Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4160/20.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. No caso dos autos, o acórdão recorrido ponderou o “dano biológico” na acepção de consequência patrimonial da incapacidade geral aferida em função das Tabelas de IGPDC.

II. Não sendo, em regra, possível calcular a indemnização pela perda da capacidade geral de ganho através da aplicação da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do CC, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

III. Nessa fixação, os factores essenciais a ter em conta podem ser assim elencados: (i) idade do lesado à data do sinistro; (ii) esperança média de vida do lesado à data do acidente; (iii) índice de incapacidade geral permanente do lesado; (iv) potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (v) conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação.

IV. Quanto ao factor (iv) considera-se que, ainda que, à data do sinistro, com 33 anos, o lesado auferisse valor remuneratório inferior ao salário mínimo, não se afigura aceitável configurar que, ao longo dos mais de 40 anos de vida expectável, as suas potencialidades de ganho, tanto no exercício de actividade profissional como no exercício de outras actividades complementares com valor económico, não fossem além da remuneração mínima.

V. Quanto ao factor (v), e perante a factualidade provada, de acordo com a qual o lesado é «trabalhador independente no ramo de “comerciante de peixe-distribuidor”», ficando a padecer de «queixas permanentes e irreversíveis», tais como «dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos»; «dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo», não pode senão considerar-se que tais limitações físicas irão, com elevada probabilidade, originar a diminuição da sua capacidade de trabalho e, concomitantemente, traduzir-se numa perda de ganho indemnizável.

VI. Impondo-se reponderar os factores enunciados como (iv) e (v) em sentido mais favorável ao autor lesado, e atendendo a que, em sede de recurso de revista, o mesmo autor pretende apenas que o montante fixado pelas instâncias (€6.500,00) seja aumentado para €20.000,00, considera-se ser este um valor mais adequado a ressarcir o denominado “dano biológico”, na acepção de perda de capacidade geral de ganho.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. AA instaurou contra Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente Generali, S.A.), a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, com fundamento em responsabilidade civil por acidente de viação, formulando os seguintes pedidos:

«A. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos, de montante nunca inferior a € 71.062,33 (setenta e um mil e sessenta e dois euros e trinta e três cêntimos);

B. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização a acrescer à primeira e referida em A., e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:

a) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Ortopedia, Fisiatria e Cirurgia Plástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas;

b) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico (duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas;

c) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa - anti-inflamatórios, antidepressivos e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

d) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajudas técnicas para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

e) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e intervenções plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

f) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas;

g) Decorrentes do futuro agravamento do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica;

h) Decorrentes do futuro agravamento da Incapacidade Permanente Parcial;

i) Montantes esses, atualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação ou execução de sentença a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros.

C. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor:

a) Pela apresentação por parte da Ré ao Autor de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré ao Autor (€ 3.857,11) e os montantes que vierem a ser fixados na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1, ou seja, desde 20/02/2018, (data do envio ao Autor por parte da Ré da proposta de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor), ou contados desde a data da citação da Ré, ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e sempre até efetivo e integral pagamento, ou, caso assim o não entenda:

b) Deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e sempre até efetivo e integral pagamento.».

2. A R. contestou, reconhecendo a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes do acidente, mas impugnando os danos alegados pelo A..

3. Por sentença de 4 de Julho de 2021 foi proferida a seguinte decisão:

«Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se a Ré GENERALI a pagar ao Autor AA:

i) A quantia indemnizatória de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), para compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a citação até integral pagamento;

ii) A quantia indemnizatória de € 9.000,00 (nove mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, à taxa legal de juros de 4%, desde a citação até integral pagamento;

iii) Uma indemnização cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente aos gastos relacionados com a necessidade de realização de intervenção cirúrgica aludida em 41º, dos factos provados;

iv) Absolve-se a Ré do restante peticionado.».

4. Inconformado, interpôs o A. recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo a R. apresentado recurso subordinado.

5. Por acórdão de 13.01.2022 foi decidido o seguinte:

«Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do A., aumentando para 12.000,00 (doze mil euros) a indemnização devida por danos não patrimoniais e absolvendo a Ré do pagamento da quantia que se apurasse em incidente de liquidação respeitante ao valor da operação ao A. para retirada do material de osteossíntese, mantendo no restante a decisão de primeira instância.».

Assinale-se que, apesar de esta decisão afirmar apenas que julga parcialmente procedente a apelação do A., ao decidir absolver «a Ré do pagamento da quantia que se apurasse em incidente de liquidação respeitante ao valor da operação ao A. para retirada do material de osteossíntese», constata-se que julgou também parcialmente procedente a apelação da R..


6. Veio o A. interpor recurso de revista, por via normal e por via excepcional.  

Interpôs a R. recurso de revista subordinado.

Após diversas vicissitudes resultantes da necessidade de apreciar a questão da admissibilidade de ambos os recursos à luz da orientação fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 7/2022, publicado no Diário da República, Iª Série, de 18.10.2022, vieram os mesmos recursos a ser admitidos para conhecer (apenas) das seguintes questões:

- Da impugnação pelo A. do segmento decisório de não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do A.;

- Da impugnação, tanto pelo A. como pela R., do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório (€ 9.500,00) a atribuir ao A. a título de reparação do “dano biológico”; o que implicaria conhecer previamente da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão do erro de julgamento relativamente ao ponto 40. da matéria dada como provada.

7. Por acórdão de 19.01.2023 deste Supremo Tribunal foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar improcedente o recurso do autor, na parte em que impugna o segmento decisório do acórdão recorrido de não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do autor.

b) Julgar parcialmente procedente o recurso da ré, na parte em que suscita a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores:

(i) Conhecer da impugnação do ponto 40. da matéria de facto apresentada no recurso de apelação da ré; e

(ii) Proferir decisão de direito em conformidade.


Custas do recurso do autor pelo recorrente.

Custas da acção e do recurso da ré a final.».


8. Baixados os autos ao tribunal a quo, foi exarado despacho a informar que, oportunamente, a arguida nulidade do acórdão da Relação fora reconhecida por acórdão da conferência, que, colmatando tal nulidade, conheceu da impugnação do ponto 40. da matéria de facto, julgando-a improcedente e mantendo a decisão de direito proferida pela Relação.


II – Questão prévia

Constatando-se padecer o acórdão proferido em 19.01.2023 de lapso manifesto, procede-se à sua correcção, dando sem efeito o ponto b) da respectiva decisão e passando a apreciar-se a questão da impugnação, tanto pelo A. como pela R., do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório (€ 9.500,00) a atribuir ao A. a título de reparação do “dano biológico”.

Dá-se também sem efeito a decisão de custas do mesmo acórdão.


III – Fundamentação de facto

Foram dados como provados os factos seguintes:

1º. No passado dia 19.09.2017, cerca das 14h20m, na rua ..., junto ao Café ..., sita na freguesia ..., ..., ocorreu um embate, no qual intervieram os seguintes veículos automóveis:

- Um veículo ligeiro, de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-PM-.., conduzido por BB, e

- Um motociclo, de passageiros, de serviço particular, com o número de matricula ..-..-UZ, conduzido pelo Autor.

2º. Entre aquela BB e a seguradora Açoreana Seguros, S.A., foi celebrado um acordo de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº ...04, mediante o qual se transferiu para aquela seguradora a respetiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo do veículo ligeiro, de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-PM-.., pelos danos causados a terceiros.

3º. Em 30.12.2016, a Açoreana Seguros, S.A., foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A..

4º. Na mesma data, a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. alterou a sua denominação social para Seguradoras Unidas, S.A., a qual foi mais tarde modificada para Generali Seguros, S.A..

5º. O Autor, à data do embate, tinha 33 (trinta e três) anos de idade, tendo nascido a .../.../1983.

6º. No dia, hora e local mencionados em 1.º, a via pública da rua ..., junto ao Café ..., na freguesia ..., ..., dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, um no sentido de marcha rua .../Etar ... e outro no sentido de marcha contrário Etar .../rua ....

7º. Nessa data, o Autor circulava com o motociclo matrícula ..-..-UZ, na rua ..., junto ao Café ..., na freguesia ..., ..., no sentido de marcha rua .../Etar ..., isto atento o seu sentido de marcha.

8º. O Autor tinha o capacete de proteção colocado na sua cabeça.

9º. O Autor conduzia o motociclo matrícula ..-..-UZ dentro da sua metade direita da faixa de rodagem, junto à berma direita.

10º. No mesmo dia, hora e local acima mencionados, mas em sentido de marcha contrário, circulava o veículo automóvel de matrícula ..-PM-...

11º. A condutora do veículo matrícula ..-PM-.., ao chegar junto do Café ... existente do seu lado direito e encontrando-se um veículo automóvel estacionado na berma direita da referida rua ... junto ao referido Café, e atento o seu sentido de marcha          (Etar .../rua ...), pretendendo contornar/ultrapassar esse veículo estacionado.

12º. E sem ter previamente verificado que não circulava nenhum outro veículo automóvel em sentido contrário ao seu, sem se aproximar do eixo da via e sem para o efeito acender e manter ligado o sinal luminoso de mudança de direção do lado esquerdo, sem reduzir a velocidade que vinha imprimindo ao veículo por si conduzido, sem imobilizar a sua marcha junto ao eixo da via e sem assinalar a sua presença,

13º. Fletiu e guinou o veículo por si conduzido à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, saindo assim da sua meia faixa de rodagem (mão de trânsito), transpondo dessa forma o eixo da via, passando dessa forma a circular pela metade da faixa de rodagem esquerda contrária à sua, iniciando assim a manobra de ultrapassagem ao referido veículo automóvel estacionado na berma direita da rua ....

14º. Dessa forma, em ato contínuo, o veículo automóvel de matrícula ..-PM- .. invadiu e passou assim a circular dentro da metade esquerda da faixa de rodagem contrária aquela que competia à sua mão de trânsito e por onde circulava previamente e em sentido oposto ao seu o motociclo conduzido pelo Autor.

15º. A condutora do veículo automóvel de matrícula ..-PM-.. obstruiu a meia faixa de rodagem contrária àquela que competia à sua mão de trânsito, cortando assim a passagem e o sentido de marcha (linha de trânsito) do motociclo conduzido pelo Autor.

16º. Acabando por embater com a sua parte frontal esquerda e parte lateral esquerda da frente (espelho retrovisor exterior esquerdo) na parte frontal esquerda e parte lateral esquerda da frente (punho/manete esquerda do guiador e membro superior esquerdo do Autor) do motociclo matrícula ..-..-UZ.

17º. Bem como ainda e em ato contínuo, acabou o veículo segurado na Ré por projetar quer o motociclo matrícula ..-..-UZ, quer o corpo do próprio Autor, contra um muro em pedra delimitador de uma propriedade com o n.º de policia ...02 existente do lado direito da rua ... atento o sentido de marcha do Autor.

18º. Embatendo o punho direito do guiador do motociclo conduzido pelo Autor, bem como o lado direito do corpo do Autor contra esse mesmo muro, provocando-lhe lesões a nível do ombro e membro superiores direitos.

19º. Mercê da projeção e embate do lado direito do motociclo matrícula ..-..-UZ contra o muro, o punho direito do motociclo conduzido pelo Autor acelerou e rodou até ao limite máximo, ficando colado, tendo aquele caído no chão, continuado a circular sozinho pela hemifaixa de rodagem até se imobilizar uns metros mais à frente.

20º. O Autor, ao avistar o veículo de matrícula ..-PM-.., não teve tempo nem espaço para diminuir a sua velocidade, travar e encostar-se o mais possível para a sua direita, atento o seu sentido de marcha.

21º. O embate deu-se dentro da metade esquerda da faixa de rodagem.

22º. O Autor, após o embate, ficou imobilizado e caído dentro da hemifaixa de rodagem direita da rua ..., junto à berma direita da mesma, atento o seu sentido de marcha.

23º. O veículo de matrícula ..-PM-.., após o embate, ficou imobilizado dentro da hemifaixa de rodagem esquerda, contrária à sua mão de trânsito, atento o seu sentido de marcha (Etar .../rua ...).

24º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,00 m (sete metros), dispondo cada hemifaixa de rodagem de uma largura de cerca de 3m50cm (três metros e cinquenta centímetros) por referência ao ponto A) mencionado na participação do auto policial.

25º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate e atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-PM-.., constituía uma forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 50/100 (cinquenta/cem) metros de extensão.

26º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate, era ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.

27º. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da rua ... encontrava-se regular e em bom estado de conservação.

28º. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da rua ... encontrava-se seco.

29º. O Autor, como consequência do embate, foi transportado do local do embate para o Serviço de Urgência ..., sito em ..., onde deu entrada no dia 19.09.2017.

30º. O Autor foi internado e examinado, apresentando:

- Ferida na região medial do braço superficial;

- Traumatismo do ombro direito;

- Traumatismo do membro superior direito; e

- Fratura da diáfise do úmero direita, no terço médio, com desvio.

31º. O Autor, nesse Centro Hospitalar, foi radiografado, tendo sido detetada a fratura aludida no item anterior.

32º. O Autor, nesse Centro Hospitalar, em 26.09.2017, foi operado para colocação de placa de osteossíntese.

33º. O Autor teve alta hospitalar para o domicílio no dia 27.09.2017, sendo orientado para cuidados no centro de saúde local para continuidade de cuidados a ferida cirúrgica.

34º. O Autor, após a sua alta hospitalar e durante cerca de um mês, andou com o braço direito imobilizado ao peito durante cerca de um mês.

35º. O Autor, em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas, após a sua alta hospitalar, por conta, a mando e expensas da Ré, de 18.12.2017 e até 04.01.2018, foi seguido e acompanhado no Hospital ..., em fisiatria, tendo realizado cerca de 20 sessões de fisioterapia.

36º. O Autor, após a sua alta hospitalar, a partir de 15.10.2017 e até 14.02.2018 passou a ser acompanhado e prosseguiu os tratamentos médicos por conta, a mando e expensas da Ré nos serviços clínicos no Hospital de ... no P....

37º. O Autor teve alta dos serviços clínicos da Ré em 14.02.2018.

38º. As lesões sofridas pelo Autor atingiram a consolidação médico legal em 14.02.2018.

39º. O Autor, no dia 13.10.2017, foi observado e submetido a um relatório inicial de avaliação por conta da Ré, com o conteúdo que consta de fls. 47 a 48.

40º. O Autor apesar da assistência médica e medicamentosa que recebeu, ficou a padecer das seguintes queixas permanentes e irreversíveis:

- Queixas a nível funcional: desconforto ligeiro no decúbito lateral direito no descanso noturno, com prejuízo da qualidade do sono por dificuldade em encontrar uma posição ótima para dormir; dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos; parestesias no membro superior direito durante o período noturno;

- Queixas a nível situacional: deixou de pegar e levantar grandes pesos, assim com realizar trabalhos com os braços elevados; frequentava o ginásio (quase todos os dias) e jogava futebol com os amigos aos fins de semana e graças às sequelas vê-se agora limitado nessas atividades desportivas e de lazer;

- Vida profissional ou de formação: dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo;

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: ligeiro desnível de ombros (D<E), cicatriz cirúrgica vertical com 18 x 0,5 cm na face lateral posterior do braço e cicatriz com 3 cm na face interna do terço proximal do braço; cicatriz com 2 cm na base do polegar direito; rigidez ligeira do ombro direito com elevação e abdução a mais de 130º; rotações e extensão sem alterações de relevo; cotovelo com boas mobilidades; consegue levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades significativas; polegar, auricular e restantes dedos da mão direita com boas mobilidades, não dolorosas e simétricas.

41º. O Autor poderá vir a ser sujeito à cirurgia de extração do material de osteossíntese, necessitando da assistência médica e medicamentosa conexionada com essa cirurgia.

42º. O Autor, em virtude das lesões sofridas e das sequelas causadas pelo embate, padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 (três) pontos.

43º. O défice funcional de que o Autor padece são compatíveis com o exercício da sua habitual atividade profissional, mas implicam esforços acrescidos.

44º. O Autor, à data do embate e ainda atualmente, exercia, e exerce, a atividade de trabalhador independente no ramo de “comerciante de peixe-distribuidor”.

45º. O Autor fiscalmente e pelo exercício da sua atividade de trabalhador independente de “comerciante de peixe – distribuidor” encontra-se inserido no regime simplificado de IRS.

46º. O Autor declarou junto dos serviços fiscais, no ano de 2016, um rendimento de € 15.659,88 a título de vendas de mercadorias e produtos.

47º. O Autor esteve incapaz para o exercício da sua profissão no período compreendido entre 19.09.2017 e até 14.12.2018, num total de 149 dias, tendo deixado de auferir a quantia líquida de € 972,17.

48º. O Autor durante o referido período de incapacidade recebeu da Segurança Social a quantia de € 665,71 a título de concessão provisória de subsídio de doença.

49º. O Autor despendeu quantia não apurada (mas inferior a € 500,00) na realização da avaliação conducente ao relatório de avaliação de fls. 49 a 57, efetuada a seu pedido.

50º. O Autor, para receber assistência, teve necessidade de efetuar várias deslocações.

51º. O Autor, em consequência das lesões, sofreu dores durante todo o tempo que mediou entre o embate, o internamento hospitalar, os tratamentos médicos, a intervenção cirúrgica, os tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetido, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, o período de incapacidade temporária absoluta e a sua recuperação ainda que parcial até à data da consolidação médico-legal das lesões sofridos em consequência do mesmo.

52º. O quantum doloris sofrido pelo Autor foi fixado no grau 4/7, numa escala crescente de 1 a 7.

53º. O Autor, antes e à data do embate, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável e trabalhadora.

54º. O Autor ficou triste com as lesões e sequelas com que restou.

55º. As cicatrizes com que o Autor ficou causam-lhe inibição, o que é causa de um prejuízo estético fixável em grau 2 numa escala crescente de 1 a 7.

56º. Em consequência das sequelas, o Autor deixou de fazer alguns exercícios de ginásio (que implicam a mobilidade dos membros superiores), o que é causa de uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer no grau 1 numa escala crescente de 1 a 7.

57º. A Ré dirigiu ao Autor uma carta datada de 13.10.2017, subscrita por CC, na qual sob a epígrafe “S/Refª. Data Acidente: 19-09-2017 – N/Refª. 100 Processo: ...02 - Apólice: ...04”, comunicou o seguinte:

“Exmo Senhor

Em cumprimento do disposto na alínea a) do Nº.1° do Artº.37° do Decreto Lei 291/2007, informamos que não pretendemos proceder ao exame de avaliação do dano corporal sofrido por V. Exa..

Não obstante e no sentido de complementarmos a instrução do nosso processo, agradecemos que V. Exa. nos remeta os elementos clínicos que tiver em seu poder, relativos às lesões que sofreu.

Sem mais de momento, subscrevemo-nos com elevada consideração

Pela seguradora

CC”

58º. Na carta datada de 20.02.2018 e nessa mesma data endereçada pela Ré ao Autor e por este rececionada, subscrita por DD, na qual sob a epígrafe “S/Refª. Data Acidente: 19-09-2017 – N/Refª. Processo: ...02 – Apólice ...04”:

“Exmo. Senhor,

Reportamo-nos ao sinistro acima indicado.

Após a Alta Clínica que ocorreu em 14.02.2018 e atendendo a que estão reunidas as condições necessárias para se proceder à regularização do presente sinistro, informamos V. Exa. que estamos na disponibilidade de lhe liquidar, para finalização do processo, o montante de 3.857,11€, calculado de acordo com os critérios estabelecidos na Portaria 377/08 de 26 de maio e respectivas actualizações, valor este que corresponde a:

- Internamento hospitalar: 366,30€;

- Dano Estético (2 pontos): 1.775,94€; - Quantum Doloris (4 pontos):887,96€;

- Dano Biológico (IPP 1 ponto): 826,91€.

Nesta conformidade, ficamos a aguardar a anuência de V. Exa., a fim de procedermos à emissão do respectivo recibo de indemnização.

Sem mais de momento, subscrevemo-nos com elevada consideração, Pela Seguradora

DD”

59º. A Ré procedeu ao pagamento ao Autor, das seguintes quantias, nas seguintes datas, a título de perdas salariais, despesas médicas, medicamentosas, deslocações e outras despesas:

- € 1.622,77, em 31.01.2018; - € 380,20, em 19.02.2018;

- € 222,90, em 19.02.2018; e - 120,00, em 26.02.2018.

60º. A Ré procedeu ao pagamento junto do proprietário do motociclo matrícula ..-..-UZ à indemnização devida a título de danos materiais causados nesse veículo.

61º. A Ré procedeu ao pagamento das despesas hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar ao Autor.

62º. A ocorrência do embate foi comunicada à Ré pelo seu segurado, dentro do prazo de 8 dias a contar do dia da ocorrência do mesmo.

63º. O Autor através do seu Il. Mandatário, por mail enviado para a Ré Seguradora em 31.07.2020 pelas 17 horas 18 minutos e pela mesma rececionado na mesma data, com cópia das perícias de avaliação do dano corporal em direito civil direito do trabalho e da declaração de IRS do Autor relativa aos rendimentos auferidos pelo mesmo no ano de 2016 junta aos presentes autos, apresentou por escrito à Ré Seguradora o seguinte:

“EXMOS SENHORES

SEGURADORAS UNIDAS, S.A.

Rua ... ... P...

AO CUIDADO DE ... Perito Liquidatário

Departamento de Sinistros Acompanhamento de Sinistrados Rua ...

... P... Tel....07/...06 ... ...

DATA: 31/07/2020.

ASSUNTO: ACIDENTE DE VIAÇÃO OCORRIDO EM 19/09/2017. V/REF: PROCESSO N.º ...01/002 - APOLICE N.º ...04 N/REF: AA.

Processo: 4160/20.... Referência: ...96

N/REF: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO FINAL por conta dos danos corporais

(danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de agosto.

Exm.os Senhores.

Os meus cordiais cumprimentos.

Na sequência do sinistro acima referenciado, incumbiu-me o meu constituinte AA de apresentar juntos dos vossos serviços um pedido de indemnização final por conta dos danos corporais (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de agosto, pelos seguintes valores:

Danos patrimoniais: Perda de Capacidade de Ganho: IPP de 5,91%: 1.034,94€ x 12 meses = 12.419,34€ x 5,91% de IPP = 733,98€ x 37 Anos Esperança de Vida Ativa (70 – 33) = 27.500,00€;

2. Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 4 pontos: 659,38€ x 12 meses = 9.231,32€ x 4 Défice Funcional = 461,56€ x 47 Anos Esperança Media de Vida (80 – 41) = 25.000,00€;

3. Danos não patrimoniais: 30.000,00€; 4. Despesas médicas: 500,00€.

5. Despesas com deslocações: 500,00€. ELEMENTOS DE CÁLCULO:

A data da consolidação Médico-Legal das lesões é fixável em 14/2/2018. Período de Défice funcional Temporário Total fixável em 7 dias.

Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 141 dias. Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável em 148 dias.

Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos.

Incapacidade permanente parcial (IPP) atribuível a este acidente fixável em 5,91 %;

As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, exigindo, contudo, esforços acrescidos.

h) Quantum Doloris fixável no grau 4/7.

i) Dano Estético Permanente fixável em grau 3/7.

j) Repercussão nas Actividades de Desporto e de Lazer Prejuízo de Afirmação Pessoal

fixável em grau 2/7.

k) Categoria profissional: Empresário/Comerciante; l) Salário Ilíquido auferido:1.034,94€

m) Esperança média de vida: 47 anos tendo em conta a idade de 33 anos (80 – 33);

n) Esperança de vida: 37 anos tendo em conta a idade de 33 anos (70 – 33);

DOCUMENTOS EM ANEXO:

Relatório de Avaliação do Corporal em Direito Civil; Relatório de Avaliação do Corporal em Direito do Trabalho; Declaração de IRS de 2016;

Cópia da procuração forense que me foi outorgada pelo meu constituinte. Grato pela atenção dispensada e aguardando por prezada resposta,

subscrevo-me. Atenciosamente.

O Advogado ao dispor. EE”

Factos dados como não provados os factos seguintes:

a) O Autor conduzia o motociclo, imprimindo ao mesmo a velocidade calculada entre os 30/40 Km/horários, com as luzes de cruzamento (médios) acesas (ligadas).

b) A condutora do veículo de matrícula ..-PM-.. circulava a velocidade superior a 50/60 km/h.

c) O Autor retomou o seu trabalho apenas em 06.03.2018, ficando de baixa médica emitida pela médica de família, após a alta dada pelos serviços clínicos da Ré, entre 15.02.2018 e 06.03.2018.

d) O Autor, no ano de 2016, declarou ter percebido um rendimento de € 7.137,31 a título de prestações de serviços (comerciante de peixe distribuidor).

e) O Autor, à data do embate, pelo exercício da sua categoria profissional de “trabalhador independente “comerciante de peixe – distribuidor” auferia uma retribuição anual na ordem dos € 8.128,10.

f) O Autor sofreu perdas líquidas, durante o período de incapacidade para o trabalho, superiores às mencionadas em 47º.

g) O Autor, em virtude do embate a que se alude em 1.º, ficou a padecer de lesões e sequelas, para além das referidas em 40º, 43º, 55º e 56º, bem como de um défice funcional superior ao indicado em 42º.

h) O défice funcional de que o Autor padece poderá reduzir o período de vida ativa do Autor.

i) É previsível que o défice funcional de que o Autor padece se venha a agravar com o decurso dos anos durante toda a sua vida e em função da habitual atividade profissional do Autor de “comerciante de peixe – distribuidor” e outras categorias profissionais semelhantes.

j) Salvo o referido em 41º, o Autor necessitará e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria, fisiatria e cirurgia plástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas.

k) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro de realizar tratamento fisiátrico (duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas.

l) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa – anti-inflamatórios, antidepressivos e analgésicos – para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

m) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajudas técnicas para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

n) Salvo o referido em 41º, o Autor terá necessidade no futuro de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e intervenções plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

o) Salvo o referido em 41º, o Autor terá necessidade no futuro de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas.

p) O recurso a uma ou várias operações cirúrgicas plásticas às referidas cicatrizes não eliminará na totalidade as mesmas.

q) O Autor tem dificuldades em dormir por se recordar, sob a forma de pesadelos recorrentes, do embate.

r) O Autor em consequência das lesões, padeceu e ainda atualmente de alterações de humor e irritabilidade para com os seus pais, familiares, amigos, esposa e colegas de trabalho.

s) O Autor, atualmente e desde a data da ocorrência do embate, devido às lesões sofridas e às sequelas atuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

t) Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

u) O Autor, por forças das lesões sofridas em virtude do embate, teve necessidade de ser submetido a vários tratamentos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efetuar vários exames clínicos, nas quais despendeu até à presente data a quantia, de cerca de € 500,00.

v) O Autor realizou despesas de deslocação para além das suportadas pela Ré.


IV – Fundamentação de direito


1. No presente acórdão, está apenas em causa apreciar da impugnação, tanto pelo A. como pela R., do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório (€ 9.500,00) a atribuir ao A. a título de reparação do denominado “dano biológico”.

A respeito deste conceito, e nas palavras da relatora do presente acórdão (in «O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo», in Julgar, n.º 46 (2022), págs. 268 e seg.,), assinale-se que:

«Coexistem na doutrina e na jurisprudência diferentes acepções de dano biológico. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, actualmente o significado com que mais frequentemente tal expressão é usada é aquele que correspondente à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil. Mas este significado coexiste com outros, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica. É, por isso, conveniente que, ao fazer-se uso da dita expressão (seja num texto de índole doutrinal seja numa decisão judicial), se comece por definir a acepção em que a mesma é utilizada.».

No caso dos autos, e ainda que, em abstracto, a Relação tenha afirmado que o “dano biológico” pode incluir tanto uma dimensão patrimonial como uma dimensão não patrimonial, em concreto, ao aderir plenamente à fundamentação da 1ª instância a respeito da indemnização por tal categoria de dano – afirmando que se entende «adequada a quantia fixada na primeira instância para ressarcir este dano, sendo certo que na mesma foram tidos em conta, a idade do Autor à data do acidente, o tempo provável de vida, os rendimentos auferidos e o grau de incapacidade de que o mesmo padece» – ponderou o “dano biológico” na referida acepção mais comum de consequência patrimonial da incapacidade geral, incapacidade esta aferida em função das Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil.

Sobre os critérios indemnizatórios, e na linha da fundamentação dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 16.03.2017 (proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1), de 25.05.2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 06.12.2017 (proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1), de 29.10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1) e de 22.01.2022 (proc. n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1) e de 24.02.2022 (proc. n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, considera-se que:

«Não sendo, em regra, possível calcular a indemnização pela perda da capacidade geral de ganho através da aplicação da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do Código Civil, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. Considera-se que os factores essenciais a ter em conta podem ser assim elencados:

(i) Idade do lesado à data do sinistro;

(ii) Esperança média de vida do lesado à data do acidente;

(iii) Índice de incapacidade geral permanente do lesado, fixado segundo as Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil;

(iv) Potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;

(v) Conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação.». (Maria da Graça Trigo, ob. cit., pág. 267).

Mais se esclarecendo, a respeito dos enunciados factores, o seguinte:

«Entende-se não oferecer dúvidas que se deve atender à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível idade de reforma, uma vez que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas. Directas pelo reflexo que, mesmo após a reforma do lesado, tal incapacidade terá no exercício de outras actividades de valor económico; indirectas pelas consequências que a afectação da capacidade geral tem na carreia contributiva do lesado, com reflexos sobre o montante das prestações sociais a auferir no período posterior à reforma.

Se os factores indicados em (i), (ii) e (iii) são comumente referidos, já os factores que enunciamos em (iv) e (v), sob a formulação de potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências e de conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação, são frequentemente desconsiderados. Trata-se de factores da maior relevância, resultando da sua aplicação que, quanto mais elevadas forem, antes da lesão, as potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, e quanto maior e mais intensa for a repercussão das lesões psicofísicas por ele sofridas sobre a sua capacidade geral ou funcional, maior deverá ser o montante da indemnização.

Assim sendo, e de uma forma geral, quanto mais a actividade profissional ou as actividades económicas alternativas do lesado estiverem dependentes da força, destreza ou habilidade físicas, mais elevado deverá ser o montante indemnizatório.

O que significa que, frequentemente, serão os lesados com menores habilitações e/ou com actividades profissionais assentes na força, destreza ou habilidade física aqueles para quem a afectação da capacidade geral ou funcional terá maiores consequências negativas indemnizáveis.». (Maria da Graça Trigo, ob. cit., págs. 267 e seg.)


2. Tendo presentes os parâmetros de carácter geral enunciados no ponto anterior, apreciemos o caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

5º. O Autor, à data do embate, tinha 33 (trinta e três) anos de idade, tendo nascido a .../.../1983.

40º. O Autor apesar da assistência médica e medicamentosa que recebeu, ficou a padecer das seguintes queixas permanentes e irreversíveis:

- Queixas a nível funcional: desconforto ligeiro no decúbito lateral direito no descanso noturno, com prejuízo da qualidade do sono por dificuldade em encontrar uma posição ótima para dormir; dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos; parestesias no membro superior direito durante o período noturno;

- Queixas a nível situacional: deixou de pegar e levantar grandes pesos, assim com realizar trabalhos com os braços elevados; frequentava o ginásio (quase todos os dias) e jogava futebol com os amigos aos fins de semana e graças às sequelas vê-se agora limitado nessas atividades desportivas e de lazer;

- Vida profissional ou de formação: dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo;

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: ligeiro desnível de ombros (D<E), cicatriz cirúrgica vertical com 18 x 0,5 cm na face lateral posterior do braço e cicatriz com 3 cm na face interna do terço proximal do braço; cicatriz com 2 cm na base do polegar direito; rigidez ligeira do ombro direito com elevação e abdução a mais de 130º; rotações e extensão sem alterações de relevo; cotovelo com boas mobilidades; consegue levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades significativas; polegar, auricular e restantes dedos da mão direita com boas mobilidades, não dolorosas e simétricas.

42º. O Autor, em virtude das lesões sofridas e das sequelas causadas pelo embate, padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 (três) pontos.

43º. O défice funcional de que o Autor padece são compatíveis com o exercício da sua habitual atividade profissional, mas implicam esforços acrescidos.

44º. O Autor, à data do embate e ainda atualmente, exercia, e exerce, a atividade de trabalhador independente no ramo de “comerciante de peixe-distribuidor”.

37º. O Autor teve alta dos serviços clínicos da Ré em 14.02.2018.

38º. As lesões sofridas pelo Autor atingiram a consolidação médico legal em 14.02.2018.

A 1.ª instância fixou em € 9.500,00 a indemnização por “dano biológico” enquanto perda de capacidade de ganho, tendo a Relação considerado que se entende «adequada a quantia fixada na primeira instância para ressarcir este dano, sendo certo que na mesma foram tidos em conta, a idade do Autor à data do acidente, o tempo provável de vida, os rendimentos auferidos e o grau de incapacidade de que o mesmo padece».

Ora a 1.ª instância fundamentou a decisão nos seguintes termos:

«A fixação da indemnização deve fazer-se por recurso à equidade, ponderando os critérios jurisprudenciais habitualmente relevantes na matéria: a idade do Autor na data da consolidação médico-legal das lesões (33 anos); o défice funcional atribuído (4 pontos; a esperança média de vida (embora esta seja apenas de 67,8 anos de idade para indivíduos do sexo masculino nascidos em 1980, ponderando o aumento provável da longevidade, fruto do desenvolvimento tecnológico na área da saúde, atende-se à idade de 75 anos).

Como vetor a atender nesse cálculo, deve ainda ter-se em conta os rendimentos auferidos pelo Autor. No caso, este exercia a atividade de comerciante de peixe e, no ano em que sofreu o acidente, o seu rendimento mensal foi de apenas € 195,74/mês. Este valor é inferior à retribuição mínima garantida para o ano de 2018 (ano em que se deu a consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor), que é aquela que se atende quando estão em causa sinistrados desempregados.

Embora o rendimento auferido pelo Autor seja inferior a essa retribuição mínima garantida, salvo melhor opinião, entende-se que é da mesma que se deve partir para o cálculo da indemnização devida pela perda de capacidade de ganho futuro. Isto porque, na data em que o Autor teve o embate, era o início da sua atividade, sendo expectável que, com o tempo de permanência no mercado, granjeando mais clientela, visse os seus rendimentos incrementados.

Para o cálculo da indemnização, como critério auxiliar, parte-se da fórmula matemática aludida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.11.2019, proferido no processo n.º 1585/12.4TBGDM.P1.S1, ou seja: retribuição anual x período de vida restante x défice funcional x 0,01 [taxa de juro de 1% correspondente ao rendimento do capital, aplicado em produto sem risco, por força do benefício de antecipação].

Aplicando essa fórmula ao caso concreto, obtém-se o valor de € 8.681,90 [€ 580,00 (retribuição mínima garantida - Decreto-Lei n.º 156/2017, de 28.12) x 12 meses (correspondentes aos meses de recebimento do rendimento, uma vez que se trata de uma atividade exercida por conta própria) x 42 anos (período de vida restante: 75-33 anos) x 0,03 (défice funcional) x 0,01 (taxa de juro a abater)].

Corrige-se, contudo, o resultado obtido em função da equidade (sobretudo porque ao cálculo assim realizado perspetiva a obtenção de rendimentos de forma estática, desprezando a potencial progressão na atividade profissional), para a quantia indemnizatória de € 9.500,00.

Por outro lado, as sequelas que motivam a atribuição do défice contendem com a mobilidade da vítima, o que, com o passar dos anos, no âmbito de uma carreira mais dinâmica do ponto de vista físico (ou seja, mais braçal), a falta de agilidade constituirá um vetor de menor de produtividade, podendo empurrá-lo para situações de menor ganho salarial.». [negritos nossos]

Pretende o A. que o valor indemnizatório fixado a título de “dano biológico”, na vertente patrimonial, seja elevado para € 20.000,00, invocando designadamente que, para efeitos de atribuição do montante indemnizatório, se deve ter em conta a esperança média de vida do lesado e não a idade expectável em que a sua vida activa termina; e, por outro lado, que o valor da remuneração mínima garantida a ter em conta deve reportar-se à data da sentença.

Por sua vez, a R. pretende que o valor da componente indemnizatória em causa seja reduzido para € 6.500,00, alegando designadamente que a indemnização por “dano biológico” deve ser fixada segundo «a equidade, sem prejuízo de se atender a alguns elementos coadjuvantes, como as ditas tabelas financeiras, as portarias da denominada “proposta razoável” e os critérios jurisprudenciais em casos análogos»; e aplicando, em seguida, ao caso sub judice os índices previstos na Tabela IV da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, actualizada pela Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho.

Quid iuris?


3. Antes de mais, e a respeito da argumentação aduzida pela R., esclarece-se que, como consta do disposto no art. 1.º, n.º 2, da referida Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (actualizada pela Portaria n.º 679/09, de 25 de Junho), e como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, os parâmetros fixados pela mesma Portaria apenas vinculam as seguradoras, enquanto valores mínimos da proposta razoável para indemnização do dano corporal a apresentar aos lesados, e não os tribunais. A este propósito, justifica-se referir, aliás, que algumas das decisões judiciais mais recentes que têm ponderado o recurso aos índices do Anexo IV da Portaria o têm feito apenas como parâmetro indicativo, procedendo à substituição do valor da remuneração mínima nacional pelo valor da remuneração média nacional. Cfr., a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2022 (proc. n.º 5986/18.6T8LRS.L1-2), consultável em www.dgsi.pt. Explicando a razão de ser desta metodologia, ver Laurinda Gemas, «Questões atuais da responsabilidade civil por acidentes de viação», in Julgar, n.º 46 (2022), págs. 75 e segs.).

No presente caso, o que importa apreciar é se a decisão da 1.ª instância, confirmada, nesta parte, pela Relação, atendeu aos factores supra enunciados, a saber: (i) Idade do lesado à data do sinistro; (ii) Esperança média de vida do lesado à data do acidente; (iii) Índice de incapacidade geral permanente do lesado, fixado segundo as Tabelas de Incapacidade Geral Permanente em Direito Civil; (iv) Potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (v) Conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação.».

Em relação aos três primeiros factores, verifica-se que a decisão proferida: (i) ainda que declarando atribuir relevância à idade do lesado à data da consolidação médico-legal, considerou, efectivamente, a idade de 33 anos, isto é, a idade do lesado à data do acidente; (ii) diversamente do alegado pelo A., atendeu à esperança média de vida das pessoas nascidas no ano do lesado, estimando-a em 75 anos; (iii) atendeu ao índice de défice funcional atribuído ao lesado (4 pontos).

Falta considerar se atendeu aos factores enunciados como pontos (iv) e (v).

No que refere à ponderação das potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências (factor (iv)), constata-se o seguinte:

- Se, por um lado, é muito discutível que a fixação da indemnização pela perda da capacidade geral de ganho (que, repita-se, é o que, no caso, está em causa sob a denominação de “dano biológico”), possa assentar na aplicação de uma das tradicionais fórmulas matemáticas pensadas para calcular a indemnização por incapacidade laboral para o exercício da profissão habitual;

- Por outro lado, também é certo que, no caso dos autos, o recurso à dita fórmula matemática foi realizado apenas como critério auxiliar, sendo acompanhado das seguintes ponderações:

«Como vetor a atender nesse cálculo, deve ainda ter-se em conta os rendimentos auferidos pelo Autor. No caso, este exercia a atividade de comerciante de peixe e, no ano em que sofreu o acidente, o seu rendimento mensal foi de apenas € 195,74/mês. Este valor é inferior à retribuição mínima garantida para o ano de 2018 (ano em que se deu a consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor), que é aquela que se atende quando estão em causa sinistrados desempregados.

Embora o rendimento auferido pelo Autor seja inferior a essa retribuição mínima garantida, salvo melhor opinião, entende-se que é da mesma que se deve partir para o cálculo da indemnização devida pela perda de capacidade de ganho futuro. Isto porque, na data em que o Autor teve o embate, era o início da sua atividade, sendo expectável que, com o tempo de permanência no mercado, granjeando mais clientela, visse os seus rendimentos incrementados.

(...)

Corrige-se (...) o resultado obtido em função da equidade (sobretudo porque ao cálculo assim realizado perspetiva a obtenção de rendimentos de forma estática, desprezando a potencial progressão na atividade profissional), para a quantia indemnizatória de € 9.500,00.». [negritos nossos]

Ora, as considerações constantes da fundamentação da decisão da 1.ª instância, à qual o acórdão recorrido aderiu, afiguram-se genericamente correctas, não podendo, porém, acompanhar-se o entendimento de que a futura progressão salarial do lesado ficaria limitada ao valor da remuneração mínima nacional. Ainda que, à data do sinistro, com 33 anos, o lesado auferisse valor remuneratório inferior ao salário mínimo, não se afigura aceitável configurar que, ao longo dos mais de 40 anos de vida expectável, as suas potencialidades de ganho, tanto no exercício de actividade profissional como no exercício de outras actividades complementares com valor económico, não fossem além da remuneração mínima.

Por fim, e no que se refere à ponderação do factor conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação (factor (v)), considerou-se o seguinte no acórdão recorrido:

«(...) as sequelas que motivam a atribuição do défice contendem com a mobilidade da vítima, o que, com o passar dos anos, no âmbito de uma carreira mais dinâmica do ponto de vista físico (ou seja, mais braçal), a falta de agilidade constituirá um vetor de menor de produtividade, podendo empurrá-lo para situações de menor ganho salarial.».

Também aqui, ainda que genericamente correcta, esta ponderação se afigura insuficiente. Com efeito, perante a factualidade provada, de acordo com a qual o lesado é «trabalhador independente no ramo de “comerciante de peixe-distribuidor”, ficando a padecer de «queixas permanentes e irreversíveis», tais como «dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos»; «dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo», não pode senão considerar-se que tais limitações físicas irão, com elevada probabilidade, originar a diminuição da sua capacidade de trabalho e, concomitantemente, traduzir-se numa perda de ganho indemnizável.

Impondo-se reponderar os factores enunciados como (iv) e (v) em sentido mais favorável ao A. lesado, e atendendo a que, em sede de recurso de revista, o mesmo A. pretende apenas que o montante fixado pelas instâncias (€6.500,00) seja aumentado para €20.000,00, considera-se ser este um valor mais adequado a ressarcir o denominado “dano biológico”, na acepção de perda de capacidade geral de ganho.

Conclui-se, assim, nesta parte, pela procedência da pretensão do A e pela improcedência da pretensão da R..


V – Decisão

Sem prejuízo da manutenção do ponto a) da decisão proferida pelo acórdão de 19 de Janeiro de 2023 (Julgar improcedente o recurso do autor, na parte em que impugna o segmento decisório do acórdão recorrido de não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do autor), decide-se:

- Julgar procedente o recurso do autor, na parte em que impugna o segmento decisório do acórdão recorrido que fixou em € 9.500,00 a componente indemnizatória devida pelo denominado “dano biológico”, fixando essa componente em € 20.000,00 (vinte mil euros);

- Julgar improcedente o recurso da ré.


A decisão de custas do acórdão de 19 de Janeiro de 2023, complementado pelo presente acórdão, é a seguinte:

Custas do recurso do autor em 50% por Recorrente e Recorrido.

Custas do recurso da ré pela Recorrente.

Custas da acção e da apelação na proporção do decaimento, que, por facilidade de cálculo, se fixa em 55% para o autor e 45% para a ré.


Lisboa, 30 de Março de 2023


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira