Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1393/21.1T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
O cálculo de uma indemnização ressarcitória de uma incapacidade permanente parcial de um jovem de 14 anos exige um difícil prognóstico sobre o resto da sua vida, face à sua situação atual, constituindo um juízo probabilístico no qual, se a aplicação de fórmulas matemáticas ou tabelas estáticas nos podem ajudar a encontrar um valor de referência, será a atenção aos padrões de indemnização adotados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos, sobretudo os arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que nos deve orientar no sentido de obter, pelo menos, uma justiça relativa.
Decisão Texto Integral:

*

I - Relatório

O Autor instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Ré, onde concluiu pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 1.775,00, a título de despesas, da quantia de € 320.000,00, referente aos prejuízos resultantes do défice funcional permanente de que padece, e da quantia de € 150.000,00, referente aos danos não patrimoniais, tudo acrescido dos juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento.

Pediu, ainda, a condenação da Ré a indemnizar o Autor dos danos patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis, mas insuscetíveis de serem por ora contabilizados, e que sejam consequência direta do acidente, a liquidar posteriormente.

Alegou, em síntese, que no dia ... de ... de 2016, pelas 4h30, na Avenida ..., junto ao n.º de polícia 590, em ..., circulava, no sentido P... - L..., o veiculo ligeiro de mercadorias, de marca Isuzu, modelo NKR 69 LL-5D, com a matrícula ....-IE, pertencente a BB e conduzido por CC, seguindo o Autor como passageiro, no interior da referida viatura, sentado no lugar ao lado do condutor.

Acrescentou que o veículo IE circulava pela Avenida ..., em ..., no sentido P... - L..., pela hemi-faixa direita, atento este sentido de marcha, a velocidade não inferior a 70/80 kms/h, quando, ao efetuar a curva que no local se desenha para a sua esquerda, por via da inclinação da estrada, perdeu o controle da viatura, despistando-se, tendo transposto o lancil do passeio que delimita a via pelo lado direito da faixa de rodagem, saindo desta, indo embater em duas árvores que se encontravam junto à faixa de rodagem, uma das quais partiu e caiu sobre a parte lateral direita da frente da viatura, atingindo o local onde se encontrava o Autor.

Alegou, ainda, que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais

Citada, a Ré assume a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do sinistro, mas considerando exagerados e desajustados os valores peticionados a título de indemnização.

Notificado, o Autor respondeu, mantendo os factos por si alegados.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

Após julgamento, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) condenar a Ré “Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, as seguintes quantias:

- € 271.775,00 pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor, acrescida dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento.

- € 130.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, acrescida dos juros legais, contados a partir da presente data até integral pagamento.

b) absolver a Ré dos restantes pedidos contra si deduzidos pelo Autor.

Não se conformando com a decisão proferida, a Ré e o Autor interpuseram recurso de apelação daquela sentença, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão em que decidiu:

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, alterando o valor da indemnização pelo dano biológico para o montante de € 240.000,00, acrescido dos juros legais desde a data da citação e o valor de indemnização pelos danos não patrimoniais para o montante de € 100.000,00, acrescido dos juros legais, contados a partir da presente data até integral pagamento, improcedendo no demais.

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, condenando a ré a pagar ao autor a quantia a liquidar em execução de sentença relativamente ao dano futuro que veio a resultar demonstrado, mormente, a assegurar ao Autor o acompanhamento nas consultas de cirurgia plástica e ortopedia, eventual correcção em sapato direito e a indemnizá-lo pelos custos futuros referentes à medicação anti-inflamatória e analgésica, improcedendo no demais.

O Autor interpôs recurso da primeira parte desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1ª: Com o presente Recurso, pretende a Recorrente o reexame das questões referentes aos montantes fixados a título de dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica e a título de danos não patrimoniais.

Do défice permanente da integridade físico-psíquica ou dano biológico:

2ª: Conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência, a determinação da indemnização pelo dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, na sua vertente patrimonial e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

3ª: O Tribunal da Relação do Porto considerou adequado fixar em €240.000,00, a indemnização a atribuir ao Autor, a título de compensação pelo dano biológico, reduzindo o montante que havia sido fixado pelo Tribunal de Primeira instância, de €270.000,00, por este não ter partido do cálculo da portaria 377/2008 de 26 de Maio, cujo valor é manifestamente inferior e não o ter posteriormente adaptado às circunstâncias do caso em análise. – parte final do segundo parágrafo da página 43 do douto Acórdão.

4ª: Com todo o respeito por diferente e melhor opinião, não consegue o Recorrente compreender o juízo explanado no douto Acórdão sob recurso, porquanto, tendo-se referido que, quer as tabelas da portaria, quer as demais fórmulas matemáticas, das quais se poderá lançar mão, não são mais do que meros auxiliares, apenas se considerou os critérios daquela Portaria.

5ª: À exceção dos critérios da Portaria supra referida, o Tribunal a quo, não analisou qualquer outra fórmula matemática que, embora como mero auxiliar, permitisse alcançar valores de indemnização superiores.

6ª: Os casos mais frequentes em que o Tribunal tem de atender aos danos futuros são aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral, como sucede no caso sub judice, porquanto se encontra provado que o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 33 pontos e que as sequelas são impeditivas de atividades profissionais, nas quais tenha que exercer esforços com os membros inferiores. - Ponto 44 dos factos provados.

7ª: Ao Autor/Recorrente advieram, também, em consequência do referido défice, dificuldades na execução de várias tarefas quotidianas, que lhe são hoje mais penosas, tendo necessidade permanente de recorrer a medicação regular anti-inflamatória e analgésica (ponto 102 dos factos provados), o que naturalmente, lhe afeta, de forma permanente, o exercício de todas as tarefas do seu dia-a-dia, sejam de cariz profissional ou de natureza pessoal.

8ª: Para efeitos de fixação da indemnização a título de dano biológico, quer o Tribunal de Primeira Instância, quer o Exmo. Tribunal a quo, consideraram ser de atende à idade do lesado; à esperança média de vida à data do acidente; ao grau de incapacidade geral permanente; às potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão; à conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui tendo em conta as suas qualificações e competência);

9ª: Assim, dentro do quadro de cálculo sob juízos de equidade, entre outras circunstâncias, dever-se-á atender, para efeitos da indemnização a atribuir ao Recorrente, ao grau de afetação fixado (33 pontos); à repercussão permanente na sua atividade laboral (impedimento de exercício de atividade profissional na qual tenha que exercer esforços com os membros inferiores); à idade do Autor (14 anos à data do acidente); ao tempo provável de vida (64 anos, considerando a esperança média de vida para os homens em Portugal); às condições de saúde ao tempo do sinistro (saudável e de boa compleição física); à natureza do trabalho que realizava (estudante, tendo feito formação para exercer profissões na área do mobiliário); ao salário médio para as profissões exercidas por trabalhadores homens, por conta de outrem, que no ano de 2021 foi de €1.152,00; à depreciação da moeda; à evolução dos salários; à taxa de inflação; às taxas de juro dos mercados financeiros; à perenidade do emprego e à progressão na carreira, ao desenvolvimento tecnológico e aos índices de produtividade.

10ª: No que concerne à esperança de vida, considerou o Exmo. Tribunal a quo que se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade da reforma, na medida em que a afetação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto diretas como indiretas.

11ª: Com relevância para o apuramento da indemnização devida ao Autor/Recorrente a este título, dever-se-á considerar, ainda, que o mesmo enveredou pela frequência de um curso profissional na área das madeiras, com o objetivo de vir a exercer a função de ... ou ..., considerando a ligação do concelho em que reside, à área do mobiliário.

12ª: Bem como, que o Autor iniciou “à experiência” um trabalho numa fábrica de móveis, sendo que mercê das dores sofridas, só conseguiu trabalhar algumas horas do dia, por não ter conseguido suportar o exercício de algumas funções, que implicavam deslocar-se no interior da fábrica, várias vezes, com transporte de material

13ª: Conforme resulta dos factos provados nos pontos 54 a 58, é de prever que o Autor tenha muita dificuldade em iniciar a vida profissional ativa na área da sua especialização, na qual os salários praticados são de valor não inferior a €1.000,00 mensais e dificilmente conseguirá trabalhar nessa área, sendo praticamente impossível que um ... ou um ... consiga exercer a sua profissão sem esforços nos membros inferiores.

14ª: O Tribunal de Primeira Instância, com base na factualidade dada como provada considerou justo e adequado fixar a indemnização pelo dano biológico, em €270.000,00, que o Tribunal a quo reduziu para €240.000,00, considerando o Autor, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, que a mesma peca por defeito.

15ª: Se atendermos que à data do acidente o Autor tinha 14 anos de idade, e à esperança média de vida para os homens (78 anos), e considerado, ainda, que o mesmo poderia começar a trabalhar aos 20 anos, a repercussão do défice funcional permanente de que ficara a padecer - 33 pontos -, irá fazer-se sentir durante cerca de 58 anos (78-20).

16ª: Se considerarmos, agora, os 33 pontos de défice e um salário mensal de €1.000.00, uma taxa de juro próxima dos 2% e uma taxa de crescimento a rondar os 3%, com repercussão durante 58 anos, alcançaremos um valor de indemnização superior a €350.000,00.

17ª: De acordo com a matéria dada como provada nos autos, será de realçar que se encontra provado que o Autor está impedido de exercer as profissões que se enquadram na sua área de preparação técnica e em todas as que exijam esforços com os membros inferiores, sendo a sua formação na área técnico-profissional das madeiras e reduzidas as suas habilitações para o exercício de outras profissões, já que apenas concluiu o nível equivalente ao 9º ano de escolaridade (ponto 91 dos factos provados).

18ª: Em face do acabado de expor será de formular um juízo de prognose muito negativo quanto à obtenção de emprego, no futuro, tanto mais que o Autor já iniciou “à experiência” um trabalho numa fábrica de móveis, não tendo conseguido concluir a jornada de trabalho, por causa das sequelas decorrentes do acidente sub judice, pelo que, na prática, a situação do Autor/Recorrente se enquadrará numa incapacidade absoluta permanente para o exercício das sobreditas profissões.

19ª: Considerando uma repercussão total no exercício da atividade profissional partindo de uma perda de, apenas, €1.000,00, durante o período de 50 anos, atingiríamos, ainda que com redução de 25%, valores superiores a €500.000,00.

20ª: Assim, considera o Autor/Recorrente que deverão ser sopesadas todas as circunstâncias do caso concreto, encontrando-se suficientemente demostrado nos autos, o aumento da penosidade e esforço do Autor/Recorrente para desenvolver as tarefas profissionais ou quaisquer outras, compatíveis com as suas qualificações e competências, tendo as lesões sofridas significativa repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão e demais dimensões da sua vida quotidiana, lesões essas decorrentes de um acidente, por cuja ocorrência foi exclusivamente responsável o segurado da Ré e para o qual o Autor em nada contribuiu.

21ª: Importará, aqui, enfatizar o que se escreveu na página 34 do douto Acordão do Exmo. Tribunal a quo: “Assim, no caso vertente, o dano biológico sofrido pelo autor/recorrente, corporizado num défice funcional permanente de 33,00 pontos, com implicação ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte do mesmo, não só para o exercício da sua actividade profissional, bem como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer, implicando, diríamos nós, um esforço pessoal suplementar para “viver”.”

22ª: Tendo em conta toda a factualidade dada como provada nos autos, mormente os pontos 11º, 28º, 31º, 36º, 39º a 41º; 44º, 46º a 60º, 62º, 65º a 67º, 76º, 77º, 80º, 82º, 86º, 91º, 92º e 102º dos Factos Provados e tudo quanto se acabou de expor, afigura-se ao Autor/Recorrente mais justo e adequado para compensar este dano decorrente do défice funcional permanente da atividade físico-psíquica, ou dano biológico, - quer na vertente do caso, quer na ótica da justiça comparativa - a quantia de €340.000,00 (trezentos e quarenta mil euros).

23ª: O sobredito montante deverá ser fixado por este Tribunal ad quem, considerando o valor total do pedido formulado pelo Autor, atento o entendimento de que o limite do pedido previsto no artigo 609º n.º 1 do CPC se aplica à totalidade do pedido e não às diversas parcelas que o compõem, não estando, assim, vedado ao Tribunal fixar o valor de algumas das parcelas indemnizatórias acima do pedido, desde que, a final, não extravase o valor total peticionado.

B) Do dano não patrimonial:

24ª: No que toca ao dano não patrimonial, o Tribunal a quo reduziu o montante que havia sido arbitrado pela Primeira Instância, tendo-o fixado em €100.000,00, considerando o Recorrente, com o devido respeito por diferente e melhor opinião, que este montante peca por defeito, sendo mais justo e adequado o valor que havia sido fixado pelo Tribunal de Primeira Instância, ou seja, €130.000,00.

25ª: Referiu o Exmo. Tribunal a quo que, no que toca aos danos não patrimoniais cuja gravidade merece a tutela do direito (artigo 496º do Código Civil), a indemnização deve, nos termos do n.º 4, primeira parte deste preceito, ser fixada segundo juízos de equidade, tendo em conta as demais circunstâncias do caso (artigo 494º do Código Civil).

26ª: Considerou, ainda, o Exmo. Tribunal que, neste particular, tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris; o “dano estético” (pretium pulchritudinis); o “prejuízo de distração ou passatempo”; o “prejuízo de afirmação social”; o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil “pretium juventutis”; o “prejuízo sexual” e o “prejuízo da auto-suficiência” - cf., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009, proferido no processo 397/03.0GEBNV.S1, www.dgsi.pt.

27ª: Neste campo, conforme vem dito no douto Acórdão ora posto em crise, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder”, ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir” ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.

28ª: A única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade, o que lhes confere um carácter algo indeterminado e de difícil quantificação, sendo a equidade, em rigor, o único recurso do julgador, ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496º, n.º 4, do Código Civil).”

29ª: O montante da indemnização será, assim, fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil, estabelecendo-se um critério de equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso, devendo ter-se em conta na fixação do montante da reparação, todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

30ª: Com efeito, considerando a idade do Autor à data do acidente - 14 anos -; o período de défice funcional temporário total de 189 dias; o período de défice temporário parcial de 1243 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 1488 dias; a natureza dos ferimentos e da repercussão dos mesmos no dia-a-dia do Autor; o período de internamento hospitalar de 115 dias; o número de cirurgias a que foi submetido - 16 (dezasseis), sendo 9 na especialidade de ortopedia e 7 na especialidade de cirurgia plástica; as consultas, e tratamentos de fisioterapia a que foi submetido durante mais de dois anos, numa cadência diária; a dependência de auxílio de terceira pessoa; as atividades de lazer das quais ficou privado durante meses, tais como futsal e bicicleta; as dores que sentiu;

31ª: e, considerando, sobremaneira, que o Autor, sobretudo nos três primeiros anos que se seguiram ao acidente, viveu, quase exclusivamente, para a recuperação das suas lesões, vendo-se obrigado a inúmeras cirurgias, tratamentos, consultas, curativos, sessões de fisioterapia e deslocações para esses efeitos, e ficou privado do convívio com os colegas da escola e de equipa, bem como de todas as experiências normais de um jovem de catorze anos, passando o tempo entre hospitais e clínicas, ficando assim, privado do que seria um crescimento normal e saudável, é manifesto que o valor fixado pelo Tribunal a quo peca por defeito.

32ª: Merece, também, especial referência, o facto de o Autor ter ficado completamente afastado da escola até Abril do ano seguinte ao do acidente, tendo perdido o ano escolar, bem como de se ter visto obrigado a andar de cadeira de rodas durante cerca de sete meses e de deambular de canadianas durante vários meses.

33ª: Importa, ainda, considerar que foi atribuído ao Autor o grau 5 de quantum doloris; o grau de 5 de dano estético (não consegue apoiar devidamente o pé direito, ficou com marcha claudicante, com a perna direita muito desfigurada e múltiplas cicatrizes); o grau 4 de repercussão nas atividades desportivas e de lazer (abandonou a prática de futsal e corrida); o facto de carecer em permanência de medicação regular analgésica; a baixa de autoestima e os sentimentos de tristeza e amargura que vivenciou; a necessidade de acompanhamento psicológico; bem como, ainda, a situação económica do Autor que apenas tinha 14 anos à datado sinistro e mercê das sequelas do acidente ainda não logrou obter um emprego estável, bem como o facto de em nada ter contribuído para a ocorrência do acidente.

34ª: Atendendo à matéria dada como provada nos autos, acima transcrita e que aqui se dá por reproduzida, o Recorrente considera mais justa e adequada, para reparar ou compensar os danos não patrimoniais por si sofridos, até por comparação com os valores que vêm sendo consideradas pela Jurisprudência, a quantia de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), que deverá ser fixada por este Tribunal ad quem.

35ª: O douto Acórdão recorrido violou, nomeadamente, conforme conclusões supra, o disposto nos art.º s 483º, 496º n.º 1, 562º e 566º do Código Civil.

A Ré respondeu, sustentando a adequação dos valores indemnizatórios fixados pelo Tribunal da Relação, concluindo pela improcedência do recurso.


*


II – O objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo do acórdão recorrido cumpre decidir se os valores das indemnizações fixados pelo acórdão recorrido são adequados.


*


III – Os factos

Neste processo foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia ... de ... de 2016, pelas 4h30, na Av. Pedro Guedes, junto ao n.º de polícia 590, na freguesia e concelho de ..., circulava no sentido P... - L..., o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Isuzu, modelo NKR 69 LL-5D, com a matrícula ....-IE, pertencente a BB e conduzido por CC.

2. O Autor seguia como passageiro, no interior da referida viatura, sentado no lugar ao lado do condutor.

3. A via, no local onde ocorreu o embate desenvolve-se em curva à esquerda, atento o sentido de marcha do IE, com 6 m de largura, reservada ao trânsito que circulava no sentido P... - L..., com inclinação descendente, estando esta, separada da via reservada ao sentido oposto, ou seja, ao sentido L... - P..., por um separador central ladeado por passeios de ambos os lados, com espaço ajardinado ao meio e onde se encontra, designadamente, um poste de iluminação elétrica.

4. O local do embate encontra-se entre placas delimitadoras de localidade, sendo a via em consideração marginada por vários edifícios, estabelecimentos comerciais, de serviços e habitacionais, com palmeiras a ladear a via, pelo lado direito, atento o sentido de marcha em que seguia o IE.

5. O piso é em asfalto, sem buracos ou irregularidades e estava seco.

6. Era de noite e o tempo estava bom.

7. O veículo IE circulava pela Av. ..., em ..., no sentido P... - L..., pela hemi-faixa direita, atento este sentido de marcha, a velocidade não inferior a 70/80 kms/h, quando, ao efetuar a curva que no local se desenha para a sua esquerda, por via da inclinação da estrada, perdeu o controle da viatura, despistando-se, tendo transposto o lancil do passeio que delimita a via pelo lado direito da faixa de rodagem, saindo desta e foi embater em duas árvores que se encontravam junto à faixa de rodagem, uma das quais partiu e caiu sobre a parte lateral direita da frente da viatura, atingindo o local onde se encontrava o Autor.

8. Em consequência do despiste e embate, o Autor perdeu os sentidos, ficou encarcerado e ferido, o que obrigou a manobras de desencarceramento por parte dos bombeiros voluntários de ... que acorreram ao local, para o conseguirem retirar do interior da viatura.

9. O Autor foi transportado ao Serviço de Urgências do Centro Hospitalar ... E.P.E., em ....

10. O Autor deu entrada neste hospital em plano duro e com colar cervical e após a realização de vários exames e análises, atenta a gravidade da sua situação clínica, foi transferido, no próprio dia, para o Hospital de ..., no ....

11. Em consequência direta e necessária do embate resultaram para o Autor as seguintes lesões:

- ferimento do couro cabeludo;

- esfacelo dos 1º, 3º e 4º dedos da mão esquerda;

- fratura femural esquerda;

- fratura do pé esquerdo;

- fratura do cotovelo direito;

- fratura segmentar cominativa do fémur direito, exposta;

- fratura condilo femural interno (osteocondral) direita exposta, - fratura da rótula,

- fratura exposta dos ossos da perna direita;

- fratura bimaleolar tibeo társica direita, exposta; - fratura de F2 do pé direito;

- amputação de F3 de D2, do pé direito;

- Esfacelo grave do MID;

- rabdomióliose;

- anemia.

12. O Autor ficou internado na unidade de cuidados intensivos do Hospital de ... até ao dia ... de julho de 2022, data em que foi transferido para o serviço de ortopedia pediátrica, onde ficou internado até ao dia ... de setembro de 2022, tendo estado ininterruptamente, internado durante 85 dias.

13. Durante este período, o Autor foi submetido a diversos exames, intervenções cirúrgicas, tratamentos e consultas.

14. Enquanto o Autor esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos, foi submetido, pela especialidade de ortopedia, no dia 26 de junho de 2016 a:

- redução aberta femural e fixação com fixador externo Hoffman; - redução aberta tibial e fixação com fixador externo Hoffman;

- redução aberta CFI e fixação com parafuso herbert;

- redução aberta e fixação mal interior e exterior com FK da tíbeotársica direita; - redução aberta e regularização de bordos cutâneos de amputação traumática F3; - Controlo de redução e estabilidade com fixador externo;

- observação intra op por cirurgia vascular e cirurgia plástica; - sutura de feridas por planos, drenos e penso adequado.

15. No dia 1 de julho de 2016, o Autor foi submetido a:

- desbridamento de tecido necrótico em ferida ao nível do maléolo externo e face interna da perna direita;

- consequente exposição de art. tibeotársica direita;

- colocação de pinos ao nível o primeiro e quinto MT;

- Encerramento de art. com tecidos aparentemente viáveis próximos e penso adequado.

16. No dia 3 de julho de 2016, foi submetido a:

- fasiectomia descompressiva realizada na unidade;

17. No serviço de ortopedia infantil, onde ficou internado até ao dia ... de setembro de 2022, o Autor foi submetido, no dia 9 de julho de 2016, a:

- osteossíntese de fratura segmentar do fémur direito, com placa e parafusos.

18. No dia 10 de agosto de 2016, foi submetido a:

- Desbridamento de feridas e recolocação de pinos de osteotaxia

19. No dia 26 de agosto de 2016, foi submetido a:

- Osteossíntese de fratura do perónio com extração de fixador externo;

20. Após a alta hospitalar, no dia 30 de novembro de 2016, o Autor foi submetido a redução fechada de fratura com fixação interna - tíbia e perónio, sendo que, para a realização desta cirurgia, o A. foi internado no dia 21 de novembro de 2016, tendo tido alta no dia 8 de dezembro do mesmo ano, pelo que, no total, permaneceu internado durante 18 dias.

21. No dia 29 de janeiro de 2017, o Autor foi intervencionado para extração de prótese de fixação interna do osso.

22. No dia 29 de dezembro de 2017, o Autor foi novamente operado para extração de prótese de fixação interna de osso.

23. Para além das cirurgias supra referidas, o Autor foi intervencionado pela especialidade de cirurgia plástica, em período de internamento, tendo, concretamente, sido submetido às seguintes intervenções:

1 - No dia 30 de junho de 2016:

- Fasiotomias do dorso do pé direito;

2 - No dia 12 de julho de 2016:

- Desbridamento de tecidos desvitalizados da perna direita pós - esfacelo e plástica com EPP colhida na coxa esquerda.

3 - No dia 1 de setembro de 2016:

- PDS 2x2cms com exposição de traço de fratura tibial na transição do terço superior com terço médio da face anterior da perna direita.

- Desbridamento de tecido desvitalizado, identificação e isolamento de perfurante musculocutânea da ATP e rotação de retalho fasciocutâneo pediculado superomedialmente com inclusão de perfurante e colocação de tala imobilizadora gessada.

24. Já após a alta para o domicílio, ocorrida em ... de setembro de 2022, o Autor foi ainda submetido a novas intervenções cirúrgicas:

No dia 26 de janeiro de 2017, o Autor foi intervencionado para:

- correção cirúrgica de contratura de 3º dedo da mão esquerda com múltiplas plásticas em Z.

- Imobilização do dedo com fio K.

25. No dia 27 de fevereiro de 2019, o Autor foi intervencionado pela especialidade de cirurgia plástica, tendo as intervenções consistido em:

- status por reconstrução da face anterior da perna direita com retalho fasciocutâneo pediculado supero-medialmente baseado em perfurante musculocutânea da ATP.

- Cicatriz aderente da face medial Lipofilling de 30 cc de gordura na face medial da perna direita, gordura colhida da face medial da coxa esquerda.

26. No dia 26 de fevereiro de 2020, foi o Autor, mais uma vez, intervencionado, tendo as intervenções consistido em:

- 2º tempo de Lipofilling de cicatriz aderente da perna direita (50cc).

- colheita de enxertos de gordura da coxa esquerda.

27. No dia 14 de outubro de 2020, o Autor foi, novamente, submetido a intervenção cirúrgica, para:

- Status por reconstrução da face anterior da perna direita, com retalho fasciocutâneo pediculado supero-medialmente baseado em perfurante musculocutânea da ATP, com cicatriz aderente da face medial.

- enxertos de gordura colhidos por lipoaspiração tumescente da região medial da coxa esquerda

- injectados 50 cc na região cicatricial da face medial da pena direita.

28. O Autor, no total, foi submetido a 9 (nove) operações na especialidade de ortopedia e 7 (sete) operações na especialidade de cirurgia plástica, num total de 16 (dezasseis) intervenções cirúrgicas e esteve internado mais de 115 (cento e quinze) dias.

29. Para além das intervenções cirúrgicas, o Autor efetuou consultas, exames e tratamentos vários.

30. O Autor foi acompanhado em regime de consulta externa de ortopedia, no hospital de ..., nos seguintes dias:

- 17/10/2016; 07/11/2016; 14/11/2016; 21/11/2016; 12/12/2016; 23/01/2017; 27/02/2017; 03/03/2017; 14/04/2017; 31/07/2017; 13/11/2017; 15/01/2018; 19/02/2018; 07/05/2018 e 26/11/2018.

Na especialidade de cirurgia plástica realizou consulta, nos dias:

- 27/09/2016; 27/09/2016; 10/01/2017; 26/01/2017; 31/01/2017; 14/02/2017; 28/02/2017; 09/03/2017; 05/04/2017; 06/04/2017; 18/07/2017; 20/07/2017; 19/12/2017; 18/12/2018; 06/03/2019; 22/05/2019; 25/09/2019; 14/11/2019; 19/03/2020; 18/06/2020 e 3/11/2020.

31. Presentemente, o Autor ainda mantém acompanhamento em consulta externa na especialidade de cirurgia plástica, no Hospital de ..., com vista a avaliação pós-operatória e eventual inscrição para procedimento de revisão.

32. Sob os serviços da Ré, no Hospital ..., no ..., o Autor realizou consulta na especialidade de ortopedia nas seguintes datas:

- 09/05/2018; 28/05/2018; 07/01/2019; 13/05/2019; 30/09/2019; 03/12/2019 e 27/05/2020, tendo também, nesta unidade hospitalar, sido consultado na especialidade de medicina plástica, reconstrutiva e estética, no dia 28 de maio de 2018.

33. E foi submetido, ainda no Hospital de ..., para tratamento das feridas cirúrgicas a inúmeros tratamentos e curativos e toma de medicação, pelo serviço de enfermagem daquele hospital, quer durante o período de internamento, quer posteriormente à alta para o ambulatório.

34. Após a alta para o domicílio, o Autor viu-se obrigado a deslocar-se ao hospital de S. João, para efeitos de curativo das feridas cirúrgicas, o que fez, em dias úteis alternados, durante cerca de cinco meses.

35. Com vista à sua recuperação física, o Autor. efetuou várias sessões de fisioterapia, na Clínica ... em ..., nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Ano de 2017:

- Mês de março: dias 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29 30 e 31; - Mês de abril: dias 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 20, 21, 26, 27 e 28;

- Mês de maio: dias 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31;

- Mês de junho: dias 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30;

- Mês de julho: dias 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31;

- Mês de agosto: dias 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24 e 25;

- Mês de setembro: dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 9, 20, 22, 25, 26, 27 e 29;

- Mês de outubro; dias 2, 3, 6,9,10,11,12,13,16,17,18,19, 20, 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31;

- Mês de novembro: dias 2, 3, 27, 28, 29 e 30;

- Mês de dezembro: dias 4, 5, 6, 7, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 27 e 28. Ano de 2018:

- Mês de janeiro: dias 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31;

- Mês de fevereiro: dias 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 26 e 27; - Mês de março: dias1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 14, 15, 16, 20, 21, 23, 26, 27 e 28;

- Mês de abril: dias 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30;

- Mês de maio: dias 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30;

- Mês de junho: dias 4, 5, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 25, 27 e 29; - Mês de julho: dias 17, 18, 24, 25, 26, 27, e 31;

- Mês de agosto: dias 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30 e 31;

- Mês de setembro: dias 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26 e 28;

- Mês de outubro: dias 1, 2, 3, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31;

- Mês de novembro: dias 2, 5, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 20, 22, 23, 26 e 28; - Mês de dezembro: dias 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, e 28; Ano de 2019:

- Mês de janeiro: dias 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 24, 25, 28, 29 e 30; Mês de fevereiro: dias 1, 4, 5, 6, 7, 8, 18, 19, 20, 21, 22, e 25;

- Mês de março: dias 13, 14, 15, 18, 19, 21, 22, 25, 26 e 27; Mês de abril: dias 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 23, 24 e 26;

- Mês de maio: dias 22, 23, 24, 27, 28, 29 e 30;

- Mês de junho: dias 11, 13, 15, 20 e 22; Mês de julho: dias 1, 4, 22, 24 e 26; Mês de agosto: dias 5 e 12.

36. No total e durante os três anos referidos, o Autor foi submetido a 418 sessões diárias de fisioterapia, com a duração de uma hora cada, para recuperação física das lesões que sofreu em consequência do embate.

37. O Autor foi paralelamente e, após o dia 9 de maio de 2018, acompanhado pelos serviços clínicos protocolados com a Ré, concretamente pelo Hospital ..., no ..., onde foi consultado e fez diversos exames.

38. Destes serviços, o Autor recebeu alta no dia 27 de maio de 2020.

39. Das lesões sofridas em consequência do embate, resultaram para o Autor as seguintes sequelas definitivas e irreversíveis:

a) Cicatrizes profundas e distróficas no terço inferior do tornozelo direito;

b) várias cicatrizes de abordagem cirúrgica, designadamente na face externa da coxa direita, joelho e dedo da mão esquerda;

c) Alterações cromáticas da coxa esquerda - zona dadora de enxerto cutâneo; d) Perda parcial da rótula do joelho direito;

e) Limitação da anca na rotação externa; f) Instabilidade lateral do joelho esquerdo;

g) Encurtamento do membro inferior direito de 3 cms; h) Artrodese da tibiotársica direita;

40. Por causa das lesões sofridas, o Autor teve um período de défice funcional temporário total de 189 dias.

41. Teve um período de défice funcional temporário parcial de 1243 dias.

42. Teve um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 309 dias.

43. Teve um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 1488 dias.

44. As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 33 pontos, sendo as sequelas impeditivas de atividade profissional na qual tenha que exercer esforços com os membros inferiores.

45. Ficou com quantum doloris fixado no grau 5 numa escala de 1 a 7.

46. Com dano estético permanente no grau 5 numa escala de 1 a 7, tendo em conta a claudicação da marcha, as cicatrizes e deformidades.

47. Com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável num grau 4, numa escala de 1 a 7, tendo em conta que abandonou a prática de futsal e corrida.

48. O Autor, no futuro, necessita de acompanhamento em consultas de ortopedia e de cirurgia plástica.

49. O Autor necessita de eventual correção em sapato direito por encurtamento 6 cm no MID.

50. À data do embate, o Autor era estudante, tendo transitado do 7º para o 8º ano de escolaridade e frequentava a EB2,3 de..., do Agrupamento de Escolas de ..., do concelho de ....

51. Após o embate, em consequência das lesões sofridas, do internamento, das intervenções cirúrgicas e tratamentos a que se viu obrigado, faltou à escola até abril de 2017, altura em que se fazia deslocar em cadeira de rodas.

52. Em consequência do seu afastamento da escola, o Autor perdeu o ano escolar, tendo ficado retido no 8º ano de escolaridade.

53. Por causa das cirurgias, consultas e tratamentos a que ainda foi sujeito após o seu regresso à escola, em Abril de 2017, o Autor continuou a registar inúmeras faltas, as quais, aliadas ao sofrimento físico que vivenciava, ao afastamento dos colegas e amigos, que entretanto transitaram para o ano seguinte, como, ainda, ao abatimento psicológico que se manifestou em alterações comportamentais, tendo apoio psicológico, o Autor foi perdendo a motivação para os estudos e foi perdendo rendimento escolar.

