB, S.A. (fls. 16) é um contrato de empreitada, pois que a recorrente se obrigava a confecionar determinadas peças de acordo com as especificações e condições definidas, e, por isso, tendo os serviços sido prestados em Portugal, o tribunal português é o competente - vd. 2.a previsão al. b) n.º 1 art.º 5 da Convenção de Lugano.

Em conformidade com as razões expostas deve conceder-se provimento à revista e por tal efeito:

- declarar-se a nulidade do douto acórdão impugnado na parte em que apreciou a competência do tribunal suíço ao abrigo da Convenção de Lugano

- e, consequentemente, conceder-se provimento à revista julgando-se competente o tribunal de Braga;

caso assim não se entenda, julgar-se procedente a revista declarando-se competente o tribunal de Braga.

7. Factos provados

1. A autora é uma sociedade comercial que tem sede em Portugal.

2. A 1.ª ré é uma sociedade comercial com sede na Suíça, sendo os demais réus pessoas coletivas e singulares, todos com domicílio na Suíça.

3. Consta da última folha do documento escrito denominado encargos, a que as partes se submeteram, uma declaração de acordo assinada pela autora, da qual consta após o local da assinatura, no fundo da página o seguinte: Foro jurídico: Lausanne - Suíça.

4. Este acordo foi celebrado a 16 de outubro de 2006 entre a autora e a ré BB S.A. em que foram apostas as condições a que as partes se obrigaram quanto à produção, entrega, pagamento do produto e outras, devidamente assinado pela autora e a ré BB SA.

5. O produto produzido pela autora era entregue a um transitário contratado pela ré BB SA. que o transportava para a sua sede.

6. O pagamento era feito através de transferência bancária para uma conta da autora numa agência bancária localizada em Portugal.

Apreciando

8. O Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou a incompetência internacional dos tribunais portugueses com base nas regras da Convenção de Lugano de 2007 e não por considerar verificado o pacto de jurisdição. Não está agora em discussão a competência dos tribunais portugueses ou suíços com base no pacto de jurisdição.

9. Suscita a recorrente questão de ordem processual - excesso de pronúncia (artigo 615.º/1, alínea d) do CPC 2013) - por se conhecer de questão, aliás não suscitada pelas partes (artigo 608.º/2 do CPC), da incompetência internacional dos tribunais portugueses, não com base no pacto de jurisdição, mas por aplicação das regras da Convenção.

10. Quanto a esta questão, refira-se, a apreciação da incompetência internacional dos tribunais portugueses é de conhecimento oficioso (artigos 64.º, 96.º, alínea a) e 97.º/1 do CPC) e, portanto, ainda que a questão não tivesse sido suscitada pelas partes, o Tribunal podia e devia dela conhecer conforme resulta do artigo 608.º/2 do CPC. Não estamos face sequer a uma questão nova, pois a questão que ao Tribunal cumprir resolver era a da incompetência internacional dos tribunais portugueses que, sendo oficiosa, abrange todas as razões ou argumentos que importem à decisão sobre a competência internacional dos tribunais portugueses. Improcedem as conclusões 1º e 2ª.

11. Já no plano de mérito respeitante à aludida exceção, a recorrente sustenta que era "absolutamente alheia ao transporte das peças de confeção para a Suíça, que corria por conta e risco da 1ª ré, sendo, por isso, em Portugal o lugar onde as peças foram e deviam ser entregues"; que alegou na petição e na réplica que " as peças de confeção eram fabricadas sob a fiscalização da 1º ré e entregues a essa ré em Portugal, na pessoa do transitário contratado e pago pela mesma para as receber e transportar para a Suíça".

12. A autora alegou que as encomendas eram fiscalizadas, na parte final do seu fabrico e antes de serem embaladas, pela sociedade EE - Portugal (EE) contratada pela ré BB para o efeito; só depois desse controlo é que a autora entregava as encomendas ao transitário contratado e pago pela ré que as transportava para a Suíça; o pagamento era efetuado no Banco Português de Investimento por transferência efetuada pela ré BB.

13. Considera, por isso, a recorrente que "o local de cumprimento da obrigação de entrega das encomendas por parte da autora era em Portugal. O local de entrega das mercadorias era, pois, o transitário em Portugal que, em rigor, funcionava como mandatário da ré BB, SA, recebendo as peças e dando-lhe o destino que entendesse".

14. A Convenção de Lugano relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e criminal (JO da União Europeia de 21-12-2007,L-339) prescreve, no artigo 2.º/1, que as " pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado".

15. Por sua vez o artigo 5.º prescreve o seguinte:

Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente convenção:

1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

— no caso da venda de bens, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

— no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) Se a alínea b) não se aplicar, será aplicável a alínea a).

16. O acórdão do Tribunal de Justiça de 9-6-2011, processo C-87/10, considerou que

"O artigo 5.°, n.º1, alínea b), primeiro travessão, do Regulamento (CE) n.º44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido que, em caso de venda à distância, o lugar onde as mercadorias foram ou deveriam ter sido entregues nos termos do contrato deve ser determinado com base nas disposições desse contrato.

No âmbito da análise sobre se o lugar de entrega é determinado «nos termos do contrato», o órgão jurisdicional nacional em causa deve ter em conta todos os termos e todas as cláusulas pertinentes desse contrato que permitam designar de maneira clara esse lugar, incluindo os termos e cláusulas geralmente reconhecidos e consagrados pelos usos do comércio internacional, como os «Incoterms» («international commercial terms»), elaborados pela Câmara de Comércio Internacional de Paris, na sua versão publicada em 2000.

Se for impossível determinar o lugar de entrega nesta base, sem recorrer ao direito material aplicável ao contrato, esse lugar é o do ato de entrega material das mercadorias, através do qual o comprador adquiriu ou devia ter adquirido o poder de dispor efetivamente dessas mercadorias no destino final da operação de venda"

17. Considerou-se ainda, nas conclusões apresentada em 3 de março de 2011 (conclusões da advogada-geral GG), que os princípios aplicados no acórdão Car Trim devem aplicar-se aos contratos de compra e venda, em geral, e não apenas à venda à distância, não fazendo o artigo 5.º/1, alínea b)

"qualquer distinção, nomeadamente entre a venda à distância e os restantes contratos de compra e venda" […] Na impossibilidade de determinar o lugar da entrega com base na convenção conclusiva em si mesma celebrada pelas partes, deve, como no acórdão Car Trim, proceder-se de acordo com a' designação pragmática do lugar de cumprimento' assente em critérios factuais e deve ter-se em conta o lugar da entrega material dos bens ao comprador, através da qual este adquire o poder de dispor efetivamente desses bens […].

18. Salienta-se ainda que " o destino final da operação de venda", utilizado no acórdão Car Trim, se trata do lugar onde

" os bens que constituem o objeto material do contrato devem estar, em princípio, […] depois do cumprimento desse contrato através da entrega material ao comprador. Daqui se conclui, por um lado, que a entrega dos bens ao transportador (distinto da pessoa do comprador) não determina o lugar da entrega. Do ponto de vista do Tribunal de Justiça, a operação de venda só termina com a entrega material ao comprador"

19. O referenciado acórdão Car Trim - acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de fevereiro de 2010 (anotado em O Direito, ano 142.º, 2010, II, por Maria João Matias Fernandes, pág. 371/384 - havia considerado que

1)  O artigo 5.°, n.º1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que os contratos cujo objeto é a entrega de bens a fabricar ou a produzir, mesmo que o comprador tenha formulado determinadas exigências relativas à obtenção, à transformação e à entrega dos bens, sem que os materiais tenham sido por este fornecidos, e mesmo que o fornecedor seja responsável pela qualidade e conformidade com o contrato da mercadoria, devem ser qualificados de «venda de bens» na aceção do artigo 5.°, n.º1, alínea b), primeiro travessão, do regulamento.

