Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
194/14.8TEL.SB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: PORNOGRAFIA DE MENORES
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 05/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E DETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / PORNOGRAFIA DE MENORES / AGRAVAÇÃO.
Doutrina:
-Ana Paula Rodrigues, Revista do CEJ, 1.º Semestre 2011, Número 15, Pornografia de menores: novos desafios na investigação e recolha de prova digital;
-Ângela Pinto, Crime de Abuso Sexual de Menores com Recurso à Internet, Enquadramento Jurídico, Prática e Gestão Processual, Trabalhos Temáticos de Direito e Processo Penal, CEJ;
-Cesare Becaria, Dos delitos e das Penas, tradução de José de Faria Costa, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38;
-Eduardo Correia, Direito Criminal II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, § 10.°, 35, p. 201 e ss. ; 1968, p. 201 e 202, Código Penal anotado de P. P. Albuquerque ; Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
-Enrique Orta Berenguer e José.L, Gonzales Cussac, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch , Valência, 2004, p. 251 e 254;
-Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, p. 314 ; Direito Penal, Questões fundamentais, A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, p. 121 ; As Consequências Jurídicas do Crime, §55, p. 117 e 344 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss;
-Hans Heinrich Jescheck Hans, Evolucion del concepto jurídico penal de culpabilidade en Alemania Y Áustria, Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01(2003);
-Karl Prelhaz Natcheradetez, Direito Penal Sexual, Ed Almedina, 1985, p. 116;
-Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, anotação ao art. 30.º;
-Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, Legislação Complementar , 18.ª Edição, 2007, p. 154 e 155;
-Maria João Antunes e Cláudia Santos, Comentário Conimbricense do Código penal, Tomo I, 2.ª Edição, p. 880;
-Maria João Antunes, Jornadas de Direito Penal, Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, in site do CEJ;
-Miguez Garcia e Castelo Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, p. 731;
-Nogueira Neto, III Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro, 2008;
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª Edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 1139 e 58;
-Pedro Soares Albergaria e Pedro Lima, Revista Julgar n.º 12, Crimes no Seio da Família e sobre Menores, p. 183 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 176.º, N.º 1, ALÍNEAS. C) E D) E 177.º, N.º 6 E 7.
RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 16/2003, RATIFICADA PELO DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Nº 14/2003, IN DR, I SÉRIE-A, DE 05-03-2003.
Legislação Comunitária:
DECISÃO-QUADRO 2004/68/JAI DO CONSELHO, DE 22-12-2003.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DAS CRIANÇAS.
CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL E O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS.
CONVENÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA SOBRE O CIBERCRIME DE 23 DE NOVEMBRO DE 2003.
DIRETIVA 2001/92/EU, DE 27-10-2011.
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 29-3-2010.
RECOMENDAÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA REC (2001) 16.
RECOMENDAÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU AO CONSELHO, DE 3 DE FEVEREIRO DE 2009.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-09-2007, RELATOR SANTOS CABRAL, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-12-2007, PROCESSO N.º 0783989, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-01-2008, PROCESSO N.º D7P3748, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-01-2008, PROCESSO N.º 4830/07, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-05-2009, PROCESSO N.º 07P0035;
- DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 490/07.0TAVVD.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-06-2010, PROCESSO N.º 703/08.1JDLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-11-2012, PROCESSO N.º 862/11.6TAFRS.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-06-2013, PROCESSO N.º 1291/10.4JDLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-04-2016, PROCESSO N.º 19/15.7JAPDL.S1;
- DE 20-04-2016, PROCESSO N.º 657/13.2JAPRT.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 15-12-2015, PROCESSO N.º 3147/08.JFLSB.L1-5, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A conduta do arguido que importou, partilhou e detinha com vista à partilha de 4349 ficheiros de conteúdo pornográfico de menores com idades inferiores a 16 e 14 anos de idade integra a prática pelo arguido de um único crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, als. c) e d) e art. 177.º, n.º 6 e 7, do CP, atenta a natureza do bem jurídico violado, na medida em que não é imediatamente a liberdade e autodeterminação sexual ou interesses exclusivamente pessoais que estão em causa na ilicitude em questão, mas um bem jurídico supra individual, de interesse público, de protecção e defesa da dignidade de menores, na produção de conteúdos pornográficos e divulgação ou circulação destes pela comunidade.
II - Ponderando a intensidade do dolo, que é directo, o período de tempo ao longo do qual o arguido praticou a actividade censurada e o conteúdo em concreto do material pornográfico detido pelo arguido, bem como a ilicitude da conduta do arguido não merece censura a pena de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada em 1.ª instância.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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        No processo comum nº 19/14.8TEL.SB., da Comarca de Lisboa Norte Loures - Inst. Central- Secção Criminal - ... o Ministério Público acusou o arguido AA, filho de [...], actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ... à ordem dos presentes autos, imputando-lhe a prática de factos integrantes de 7030 (sete mil e trinta) crimes de pornografia de menores, sendo:

- 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.°, n.º 1, alínea c), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 6, ambos do Cód. Penal;

- 6812 (seis mil, oitocentos e doze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.°, n.º 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 6, ambos do Cód. Penal;

e,

- 213 (duzentos e treze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no artigo 177.°, n.º 5, ambos do Cód. Penal,

todos com referência aos artigos 26.° e 30.°, n.º 1 do citado diploma legal.

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Realizado o julgamento, por acórdão de 6 de Dezembro de 2016, o Tribunal Colectivo decidiu:

“- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo art. 176°, nº1, aIs. c) e d) e art. 177°, nº 6 e 7 do Código Penal, em que convola a detenção pelo arguido de 4349 ficheiros de conteúdo pornográfico, na pena de 6 (SEIS) ANOS e 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO;

- Absolver o arguido do demais que lhe era imputado.

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Objetos

Decide o Tribunal declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos a fls. 141 a 144.

*

Após trânsito em julgado:

- Remeta boletim ao registo criminal;

- Remeta certidão da presente decisão, com nota de trânsito ao INML para efeitos de recolha da amostra de ADN e subsequente inserção na base de dados, nos termos previstos na Lei 512008 de 12 de Fevereiro,,[…]”

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Inconformado com a decisão, dela recorre o Ministério Público, por intermédio da Exma Procuradora da República, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

1ª - Constitui objecto do presente recurso o douto acórdão de fls. 924 e seguintes dos autos identificados em epígrafe, na parte respeitante à condenação do arguido pela prática de um único crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido, pelos art°s 176°, nº 1, alíneas c) e d) e 177°, nºs 6 e 7, ambos do Código Penal, e não pelo número de crimes correspondentes aos ficheiros de imagem e vídeo efectivamente detidos, tal como vinha acusado e, em consequência, quanto à concreta pena aplicada.

Zª - Nada temos a apontar ao douto acórdão recorrido quanto aos factos provados e não provados, nem quanto à fundamentação da decisão de facto, cujas considerações, aliás, subscrevemos, porque conformes com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

3ª - É, porém, nosso entendimento que os factos dados como provados, que correspondem, no essencial e ipsis verbis, aos factos narrados na acusação -, com excepção do número de ficheiros de imagem e de vídeo efectivamente encontrados no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido do computador, denominado "HDD01", apreendidos ao arguido, num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove), conforme se alcança do teor dos factos assentes sob os pontos 1. a 13., 16. e 19. a 26.-, preenchem, ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo, os elementos típicos dos seguintes ilícitos:

- 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alínea c), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 6, ambos do Código Penal;

- 4131 (quatro mil, cento e trinta e um) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, n° 6, ambos do Código Penal; e,

- 213 (duzentos e treze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, n° 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 5, ambos do Código Penal, todos com referência aos artigos 26° e 30°, n° 1 do citado diploma legal.

4ª - O conceito de pornografia não tem definição legal no Código Penal.

5ª - Só com a Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro é que veio a ser punida, expressamente, com a introdução da nova redacção do art° 176° do Código Penal, a utilização de menor em espectáculo, fotografia ou filme pornográfico e a divulgação e aquisição de tais materiais.

6ª - Trata-se de uma neocriminalização, resultante da transposição da Decisão¬Quadro do 2004/68/JAI do Conselho, de 22-12-2003 (Jornal Oficial de 20-01-2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil.

7ª - A criminalização da pornografia de menores só pode significar que o bem protegido tem dignidade jurídico-penal e merece tutela jurídica.

8ª - Ora, ainda que se considere o crime de pornografia infantil um crime de perigo abstracto, a verdade é que não se pode descurar que o bem jurídico protegido é, ainda, eminentemente pessoal.

9ª - E se numa primeira linha surge como bem protegido, um bem jurídico supra individual - direito ao salutar desenvolvimento físico e psíquico na infância e juventude - em segunda linha não pode deixar de se entender, salvo melhor opinião, que visa a protecção da liberdade e autodeterminação sexual.

10ª - Aliás, só assim se compreende a sua inserção sistemática no nosso Código Penal, no Capítulo V - Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, mais concretamente, na Secção II - Crimes contra a autodeterminação sexual.

11ª - Assim, não obstante se tratar de um crime de perigo abstracto, sendo punida a actividade potencialmente lesiva do bem jurídico protegido, independentemente de qualquer dano, deve, na nossa perspectiva, antecipar-se a tutela do bem jurídico, e proteger-se o livre e harmonioso desenvolvimento das crianças e jovens - que inclui a sexualidade, uma vez que se pretende proteger aqueles que ainda não têm capacidade, devido à imaturidade decorrente da idade, de se auto determinarem sexualmente - retratadas/filmadas, porque identificadas ou identificáveis, i. e., com"rosto ".

12ª - Nessa medida, haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados.

13ª - Subscrevemos as considerações teóricas feitas no douto acórdão recorrido, no que concerne à impossibilidade da aplicação do nº 2 do art° 30° do Código Penal, pois, tratando-se de bens jurídicos eminentemente pessoais (cfr. nº 3 do mesmo artigo), não ocorre qualquer circunstância que diminua consideravelmente a culpa do agente, e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção jurídica no crime continuado - cfr. fls. 1021 a 1026.

14ª - O mesmo se diga quanto à integração da conduta do arguido num único crime de pornografia de menores, em trato sucessivo, construção jurídica que não encontra suporte legal como um modo de execução de crime, tratando-se de uma construção doutrinal e jurisprudencial- cfr. mesmas fls. 1021 a 1026.

15ª - Porém, não podemos concordar, repete-se, com a existência de uma única resolução criminosa, que abarca a partilha de ficheiros (5 "upload's" efectuados pelo arguido, identificados nos factos 1. a 5.) e importação de ficheiros de imagem e de vídeo de conteúdo pornográfico ("download's" efectuados pelo arguido, melhor descritos nos factos 6. a 14.), com intenção de os partilhar, que foram apreendidos na sua posse, no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido "HDD01", num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros.

16ª - Com efeito, na nossa perspectiva, é de considerar que cada acto individualmente concretizado, in casu imagem ou vídeo importado, detido, partilhado, ou com vista à partilha, corresponde a uma nova resolução criminosa e preenche os elementos típicos do crime, pelo que haverá tantos crimes quanto as condutas determinadas.

17ª - Assim sendo, da matéria de facto assente, especialmente dos factos 1. a 26., resulta que o arguido importou, partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros de imagem e de vídeo, renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo, com os demais.

18ª - Donde, não podemos concordar com a opção efectuada pelo Tribunal a quo na subsunção jurídica dos mencionados factos provados, num único crime de pornografia de menores agravado.

19ª - De acordo com a qualificação jurídica dos factos por nós propugnada, o arguido incorre na prática dos ilícitos elencados na conclusão 3ª supra.

20ª - O crime de pornografia de menores, previsto no art° 176°, nº 1, alíneas c) e d) do Código Penal, é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão, a que acrescem as agravantes previstas nos nºs 5 e 6 do art° 177° do mesmo Código.

21ª - Dispõe o art° 40°, nº 1 do Código Penal que "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ", esclarecendo o seu n° 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

22ª - Depois de escolhida a pena e para a sua determinação o Tribunal deve eleger os factores relevantes para o efeito, valorando-os à luz dos vectores de culpa e prevenção, nos termos do disposto no art° 71 ° do Código Penal que enumera, no seu nº 2, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter a aferir segundo critérios objectivos.

23º - Ora, no caso em apreço o Tribunal a quo tomou em consideração, nos termos dos citados preceitos legais, todas as circunstâncias a favor e contra o arguido, tendo escolhido a pena de prisão - por ser aquela que está prevista no tipo legal de pornografia de menores - e graduado, de acordo com a conduta adoptada, com a circunstância de ter agido com dolo directo, ponderando a quantidade e conteúdo em concreto do material pornográfico detido, a pouca relevância da confissão dos factos por parte do arguido, atenta a prova pré-constituída, a inexistência de antecedentes criminais, a personalidade revelada e as suas condições pessoais - cfr. fls. 1029 a 1031 do acórdão).

24ª - Sucede que, a qualificação jurídica dos factos, ora propugnada, determina que tais critérios tenham por referência o número de crimes e as supra referidas molduras abstractas, para cada um deles.

25ª- Assim, adequando as aludidas circunstâncias às mencionadas molduras abstractas e ponderando as elevadas exigências de prevenção geral e de prevenção especial, tendo por limite a culpa, entende-se adequada a aplicação das seguintes penas: - por cada um dos 5 (cinco) crimes de pornografia agravado, a pena de 2 (dois) anos de prisão;

- por cada um dos 4131 (quatro mil, cento e trinta e um) crimes de pornografia agravado, a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão e

- por cada um dos 213 (duzentos) e treze crimes de pornográfica agravado, a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, sendo certo que se mostram próximas do limite mínimo da moldura abstracta aplicável.

26ª - Ora, tais penas estão em relação de concurso, importando, por isso, à luz do artº 770 do Código Penal, realizar o cúmulo jurídico.

278 - A pena aplicável, atento o quantum ora sugerido, tem como limite mínimo a mais alta das penas singulares - 2 anos de prisão - e limite máximo a soma material das penas individualmente impostas, que não pode ultrapassar os 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

28º - Realçando as finalidades subjacentes à aplicação da pena, sem olvidar a gravidade dos factos imputados ao arguido, as prementes necessidades de prevenção geral, as elevadas necessidades de prevenção especial, cremos que a ponderação das suas condições de vida, a sua idade, as suas dificuldades de integração social e instabilidade familiar, a sua conduta anterior e posterior aos factos e a inexistência de antecedentes criminais, permite concluir que as finalidades da pena serão alcançadas através da fixação de uma pena única de 10 (dez) anos de prisão, o que se sugere.

29ª - A pena ora proposta obsta, por si só, à possibilidade de suspensão da sua execução.

30ª - Em todo o caso, sempre se dirá que é nosso entendimento que da análise ponderada das circunstâncias pessoais do arguido, das elevadas exigências de prevenção geral e especial, da gravidade dos factos - espelhada na quantidade de imagens e vídeos que detinha na sua posse e na natureza dos mesmos, onde figuram maioritariamente menores de 14 anos de idade -, o Tribunal a quo não poderia, em qualquer circunstância, aplicar uma pena que admitisse sequer a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, como, aliás, não o fez, mesmo condenando apenas por um único crime de pornografia de menores, agravado.

31ª - Havendo razões sérias, como é o caso, para duvidar da capacidade do arguido em se conformar com o direito e não cometer novos crimes, mostra-se, na nossa perspectiva, adequada e justa a aplicação de uma pena única de prisão efectiva.

32ª - Pelo exposto, impõe-se concluir que o Tribunal a quo interpretou erradamente e, em consequência, violou o disposto no violou o disposto nos artigos 176º nº 1, alíneas c) e d) e 177°, nºs 5 e 6 do Código Penal e nos artigos 40°, nºs 1 e 2, 71°, nºs 1 e 2 e 77°, nº 1, todos do Código Penal.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de V.Exas deve ser revogado o acórdão recorrido, na parte respeitante à qualificação jurídica dos factos dados como assentes e, bem assim, à pena aplicada ao arguido e, em consequência, substituído por outro que condene o arguido pela prática dos crimes enunciados na conclusão 3a supra e nas penas parcelar e única propostas, ou, em alternativa, em penas que se julguem justas e adequadas.

Assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!

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            Respondeu o arguido à motivação do recurso, apresentando as seguintes Conclusões:

    1.º O arguido, além de algumas matérias que no Douto Acordão recorrido foram dadas como provadas e o não deveriam ter sido, deveria ter sido condenado a uma pena de prisão menos extensa e com a respectiva execução suspensa.

2.º A fim de melhor poder apreciar e decidir a questão suscitada importa proceder à contextualização dos factos e da sua perpetração.

3.º Sem prejuízo de poder ser ténue a linha que distingue contextualização e desculpabilização, sempre se dirá que é o próprio arguido quem desde logo afirma que embora possa ter consideráveis atenuantes tal não invalida que o que fez seja profundamente reprovável e repugnante.

4.º Se é certo que da contextualização decorre forçosamente algum grau de desculpabilização, a culpa que o arguido efectivamente tem é por ele plenamente assumida.

5.º A verdade porém é que não fôra o facto de se ter verificado um lamentável e altamente improvável conjunto de circunstâncias e certamente o arguido não teria incorrido nas práticas delituosas que protagonizou.

6.º O respectivo percurso que antecedeu a citada fase negra da sua vida foi marcado por variados factos, factores, circunstâncias que acabaram por provocar no arguido uma profunda descompensação psico-emocional, deixando-o ressentido, recalcado, frustrado, carente, deprimido, fragilizado...

7.º A isso veio acrescer a má fortuna de ter conhecido ou se ter cruzado com várias pessoas indesejáveis, sobretudo com um verdadeiro facínora chamado BB, predador de menores e também de adultos, de todos abusando e procurando tirar partido.

8.º No caso do arguido aquele procurou aproveitar-se de toda a sua fragilidade e vulnerabilidade, intitulando-se de psicólogo e propondo ajudá-lo, e inclusivé recorrendo à vertente religiosa para melhor o manobrar.

9.º Todos esses episódios marcantes foram já explicitados quer em peças processuais anteriormente juntas pelo arguido e constantes nos autos, quer pelo menos em parte no respectivo relatório social, quer ainda em sede motivacional.

10.º Resulta claro e inequívoco que no que ao arguido concerne tivemos um único período negro, mais conturbado, durante o qual acabou por incorrer em práticas delituosas.

11.º É porém de ressaltar que não é um conjunto restrito de episódios lamentáveis ocorrido no pior período da sua vida que caracteriza a pessoa em causa, muito menos a pessoa profundamente transfomada que se apresentou em juízo e que actualmente seria totalmente incapaz de semelhante conduta.

12.º No tocante à matéria factual objecto dos autos importa realçar que pese embora o elevado número de ficheiros detido, foi obtido mediante um pequeno ou pelo menos incomparavelmente mais reduzido número de acções.

13.º Relativamente a partilhas, não apenas foram poucas como foram feitas com pessoas identificadas pelo próprio arguido através de nomes, endereços de e-mail, perfis de facebook, e ou números de telefone.

14.º O arguido esclareceu tudo o que pôde, designadamente o que despertava o seu interesse e o que detinha com o intuito de agradar a duas pessoas em particular, primeiramente ao CC e mais tarde ao BB.

15.º O arguido fez uma confissão sincera, que só não foi integral e sem reservas porque a acusação contra o arguido deduzida continha imprecisões, afirmações falsas, imputações vagas ou generalizações indevidas, não sendo acertado que o arguido seja penalizado por não ter feito essa confissão integral e sem reservas quando tal resultou unicamente da necessidade de rectificar o que não estava correcto.

16.º Manifestou profundo e sincero arrependimento.

17.º Abre-se aqui um parentesis para esclarecer que no decurso da audiência de jugamento, quando se procedeu à visualização das imagens mais hediondas, o arguido de facto evitou olhar e ver tais imagens, mas ao contrário da interpretação que o Douto Tribunal a quo atribuiu a essa atitude, considerando-a uma manifestação de “profunda hipocrisia”, qualquer psicólogo ou especialista em saúde mental não hesitaria em afirmar que, estando a pessoa realmente arrependida e verdadeiramente envergonhada face ao que viu e fez, é perfeitamente normal que lhe seja penoso e não pretendesse tornar a visualizar essas imagens.

18.º Quanto mais foi recuperando a sua estabilidade psico-emocional e o respectivo discernimento mais foi tomando consciência do desvalor da sua pretérita conduta bem como das suas implicações, que à data dos factos não perpassavam a sua mente perturbada.

19.º Mercê desse sincero arrependimento e dessa consciencialização, prestou à Justiça e às autoridades competentes toda a colaboração ao seu alcance, tendo inclusivamente procedido à denúncia de todos aqueles que conheceu e pudessem ter comportamentos desviantes.

20.º Fez essa denúncia apesar do receio que tinha de poder vir a ser sujeito a represálias que pusessem em risco a sua integridade física ou quiçá a própria vida, até porque acreditou que a referida seita denominada “...” tinha como membros pessoas influentes e perigosas, e que um membro que se afastara se tinha suicidado ou teria sido “suicidado”, e só mais tarde o arguido veio a saber que tudo aquilo era parte do maléfico plano urdido pelo citado BB.

21.º Os sentimentos prevalecentes no AA estabilizado, recuperado, designadamente o arrependimento e a consciência de tudo dever fazer no sentido de impedir novas vitimizações de crianças, imperaram, sobrepuseram-se a qualquer temor, ficando pois plenamente demonstrada a profunda transformação protagonizada pelo arguido

22.º Essa profunda transformação tem sido bem patente, podendo ser atestada por quem com ele tem lidado, nomeadamente pela Sra. Directora do E.P., pela psicóloga, pela educadora, e por numerosos guardas prisionais, ou ainda por vários outros reclusos.

23.º Similarmente, também os Missionários Vicentinos que periodicamente se deslocam ao E.P. bem como diversas entidades eclesiásticas poderiam atestá-la.

24.º Temos assim um arguido profundamente transformado, que registou uma extremamente positiva evolução, que recuperou o discernimento outrora perdido, que logrou ultrapassar traumas e ressentimentos, e conseguiu alcançar uma estabilidade psicológica e emocional que nunca antes tivera.

25.º De particular relêvo, tendo prestado um significativo contributo nesse sentido, é também o facto de ter abraçado de forma consistente e já devidamente alicerçada a religião católica, os respectivos ensinamentos teológicos e sobretudo os valores éticos e morais correspondentes.

26.º Não é demais repetir que o arguido expressa com veemência e absoluta sinceridade a sua profunda repugnância face ao que viu e ao que ele próprio fez.

27.º Tal como consta nos respectivos relatórios prisionais tem mantido um comportamento exemplar, tendo contra ele sido instaurado um único procedimento disciplinar devido ao facto de lhe ter sido enviada alguma literatura de cariz religioso destinada a ser facultada aos reclusos nela interessados, em vez de ter sido enviada para a biblioteca do E.P. (onde o próprio aliás colaborava activamente organizando o respectivo acervo e solicitando a editoras e outras entidades o envio de numerosas publicações), e ter sido detectado na sua posse um número de exemplares da citada literatura superior ao regulamentarmente permitido.

28.º Resulta daí que o próprio procedimento disciplinar instaurado apenas vem também ele demonstrar a sinceridade e consistência da sua fé e da sua conduta.

29.º Não despiciendo é outrossim o facto de o arguido beneficiar de forte apoio familiar, mormente por parte da sua mãe, da avó sobreviva, da prima e da amiga às quais foi já feita menção.

30.º De igual modo é de ter em conta a mudança de ambiente e de companhias que naturalmente contribuirá para manter o arguido no rumo certo que tem vindo a trilhar.

31.º Os planos que traçou e a que já se aludiu constituem também um factôr significativo em ordem a proporcionar ao arguido adequadas condições para se reinserir e se manter no devido trilho.

32.º Tudo aquilo que se explicitou permite fundadamente formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.

33.º A ameaça de prisão, a sujeição a regime de prova com adequado acompanhamento, designadamente no domínio psicológico, seriam pois mais do que suficientes para garantir todos os fins subjacentes à aplicação das penas.

34.º Não fôra tal o bastante, decerto que o Sr. AA ainda terá que permanecer sob reclusão pelo período temporal que vier a ser determinado no âmbito do outro processo no qual é arguido, no qual confessou igualmente o que fez, e no qual forçosamente será condenado.

35.º Atento o que foi explanado, nomeadamente e em particular o lamentável e improvável contexto que conduziu à prática dos factos, a extremamente positiva evolução registada pelo arguido, as suas circunstâncias actuais, a legislação, a jurisprudência e a doutrina, com particular incidência para os fins das penas, que no caso foram já alcançados, subscreve-se que ao arguido AA, nos presentes autos, poderá e deverá ser imposta uma pena de prisão com menor extensão, não superior a 5 (cinco) anos, e que essa pena, adicionalmente, poderá e deverá ser objecto de suspensão da respectiva execução mediante sujeição a regime de prova, correspondendo-lhe um plano de reinserção social com particular enfoque no acompanhamento psicológico, e que deste modo se poderá efectivamente alcançar todos os fins subjacentes à aplicação de uma pena.

36.º Subsidiariamente poderá e deverá pelo menos ser reduzida a extensão da pena de prisão aplicada, não excedendo os 5 (cinco) anos, mesmo que adicionalmente não seja determinada a suspensão da sua execução.

Nestes termos e nos mais de Direito, conforme se roga a Vs. Exas., deve o Douto Acordão recorrido ser revogado na parte em que aplicou ao arguido a pena de 6 anos e seis meses de prisão, e nessa matéria ser substituído por outro que imponha uma pena de prisão menos severa, com menor extensão, não superior a 5 (cinco) anos, com suspensão da respectiva execução mediante sujeição a regime de prova nos moldes preconizados, ou subsidiariamente, pelo menos, substituído por outro que imponha uma pena de prisão com menor extensão, não superior a 5 (cinco) anos, ainda que sem suspensão da respectiva execução, na certeza porém de que farão Vs. Exas. a costumada Justiça!

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            Neste Supremo, o Digmo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde refere:

“I Do objecto do recurso:

- A única questão submetida a reexame é a qualificação jurídica relativa à partilha de ficheiros, e importação de ficheiros de imagem e vídeo, de conteúdo pornográfico, com intenção os partilhar, num total de 4349, mais precisamente, quantos crimes comete o agente que importa ou cede os materiais constantes das alíneas a) e b) do artigo 176.º, n.º 1, do Código Penal.

 Como decorre das conclusões do recurso, a Ex. ma Procuradora da República, considera, em primeira linha, que o crime de pornografia de menores é um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, pelo que, embora de perigo abstracto, visa «proteger aqueles que ainda não têm capacidade, devido a imaturidade decorrente da idade , de se autodeterminarem sexualmente- retratadas/filmadas, porque identificadas ou identificáveis, i.é., com “rosto”. Nessa medida, haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados». Complementarmente defende que, face à matéria de facto provada, «resulta que o arguido importou , partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349… ficheiros de imagem e de vídeo, renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo com os demais».

II O acórdão recorrido, tratando da “Unidade/pluralidade de infrações”, sustentou que não faz sentido «“repartir” a atividade a sancionar por referência a cada ato isolado ou agrupar os atos em causa em função do número dos potenciais lesados», e a fls. 1026, concluiu que, «no caso do crime de pornografia de menores, não estamos perante um crime de trato sucessivo, estando as condutas isoladas criminalmente punidas unificadas numa unidade resolutiva, mas perante um único crime, consubstanciado na prática pelo arguido da actividade criminalmente punida».

III Não havendo unanimidade na doutrina sobre a matéria em causa, com toda a consideração pela Ex. ma recorrente, propendemos para a tese acolhida pelo acórdão recorrido.

 Miguez Garcia e Castelo Rio, in Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, a fls. 731, em anotação e comentário ao artigo 176.º do Código Penal, referem: «As quatro variantes em que este art. 176º/1 se desdobra têm em comum o tema pornografia. Têm todas em vista sobretudo a proteção da juventude e indiretamente, enquanto crimes de perigo abstrato, o facto de concorrerem para a redução do número de destinatários e do chamado turismo sexual em prejuízo de menores.

(…) Nas alíneas c) e d) do n.º 1 trata-se de condutas que, embora merecedoras de pena, não configuram uma situação imediata (direta) do bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual, mas sim interesses do Estado que poderiam ficar lesados com a proliferação da pornografia. A alínea c) aplica-se a quem produzir, distribuir… exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior (fotografias, filmes ou gravações pornográficas que utilizem menores…)

 A alínea d) refere-se a quem adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) (fotografias, filmes ou gravações pornográficas), com o propósito de os distribuir, importar exportar, divulgar….

O agente comete tantos crimes de pornografia de menores quantos os menores utilizados em espetáculo, atenta a natureza pessoal do crime. Vale o mesmo para a fotografia, o filme ou a gravação pornográfica com vários menores. Mas só haverá um crime se A tira 20 ou mais fotografias ou faz um filme pornográfico de menor integrado em espetáculo pornográfico para distribuição ou cedência.»

 Por seu turno, Ângela Pinto, in Crime de Abuso Sexual de Menores com Recurso à Internet, Enquadramento Jurídico, Prática e Gestão Processual, Trabalhos Temáticos de Direito e Processo Penal, CEJ, depois das referências ao conceito de pornografia infantil constante do artigo 2.º, alínea c), da Diretiva 2011/92/EU [qualquer representação, real ou figurada, por qualquer meio, de comportamentos sexuais, de qualquer espécie, de um menor no desempenho de atividades sexuais explícitas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de um menor para fins predominantemente sexuais], e considerações sobre a desnecessidade de identificação da vítima, anotando que é indispensável a determinação da idade, diz-nos:

 «A Lei 103/2015, de 24 de agosto…, seria merecedora de aplauso apenas pela alteração que provocou ao introduzir o novo n.º 5 do artigo 176.º do CP, que veio substituir o anterior n.º 4. Onde antes se lia : “quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido…”, hoje lê-se “quem intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido…” (sublinhados da autora)…

 No período anterior a esta alteração legislativa havia dificuldade em se enquadrar a mera visualização de pornografia de menores na internet quando não eram efetuados downloads, pois que a conduta não constituía exatamente um “adquirir” ou “deter” – pelo menos assim não era entendido unanimemente. Dúvidas não havia que o mero download de ficheiros constituía crime. Todavia, se o agente se limitasse a visualizar o material sem o descarregar para o seu computador, não era pacífica a opinião de que isso integraria a conduta de “aquisição ou detenção”, ainda que fosse genericamente admitido que tal diferenciação de tratamento conduziria a uma situação de justiça material, pois um consumidor de pornografia mais avisado evitaria os downloads, recorrendo à mera visualização online, que sempre estaria ao seu fácil dispor…

 Com a alteração legislativa, a inclusão da palavra “intencionalmente” visa excluir todos aqueles que acidentalmente se veem perante material de pornografia infantil sem que o tenham procurado ou desejado…»

 E, finalmente, pronunciando sobre o concurso, diz-nos:

«Quanto às hipóteses de concurso, diga-se que é habitual que quando está em causa um crime de pornografia de menores ele esteja em concurso efetivo com outro crime contra a autodeterminação sexual, desde logo porque haverá sempre um concreto abuso da criança que participa na produção do material pornográfico. Todavia, atendendo a que o crime de pornografia de menores apenas indiretamente tutela a autodeterminação sexual, protegendo em primeira linha a dignidade das crianças enquanto bem supraindividual, o entendimento de que haverá tantos crimes como o número de vítimas não tem aplicação neste tipo de ilícito, pois o bem jurídico em causa não é exclusivamente pessoal, nos termos do artigo 30,º do CP:»

Ana Paula Rodrigues, in Revista do CEJ, 1.º Semestre 2011, Número 15, Pornografia de menores: novos desafios na investigação e recolha de prova digital, considera:

 «Nos casos em que o agente pratica simultaneamente um crime de abuso sexual de criança do art. 171.º e ainda um crime abrangido pela previsão do art. 176.º, estas condutas assumirão ambas, sempre, um desvalor autónomo face a condutas anteriores e posteriores do agente, pelo que neste caso haverá sempre concurso efectivo de crimes, imputável a quem abusa e difunde a imagem

 No que respeita à problemática do concurso de crimes, cumpre ainda referir que não se partilha o entendimento de que haverá tantos crimes como o número de vítimas.

 Este tipo legal de crime visa tutelar bens jurídicos traduzidos no interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos.

 O legislador, através deste preceito visou, também, resolver o problema da criminalização do tráfico de fotografias, filmes e gravações pornográficas com crianças, baseado num bem jurídico supra individual diverso do da liberdade e autodeterminação sexual de uma criança.

 Assim, não se aceita que a norma proteja interesses exclusivamente pessoais, com a consequente multiplicação de ilícitos, nos termos do art. 30.º do Código Penal.

 Pelo exposto e em nosso entender, não obstante as imagens, na generalidade, conterem várias vítimas, comete um único crime quem as detém, exibe, ou cede.»

 Já no Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª Edição, ao tratar do bem jurídico pelo tipo de crime do artigo 176.º, Maria João Antunes refere que a inserção na secção dos crimes contra a autodeterminação sexual é significativa «de que o bem jurídico protegido pela incriminação pretende ser o livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos. É, porém, duvidoso que todas as condutas tipificadas sirvam a protecção deste bem jurídico.

Relativamente às condutas referidas no n. 1-a) e b), é questionável que a incriminação tenha ainda justificação por referência ao bem jurídico individual da liberdade e da autodeterminação, quando se trate de menor entre 14 e 18 anos de idade (supra art. 174º §§ 2 e 3)…

 No que se refere aos n.ºs 1-c) e d) e 3 do que se trata, verdadeiramente, é da criminalização do comércio de material pornográfico, entendido este numa acepção ampla, havendo uma tutela demasiado longínqua e indeterminada do livre desenvolvimento sexual do menor “de carne e osso”… para se poder afirmar que este é o bem jurídico individual protegido pela incriminação…»

 E assim, como parte dos autores atrás mencionados, entendemos que as alíneas c) e d), protegendo nuclearmente o interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos, ou seja, criminalizando o comércio de material pornográfico com menores de idade inferior a 18 anos, não impõem a correspondência entre o número de menores utilizados nesse material e o número de crimes (o que não sucede com as alíneas a) e b), pois que estas pressupõem a utilização de menor).

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            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2, do CPP

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            Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

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            Consta do acórdão recorrido:

            “II – Fundamentação.

II.1 – Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 16 de Outubro de 2013, pelas 18h10:41 UTC[1], através do perfil de Facebook com o URL[2] http://www.facebook.com..., que tem associado o endereço eletrónico ..., e utilizando para o efeito o IP[3] ..., o arguido fez upload[4] do ficheiro de imagem com a denominação “File1.jpg”, que retrata uma criança do género masculino, aparentando ter idade bem inferior a 14 anos, parcialmente despido, em cima de uma cama em posição lasciva.

2. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 21:11:28 UTC, através do endereço eletrónico ..., e utilizando para o efeito o ... o arguido fez upload para o serviço de armazenamento em linha Skydrive, vulgarmente conhecido por “cloud” ou “nuvem”, do ficheiro de imagem “bb3.jpg”, que retrata uma criança do género masculino, aparentando ter idade bem inferior a 14 anos, totalmente nu, em cima de uma cama, de pernas abertas exibindo as nádegas, o ânus aberto, os testículos e o pénis.

3. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 23:12:33 UTC, através do endereço eletrónico ..., e utilizando para o efeito o IP ..., o arguido fez upload para o referido serviço de armazenamento em linha Skydrive, do ficheiro de imagem “bb11.jpg”, que retrata uma criança do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, totalmente nu, em cima de uma cama, de pernas abertas exibindo as nádegas, o ânus aberto, os testículos e o pénis.

4. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 23:14:08 UTC, através do endereço electrónico ..., e utilizando para o efeito o ..., o arguido fez upload para o aludido serviço de armazenamento em linha Skydrive, do ficheiro de imagem “bb30.jpg”, que retrata uma criança do género masculino, aparentando ter idade bem inferior a 14 anos, totalmente nu e amarrado nos braços e pernas àquilo que aparenta ser uma cadeira, a fazer sexo oral a um homem adulto.

5. No dia 29 de Maio de 2014, pelas 23:14:18 UTC, através do endereço electrónico ..., e utilizando para efeito o ..., o arguido fez upload para o mencionado serviço de armazenamento em linha Skydrive, do ficheiro de imagem “bb30.jpg”, que retrata uma criança do género masculino, aparentando ter idade bem inferior a 14 anos, totalmente nu e amarrado nos braços e pernas àquilo que aparenta ser uma cadeira, a fazer sexo oral a um homem adulto.

6. No dia 18 de Fevereiro de 2014, o arguido detinha no interior do quarto da residência onde à data habitava, sita na Rua ..., nesta comarca, entre outros:

- Um dispositivo externo de armazenamento de dados de ligação do tipo USB, de marca Intenso, com 1 GB (um gigabyte) de capacidade, sem número de série, ao qual foi atribuída a identificação de “EQ02”; e,

- Um computador portátil, de cor preta, marca Acer, modelo ASPIRE 5050, com número de série LXAG305055643045DE2521, o qual contém no seu interior 1 (um) disco rígido, de 2,5”, marca “SAMSUNG”, modelo “HM160JC”, número de série “S0CMJD0P436373” de 160 GB de capacidade, identificado como “HDD01”.

7. No referido dispositivo “EQ02”, o arguido tinha gravados 2315 (dois mil, trezentos e quinze) ficheiros[5], divididos e agrupados em 47 (quarenta e sete) pastas com as seguintes denominações:


[...]


8. Após visionamento das referidas pastas verificou-se que:
A pasta “...” [1] contém 3 (três) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:
[...]

A pasta “...” [2] contém 31 (trinta e uma) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a dar beijos na boca de um homem adulto;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a lamber um mamilo de um homem adulto;
- grandes planos da cara e das nádegas do menor enquanto faz sexo oral ao adulto;
- nu a roçar-se na cama;
- grandes planos da cara do menor enquanto está a ser introduzido por pénis erecto;
•     homem adulto:
- a esfregar e a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, em diversas posições;
- com uma mão afastar as nádegas do menor, abrindo-lhe o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, sendo muitos deles bebés, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com esperma no pénis e nos testículos;
- dois menores a exibirem o ânus aberto;
- com as pernas para cima a exibir o ânus aberto com as pernas e os braços amarrados ao nível dos tornozelos e dos pulso e como uma mordaça na boca;
•     homem adulto:
- a masturbar pénis de menor;
- a introduzir um dedo em ânus de menor;
•        grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [4] contém 34 (trinta e quatro) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando serem bebés com menos de um ano de idade, total ou parcialmente despidos;
•     homens adultos:
- a esfregar e a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, sendo perceptível nalgumas delas o esgar de dor na cara do bebé quando tal está a suceder;
- a introduzir o pénis erecto na boca de bebé;
- a ejacular por cima do corpo de bebé;
- a afastar com as mãos as nádegas e a abrir o ânus de bebé;
- a afastar com os pés as nádegas de bebé.
Tal resulta, nomeadamente, dos ficheiros:


[...]



