Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
135/22.9JAFUN.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROIBIÇÃO DE PROVA
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :
I - Conforme orientação uniforme e constante da jurisprudência do STJ, após a entrada em vigor da atual redação dos arts. 432.º e 434.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21-12, os recursos interpostos para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”, previstos na al. b) do n.º 1 daquele primeiro preceito, não podem ter como fundamento os vícios e nulidades referidas no art. 410.º, n.os 2 e 3, do mesmo diploma legal.
II - Nesse caso, ainda que tenha sido admitido pelo tribunal da relação sem qualquer restrição, decisão que não vincula o tribunal ad quem, o recurso tem de ser rejeitado nessa parte, por inadmissibilidade legal, nos termos das citadas disposições legais, conjugadas com as dos arts. 414.º, n.os 2 e 3, e 420.º, n.º 1, al. b), também do CPP, sem prejuízo, naturalmente, do seu conhecimento oficioso, se do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, tais vícios e nulidades resultarem evidentes.
III - É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência, mesmo quando se admite que a valoração da prova em violação do disposto no art. 355.º pode inquinar a sentença de vício gerador da respetiva nulidade, que a leitura e aplicação corretas desse preceito são no sentido de admitir a valoração de provas validamente produzidas e constituídas em momento anterior à audiência de julgamento, desde que constantes de atos processuais, ou documentos juntos ao processo indicados na acusação ou de que tenha sido dado conhecimento ao arguido ou que seja de concluir ter o mesmo conhecimento da sua existência e junção e de lhe ter sido dada oportunidade de as/os examinar e contraditar, como aqui tem de se considerar verificado, uma vez que toda a prova considerada e valorada foi produzida em audiência de julgamento, na presença do arguido, assistido por defensor, e/ou já se encontrava disponível em suporte documental e era deles conhecida ou cognoscível.
IV - Embora o acórdão recorrido, na respetiva fundamentação, se refira à devolução de apenas € 390,00, por ser essa a única quantia mencionada na matéria de facto provada, no seu dispositivo determina, sem discriminação ou exclusão de qualquer quantia, a revogação da decisão da 1.ª instância “no segmento em que declara perdido a favor do Estado a quantia em numerário apreendida nos autos ao arguido, determinando-se a sua devolução”.
V - Ou seja, em termos substanciais, o que o acórdão recorrido deliberou e deve considerar-se como definitivamente assente foi a revogação da decisão da 1ª instância quanto à perda a favor do Estado das quantias em dinheiro apreendidas nos autos ao arguido e recorrente e, em consequência, a sua devolução ao mesmo.
VI - Tudo o mais se reconduz a meras operações de conferência contabilística das quantias efetivamente apreendidas nos autos ao arguido e a devolver-lhe, tarefas para cuja execução é competente o tribunal da 1.ª instância, em cumprimento da decisão substantiva do tribunal da relação, sem necessidade de qualquer alteração da mesma, dada a possibilidade de, a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento, se proceder à correção dos erros de cálculo porventura cometidos naquelas operações, nos termos do art. 380.º, n.os 1, al. b), e 2, a contraio, do CPP , nos termos e limites consagrados no art. 186.º do CPP.
VII - No caso em apreço, apesar da correção das operações realizadas pelo tribunal da condenação para determinação da medida da pena de prisão em que o recorrente foi condenado e do respeito escrupuloso das finalidades e critérios para tanto legalmente consagrados e sem discutir a necessidade de uma forte punição a que não obsta a culpa, face à sua elevada intensidade, importa analisar se ela se mostra também proporcional, em termos absolutos e relativos.
VIII - E se, em termos absolutos até pode conceder-se na sua proporcionalidade, em termos relativos ela mostra-se desproporcional, tanto bastando para legitimar a intervenção corretiva do tribunal de recurso, cuja atividade sindicante neste âmbito não requer que se verifique uma “manifesta desproporcionalidade”, como parece ter sido entendimento do tribunal da relação, mas apenas a sua desproporcionalidade, mesmo que relativa.
IX - Ora, considerando a bitola do STJ em matéria de penas aplicadas no âmbito do tráfico de droga, a pena de 9 anos de prisão aplicada ao recorrente afigura-se desproporcional, merecendo por isso ser corrigida no sentido da respetiva diminuição para medida concreta condizente com essa praxis jurisprudencial, ou seja, para o meio da moldura penal abstrata ou legal, que no caso se situa em 8 anos, medida que, além de justa, se mostra suficiente e adequada a assegurar as elevadas exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 135/22.9JAFUN.L1.S1.


(Recurso per saltum)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão, de 27.06.2023, do Juízo Central Criminal do ... (JCC…) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, foi o arguido AA, nascido a ... de ... de 1976, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) na pena de 9 (nove) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº l do Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabela I-B e I-C a ele anexas (…)».


Mais deliberou o tribunal coletivo em


«[…] Declarar perdida a favor do Estado a quantia em numerário apreendida nos autos ao arguido AA, no montante global de € 3.610,00 (três mil seiscentos e dez euros) […]»


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 1.08.2023, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que, por acórdão de 25.10.2023, o julgou parcialmente procedente, nos termos do seguinte dispositivo, que igualmente se transcreve:


«Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em:


Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente:


1. Revogar a decisão recorrida no segmento em que declara perdido a favor do Estado a quantia em numerário apreendida nos autos ao arguido AA, determinando-se a sua devolução.


2. No mais, confirma-se a decisão recorrida.


Sem tributação.».


3. Ainda inconformado, interpôs o arguido AA, em 4.12.2023, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«CONCLUSÕES:


1) – Tendo-se por verificado o vício do erro na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP, há que determinar a anulação do julgamento para operar o suprimento do mesmo.


2) – Ao admitir prova que não foi produzida em julgamento, o Tribunal violou o disposto no art. 355º, n.º 1 do CPP violou o principio da livre apreciação da prova, consagrado no art.. 127º do CPP.


3) – A douta decisão, igualmente violou o in dubeo pro reo.


4) – Na fundamentação da sentença, resulta uma guia de transporte a fls-39, quer foi valorada como prova, que aquando da audiência, no contraditório desses factos à testemunha BB, foi-lhe mostrado um outro documento com relevância nos autos a fls.15, que não constava a identificação do veículo e local da entrega da encomenda.


5) – Não tendo sido feita a indicação completa das provas, nem, em absoluto, o exame crítico das mesmas provas, que formaram a convicção do tribunal nesta matéria.


6) –E a falta do exame crítico das provas, imposto pelos art.s 355º e 374º, nº 2, do C. Processo Penal, e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo código, a nulidade da sentença.


7) – A quantia de €3.332,00, apreendidos na Habitação da família do recorrente, auto de fls. 172-179, deverá a mesma ser devolvida ao arguido, por não existir qualquer conexão ou ligação instrumental com a atividade do tráfico.


8) – Em clara violação do regime previsto nos artigos 35º a 39º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/01.


9) – A condenação do recorrente na pena de 9 anos de prisão é desajustada, excessiva e desproporcional, em clara violação do artigo 71º do Código Penal,


10) – Não foram consideradas todas as circunstâncias que depuseram a favor do recorrente, nos termos do n.º 2 do art. 71º do CP.


11) – O arguido não admitiu os actos de tráfico que lhe vinham imputados, pois considera-se inocente, e não pode ser penalizado por esse facto.


12) – Sendo a maioria do produto estupefaciente uma droga semi-suave (cannabis), relevando os circunstancialismos de facto dos autos, favorecem o grau de ilicitude do recorrente, pois a atividade que lhe imputam foi pontual e isolada, não existem ligações telefónicas ilícitas, não se provou quaisquer proveitos económicos do tráfico, nem contactos ou relacionamentos com pessoas ligadas ao tráfico, nem com a distribuição do produto estupefaciente, ou venda a terceiros, o que minimizam os seus danos.


13) – O recorrente está socialmente bem integrado, tem hábitos de trabalho e tem uma situação familiar estável, existindo laços com os familiares de origem.


14) – Não obstante, o recorrente já ter antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, não foi condenado como reincidente, sendo excessiva a condenação aplicada, que ultrapassa em 3 anos, o meio da moldura penal aplicável.


15) – Violando o preceituado no art. 18º, n.º da CRP.


16) – Pelo exposto, não sendo absolvido, o Tribunal deverá condenar o arguido a uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias do caso concreto, de acordo com o art. 71º do CP, que não deveria ultrapassar o meio da pena, e a ultrapassar no limite dos 7 anos de prisão.


Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente Recurso, fazendo-se Justiça».


4. O recurso foi admitido por despacho do Juiz Desembargador relator, de 6.12.2023, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


5. O Ministério Público junto do TRL, respondeu, em 20.12.2023, ao recurso do arguido, apresentando as seguintes concussões (transcrição):


«(…)





Carece de fundamento legal a impugnação ampliada (art 412º,3, CPP), gizada pelo recorrente, já que os poderes de cognição desse “Tribunal ad quem” (art 434º, CPP) inviabilizam tal conhecimento, apreciação e decisão.





Quanto à impugnação da matéria de facto, por via da “revista alargada” (art 410º,2, b) e c), CPP), igualmente ensaiada, embora legalmente accionável (art 434º, CPP), não evidencia cabimento, por não estarem reunidos os pressupostos em que deveria ancorar-se, a saber, e na lógica recursória, eventuais contradições de proposições judiciais e erro ostensivo na aferição da prova (art 410º, 2, b) c), CPP).





É que apesar de alegada, não se enxerga qualquer “capital incongruência” dos termos fixados pelo Tribunal” a quo”, que resultasse numa mútua neutralização de premissas, pelo contrário, do texto recorrido (e só dele são convocáveis os erros decisórios) emerge um inatacável silogismo judiciário, que torna compatíveis, concatenáveis e harmoniosas todas as proposições vertidas no Acórdão.





Do mesmo passo que nenhuma incerteza perpassa da narrativa da Deliberação censurada, antes o acervo probatório (art 355º, CPP) habilitou a comprovação da factualidade tal como definida judicialmente, com a superação de toda e qualquer dúvida com que inicialmente o Tribunal se deparou (apenas subsistindo um “non liquet” inultrapassável, invencível, sim, mas respeitante exclusivamente à arguida, por isso absolvida (art 32º,2, CRP), não comunicável, obviamente, ao recorrente).





Há, pois, fundamentação para o Deliberado (art 374º,2, 97º,5, CPP, 205º,1,CRP), fluindo tal claramente da mera leitura Acórdão, tendo o Tribunal recorrido (na esteira do que ocorrera com a 1ª Instância) conhecido e decidido o que de relevante compunha o objecto do processo, levado ao seu escrutínio, sem, concomitantemente, ter exorbitado desse perímetro temático (art 379º, 1, c), CPP).





No que tange à reversão do valor pecuniário (390,00€) efectivamente apreendido ao arguido, aqui recorrente, estribou-se na ausência de demonstração de «nexo instrumental” desse dinheiro com a actividade de tráfico que lhe foi imputada, a final, estando, aparentemente, indocumentada qualquer apreensão pessoal doutro montante ao arguido, pelo que só oportuno requerimento avulso (arts 380º,1,a) e 374º,3,c), CPP) poderá desencadear hipotética restituição doutra superior quantia, não sendo, por ora, visível ofensa ao regime legal pertinente a esse domínio (arts 35º e segs, DL 15/03, 22.01).





Num capítulo final da panóplia censória direcionada ao Acórdão de 25.10.23, sustenta o recorrente a excessividade punitiva (que, no limite, e na sua perspectiva, nunca deveria ser superior a 7 A de prisão), considerando a sua inserção sócio-familiar e profissional.





Consabidamente, o Tribunal “ad quem” só intervém neste segmento temático, corrigindo o deliberado, se houver inobservância dos critérios legais (arts 40º, 1 e 2, e 71º, 1 e 2, CP), por um lado, e por outro, se a medida concreta se achar dissonante do “quantum” medianamente fixado pelos Tribunais e acima do absolutamente necessário (art 18º,2, CRP), o que , adiante-se, inocorreu “in casu”, manifestamente, emergindo a irrepreensibilidade procedimental do Colégio de Julgadores, bem como um justo equilíbrio sancionatório, estritamente vocacionado à realização dos fins últimos e indeclináveis da própria punição.





Assim é que, rebatendo a tese recursória, desde logo, se constata a insuficiência da sua integração social, familiar e profissional para conter os seus desígnios criminosos, sem deixar de se enfatizar a especial gravidade do fenómeno criminal em debate (arts 1º,m), CPP, e 4º, g), e b) das Leis 51/23, 28.08, e 55/20, 27.08, respectivamente), com a sua multidanosidade humana, captando-se ainda, no caso “sub judice”, uma actuação fortemente dolosa (dolo directo: art 14º, 1,CP), sobressaindo uma elevada ilicitude (tipo e quantidade de estupefaciente, assim como modo, dissimulado, de execução, por via de transitário), sem que, em momento algum, pese a apreensão em flagrante (art 256º, CPP), e tendo assistido à arrasadora produção da prova, haja pronunciado a mínima assunção da factualidade, o mesmo é dizer, sem que tenha interiorizado o desvalor da acção e expressado juízo auto-crítico.


10ª


Acresce que já praticara idêntico crime, expiara pena privativa de liberdade e regressara ao meio livre bem próximo do tempo dos factos em análise, evidenciando a inevitabilidade dum juízo de censura ético-penal assertivo (art 71º,2,f), CP), em vista das irrenunciáveis necessidades preventivas (gerais e especiais), sendo a pena aplicada, neste global contexto, insofismavelmente ajustada, “fórmula mínima” da concretização dos fins das penas e circunscrita na medida da culpa revelada (art 40º,2, CP).