2)  O artigo 5.°, n.º1, alínea b), primeiro travessão, do Regulamento n.º44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de venda à distância, o lugar onde as mercadorias foram ou devam ser entregues por força do contrato deve ser determinado com fundamento nas disposições desse contrato. Se for impossível determinar o lugar de entrega com esse fundamento, sem fazer referência ao direito material aplicável ao contrato, esse lugar é o da entrega material dos bens pela qual o comprador adquiriu ou devia ter adquirido o poder de dispor efetivamente desses bens no destino final da operação de venda.

20. À luz desta jurisprudência, analisando agora os termos do contrato conforme o peticionado, constata-se que em parte alguma a A. sustentou que a ré tivesse fornecido materiais, não relevando a circunstância de a ré, em conformidade com o caderno de encargos que propôs à autora e que esta aceitou, ter fiscalizado as encomendas na parte final do seu fabrico antes da embalagem.

21. Esse controlo de qualidade não implicava sequer, por parte da ré, a renúncia a qualquer reclamação respeitante a defeito constatado após receção das mercadorias. Com efeito, no aludido caderno de encargos, refere-se que " o controlo de qualidade deverá ser feito obrigatoriamente na fonte, antes da receção das encomendas pelas BB SA […] O fornecedor é responsável pelos defeitos ocultos verificados após a entrega durante um prazo de até 6 meses após a receção do artigo pela BB, SA".

22. A entrega material dos produtos verificou-se na Suíça no local mencionado nas próprias faturas.

23. Não decorrendo do contrato - por dele não constar nenhuma disposição - o lugar de entrega dos produtos encomendados e excluindo o artigo 5.º/1, alínea b) " o recurso às regras de direito internacional privado do Estado membro do foro assim como ao direito material que, por força daquele, seria aplicável" - o critério autónomo que consta desta alínea b) carece de ser fixado.

24. O Tribunal de Justiça entre dois critérios - o da entrega material do bem ao comprador e o da entrega do bem ao primeiro transportador - optou pelo primeiro dos indicados critérios por ter um elevado grau de certeza jurídica, respondendo "ao objetivo de proximidade, na medida em que assegura a existência de uma conexão estreita entre o contrato e o tribunal chamado a conhecer dele", importando recordar " que os bens, que constituem o objeto material do contrato, devem estar, em princípio, nesse lugar, depois do cumprimento desse contrato. Além disso, o objetivo fundamental de um contrato de compra e venda é a transferência destes, do vendedor para o comprador, operação que só se completa no momento da chegada dos referidos bens ao seu destino final".

25. A jurisprudência portuguesa vem assumindo orientação similar.

26. Assim, o acórdão de 3-3-2005 (rel. Salvador da Costa) in www.dgsi.pt 05B316 entendeu o seguinte:

1. O Regulamento CE nº 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, entrou em vigor no dia 1 de março de 2002 e aplica-se às ações judiciais intentadas depois disso, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, salvo a Dinamarca, prevalecendo sobre as sua regras de competência internacional dos tribunais de origem interna.

2. A alínea b) do nº 1 do artigo 5º do referido Regulamento, inspirada pelas ideias de a obrigação característica do contrato de compra e venda ser a do vendedor, da necessidade de foro alternativo em razão do vínculo entre a jurisdição e o litígio e de atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro, não consagra presunção simples ou ilidível.

3. O normativo mencionado sob 2 abrange, salvo convenção em contrário, qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a de pagamento da contrapartida monetária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objeto mediato.

4. Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da ação de condenação envolvente de duas sociedades comerciais, uma portuguesa e outra espanhola, na qual a primeira pede contra a segunda o pagamento do preço, que devia ser pago por esta àquela em Portugal, relativo a um contrato de compra de coisas que deviam ser entregues em Espanha.

27. Veja-se ainda o acórdão de 10-5-2007 (rel. Gil Roque) in www. dgsi.pt 07B072:

"Na determinação da competência judiciária internacional relativamente a ação, fundada no incumprimento de contrato celebrado entre uma sociedade fornecedora portuguesa (autora), contra uma sociedade espanhola (ré), que encomendara as mercadorias, cujo local de entrega final era a Espanha, são aplicáveis os arts. 2.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, al. b), do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12, dos quais resulta serem os tribunais espanhóis os competentes".