A pasta “...” [9] contém 29 (vinte e nove) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, sendo muitos deles bebés, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com o corpo coberto de esperma, especialmente o pénis, o ânus e as nádegas;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, sendo visível, nalgumas delas, o esgar de dor na cara do menor enquanto tal sucede;
- a introduzir um dedo no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [10] é composta por uma compilação de 14 (catorze) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- o seu pénis enquanto está a urinar.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:
[...]


A pasta “...” [11] contém 74 (setenta e quatro) imagens , nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a agarrar o seu pénis coberto de esperma;
                   - vários menores a masturbarem-se a si próprios, sendo que em algumas dessas situações estão ao mesmo tempo a visionar filmes pornográficos num computador portátil;
- com esperma na boca;
- a roçarem o pénis no pénis de outro menor;
•     homem adulto:
- a masturbar pénis de menor.
Tal resulta, designadamente, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [12] contém 11 (onze) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, sendo muitos deles bebés, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com esperma no corpo, especialmente na zona das nádegas e ânus estando ao lado outro menor a masturbar-se;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [13] contém 124 (cento e vinte quatro) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a agarrar no seu pénis e a masturbar-se e ejaculando para cima do seu corpo.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:



A pasta “...” [15] contém 9 (nove) imagens, nas quais pode ser visionado, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, sendo muitos deles bebés, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
•     homem adulto:
- a esfregar e a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, muitos deles bebés;
- a dar beijos na boca de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “...” [16] contém 8 (oito) imagens, nas quais pode ser visionado, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a introduzir o dedo no seu ânus;
- a friccionar o seu pénis;
•     homem adulto:
- a abrir o ânus de menor;
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [17] contém 16 (dezasseis) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [18] contém uma coleção de 10 (dez) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- o menor a dar beijos no mamilo de um homem adulto;
•     homem adulto:
- a dar beijos na boca de menor;
- a acariciar o pénis de menor;
- a abrir o ânus do menor com as mãos;
- a lamber o pescoço de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [19] contém 12 (doze) imagens, nas quais se pode visionar, nomeadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a dar beijos no mamilo de homem adulto;
- a beijar a boca de outro menor;
•     homem adulto:
- a dar beijos na boca de menor.

Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [20] contém 33 (trinta e três) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “... [21] contém uma compilação de 163 (cento e sessenta e três) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a introduzirem os dedos no ânus;
- com pénis de homem  adulto junto da cara e da boca;
- a afastar as nádegas, abrindo o ânus com o pénis de homem  adulto junto deste;
- a tocar com um pé num pénis erecto de homem adulto;
- a friccionar o pénis de homem adulto;
- a masturbar-se no seu pénis;
- a dormir com o dedo na boca e com o pénis de um homem adulto junto desta e do seu nariz;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a friccionar o pénis de homem adulto ao mesmo tempo que este está a ejacular;
- com esperma no pénis;
•     homem adulto:
- a lamber e a introduzir a língua no ânus de menor;
- a ejacular para o pé de um menor,
- a fazer sexo oral a menor,
- a roçar com o pénis erecto num pé de menor;
- a introduzir um dedo no ânus de menor;
- a ejacular no ânus e nas nádegas de menor;
- a friccionar o pénis de menor enquanto este lhe faz o mesmo;
- a friccionar o pénis de menor;
- a esfregar e a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a abrir com as mãos o ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [22] contém 4 (quatro) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros: Misc-003.jpg, Misc-022.jpg, Misc-028.jpg e TB_Misc-006.jpg.

A pasta “...” [23] contém 3 (três) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:: 014_Misha.jpg, 077_Misha.jpg e 160_Misha.jpg.

A pasta “...” [24] contém 9 (nove) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a beijar o pescoço de homem  adulto;
- a beijar um mamilo de homem adulto;
a masturbar-se no seu pénis;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “...” [25] contém 24 (vinte e quatro) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a fazer sexo oral a um homem adulto ao mesmo tempo que se masturba;
- a beijar o mamilo de um homem adulto;
- a manipular o seu pénis e a introduzir um dedo no seu ânus;
- a manipular o pénis de um homem adulto ao mesmo tempo que este está a ejacular;
•     homem adulto:
- a dar beijos na boca de menor;
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [26] contém 27 (vinte e sete) imagens, nas quais se pode visionar designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [27] contém 24 (vinte e quatro) imagens, nas quais pode ser visualizado, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- abraçado a um homem adulto;
- a morder um mamilo de um homem adulto;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a fazer sexo oral a um homem adulto enquanto se masturba,;
•     homem adulto:
- a beijar menor na boca;
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “PH” [28] é composta por 108 (cento e oito) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
· menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a lamber um mamilo de um homem adulto;
- com o corpo, na zona da barriga e região púbica, coberto de esperma;
- a masturbar-se no seu pénis;
- com esperma na cara,
- com esperma no ânus e nas nádegas;
- a esfregar o seu pénis no pénis de um homem adulto;
- com um vibrador introduzido no seu ânus;
· homem adulto:
- a esfregar e a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a masturbar pénis de menor;
- a ejacular na boca de menor;
- a friccionar um vibrador no interior do ânus de um menor, enquanto este manipula o pénis;
· grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “Privado F” [29] contém 15 (quinze) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “Roma” [30] contém 27 (vinte e sete) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “...” [31] contém 31 (trinta e uma) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 6 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com o rabo empinado, as nádegas afastadas e o ânus aberto;
- com um bilhete manuscrito na mão dizendo “I am 5 years”;
- a manipular o seu pénis;
•     homem adulto:
- a ejacular sobre o menor, em especial no pénis deste;
- a introduzir um dedo no ânus do menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [32] contém 51 (cinquenta e uma) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a masturbar-se no seu pénis;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- abraçado a homem adulto, estando a cara deste desfocada;
- a masturbar o pénis de homem adulto;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a masturbar pénis de menor;
- a beijar menor na boca e com a língua;
•     grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “... [33] contém 9 (nove) imagens, nas quais pode ser visionado, nomeadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a masturbar-se no seu pénis;
- a fazer sexo oral a um homem adulto.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [34] contém 60 (sessenta) imagens, nas quais se visualiza, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com o pénis de um homem adulto na boca e lambendo-o;
- abraçado a homem adulto, estando este com a cara desfocada;
- a beijar a cara de homem adulto;
- a friccionar o pénis de homem adulto;
- a chupar mamilo de homem adulto;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a beijar menor na boca e com a língua;
•     grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “... [35] contém 215 (duzentas e quinze) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a lamber pénis de homem adulto;
- com esperma na boca;
- com esperma na cara;
- com esperma no corpo;
- a beijar homem adulto na boca e com a língua;
- a darem beijos na boca e a acariciarem-se mutuamente na zona genital;
- a friccionar o pénis de homem adulto ao mesmo tempo que este o beija na boca;
- com um dedo no seu ânus;
•     homem adulto:
- a friccionar pénis de menor;
- a roçar o seu pénis no ânus de menor;
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
•     grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [36] contém 76 (setenta e seis) imagens, nas quais se pode visionar, nomeadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a lamber mamilo de homem adulto;
•     homem adulto:
- a beijar menor na boca e com a língua;
- a roçar o pénis erecto no ânus de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [37] contém 20 (vinte) imagens, nas quais se pode visionar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com uma banana na mão de forma sexual.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [38] contém 13 (treze) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a apalpar as nádegas de menor;
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]

A pasta “...” [39] contém 3 (três) imagens, nas quais se pode visualizar, designadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus.
Tal resultando, em concreto, dos ficheiros: 073_Timur.jpg, 139_Timur.jpg e TB_Timur-001.jpg.

A pasta “...” [40] contém 62 (sessenta e duas) imagens, nas quais se pode visualizar, nomeadamente,
•     menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- com o pénis erecto;
- com as mãos no pénis;
- a lamber a cara de outro menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


A pasta “...” [42] contém 24 (vinte e quatro) imagens, nas quais pode ser visionado, designadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a masturbar-se no seu pénis;
- a roçar o seu pénis no pénis de homem adulto;
- a friccionar o pénis enquanto está no bidé;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a masturbar pénis de menor;
- a roçar o pénis erecto no ânus de menor;
•     grandes planos e vários ângulos de ânus dilatado de menor coberto de esperma.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:


[...]

A pasta “...” [43] contém 99 (noventa e nove) imagens, nos quais se podem visionar, nomeadamente,
•     menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, total ou parcialmente despido:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a um homem adulto;
- a introduzir o pénis erecto no ânus de outro menor;
- a friccionar o seu pénis;
- a friccionar o seu pénis e a ejacular;
•     homem adulto:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor;
- a apalpar as nádegas de menor;
- a beijar menor na boca;
- a ejacular nas nádegas de menor;
- a masturbar pénis de menor;
- a ejacular em diferentes partes do corpo de menor.
Tal resulta, em concreto, dos ficheiros:

[...]


Tal resulta, designadamente, dos ficheiros:

[...]

_
10. Para além dos ficheiros concretamente referidos, o arguido tinha 104 (cento e quatro) imagens[6] gravadas no mencionado disco rígido “HDD01”, com proveniência do Skype, nas quais se pode visualizar, nomeadamente,
•     menores do género masculino, alguns aparentando ter idade inferior a 14 anos, outros idade inferior a 6 anos, e outros inequivocamente bebés, total ou parcialmente despidos:
- em posições eróticas e/ou lascivas, exibindo o pénis, as nádegas e o ânus;
- a fazer sexo oral a homem adulto;
- grandes planos de ânus dilatado de menor coberto de esperma;
•     homens adultos:
- a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, muitos deles bebés, em diversas posições;
- a ejacular no ânus e nas nádegas de menor;
- a ejacular na boca de menor.
Tal resulta, designadamente, dos ficheiros:

[...]



11. O arguido, no referido disco rígido “HDD01”, tinha ainda gravados 67 (sessenta e sete) ficheiros de vídeo[7], com as seguintes denominações e conteúdos, dos quais se salientam designadamente:
- !!! New Unian bos SUPER! part 2(1)(1).wmv: com a duração de dois minutos e doze segundos, visualizam-se dois menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, numa banheira, a esfregar o ânus um do outro, fazendo sexo depois oral reciprocamente e a friccionarem o pénis um do outro.

- (pt)`;` p101-anal02 on Vimeo_0(1).mp4: com a duração de um minuto e três segundos, visualiza-se um homem adulto a praticar sexo anal com menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos..

- [B_M]_S07_2.avi: com a duração de um minuto e dois segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral num pénis de um homem adulto.

- 0-1.m4v: com a duração de quarenta e três segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a friccionar o seu pénis erecto.

- 0-211506.mp4: com a duração de quatro minutos e quarenta e três segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a friccionar o seu pénis erecto abrindo as nádegas para a câmara.

- 1-14.mp4: com a duração de um minuto e sete segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a exibir o corpo em poses lasciva e/ou eróticas, um homem adulto a introduzir um dedo no ânus do menor e depois leva-o à boca deste, assim como acaricia as nádegas do menor com uma mão.

- 1649 (12yo or 13yo boy with a big dick).mp4: com a duração de cinco minutos e um segundo, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, com um chupa -chupa na boca e a masturbar-se.

- 2-13.mov: com a duração de um minuto e dez segundos, visualiza-se homem adulto a masturbar-se, enquanto menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, faz o mesmo a si próprio estando os dois deitados numa cama, até que o menor começa a fazer sexo oral ao adulto, após o que o masturba.

- 2-16.mov: com a duração de um minuto e oito segundos, visualiza-se homem adulto a masturbar  menor género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, após o que o leva a introduzir um vibrador no seu ânus, onde o fricciona diversas vezes, vendo-se a cara do menor com dor, grande plano do ânus deste dilatado, após o que fricciona o pénis do homem adulto.

- 2-23.mp4: com a duração de um minuto e nove segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto enquanto este lhe acaricia a cabeça.

- 2-5.mov: com a duração de um minuto e um segundo, visualizam-se dois menores do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, um a introduzir o pénis no outro menor e a fazer sexo oral num pénis de um homem adulto,

- 2014-05-16_16-35-35_735..mp4: com a duração de um minuto e vinte e quatro segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se e um homem adulto a masturbar-se junto à cara daquele; após o menor faz sexo oral ao homem adulto, enquanto este o masturba; depois masturbam-se reciprocamente, até que o homem lhe agarra a cabeça para lhe fazer novamente sexo oral.

- 2014-05-16_19-15-53_590..mp4: com a duração de cinquenta e três segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a menor, de idade semelhante, após o que se senta em cima deste e introduz o pénis do mesmo no interior do seu ânus, no qual faz movimentos ascendentes e descendentes, ao mesmo tempo que fricciona o seu pénis,

- 2014-05-16_20-20-01_877..mp4: com duração de seis minutos e trinta e cinco segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, menor fazer sexo oral a menor de semelhante idade, após o que introduz o seu pénis erecto no ânus do outro menor, fazendo vários movimentos ascendentes e descendentes, em posições distintas, havendo grandes planos das penetrações e do pénis e dos testículos do menor que está a ser penetrado.

- 2014-06-09_21-03-03_952..mp4: com a duração de dois minutos e cinquenta e sete segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a colocar lubrificante no ânus de outro menor, de idade semelhante, após o que introduz o seu pénis no ânus do menor, ao mesmo tempo que se ouve uma voz masculina, com sotaque que parece francês, a dar indicações sobre como proceder, sendo que, a dada altura, aproxima-se deles um terceiro menor, de idade idêntica, que acaricia o menor que está a ser penetrado, ficando a observá-los.

- 2014-08-18 05.41.38.mp4: com a duração de um minuto e dezanove segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a friccionar o seu pénis erecto,

- 2014-08-23 09.18.50.mp4: com a duração de um minuto e cinquenta e cinco segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, em posições lascivas, depois a fazer sexo oral a homem adulto, enquanto este o acaricia nas nádegas; seguidamente vê-se homem a masturbar-se enquanto o menor lhe faz sexo oral, ejaculando em parte na boca do menor, vendo-se ainda várias imagens e planos do menor a masturbar-se.

- 2014-09-17_01-05-40_303..mp4: com a duração de dois minutos e treze segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se até ejacular e grandes planos do pénis deste coberto de esperma.

- 2014-09-18_21-51-46_408..mp4: com a duração de dois minutos e seis segundos, visualiza-se homem adulto a penetrar o ânus de menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, e a manter com ele coito anal, colocando a dada altura lubrificante no pénis voltando a introduzi-lo no ânus daquele.

- 2014-09-19_01-53-53_491. (1).mp4: com a duração de cinquenta e um segundos, visualiza-se o ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de um homem adulto, que o fricciona no interior com repetidos e sucessivos de vaivém.

- 2014-09-19_18-39-31_176..mp4: com a duração de quarenta e oito segundos, visualiza-se o ânus de menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de um homem adulto, até este ejacular para as nádegas e as costas do menor.

- 2014-09-19_18-39-52_471..mp4: com a duração de quarenta e três segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a afastar as nádegas e a introduzir um dedo no seu ânus, após o que surge um homem adulto, que introduz o pénis erecto no ânus do menor, que fricciona com repetidos e sucessivos movimentos no seu interior.

- bb1.mp4: com a duração de quarenta e um segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a introduzir e friccionar um vibrador no ânus, ouve-se um homem adulto a dar instruções, que entretanto também fricciona o vibrador no ânus do menor,

- bb10.mp4: com a duração três minutos e quarenta e três segundos, visualiza-se u, homem adulto a masturbar-se e a introduzir um dedo no ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, após o que roça o pénis erecto nas nádegas do menor tentando introduzi-lo no ânus deste, como não consegue senta o menor sobre si e desta forma introduz o pénis erecto no ânus do mesmo, friccionando com repetidos e sucessivos movimentos no seu interior, após o que masturba o seu pénis enquanto enfia um dedo no ânus do menor.

- bb11.wmv: com a duração de quatro minutos e cinquenta e quatro segundos, visualiza-se menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a introduzir o pénis erecto no ânus de outro menor, que aparenta ser da mesma idade, onde o fricciona, ao mesmo tempo que o masturba no pénis, enquanto um adulto assiste, adulto que, entretanto, passa a fazer sexo anal com o menor que entretanto se masturba ao mesmo tempo, até ejacular sobre o corpo do menor, espalhando o esperma pelo corpo deste, após o que introduz um dedo do pé no ânus do menor.

- bb12.mp4: com a duração de um minute e dez segundos, visualiza-se o ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de um homem adulto que o fricciona no interior com repetidos e sucessivos movimentos.

- bb13.avi: com a duração de cinco minutos e quarenta e um segundos, visualiza-se um homem adulto a introduzir o dedo no ânus de menor género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, enquanto se masturba ao mesmo tempo, até que coloca a boca do menor no seu pénis, fazendo-lhe o menor sexo oral, depois introduz o pénis erecto no ânus do menor, em várias posições distintas, ao mesmo tempo que se ouve a voz de um homem adulto a dar-lhe instruções de como proceder.

- bb14.mp4: com a duração de dois minutos e cinquenta e três segundos, visualiza-se um grande plano do ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, homem adulto a masturbar-se, que depois introduz o pénis erecto no ânus do menor, onde o fricciona com repetidos movimentos, ejacula ainda no seu interior, vendo-se depois grandes planos do ânus dilatado do menor, após o que o homem adulto coloca uma almofada por baixo das nádegas do menor e desta forma volta a introduzir o pénis erecto no ânus do menor, com grandes planos desta penetração.

- bb15.mpg: com a duração de quarenta e três segundos, visualiza-se o ânus de um bebé a ser penetrado pelo pénis erecto de homem adulto, friccionando-o no seu interior com sucessivos e repetidos movimentos ascendentes e descendentes.

- bb16.mp4: com a duração de quarenta e cinco segundos, visualiza-se o ânus de um bebé a ser penetrado pelo pénis erecto de homem adulto, friccionando-o no seu interior com sucessivos e repetidos movimentos ascendentes e descendentes, após o que ejacula sobre o pénis e os testículos do bebé.

- bb17.mp4: com a duração de três minutos e um segundo, visualiza-se um homem adulto a introduzir um vibrador, que se ouve estar a trabalhar, no ânus de um bebé, que aparenta estar a dormir ou sedado, não reagindo a nada do que lhe está a suceder, após o homem adulto esfrega o pénis erecto no ânus do bebé, que continua sem reagir, introduzindo parte do pénis erecto no ânus do bebé, mantendo-se este sempre sem reagir.

- bb18.mp4: com a duração de seis minutos e trinta e seis segundos, homem adulto a introduzir um vibrador, que se ouve estar a trabalhar, no ânus de um bebé, que aparenta estar a dormir ou sedado, não reagindo a nada do que lhe está a suceder; após o homem adulto esfrega o pénis erecto no ânus do bebé, que continua sem reagir, introduzindo parte do pénis erecto no ânus do bebé, até que este se afasta, entretanto o homem masturba-se voltando a introduzir o pénis erecto no ânus do bebé onde o fricciona, com repetidos e sucessivos movimentos, sem o bebé reagir, até que o homem adulto introduz o pénis erecto na boca do bebé, mantendo-se este sem reagir, fazendo movimentos repetidos com a cabeça do bebé, até a ejacular na boca do bebé que acaba por acordar.

- bb2.mp4: com a duração de cinquenta e oito segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a pénis de homem adulto,

- bb20.mpg: com a duração de doze minutos e quarenta segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a tomar banho em posições lascivas, a acariciar o seu pénis, até que introduz um dedo e depois dois dedos no seu ânus, com grande plano da sua erecção, grande plano do ânus aberto do menor, depois masturba homem adulto e faz-lhe sexo oral, sendo depois penetrado pelo pénis erecto do homem adulto ao mesmo tempo que se masturba.

- bb22.mp4: com a duração de vinte e oito segundos, visualiza-se o ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de um homem adulto.

- bb3.mp4: com a duração de um minuto e dezanove segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto até este ejacular na sua boca.

- bb4.mp4: com a duração de dezoito segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto enquanto este lhe conduz a cabeça para o efeito e lhe acaricia as nádegas.

- bb5.mpg: com a duração de seis minutos e cinquenta e quatro segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade bem inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a um homem adulto, que depois homem coloca o menor em cima de si, esfrega o ânus deste com algo lubrificante e introduz o pénis erecto no ânus do menor, onde faz sucessivos e repetidos movimentos ascendentes e descendentes.

- bb8.mp4: com a duração de oito minutos e quarenta e dois segundos, visualiza-se um homem adulto agarrado a menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, numa cama, aos beijos na boca, o menor a masturbar o pénis do adulto e a fazer-lhe sexo oral e depois o adulto a introduzir o pénis erecto no ânus do menor, estando este na posição de gatas.

- bb9.mpg: com a duração de dez minutos e vinte e três segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se, a introduzir um dedo no ânus, a friccionar o pénis erecto de um adulto, ao mesmo tempo que lhe lambe os mamilos, que depois introduz o pénis erecto no ânus do menor, onde o fricciona com vários movimentos ascendentes e descentes, até ejacular, o que faz sobre as costas do menor.

- ....avi: com a duração de dezasseis minutos e cinquenta segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar e a fazer sexo oral a homem adulto, até que este esfrega nas nádegas e no ânus do menor o pénis erecto após o que o introduz no ânus do menor, friccionando-o repetida e sucessivamente, estado ambos em posições distintas e havendo diversos grandes planos dessas penetrações.

- fadmdna.mp4: com a duração de cinquenta e três segundos, visualiza-se a ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de um homem adulto.

- fadmdnb.mp4: com a duração de quarenta e cinco segundos, visualiza-se o ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a ser introduzido por um pénis erecto de outro menor.

- J93_coder.wmv: com a duração de três minutos e quarenta e um segundos, visualiza-se um homem adulto a fazer sexo oral a um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, após o que o beija na boca.

- jndcfudsn.mov: com a duração de quarenta e cinco segundos, visualiza-se o ânus de um bebé a ser penetrado pelo pénis erecto de homem adulto, friccionando-o no seu interior com sucessivos e repetidos movimentos ascendentes e descendentes.

- jndcfudso.mov: com a duração de um minuto e quarenta e dois segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral e a masturbar um homem adulto, após o que este lhe abre o ânus, que esfrega com o seu pénis erecto.

- jndcfudsp.mov: com a duração de vinte e três segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, menor a introduzir o dedo no ânus.

- LPD35+(4).3gp: com a duração de um minuto e cinco segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral e masturbar um homem adulto.

- ...mpg: com a duração de três minutos e um segundo, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se, homem adulto a fazer-lhe sexo oral, a masturbar o adulto que ejacula para a sua mão, a ser o seu ânus introduzido pelo pénis erecto do homem adulto, onde faz vários movimentos no seu interior, adulto a beijá-lo e a lamber-lhe a boca, menor em posições lascivas, o homem adulto a abrir o ânus do menor e a esfregar o pénis erecto no ânus do menor.

- ....wmv: com a duração de cinco minutos e vinte e quatro segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se, a fazer sexo oral a um homem adulto, este a penetrá-lo no ânus com o pénis erecto, grandes planos das penetrações, e o menor a masturbar o homem adulto até este ejacular para a sua mão,

- ....avi: com a duração de vinte e cinco minutos e trinta e cinco segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se e a introduzir os dedos e algo que se assemelha a uma caneta no ânus,

- ... 2.flv: com a duração de um minuto e vinte segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto até este ejacular no interior da sua boca,.

- ...3.avi: com a duração de dezoito minutos e vinte segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a exibir o ânus aberto, homem adulto a enfiar o dedo no ânus do menor e depois a introduzir o pénis erecto onde o fricciona, menor depois faz sexo oral ao homem adulto até este ejacular na sua boca e para o seu peito.

- ... 4.flv: com a duração de três minutos e trinta e nove segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto até este ejacular, lambendo o menor o esperma enquanto o adulto está a ejacular.

- ....flv: com a duração de dois minutos e dezasseis segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a fazer sexo oral a homem adulto até este ejacular no interior da sua boca.

- ...a.wmv: com a duração de dez minutos e quinze segundos, visualiza-se um homem adulto a lamber o ânus de menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, após o que introduz o pénis erecto no ânus do menor onde o fricciona, seguidamente o menor faz sexo oral ao homem adulto, o homem adulto faz sexo oral ao menor, até que ambos se masturbam reciprocamente, homem depois fica a masturbar-se ficando o menor a observar.

- ....mp4: com a duração de treze minutos e trinta e seis segundos, visualiza-se um homem adulto a fazer sexo anal com um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, enquanto este se masturba, grande plano do ânus dilatado do menor, após o menor masturba-se outra vez e volta a ser penetrado pelo pénis erecto do homem adulto, em distintas posições, ao mesmo tempo que o menor se masturba, vindo o homem adulto a ejacular no interior do ânus do mesmo, novo grande plano do ânus dilatado do menor e vê-se um adulto a masturbar-se e a ejacular para cima das nádegas e costas do menor.

- ....mp4: com a duração de quarenta e um segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a masturbar-se ouvindo-se ao fundo gemidos típicos de filmes pornográficos e a voz de homem adulto a falar com ele.

- ....mp4: com a duração de quatro minutos e seis segundos, visualiza-se um homem adulto a esfregar o pénis erecto e a introduzi-lo no ânus de um bebé, onde o fricciona com repetido e sucessivos movimentos de vaivém, ejaculando depois no seu interior, grandes planos do ânus dilatado do bebé coberto de esperma.

- ....3gpp: com a duração de quarenta e cinco segundos, visualiza-se homem adulto a sexo anal com um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos.

- Video_012.wmv: com a duração de dois minutos e quarenta e sete segundos, visualiza-se um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, a introduzir um dedo no ânus, depois a friccionar o pénis e a seguir a enfiar um vibrador no ânus, onde o fricciona, acabando por friccionar o pénis com o vibrador introduzido no ânus até ejacular,

- ....mp4: com a duração de nove minutos e trinta e três segundos, visualiza-se um homem adulto  a fazer sexo anal com menor género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, e esse a fazer sexo anal ao adulto, até que homem se masturba até ejacular nas nádegas e nas costas do menor, após o que introduz novamente o pénis erecto no ânus do menor onde volta a friccioná-lo repetidamente.

- ...mp4: com a duração de dois minutos e dezanove segundos, visualize-se um homem adulto a esfregar o pénis erecto no ânus de um menor do género masculino, aparentando ter idade inferior a 14 anos, até que o introduz no ânus onde o fricciona com repetidos movimentos, pergunta-lhe em língua latina se estava a gostar e diz-lhe outras coisas imperceptíveis, podendo ver-se que o menor tem uma máscara a cobrir-lhe o rosto.

- ....wmv: com a duração de vinte e cinco segundos, visualiza-se um menor, aparentando ter idade inferior a 14 anos, do género masculino, a friccionar o seu próprio pénis, após o que introduz o pénis erecto de um homem adulto na sua boca, sendo que este lhe agarra a cabeça para o efeito, sendo que, passados uns instantes, parece dizer em brasileiro “Vou devagar” e levanta-se do sítio onde estavam, mexendo sempre no seu pénis.

- ....3gp: com a duração de dezanove segundos, visualiza-se um homem adulto a introduzir o pénis erecto no ânus de menor, que aparenta ter idade bem inferior a 14 anos, onde o fricciona com sucedidos e repetidos movimentos ascendentes e descendentes.

- ....3gp: com a duração de um minuto e quarenta e nove segundos, visualiza-se um menor, aparentando ter idade inferior a 14 anos, do género masculino, a exibir o corpo e depois a massajar o seu próprio ânus, no qual, de seguida, um homem adulto introduz o seu pénis erecto, ali fazendo repetidos e sucessivos movimentos ascendentes e descendentes até ejacular no seu interior.


12. Deste modo, o arguido guardava, no dispositivo de armazenamento “EQ02” e no disco rígido “HDD01”, um total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros de imagem e de vídeo[8].

13. Todas as imagens e vídeos referidos, constantes quer do dispositivo e armazenamento “EQ02”, quer do disco rígido “HDD01”, não se encontram manipulados e representam crianças reais.

14. Cada uma das imagens e cada um dos vídeos dos 7025 (sete mil e vinte e cinco) supra referidos, foi gravado pelo arguido nos aludidos dispositivo e disco rígido, em momentos temporais distintos, ainda que, nalguns dos casos, do mesmo dia.

15. O arguido efetuou, no computador onde se encontrava instalado o disco rígido “HDD01”, pesquisas na Internet, tendo em vista a visualização de imagens e vídeos contendo abusos sexuais de crianças, designadamente nos sites:

[...]


16. Na data referida, o dito disco rígido “HDD01” encontrava-se instalado com o programa antivírus “Microsoft Security Client”, vulgo “Microsoft Security Essentials”; e com a “Firewall[9]” ativa à data dos factos, não tendo sido detetada a presença de “vírus, malware[10], spyware[11]”, ou seja qualquer ficheiro que afetasse a segurança passiva e ativa do equipamento.

17. Foi também detetado no mencionado disco rígido “HDD01” um programa visualizador de Internet, vulgo “browser”, de nome TOR[12], através do qual procedia ao download[13] e upload dos ficheiros que guardava.

18. Assim como foi detectado que no aludido disco rígido “HDD01”, se encontrava instalado o programa de redes P2P[14] “uTorrent”.

19. O arguido sabia que todos os ficheiros de imagem e de vídeo acima descritos, que guardava no dispositivo de armazenamento “EQ02” e no disco rígido “HDD01”, eram relativos a abusos sexuais cometidos contra menores de catorze e dezasseis anos, alguns deles inequivocamente bebés e outros de tenra idade, bem sabendo que a sua aquisição, detenção, cedência ou partilha eram proibidas.

20. Não obstante, quis guardá-los, a fim de satisfazer a sua líbido e instintos sexuais.

21. Para além do que, através do Facebook e do Skydrive, cedeu a terceiros não identificados, imagens do teor das acima descritas.

22. Assim como quis guardar os ditos ficheiros de imagem e de vídeo para trocá-los, com indivíduos desconhecidos, por outros ficheiros de idêntica índole, o que logrou pois que com eles os partilhou em número de vezes indeterminado, em busca dos que melhor correspondessem aos seus apetites sexuais e sempre com o objetivo de satisfazê-los.

23. Sabendo que, deste modo, partilhava os ficheiros que ali guardava com diversas pessoas, conduzindo à sua divulgação para um elevado número não apurado de pessoas, o que igualmente quis e conseguiu.

24. Tendo perfeito conhecimento que, ao adquirir, deter, ceder e partilhar os referidos ficheiros a troco de outros da mesma natureza, estava a induzir a exploração das crianças utilizadas para a realização das fotografias e dos filmes em causa, crianças que, para a satisfação sexual do arguido, sofreram efetivos e severos abusos sexuais, divulgando, assim, os referidos ficheiros através da Internet, que seguramente foram vistos por um grande número de pessoas em todo o mundo e que, dificilmente, dela deixarão de fazer parte; não obstante, quis e manteve o arguido tais condutas.

25. Com as suas condutas, o arguido colocou em causa o sentimento de vergonha e pudor sexual, bem como a liberdade e autodeterminação sexual dos menores retratados nos aludidos ficheiros de imagem e de vídeo, prejudicando, desse modo, o livre desenvolvimento das suas personalidades.

26. Sabia o arguido que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tendo capacidade de determinação, não se inibiu de as cometer, agindo livre, consciente e deliberadamente.

*

                Mais se apurou que:

                56 – AA nasceu em ..., pelo que tinha 38 anos de idade à data da prática dos factos.

57 – Do Relatório de Perícia sobre a Personalidade do arguido resulta o seguinte:
                “(…)
2 – Elementos Relevantes da Trajetória de Vida

Natural de ... ... é o mais velho de quatro irmãos (um consanguíneo e um uterino). Cresceu até aos cerca de 13/14 anos de idade no interior de um agregado familiar alargado, conjuntamente com os pais e avós paternos (os pais eram jovens e a mãe teria 18 anos quando o arguido nasceu), altura em que ocorreu o desmembramento familiar, com a separação dos pais. Ambos reconstituíram agregados familiares, tendo a mãe emigrado para a ... e o pai sido preso pouco tempo depois por tráfico de estupefacientes, situação que determinou a confiança do arguido aos avós pelo tribunal.

Durante este período, o agregado familiar caracterizou-se pela sua sustentabilidade socioeconómica equilibrada, o pai trabalhava como [...], a mãe era [...], a avó [...] e o avo [...]. A dinâmica intrafamiliar verificou-se fortemente instável, conflituosa e agressiva derivada da relação disfuncional entre os pais do arguido, com existência de violência doméstica perpetrada pelo pai à mãe e à qual o arguido era exposto, sendo implicado/utilizado pela mãe nos conflitos, fazendo-se acompanhar por ele quando confrontava o pai do arguido em alturas que este estava acompanhada com amantes”.

                (…)

O relacionamento do arguido com o pai caracterizou-se pelos conflitos e rupturas relacionais, sentimento de amor/ódio (…)de medo e subalternização.

(…)

A mãe é percecionada pelo arguido como uma figura desafetivada, ausente do processo do seu crescimento, sem capacidade de transmitir amor (…)Foi com os avós que o arguido privilegiou a sua relação afetiva, constituindo-se estes as principais figuras parentais gratificantes  (…).

Após a separação dos pais, o arguido não estabeleceu um relacionamento significativo com a mãe até ao momento da sua atual reclusão e com o pai ainda viveu por duas vezes, altura em que este voltou a integrar o agregado familiar dos avós do arguido, com a companheira e filha (entre os 17 e 21 anos do arguido) e posteriormente quando este coabitou no agregado do pai, em ...durante cerca de dois anos (entre os 23 e os 25 anos), altura em que o pai é preso pela segunda vez. Depois a relação que manteve com o pai foi conflituosa e com ruturas e afastamentos.

O processo escolar do arguido revelou-se regular e gratificante, tendo apresentado investimento nos estudos e capacidade de aprendizagem, com bom aproveitamento escolar. Após concluir o 12.º ano de escolaridade, com cerca de dezoito/dezanove anos abandonou os estudos por motivos que o próprio liga a aspetos de instabilidade emocional/momentos de depressão que vivenciava na altura.

Na adolescência, o arguido começou a ter a perceção de que a sua orientação sexual se direccionava para indivíduos do sexo masculino por quem começou a ter desejos sexuais. O processo de interiorização/estruturação da sua sexualidade foi, nesta fase, desarmónica, contida, sentida com culpa, considerando-se diferente dos outros pares e com isolamento social. Este sentimento de inadaptação no estabelecimento das relações sociais, de imaturidade emocional nas inter-relações que estabelecia e de isolamento social foram aspetos que se estendiam à globalidade da sua personalidade e se revelaram durante a sua vida até ao presente.

O arguido culpabiliza os pais pela sua fragilidade/inaptidão emocional para estabelecer relações sociais de forma gratificante, que revelou durante a sua vida. Responsabiliza essencialmente o pai pela desarmonia inicial da estruturação da sua sexualidade, referindo o momento em que aquele o obrigou a realizar um acompanhamento psicológico, aos cerca de 17/18 anos quando o encontrou a visionar filmes pornográficos com temáticas bissexuais, com a desconfiança do arguido ter tendências homossexuais. O arguido manteve-se alguns meses sob acompanhamento psicológico, escondendo a sua homossexualidade tanto à psicóloga com ao pai e restante família. Somente aos 27 anos é que confrontou o pai com a sua homossexualidade, altura em que este não reagiu negativamente aceitando esta realidade, situação que o terá ajudado a integrar psicologicamente a sua homossexualidade.

As relações amorosas/sexuais do arguido foram sempre de cariz homossexual, referindo ter tido a sua primeira experiência sexual com 19 anos numa relação de namoro de 1 ano com EE, um indivíduo da sua faixa etária, com quem atualmente reestabeleceu a ligação afetiva.

O arguido não terá estabelecido relações regulares, duradouras e com vínculos gratificantes, verificando-se as suas primeiras ligações afetivas/sexuais a indivíduos dentro da sua faixa etária e mais velhos, vindo mais tarde o arguido a preferir relações com indivíduos mais novos, adolescentes e jovens adultos e essencialmente iniciadas, através de redes sociais “online” e sites de encontros gay a partir de 2005. Em 2008 estabeleceu uma relação amorosa/sexual com um rapaz de 16 anos que considerava já experiente e maturo do ponto de vista emocional e sexual (…)considerando o próprio que essa experiência pessoal lhe terá determinado a sua preferência sexual por jovens a partir dos 16 anos. (…)

Com 27 anos, o arguido autonomiza-se de casa dos avós e começa a residir sozinho no apartamento adquirido na ..., em .... Na altura, exercia a atividade laboral, como gerente de loja da livraria ... como efetivo, que conciliava com a atividade de rececionista num hotel.

Em termos profissionais, o arguido começou a realizar trabalhos temporários nas férias de verão, com cerca de 16/17 anos como empregado de balcão num restaurante de um familiar. No período em que residiu com o pai em ... dedicou-se, com o apoio financeiro do pai à criação e comercialização de cães de raça rottweiler. A prisão do pai e o seu regresso ao agregado familiar dos avós, no ...e, impediram-no de continuar o negócio conforme pretendia. No ... trabalhou como operador de loja em hipermercados e na loja ... até aos 25 anos, altura em que começou a trabalhar na livraria ..., primeiro como livreiro estagiário, passando por livreiro administrativo, chegando ao estatuto de gerente de lojas.

As suas sociabilidades eram restritas, sentindo alguma inaptidão para estabelecer/manter relações interpessoais, revelando tendência para o isolamento social. A par deste contexto vivencial, encontrava-se numa situação de rutura relacional com o pai e de afastamento da mãe e irmão (que também já terá estado preso), privilegiando o relacionamento com os avós paternos.