54. O Autor enveredou pela frequência de um curso profissional na área das madeiras, com o objetivo de vir a exercer a função de ... ou ..., considerando a ligação do concelho em que reside, à área do mobiliário.

55. O Autor concluiu, assim, a sua formação nesta área, em 2019 e não prosseguiu nos estudos.

56. O Autor ainda não logrou obter trabalho, facto que o levou a inscrever-se no centro de emprego, o que fez em .../03/2021.

57. O Autor iniciou, “à experiência” um trabalho numa fábrica de móveis, sendo que, considerando as dores sofridas, só conseguiu trabalhar algumas horas do dia, por não ter conseguido suportar o exercício de algumas funções, que implicavam deslocar-se no interior da fábrica, várias vezes, com transporte de material.

58. O Autor tem dificuldade em permanecer de pé por períodos mais prolongados, caminhar, subir escadas, ou efetuar movimentos com a perna lesada, designadamente no manuseamento dos materiais, na preparação de quaisquer peças, mormente de mobiliário, nas tarefas que impliquem ter de apoiar, por qualquer forma, o joelho, a perna ou pé e/ou fazer força com os mesmos.

59. Antes do embate, o Autor era um jovem saudável, desportista, de boa compleição física e sem qualquer tipo de limitação, designadamente, ao nível da marcha ou qualquer outra utilização das pernas.

60. Dado o tipo de lesões e as exigências das atividades quotidianas do Autor, tal situação afeta-o, ao nível da sua vivência diária.

61. O Autor nasceu no dia ... de dezembro de 2021.

62. Os salários médios mensais, praticados no mercado para profissões tais como ..., ..., situam-se em valores não concretamente apurados mas não inferiores a €1.000,00 (mil euros) mensais.

63. Por via das lesões sofridas, o Autor esteve impedido de realizar autonomamente, as tarefas normais do seu dia-a-dia durante mais de nove meses, após a alta do primeiro período de internamento, designadamente, de cuidar da sua higiene pessoal e alimentação, em especial de tomar banho, vestir-se e calçar-se.

64. As dores e incómodos decorrentes das lesões sofridas impediram o Autor, nos meses seguintes à alta, de conseguir no leito uma posição que lhe permitisse um sono descansado, fazendo com que acordasse várias vezes durante a noite, sempre com sensação de desconforto.

65. O Autor, ainda hoje, sofre de perturbações do sono, acordando durante a noite.

66. O Autor, ao levantar-se da cama, sente dores no pé direito e no joelho, carecendo de iniciar a marcha de forma gradual e lenta e só com o decorrer do dia vai ficando mais aliviado.

67. Não raras vezes e, de molde a suportar as dores, o Autor vê-se obrigado a tomar medicação analgésica.

68. Devido às lesões, e tratamentos que teve que efetuar, o Autor sofreu dores e incómodo no normal fluir do seu dia-a-dia.

69. O Autor viu-se obrigado a repouso absoluto durante mais de dois meses, após a alta para o domicílio, ocorrida em setembro de 2016, e a repouso de cerca de um mês após a alta ocorrida a 8 de dezembro de 2016, para além de outros períodos mais curtos, posteriores às várias operações a que foi submetido, o que lhe limitou os movimentos e atividade física.

70. Esteve dependente de terceira pessoa, durante vários meses para todas as tarefas normais da sua vida, designadamente, para cuidar da sua higiene pessoal e alimentação.

71. Careceu de auxílio para tomar banho, vestir-se e calçar-se, durante vários meses, e sentiu dores que o impossibilitaram de caminhar, ou executar qualquer tipo de tarefa por mais simples que fosse.

72. Após a alta do hospital de ..., para o domicílio, viu-se obrigado a utilizar, durante mais de sete meses, cadeira de rodas e, nessa condição, deslocou-se ao dito Hospital, dia sim, dia não, durante mais de cinco meses, imediatamente após a alta hospitalar recebida em setembro de 2016, com interrupção para o internamento ocorrido entre 21 de novembro e 8 de dezembro de 2016, para efetuar tratamentos e curativos.

73. Após passou a andar com auxílio de duas canadianas, tendo o Autor, atenta a dificuldade de locomoção, chegado a escorregar e a cair.

74. Na escola, o Autor necessitou da ajuda dos seus colegas para lhe transportarem os livros e material escolar, bem como para o ajudarem a tomar o seu local na sala de aula, e para o acompanharem à casa de banho, de molde a evitar que pudesse cair e magoar-se

75. O Autor usou as duas canadianas durante vários meses, passando depois a usar uma só canadiana, o que fez durante cerca de um mês.

76. Em consequência do embate, o Autor deixou de praticar atos de lazer, nomeadamente, passear com familiares e amigos e sentiu-se diminuído relativamente aos amigos, colegas e vizinhos, tendo sofrido abatimento físico e psíquico e desequilíbrio emocional.

77. À data do embate, o Autor praticava, com regularidade, futsal, tendo três treinos por semana e jogo ao fim-de-semana, na equipa do “A........”, em ..., tendo esta sido campeã da modalidade, no respetivo escalão.

78. O Autor andava de bicicleta e jogava futebol com amigos e colegas da escola.

79. A impossibilidade de praticar este tipo de desportos, concretamente o futsal, deixou o Autor revoltado e triste.

80. Nos atos da sua vida diária e, mercê das sequelas de que ficou a padecer, o Autor sente dificuldade em subir e descer escadas, transportar objetos mais pesados, efetuar tarefas que exijam esforços, permanecer na posição de pé por períodos mais prolongados, tem dificuldade em caminhar por períodos mais longos e não consegue correr.

81. Para além de todos os tratamentos e curativos a que foi submetido no Hospital de ..., o Autor viu-se também, obrigado, ainda, a efetuar, por diversas vezes, alguns curativos no Centro de Saúde de ....

82. As dores que hoje sente, sobretudo na perna direita, acentuam-se com mudanças climáticas e a mesma, ao fim do dia, apresenta-se inchada.

83. Ao Autor foi, ainda, ministrada medicação, para toma oral e intravenosa, quer durante os períodos de internamento hospitalar, quer posteriormente, sobretudo, analgésica e anti-inflamatória.

84. O Autor sentiu desgosto e perdeu alegria de viver, especialmente durante o período que se seguiu ao embate, tendo-se sentido deprimido, ansioso, nervoso e triste, o que comprometeu a sua vida normal.

85. O Autor necessitou de acompanhamento psicológico, a fim de conseguir lidar com as consequências advindas do embate e as sequelas definitivas de que ficara a padecer acompanhamento esse, que se prolongou por vários meses, tendo o Autor, ainda no ano de 2020, entre os meses de julho e dezembro, recorrido ao mesmo em duas consultas mensais.

86. Durante toda a fase de recuperação, ou seja, posteriormente à alta, para o domicílio, o Autor apresentou-se agressivo, intolerante, irritável e ansioso, o que se refletiu quer na relação com os seus amigos e familiares, quer ainda com os seus irmãos menores, o que ainda hoje perdura, já que o Autor jamais voltou a ser o menino alegre, calmo e descontraído, que era anteriormente ao embate.

87. O Autor sente-se triste e desgostoso por ter de abandonar, em definitivo, a prática do futsal, do futebol e de não poder andar de bicicleta, caminhar mais rápido ou correr.

88. O Autor, sobretudo nos três primeiros anos que se seguiram ao acidente, viveu, quase exclusivamente, para a recuperação das suas lesões, vendo-se obrigado a inúmeras cirurgias, tratamentos, consultas, curativos, sessões de fisioterapia e deslocações para esses efeitos.

89. E ficou privado do convívio com os seus colegas de escola e de equipa, bem como de todas as experiências normais de um jovem de catorze anos, passando anos entre hospitais e clínicas, para recuperar das lesões decorrentes do embate, ficando, assim, privado do que seria um crescimento normal e saudável.

90. O Autor, após o embate, sofreu uma grande baixa de auto-estima, não se sentido bem em convívios sociais e familiares pelas dores físicas e psicológicas, sofridas em consequência das lesões.

91. Apesar de todas as dificuldades, o Autor, incentivado e apoiado pelos seus familiares, conseguiu retomar a escola e concluir com êxito o curso profissional de madeiras, no ano de 2018/2019, com equivalência ao 9.º ano de escolaridade, tendo, até, recebido um diploma pelo esforço que desenvolveu.

92. Após ter atingido a maioridade, o Autor decidiu não prosseguir nos estudos, por se sentir deslocado e desmotivado, apesar de todo o incentivo que recebeu nesse sentido e de todas as insistências da família.

93. O Autor sentiu e sente desgosto, sobretudo pelo facto de ter ficado com a perna direita muito desfigurada e com múltiplas cicatrizes

94. O Autor mercê das sequelas de que ficou a padecer, em especial das cicatrizes que o desfeiam, de não poder apoiar devidamente o pé direito e ter ficado com a marcha claudicante, deixou de usar calções de verão e nunca mais frequentou a praia e a piscina, o que todos os verões fazia.

95. A Ré só reembolsou o Autor das despesas suportadas, vários meses após a ocorrência do embate, pelo que, as despesas suportadas pelo Autor, com deslocações de e para o Hospital de ... para realizar tratamentos, consultas e curativos, efetuadas no 1º ano não foram pagas pela Ré.

96. Foram efetuadas deslocações em dias úteis alternados para efetuar curativos durantes cinco meses, após a alta, pelo que em ida e volta, no somatório dos vários meses, foram percorridos mais de 3800 quilómetros, tendo o Autor despendido em custos com combustível e portagens, quantia não concretamente apurada, mas não inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

97. A Ré também não reembolsou o Autor das despesas de deslocação de e para os tratamentos de fisioterapia, realizadas em viatura própria.

98. A clínica onde o Autor realizou os tratamentos de fisioterapia, situa-se no centro de ..., a cerca de cinco quilómetros da residência do Autor.

99. O Autor efetuou 418 sessões de fisioterapia e grande parte das mesmas, realizadas em ambulância da cruz vermelha, despesas que foram suportadas pela Ré.

100. A Ré não pagou ao Autor as despesas referentes aos meses de março a agosto de 2019, relativas a 42 sessões de fisioterapia, tendo o Autor percorrido, em ida e volta, em cada um dos referidos dias, cerca de dez quilómetros, tendo gasto quantia nunca inferior a € 135,00 (cento e trinta e cinco euros).

101. O Autor ficou com o seu vestuário e calçado danificado no embate, concretamente, umas botas no valor de € 70,00, umas calças no valor de € 40,00 e uma camisola no valor de € 30,00.

102. O Autor necessita de continuar a tomar medicação anti-inflamatória e analgésica para as dores que sente e continuará a sentir

103. O proprietário do veículo de matrícula “..-..IE”, à data do embate, mantinha transferida a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a ora Ré, por via de um contrato de seguro válido, titulado pela Apólice n.º 0045.11.446214.


*


IV – O direito aplicável

Está em causa no recurso interposto pelo Autor, quer o valor da indemnização a atribuir pelo dano decorrente da incapacidade funcional permanente de que este ficou a padecer em resultado de um acidente de viação, quer o valor da indemnização atribuída pelos restantes danos de natureza não patrimonial que resultaram para o Autor em consequência do mesmo acidente.

Uma vez que este tribunal de recurso está vinculado à delimitação do objeto do recurso que resulta das alegações do Recorrente e do conteúdo da decisão recorrida, na apreciação da adequação das indemnizações arbitradas, teremos que respeitar a divisão e a classificação dos danos efetuada pela instância recorrida, evitando-se, contudo, a referência ao conceito de dano biológico, atenta a sua utilização polissémica 1.

O Acórdão recorrido, alterando os valores fixados pela 1.ª instância (€ 270.000,00 e € 130.000,00, respetivamente), arbitrou essas indemnizações em € 240.000,00 e € 100.000,00, respetivamente.

O Autor neste recurso pretende que sejam repostos os valores indemnizatórios fixados na 1.ª instância.

1. Os danos resultantes da incapacidade funcional permanente

Relativamente ao valor da indemnização pelo dano resultante da incapacidade funcional permanente que o Autor ficou a padecer em resultado do acidente fixada em 33 pontos, há que ter presente que o lesado na altura do acidente tinha apenas 14 anos, havia transitado para o 8.º ano de escolaridade, era praticante de futsal, não prosseguiu os estudos, tendo acabado por tirar um curso profissional na área das madeiras que concluiu em 2019 com o objetivo de exercer a função de ... ou ..., e que as sequelas são impeditivas de atividade profissional na qual tenha que exercer esforços com os membros inferiores.

Relativamente às repercussões que esta incapacidade teve na sua vida já foi possível apurar o seguinte:

- o Autor ainda não logrou obter trabalho, facto que o levou a inscrever-se no centro de emprego, o que fez em .../03/2021.

- o Autor iniciou, “à experiência” um trabalho numa fábrica de móveis, sendo que, considerando as dores sofridas, só conseguiu trabalhar algumas horas do dia, por não ter conseguido suportar o exercício de algumas funções, que implicavam deslocar-se no interior da fábrica, várias vezes, com transporte de material.

- o Autor tem dificuldade em permanecer de pé por períodos mais prolongados, caminhar, subir escadas, ou efetuar movimentos com a perna lesada, designadamente no manuseamento dos materiais, na preparação de quaisquer peças, mormente de mobiliário, nas tarefas que impliquem ter de apoiar, por qualquer forma, o joelho, a perna ou pé e/ou fazer força com os mesmos.

- o Autor deixou de praticar atos de lazer, nomeadamente, passear com familiares e amigos e sentiu-se diminuído relativamente aos amigos, colegas e vizinhos.

- o Autor deixou de poder praticar futsal, andar de bicicleta, correr e jogar futebol com os amigos.

- Nos atos da sua vida diária, o Autor sente dificuldade em subir e descer escadas, transportar objetos mais pesados, efetuar tarefas que exijam esforços, permanecer na posição de pé por períodos mais prolongados, tem dificuldade em caminhar por períodos mais longos e não consegue correr.

O cálculo de uma indemnização ressarcitória deste tipo de danos exige um difícil prognóstico sobre o resto da vida do lesado, face à sua situação atual, constituindo um juízo probabilístico no qual, se a aplicação de fórmulas matemáticas ou tabelas estáticas nos podem ajudar a encontrar um valor de referência, será a atenção aos padrões de indemnização adotados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos, sobretudo, os arestos deste Tribunal, uma vez que é ele que, tendencialmente, profere a última palavra sobre os valores indemnizatórios a arbitrar, que nos deve orientar no sentido de obter, pelo menos, uma justiça relativa.

A indemnização a atribuir ao Autor por este dano, num juízo que necessariamente tem que recorrer à equidade (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil), deverá ter em conta, por um lado, a perda da capacidade aquisitiva de rendimentos que a incapacidade funcional vai originar ao longo da vida do Autor, os esforços acrescidos que este terá que desenvolver para exercer a sua atividade profissional e ainda todas as limitações que irá sentir quer na realização de atividades físicas de lazer quer no dia-a-dia.

O início do percurso profissional do Autor já permite antever o grau de dificuldades com que este se vai defrontar durante toda a sua vida, as quais terão uma dimensão que não é traduzível pelo mero índice médico quantitativo de 33 pontos, face às exigências de um mercado de trabalho competitivo.

O acórdão recorrido entendeu reduzir a indemnização fixada pela 1.ª instância de (€ 270.000,00), para € 240.000,00 por aquela não ter partido do cálculo da portaria atrás referido (Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009), cujo valor é manifestamente inferior e não o ter posteriormente adaptado às circunstâncias do caso em análise.

A referida Portaria fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, estabelecendo o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal.

Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, os quais os poderão apenas utilizar, sem qualquer obrigatoriedade, como pontos de referência, para fixarem os montantes indemnizatórios que se traduzam numa adequada compensação dos danos sofridos.

O facto da sentença da 1.ª instância fixar a indemnização dos danos que resultam da incapacidade funcional permanente que o Autor ficou a padecer em resultado do acidente, não ter partido do valor estabelecido pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, atualizada pela Portaria n.º 679/2009, não justificava, pois, só por si, a redução da indemnização estabelecida na 1.ª instância, afigurando-se que esta se revelava, aliás adequada a compensar o Autor daqueles danos, tendo em consideração que os primeiros anos da sua vida profissional indiciam que tal incapacidade poderá dificultar consideravelmente a capacidade do Autor obter quaisquer rendimentos através do seu trabalho por conta de outrem.

Atendendo a que o valor indemnizatório em discussão visa também indemnizar o Autor da impossibilidade de praticar as atividades de lazer, desportivas, assim como todas as atividades da sua vivência no dia-a-dia, que exijam que ele permaneça de pé por períodos mais prolongados, revela-se perfeitamente adequada a compensar todos estes prejuízos, num juízo de equidade, a indemnização estabelecida pela sentença da 1.ª instância, a qual não deixa de estar em linha como os valores indemnizatórios que se encontram na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça.

2. Os danos não-patrimoniais

Neste capítulo, onde não se incluem os danos de cariz não-patrimonial que já foram ponderados ao fixar-se o valor indemnizatório estabelecido no ponto anterior, o acórdão recorrido apesar de ter considerado que estes danos foram muito graves entendeu, todavia, que o montante de 130.000,00€ fixado pelo Tribunal de 1.ª instância se afigurava excessivo à luz dos critérios da jurisprudência dominante, pelo que o reduziu para € 100.000,00.

Também neste capítulo terá que ser um juízo equitativo a suprir a impossibilidade de quantificar este tipo de prejuízos (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil), o qual deverá encontrar um valor monetário que possa compensar o lesado dos danos sem repercussão económica sofridos.

No caso concreto este tipo de danos assumiu uma especial gravidade, uma vez que o Autor viu:

- serem-lhe “roubados” dois importantes anos da sua vida, passados entre internamentos, operações e tratamentos de fisioterapia com as inevitáveis dores suportadas, as quais se mantêm;

- o seu percurso escolar desviado para um curso profissional, após uma longa interrupção forçada;

- permanecer um prejuízo estético relevante;

- ser afetado por estados psicológicos negativos.

Apesar da dimensão, intensidade e relevância na vida do Autor destes prejuízos, o valor indemnizatório fixado pela 1.ª instância revela-se efetivamente acima dos padrões adotados por este Tribunal para solucionar casos equiparáveis, encontrando-se mais sintonizado com a jurisprudência superior mais recente sobre a matéria, o valor encontrado pelo Tribunal da Relação.

Por essa razão deve nessa parte o recurso improceder, mantendo-se o valor indemnizatório fixado pelo acórdão recorrido.

3. Conclusão

Atentas as razões acima explicadas deve o recurso ser julgado parcialmente procedente, alterando-se o valor indemnizatório fixado pelo Tribunal da Relação para os danos que resultaram da incapacidade funcional permanente do Autor para € 270.000,00.


*


Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a revista e, em consequência, altera-se o valor indemnizatório fixado pelo Tribunal da Relação para os danos que resultaram da incapacidade funcional permanente que passou a afetar o Autor, fixando-se essa indemnização em € 270.000,00.

No demais mantém-se o decidido pelo acórdão recorrido.


*


Custas do recurso pelo Autor e pela Ré, em igual proporção.

As custas da ação e da apelação devem refletir a alteração determinada por este acórdão.


*


Notifique.

*


Lisboa, 7 de dezembro de 2023

João Cura Mariano (relator)

Isabel Salgado

Afonso Henrique

____


1. Sobre a adoção deste conceito pela jurisprudência, MARIA DA GRAÇA TRIGO, O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – breve contributo, Julgar, n.º 46 (2022), p. 257 e seg.