28. Neste acórdão, em que estava em causa o pagamento do preço de produtos fabricados em Portugal a uma empresa espanhola, considerou-se que o contrato seria sempre qualificável de compra e venda à luz da própria lei portuguesa. Veja-se:

"Não tem razão a autora recorrida quando defende que o elemento prevalente do contrato de fornecimento em apreço nos autos é a prestação de serviços. Na verdade, os contratos em questão, ditos de fornecimento, reconduzem-se, tanto no ordenamento jurídico português (cf. art. 874.° do CC), como no ordenamento jurídico espanhol (cf. art. 1445.° do Código Civil Espanhol) a contratos de compra e venda, com a obrigação por parte da autora de entrega dos bens - por si fabricados - e com a obrigação por parte da ré de pagamento do respetivo preço (12).

Efetivamente, muito embora as vendas digam respeito a peças fabricadas pela autora, por encomenda da ré, o núcleo essencial dos negócios, radica, conforme alegado na petição inicial, no fornecimento de determinadas mercadorias, discriminadas nas faturas juntas aos autos. Veja-se, aliás, que não foi faturada uma qualquer prestação de serviços, mas as próprias peças de metal encomendadas.

Estamos, pois, na presente ação, perante contratos de compra e venda (internacional), em que é vendedora uma sociedade portuguesa (a autora) e é compradora uma sociedade espanhola (a ré), alegadamente não cumpridos por esta, designadamente quanto à obrigação de pagar o preço das mercadorias, que aquela fabricou e forneceu.

Logo, na determinação da competência judiciária, é aqui aplicável o art. 5.°, n.º 1, do Regulamento, nos termos do qual é (facultativamente) competente o tribunal do "lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão" - al. a) -, explicitando-se - na ai. b) - que no caso da venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues."

29. O acórdão do STJ de 21-2-2008, rel. Duarte Soares, agravo 4714/07 houve por irrelevantes "as vicissitudes do trânsito da mercadoria até chegar ao destino que foi efetivamente a sede da ré, sita na Bélgica".

30. O Ac. do STJ de 5-4-2016 (rel. Fonseca Ramos) salienta que

"tendo uma empresa comercial, ora ré, com sede em França, contratado com uma empresa com sede em Portugal, a autora, o fabrico de caixilharia que foi entregue em França nos termos por elas convencionados e sendo a causa de pedir o incumprimento pela ré do pagamento do preço, avultando na economia do contrato a obrigação da entrega da coisa, tendo em conta o conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação, contemplado no art. 5º, nº1, b) do Regulamento (CE) nº44/2001, do Conselho de 22 de dezembro de 2000, e os termos do contrato, a competência internacional radica na jurisdição francesa, sendo materialmente incompetente o tribunal português onde a ação foi proposta".

Improcede a revista

Concluindo:

I - Os tribunais portugueses são incompetentes em razão da nacionalidade para conhecer de uma ação proposta contra sociedades e pessoas singulares, todos residentes na Suíça, visando a sua condenação no pagamento do preço de artigos de vestuário produzidos e confecionados pelo vendedor e destinados a Lausana - Confederação Helvética.

II - O contrato em causa deve ser qualificado, para os efeitos do artigo 5.º/1, alínea b) da Convenção de Lugano, contrato de compra e venda de bens, não relevando a circunstância de o comprador, ainda antes da embalagem dos produtos, ter efetuado um controlo de qualidade para se certificar da ausência de defeitos aparentes.

III - O critério a considerar, na falta de estipulação em contrário, para determinação do local de entrega dos bens objeto de venda a que alude o artigo 5.º /1, alínea b), primeiro travessão da Convenção de Lugano de 2007, é o do lugar da entrega material dos bens ao comprador através do qual este adquire o poder de dispor efetivamente dos bens, não sendo de adotar o critério da entrega dos bens ao transportador.

Decisão:

Nega-se a revista

Custas pela recorrente

Lisboa, 22-9-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso