Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1612/04.9TBFAF.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ERRO ACERCA DO REGIME ADJECTIVO TRANSITÓRIO
SUPRIMENTO DO LAPSO DA PARTE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS NÃO AUTORIZADAS
INQUILINO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
BOA FÉ
ABUSO DE DIREITO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA E REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS (LOCAÇÃO) / ARRENDAMENTO URBANO - DIREITOS REAIS / DIREITO DA PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS
Doutrina:
- Aragão Seia, Arrendamento Urbano, pp. 288 a 290.
- Oliveira Ascensão e Menezes Leitão, “Resolução do arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas”, O Direito, 15, 434.
- Pais de Sousa e Cardona Ferreira, Arrendamento Urbano, Notas Práticas, 95/96.
- Pais de Sousa, Anotações ao "Regime do Arrendamento Urbano" (RAU), 6ª edição, p. 207.
- Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, pp. 662 a 664.
- Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil”, Anotado, 4ª edição, Volume II, p. 602.
- Rabindranath Capelo de Sousa, in Parecer publicado na C.J. XII, 1987, Tomo 5.º, 16.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1038.º, 1031.º, 1083.º, N.º2, 1305.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 637.º, 638.º, N.º1, E 641.º, N.ºS1 E 2, B).
D.L. N.º 321-B/90, DE 15-10 (RAU): - ARTIGO 64.º.
LEI N.º 41/13: - ARTIGO 3.º, AL. B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06/03/2007, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 09/03/2009, P. N.º 09A0338, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 08/04/2010, P. N.º 667/05.3TBCBT.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 07/06/2011, P. N.º 906/2001.C1.S2, EM WWW.DGSI.PT;
-DE13/02/2014, P. N.º 43/09.9TCFUN.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 18/11/1982, C.J. VII, 5, 103;
-DE 06/12/1983, C.J. VIII, 5, 134.
Sumário :
1. Não estando ainda esgotado, no momento da primeira intervenção jurisdicional subsequente à interposição do recurso, o prazo para recorrer e alegar nos termos procedimentalmente adequados e sendo manifesto que a conduta processual da parte, traduzida em cindir as fases de interposição do recurso e de apresentação da alegação, radicava em erro ostensivo sobre o regime processual aplicável ( não tendo na devida conta que aos recursos interpostos de decisões posteriores a 1/9/13 passara a ser aplicável o regime do novo CPC, mesmo tratando-se de causas iniciadas antes de 2008) cumpria ao juiz, por força da norma especial e transitória constante da al. b) do art. 3º da Lei 41/13, promover a superação do equívoco.

2.  A tramitação do recurso  ao abrigo do CPC, na versão anterior ao DL 303/07, motivada por um originário erro da parte, não detectado e corrigido oportunamente pelo juiz, que omitiu o uso do poder dever que lhe é conferido pela al. b) do art. 3º da Lei 41/13, não deve determinar qualquer efeito cominatório ou preclusivo.

3. Não justifica a resolução de contrato de arrendamento, celebrado para o exercício de actividade comercial e em vigor há mais de 15 anos, a realização pelo locatário de obra de escasso relevo construtivo que – extravasando embora o estrito plano da mera conservação e adequação do locado ao fim do contrato – não afecta substancialmente e de forma relevante a estrutura e divisão interna do locado.

4. As normas que tipificam no RAU os concretos fundamentos do despejo têm de ser interpretadas e aplicadas em função das circunstâncias concretas do caso e de acordo com o princípio da proporcionalidade e as exigências da boa fé - sendo desproporcional o efeito resolutivo quando a feitura da obra surge inserida numa prolongada prática das partes na execução do contrato, segundo a qual estavam inteiramente por conta do inquilino as obras de manutenção, modernização e adequação do locado ao tipo de actividade nele exercida, como condição de viabilidade desta, tendo-se conformado  tacitamente no passado o senhorio com a realização de obras inovatórias de muito maior relevo do que a discutida na presente acção.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou contra BB e mulher CC acção declarativa, sob a forma de processo ordinário pedindo que seja decretada a resolução do contrato de cessão de exploração por incumprimento culposo dos Réus e, em consequência a respectiva condenação a restituir-lhe imediatamente o aludido estabelecimento comercial nas condições em que o receberam.