Por motivos, que referiu terem sido originados por uma sobrecarga/pressão de trabalho, sentiu-se esgotado física e psicologicamente, com sintomas de oscilação do humor, ansiedade e irascibilidade e dificuldades em controlar a sua atividade profissional, situação que o levou, com cerca de 30/31 anos a colocar baixa médica psiquiátrica e a solicitar avaliação/apoio psicológico. Não se lembra bem do diagnóstico que lhe foi feito, pensando que terá sido uma depressão. Manteve o apoio psicológico e tratamento farmacológico durante um ano, altura em que sentiu ter ultrapassado este período de maior fragilidade psicológica. Manteve até ao presente a toma de um antidepressivo. Acresce que ao nível de saúde foi-lhe diagnosticado em 2002 hipertiroidismo que evoluiu para hipotiroidismo alguns anos depois. Desde essa altura tem realizado análises frequentes e mantido o tratamento farmacológico apropriado.

Quando decidiu regressar à sua atividade profissional, a entidade patronal colocou problemas à sua reintegração, tendo o arguido rescindido o vínculo laboral por mútuo acordo em troca de uma indemnização financeira.

A situação socioeconómica que vivenciou durante este período de doença agravou-se e perante as dificuldades em obter nova inserção laboral, decidiu vender a casa, situação que deu origem a novo conflito com o pai por este pretender parte do dinheiro obtido da venda da casa (o pai emprestou uma quantia monetária ao arguido aquando da aquisição da habitação) e que terá dado origem a uma queixa do arguido ao tribunal contra o pai por receio de concretização de ameaças físicas por parte deste.

Num contexto de nova rutura familiar e projetando realizar mudanças significativas na sua vida, o arguido decidiu passar a viver na cidade do ..., onde permaneceu de 2008 até 2013. Durante o período em que viveu nesta cidade residiu em casas partilhadas com outras pessoas. Viveu o primeiro ano dependente do seu subsídio de desemprego e da indemnização que recebeu, tendo posteriormente trabalhado como empregado de lojas de forma pouco estável. Não se estando a adaptar à cidade, aproveitou a rescisão do contrato de trabalho para passar a viver em .... Enquanto viveu no ... nunca estabeleceu qualquer relacionamento com os seus familiares. (…)

Nesta cidade arrendou uma casa com um amigo, com quem tinha partilhado a casa no ... e manteve-se inativo em termos laborais, beneficiando de novo subsídio de desemprego e do arrendamento de dois quartos a duas raparigas, numa situação que descreve como economicamente carenciada.

Em termos de sociabilidades tinha um circulo de amigos muito restrito, vivenciando fraca motivação para estabelecer relações de convívio, mantendo-se num contexto emocional e relacional de isolamento social e familiar, embora estando já a revelar maior apetência para realizar uma reaproximação aos seus familiares tendo viajado ao ... reestabelecendo a sua relação com a avó, em rutura há vários anos.

Privilegiava as suas relações afetivas/amorosas com adolescentes, que o próprio tem necessidade de afirmar serem maiores de 16 anos e jovens adultos com quem estabelecia amizades via internet em sites de natureza e conteúdo homossexual. Referiu sentir-se frustrado ao nível das relações afetivas e justifica o facto de ter começado a visualizar e partilhar imagens pornográficas de menores pela influência de um amigo virtual, contextualizando também, este comportamento, pelo seu isolamento social que implicava passar grande parte do seu quotidiano ligado à internet, inaptidão emocional nas relações afetivas que sentia e pela sua apetência amorosa/sexual por jovens.

Sem conseguir justificar racionalmente o porquê, começou a ter prazer em visualizar imagens de pornografia de crianças dos 10 aos 14 anos. Afirma que este prazer se mantinha ao nível do visionamento das imagens e não no estabelecimento de contacto físico/sexual com as mesmas, realidade esta que refere não se rever. Diz que nestes sites de encontro procurava essencialmente uma relação de amizade/amorosa em que as relações sexuais eram secundarizadas. Começou, segundo o próprio, a distanciar-se do amigo virtual, que não conhecia em concreto, por considerar ser o mesmo doentio e perigoso, por lhe estar a tentar incutir o gosto e práticas sexuais com crianças, não se identificando com a natureza das suas intenções e relações.

Atualmente e após a sua reclusão, o arguido tem realizado um esforço de aproximação aos seus familiares e restabelecimento dos laços relacionais, constituindo-se a sua mãe a principal figura de apoio, bem como o seu primeiro namorado, EE, com quem já não contactava desde essa altura, pessoas nas quais deposita a esperança de o ajudarem no seu processo de mudança pessoal e comportamental. Mantém o apoio psicológico e a toma de um antidepressivo.

Diz ter realizado enquanto em reclusão, um processo de autocrítica e de mudança pessoal e emocional, afirmando ter consciência de ter cometido um crime e que terá que pagar por ele. Ligou-se a uma prática espiritual e fé religiosa e revela um discurso místico e teológico na avaliação/compreensão que faz das disfuncionalidades da sua história passada e da natureza dos fatores de mudança pessoal no futuro. (…)

Em termos de projetos futuros e após liberto da presente situação jurídico-penal pretende integrar o agregado da mãe, no Algarve e constituir-se como sócio minoritário de uma empresa na área das energias renováveis, para a qual apresentou um projeto técnico. Até ter inserção laboral dependerá economicamente da mãe.

3 – Dados da Observação Direta

Durante a entrevista o arguido apresentou-se colaborante nas tarefas que lhe foram solicitadas. Mostrou-se atento, comunicativo e concentrado na realização dos testes psicológicos.

Apresentou um discurso fluente e organizado, embora manipulativo e defensivo por forma a evitar revelar aspetos negativos de si.

(…)

5 – Interpretação e integração dos dados

AA, apresenta-se orientado, no tempo e no espaço e auto e halo psiquicamente, com pensamento, sem alterações de forma ou de curso, revelando uma normal função mnésica e adequado constructo visuo-espacial.

Apresenta um desempenho intelectual de nível normal superior, com raciocínio lógico e capacidade cognitiva em aceder a representações mentais que impliquem conceitos abstratos, com adaptação à realidade concreta que lhe permite compreender as causas e efeitos das situações sociais que o rodeiam e da licitude/ilicitude dos seus atos e das suas consequências, sendo passível de ser responsável pelas suas atitudes e comportamentos.

Consegue consciencializar/racionalizar a desadaptação social do ato e no que respeita aos factos subjacentes ao presente processo, revela capacidade para se colocar como sujeito implicado (postura de autocrítica quanto ao que considera terem sido as suas ações e motivações nas circunstâncias de que é indiciado) verbalizando culpa e arrependimento, contextualizando e justificando a sua conduta pela sua história passada de vivências intrafamiliares perturbadoras, no desajuste inicial do processo de estruturação da sua sexualidade, do seu isolamento social/familiar, no seu estado geral emocional deprimido, na sua incapacidade em gerir os problemas emocionais e imaturidade psicoafetiva/sexual.

Na avaliação que realiza dos fatores precipitantes da sua conduta relacionada com o processo e das suas fragilidades pessoais tende a colocar-se como vítima das circunstâncias externas e embora afirme o sentimento de mal-estar pessoal e a consciência da não normatividade jurídica e social do ato, não conseguiu planear ações de alteração das atitudes e sentimentos, nomeadamente na procura de apoio psicológico especializado no passado.
Da história pessoal do arguido ressalta a existência de uma infância e adolescência vivida de forma emocionalmente perturbadora e desarmónica, que não lhe permitiu uma estruturação dos afetos equilibrada e gratificante, bem como lhe condicionou a elaboração de competências pessoais para estabelecer relações interpessoais estáveis, sobressaindo sentimentos de não pertença ao seu grupo de pares, de comportamentos de isolamento e a sentir-se, durante esse período de vida, fora da normalidade do seu contexto familiar/social e não adaptado ao que era esperado da sua pessoa. A figura paterna constituiu-se aqui como um elemento fortemente perturbador.
A orientação homossexual da sua sexualidade, percecionada na pré-adolescência, foi posteriormente, introjetada e construída afetiva/cognitivamente de forma dissonante, com sentimentos de culpa e conflitualidade intrapsíquica que lhe condicionou negativamente a vivência futura da sua sexualidade e as características dos relações afetivas/amorosas que se revelaram instáveis e pouco gratificantes.
Este construto e experiência da sua sexualidade, que se revelou frustrante, poder-se-á ter constituído como um fator causal da procura de relações afetivas/amorosas com indivíduos ainda psicologicamente imaturos como forma de evitar um eventual fracasso emocional mas também com o objetivo de sentir maior poder/controlo sobre a relação.
Revela-se um indivíduo defensivo na forma como se dá a conhecer, que planeia a forma como transmite a sua imagem e como se define, transparecendo alguma manipulação da mesma, negando/escondendo aspetos menos positivos e defeitos de carácter e o que não é normativo, tentando transmitir características sócio-morais que considera que esperam dele e próprios da cultura em que se insere.
É um indivíduo que apresenta uma hetero-imagem (conhecimento como é percecionado pelos outros) negativa, pelo que as relações interpessoais se encontram condicionadas e orientadas para antecipar um juízo moral negativo pelo receio que sente em se prejudicar emocionalmente pelo que se esforça para apresentar/projetar uma imagem de virtude moral e de autocontrolo, mas que na realidade poderá ter pouco êxito e fracassar, como demonstra a sua situação vivencial frustre e atitudes desadequadas no campo da sexualidade à data da prisão.
O arguido tende a evitar os conflitos e geralmente parece tímido, revelando-se vulnerável e não conseguindo evitar e resolver estímulos desagradáveis advindo das características das interacções pessoais/emocionais. Mostra-se prudente, com receios intrapsíquicos que o leva a não assumir riscos. Este traço de carácter tende a provocar uma reação pessoal de autoisolamento e de escolher criteriosamente as relações interpessoais que estabelece.
A tendência para estabelecer relações afetivas/amorosas com sujeitos mais novos (adolescentes e jovens adultos) integra-se neste funcionamento, como forma de se defender de frustrações emocionais e por considerar que estes sujeitos são mais imaturos nas suas experiências pessoais tornando-os, na avaliação do arguido, mais “puros” de virtudes e com menos probabilidades de fracassar a relação.
Presentemente revela uma vontade de mudança, na forma como avalia os seus problemas passados e pela atitude que transmite nos projetos que elabora para o futuro, aparentando estar a realizar um investimento pessoal na reestruturação de aspetos que considera essenciais na sua vida e que se encontravam desestruturados, focalizado numa entrega a uma vida espiritual/religiosa, na reaproximação dos seus familiares, numa estabilização das relações afetivas/amorosas com um antigo namorado, na inserção laboral e num reequilíbrio psicoafetivo que estará dependente da necessidade em beneficiar de um apoio psicológico/psicoterapêutico abrangente, mas também especializado na problemática psicossexual subjacente ao presente processo.
É um indivíduo onde uma vivência intrapsíquica se revela com sentimentos gerais de insatisfação e por uma perceção muito negativa das suas vivências passadas, introjetadas como frustrantes, aos níveis da sexualidade/relações amorosas e das relações interpessoais, essencialmente as familiares, bem como da instabilidade emocional e dificuldades em gerir estímulos stressantes e da baixa autoestima e sentimentos de culpa, que faz por transparecer. Os sintomas depressivos encontram-se presentemente ausentes ou mascarados essencialmente devido à forma positiva como encara o futuro e como atualmente se perceciona (acredita ter, durante a presente reclusão realizado um trabalho de reflexão autocrítica e de transformação pessoal com a crença de que irá encontrar uma condição satisfatória de vida).
A postura ambivalente como se define (evidência de sintomas depressivos/ausência dos mesmos), a par com a tendência que manifesta para manipular a sua imagem por forma a tingir objetivos em proveito próprio escondendo defeitos de carácter (na realidade pode não se considerar verdadeiramente feliz apesar de dizer o contrário), poderão surgir como fatores de fragilidade quanto à sua real capacidade de adaptação/resolução de problemas perante eventuais novas experiências frustrantes.
Não é evidente a presença de crenças que legitimam ou possam justificar o comportamento sexual abusivo.

 

6 – Conclusões
Da avaliação efetuada conclui-se que:
- AA é um indivíduo com um desempenho intelectual de nível normal superior lhe atribuem competências para compreender a licitude/ilicitude dos seus atos e das suas consequências, sendo passível de ser responsável pelas suas atitudes e comportamentos. No presente processo de avaliação revelou uma postura de ocultação dos aspetos que considerou mais negativos e intenção de transmitir uma imagem adequada de si;
- Ao nível mnésico, possui capacidades acima da média para recordar acontecimentos recentes ou passados. A perceção, retenção, análise e evocação de estímulos de qualquer tipo não se encontra perturbada;
- A disfuncionalidade da dinâmica do seu núcleo familiar de origem e rutura com os seus familiares, tiveram como consequência a interiorização por parte do arguido de uma imagem negativa das figuras parentais, uma integração/estruturação pouco equilibrada dos afetos e das competências pessoais em organizar recursos de defesa intrapsíquicos para lidar com êxito as situações vivenciais e relacionais frustrantes;
- A estruturação da sua sexualidade, de orientação homossexual, foi precocemente realizada de forma desarmónica e introjetada como frustrante e com sentimentos de desadaptação, onde uma postura castrante e homofóbica da figura paterna assumiu um papel preponderante, foi mais tarde e já na fase adulta, reorganizada e emocionalmente adaptada. Este processo, pouco funcional de integração da sua sexualidade ter-lhe-á condicionado as relações afetivas/amorosas que estabeleceu durante a sua vida e que se revelaram instáveis, pouco duradouras e frustrantes, com um progressivo aumento do desejo amoroso/sexual por indivíduos mais novos, jovens adultos e adolescentes;
- Os problemas/ruturas com a família de origem, a vivência de uma sexualidade pouco gratificante e as dificuldades em estabelecer relações sociais/amizades, mantendo uma sociabilidade restrita e um estado emocional depressivo, terão motivado uma escalada na instabilidade da sua situação de vida, revelando à data da prisão isolamento social, onde as relações interpessoais passariam pelas redes sociais e sites de encontros na internet e a sexualidade era vivida de forma desviante num contexto de desenquadramento socioprofissional e dificuldades económicas;
- Durante a sua presente reclusão revelou capacidades pessoais para investir na reorganização da sua vida futura, reaproximando-se da família, constituindo-se atualmente a mãe como a figura principal de apoio, e de amizades antigas, planeando aspetos relacionados com a sua reinserção laboral. Apresenta-se com um estado de ânimo positivo quanto ao futuro e com projetos pessoais de mudança, muito suportados por pensamentos e sentimentos místico/religiosos;
- Revela perceção da desadaptação social e jurídica no que respeita às circunstâncias subjacentes ao presente processo, com sentido de autocrítica e arrependimento, quanto ao que considera terem sido as suas ações e motivações, avaliando como fatores precipitantes as vivências intrafamiliares disfuncionais, a desarmonia do processo de estruturação da sua sexualidade e imaturidade psicoafetiva/sexual, o isolamento social/familiar, o seu estado geral emocional deprimido e as dificuldades sentidas em gerir os problemas emocionais;
- O seu estilo relacional é defensivo na forma como se dá a conhecer tendendo a evitar os conflitos, mostrando-se prudente e com receios intrapsíquicos. A heteroimagem é negativa pelo que tende, num mecanismo compensatório, a apresentar uma imagem favorável de si que poderá não corresponder ao que auto perceciona, tendendo a manipular e negando/escondendo aspetos menos positivos e defeitos de carácter e o que não é normativo;
- Mostra-se uma pessoa com um estado de ânimo depressivo e de preocupação intrapsíquica, com sentimentos gerais de insatisfação com o contexto social, sentimentos de incapacidade para enfrentar as pressões sociais, falhas na autoeficácia, preocupação e autocrítica. Este estado depressivo parece estar mais ligado aos estados de ânimo anteriores à data da prisão e evidenciados durante grande parte da sua vida passada, sendo que atualmente não apresenta sintomas depressivos, percecionando-se como um indivíduo com alegria, energia pessoal e capacidade psicológica e motivação para encarar o futuro, revelando um autoconceito mais positivo. Esta discrepância do seu estado psicológico poderá estar ligada à sua tendência para manipular a sua imagem e sentimentos;
- O arguido apresenta um conjunto de fatores de risco a ter em conta na predição do seu comportamento futuro, caso da vivência disfuncional da sua sexualidade e preferência amorosa/sexual por jovens adultos e adolescentes, da discórdia/rutura familiares passadas, da instabilidade das relacionais/amorosas estabelecidas e do sentimento de vivência pouco gratificante das mesmas, das dificuldades em gerir assertivamente problemas e conflitos emocionais, o estado depressivo em que viveu grande parte da sua vida de mal-estar social e isolamento relacional e uma tendência para manipular/esconder defeitos de carácter.
Existem fatores de proteção importantes a ter em conta, que se manifestam na perceção da desviância da sua sexualidade, um sentimento de culpabilidade, a motivação para se submeter a um acompanhamento/tratamento psicológico especializado para a sua problemática pessoal e da sexualidade, a não presença de crenças legitimadoras de um comportamento sexual abusivo, os apoios familiares atuais, com projetos profissionais, e uma dedicação à espiritualidade e prática religiosa que poderá ter influência numa maior introjeção do interdito moral das suas acções”.

58 – O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal.

*

II.2 – Factos não provados constantes da acusação (sempre sem prejuízo da matéria de facto provada).

- No dispositivo “EQ02”, o arguido tinha gravados 2316 (dois mil, trezentos e dezasseis) ficheiros;

- No disco rígido “HDD01”, o arguido tinha gravadas 4635 (quatro mil seiscentas e trinta e cinco) imagens;
- No disco rígido “HDD01”, o arguido tinha gravados 74 (setenta e quatro) ficheiros de vídeo;
- O arguido guardava, no dispositivo de armazenamento “EQ02” e no disco rígido “HDD01”, um total de 7025 (sete mil e vinte e cinco) ficheiros de imagem e de vídeo.
- O arguido utilizou o programa de redes P2P[15] “uTorrent” para realizar o download e upload dos ficheiros que guardava.

<>

            Cumpre apreciar e decidir:

            Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410º nºs 2 e 3 do CPP:

A questão sub judicio, consiste em saber se na subsunção jurídica dos mencionados factos provados, há um único crime de pornografia de menores agravado, ou se haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados, e de considerar que cada acto individualmente concretizado, in casu imagem ou vídeo importado, detido, partilhado, ou com vista à partilha, corresponde a uma nova resolução criminosa e preenche os elementos típicos do crime, pelo que haverá tantos crimes quanto as condutas determinadas, e daqui decorrerá a medida das penas parcelares e a pena única do concurso,

 Sobre a qualificação jurídica, alega em suma, a Digna Recorrente que não pode concordar “com a existência de uma única resolução criminosa, que abarca a partilha de ficheiros (5 "upload's" efectuados pelo arguido, identificados nos factos 1. a 5.) e importação de ficheiros de imagem e de vídeo de conteúdo pornográfico ("download's" efectuados pelo arguido, melhor descritos nos factos 6. a 14.), com intenção de os partilhar, que foram apreendidos na sua posse, no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido "HDD01", num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros.”, pois na sua perspectiva, “é de considerar que cada acto individualmente concretizado, in casu imagem ou vídeo importado, detido, partilhado, ou com vista à partilha, corresponde a uma nova resolução criminosa e preenche os elementos típicos do crime, pelo que haverá tantos crimes quanto as condutas determinadas.

Assim sendo, da matéria de facto assente, especialmente dos factos 1. a 26., resulta que o arguido importou, partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros de imagem e de vídeo, renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo, com os demais. “

Analisando

A questão posta não é uma questão a juzante ou a montante das condutas ilícitas típicas e puníveis, mas sim uma questão central da caracterização dessas condutas nos termos do artº 30º do CP, face aos efeitos na aplicação da pena: se uma só pena advinda de um único crime, ou várias parcelares

            Dispõe o artº 30º nº 1 do Código Penal:

            1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

                2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

                3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.

“Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, sendo certo que o nº 1 sofre duas importantes ordens de restrições: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado.

Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão-só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.(…)

Nos casos de crime continuado existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuadamente que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular.

A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que o arrastam para o crime, e não em razões de carácter endógeno.” – Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e ComentadoLegislação Complementar , 18ª edição, 2007, p. 154 e 155, notas 2 e 3.

Como refere Eduardo Correia, Direito Criminal II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra – 1971, § 10.°, 35, p. 201 e seg.:-  “O problema é evidentemente, o da determinação da ilicitude material. (…) para que uma conduta se possa considerar como constituindo uma infracção não basta, como sabemos, que seja antijurídica; é ainda necessário que seja culposa, que possa ser reprovada ao agente. Ora pode acontecer que o juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encarnam a violação do mesmo bem jurídico. E encontramos, assim, a culpa como elemento limite da unidade de infracção; a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes.

Como, porém, determinar a existência de uma unidade ou pluralidade de juízos de censura?”

O critério será “o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. E justamente no sentido de que para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.”

E acrescenta (36, p. 203 e segs)  “(…) a unidade ou pluralidade de tipos legais a que pode subsumir-se uma certa relação da vida constitui o critério decisivo para fixar a unidade ou pluralidade de infracções. Mas, assim como da violação de uma só norma ou de um só artigo da lei penal não é lícito, sem mais, concluir pela realização de um só tipo e portanto de um só crime, do mesmo modo a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infracções. E por aqui somos conduzidos ao estudo do chamado concurso aparente de infracções. “

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Sobre a questão do crime de trato sucessivo.  

Já se entendeu que o crime de trato sucessivo, é figura próxima, mas autónoma, e diferente do crime continuado, por haver unidade da conduta na concreta resolução criminosa, idónea a conduzir ao mesmo resultado, mas sem que haja diminuição da culpa do agente.

Assim resulta, por ex, do Acórdão deste Supremo de 23.1.2008 (Procº 07P4830) que, por ausência, em concreto, de diminuição da culpa do agente, se as correspondentes condutas criminosas não podiam ser “unificadas em termos de continuação criminosa, poderão sê-lo como crime de trato sucessivo.

O crime de trato sucessivo caracteriza-se pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respectiva ilicitude”.

           

Também o Acórdão deste Supremo, de 14.5.2009 (Procº 07P0035) refere que “a maioria dos abusos sexuais de menores são praticados sobre vítimas «indefesas», que são violentadas física ou psicologicamente, pelo que o STJ tem muitas vezes entendido que, em regra, existe um agravamento de culpa por cada um dos crimes cometidos, incompatível com o crime continuado. Por isso, nesses casos, tem-se considerado que há um único crime de trato sucessivo (que a moldura penal permite graduar de forma mais intensa) e não um crime por cada contacto sexual”.

Sintetizou-se no acórdão deste Supremo de 29-11-2012, proc. nº .862/11.6TAPFR.S1, 5ª SECÇÃO

Quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.

O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “atividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de “atividade criminosa”, o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante um ano, recebendo do «fornecedor» pequenas doses de cada vez, praticou, «pelo menos», 200, 300 ou 365 crimes de tráfico [o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, “imaginativa”] ou se praticou um único crime de tráfico, objetiva e subjetivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a atividade.

A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. 

Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem.

O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.

Como refere o acórdão deste Supremo e desta Secção, de 06-04-2016, proc. nº 19/15.7JAPDL.S1 

É evidente que o apelo à figura de trato sucessivo permite ultrapassar uma outra questão que é o da determinação concreta do número de actos ilícitos que devem ser imputados. Porém, esse é um tema que convoca a forma como se faz a investigação criminal e a diligência acusatória e não uma questão de dogmática penal.

A existência, ou não, de consentimento da vítima menor, sendo irrelevante no afastamento da tipicidade criminal, poderá assumir um significado mais, ou menos, intenso consoante a idade da vítima, ou seja, em equação com a maior ou menor proximidade do limite que o legislador entendeu como relevante para a concessão de dignidade penal ao comportamento do arguido.

Parafraseando o acórdão deste Supremo, de 20-04-2016657/13.2JAPRT.P1.S1, 5.ª SECÇÃO

            O crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime

Ora. as acções adequadas à produção do resultado, ainda que de forma sucessiva, não se encontram interligadas de forma a que só possam produzir o resultado numa adequação conjunta de todos elas.

 Outrossim, cada acção produz o consequente resultado.

            Inexiste uma unidade típica de acção, a que alude Paulo Pinto de Albuquerque, Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 158, nota 14

            Inexiste pois, crime de trato sucessivo

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Poderia equacionar-se a questão do crime continuado.

O crime de trato sucessivo afasta-se da figura do crime continuado, porque não pressupõe, a característica deste, de ser praticado “no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”

            A temática do crime continuado, desenvolve-se a partir da influência de Birnbaum e Honig sobre a teoria do bem jurídico, com que se relaciona.

Em termos comparados com o concurso aparente de infracções, poderá questionar-se  no caso de haver pluralidade de resoluções criminosas, se esta, em certas situações e mediante determinados pressupostos não será meramente aparente, em que a justiça e a economia processual aconselhem a verificação de um só crime.

Segundo ensina Eduardo Correia (Ibidem, p, 203 e segs), a solução da questão passa por duas vias fundamentais: uma ligada à teoria do crime nos seus princípios gerais, em que se procura “deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime continuado – e teremos então uma construção lógico-jurídica dp conceito”, sendo que nesta perspectiva distinguem-se as teorias subjectivas - em que “o elemento aglutinador das diversas condutas que forma o crime continuado seria a “unidade de determinação da vontade “ (Schroeder) ou a “unidade de resolução” (Mittermaier)” – e, as teorias objectivas, em que o elemento aglutinador residiria “na homogeneidade das condutas (Woeringen), na indivisibilidade (Scwartz) ou na unidade de objecto (Merkel)  “

A outra via encontra-se ligada a uma construção teleológica do conceito e, atende antes a uma diminuição da gravidade revelada pela situação concreta, perante o concurso real de infracções, tentando encontrar a resposta no menor grau de culpa do agente.

A perspectiva teleológica é considerada, metodologicamente a melhor para resolver o problema, sendo que “quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”, desde que “se não trate de um agente com uma personalidade particularmente sensível a pressões exógenas.”

O mesmo Insigne Autor elenca como situações exteriores típicas da unidade criminosa da continuação, sem esgotar o domínio dessa continuação, e sendo sempre a “diminuição considerável da culpa”, como ideia fundamental, as seguintes:

“a) assim, desde logo, a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os sujeitos;

            b) a circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;

            c) a circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa;

            d) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar  que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.”

            A conexão espacial e temporal das actividades continuadas, não assume papel de especial relevo, apenas podendo ter interesse quando puder afastar a conexão interior de ligação factual entre os diversos actos (derivando esta de a motivação de cada facto estar ligada à dos outros)

            “Decisivo é, pelo contrário, que as diversas actividades preencham o mesmo tipo legal de crime, ou pelo menos, diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico: este será o limite de toda a construção.”

Como se referiu no  Sumário do Acórdão deste Supremo e Secção, de  16-06-2010 , proc. 703/08.1JDLSB.L1.S1. www.dgsi.pt :

Como regra, o número de crimes afere-se pelo recurso a um critério teleológico, pelo número de vezes que a conduta do agente realiza o tipo legal (concurso real), ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso ideal ) – art. 30.º, n.º 1, do CP, havendo para tanto que recorrer às noções de dolo e de culpa, ou seja, tantas vezes quantas as que a eficácia da norma típica é posta em crise, ou seja pelo número de vezes que a norma não for eficaz para dissuadir a conduta antijurídica do agente.

A pluralidade de infracções não abdica, pois, de uma actividade material do agente, de modificação do mundo exterior, a que corresponde uma afirmação plúrima da volição ou vontade criminosa.

O crime, na definição de Amelung, citado por Karl Prelhaz Natcheradetez, in o Direito Penal Sexual, Ed Almedina, 1985, pág. 116, constitui, apenas, um caso especial de fenómenos disfuncionais, geralmente o mais perigoso. O crime é disfuncional enquanto contradiz uma norma institucionalizada (deviance), necessária para a sobrevivência da sociedade.

Os desvios à regra da determinação legal da pluralidade de infracções estão representados pelo concurso aparente de normas e crime continuado, este estando previsto no art. 30.º, n.º 2, do CP, e, pela sua descrição, se vê que o legislador como que, por ficção, ditada por razões de economia, de política criminal e de justiça material, reconduz a pluralidade de infracções à unidade criminosa, a um único delito.

são assim, nos termos legais, pressupostos cumulativos da continuação criminosa, a realização plúrima do mesmo tipo legal ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico, executado de forma essencialmente a homogénea, no quadro de uma situação exterior ao agente do crime que diminua de forma considerável a sua culpa – n.º 2 do art. 30.º do CP.

As crianças e adolescentes têm o seu exercício limitado pelo seu grau de desenvolvimento bio-psicossocial, e para assegurar o exercício da sua sexualidade, a regular de modo emancipatório e não meramente repressivo, o Estado deve proteger esses cidadãos dos “vícios de consentimento” isto é das “formas violentas, fraudulentas, enganosas e exploratórias desse consentimento por outrem, responsabilizando-o tanto pela adopção de políticas sectoriais como através do amplo sancionamento dos abusadores e exploradores sexuais, quebrando o acto perverso de impunidade”, segundo palavras de Nogueira Neto, extraídas da sua comunicação ao III Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado no Rio de Janeiro, em 2008.

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Poderia pensar-se se a internet não representaria para o utilizador uma diminuição considerável da culpa, ao fazer os uploads e downloads dos sites pornográficos, pela facilidade em eles aceder e utilizar..

Mas tal acção não é situação exógena à acção do agente, pois que esta assume-se precisamente na utilização consciente e querida de tais sites, sem que haja uma situação exterior que a motive, pelo que, também  por tal actuação, não procede o crime continuado.

Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal,  Universidade Católica Editora, p. 139, nota 29: “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca.”

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            Volvendo ao caso concreto, refere o acórdão recorrido:

“O atual recorte da proteção jurídico-criminal da liberdade e direito à auto-determinação sexual – bens jurídicos cuja tutela é atribuída às normas incriminadoras - resulta da profunda alteração realizada nesta matéria pela revisão do Código Penal ocorrida em 1995 a qual teve em vista, como refere o legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 98/X, uma harmonização da regulação da matéria a nível internacional e inscreve-se na mesma linha de “desligar” os crimes sexuais dos “sentimentos gerais da moralidade sexual”[16].

               Posto isto, centrando-nos no tipo legal cuja aplicação é suscitada pelos autos, faremos uma abordagem à delimitação típica e caracterização dogmática do ilícito em causa, para realizarmos a subsunção jurídica dos factos apurados em audiência, extraindo as conclusões impostas pelas considerações tecidas.

*

                . Delimitação típica

                A norma incriminadora cuja aplicação é suscitada pelos autos destina-se a punir atividades de pornografia envolvendo menores, tendo entendido o legislador que esta lesa bens jurídicos fundamentais que, como tal, são merecedores de tutela penal.

                Cabe, pois, desde logo, definir o que se entende por pornografia e qual o sentido a atribuir à alusão a menores constante da norma, numa primeira aproximação à delimitação típica a operar.

                O legislador ordinário não avança qualquer definição legal de pornografia.

Atentando nos instrumentos internacionais, temos desde logo a avançada pelas Nações Unidas  - art. 2º, al. c) do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002 - que define pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais.

A Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22-12-2003 (Jornal Oficial de 20-01-2004) define a pornografia infantil com crianças reais como correspondendo a qualquer material que as descreva ou represente visualmente com envolvimento em comportamento sexualmente explícito ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, o que veio a ser reafirmado na Diretiva 2001/92/EU, de 27-10-2011 (in Jornal Oficial de 17-12-2011). Esta última tem conteúdo idêntico mas refere-se a comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais e materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparenta ser uma criança, para fins predominantemente sexuais e imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.

                A fonte da norma que integra o Código Penal português é o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças, Relativo à Venda de Crianças, à Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil, o qual foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 14/2003 (in DR, I Série-A, de 05-03-2003) e, ainda, a Recomendação do Conselho da Europa REC (2001) 16, a qual avança com um conceito de pornografia infantil abrangente correspondente a “todo o material que represente de forma visual uma criança envolvida num comportamento sexual explícito, ou imagens realistas representando uma criança envolvida num comportamento sexual explícito”.

                Para além do aludido instrumento, outros se lhe juntaram em data posterior, como sejam:

                . a Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime de 23 de novembro de 2003, aprovada e ratificada por Portugal em 2009;

                . a Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, assinada por Portugal em 25-10-2007, que entrou em vigor em 1-7-2010;

                . a Recomendação do Parlamento Europeu ao Conselho, de 3 de fevereiro de 2009, referente à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil;

                . a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29-3-2010, relativa à lita contra o abuso sexual, a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil. 

                Quanto à referência a “menor”, esta terá que se entender dirigida a indivíduo de idade inferior a 18 anos, já que, por um lado, o texto legal não distingue e, por outro, prevê normas que agravam a punição da conduta quando os menores visados tenham idade inferior a 16 anos ou idade inferior a 14 anos – cfr. art. 177º, nºs 6 e 7 do Código Penal.

Maria João Antunes e Cláudia Santos, em anotação ao preceito sob análise (Comentário Conimbricense do Código penal, Tomo I, 2ª Ed., pag. 880) referem que “o bem jurídico protegido pela incriminação pretende ser o livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos”, o que torna questionável a abrangência da previsão legal a menores de idade situada entre os 14 e os 18 anos de idade e, ainda, no que concerne à detenção de material pornográfico, só de forma muito longínqua se podem vislumbrar como atingidos bens jurídicos individuais atinentes à liberdade ou auto-determinação sexual dos representados no material em causa (em sentido igualmente crítico se pronunciam Pedro Soares Albergaria e Pedro Lima, in Revista Julgar nº 12, Crimes no Seio da Família e sobre Menores, pag. 183 e segs.).

                No que concerne à forma de proteção do bem jurídico tutelado, optou o legislador por punir a atividade, não contemplando na factie specie da norma qualquer resultado ou mesmo perigo da sua ocorrência, numa forma de proteção antecipada do bem jurídico que suscita, de resto, as maiores dúvidas aos que entendem que a ordem penal deve essencialmente uma ordem de liberdade (veja-se Pedro Soares Albergaria e Pedro Lima, em estudo subordinado ao tema “O crime de detenção de pseudopornografia”). Assim, do ponto de vista dogmático encontramo-nos ante uma forma de tutela antecipada do bem jurídico protegido - a proteção da personalidade em desenvolvimento, na sua dimensão interior (psicológica) e exterior (social ou relacional) e reflexamente a autodeterminação sexual – pelo que estamos perante um crime de perigo abstrato. Ainda, pode ler-se no mesmo “Comentário” que o crime de pornografia de menores é um crime de perigo, na medida em que o preenchimento do tipo objetivo de ilícito se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico tutelado e se trata ainda de um crime de perigo abstrato dado que este não é elemento do tipo.

*

                . Unidade/pluralidade de infrações

                O crime de pornografia de menores visa, como se apontou, de forma mais direta ou indireta, defender a autodeterminação sexual de crianças e jovens, ou o seu livre desenvolvimento, de outro ponto de vista, bens jurídicos, de qualquer modo, de caráter eminentemente pessoal.

                O número de crimes determina-se pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi cometido – conforme critério estabelecido pelo art. 30º, nº 1 do Código Penal.

Por outro lado, dispõe o art. 30.° do Código Penal, no seu n° 2 que: "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente."  Acrescentando o seu n." 3 que: "O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais."

Assim, estabelecida a regra, contempla o legislador exceções para situações em que a acentuada diminuição da culpa do agente justifica um ajuste da moldura abstrata aplicável à conduta, integrando num só crime continuado o que constituiria uma reiteração criminosa.

Assim, de acordo com o disposto no predito preceito são pressupostos do crime continuado:

. a homogeneidade da forma de execução do crime;

. a lesão do mesmo bem jurídico;

. a persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.

O n.º 3 do art. 30.° do CP, aditado pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com a redação que se deixou supra consignada não veio, na realidade alterar em nada o entendimento jurisprudencial e doutrinal que vinha sendo seguido quanto à matéria, já que que aquilo que se encontrava previsto não era que nos crimes contra bens pessoais, tratando-se da mesma vítima, se devessem unificar as condutas, mas antes que nesses crimes a pluralidade de vítimas constituiria obstáculo a essa unificação. Ou seja, estando em causa a lesão de bens jurídicos eminentemente pessoais, a continuação criminosa só poderá estabelecer-se respeitando à mesma vítima e contanto que se encontrem reunidos os demais requisitos do crime continuado, mormente que estejamos perante uma diminuição acentuada da culpa do agente.

Como se refere no Ac. do STJ de 5/12/2007, proferido no âmbito do Proc. 0783989, disponível in www.dgsi.pt. :

"Na verdade, o elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele. Quando os factos revelarem que a reiteração criminosa resulta antes de uma pré-disposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada. " No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no âmbito do Proc. 490/07.0TAVVD.S1, disponível in www.dgsi.pt. no qual se refere:

 "A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição; isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso."

Também Leal Henriques e Simas Santos, no seu Código Penal Anotado, em anotação ao art. 30.0 e seguindo de perto o ensinamento do Prof. Eduardo Correia, dizem:

 "Sucede, por vezes, que certas atividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime - ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico - e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para o campo da pluralidade de infrações), devem ser aglutinadas numa só infração, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente. E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. O pressuposto da continuação criminosa será, assim, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, «tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”

Para além do crime continuado, a nossa ordem jurídica contempla ainda outras modalidades de crime por atenção à duração e estrutura da ação criminosa. Fá-lo por se mostrar de suma importância a fixação do momento em que cessa a ação criminalmente punida, já que é esse o momento “a quo”, a partir do qual se procede à contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal.

Assim, atentando na previsão legal constante do art. 119º do Código Penal, os crimes, para além de continuados, podem ser:

. permanentes – em que ocorre uma persistência temporal da ação criminosa, que se mantém una;

. habituais ou de trato sucessivo – em que a ação criminosa envolve a prática de vários atos homogéneos.

Trata-se, este último, de um crime único com pluralidade de atos, ou seja, a consumação do crime protrai-se no tempo. A própria estrutura do tipo incriminador supõe a reiteração. Correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se apresenta, ou pode apresentar, mais complexa do que sucede habitualmente e se desdobra numa multiplicidade de atos semelhantes, que se vão praticando ao longo do tempo, mediante intervalos entre eles. É o caso de crime de maus tratos, lenocínio ou tráfico.

Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, 2ª Ed., pag. 314, ensina que crimes habituais são “aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada”, avançando como exemplos, precisamente, os crimes de lenocínio e de aborto agravado.

A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido que estamos perante um único crime quando o comportamento do agente tem na sua base o que designam por unidade resolutiva, que se não se confunde com resolução criminosa única, que move o agente para a prática reiterada de atos que, isoladamente considerados, já integrariam a prática do crime. Reiterar significa repetir, pelo que está em causa uma pluralidade de atos homogéneos. Embora a caracterização legal se não esgote nisso, os “atos reiterados” são opostos aos “atos sucessivos”, no sentido de praticados em ato seguido, o que aponta para a necessidade de um certo distanciamento temporal – pelo menos o suficiente para se arredar a existência de um crime contínuo – o que faz o crime perder o cariz episódico isolado, para passar a estruturar-se numa atividade que se vai verificando, multi-episodicamente, ao longo do tempo.

Está em causa, como vimos, uma repetição de condutas homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa. Assim, o agente age em cada uma das ocasiões em concretização de um móbil que previamente o animou e que abrange todos os atos praticados em cada uma dessas ocasiões. Age, pois, sob uma unidade resolutiva, reiterando um dado comportamento sempre que as circunstâncias o permitirem.  Como refere o nosso STJ em acórdão datado de 29-11-2012 (proferido no Proc. 862/11.6TAFRS.S1, disponível in www.dgsi.pt), estamos, nesses casos, perante uma atividade repetida, que se prolonga no tempo, em que o agente não renova o seu processo de motivação. Também o acórdão do STJ datado de 23-01-08 se pronuncia sobre esta matéria (Proc. 4830/07.3A, disponível in www.dgsi.pt) dizendo que estamos perante uma unidade de resolução criminosa quando ante “repetição de condutas essencialmente homogéneas  unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime”.

Sem prejuízo, não tem o nosso Supremo Tribunal de Justiça uma posição unívoca sobre o assunto, podendo ler-se no acórdão datado de 12-6-2013 (Proc. 1291/10.4JDLSB, disponível in www.dgsi.pt) o seguinte:

“...se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado no caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo ficcionando o julgado um dolo inicial que engloba todas as ações”.

Constituirá óbice à qualificação jurídica operada o facto de estarmos perante ilícitos que tutelem bens jurídicos eminentemente pessoais, inviabilizando a integração num só crime de trato sucessivo os diversos atos reiteradamente praticados numa dada circunscrição temporal, por constituírem uma unidade de resolução criminosa, tal como sucede no crime continuado?

Cremos que não.

No crime continuado estamos perante um determinado número de crimes, autónomos entre si por corresponderem a resoluções criminosas distintas, ainda que sucessivamente renovadas. Vêm a ser integrados num crime único nas circunstâncias especiais legalmente previstas, numa adequação, como se referiu já, da moldura abstrata da punição a aplicar à culpa do arguido.

Assim, os requisitos são precisamente a prática plúrima de ilícitos idênticos entre si, dentro de um quadro facilitador da conduta do agente com reflexos significativos no seu grau de culpa, entendendo-se que os fatores externos ao agente são susceptíveis de atenuar o juízo de censura a realizar sobre o seu comportamento. Recorrendo a linguagem coloquial, diremos que o agente não procurou o ilícito, mas não foi capaz de lhe resistir.

Diferentemente, no crime único de trato sucessivo ou habitual estamos perante um dolo perene, que anima todos os atos reiteradamente praticados pelo agente dentro de um mesmo quadro circunstancial, aquilo a que se denomina de unidade resolutiva.

No caso do crime de pornografia de menores estamos, como vimos, perante um crime de perigo abstrato, punindo o legislador um dada atividade pela sua potencialidade lesiva do bem jurídico protegido, independentemente da produção de qualquer dano ou perigo de dano. Assim sendo, antecipando-se a tutela dos bens jurídicos e prescindindo a previsão típica da ocorrência de dano, questiona-se se fará sentido “repartir” a atividade a sancionar por referência a cada ato isolado ou agrupar os atos em causa em função do número dos potenciais lesados. A resposta, em nosso entender, deverá ser negativa, dadas precisamente as características dos chamados “crimes de atividade”, de que constitui esclarecedor exemplo o crime de tráfico de estupefacientes. Este também visa, ainda que de forma indireta, a proteção de bens jurídicos eminentemente pessoais, como a integridade física e mesmo a vida de cada um dos “protegidos”. Contudo, por força da estrutura conferida pelo legislador ao ilícito, punindo a atividade, demonstrada a venda de produto estupefaciente a diversos consumidores, o agente não é punido por um crime por referência a cada um dos adquirentes.

Assim, conclui este Tribunal que, no caso do crime de pornografia de menores, não estamos perante um crime de trato sucessivo, estando as condutas isoladas criminalmente punidas unificadas numa unidade resolutiva, mas perante um único crime, consubstanciado na prática pelo arguido da atividade criminalmente punida.

*

                . A expressão legal “importar”.

De acordo com o disposto no art. 176º do Código Penal, pratica o crime de pornografia de menores “quem distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografia, filme ou gravação pornográficos que utilizem menor”  - al. c) do nº 1 do preceito – ou quem “adquirir ou detiver aqueles materiais com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, divulgar, exibir ou ceder” – al. d) do nº 1 do art. 176º do Código Penal.

                Resulta da matéria de facto apurada que o arguido realizou downloads do material de cariz pornográfico que viria a ser apreendido na sus posse, encontrando-se parte guardado no disco rígido do seu computador e parte numa pen drive igualmente apreendida. Importa apreciar se a realização de downloads, por si só, integra  o conceito de “importação” previsto no art. 176º, nº1, al. c) do Código Penal. A questão não é meramente semântica. O download implica sempre a receção num terminal informático de uma dada informação, no caso, de ficheiros de conteúdo pornográfico com envolvimento de menores. Esta expressão, no seio da linguagem do meio informático pode assumir o sentido de “descarga” de um ficheiro para um determinado computador, como seja a realização de um dowload. Contudo, a descrição da atividade constante do preceito encontra-se associada a atos que se inserem no âmbito do comércio do conteúdo em causa, mais propriamente da sua circulação entre países diversos. De acordo com uma corrente jurisprudencial, a alínea em causa do art. 176º do Codigo Penal dirige-se à punição do negócio tendo por objeto conteúdos de índole pornográfica envolvendo menores.

A previsão típica dirige-se à circulação dos conteúdos em causa entre países diversos. O intuito lucrativo não está presente na previsão legal, pelo que a receção num terminal informático de um conteúdo de pornografia infantil oriundo de outro país parece preencher a previsão legal. O download constitui a forma pela qual o agente, num dado País, acede a um conteúdo. Se esse conteúdo provém de outro país, não se vislumbra como pode não integrar o conceito de importação previsto no preceito.

Note-se que um dado agente pode deter material informático de conteúdo pornográfico com envolvimento de menores sem que haja realizado qualquer operação de download. Basta que tenha tido acesso ao suporte informático, por qualquer forma, nomeadamente por mail ou em pen drive, com o conteúdo em causa. Estes sim poderão ser considerados como meros detentores de pornografia de menores.

*

                . Da agravação da conduta

                Atentando nos factos dados como provados temos que o crime praticado pelo arguido integra duas circunstâncias agravativas, atinente à idade dos menores representados - menores de 16 anos e menores de 14 anos – nos termos previstos, respetivamente, nos nºs 6 e 7 do art. 177º do Código Penal, elevando o legislador no primeiro caso em um terço os limites mínimo e máximo da moldura penal abstratamente aplicável e em metade no segundo.

                Conforme estabelecido no nº 8 do mesmo preceito, será considerada para efeitos de qualificação jurídica do ilícito a circunstância com efeito agravante mais forte, sendo a segunda tida em linha de conta aquando da determinação da medida concreta da pena a aplicar.

*

                Em face de tudo o supra exposto, não concorrendo qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa do arguido, cumpre condenar o arguido pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelo art. 176º, nº1, als. c) e d)  e art. 177º, nº 6 e 7 do Código Penal.”

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Tal fundamentação mostra-se pertinente, inexistindo in casu, quer a figura do trato sucessivo, quer do crime continuado, e procedendo um só crime.

Alega a Digna Recorrente:

“O crime de pornografia infantil ainda que um crime de perigo abstracto, a verdade é que não se pode descurar que o bem jurídico protegido é, ainda, eminentemente pessoal.

E se numa primeira linha surge como bem protegido, um bem jurídico supra individual- direito ao salutar desenvolvimento físico e psíquico na inf'ancia e juventude - em segunda linha não pode deixar de se entender, salvo melhor opinião, que visa a protecção da liberdade e autodeterminação sexual.

Aliás, só assim se compreende a sua inserção sistemática no nosso Código Penal, no Capítulo V - Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, mais concretamente, na Secção II - Crimes contra a autodeterminação sexual

Assim, não obstante se tratar de um crime de perigo abstracto, sendo punida a actividade potencialmente lesiva do bem jurídico protegido, independentemente de qualquer dano, deve, na nossa perspectiva, antecipar-se a tutela do bem jurídico, e proteger-se o livre e harmonioso desenvolvimento das crianças e jovens - que inclui a sexualidade, uma vez que se pretende proteger aqueles que ainda não têm capacidade, devido à imaturidade decorrente da idade, de se auto determinarem sexualmente ¬retratadas/filmadas, porque identificadas ou identificáveis, te., com "rosto".

Nessa medida, haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados.

Com efeito, não obstante se tratar de um crime de mera actividade, a verdade é que cada um dos menores representados de forma realista, isto é, fotografados ou filmados, que veja as suas fotografias ou filmes divulgados, cedidos, importados, partilhados, exibidos, merece tutela penal.

A este propósito, cumpre referir que subscrevemos, igualmente nesta parte, as considerações teóricas feitas no douto acórdão recorrido, no que concerne à impossibilidade da aplicação do nº 2 do art 30° do Código Penal, pois, tratando-se de bens jurídicos eminentemente pessoais (cfr. nº 3 do mesmo artigo), não ocorre qualquer circunstância que diminua consideravelmente a culpa do agente, e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção jurídico no crime continuado - cfr. fls. 1021 a 1026.

[…]

Porém, não podemos concordar, repete-se, com a existência de uma única resolução criminosa, que abarca a partilha de ficheiros (5 "upload's" efectuados pelo arguido, identificados nos factos 1. a 5.) e importação de ficheiros de imagem e de vídeo de conteúdo pornográfico ("download's" efectuados pelo arguido, melhor descritos nos factos 6. a 14.), com intenção de os partilhar (desde logo os que continham imagens de bebés de colo e crianças com idade até 5 anos, segundo as próprias palavras do arguido), que foram apreendidos na sua posse, no dispositivo de armazenamento "EQ02" e no disco rígido "HDDOl", num total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros.

Com efeito, na nossa perspectiva, é de considerar que cada acto individualmente concretizado; in casu imagem ou vídeo importado, detido, partilhado; ou com vista à partilha, corresponde a uma nova resolução criminosa e preenche os elementos típicos do crime, pelo que haverá tantos crimes quanto as condutas determinadas.

Assim sendo, da matéria de facto assente, especialmente dos factos 1. a 13., 16. e 19. a 26., resulta que o arguido importou, partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349 (quatro mil, trezentos e quarenta e nove) ficheiros de imagem e de vídeo, conforme referido no facto 12., renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas - cada imagem e vídeo - é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele; autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo; com os demais.

Donde, não podemos concordar com a opção efectuada pelo Tribunal a quo na subsunção jurídica dos mencionados factos provados, num único crime de pornografia de menores agravado.

A este propósito, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/09/2007, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral que: "A lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de acções sexuais bilaterais.

O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este está em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.

Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.

No caso em apreco. apurou-se que o arguido. importou para os seus computadores. fotografias e vídeos, exibindo menores de 14 anos em actos de pornografia com adultos e, em alguns casos com animais.

Todos os vídeos e fotos apreendidos foram por ele importados. Por isso, todas as situacões descritas nos autos, configuram, desde logo. 3214 crimes de pornografia de menores, agravados à luz dos arf°s 176°, nº 1, aI. c) e 177~ n° 6 do Código Penal. (. . .). "- disponível in www.dgsi.pt (sublinhado nosso).”

E, por isso, entende que conforme se alcança do teor dos factos assentes sob os pontos 1. a 13., 16. e 19. a 26.-, o arguido incorreu na prática dos seguintes ilícitos

-“ 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alínea c), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 6, ambos do Código Penal;

- 4131 (quatro mil, cento e trinta e um) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, nº 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, n° 6, ambos do Código Penal; e,

- 213 (duzentos e treze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art° 176°, n° 1, alíneas c) e d), agravados nos termos do disposto no art° 177°, nº 7 (por lapso escreveu-se 5), ambos do Código Penal, todos com referência aos artigos 26° e 30°, n° 1 do citado diploma legal..

O crime de pornografia de menores, previsto no art° 176°, nº 1, alíneas c) e d) do Código Penal, é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão, a que acrescem as agravantes previstas nos nºs 5 e 6 do art° 177° do mesmo Código. “

Porém, como doutamente assinala o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo, em seu douto Parecer, que por pertinente se transcreve:

“- A única questão submetida a reexame é a qualificação jurídica relativa à partilha de ficheiros, e importação de ficheiros de imagem e vídeo, de conteúdo pornográfico, com intenção os partilhar, num total de 4349, mais precisamente, quantos crimes comete o agente que importa ou cede os materiais constantes das alíneas a) e b) do artigo 176.º, n.º 1, do Código Penal.

 Como decorre das conclusões do recurso, a Ex. ma Procuradora da República, considera, em primeira linha, que o crime de pornografia de menores é um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, pelo que, embora de perigo abstracto, visa «proteger aqueles que ainda não têm capacidade, devido a imaturidade decorrente da idade , de se autodeterminarem sexualmente- retratadas/filmadas, porque identificadas ou identificáveis, i.é., com “rosto”. Nessa medida, haverá que sancionar cada acto isolado em função do número dos potenciais lesados». Complementarmente defende que, face à matéria de facto provada, «resulta que o arguido importou , partilhou e detinha com vista à partilha, um total de 4349… ficheiros de imagem e de vídeo, renovando a intenção de o fazer sempre que executou tais acções, pelo que cada uma das suas condutas é autónoma em relação às outras, sujeita a um juízo, também ele, autónomo de censura, constituindo assim, um crime, em concurso efectivo com os demais».

II O acórdão recorrido, tratando da “Unidade/pluralidade de infrações”, sustentou que não faz sentido «“repartir” a atividade a sancionar por referência a cada ato isolado ou agrupar os atos em causa em função do número dos potenciais lesados», e a fls. 1026, concluiu que, «no caso do crime de pornografia de menores, não estamos perante um crime de trato sucessivo, estando as condutas isoladas criminalmente punidas unificadas numa unidade resolutiva, mas perante um único crime, consubstanciado na prática pelo arguido da actividade criminalmente punida».

III Não havendo unanimidade na doutrina sobre a matéria em causa, com toda a consideração pela Ex. ma recorrente, propendemos para a tese acolhida pelo acórdão recorrido.

 Miguez Garcia e Castelo Rio, in Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, a fls. 731, em anotação e comentário ao artigo 176.º do Código Penal, referem: «As quatro variantes em que este art. 176º/1 se desdobra têm em comum o tema pornografia. Têm todas em vista sobretudo a proteção da juventude e indiretamente, enquanto crimes de perigo abstrato, o facto de concorrerem para a redução do número de destinatários e do chamado turismo sexual em prejuízo de menores.

(…) Nas alíneas c) e d) do n.º 1 trata-se de condutas que, embora merecedoras de pena, não configuram uma situação imediata (direta) do bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual, mas sim interesses do Estado que poderiam ficar lesados com a proliferação da pornografia. A alínea c) aplica-se a quem produzir, distribuir… exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior (fotografias, filmes ou gravações pornográficas que utilizem menores…)

 A alínea d) refere-se a quem adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) (fotografias, filmes ou gravações pornográficas), com o propósito de os distribuir, importar exportar, divulgar….

O agente comete tantos crimes de pornografia de menores quantos os menores utilizados em espetáculo, atenta a natureza pessoal do crime. Vale o mesmo para a fotografia, o filme ou a gravação pornográfica com vários menores. Mas só haverá um crime se A tira 20 ou mais fotografias ou faz um filme pornográfico de menor integrado em espetáculo pornográfico para distribuição ou cedência.»

 Por seu turno, Ângela Pinto, in Crime de Abuso Sexual de Menores com Recurso à Internet, Enquadramento Jurídico, Prática e Gestão Processual, Trabalhos Temáticos de Direito e Processo Penal, CEJ, depois das referências ao conceito de pornografia infantil constante do artigo 2.º, alínea c), da Diretiva 2011/92/EU [qualquer representação, real ou figurada, por qualquer meio, de comportamentos sexuais, de qualquer espécie, de um menor no desempenho de atividades sexuais explícitas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de um menor para fins predominantemente sexuais], e considerações sobre a desnecessidade de identificação da vítima, anotando que é indispensável a determinação da idade, diz-nos:

 «A Lei 103/2015, de 24 de agosto…, seria merecedora de aplauso apenas pela alteração que provocou ao introduzir o novo n.º 5 do artigo 176.º do CP, que veio substituir o anterior n.º 4. Onde antes se lia : “quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido…”, hoje lê-se “quem intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido…” (sublinhados da autora)…

 No período anterior a esta alteração legislativa havia dificuldade em se enquadrar a mera visualização de pornografia de menores na internet quando não eram efetuados downloads, pois que a conduta não constituía exatamente um “adquirir” ou “deter” – pelo menos assim não era entendido unanimemente. Dúvidas não havia que o mero download de ficheiros constituía crime. Todavia, se o agente se limitasse a visualizar o material sem o descarregar para o seu computador, não era pacífica a opinião de que isso integraria a conduta de “aquisição ou detenção”, ainda que fosse genericamente admitido que tal diferenciação de tratamento conduziria a uma situação de justiça material, pois um consumidor de pornografia mais avisado evitaria os downloads, recorrendo à mera visualização online, que sempre estaria ao seu fácil dispor…

 Com a alteração legislativa, a inclusão da palavra “intencionalmente” visa excluir todos aqueles que acidentalmente se veem perante material de pornografia infantil sem que o tenham procurado ou desejado…»

 E, finalmente, pronunciando sobre o concurso, diz-nos:

«Quanto às hipóteses de concurso, diga-se que é habitual que quando está em causa um crime de pornografia de menores ele esteja em concurso efetivo com outro crime contra a autodeterminação sexual, desde logo porque haverá sempre um concreto abuso da criança que participa na produção do material pornográfico. Todavia, atendendo a que o crime de pornografia de menores apenas indiretamente tutela a autodeterminação sexual, protegendo em primeira linha a dignidade das crianças enquanto bem supraindividual, o entendimento de que haverá tantos crimes como o número de vítimas não tem aplicação neste tipo de ilícito, pois o bem jurídico em causa não é exclusivamente pessoal, nos termos do artigo 30,º do CP:»

Ana Paula Rodrigues, in Revista do CEJ, 1.º Semestre 2011, Número 15, Pornografia de menores: novos desafios na investigação e recolha de prova digital, considera:

 «Nos casos em que o agente pratica simultaneamente um crime de abuso sexual de criança do art. 171.º e ainda um crime abrangido pela previsão do art. 176.º, estas condutas assumirão ambas, sempre, um desvalor autónomo face a condutas anteriores e posteriores do agente, pelo que neste caso haverá sempre concurso efectivo de crimes, imputável a quem abusa e difunde a imagem

 No que respeita à problemática do concurso de crimes, cumpre ainda referir que não se partilha o entendimento de que haverá tantos crimes como o número de vítimas.

 Este tipo legal de crime visa tutelar bens jurídicos traduzidos no interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos.

 O legislador, através deste preceito visou, também, resolver o problema da criminalização do tráfico de fotografias, filmes e gravações pornográficas com crianças, baseado num bem jurídico supra individual diverso do da liberdade e autodeterminação sexual de uma criança.

 Assim, não se aceita que a norma proteja interesses exclusivamente pessoais, com a consequente multiplicação de ilícitos, nos termos do art. 30.º do Código Penal.

 Pelo exposto e em nosso entender, não obstante as imagens, na generalidade, conterem várias vítimas, comete um único crime quem as detém, exibe, ou cede.»

 Já no Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª Edição, ao tratar do bem jurídico pelo tipo de crime do artigo 176.º, Maria João Antunes refere que a inserção na secção dos crimes contra a autodeterminação sexual é significativa «de que o bem jurídico protegido pela incriminação pretende ser o livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos. É, porém, duvidoso que todas as condutas tipificadas sirvam a protecção deste bem jurídico.

Relativamente às condutas referidas no n. 1-a) e b), é questionável que a incriminação tenha ainda justificação por referência ao bem jurídico individual da liberdade e da autodeterminação, quando se trate de menor entre 14 e 18 anos de idade (supra art. 174º §§ 2 e 3)…

 No que se refere aos n.ºs 1-c) e d) e 3 do que se trata, verdadeiramente, é da criminalização do comércio de material pornográfico, entendido este numa acepção ampla, havendo uma tutela demasiado longínqua e indeterminada do livre desenvolvimento sexual do menor “de carne e osso”… para se poder afirmar que este é o bem jurídico individual protegido pela incriminação…»

E assim, como parte dos autores atrás mencionados, entendemos que as alíneas c) e d), protegendo nuclearmente o interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos, ou seja, criminalizando o comércio de material pornográfico com menores de idade inferior a 18 anos, não impõem a correspondência entre o número de menores utilizados nesse material e o número”

Procede pois a tese do acórdão recorrido, a existência de um único crime, atenta a natureza do bem jurídico violado, Não é imediatamente a liberdade e autodeterminação sexual ou interesses exclusivamente pessoais que estão em causa, na ilicitude em questão, mas um bem jurídico supra individual, de interesse público, de protecção e defesa da dignidade de menores, na produção de conteúdos pornográficos e divulgação ou circulação destes pela comunidade.

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Sobre a medida da pena

Inexistindo causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, determinado o crime há que aplicar a pena.

. Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.”  - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

 Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.

”Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens

jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Ensina FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos, até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

A pena é imediatamente a consequência jurídíca do facto criminal ilícito e culposo e punível., sancionando o agente do facto pela reprovabilidade da sua conduta (activa ou omissiva) por ter agido contra os bens jurídicos tutelados penalmente por constituírem interesses fundamentais dos cidadãos,.e da comunidade por eles constituída.

A pena é assim, imediatamente, uma reacção pública ao ilícito criminal para assegurar a normal convivência no respeito , consideração e reposição da validade da norma violada, defensora do bem jurídico criminalmente tutelado e posto em causa..

Submetida necessariamente ao princípio de legalidade, o conceito de pena não explica de per se a sua natureza, fundamento, funções e finalidades, pois que tem variado no tempo, espaço e modo de concretização, e a interpelação histórica porque se castiga e para quê se castiga, convoca a heurística da justificação e do sentido da pena (função e fins da pena).

A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 deste preceito que, “a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”,

 Põe sua vez, o nº 2 acrescenta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

O que significa que em caso algum pode haver pena sem culpa (sem conhecer a medida desta) ou acima da culpa (ultrapassar a sua medida)

Nulla poena sine culpa

,

O princípio da culpa, segundo FIGUEIREDO DIAS. Consequências jurídicas do crime § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Mas, com o devido respeito, porque “a culpa é condição necessária”, necessariamente que a culpa é  também fundamento da pena.

De outro modo, como pode haver pena sem culpa?!!!

A censura jurídico-penal só é possível,, só encontra o seu fundamento ético, na existência de culpa do agente que infringiu motu proprio, o bem jurídico protegido com tutela penal,

Na definição do conceito de pena escrevem ENRIQUE ORTA BERENGUER e JOSE L: GONZALES CUSSAC, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch , Valência, 2004, p,.251, (tradução nossa), “Na actualidade, seu conceito  se define pela concorrência de cinco características: a) A pena consiste necessariamente na imposição de um mal ao delinquente, isto é, supõe a privação ou restrição de um direito fundamental; b) a pena como mal ou privação de um direito se impõe por causa da violação da lei; e neste sentido é a sua consequência jurídica; c) a pena se impõe exclusivamente à pessoa ou pessoas responsáveis pela violação da lei, d) deve ser imposta ou administrada pelas autoridades fixadas na lei; e) a imposição da pena exprime a reprovação e censura pela violação da lei, pelo que se infringe como um castigo, e neste sentido , conceitualmente é retribuição pelo mal cometido.”

As teorias da prevenção ao fundamentarem a pena na prevenção geral e especial não arredam – nem podem, sob pena de infringirem a matriz ética primária do direito penal – excluir o direito penal do facto como um direito penal da culpa.

Se a prevenção geral pretende justificar a defesa do ordenamento jurídico ou da comunidade, não é esta uma comunidade de seres humanos, os destinatários das normas e os sujeitos da culpa?

E que outra coisa é a prevenção especial senão a exigência de socialização do agente na remissão da culpa através da reintegração social, ou seja, a educação do agente que pela sua culpa desprezou a norma penal..

A função da pena costuma referenciar-se em trés finalidades: a retributiva como realização da justiça por meio do castigo. A prevenção geral como meio de se evitar a pratica de novos delitos pelos cidadãos da comunidade que integram, e a prevenção especial para evitar a prática de novos delitos pelo agente infractor.

Sem a pena, imposta estadualmente através do Poder Judicial, pela lesão de bens jurídicos fundamentais  de tutela jurídico-criminal, a convivência humana - a comunidade social onde se integra e constitui-  seria impossível.

Porém, se as finalidades da prevenção (geral e especial) da pena justificam o cumprimento da função da pena,, não a justificam por si só, ou de forma exclusiva.

“Pelo contrário, a justificação da pena pela sua utilidade, somente pode ter lugar dentro dos limites que dimanam do princípio da proporcionalidade, como justa retribuição do injusto culpável.

Portanto, na função de tutela jurídica haverão de radicar-se tanto o fundamento justificativo da pena, como os limites dessa justificação. De maneira que se a ideia de tutela conduziu à justificação do castigo pela sua utilidade, a necessidade de que a mesma seja jurídica exige que não possa obter-se a qualquer preço, mas unicamente dentro dos limites que dimanam do princípio de proibição do excesso ou proporcionalidade em, sentido amplo.”(v. Enrique Orta Berenguer e José.L, Gonzales Cussac, ibidem,,p.254) (negrito nosso)

A função da culpa é imanente ao desvalor jurídico-penal da acção ou omissão desenvolvida na violação do bem jurídico-penal.

Pena sem culpa, não pode existir, em qualquer Estado de Direito, democrático e material, porque qualquer Estado que se reclame de Direito há-de fundar-se na dignidade da pessoa, do ser humano, e a culpa é a responsabilização jurídico-penal da pessoa pela acção ou omissão causalmente adequada à lesão do bem jurídico-penal. consagrado pelo ordenamento jurídico da comunidade política em que se insere.

O limite da retribuição pela culpa é a dignidade personalidade da pessoa humana,

Por isso a culpa é fundamento e limite da pena.

Concordamos com Figueiredo Dias quando refere que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso” e de “constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss; , mas já não concordamos quando salienta que “a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.” E de que  “A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático.” (idem, ibidem)

Para nós, com o devido respeito, por outros entendimentos, dentro do limite da culpa (“as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático”) a culpa é a amplitude ético-criminal da determinação da medida concreta da pena e não se destina somente a limitar o máximo da pena.

            A culpa como proibição de excesso da prevenção, na determinação da pena, não significa que a culpa seja mera baliza punitiva, mas situa-se no mesmo campo, e no mesmo patamar da prevenção, numa dialéctica em que a culpa é fundamento e limite da pena.

           

            Para se conhecer a medida da culpa, tem de se apreciar e avaliar a culpa. e por isso, se compreende também que o artigo 71° do Código Penal ao estabelecer o critério da determinação da medida concreta da pena, disponha em primeiro lugar  que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei “é feita em função da culpa do agente”, acrescentando depois “ e das exigências de prevenção.”

                       

Além das exigências de prevenção  (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), a  culpa é também fundamento e limite da pena.

A prevenção, não é, pois, fundamento exclusivo da determinação da medida da pena.

Em sentido similar, como ressalta do artigo de HANS –HEINRICH JESCHECK, Evolucion del concepto jurídico penal de culpabilidade en Alemania Y Áustria,  Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01(2003), sendo a liberdade de decisão um facto antropológico evidente, a sanção ou pena entronca na merecida resposta de desaprovação da comunidade jurídica perante o facto injusto e culpável pelo seu agente.

Se a função primordial ou determinante da pena fosse feita apenas em função da prevenção (geral e especial,) e a culpa considerada apenas como seu limite, como poderia entender-se a relevância das características da  sua matriz ética?

Ao ser apontada a culpa como mero limite da pena, desde logo faz ressaltar a natureza antropológica da culpa na sua característica liminar de imanência à conduta desvaliosa activa ou omissiva do agente do facto.

Por isso, a montante do limite da pena, a culpa, “também deve ser co-decisiva para toda a determinação da mesma “

Se a culpa radica na imputação ética do facto incriminado, como pode o juiz perder o ponto de conexão da culpa – dimensão ético-jurídica do facto – na repercussão da mesma nos objectivos da prevenção especial?

O problema da liberdade na violação dos bens jurídico-criminais envolve e convoca em toda a amplitude a dimensão da culpabilidade.

Se assim não for, como poderá censurar-se o facto ilícito punível, e em que medida a pena a aplicar se mostra justa a adequada à sua reintegração social?

Como poderá estabelecer-se a proporcionalidade da pena se, independentemente do limite da culpa, não tiver em conta as características desta?

Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

            As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, concorrer na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

            Quer dizer, na concretização legal da pena, na sua individualização como última fase da determinação da medida concreta desta, deve o tribunal atender à natureza e grau de gravidade do facto,, a considerações de prevenção geral e especial à punição aplicável ao delinquente concreto, e ào conjunto das condições e circunstâncias pessoais deste, de forma a que no conjunto dessas circunstâncias - todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele - e no quadro mais ou menos flexível da gravidade do facto, individualiza a pena aplicável.,

            São pois dois os critérios – em função da culpa e das exigências de prevenção - que devem guiar a tarefa individualizadora, do julgador, na determinação concreta da pena, ou seja na adaptação da pena ao caso concreto e ao indivíduo: a gravidade do facto que se fundamenta na retribuição proporcional ao crime cometido, orientada por critérios de prevenção geral , e nas circunstâncias pessoais do agente, envolvendo a culpa no desvalor da acção e no resultado e as decorrentes exigências de prevenção especial

            A baliza aritmética de graduação penal está confinada apenas aos limites mínimo e máximo impostos pelo tipo legal, sem prejuízo dos casos de atenuação ou agravação da pena, ou penas de substituição.

            A referência a todas as circunstâncias relevantes, no domínio punitivo decorrente da ilícitude, sejam de prevenção, sejam da culpa, definem o espaço global de determinação da medida concreta da pena,

            A determinação concreta da pena inscreve-se assim, no que podemos apelidar teoria do espaço global.

            Volvendo ao caso concreto, considerou a decisão recorrida:

“O crime de pornografia de menores, previsto no art. 176º, nº1, als. c) e d) do Código Penal é punido com a moldura abstrata de pena de prisão entre 1 e 5 anos. Estando nós perante uma conduta agravada por força do disposto no art. 177º, nº 6 e 7 do Código Penal, atender-se-á à agravante mais forte, nos termos ordenados pelo disposto no art. 177º, nº8 do Código Penal, pelo que os limites mínimo e máximo da pena da pena sofrem um aumento de metade, donde a moldura da pena passe a ser a de pena de 1 ano e 6 meses a 7 meses a 6 meses de prisão.

Atenta a natureza dos crimes em causa, afiguram-se prementes as necessidades de prevenção geral suscitadas, cumprindo assegurar a cabal proteção dos bens jurídicos tutelados pela norma, sendo crescente o número de casos como o vertente que chegam ao Tribunal. 

Ainda, refere o mesmo STJ em outro aresto proferido em 9-1-2008 no Processo identificado como D7P3748 (disponível in www.dgsi.pt), que se nos afigura pertinente citar:

«Considerando a prática, com alguma frequência, de tais delitos entre nós – mas não só -, o interesse público de protecção de personalidades em desenvolvimento, no aspecto da sua sexualidade, sendo desejável que esta se afirme de forma harmónica e consciente que é afrontado, o alarme e a repugnância social que causam, evidente se torna que, para tranquilidade no tecido social e dissuasão de potenciais delinquentes, visto o quadro de extensos malefícios antecedente, que ultrapassam o interesse meramente individual, se impõe uma intervenção punitiva que pondere as sentidas “ considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico “,segundo o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 344 -, por esta se limitando sempre o valor da socialização em liberdade .

Cumpre ponderar a intensidade do dolo, que é direto, o período de tempo ao longo do qual o arguido praticou a actividade censurada e, principalmente, a quantidade e o conteúdo em concreto do material pornográfico detido pelo arguido.

Os visados nas imagens que o arguido detinha e cedia a terceiros devem, para este efeito, ser designadas de “crianças”, mais do que objetivamente “menores de idade”, categoria que abrange, como vimos, qualquer pessoa desde que nasce até que alcance a maioridade, ou seja os 18 anos de idade. Com efeito, se parte dos ficheiros respeita a menores com idade inferior a 16 anos – 213 ficheiros – a esmagadora maioria respeita a menores de 14 anos e algumas delas são bebés de meses, outras bebés de colo. Algumas destas crianças não manifestam nas imagens qualquer reação, por falta de compreensão da conotação sexual dos atos ou por efeito manifesto da sedação, patente na passividade da sua reação. Outras crianças apresentam esgares de dor no rosto e, em pelo menos um dos vídeos são audíveis os seus gritos. Relembra-se que estão em causa, ao todo, 4349 ficheiros de conteúdo pornográfico envolvendo crianças, 67 dos quais vídeos, os quais se localizam em dois suportes informáticos distintos.

A confissão do arguido não constitui atenuante de relevo, tendo em conta a prova pré-constituída nos autos e a sua persistência um conferir um enquadramento à sua conduta mitigador da sua culpa, atribuindo a procura de contactos com menores à prossecução de objetivos valiosos como a busca de um amor pura e verdadeiro e à perniciosa influência de terceiros com forte ascendente psicológico sobre si.

Note-se que a conduta do arguido ora alvo de censura persistiu até ser abruptamente interrompida pela Polícia Judiciária, não tendo ocorrido qualquer ato de inflexão decorrente de qualquer juízo de auto-censura realizado pelo arguido.

Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relatado pela Srª. Desembargadora Ana Sebastião, com data de 15-12-2015 (proferido no Proc. 3147/08.JFLSB.L1-5, disponível in www.dgsi.pt):

«Para qualquer homem médio, os atos sexuais que envolvam menores são repugnantes e proibidos.

Estamos face a um tipo de comportamentos que “antes de o ser já o eram”, ou seja, a proibição e censura desses comportamentos é inata ao ser humano, mesmo que nenhuma lei o afirmasse».

No que concerne à sua personalidade trata-se de um indivíduo com “desempenho intelectual de nível superior”, revelando “uma postura de ocultação dos aspetos que considerou mais negativos e intenção de transmitir uma imagem adequada de si”. Por força das disfunções familiares, o arguido realizou uma integração/estruturação pouco equilibrada dos afetos e das competências pessoais para organizar recursos de defesa intrapsíquicos e para lidar com êxito com frustrações vivenciais e relacionais.

                Pondera a favor do arguido a total ausência de antecedentes criminais.”

           

Tendo em conta o supra exposto, o limite legal punitivo, e sendo fortes as exigências de prevenção geral, bem como as referentes à prevenção especial, e, de forte intensidade a culpa, conclui-se que a pena aplicada, não se revela desproporcional, nem desadequada, sendo por isso, de manter.

           

O recurso não merece provimento.

<>

Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em negar provimento ao recurso, e confirmam o acórdão recorrido.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça,          

                               Elaborado e revisto pelo relator

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[1] UTC é o acrónimo para a expressão inglesa Universal Time Coordinated, que significa Tempo Universal Coordenado, e é o fuso horário de referência, a partir do qual se calculam todas as outras zonas horárias do mundo.
[2] URL é o endereço de um recurso disponível em uma rede, seja a rede internet ou intranet, e significa em inglês Uniform Resource Locator, e em português é conhecido por Localizador Padrão de Recursos.
[3] Ao nível de protocolo (Internet Protocol) destina-se a encaminhar pacotes de rede (routing); em termos de endereço (Internet Protocol Adress), trata-se de uma identificação, numérica, numa rede informática.
[4] Upload significa descarregar ou transferir um conteúdo de um computador local para um servidor existente na Internet.
[5] Sendo 2312 (dois mil, trezentos e doze) ficheiros de imagem e 4 (quatro) ficheiros de vídeo, conforme infra se descreverá.
[6] Este ficheiros estão compreendidos nos 4635.
[7] Estes ficheiros de vídeo acrescem aos 4635 ficheiros de imagem.
[8] Compreendendo este número a soma dos 2316 ficheiros do dispositivo “EQ02” com os  4709 do disco rígido “HDD01
[9] Programa ou componente destinado a proteger uma rede informática contra invasões ou acessos não autorizados.
[10] Conhecido como programa (software) ou código malicioso, refere-se genericamente a programas que possuem rotinas e comandos criados com a intenção de gerar algum dano ou impacto em sistemas informáticos.
[11] É um software espião de computador, que tem o objectivo de observar e roubar informações pessoais do usuário que utiliza o computador em que o programa está instalado, retransmitindo-as para uma fonte externa na Internet, sem o seu conhecimento ou consentimento.
[12] Permite entre outras funções proteger a privacidade do utilizador online através de ferramentas adicionais que ajudam a esconder a sua identidade, para quem pretender navegar na Internet sem deixar rasto das pesquisas e sites visitados.
[13] O mesmo que descarregar ou transferir um conteúdo de um servidor existente na Internet para um computador local.
[14] Do inglês peer-to-peer, é uma arquitectura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhar serviços e dados sem a necessidade de um servidor central.
[15] Do inglês peer-to-peer, é uma arquitectura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhar serviços e dados sem a necessidade de um servidor central.
[16] Veja-se a participação de Maria João Antunes nas Jornadas de Direito Penal que tiveram recentemente lugar, subordinada ao tema “Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores”, disponível para consulta no site do CEJ.