Assim, propugnando-se pela validação do judiciosamente Deliberado, aguardamos de Vªs Exªs a SUPERIOR


JUSTIÇA».


6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 9.01.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:


«(…) 4.1.1. Quanto à violação do princípio in dubio pro reo, livre apreciação da prova, proibição de valoração de provas, consequente erro de julgamento, que o recorrente reconduz aos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a nulidades da decisão, além da perda de valores:


(…)


Ora, o recurso interposto recaiu sobre decisão proferida pelo tribunal da Relação que, por sua vez, decidiu de recurso da decisão de 1.ª instância, e tem também, e principalmente, por fundamento os vícios previstos no n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal.


Assim sendo, com fundamento nos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou nulidades não sanadas, de acordo com o n.º 3 respetivo, não é admissível recurso de acórdãos da Relação quando tirados em recurso de decisão de 1.ª instância, ainda que o mesmo tenha sido admitido (cf. artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).


Estando a decisão impugnada transitada em julgado, ela é ordinariamente irrecorrível.


Por fim a ter–se por pertinente a apreciação dos argumentos que, a propósito desses vícios e nulidades, por mero exercício de lealdade processual, a nosso juízo, sempre os argumentos do recorrente não mereceriam substancial procedência, como bem demonstrou o acórdão recorrido, que contrariou ponto por ponto esses aspetos do recurso e cujos fundamentos decisórios se subscrevem, tal como se subscrevem os que, a propósito, foram apresentados pelo Ministério Público na 2.ª instância.


*


Já quanto à perda da quantia de 3.220,00 €, julgamos que há incongruências várias entre a decisão de 1.ª instância ao determinar a perda favor do Estado a quantia em numerário apreendida nos autos ao arguido AA, no montante global de € 3.610,00 (três mil seiscentos e dez euros); tendo o TRL considerado, ao invés, o seguinte: “Da análise da factualidade assente não resulta nenhuma conexão entre a quantia apreendida e a atividade de tráfico de estupefacientes em causa. Tal como em relação aos telemóveis, não se fez prova de qualquer ligação instrumental dessa quantia com a atividade de tráfico de estupefacientes porquanto não há atos anteriores de venda e o produto apreendido ainda não tinha sido comercializado. Ora, essa ligação instrumental é considerada pela jurisprudência do STJ essencial para a declaração de perda, como bem assinalou o acórdão recorrido. Consequentemente, importa revogar o acórdão recorrido nessa parte e determinar a devolução dos 390 € (é essa a quantia efetivamente apreendida, conforme resulta do auto de apreensão, da acusação e dos factos provados) ao arguido.”.


Na verdade, estavam apreendidos, além dos 390€, os demais 3.220,00 (DUC de fls. 192 a 193 referido no relatório final da PJ), que o recorrente alega serem 3.332,00€ (eventualmente por lapso), pelo que se o TRL impôs a devolução da quantia de 390,00, por ter entendido, eventualmente também por lapso, que apenas essa quantia estava apreendida, o sentido efetivo da decisão quanto ao demais terá que ser o mesmo, atendendo à razão de serem os mesmos os fundamentos invocados, pelo que se deve entender que a devolução da quantia em questão foi ordenada ou, se assim não se entender, seguir–se a sugestão do Ministério Público na 2.ª instância, que a propósito referiu “…se outro montante se encontra à ordem dos autos deverá ser reclamado nos termos do arts 380º, 1, a), e 374º, 3, c), CPP, em oportuno requerimento dirigido ao Tribunal da condenação (JCCriminal/J., Comarca da Madeira), pelo seu justo titular.”.


4.1.2. Quanto à medida da pena e à sua redução:


(…)


Em suma, a pena concreta aplicada respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa – princípio da proibição do excesso), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena – princípio da realização do Estado de Direito); ou seja, a adequada proteção de bens jurídicos, enquanto finalidade principal das penas, deve estar alinhada com a reintegração tão rápida quanto possível da arguida em sociedade.


Neste caso, a reintegração ocorrerá através do cumprimento efetivo da pena aplicada, que não é excessiva, mas antes adequada e necessária à reação penal que o caso justifica, situando–se pouco acima do meio do intervalo da pena abstrata aplicável.


Da leitura da decisão recorrida resulta terem sido considerados os fatores relevantes: ilicitude elevada, culpa elevada, correspondente ao dolo direto, exigências elevadas de prevenção geral, exigências de prevenção especial, tendo sido devidamente ponderado o percurso criminal que, no caso concreto, acentuam evidentemente as exigências de prevenção especial.


Assim, a pena aplicada pelo tribunal recorrido revela–se uma pena necessária, justa e adequada, por estar dentro do quadro proporcional da culpa e por atender às necessidades de prevenção geral e especial.


4.2. Conclusão:


Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido (…)».


7. Observado o contraditório, o arguido, por requerimento de 25.01.2024, respondeu ao parecer do Ministério Público, dele divergindo e mantendo a posição expressa no seu recurso, quanto aos vícios e nulidades do acórdão recorrido, às quantias a devolver-lhe e à medida da pena de prisão a aplicar-lhe, se não for absolvido.


8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:


a) à verificação do vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP [conclusão 1ª];


b) à violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, nos termos dos artigos 355º, n.º 1, e 127º do CPP [conclusões 2ª e 3ª];


c) à nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 355º, 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP [conclusões 4ª a 6ª];


d) ao valor das quantias apreendidas e a devolver ao recorrente [conclusões 7ª e 8ª];


e) à medida da pena de prisão aplicada [conclusões 9ª a 16ª].


III. Fundamentação


1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido, que confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, de facto e de direito, salvo quanto à perda das quantias apreendidas, que mandou restituir ao arguido e recorrente (transcrição, sem notas de rodapé):


«(…)


II – FUNDAMENTAÇÃO


(…)


Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada:


Da Acusação


1. Devido ao facto de o preço do produto estupefaciente ser superior na Região Autónoma da Madeira, o arguido AA decidiu adquirir no território continental uma quantidade de haxixe e cocaína suficiente para a sua cedência e venda a terceiros nessa Região.


2. No desenvolvimento da referida actividade, o arguido AA ou alguém por sua indicação, adquiriu, em data não determinada mas anterior ao dia 6 de Fevereiro de 2022, dezanove blocos de resina de canábis (haxixe), com o peso líquido total de 19263,650 gramas, duas embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 2010,000 gramas, e uma embalagem de cocaína com o peso líquido total de 501 gramas.


3. No dia 6 de Fevereiro de 2022, a arguida CC deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado “Brico Depôt”, sito em ..., onde adquiriu um equipamento de ar condicionado portátil.


4. No interior desse equipamento foram, depois, acondicionados e dissimulados os referidos 19 blocos de resina de canábis (haxixe), com o peso líquido total de 19263,650 gramas líquidos, duas embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 2010,000 gramas líquidos, e uma embalagem de cocaína com o peso líquido total de 501 gramas líquidos.


5. Esse equipamento, contendo o referido produto estupefaciente, foi colocado numa caixa de cartão onde foi aposta, com vista a dissimular as suas verdadeiras identidades, como remetente “B...” e destinatário “DD, Rua ..., ...”.


6. No dia 7 de Fevereiro de 2022, a arguida CC deslocou-se ao transitário “T.....”, onde expediu, em transitário da empresa “R... ...........”, o ar condicionado portátil que continha dissimulado no seu interior os referidos 19 blocos de resina de canábis (haxixe), 2 embalagens de cocaína e a embalagem de cocaína.


7. Não obstante os dados do destinatário da encomenda, o arguido AA contactou a empresa “R... ...........” e indicou-lhe que a encomenda deveria, afinal, ser entregue ao Caminho de ..., ..., local a que tinha acesso e disponibilidade.


8. No dia 14 de Fevereiro de 2022, pelas 8h44m, no Caminho de..., ..., a empresa “R... ...........” entregou a aludida encomenda ao arguido AA, que a recebeu na porta (hall) de acesso ao “Bloco ...” desse prédio, entrando na sua posse, com todo o seu conteúdo acima descrito.


9. Nas mesmas circunstancias de tempo e lugar, o arguido AA detinha também um telemóvel da marca “POCO X Pro”, com os IMEI SIM 1 - .............22 e SIM 2 - .............30, o primeiro sem cartão e o segundo com o cartão n.' .......32, da rede VODAFONE, a quantia de €390,00 (trezentos e noventa euros), uma folha A5, correspondente à guia de transporte n.' 55355, relativa à mencionada encomenda, uma folha A4, correspondente à factura n.' …77, emitida pela empresa “R... ...........”, relativa ao transporte acima referido, uma folha A4, correspondente à factura n.' NI ........06/006538, emitida pela empresa “B...”, relativa à compra do equipamento de ar condicionado supra mencionado e um telemóvel da marca “OPPO”, modelo “A15”, com o IMEI SIM 1 - .............91 e SIM 2 - .............83, contendo no seu interior um micro cartão SIM 1 da “NOS”, com o n.º ..........85.


10. O arguido AA não estava autorizado a cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, receber a qualquer título, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou deter produtos estupefacientes de qualquer natureza, nomeadamente resina de canábis (haxixe) e cocaína, o que bem sabia.


11. Não obstante, o arguido AA previu e quis adquirir, transportar, fazer transitar e deter resina de canábis (haxixe) e cocaína e remeter tais produtos estupefacientes por via marítima para a Madeira, com o propósito de os vender a terceiros que, para o efeito, o procurassem, conhecendo a sua natureza, as suas características, o seu modo de fracionamento e a sua proveniência, tudo com o intuito de obter lucros pecuniários, resultantes da diferença entre o preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele.


12. O arguido AA actuou de forma livre, deliberada e consciente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida e, ainda assim, não se coibiu de a adoptar.


Da Contestação


13. A empresa onde o arguido AA trabalhava estava a remodelar um apartamento situado no... andar, do Bloco..., do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito no Caminho ....


14. A encomenda foi entregue no hall de entrada do ... desse prédio, que dá acesso às suas frações autónomas designadas pelas letras “AV, AU, AT, AS, AR, AQ, AP, AO”.


15. A empresa “R... ...........”, estava munida de uma guia de transporte de uma mercadoria, com o destinatário “DD” e morada na Rua .... A guia de transporte referente à encomenda ajuizada não está assinada pelo destinatário.


16. De acordo com o Relatório anual de 2020, do combate ao Tráfico em Portugal da PJ, o valor médio da grama de cocaína é de 32,48€ e o da grama de canábis é de 5,15€.


Resultantes da Discussão da Causa


De acordo com o Relatório Social a ele referente:


17. O arguido AA, sem filhos, sempre viveu com a sua família de origem, constituída pelo pai, de 80 anos, reformado; pela mãe, de 75 anos, doméstica; e por duas irmãs, de 52 e 42 anos, empresária e gerente comercial, respectivamente. Este tem sido o seu enquadramento familiar de referência, onde há vínculos afetivos entre os vários membros e um clima de união e de solidariedade. A família habita uma moradia de tipologia 3, propriedade dos progenitores, com condições de habitabilidade.


18. - Tem o 9º ano de escolaridade e trabalhou como empresário e gerente, durante vários anos, na sociedade por quotas “I...... ...... –..., Lda.”, que veio a ser declarada insolvente por acumulação de dívidas, incluindo de natureza fiscal. O seu percurso laboral foi interrompido pela execução de uma pena de prisão entre 29/07/2015 e 26/03/2019, registando-se, desde então, a manutenção de uma situação laboral informal, entendida por ele como ajustada num cenário em que fez referência a dívidas pendentes em potencial execução. Assim, mantinha-se a trabalhar, informalmente, nos anos mais recentes e até à sua reclusão, na sociedade de uma irmã, “M... Unipessoal, Lda.”, com actividade no comércio de tintas e de construção civil, onde seocupava da angariação e monitorização de obras e dos contactos com fornecedores e clientes. Descreveu ser remunerado, no período a que se reportam os factos, com um salário mensal de 1000€, que canalizava para gastos pessoais, já que mantinha o apoio dos pais nas necessidades de alojamento e alimentação e fazia uso do automóvel da empresa. A “sua economia não era declarada”, sendo mantida à margem do padrão convencional. Além do trabalho, não tinha outras actividades estruturadas. Referiu estar afastado, nos anos mais recentes, de influências antinormativas, mas chegou a manter algum convívio e contactos com sociabilidades que conheceu em ambiente de prisão.


19. Encontra-se privado da liberdade pela segunda vez, tendo anteriormente sido condenado numa pena de prisão de 5 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (Proc. 291/15.2...). Executou esta pena de prisão entre 29/07/2015 e 26/03/2019, parte no domicílio em regime coativo de OPHVE e parte no EP..., tendo-lhe sido reconhecido um comportamento ajustado em ambos os contextos. A experiência de prisão foi retratada como penosa para ele e para família, que procurou apoiá-lo na vivência da reclusão.


20. No decurso desta primeira pena de prisão, acabou por reconhecer a responsabilidade criminal, associando a tolerância e permissividade que desenvolveu relativamente ao tráfico de drogas aos problemas económicos que sentia na altura e à necessidade de obter dinheiro. Foi restituído condicionalmente à liberdade em 26/03/2019, medida que vigorou até 29/01/2021 e ao longo da qual procurou veicular à DGRSP objetivos de vida normativos, assentes no exercício do trabalho e da sua autonomia económica por via deste. Cumpriu a liberdade condicional, tendo a pena sido declara extinta.


21. Deu entrada no EP..., em regime de prisão preventiva, à ordem do presente processo judicial, em 15/02/2022. Veicula um sentimento de injustiça face ao novo encarceramento, descrevendo-se prejudicado ao nível pessoal, familiar, laboral e económico por uma situação jurídico-penal que considera imerecida.


22. Descreve-se como um cidadão cumpridor das regras e respeitador do bem-estar social geral, manifestando interesse em corresponder à desejabilidade e expectativas sociais. A sua conduta em meio prisional mantém-se ajustada, encontrando-se a trabalhar na cozinha desde 07/11/2022. Continua a manter o apoio da família, recebendo visitas das irmãs e estabelece contactos regulares com os progenitores, via telefone e videochamada, não querendo receber visitas destes como forma de os proteger e de os preservar da realidade prisional.


De acordo com o Relatório Social a ela referente:


23. A arguida CC


(…)


32. No âmbito do PCC n.' 291/15.2..., por acórdão transitado em julgado em 23/10/2017, o arguido AA foi condenado numa pena de prisão de 5 anos e 6 meses pela prática, em 29/07/2015, de um crime de tráfico de estupefacientes, pena que foi declarada extinta pelo cumprimento em 29 de Janeiro de 2021.


(…).


FACTOS NÃO PROVADOS


Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos. Designadamente, não se provou que:


Da Acusação


(…)


Da Contestação


H. O arguido AA, nem em data não concretamente determinada, nem anterior ao dia 6 de Fevereiro de 2022, se vem dedicando à introdução e à venda de produto estupefaciente adquirido no território continental nesta RAM, nomeadamente haxixe e cocaína suficiente para cedência a terceiros.


I. Não foi o arguido AA ou alguém por sua indicação que, em data não determinada, mas anterior a 6 de Fevereiro de 2022, adquiriu os 19 blocos de resina de canábis e as 3 embalagens de cocaína atrás referidas.


J. A empresa “R... ...........” não entregou a aludida encomenda com o conteúdo acima descrito ao arguido AA e ele não a recebeu, entrando na sua posse.


K. O arguido AA não contactou a empresa “R... ...........”, nem tão pouco indicou que essa encomenda deveria, afinal, ser entregue no Caminho de ..., ....


L. Essa encomenda não era (efectivamente), para o arguido AA.


M. O arguido AA, antes da detenção, estava a descer do atrás referido apartamento, que a empresa onde trabalhava estava a remodelar.


N. Não foi entregue pela empresa “R... ...........”, ao arguido AA, qualquer encomenda, documento ou factura.


O. Contrariamente ao que sucede com outras guias de transporte da empresa “R... ..........., a guia de transporte referente à encomenda ajuizada não contém a data de entrega e a matrícula do veículo automóvel que a transportou (..-HB-..).


P. Não existe qualquer impressão digital do arguido AA na encomenda nem na guia de transporte e na factura a ela referentes.


Q. O arguido AA, assim que BB entrou no hall de entrada do Bloco... do referido prédio, foi de imediato detido e imobilizado por vários agentes da Policia Judiciária, tendo penas visualizado a sobredita encomenda no exterior, após ser transportado, já detido, desconhecendo o seu conteúdo.


R. O arguido AA não se socorreu da arguida CC, a quem não conhece, e não a incumbiu de remeter produto estupefaciente adquirido para a RAM, através da encomenda ajuizada, expedida por transitário marítimo.


S. O arguido AA, em momento algum delineou qualquer plano com a arguida CC para ela se deslocar ao estabelecimento comercial denominado “B.... .....”, sito em ..., onde adquiriu o já referido equipamento de ar condicionado portátil.


T. O arguido AA nunca utilizou os telemóveis que lhe foram apreendidos para acordar transações de produtos estupefacientes.


U. As quantias monetárias apreendidas no processo ao arguido AA provinham e destinavam-se à sua actividade comercial de ... e de construção civil, tendo sido levantadas no “Banco Millenium, BCP”.


V. O arguido AA “não é membro de um Bando dedicado ao crime”.


*


O demais vertido na acusação e na contestação e supra expressamente não mencionado em sede de “Factos Provados” e “Não Provados”, não o foi por consubstanciar matéria de direito e/ou conclusiva.


(…)


E foi a seguinte a “motivação fáctica”:


(…)


Isto dito, e concretizando, começando pelo arguido AA, este nas declarações que prestou quer em julgamento quer quando ouvido em Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, negou veementemente ser o efectivo destinatário da encomenda (mercadoria) entregue pelo transitário R... ..........., no dia 14 de Fevereiro de 2022, no Caminho de ..., no ..., que acondicionava as já referidas cocaína e cannabis (resina).


Deslocara-se a esse prédio urbano nesse dia porque a “sua empresa” realizara obras de remodelação de um apartamento ali existente, situado no seu 3' andar (correspondente à Fracção autónoma “AT” desse Bloco e prédio), e, estando a obra já terminada e limpa, aí se deslocara para efectuar a sua “vistoria final”. Em virtude dessas obras - que não previam a colocação de qualquer aparelho de ar condicionado - tinha uma chave de acesso a esse apartamento desde há pelo menos duas semanas e meia a 3 semanas, reportadas à data dos factos.


Depois de tal ter feito, estava a descer as escadarias do prédio (correspondente ao Bloco ...do Caminho de ...) para ir para outra “obra sua”, num apartamento sito na Rua ..., no ..., e, quando estava a chegar à porta que lhe dá acesso para sair, foi abordado por Inspectores da PJ, que logo o imobilizaram e depois detiveram.


Não recebeu qualquer encomenda, não assinou quaisquer papéis (nem guia de transporte, nem factura) e nem sequer viu a côr da caixa que continha o aparelho de ar condicionado em cujo interior foi colocado produto estupefaciente. Referiu ainda que o funcionário do transitário “R... ...........” que iria proceder à entrega (que sabemos ser BB), não chegou a entrar no edifício. Esse funcionário estava no seu exterior quando ele foi abordado pela Polícia, pelo que não falou com ele e não recebeu qualquer mercadoria nem a documentação respectiva.


Indagado disse desconhecer a empresa “F........ ....., Lda.” e a Rua ....


Negou também ter dado qualquer indicação a esse funcionário do Transitário em causa para que aquela mercadoria lhe fosse entregue a si e naquela morada e, negou, em outras situações, ter recebido encomendas entregues por ele.


No entanto, se em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido referiu nada ter contra qualquer funcionário do referido Transitário e vice-versa, além de “pouco os conhecer”, já em julgamento disse que o aludido BB, que se restaura móveis antigos, estaria, senão zangado, pelo menos agastado com ele porque pretendia comprar um móvel antigo existente no apartamento que estava então a remodelar e essa compra e venda não se veio a concretizar.


Depois de questionado sobre se FF, no dia 28/01/2022, levantara, a seu pedido, nas instalações do transitário R... ..........., um outro aparelho de ar condicionado que transportou para um apartamento sito na Pena, no ..., confirmou que FF era colaborador “da sua empresa” e que levantou esse equipamento, mas que não foi para a Pena, mas sim para outro apartamento de “um cliente estrangeiro com nome esquisito” (sic). Ainda sobre essa encomenda, foi questionado sobre o facto de esta ter como destinatário “GG” ao que respondeu tal não saber por não ter sido ele a fazer a encomenda. Questionado sobre de que forma um seu funcionário conseguiu levantar uma encomenda que não lhe era destinada, não conseguiu dar uma resposta cabal, dizendo apenas “Eu não tenho relações com os transitários...Não tenho culpa de eles entregarem a encomenda” (sic).


Referiu ter feito cerca de 10 obras de remodelação e que apenas numa delas foi feita a colocação de um aparelho de ar condicionado.


Em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido terminou dizendo que os Inspectores da Polícia Judiciária bem como as testemunhas inquiridas, estavam a mentir sobre ser ele o real destinatário da encomenda com droga apreendida nos autos e quanto a ter-lhe sido entregue e idêntica tese veiculou em julgamento, clamando pela sua inocência no acto de tráfico de estupefacientes ajuizado.


Negou conhecer a arguida CC


Já esta, por seu turno, quer nas declarações que prestou em julgamento quer nas que prestou em sede de “Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido”, confirmou ter sido ela a própria a efectuar a compra do ar condicionado portátil, apreendido nos presentes autos, na “B.... .....” de ..., no dia 06/02/2022, fazendo-se deslocar na sua viatura Ford C-Max, com a matrícula ..-ZF-.., e, ainda, de ter sido ela a entregar, no dia 07/02/2022, no transitário T....., o referido equipamento, para expedição para esta RAM, fazendo-se deslocar numa viatura TVDE, por aquela estar avariada.


Fê-lo a pedido de um indivíduo que identificou como HH (que residirá numa moradia em ... com os pais, se deslocará numa viatura Porsche Panamera, de cor branca, e terá uma empresa TVDE), com quem manteve uma relação afectiva durante cerca de 4 meses, que lhe pediu que efetuasse a compra daquele equipamento em concreto, naquele estabelecimento, em nome de um seu primo de nome DD, que residiria na Ilha da Madeira, na Rua ..., no .... Assim, depois de efectuar a compra do equipamento, nesse mesmo dia, entregou-o, perto da sua residência, a HH. Refere que nessa noite estiveram juntos na sua casa mas, depois, ele foi embora e levou com ele o equipamento. Na manhã do dia seguinte, o mesmo HH pediu-lhe que fosse ao Transitário T..... entregar a mercadoria para que fosse expedida para a Madeira, uma vez que ele tinha uma reunião e não conseguiria fazê-lo, tendo-lhe então entregue, à porta de sua casa, o equipamento que carregou no seu carro (Ford C-Max). Contudo, explicou que, quando se ia deslocar ao Transitário, o seu carro não pegou e, por esse motivo, contactou um serviço TVDE para aí efectuar a entregar do equipamento.


Quanto a HH disse nunca mais ter sabido deles. Após a entrega do equipamento no transitário só estiveram juntos mais uma três vezes e depois perderam o contacto por completo. “Ele desapareceu”, disse. Ressentida e magoada, acabou por eliminar o contacto telefónico que dele tinha no seu telefone móvel, até porque ficou inactivo desde finais de Fevereiro, início de Março de 2022.


Referiu não saber qual era a direcção da casa onde residia o referido HH. No entanto, disse saber ir lá e referiu ter-se disponibilizado a aí se deslocar com Inspectores da Polícia Judiciária.


Em ambas as ocasiões negou, peremptoriamente, ter adulterado o conteúdo do referido equipamento e ter nele introduzido o produto estupefaciente que veio a ser apreendido nos presentes autos.


Afirmou que, à data dos factos, atravessava por dificuldades financeiras e que recebeu algumas quantias monetárias, de 100€ e 150€, de HH para fazer face a essas dificuldades, uma vez que com ele mantinha uma relação afectiva, mas negou ter recebido qualquer contrapartida monetária para efectuar a compra do ar condicionado portátil e expedi-lo no transitário para esta RAM, o que fez desconhecendo o seu real conteúdo.


Negou conhecer o arguido AA.


BB, funcionário no Transitário R... ........... referiu ao Tribunal que, na última sexta-feira que antecedeu os factos, à tarde, o arguido, tendo-se cruzado com ele numa rua por onde seguia apeado (a sua casa fica a cerca de 300 metros da “Loja do arguido”), lhe pediu para entregar a encomenda ajuizada na sua própria casa (da testemunha), ao que ele não acedeu. Perante isso, pediu-lhe para a entregar na morada atrás referida, ou seja, no Caminho de... De resto, em cerca de dois meses, em finais de 2021, a pedido do arguido, entregou duas outras encomendas que pensou conterem material para obras nessa mesma morada, embora delas constasse outra morada de entrega.


Combinaram fazer aí a entrega na segunda-feira seguinte (dia 06/02/2022), pelas 08.30 horas, tendo ficado combinado que o arguido estaria à sua espera.


Assim o fez. Pensa que tocou à campainha, já não se recordando para que fracção em concreto, e o arguido, que estava à sua espera como combinado, veio para o “Hall” de acesso ao prédio e abriu-lhe a porta, tendo ele aí entrado com a encomenda que, em face do seu peso, transportava num “carrinho”. Retirou a encomenda desse “carrinho” e entregou-a ao arguido, assim como “os papéis” respectivos, que já “estavam nas suas mãos”. É quando vai facultar ao arguido uma caneta para que ele assine a guia de entrega que surgem Inspectores da Polícia Judiciária que vêm a detê-lo, Inspectores de cuja presença no local ele já tinha conhecimento, embora tenha actuado como se “nada de anormal se passasse” e com a naturalidade possível.


Negou ter qualquer animosidade contra o arguido e ter existido entre ambos o “projecto de negócio” por ele adiantado.


FF, pedreiro na construção civil, referiu ter trabalhado durante cerca de um ano para o arguido, que tinha como o seu patrão, e, em concreto, 2 a 3 dias na obra efectuada no apartamento sito no Caminho de....


Confrontado com a Guia de Transporte de fls. 22, reconheceu a assinatura de recepção da mercadoria/encomenda a que respeita como sendo a sua, bem como demais elementos identificativos dela constantes.


Referiu que foi a pedido do arguido, que lhe disse não o poder fazer porque tinha uma reunião, que procedeu ao levantamento da encomenda a que essa Guia respeitava (assim como a factura de fls. 21) no Transitário “R... ..........., pensando que essa encomenda, que pesaria cerca de 30 kg, continha um aparelho de ar condicionado. Disse no Transitário que era para o patrão, arguido, e foi-lhe entregue (embora dela constasse como destinatário “formal” GG, residente na Rua da ..., no ...).


Também por indicação do arguido, deixou essa encomenda num apartamento em reconstrução, na zona da ..., no ..., mais concretamente na Rua ....


II e JJ, Inspectores da Polícia Judiciária, o primeiro a chefiar a Brigada de Tráfico de Estupefacientes do Funchal, que ambos integram, esta última titular da investigação subjacente aos autos e autora do Relatório Final que deles consta, que explicitou, no seu conjunto, deram conta, desde logo, do fio condutor dessa investigação, bem como das buscas, apreensões, revistas, diligências externas e demais diligências probatórias neles feitas.


Assim, em resumo, desses depoimentos resultou ter sido recebida nessa Polícia uma denúncia anónima a dar conta de que um indivíduo, o “AA” (assim é conhecido o arguido), iria receber, nesta RAM, dissimulado em mercadoria, produto estupefaciente, através de um transitário.


Em face dessa denúncia, no dia 11 de fevereiro de 2022, elementos da PJ deslocaram-se a Transitários e, no transitário “R... ...........”, verificaram a existência de uma mercadoria, cujo destinatário era DD, NIF .......15, Rua ... ..., que corresponderia a um ar condicionado portátil, conforme factura adida à expedição da mercadoria, emitida pela loja da “B.... .....” de ..., no dia 06/02/2022.


Recolhida informação anterior e efectuadas pesquisas através do referido NIF, constatou-se que correspondia à sociedade “F........ ....., Lda.”, com sede na Rua ..., em ..., que já se encontra extinta.


Tendo sido chamado pelos sócios da sociedade “R... ...........”, o transportador, BB, deu-lhes conta de que (afinal, apesar do destinatário e morada dela constante) a encomenda suspeita iria ser entregue no dia 14 de Fevereiro de 2022, pelas 08h30, num “apartamento em remodelação” situado no Caminho de ..., no ..., a um indivíduo chamado “AA”.


Tanto quanto narrou a testemunha II, deu-se conta de que o referido BB passava em frente da “loja da empresa de construção do arguido” nos seus percursos de ir para ou vir de sua casa, existindo uma relação de confiança entre ambos que permitia informalidade nas entregas de encomendas.


Ainda junto dos serviços logísticos do transitário “R... ...........” apuraram então que, a 28/01/2022, fora transportada uma outra mercadoria, nos mesmos moldes, desta feita sendo o destinatário GG, Rua ... ..., e o expedidor a empresa “B.... .....”, cuja entrega, segundo anotação, era para ser feita no n.º ..., do Caminho de ..., no .... Contudo, perante os atrasos nas entregas provocado pela falta de colaboradores que se encontravam de baixa médica, a referida encomenda acabou por ser levantada no armazém do transitário, por FF, que se fazia transportar na viatura com a matrícula ..-..-OT, registada em nome da empresa “…, Unipessoal, Lda”, cuja sócia/gerente é EE, irmã do arguido AA. Quanto à morada aposta nessa encomenda como sendo a do seu destinatário - Rua ..., ..., vieram a apurar tratar-se de um edifício devoluto, sem quaisquer sinais de habitabilidade.


Sabedores do “real destino” da encomenda, foram depois efectuadas diligências no sentido de confirmar a existência da morada mencionada, Caminho de ..., ..., tendo-se verificado que correspondia a um conjunto habitacional, com a designação “...”, composto por vários blocos, por sua vez, composto por diversas fracções autónomas. Quanto à morada aposta na encomenda como destinatário - Rua ..., ... – constatou-se que ficava situada em frente ao Conjunto Habitacional ..., onde não existe o nº....


Do mesmo modo, sabendo que a encomenda ia ser entregue na segunda-feira seguinte, acompanharam então a sua colocação no camião para entrega/distribuição e foi montado o dispositivo para, naquele dia, “monitorizar” essa entrega, de onde veio a resultar a detenção do arguido em flagrante delito.


O Inspector II, escudando-se na sua experiência profissional, referiu que os aparelhos de ar condicionado como o apreendido nos autos são utilizados para dissimular droga porque é muito fácil “retirar-lhes o miolo” e que deu conta de que a cocaína e o haxixe são comercializados nesta Região Autónoma a preços muito superiores aos praticados em Portugal Continental, em face da descontinuidade geográfica existente, o que dificulta que aqui seja introduzida.


Já a Inspectora KK, relativamente aos telemóveis apreendidos nos autos ao arguido AA, referiu ainda que, efectuada a sua leitura, extração e análise, não detectaram quaisquer contactos entre os arguidos e que, em dois deles, detectaram que se encontrava instalada a aplicação “TELEGRAM”, aplicação que dispõe da funcionalidade de eliminar automaticamente as conversações realizadas, passando ao lado do crivo policial o que, de acordo com a sua experiência profissional, é comum “no mundo do tráfico”.


LL, também Inspector da Polícia Judiciária e elemento da Brigada de Tráfico de Estupefacientes do Funchal, nada sabia sobre o caso sujeito.


MM, também Inspectora da Polícia Judiciária e, à data dos factos, a exercer funções no ..., que integrou o dispositivo montado para acompanhar a entrega da encomenda ajuizada, referiu estar, então, num local que lhe permitia visualizar a entrada para o Bloco ...do prédio em causa.


Assim, entre as 08.30 e as 09.00 horas, constatou a chegada da viatura de transporte de mercadorias que havia saído do transitário “R... ...........”, e avistou um seu funcionário a dela sair e a retirar, da parte traseira, essa encomenda e, com o auxílio de um carrinho, a transportá-la para esse Bloco.


Viu o arguido a abrir a porta (estava no interior desse Bloco) e a fazer sinal a esse funcionário que estava a transportar a encomenda e que entrou com ela no Hall desse Bloco. Não tem ideia de esse funcionário ter chegado a tocar à campainha. Tanto quanto se apercebeu, o arguido já estava no referido Hall à espera dele.


No momento em que o arguido se preparava para assinar a respectiva guia de transporte, a porta de acesso ao Bloco F do n.º 187 estava a fechar, e temendo que o acesso àquele local ficasse impossibilitado, antecipando uma possível fuga, por razões operacionais e de segurança, optaram por abordar o arguido, o que fizeram no interior do referido hall.


Pensa que a encomenda, já no interior desse “hall”, estaria ainda em cima do carrinho em que fora transportada.


NN, igualmente Inspectora da Polícia Judiciária, também integrou o já referido dispositivo montado para acompanhar a entrega da encomenda ajuizada, que essa polícia suspeitava conter droga.


Também ela, alertada por outra equipa da aproximação da viatura de transporte de mercadorias que havia saído do transitário “R... ...........”, viu o “carregador” a transportar uma caixa de grandes dimensões com um carrinho para o aludido Bloco de apartamentos.


Não integrando a equipa que fez a abordagem inicial ao arguido, quando vem a entrar no interior do Hall que lhe dá acesso, já ele estava algemado. A encomenda estava junto dele e no chão (fora do carrinho onde fora transportada), até porque o transportador, quando ela chegou, já saíra do local.


Também OO, igualmente Inspector da Polícia Judiciária e, à data dos factos, a exercer funções no ..., integrou o dispositivo montado para acompanhar a entrega da encomenda ajuizada, tendo feito equipa com a colega MM. Assim, juntamente com ela, fez vigilância ao local onde o então suspeito e agora arguido iria receber a encomenda ajuizada.


Em suma, foram para o local muito cedo e, a dado momento, foram alertados por outros colegas para a chegada iminente da encomenda, numa viatura de transporte de mercadorias que tinha saído do transitário “R... ...........”. Viu um indivíduo a descer umas escadas com a encomenda colocada num carrinho em direcção ao Bloco de apartamentos já atrás referido e o arguido a chamá-lo, fazendo-lhe sinais para ele entrar no “hall” de acesso aos apartamentos desse Bloco e a, para tanto, abrir-lhe a porta.


O arguido e esse indivíduo entraram no Hall, este para aí transportando a encomenda.


Constatou que esse indivíduo colocou a encomenda ao lado do arguido (não se recordando, todavia, se no chão se ainda em cima do carrinho onde fora transportada) e que lhe entregou “os papéis” referentes à sua entrega, que já estavam nas mãos do arguido quando o abordaram.


Fizeram-no antes de o arguido poder assinar a “Guia de Entrega respectiva” porque, se a porta do hall se fechasse, podiam perder o rasto à encomenda pois não sabiam para que apartamento em concreto a podia levar e não tinham acesso a nenhum deles.


Tendo o arguido oferecido resistência, foi manietado.


PP, Fiel de Armazém na “R... ...........” desde há mais de 30 anos, referiu ser sob as suas ordens que as encomendas saem do armazém para serem entregues e que, em regra, as entregas são feitas 1 a 2 dias após a sua entrada no armazém.


Ele nada tem a ver com a forma como, em concreto, essas entregas são feitas.


QQ, Motorista na “R... ...........” desde há 18 a 19 anos, que referencia o arguido como cliente dessa empresa desde há cerca de 2 a 3 anos, conduzia o veículo automóvel aquando da entrega da encomenda em causa que confirmou ter sido feita na já referida morada pelo seu colega, a testemunha BB. No entanto, tendo permanecido no interior do veículo, não assistiu à concretização dessa entrega.


Quem trata do preenchimento das Guias de Entrega é esse seu colega e é também ele quem decide se pode alterar o local onde é suposto as entregas ocorrerem. No entanto, em rigor, só podem entregar as encomendas em lugar distinto do que delas consta como sendo a do destinatário por indicação “do escritório” ou do “encarregado”.


RR, Especialista da Polícia Cientifica no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, nada de novo trouxe aos autos para além do que consta do Relatório de Exame Pericial feito à droga apreendida nos autos, junto a fls. 1681, que co-elaborou enquanto perita.


SS, Empregado de Escritório na “R... ...........”, nada sabendo sobre o caso em apreço, referiu que os transportes feitos por essa empresa são pagos no acto.


TT, gerente da sociedade “M..... ........ .. ......., Unipessoal, Lda.” e irmã do arguido, referiu ter recorrido aos serviços da “R... ...........” entre desde Junho de 2018 a Dezembro de 2022. Disse ter deixado de o fazer porque, em diversas ocasiões, recebeu encomendas que estavam abertas, onde faltava mercadoria que fora encomendada e mesmo com mercadoria danificada.


Reportou esses incidentes àquela empresa, o que causou desagrado no já referido BB, funcionário que procedeu a todas as entregas de encomendas contratadas com essa empresa, que com isso a chegou a confrontar.


Referiu que a sociedade “M..... ........ .. ......., Unipessoal, Lda.” Teve a seu cargo as obras de remodelação de um apartamento sito no já referido ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sio no Caminho de ..., no ..., obra que, estando terminada, era para ter sido entregue no dia da detenção do seu irmão.


De resto, “os mestres” já tinham sido transferidos para outra obra de remodelação de um apartamento a cargo da mesma sociedade, que, segundo ela, iria iniciar-se também nesse dia, situado “na morada que está dita nos próprios autos” (sic).


Ou seja, acrescentamos nós, na Rua ..., ..., cujas chaves foram encontradas na viatura automóvel utilizada pelo arguido e que, na sequência da sua detenção e a seu pedido, foram entregues pela Polícia Judiciária a um colaborador daquela sociedade de nome UU, “que se encontrava à espera delas para poder prosseguir com a obra” – cfr. fls. 34 dos autos.


Tentou veicular que o dinheiro (€ 3.220,00) encontrado em envelopes colocados cima do roupeiro existente no quarto do arguido provinha do giro comercial da sociedade por si gerida (sendo resultante do cheque no montante de € 5.600,00, (e não de € 3.000,00 ou € 5.000,00, como referiu) por si emitido e pelo seu irmão levantado) e destinava-se a esse giro (concretamente ao pagamento do pessoal encarregue de fazer as obras).


Referiu que o identificado BB estava interessado na aquisição de um móvel antigo existente no apartamento sito no ... do já aludido prédio, tendo chegado a ele se deslocar para o ver e que o negócio só não se concretizou porque, em face do peso e dimensões desse móvel, ter de ser desmantelado para daí poder ser retirado.


Terminou dando conta das funções exercidas pelo arguido na empresa por si gerida e da sua essencialidade nessa empresa.


VV, sócio gerente da sociedade “R... ............ ....”, referiu que Inspectores da Polícia Judiciária, numa 5ª ou numa 6ª feira, se deslocaram aos armazéns da sociedade com vista a localizarem uma encomenda que teriam transportado para esta Região a partir do continente português.


Não os acompanhou, mas sabe que terão localizado a encomenda que procuravam e foi-lhes dito para procederem à sua entrega “como normalmente”, o que fizeram.


Nada sabe, todavia, quanto à forma como se concretizou, mas soube que a Polícia Judiciária estava presente aquando da sua realização e que essa encomenda conteria droga.


Não existe na empresa qualquer suporte documental que permitisse a entrega da encomenda suspeita a pessoa distinta da que dela constava como seu destinatário e numa morada diferente da nela aposta como sendo aquela a que se destinava.


Adiantou também que são os funcionários que “controlam a entrega efectiva das encomendas”, sendo conferida autonomia nessa entrega a quem as faz.


Classificou o já referido BB, que trabalha na empresa desde a sua criação, como bom funcionário.


Valorados foram ainda, nesta sede, a prova pericial efectuada nos autos e, assim, o Relatório Pericial de fls. 1681; o Relatório de Exame Pericial de fls. 59 a 60; o Relatório Pericial de fls. 70 a 81, o Relatório Pericial de fls. 446 a 449, bem como todo o acervo documental deles constante, designadamente e em destaque, o Auto de Notícia de Crime e Relatório Inicial de Diligências de fls. 12 a 18; os documentos de fls. 21 e 22; o Auto de Diligência de fls. 27 a 29; os Auto e documentos de fls. 30 a 34; os Autos e fotogramas de fls. 37 a 60; o Auto de Notícia de Detenção em Flagrante Delito de fls. 61 a 65 (na sua objectividade); o Auto de Busca e Apreensão de fls. 172 a 174; a Reportagem Fotográfica de fls. 175 a 191; os Fotogramas de fls. 268 a 280 e de fls. 289 a 319; a cota de fls. 320; os documentos de fls. 321 e 322; o Auto de Análise de fls. 619; a Cota a fls. 1545 a 1546; o Auto de Busca e Apreensão e Fotogramas de fls.1459 a 1465; o Auto de Busca e Apreensão de fls. 1468 e a Reportagem de fls. 1469; o Auto de Exame Directo de fls. 1475 a 1478; os documentos de fls. 1675 a 1679; a fotocópia do cheque constante de fls. 1778 (ainda que incompleta, já que não consta o seu verso, nem fisicamente nem no “CITIUS”).


Enfim, feita a ponderação crítica de toda a prova produzida, que supra se elencou, não teve o tribunal a menor dúvida em concluir ser o arguido AA o efectivo destinatário da encomenda contendo droga que, contra a sua vontade, veio a ser apreendida nos autos e que, efectivamente, veio a receber. A sua tentativa de tal se alhear é absolutamente risível e inverosímil e foi claramente infirmada por toda uma panóplia de elementos objetivos trazidos aos autos e por vastíssima prova testemunhal, pautada, diga-se, por depoimentos marcados por evidentes assertividade, desassombro, e imparcialidade.


Claramente, aproveitou-se do “facilitismo” que a confiança existente entre ele o aludido BB (que, como a sua própria irmã referiu, era a pessoa que também procedia sempre às entregas de encomendas contratadas pela empresa por si gerida), do facto de ser conhecido na “R... ...........” e de ter acesso a casas por via da sua actividade laboral, para receber encomendas que a ele “formalmente” não estavam destinadas e em moradas distintas das que delas constavam, como o fez com a encomenda contendo droga que aqui veio a ser apreendida, tendo-a recebido antes de detido. E não colheu qualquer credibilidade a sua tentativa de, em julgamento, tentar “diabolizar” aquela testemunha (no que foi secundado pela sua irmã) tanto mais que tal não fez em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, onde disse conhecê-la e não ter com ele qualquer conflito.


E, diga-se, a este propósito, impõe-se recordar a mais valia das declarações prestadas pelos arguidos naquele contexto por contraposição às prestadas em julgamento, por mais próximas dos factos e, por esse motivo, mais espontâneas e alheias a uma estratégia de defesa que, em momento posterior possam vir a gizar, como ensina jurisprudência uniforme.


Depois recorde-se, ficou claramente comprovado ter, em datas anteriores, logrado receber encomendas em moldes similares, como ficou testemunhal e documentalmente comprovado.


E, a este propósito, não pode deixar de se salientar a evidenciada circunstância de, como se apurou, ter recebido, a 28/01/2022, no mesmo Transitário “R... ...........”, através do seu colaborador FF, uma outra encomenda que lhe não estava destinada que, conteria um outro aparelho de ar condicionado portátil também adquirido na “B.... .....” (cfr. fls. 21) que este, segundo sua indicação, deixou num apartamento que estava a ser remodelado pela empresa onde trabalhava, sito na Rua.... Sintomaticamente, aquando da sua detenção, como vimos, o arguido tinha na sua posse as chaves de um apartamento sito nessa Rua, cuja morada completa atrás se referiu. Tudo indica tratar-se do mesmo apartamento a que, mais uma vez, o arguido tinha acesso.


E, ainda a este propósito, não podemos esquecer que o próprio arguido admitiu que apenas um aparelho de ar condicionado foi colocado nas obras que efectuou.


Mais ainda, há aqui que relembrar que o referido BB afirmou ter entregue ao arguido, para além da mercadoria apreendida nos presentes autos, duas outras, que conteriam eletrodomésticos, no Caminho de ..., onde, mais uma vez, ele tinha acesso à fração 2ª “AT” e ao R/C AP (cfr. Auto de Diligência a fls. 31 a 34).


Contra as fortes evidências contra ele recolhidas, é de todo desajustado pretender-se vítima de uma “perseguição da Polícia Judiciária” e de mentiras veiculadas por testemunhas para o prejudicarem, o que, à saciedade, não colheu qualquer suporte.


Diga-se, ainda, nesta sede que, contrariamente ao por ele pretendido, nada há de anormal a registar quanto à “Guia de Remessa” referente à entrega da encomenda suspeita ajuizada.


Na verdade, essa guia “só” não está assinada pelo destinatário e pelas razões que resultam da resenha já feita da prova testemunhal produzida, maxime dos depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária ouvidos.


Mas já não é verdade que, tal como sucede com outras guias de transporte da empresa “R... ..........., não contenha a data de entrega e a matrícula do veículo automóvel que a transportou (..-HB-..).


É que a “Guia de Transporte” que corporizou aquela entrega não é a que está junta a fls. 22 dos autos, que mais não é do que uma sua cópia obtida pela Polícia Judiciária quando, na fase inicial do processo, se deslocou aos armazéns daquela empresa e aí veio a localizar a encomenda suspeita e os documentos a ela referentes que, e bem, logo cristalizou, tudo antes da sua efectiva entrega (cfr. o já referido Auto de fls. 12 a 14, de que constitui um anexo).


A Guia de transporte que vem a ser fornecida ao arguido quando lhe foi entregue a encomenda em causa é a que se encontra junta a fls. 39 dos autos, que contém as sobreditas menções.


Mais ainda, diga-se, é em tudo igual às três guias da mesma empresa que a própria defesa juntou aos autos, constantes de fls. 1676 e verso que, trazendo à colação o depoimento da irmã do arguido, lhe foram entregues aquando do recebimento, por ela, de encomendas, ainda que, tal como aquela, não estejam por ela assinadas, sua destinatária, todas pelo mesmo BB.


Apenas tendo sido realizado exame lofoscópico ao aparelho de ar condicionado apreendido nos autos, não pode o tribunal concluir pela inexistência de impressões digitais do arguido AA na encomenda aqui em causa nem na guia de transporte e na factura a ela referentes.


Já as impressivas quantidades de canábis (resina) que o arguido pretendia introduzir nesta região leva a concluir, naturalmente, que se destinava a ser por si comercializada, com os ganhos daí inerentes.


Estamos perante tráfico de estupefaciente, como, de resto, inculcam as regras da experiência da vida e razões de lógica elementar (cfr. neste sentido, Fernando Gama Lobo, Droga – Legislação – Notas, Doutrina, Jurisprudência, Quid Juris Sociedade Editora, 2010, pág. 49).


No que toca ao dolo que presidiu à conduta do arguido, (facto do foro psicológico), retirou-o o tribunal da objectividade da sua demonstrada conduta que, num processo lógico e racional, claramente o permite presumir, em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09/10/2001, em CJ, T. IV, pág. 285 e segs.; o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/12/2008, disponível em www.dgsi.pt).


Enfim, foi feita prova que permitiu ao tribunal concluir, sem qualquer dúvida, ter o arguido AA protagonizado o acto típico ilícito de tráfico de estupefacientes que lhe vinha imputado.


O mesmo já não é de dizer, todavia, no que à arguida CC respeita. (…)


Enfim, e sintetizando, perante o “non liquet” probatório verificado e a dúvida razoável que permanece, impôs-se ao tribunal afastar a prática, por ela, do acto de tráfico que lhe vinha assacado, como se infere do que atrás começou por se expor.


Nos termos expostos, pode o tribunal dar como provada, pela forma que se deixou elencada, a matéria factual relacionada com a actividade delituosa assacada aos arguidos que se deixou vertida nos pontos 1. a 16., inclusive e em A) a V), inclusive, respetivamente.


Quanto à factualidade respeitante à situação pessoal, económica e familiar dos arguidos e seus percursos de vida, vertida nos pontos 17. a 31., inclusive, foram valorados os relatórios sociais a eles referentes, com que os autos foram instruídos.


No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, a que se aludiu nos pontos 32. e 33, baseou o tribunal o seu convencimento na análise dos seus Certificados de Registo Criminal, juntos a fls. 1706 a 1710 verso, que os atestam.


(…)


2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso.


2.1. Como acima se consignou, as questões suscitadas pelo recorrente no presente recurso coincidem em grande medida com as que havia suscitado no recurso interposto do acórdão da primeira instância para o TRL e neste apreciadas e decididas no sentido da respetiva improcedência e da manutenção daquele primitivo acórdão, salvo quanto à perda das quantias apreendidas, que mandou restituir-lhe, nessa parte revogando esse mesmo acórdão.


Entre elas figura a da impugnação da matéria de facto, ainda que maquilhada (i) na verificação do vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP [conclusão 1ª], (ii) na violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, nos termos dos artigos 355º, n.º 1, e 127º do CPP [conclusões 2ª e 3ª], e (iii) na nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 355º, 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP [conclusões 4ª a 6ª]


Ora, como pertinentemente se refere no parecer emitido pelo Ministério Público neste STJ, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 434º e 432º, n.º 1, al. b), do CPP, “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”, sendo que na al. b) deste preceito se prevê precisamente a hipótese de recurso como o presente, é dizer aquele interposto para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.


Hipótese, portanto, em que, ao contrário do que sucede nas suas alíneas a) e c), relativas, respetivamente, aos recursos interpostos para o STJ “de decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” e “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”, não se contempla como fundamento do recurso os vícios e nulidades referidas neste artigo 410º, n.ºs 2 e 3.


Assim sendo, apesar de ter sido admitido pelo TRL sem qualquer restrição, esta decisão não vincula o tribunal ad quem e o recurso tem de ser rejeitado nessa parte, por inadmissibilidade legal, nos termos das citadas disposições legais, conjugadas com o disposto nos artigos 414º, n.ºs 2 e 3, e 420º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal, sem prejuízo, naturalmente, do seu conhecimento oficioso, se do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, tais vícios e nulidades resultarem evidentes.


É essa, de facto, a orientação uniforme e constante da jurisprudência do STJ, após a entrada em vigor da atual redação daqueles artigos 432º e 434º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, com início de vigência no dia 20 de janeiro de 20222.


*


Indaguemos, pois, se o acórdão recorrido evidencia o vício e as nulidades convocadas pelo recorrente ou quaisquer outras, na medida em que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, como pacificamente se aceita3.


Debruçando-se sobre o mesmo vício do erro notório na apreciação da prova apontado pelo recorrente ao acórdão da 1ª instância, considerou-se no acórdão recorrido:


«(…) Decorre da própria letra da lei que o vício deve resultar “do texto de decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal). Assim, importa salientar que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.


(…) ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.


Por outro lado, importa distinguir bem o erro notório na apreciação da prova do erro de julgamento.


Trata-se de confusão reiterada que importa esclarecer. Efectivamente:


“O erro de julgamento (…) não se confunde com o vício da decisão. O erro de julgamento da matéria de facto tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP, e existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso.


Já os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (in RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).


O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto”.


(…)


Vejamos então no caso concreto:


A. De acordo com as alegações do Recorrente o erro notório na apreciação da prova resulta da circunstância do tribunal a quo, dar “como provados os factos 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12 da Acusação que constam da fundamentação da sentença”, remetendo assim, para um julgamento incorrecto, com falha na análise da prova, sem suportes probatórios bastantes. Ou seja, o Recorrente parte da premissa errada de que pode, ao invocar o vício em apreço, basear-se na versão dos factos que entende ser a correcta, abusando de “uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.


Não se verifica, assim, o invocado erro notório na apreciação da prova e, consequentemente, também não ocorre a nulidade do art. 379º nº 1 al. c) do CPP.».


*


Ora, contra a transcrita fundamentação do acórdão recorrido nada opõe o recorrente na motivação e conclusões do recurso que dele interpôs, antes incorrendo no erro nele apontado para afastar a verificação do vício em apreço, insistindo na ideia de que cumpriu escrupulosamente o tríplice dever de especificação na impugnação da matéria de facto, que verdadeiramente pretende ainda impugnar, na medida em que reafirma ter demonstrado, sem disso convencer o tribunal, que a versão da testemunha BB, funcionário do transitário encarregado da entrega da encomenda não era compatível com a do inspetor da Polícia Judiciária que conduziu a investigação, argumentação que, de resto, o tribunal de 1ª instância desmontou, explicando cabalmente porque é que considerou ambos os testemunhos credíveis e compatíveis, no que mereceu plena confirmação.


Com efeito, insiste na convocação de elementos externos ao texto da decisão, para deles extrair a notoriedade do erro de julgamento e não a verificação do vício de erro notório, que efetivamente não resulta do respetivo texto, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.


Acresce que, apesar de no acórdão recorrido se ter considerado não cumprido aquele tríplice dever de especificação, o TRL acabou por nele analisar aquela argumentação a propósito da enumeração das provas consideradas e sua análise crítica, que julgou verificada em conformidade com as exigências decorrentes do artigo 374º, n.º 2, do CPP, por isso afastando a verificação da sua nulidade, tal como prevista no seu artigo 379º, n.º 1, al. a), que o recorrente imputava à decisão da 1ª instância e em que reincide relativamente ao acórdão do TRL agora em apreço, mais uma vez, diga-se, sem qualquer argumento que não seja aqueloutro da incompatibilidade dos dois mencionados testemunhos e da sua insuficiência para fundarem o convencimento do tribunal quanto à prática dos factos por que foi condenado, a que somou o da valoração proibida do documento relativo à guia de transporte que lhe foi entregue, embora por si não assinada, por não ter sido exibida e examinada em audiência de julgamento, ao arrepio do que considera ser obrigatório, nos termos do artigo 355º do mesmo CPP.


Reafirmando também a violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.


Atentemos no que, de relevante, ficou consignado no acórdão recorrido, a este propósito:


«2. Impugnação da matéria de facto


O Recorrente manifesta o propósito de impugnar a matéria de facto através da sua impugnação ampla, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do Código de Processo Penal.


Efectivamente, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: na “revista alargada” de âmbito mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal; através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma.


(…)


No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal.


(…)


Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder à tríplice especificação estabelecida no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal:


(…)


A especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida.


(…)


Na realidade, “o cumprimento das exigências estabelecidas nos nºs 3 e 4 do artigo 412.º não se prefigura como um ónus de natureza puramente secundário ou formal mas antes como requisito essencial para a delimitação da inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto”.


Como bem assinala a Digna Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, o erro de julgamento da matéria de facto, tal como resulta do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, por regra reporta-se a situações em que o Tribunal a quo dá como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada declarou sobre o facto; em que não há qualquer prova sobre o facto dado por provado; a prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo; prova de um facto com base em provas insuficientes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova; e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.


No caso vertente, o Recorrente não cumpriu cabalmente essas exigências, nas motivações e nas conclusões, ou seja, embora tenham especificado os «concretos pontos de facto» (indicação dos factos individualizados que se consideram incorrectamente julgados), falharam na especificação das «concretas provas» (indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova) e, essencialmente, na explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Consequentemente, ficam claramente aquém das exigências de especificação legalmente impostas para o recurso amplo sobre a matéria de facto, decorrentes do art. 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.


Na realidade, no que respeita aos depoimentos das testemunhas transcritos, analisados à luz do que consta da motivação do acórdão recorrido, não se encontra a explicitação de nenhuma razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.


No caso dos autos, por incumprimento da obrigação de especificação dos nºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, quer na motivação, quer nas conclusões, justifica-se e impõe-se o não conhecimento da impugnação ampla.


Ainda assim, diga-se, a análise concomitante de toda a prova em confronto com as declarações transcritas permite considerar o juízo formulado pelo tribunal a quo como correcto e devidamente fundamentado, de acordo com as regras da experiência, não se impondo a sua alteração.


Importa não esquecer que a jurisprudência constante dos nossos tribunais aponta no sentido de que a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência – a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação – não pode ter sucesso se estiver alicerçada apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida.


Em síntese, tendo-se verificado que o tribunal a quo – que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova – recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, que no acórdão seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, não se mostrando a decisão recorrida nem ilógica, nem arbitrária, nem notoriamente violadora das regras da experiência comum, não existe fundamento para alterar a matéria de facto impugnada.»


Acrescentando-se, quanto à nulidade do acórdão da 1ª instância prevista no artigo 379º, n.º 1, al. a), do CPP, por incumprimento do disposto no seu artigo 374º, n.º 2, aos princípios da proibição de valoração da prova (guia de transporte não exibida, examinada e contraditada em audiência), da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo


«(…)


A invocada nulidade do art. 379º nº 1 al. a) por violação do disposto no art. 374º nº 2 ambos do CPP (falta de indicação completa das provas e de exame crítico das provas) está, no recurso, relacionada com uma contradição insanável, nos termos do art. 410° n° 2 al. b) do CPP, com a violação dos art.s 35° a 39° do Dec-Lei 15/93 de 22.1 e são as únicas razões da discordância do Recorrente quanto à perda de bens.


(…)


Também não se verifica a invocada contradição.


E. No que respeita à quantia monetária declarada perdida a favor do Estado, o Recorrente invoca a falta de indicação completa das provas e a ausência de exame crítico. Porém, de forma suficiente, o tribunal afirma que “formou a sua convicção na concatenação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento – declarações dos arguidos e depoimentos de testemunhas, declarações prestadas pelos arguidos em sede de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, ali reproduzidas – , e da prova pericial e documental com que os autos foram instruídos…” e, adiante, especifica a valoração de todo o acervo documental de que destaca: “o Auto de Notícia de Crime e Relatório Inicial de Diligências de fls. 12 a 18; os documentos de fls. 21 e 22; o Auto de Diligência de fls. 27 a 29; os Auto e documentos de fls. 30 a 34; os Autos e fotogramas de fls. 37 a 60; o Auto de Notícia de Detenção em Flagrante Delito de fls. 61 a 65 (na sua objectividade); o Auto de Busca e Apreensão de fls. 172 a 174; a Reportagem Fotográfica de fls. 175 a 191; os Fotogramas de fls. 268 a 280 e de fls. 289 a 319; a cota de fls. 320; os documentos de fls. 321 e 322; o Auto de Análise de fls. 619; a Cota a fls. 1545 a 1546; o Auto de Busca e Apreensão e Fotogramas de fls.1459 a 1465; o Auto de Busca e Apreensão de fls. 1468 e a Reportagem de fls. 1469; o Auto de Exame Directo de fls. 1475 a 1478; os documentos de fls. 1675 a 1679; a fotocópia do cheque constante de fls. 1778 (ainda que incompleta, já que não consta o seu verso, nem fisicamente nem no “CITIUS”)”. Especificamente, em relação às guias de transporte que o Recorrente questiona, o exame crítico é claro e exaustivo:


“Diga-se, ainda, nesta sede que, contrariamente ao por ele pretendido, nada há de anormal a registar quanto à “Guia de Remessa” referente à entrega da encomenda suspeita ajuizada.


Na verdade, essa guia “só” não está assinada pelo destinatário e pelas razões que resultam da resenha já feita da prova testemunhal produzida, maxime dos depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária ouvidos.


Mas já não é verdade que, tal como sucede com outras guias de transporte da empresa “R... ..........., não contenha a data de entrega e a matrícula do veículo automóvel que a transportou (..-HB-..).


É que a “Guia de Transporte” que corporizou aquela entrega não é a que está junta a fls. 22 dos autos, que mais não é do que uma sua cópia obtida pela Polícia Judiciária quando, na fase inicial do processo, se deslocou aos armazéns daquela empresa e aí veio a localizar a encomenda suspeita e os documentos a ela referentes que, e bem, logo cristalizou, tudo antes da sua efectiva entrega (cfr. o já referido Auto de fls. 12 a 14, de que constitui um anexo).


A Guia de transporte que vem a ser fornecida ao arguido quando lhe foi entregue a encomenda em causa é a que se encontra junta a fls. 39 dos autos, que contém as sobreditas menções.


Mais ainda, diga-se, é em tudo igual às três guias da mesma empresa que a própria defesa juntou aos autos, constantes de fls. 1676 e verso que, trazendo à colação o depoimento da irmã do arguido, lhe foram entregues aquando do recebimento, por ela, de encomendas, ainda que, tal como aquela, não estejam por ela assinadas, sua destinatária, todas pelo mesmo BB”.


(…)


3. Violação dos princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo e da proibição de valoração de provas


Ao mesmo tempo que invocam os supra aludidos vícios do art. 410º e nulidades do art. 379º do Código de Processo Penal, argumentam os Recorrentes que o tribunal a quo, ao dar como provados os factos 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12 da Acusação que constam da fundamentação da sentença, violou o principio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127° do CPP, que existe um non liquet e, perante factos incertos o julgador deve valorar sempre em favor do arguido por respeito ao princípio in dubio pro reo e, ainda, que ocorreu uma violação do art. 355º nº 1 do CPP porquanto os factos provados referidos não resultaram da prova produzida em julgamento.


Quanto à apreciação da prova, apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua a vigorar o princípio fundamental de que na decisão da “questão de facto”, a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127º do Código de Processo Penal.


Por isso, a invocação da violação desse princípio não pode servir para o recorrente sindicar a livre apreciação da prova produzida em audiência, realizada pelo tribunal recorrido. Neste sentido, a apreciação da prova deve ser fundamentada nas “regras da experiência” e na “livre convicção” do juiz, por decorrência directa do art. 127º do Código de Processo Penal. Por isso e porque o art. 374º nº 2 do Código de Processo Penal exige o “exame crítico das provas” é que o tribunal deve fundamentar a decisão em operações intelectuais que permitam explicar a razão das opções e da convicção do julgador, a sua lógica e raciocínio. Para além das aludidas operações intelectuais o tribunal deve respeitar as normas processuais relativas à prova, segundo o aludido princípio geral da livre apreciação mas respeitando as proibições de prova (art.s 125º e 126º do Código de Processo Penal), as nulidades de prova, as regras de valoração de alguns tipos de prova como a testemunhal (art.s 129º, 130º e 355º do Código de Processo Penal), pericial (art. 163º do Código de Processo Penal) e a documental (167º a 169º do Código de Processo Penal).


Ora, como se viu, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.


Tanto quanto se consegue compreender, a violação do princípio da proibição de valoração de provas (art. 355º do CPP) decorreria do recurso a prova não produzida em julgamento, designadamente prova documental constante dos autos.


Percorridas as actas das várias sessões, não pode deixar de se registar que os arguidos devidamente representado pelos seus Ilustres Defensores bem como as testemunhas, foram confrontados com vários documentos constantes dos autos. Por isso, indiscutivelmente que tais documentos valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, por terem sido examinados em audiência, como decorre do teor literal do disposto no art. 355º nº 1 do Código de Processo Penal.


Porém, como decorre do nº 2 da norma em apreço, podem valer em julgamento as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, constituindo jurisprudência constante a que sustenta que “os documentos que se encontram juntos aos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de nesta ter sido feita a respectiva leitura e menção em acta, pois estando os documentos juntos ao processo e neles se alicerçando a acusação, óbvio é que não podia o arguido razoavelmente alhear-se do que deles constava e dispensar-se de contrariar a prova que contra si deles pudesse resultar”.


Consequentemente, não se vislumbra qualquer violação do aludido princípio.


Relativamente ao funcionamento do princípio da presunção de inocência e in dubio pro reo cumpre acentuar que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do juízo de censura do arguido, ora Recorrente.


No caso vertente, tal princípio só teria sido violado “se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos”.


Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.


Como vimos, no caso dos autos, a livre apreciação da prova não conduziu à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio in dubio pro reo, princípio esse que, indubitavelmente foi respeitado em relação à co-arguida que foi absolvida.


Com a devida vénia transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.0825, que desenvolvidamente explica porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio:


“De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).


Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (Suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).


Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».


A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).


Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (Repete-se: «A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador»)”.».


*


Fundamentação concludente e irrepreensível, a que se adere e de que resulta cristalino não ocorrerem, in casu, a nulidade e o vício do erro notório na apreciação da prova de qualquer dos acórdãos escrutinados, tão pouco se verificando neles a violação do princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente por valoração proibida de provas não produzidas e examinadas em julgamento ou por desrespeito do princípio do in dubio pro reo.


Vale apenas lembrar que “a violação do in dubio pro reo, como princípio atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dento dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º n.º 24, tal como se decidiu no acórdão do STJ, de 25.10/2023, proferido no processo n.º 96/16.3T9ALD.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível no sítio https://www.dgsi.pt.


Em suma, no caso em apreço não se verifica qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova convocado pelo recorrente, bastando para tanto ter em conta a fundamentação dos acórdãos recorrido e da 1ª instância por ele confirmado, salvo quanto à perda de bens, nos quais, para além da indicação e identificação das provas consideradas, se procedeu ao seu exame crítico de modo objetivo e conjugado com as regras da experiência, numa cabal demonstração do iter racional percorrido na sua apreciação, valoração e contributo para a formação da convicção do tribunal, de molde a permitir o seu escrutínio externo pelos sujeitos processuais e pelos tribunais de recurso, sem que delas ressalte qualquer dúvida capaz de justificar a intervenção da “contra face” daquele princípio, é dizer o do in dubio pro reo, quanto a essa convicção, cuja violação poderia, na verdade, analisar-se também como vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP, como tem sido considerado nalguma jurisprudência5, mas que, repete-se, aqui não ocorre, porque plenamente respeitado o disposto no artigo 127º do CPP.


Acresce que no processo ou na decisão recorrida, bem como na por ela confirmada, também não se verifica qualquer nulidade da decisão ou do procedimento por violação de requisito de ato processual de que ela pudesse resultar, como seria a hipótese convocada pelo recorrente de violação do artigo 355º do CPP, fundada na circunstância de terem sido consideradas provas documentais não produzidas nem examinadas em audiência.


Com efeito, como se concluiu no acórdão recorrido e é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência, mesmo quando se admite que a valoração da prova em violação do disposto naquele artigo 355º pode inquinar a sentença de vício gerador da respetiva nulidade, que a leitura e aplicação corretas desse preceito são no sentido de admitir a valoração de provas validamente produzidas e constituídas em momento anterior à audiência de julgamento, desde que constantes de atos processuais, ou documentos juntos ao processo indicados na acusação ou de que tenha sido dado conhecimento ao arguido ou que seja de concluir ter o mesmo conhecimento da sua existência e junção e de lhe ter sido dada oportunidade de as/os examinar e contraditar, como aqui tem de se considerar verificado, uma vez que toda a prova considerada e valorada foi produzida em audiência de julgamento, na presença do arguido, assistido por defensor, e/ou já se encontrava disponível em suporte documental e era deles conhecida ou cognoscível, até porque apreendida na sua posse/disponibilidade juntamente com a encomenda que continha o produto estupefaciente e expressamente referenciada na prova documental indicada na acusação pública deduzida em 11.08.2022 (referência 52191424), e a ambos regularmente notificada nessa mesma data (referências 52192649 e 52192779)6.


Improcedem, assim, as questões aqui em apreço (conclusões 1ª a 6ª), com a consequente rejeição do recurso nessa parte.


2.2. Valor das quantias apreendidas e a devolver ao recorrente [conclusões 7ª e 8ª]


Pretende o recorrente ainda que o acórdão recorrido seja alterado no que concerne ao valor das quantias apreendidas nos autos que lhe devem ser devolvidas, cujo montante, em seu entender, será de € 3.332,00 e não apenas de € 390,00, conforme dito no acórdão recorrido.


Sobre esta matéria, como resulta da fundamentação de ambos os referidos acórdãos e dos respetivos dispositivos, mas também da motivação e concussões do recurso, verifica-se uma indiscutível incongruência de valores, tal como, aliás, se refere no parecer do Ministério Público neste STJ.


Efetivamente, se na decisão da 1ª instância, apenas se levou à matéria de facto a apreensão da quantia de € 390,00 (cfr. ponto 9 dos factos provados), a qual ocorreu no momento da apreensão da caixa do aparelho de ar condicionado e do produto estupefaciente nela dissimulado, já no dispositivo se decretou a perda de todo o dinheiro apreendido nos autos, no valor global de € 3.610,00 (três mil seiscentos e dez euros), pois, a somar àquela primeira quantia, foi apreendida, no dia 16.02.2022, no quarto do arguido, na casa de morada da sua família, a quantia de € 3.220,00 [(€ 2.670,00+€ 550,00), cfr. auto de busca e apreensão e documentos relativos ao seu depósito, em 17.02.2022, à ordem do processo de fls. 172 a 174 e 192, respetivamente].


Já o arguido e recorrente, sem qualquer demonstração, alude e reclama que, além daqueles € 390,00, lhe seja devolvida a quantia de € 3. 332,00, o que não colhe qualquer suporte nos factos provados e na documentação alusiva às apreensões ocorridas nos autos, só podendo tratar-se de um lapso de escrita ou erro de cálculo.


Seja como for, embora o acórdão do TRL, agora recorrido, na respetiva fundamentação se refira à devolução de apenas € 390,00, por ser essa a única quantia mencionada na matéria de facto provada, no seu dispositivo determina, sem discriminação ou exclusão de qualquer quantia, a revogação daquela decisão “no segmento em que declara perdido a favor do Estado a quantia em numerário apreendida nos autos ao arguido AA, determinando-se a sua devolução”.


Ou seja, em termos substanciais, o que o acórdão recorrido deliberou e deve considerar-se como definitivamente assente foi a revogação da decisão da primeira instância quanto à perda a favor do Estado das quantias em dinheiro apreendidas nos autos ao arguido e recorrente e, em consequência, a sua devolução ao mesmo.


Tudo o mais se reconduz a meras operações de conferência contabilística das quantias efetivamente apreendidas nos autos ao arguido e a devolver-lhe, tarefas para cuja execução é competente o tribunal da 1ª instância, em cumprimento da decisão substantiva do TRL sem necessidade de qualquer alteração da mesma, dada a possibilidade de, a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento, se proceder à correção dos erros de cálculo porventura cometidos naquelas operações, nos termos do artigo 380º, n.ºs 1, al. b), e 2, a contraio, do CPP7, nos termos e limites consagrados no artigo 186º do CPP, conforme pode concluir-se do acórdão do STJ, de 24.2.2010, proferido no processo 3/05.9GFMT S.S1, relatado pelo Conselheiro Fernando Fróis, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, referenciado no mencionado parecer do Ministério Público.


2.3. A medida da pena de prisão aplicada [conclusões 9ª a 16ª]


Por fim e a título assumidamente subsidiário, o recorrente discorda da medida da pena em que foi condenado, pretendendo vê-la reduzida para próximo do meio da moldura penal abstrata ou legal, que situa nos 6 anos, e nunca superior a 7 anos, por considerar “desajustada, excessiva e desproporcional” a de 9 anos de prisão que lhe foi aplicada na 1ª instância e confirmada pelo TRL, “em clara violação dos artigos 71º do CPP e 18º da CRP”.


Para sustentar essa sua pretensão alega não terem sido consideradas todas as circunstâncias que depuseram a seu favor, designadamente a de a maioria do produto estupefaciente apreendido ser uma droga “semi-suave” e de a sua atividade ter sido pontual e isolada, sem demonstração de ligações telefónicas ilícitas, de quaisquer proveitos económicos do tráfico, de contactos ou relacionamentos com pessoas ligadas ao tráfico ou à distribuição do produto estupefaciente, nem de venda a terceiros, o que minimiza os seus danos e diminui o grau de ilicitude da sua ação.


E ainda as de se encontrar social e familiarmente bem integrado e ter hábitos de trabalho e não poder valorar-se em seu desfavor a não admissão dos atos de tráfico por que foi condenado, pois considera-se inocente, ao que acresce a de, apesar de já ter sido condenado pela prática de crime da mesma natureza daquele aqui em apreço, não ter sido considerado reincidente.


Daí concluindo ser excessiva a pena aplicada, por ultrapassar em 3 anos o meio da moldura penal aplicável.


Vejamos se lhe assiste razão.


Antes de prosseguir, importa relembrar e esclarecer que, a moldura penal abstrata ou legal prevista para o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às Tabelas I a III ao mesmo anexas, é a considerada no acórdão recorrido, ou seja, a pena de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão, pelo que o seu ponto médio (entre o mínimo e o máximo), se situa nos 8 (oito) e não nos 6 (seis) anos de prisão pressupostos no pedido de redução da pena formulado pelo recorrente.


*


Na esteira de Figueiredo Dias8, escreveu Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54:


«a determinação da pena é susceptível de ser analisada em três perspectivas, correspondentes a outras tantas fases ou operações em que se desdobra a aplicação judicial de uma pena: a determinação da respetiva medida ou moldura legal (também chamada pena abstracta), da sua medida judicial ou individualizada (pena concreta) e da espécie de pena a aplicar (escolha da pena)


Acrescentando relativamente à determinação da pena concreta, que é o que aqui está em causa.


«Em síntese e à guisa de conclusão:


A culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução ou cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção, concebidas como finalidades da punição, e a necessidade da pena (para realizar o fim que visa) assume-se como fundamento da sua legitimidade, a sobrepor-se à concepção retributiva da pena (arts. 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, n.º 1; v., ainda, embora diretamente relativos à aplicação das penas de substituição e, portanto, à escolha da pena, arts. 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, 50º, n.º 1, 58º, n.º 1, 59º, n.º 6, 60º, n.º 2, e 70º).


A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto (…. circunstâncias que … depuserem a favor do agente ou contra ele … - art.71º, n.º 2).


Estas circunstâncias – sob pena de sair maltratada a proibição da dupla valoração, também aqui relevante (… circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime … -art. 71º, n.º 2) – não hão-de ter sido já levadas em conta na determinação da medida abstrata da pena, seja através da sua contribuição para a formação do tipo de crime, de que seriam então elementos típicos (….), seja porque já antes funcionaram como circunstâncias modificativas estranhas ao tipo (…), e até na medida em que já utilizadas para a escolha da pena. O que não significa que algumas delas não possam ser reavaliadas, embora numa perspectiva diferente, sem ofensa do ne bis in idem (p. ex., numa visão global ou conjunta, para efeito de aplicação da pena relativamente indeterminada ou da pena única no concurso – arts. 77º, n.º 1, e 83º, n.º 1; ou para a determinação da pena a aplicar ao agente de um crime de ofensas corporais, face à gravidade das lesões produzidas na vítima, muito embora estas já tenham sido ponderadas para a qualificação da conduta, ou da pena a aplicar a um furto qualificado pela al. g) do n.º 2 do art. 204º, quando o número de comparticipantes seja superior a dois, etc.). Não fora algum receio de entrar em domínios pouco explorados e de não fácil transposição para o concreto e acrescentaria mesmo que não estaria vedado o recurso, na fixação da pena, àquelas circunstâncias que, muito embora já consideradas pelo legislador para a formação do tipo, o foram em grau ou intensidade manifestamente inferiores àqueles que revestem no caso concreto: o excesso sobre a previsão legislativa configuraria, então, uma circunstância atendível na graduação da pena, e porventura mesmo inspiradora da atenuação especial do artigo 72º (seria, p. ex., o caso da emoção violenta prevista no artigo 133º, quando excedesse a intensidade necessária para o preenchimento do tipo legal).


Uma vez identificadas, com recurso aos exemplos padrão do art. 71º, n.º 2 (e até do art. 72º, n.º 2, desde que fora da previsão do seu n.º 1), as circunstâncias que relevam para a pena concreta, impõe-se classificá-las enquanto se repercutem nesta através da culpa ou da prevenção – ou mesmo por ambas as vias, já que podem ser ambivalentes (p. ex., a utilização de um instrumento de trabalho – digamos, uma foice – como arma do homicídio, se agrava a ilicitude do facto, é igualmente susceptível de suscitar, nomeadamente se tal uso se mostra frequente, uma determinada postura ou expectativa da comunidade quanto aos termos da reação penal, e ainda de traduzir uma certa atitude ou modo de ser desajustados do agente, havendo então de refletir-se na pena concreta respetivamente através da culpa e da prevenção, geral e especial».


Em suma, a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal (CP), no que às penas singulares concerne..


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


(…)».


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada9.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:


«4. Medida da pena


O Recorrente considera a pena demasiado severa, pugnando por pena que não ultrapasse os cinco anos de prisão. Considera que foi violado o disposto no art. 71º do CP e 18º da CRP, sendo a pena desajustada, excessiva e desproporcional. Realça que está em causa um acto esporádico e isolado em que a maior quantidade do tipo de estupefacientes apreendidos nos autos (19 kg) é considerada uma droga semi-suave, não existem ligações telefónicas ilícitas, não se lhe conhecem proveitos económicos do tráfico, nem contactos ou relacionamentos com pessoas ligadas ao tráfico, a sua integração social e comportamento prisional, a sua não condenação como reincidente.


*


Quanto à dosimetria das penas, importa esclarecer que se sufraga, em absoluto, tudo quanto a decisão recorrida afirma a propósito da medida da pena.


Efectivamente o grau de culpa define o limite máximo da reacção penal admissível e as exigências de reprovação e prevenção do facto marcam o seu patamar mínimo, havendo de atender às concretas circunstâncias agravantes e atenuantes previstas no art. 71 º do Código Penal na fixação concreta da pena e considerar os fins de protecção de bens jurídicos com tutela penal e a reintegração social dos arguidos.


Nota-se, tal como o tribunal a quo que o dolo foi directo e intenso, a ilicitude elevada, sobretudo em face das significativas quantidades de canabis e de cocaína - mais de 19 Kg e de 2,5 Kg, respectivamente – o que o posiciona já num segmento gravoso da criminalidade, não hesitando em comprar e vender produto estupefaciente em quantidades significativas, com a óbvia intenção de lucro fácil e significativo através do tráfico. Ponderou devidamente que apesar da canábis ser uma droga semi-suave, potencia o consumo dessas e de outras substâncias estupefacientes pelos jovens. Ponderou os elementos colhidos quanto à sua personalidade, condição sócio-económica, percurso de vida, inclusão social, familiar e laboral (com hábitos de trabalho) e a conduta ajustada em reclusão. Dá o devido relevo aos seus antecedentes criminais – pena de 5 anos e 6 meses de prisão por crime da mesma natureza. Permitimo-nos salientar que essa pena foi declarada extinta pelo cumprimento apenas cerca de um ano antes da prática dos factos em apreço, o que nos leva a concordar em absoluto com o acórdão recorrido quando afirma:


“Tal condenação, todavia, não o impediu de voltar a delinquir, o que, à saciedade, acentua as necessidades de prevenção especial e confere um maior desvalor à conduta ilícita e culposa que protagonizou.


Isto revela uma óbvia incapacidade para determinar o seu comportamento e modo de vida em consonância com os valores comunitários e em respeito pelos valores do direito e, sobretudo, que a condenação em pena privativa da liberdade que sofreu nele não teve qualquer efeito dissuasor e que não interiorizou o desvalor da sua conduta nem a anterior advertência feita pelo tribunal. É, pois, fácil de divisar a indiferença com que assimilou essa condenação que, reitera-se, se ficou a dever a crime idêntico ao ajuizado”.


Regista-se a especificidade de se tratar de tráfico de quantidades elevadas de estupefaciente de forma elaborada para uma Região Autónoma, realidade que o tribunal a quo tem bem presente pelos malefícios que acarreta, tornando mais acutilantes as exigências de prevenção geral e a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados – a saúde pública – mas com profundas consequências na “afectação de valores sociais fundamentais e de fortes riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, perante o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, e bem assim por toda a panóplia de rupturas sociais a tanto associadas, quer no âmbito da família, quer na sociedade em geral face à criminalidade a ele associada” como afirma o acórdão recorrido.


Como se vê foram observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena (art.º 71º do Código Penal), tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis, pelo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade, não se justifica qualquer compressão.


Está assim plenamente fundamentada, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, a condenação em pena um pouco acima do meio da pena, de 9 anos de prisão.».


*


Deste excerto resulta indiscutível que o acórdão recorrido, tal como o da 1ª instância, procedeu às operações necessárias à determinação da pena concreta aplicada ao recorrente, no respeito pelas finalidades e critérios definidos nos artigos 40º e 71º, n.ºs 1 e 2, do CP, ponderando e valorando devidamente todas a circunstâncias que depõem a seu favor e em seu desabono, talqualmente por si alegadas.


Sopesando-as, todavia e como não podia deixar de ser, de modo diferenciado e mais condizente com o seu real valor e desvalor, como seja o de se encontrar familiar e socialmente integrado e de ter hábitos de trabalho, embora em regime laboral informal e à margem dos deveres laborais e fiscais, integração que, não obstante, se mostrou insuficiente para o afastar do cometimento do crime aqui em apreço, tanto mais que, mesmo não tendo sido considerado reincidente (e atendendo ao recurso exclusivamente interposto pelo arguido não caberá a este Tribunal analisar em atenção ao princípio da proibição da reformatio in pejus), havia já cumprido uma pena de prisão, extinta apenas em janeiro de 2021, ou seja, cerca de um ano antes desta nova investida criminosa da mesma natureza, num contexto de insularidade em que, como é público e notório, se vem registando um considerável aumento do consumo de produtos estupefacientes e dos malefícios a ele associados, para a saúde dos consumidores e para a coesão familiar e social, a par da crescente intranquilidade da comunidade local e dos visitantes, gerada pela criminalidade associada àquele crescente consumo, nomeadamente contra o património e contra as pessoas, muitas vezes protagonizada por jovens, tudo no sentido de acentuar as necessidades de prevenção geral e especial que o crime em apreço e as circunstâncias em que foi cometido exigem.


Da mesma forma que se considerou a diferente natureza das drogas apreendidas, concedendo-se, como alegado pelo recorrente, que a maior quantidade do produto estupefaciente (canábis resina – haxixe) é uma droga “leve” ou “semi-suave”, ao contrário da cocaína, assumidamente “pesada” ou “dura”, mas sem descurar o facto, também público e notório, de ser pelas ditas drogas “leves” ou “sem-suaves” que os consumos habitualmente se iniciam e quantas vezes conduzem a subsequentes dependências delas e de outras mais perniciosas.


Ao que importa acrescentar a relativa falácia dessa diferenciação, pois que não está demonstrado, nem é cientificamente aceite que as primeiras tenham efeitos menos perniciosos do que as segundas e vice-versa, para os indivíduos e para a comunidade, como pode ler-se na “News nº126 Setembro 2022” da Faculdade de Medicina de Lisboa, acessível em https://www.medicina.ulisboa.pt/newsfmul-artigo/126/simplesmente-16-vamos-pensar-sobre-drogas, sendo a mesma, por isso, pouco relevante no que à ilicitude da conduta concerne, a qual, de resto, só em função da quantidade dos produtos estupefacientes apreendidos se posiciona claramente acima da média dos crimes da mesma natureza, nomeadamente dos cometidos pelos chamados “correios de droga”.


Quantidade que, mesmo sem considerar o seu elevado grau de pureza10, por não ter sido incluído nos factos provados, permite, com base nas regras da experiência, afirmar que seria suficiente para abastecimento do “mercado” com largos milhares de doses, passível de aumento exponencial com a utilização dos produtos de corte, de onde necessariamente se extrai também que os lucros da sua comercialização seriam igualmente elevados, mesmo sem se ter demonstrado qualquer contacto telefónico relacionado com este ilícito e com pessoas ligadas à correspondente atividade, mas que, de novo, as regras da experiência permitem afirmar por presunção judicial, na medida em que o recorrente para fazer chegar à região autónoma da Madeira, proveniente do continente, o produto estupefaciente apreendido teve de ter contactos com os seus fornecedores, diretos ou indiretos, e com aqueles que conduziram e executaram as operações necessárias à sua aquisição, embalamento e expedição, envolvendo uma logística e planeamento já relativamente sofisticados, o que inviabiliza também a possibilidade de lhe atribuir relevo atenuativo da ilicitude e da culpa da sua atuação.


Culpa que se situa igualmente em elevado patamar, pois agiu com dolo direto, repetindo uma prática delituosa por que havia sido anteriormente condenado em pena efetiva de prisão, cujo cumprimento em reclusão e liberdade condicional terminara cerca de um ano antes, assim demonstrando uma firme vontade no seu cometimento e indiferença pelo seu desvalor e pela advertência contida nessa anterior condenação, bem como pelos bens jurídicos protegidos com a incriminação, de que igualmente estava ciente, sem qualquer sinal de arrependimento, sentimento cuja ausência pode e deve relevar para efeitos de valoração e reforço do juízo de censura de que é merecedor, sem que isso se traduza em qualquer penalização pelo legítimo exercício do seu direito ao silêncio ou de proclamação da respetiva inocência.


Por último, o bom comportamento evidenciado após a detenção e durante a reclusão em que se encontra, sendo-lhe naturalmente favorável e devidamente ponderado na decisão recorrida, não é de molde a permitir uma atenuação acentuada das elevadas necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.


Tudo, por conseguinte, no sentido de se poder concluir como no acórdão recorrido que a pena de 9 anos de prisão aplicada ao arguido foi encontrada na sequência das operações e no respeito pelas finalidades de prevenção geral e especial e critérios de determinação das penas consagrados nos artigos 40º e 71º do CP, o que, em princípio e como acima se consignou, deveria conduzir à abstenção de qualquer intervenção do STJ no seu quantum


Todavia, como também antes se lembrou, essa abstenção de princípio, não prejudica a intervenção sindicante do tribunal de recurso quando a pena se perfile injusta, por desproporcional ou desnecessidade.


No caso em apreço, apesar da correção das operações realizadas pelo tribunal da condenação para determinação da medida da pena de prisão em que o recorrente foi condenado e do respeito escrupuloso das finalidades e critérios para tanto legalmente consagrados e sem discutir a necessidade de uma forte punição a que não obsta a culpa, face à sua elevada intensidade, importa analisar se ela se mostra também proporcional, em termos absolutos e relativos.


E se, em termos absolutos até pode conceder-se na sua proporcionalidade, em termos relativos ela mostra-se desproporcional, tanto bastando para legitimar a intervenção corretiva do tribunal de recurso, cuja atividade sindicante neste âmbito não requer que se verifique uma “manifesta desproporcionalidade”, como parece ter sido entendimento do TRL, mas apenas a sua desproporcionalidade, mesmo que relativa.


Ora, considerando a bitola do STJ em matéria de penas aplicadas no âmbito do tráfico de droga, a pena de 9 anos de prisão aplicada ao recorrente afigura-se desproporcional, merecendo por isso ser corrigida no sentido da respetiva diminuição para medida concreta condizente com essa praxis jurisprudencial, ou seja, para o meio da moldura penal abstrata ou legal, que no caso se situa em 8 (oito) anos, medida que, além de justa, se mostra suficiente e adequada a assegurar as elevadas exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.


Por todos podem ver-se11:


- o acima citado acórdão de 11.08.2023, proferido no processo n.º 31/21.7JGLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Pedro Branquinho Dias, que num caso de tráfico agravado, em que foram apreendidos 54.127,058g e 48,944g de cocaína importada da América do Sul, com alguma sofisticação organizativa e logística, as penas aplicadas aos arguidos se ficaram, respetivamente, pelos 10 e 9 anos e 6 meses de prisão, sendo a segunda resultado da desqualificação e consequente convolação em crime de tráfico base do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01;


- O acórdão de 23.11.2023, proferido no processo n.º 526/17.7T9PFR.P1:S1, relatado pela Conselheira Albertina Pereira, num caso de tráfico agravado, por introdução de produtos estupefacientes em estabelecimento prisional, onde eram comercializados, em atuação cooperativa com alguns reclusos, se manteve a pena única de 9 anos de prisão aplicada pelas instâncias, que englobava as penas parcelares de 8 anos de prisão pelo crime de tráfico e de 2 anos e 6 meses por cada um de dois crimes de corrupção passiva também considerados no concurso;


- O acórdão de 26.10.2022, proferido no processo n.º 202/22.9JELSB.L1:S1, relatado pelo também aqui relator, em que foi mantida a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada na 1ª instância a um arguido (correio de droga), que transportou de país estrangeiro para Portugal 4,498g de heroína, nele se resenhando outros arestos que permitiam afirmar situar-se a bitola do STJ para situações semelhantes entre os 5 anos e os 7 anos de prisão.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Rejeitar parcialmente o recurso interposto pelo arguido AA, quanto às questões da verificação do vício do erro notório na apreciação da prova, da violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo e da nulidade do acórdão recorrido, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 414º, n.ºs 2 e 3, 420º, n.º 1, al. b), 432º, n.º 1, al. b), e 434ª, a contrario, todos do CPP.


b) Negar provimento ao recurso quanto à questão do valor das quantias apreendidas e a restituir ao recorrente, cuja conferência, exata quantificação e providências tendentes à sua integral restituição ao recorrente, conforme ordenado pelo TRL, competirá ao tribunal da condenação, na 1ª instância;


c) Conceder parcial provimento ao recurso relativamente à medida concreta da pena aplicada, que se fixa em 8 (oito) anos de prisão, pela prática pelo arguido e recorrente, AA, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº l, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabela I-B e I-C a ele anexas.


c) Sem custas (cfr. artigo 513º, n.º 1, do CPPP).


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Orlando Gonçalves (1º adjunto)


Jorge dos Reis Bravo (2º adjunto)





__________________________________________________

1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, ainda inédito.↩︎

2. Cfr, entre outros, os acórdãos, de 1.03.2023, 9.03.2023 e 11.08.2023, que também referencia os dois primeiros, cujos relatores são, respetivamente, os Conselheiros Ernesto Vaz Pereira, Helena Moniz e Pedro Branquinho Dias, proferidos nos processos n.ºs 589/15.0JABRG.G2.S1, 1368/20.8JABRG.G1.S1 e 31/21.7JGLSB.L1.S1, todos disponíveis em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

3. A este propósito e em sintonia com o afirmado no texto, vejam-se Pereira Madeira e Oliveira Mendes em anotação aos artigos 432º e ss. e 410º e 379º do CPP, respetivamente, no Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar [et al.], 3ª Edição Revista, Almedina 2021.↩︎

4. Conforme se afirma no citado acórdão do STJ, de 11.08.2023, proferido no processo n.º 31/21.7JGLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro. Pedro Branquinho Dias, aderindo e citando o acórdão referenciado no texto.↩︎

5. V.g., acórdãos do TRP e do TRE, de 4.05.2016 e 4.02.2020, proferidos nos processos n.ºs 996/13.2JAPRT.P1 e 60/16.2GEBNV.E1, relatados pelas Desembargadoras Maria Deolinda Dionísio e Laura Maurício, respetivamente, ambos disponíveis no sitio https://www.dgsi.pt,↩︎

6. Vide, neste sentido, além dos acórdãos do Tribunal Constitucional (TC), 87/99, do STJ, de 19.11.1997, e do Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 3.03.2015, referenciados no acórdão recorrido, Oliveira Mendes e a doutrina e jurisprudência por ele resenhada, em anotação ao artigo 355º, no citado Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar [et al.].

No mesmo sentido, pode ainda convocar-se o AFJ do STJ n.º 8/2017, de 11.10.2017, tirado no processo n.º 895/14.0PGLSB.L1-A.S1 e publicado no DR. n.º 224/2017, Série I, de 21.11.2017, cuja doutrina é transponível, com as necessárias adaptações, para o presente caso, pese embora o seu objeto se tenha centrado nas declarações para memória futura.↩︎

7. A tanto não se pode opor a circunstância de a matéria de facto assente ser omissa relativamente a parte das quantias efetivamente apreendidas ao arguido, pois a realidade processual vai além dela e deve prevalecer, por razões de justiça e respeito pelo superiormente decidido quanto à inexistência de fundamentos para a perda de qualquer quantia apreendida, o que só não se corrige e define neste tribunal de recurso por manifesta impossibilidade de aqui se fazer a sua concludente conferência.↩︎

8. Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

9. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

10. Desconsideração decorrente da sua omissão na matéria de facto provada, mas que o auto de exame pericial a que o produto foi sujeito no LPC (cfr. auto n.º 202202945-BTX, de 9.08.2022), revela que a cocaína apreendida tinha um grau de pureza de 83% e 92,7% e o haxixe de 25,2%.↩︎

11. Todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