Subsidiariamente, - para o caso da decisão final a proferir nas acções sumárias nºs 202/97 e 202-A/97, qualificar o contrato de cessão de exploração como de arrendamento comercial,- pedem que seja decretado o despejo e a condenação dos Réus a entregarem-lhe o local arrendado, devoluto de pessoas e bens.

Os Réus contestaram, contrapondo que no rés-do-chão do prédio do Autor funcionou um estabelecimento em nome de sua mãe, o qual, após o falecimento desta, foi explorado pela irmã; o mesmo estava velho, praticamente esgotado, meio aberto, meio fechado, por doença daquela e encerrou no início de 1987, também por falta de condições sanitárias, pois não tinha sequer casas de banho. O R./marido negociou com o Autor e sua irmã, que lhe entregaram o espaço físico delimitado pelas paredes e, em cumprimento do acordado, mandou elaborar um projecto de remodelação apresentado em seu nome, obras que foram licenciadas e executadas nos termos das plantas desenhadas e memória descritiva. Só após a sua conclusão foi celebrada a escritura e todas as máquinas, mobílias e utensílios foram comprados novos pela progenitora do Réu, que lhos disponibilizou.

Invocam ainda a excepção de litispendência, em relação às acções em curso, pois a causa de pedir destas é a violação do contrato de cessão de exploração.

Concluem que as obras valorizaram o rés-do-chão do prédio, licenciado para a actividade comercial que ali exercem, e não põem em causa a segurança do edifício, sustentando que se trata de obras de conservação, por se destinarem a conferir as características necessárias à concessão de licença de utilização.


A instância foi suspensa por pendência de causa prejudicial até ao trânsito da decisão proferida no processo nº 202/97.


Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de litispendência; e, conhecendo da excepção de caso julgado relativamente à qualificação jurídica do contrato, julgou improcedente o pedido principal, por pressupor a condição não verificada da celebração de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.


O A. apresentou articulado superveniente, alegando ter acabado de tomar conhecimento que os Réus procederam à abertura de uma porta de 80 cm de largura por 2 metros de altura na parede que divide as casas de banho da sala de café e fecharam a que existia na outra parede; no local denominado cozinha, constituída por uma única sala, procederam à construção de um muro de separação em alvenaria de tijolo até à altura do tecto, na qual abriram uma porta de 80 cm de largura por 2 metros de altura, passando a existir duas divisões, uma com cerca de 7 m2 e outra com 4 m2; nas paredes laterais da sala do café, anteriormente em pedra e ligadas por junta seca de cimento, colocaram azulejos, desde o piso até à altura de cerca de 1 metro; e na parte restante, até ao tecto, revestiram-nas com cimento e pintaram-nas; nas bandeirolas das três portas de entrada colocaram pedras mármore ligadas às paredes, encobrindo-as. Sustenta que tais obras foram realizadas sem seu consentimento e contra a sua vontade, alterando a estrutura e disposição interna do locado.


Os Réus responderam, negando que o Autor só tivesse tido conhecimento das obras no momento do articulado superveniente, remetendo para o documento 29 do apenso - que assinala as demolições e obras feitas, executadas durante o ano de 1999 - e afirmando que se trata de uma pequena alteração das casas de banho para satisfazer o disposto no artigo 1º do DL nº 168/97 de 4 de Julho.


Na fase final do julgamento, os Réus apresentaram articulado superveniente, alegando que o Autor promoveu a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, propondo a duração de um ano, prorrogável por períodos de igual duração, e o aumento da renda de € 70 para € 250, na sequência do qual contrapôs a renda mensal de € 174,44 por ser uma micro entidade, o que foi aceite e determinou o pagamento desse montante, nos meses de Março e Abril deste ano. Defendem que tal situação consubstancia abuso de direito, pois o Autor beneficia de uma nova renda calculada com base no valor do locado determinado após a realização das obras. Referem ainda que poderá entender-se que houve uma alteração das circunstâncias contratuais, determinantes da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.


A final, foi proferida sentença que, julgando a acção provada e procedente, declarou resolvido o contrato de arrendamento para comércio celebrado em 29 de Junho de 1987 relativamente ao rés-do-chão do prédio urbano situado no lugar de …, Golães, Fafe, inscrito na matriz sob o artigo …, e, em consequência, decretou o despejo, condena os Réus a entregar ao Autor o local arrendado, devoluto de pessoas e bens.

2. Inconformados, apelaram os réus, impugnando, desde logo, o decidido quanto à matéria de facto.

O relator proferiu decisão sumária, julgando a apelação procedente – reclamando o A./recorrido para a conferência.

Foi proferido acórdão, determinando a alteração da resposta dada ao quesito 18, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:


1. O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano situado no lugar de …, freguesia de Golães, Fafe, composto de rés-do-chão e 1º andar, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, prédio que veio à sua propriedade por lhe ter sido adjudicada metade indivisa na partilha a que se procedeu por óbito de sua mãe, DD, por escritura lavrada em 25.03.1982 [alínea A) dos factos assentes].

2. A restante metade indivisa adveio-lhe por o ter havido como único herdeiro de sua irmã, EE, por testamento lavrado em 08.04.1982 [alínea B)].

3. O Autor, por si e antecessores, habita o referido prédio, nele fazendo obras de reparações, pagando as contribuições e impostos sobre ele incidentes, dando-o de arrendamento e recebendo as respetivas rendas, o que tem feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na convicção de que está e sempre esteve no exercício do seu direito de propriedade [alínea C)].

4. Por escritura pública celebrada no dia 29.06.1987, o Autor e EE declararam que, enquanto donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial de mercearia e vinhos, situado no lugar de …, Golães, instalado no rés-do-chão do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, que gira em nome de DD, cedem a BB, aqui Réu, a exploração do referido estabelecimento comercial, pelo prazo de cinco anos, a contar do dia um do mês de Julho, prorrogável por períodos, iguais ou diferentes, conforme fosse acordado entre os contraentes, caducando o contrato, na falta de acordo [alínea D)].

5. O preço da cessão, no primeiro ano de vigência do contrato, seria de Esc. 144.000$00, a pagar em duodécimos de Esc. 12.000$00, a atualizar de acordo com os coeficientes de atualização das rendas dos estabelecimentos comerciais [alínea E)].

6. Declararam também que o Réu não poderia fazer obras ou benfeitorias sem consentimento escrito dos cedentes [alínea F)].

7. Por decisão transitada em julgado, proferida no processo n° 202/97 (e 202/97-A), que correu termos no 3º Juízo deste Tribunal, foi qualificado como arrendamento para fim comercial o contrato referido em 4) a 6) [alínea G)].

8. Os Réus no prédio referido em 1) procederam à abertura de uma porta, com a largura de cerca de 80 cm e altura de cerca de 2 m, na parede que divide s casas de banho da sala de café e fecharam uma porta, do mesmo tamanho, que existia na outra parede, que divide também as mesmas casas de banho [alínea H)].

9. No local denominado por cozinha, que era constituída por uma única sala ampla, procederam à construção de um muro de separação em tijolo até à altura do teto [alínea I)].

10. A referida cozinha, que era só uma divisão, é agora constituída por duas divisões [alínea J)].

11. As obras referidas em 8) e 9) não foram consentidas ou autorizadas pelo Autor [alínea L)].

12. Em Setembro de 2004 os Réus começaram a fazer obras no rés-do-chão do prédio identificado em 4) [resposta ao artigo Io da base instrutória].

13. Há pelo menos 19 anos, os Réus destruíram duas paredes interiores existentes no rés-do-chão [artigo 2°].

14. Essas paredes, assinaladas a vermelho na planta junta a fls. 29 do procedimento cautelar, dividiam um compartimento para o qual o acesso era feito por uma porta aberta para o exterior e outra para o interior do estabelecimento [artigo 3°].

15. No momento referido em 13) o estabelecimento comercial foi transformado numa só sala devido a essas obras [artigo 5°].

16. Na data referida em 12) os Réus estavam a escavar e aprofundar o piso do estabelecimento em cerca de 8 cm após terem destruído a tijoleira e a base de cimento do pavimento [artigo 7°].

17. Todas as obras foram feitas sem o consentimento e autorização do Autor [artigo 8°].

18. As casas de banho existentes no estabelecimento foram construídas em 1987 pelos Réus [artigo 10°].

19. Em momento anterior ao referido em 12) foram introduzidas alterações nessas casas de banho [artigo 11°].

20. As obras de isolamento acústico visaram evitar o ruído decorrente do funcionamento do estabelecimento de que o Autor se queixara em 2002 ao Governo Civil de Braga [artigo 12°].

21. Foi necessário instalar material de isolamento ao nível do piso e do teto, mantendo o pé direito necessário à utilização do locado [artigo 13°].

22. Os Réus substituíram o pavimento colocado em 1987 que já se encontrava envelhecido pelo uso diário [artigo 14°].

23. O Autor tem conhecimento da demolição das paredes referidas em 13) desde 23 de Julho de 1997 [artigo 15°].

24. Os Réus abriram uma porta de cerca de 80 cm de largura por 2 metros de altura para acesso à segunda divisão formada pela parede referida em 10) [artigo 17°].

25. - As divisões referidas em 10) têm as áreas de 7 m2 e 2,4 m2 [artigo 18.º].

26. Nas paredes laterais da sala do café, sobre placas de gesso cartonado afixadas à parede através de calhas aparafusadas, os Réus colocaram azulejos desde o piso até à altura de 90 cm e pintaram a restante parte até ao teto [artigo 19°].

27. Antes de tais obras, as paredes laterais, em pedra com juntas de cimento, eram visíveis [artigo 20°].

28. Os Réus colocaram pedras de granito sobre as bandeirolas das três portas de entrada, encobrindo-as do lado exterior do prédio [artigo 21°]. 

29. A parede de tijolo referida em 9) tem apenas ligação ao pavimento já que dos lados se mostra desligada das paredes por via dos materiais de isolamento colocados [artigo 22°].

30. Na parte superior essa parede liga com o teto falso colocado [artigo 23°].

31. Essa divisória é removível através de demolição [artigo 24°].

32. Por via do isolamento acústico e térmico que fizeram no estabelecimento, os Réus encostaram às paredes laterais lã de rocha sobre a qual colocaram as placas de gesso cartonado referido em 26) [artigo 25°].

33. Para restabelecer o aspeto original da parede, basta desmontar as placas de gesso cartonado, remover o isolamento acústico e as calhas e tapar os orifícios nos locais onde foram colocados os parafusos [artigo 26°].

34. Os Réus colaram à madeira das portas as pedras referidas em 28) [artigo 27°].

35. Para repor as bandeirolas basta descolar as pedras da madeira [artigo 28°].

36. O Autor remeteu aos Réus carta datada de 14 de Novembro de 2012 com o seguinte conteúdo:

"venho pela presente, e nos termos do disposto no artigo 50° do NRAU, aprovado pela Lei n° 6/2006 de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei n° 31/2012 de 14/08, notificar V.ªs Exas da minha intenção de proceder à actualização da renda do estabelecimento comercial que lhe dei de arrendamento, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … sito na Rua de …, freguesia de Golães, do concelho de Fafe, no montante actual de € 70 mensais para o valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros) por mês a partir do próximo mês de Janeiro de 2013.

Informo ainda, V.ªs Exas que o contrato de arrendamento não habitacional com termo certo que celebrámos terá a duração de um ano, podendo prorrogar-se por períodos sucessivos de igual duração.

O valor do locado, avaliado nos termos do disposto no artigo 38° do CIMI e determinado no ano de 2010 é de € 31.400 (trinta e um mil e quatrocentos euros), conforme consta da cópia da caderneta predial urbana que segue em anexo" [alínea M)].

37. Os Réus remeteram ao Autor carta datada de 6 de Dezembro de 2012 com o seguinte conteúdo:

"em resposta à sua carta datada de 14 de Novembro de 2012, nos termos do disposto no artigo 51 n°s 1,3 alíneas b) e c), 4 alínea a), 5 e 6 do NRAU aprovado pela Lei n° 6/2006 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 31/2012 de 14 de Agosto, vimos declarar-lhe que nos opomos ao valor da actualização da renda mensal do rés-do-chão locado do prédio inscrito na matriz sob o artigo …, sito na Rua de …, freguesia de Golães, do concelho de Fafe, que tomou a iniciativa de propor, na qualidade de senhorio, no valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros), propondo nós o novo valor mensal de € 174,44 (cento e setenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), tratando-se de um arrendamento não habitacional, celebrado, sem termo, em 29 de Junho de 1987, que terá a duração de cinco anos, invocando ainda que no locado existe um estabelecimento comercial aberto ao público, que é uma microentidade, sem contabilidade organizada, com um rendimento bruto, em 2011, de € 17.395,02 e, consequentemente, com um balanço total e um volume de negócios líquido muito inferior a € 500.000,00, sem qualquer empregado ao seu serviço, designadamente no referido ano de 2011, juntando, para comprovação dessa realidade, cópia da Licença de Utilização, Comprovativo da Entrega da Declaração Modelo 3 de IRS Vi Internet relativa a 2011 e respectiva Demonstração de Liquidação de IRS, bem como Balancete Geral (Dezembro - Dezembro e Acumulado) - 2011, sem "Pessoal" e ainda certificação PME, pelo que o presente contrato de arrendamento só ficará submetido ao NRAU, no prazo de cinco anos, a contar da recepção desta comunicação pelo senhorio, nos termos do disposto no artigo 54° da supra citada Lei, mediante a renda mensal correspondente ao duodécimo de 1/15 do valor patrimonial do rés-do-chão locado, no indicado valor de € 174,44 (cento e setenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos) [alínea N)].

38. O Autor remeteu aos Réus carta datada de 12 de Dezembro de 2012 com o seguinte conteúdo:

"Acuso a recepção da missiva de V.ªs Exas datada de 6/06/2012, a que passo a responder.

Naquela missiva V.ªs Exas propõem um novo valor mensal para a renda do estabelecimento comercial que lhes dei de arrendamento, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … sito na Rua de …, freguesia de Golães, do concelho de Fafe, e invocam que o referido estabelecimento é uma microentidade.

Assim, pela presente comunico a V.ªs Exas que aceito o valor da renda proposto naquela missiva, no montante de € 174,44, visto que corresponde ao valor actualizado da renda de acordo com os critérios previstos no artigo 35° n° 2 alíneas a) e b) ex vi do artigo 54° n° 2 do NRAU.

Pelo que, no próximo mês de Março de 2013 a renda mensal relativa ao locado que lhes dei de arrendamento será de € 174,44" [alínea O)].

3. Passando a apreciar as questões jurídicas suscitadas, considerou a Relação no acórdão recorrido que cumpria confirmar inteiramente o teor da decisão singular inicialmente proferida, onde se considerara:

A única alteração, levada a cabo pelos recorridos, susceptível de justificar a resolução do arrendamento é, segundo a sentença, a que se refere à cozinha, que, de uma “sala ampla”, com cerca de 9,4 m2, passou a “dois espaços autónomos”, com 7 m2 e 2,4 m2.

É verdade que, como lembra o recorrido, na sentença também se aduz que “essa conduta violadora dos meros poderes de fruição que lhes assistem através da cedência temporária do espaço está manifesta igualmente na mudança da localização da porta das casas de banho que apesar de não ter sido considerada substancial, associada à criação de uma segunda divisão no interior da cozinha, necessita de ser tomada em condição para o juízo inerente à violação das obrigações contratuais pelos Réus.”.

Todavia, a mudança de localização da porta das casas de banho, por ela só, não foi considerada uma alteração substancial, enquanto que a alteração da cozinha o foi [“Estamos perante uma alteração substancial que por si só legitima o pedido de resolução e determina a procedência da acção, (…).”].

Ou seja, bastará, como pretendem os recorrentes, que a decisão seja alterada no que respeita à cozinha, para que a acção deva improceder.

Prosseguindo:

A lei – artº64.º, nº1, alínea d), do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15-10 (aqui, considerado aplicável, sem discussão das partes) – indica, como causa de resolução do arrendamento, a efectivação, pelo arrendatário, sem consentimento do senhorio, no locado, de obras que alterem substancialmente a disposição interna das suas divisões.

A questão está, como todos concordam, em saber se a dita modificação da cozinha constitui uma alteração substancial da disposição interna das divisões do locado.

Tomado literalmente, este conceito de “disposição interna”, entendido, a exemplo do que sucedeu no douto acórdão do STJ, de 08-04-2010, citado na sentença, “como o modo por que as divisões se concatenam entre si”, ou, se se quiser, como o espaço interior é dividido, levaria, facilmente, à conclusão de que, in casu, não ocorreu a alteração substancial exigida pela lei.

A cozinha, em vez de um, passou a ter dois espaços, mas não deixou de ser cozinha nem passou a concatenar-se (articular-se) com as restantes divisões de forma diversa, tanto quanto se vê do probatório.

E, neste sentido, milita a circunstância de disposição não ser sinónimo de configuração, conceito este que, se tivesse querido, o legislador, certamente, teria incluído no preceito, passando a causa de resolução a ser a alteração substancial da disposição internas das divisões ou da configuração destas.

….

Ao contrário do decidido, não cremos que a alteração, da cozinha, que vem provada, seja de molde a justificar o decretamento da resolução do arrendamento.

Trata-se, apenas, repete-se, de uma pequena alteração da configuração da cozinha, feita, certamente, de acordo com as particularidades da actividade do estabelecimento dos recorrentes, alteração que, de qualquer modo, reitera-se também, o recorrido poderá exigir que seja eliminada, sem que, a nosso ver, lhe possa ser oposta a excepção de abuso do direito (…)

4. Inconformado com esta decisão, interpôs o A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:


1. Da conjugação dos pontos 9) e 10) da fundamentação de facto resulta que no local "denominado" por cozinha passaram a existir duas divisões e não que a cozinha passou a ter dois espaços, mas não deixou de ser cozinha;

2. Resulta do ponto 4) dos factos provados que o estabelecimento comercial cuja exploração foi cedida aos Recorridos em 01/07/1987 e que por douta decisão transitada em julgado, proferida no processo n.° 202/97 (e 202/97-A) que correu termos no 3." Juízo deste Tribunal [da Comarca de Fafe], foi qualificado como arrendamento para fim comercial, destinava-se a mercearia e vinhos, razão pela qual é ininteligível a conclusão de que a alteração na cozinha se justificou com as particularidades da actividade do estabelecimento dos recorrentes, pois não tem qualquer reflexo na fundamentação de facto e nem nos fins a que o locado se destina;

3. Pelas razões exposta em a) e b), o douto Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artº 615°, nº 1, al. c) do NCPC (art.° 668.°, n.° 1, al. c) do CPC1961) ex vi art.° 666°, n° 1 do NCPC (art.° 716.°, n.° 1 do CPC1961), que expressamente se invoca.

4. As obras descritas em 9), 10), 17), 24), 25), 29), 30) e 31) correspondem à construção, não autorizada pelo Recorrente, de uma parede em tijolo no local denominado por cozinha, que transformou uma única sala ampla em duas divisões (uma com a área de 7m2 e outra com a área de 2,4m2), onde os Recorridos abriram também uma porta de acesso à segunda divisão, não sendo possível a sua remoção sem recurso a demolição;

5. Nos termos do art.° 64.°, n.° 1, al. d) do RAU, o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário fizer no prédio, sem o consentimento escrito daquele, obras que alterem substancialmente a disposição interna das suas divisões;

6. Das disposições conjugadas dos artºs 1038º, alínea d) e 1043.°, n.° 1 do Código Civil, resulta que o locatário tem o dever de fazer uma utilização prudente da coisa locada, em conformidade com os fins do contrato;

7. O Tribunal da Relação de Guimarães, no douto acórdão recorrido, sufraga a tese de que a "alteração substancial" da disposição interna da divisões do locado é que aquela que:

a. Por um lado, traduz as ideias de perenidade (excluindo assim as obras realizadas com material facilmente destacados) e inamovibilidade (excluindo assim as obras a todo o tempo desmontáveis).

b. Por outro lado, consiste na modificação da forma como as divisões se concatenam entre si, da sua planificação ou distribuição internas;

8. Não podemos concordar com a tese descrita em 7-b), a qual, em abstracto, permite ao arrendatário alterar completamente e de forma definitiva o número de divisões internas do locado (para mais ou para menos), construindo paredes divisórias ou demolindo-as, construindo portas e janelas, ou fechando-as, desde que tais modificações não alterem a forma como as divisões se concatenam, ou utilizando a expressão sinónima utilizada pelo Tribunal Recorrido, se "articulam" entre si;

9. Interpretação que viola o conteúdo essencial do direito de propriedade do Recorrido consagrado no art.° 1031º do Código Civil e é inconstitucional, por violar o art.° 62.ª nº1 da Constituição da República Portuguesa;

10. A construção e demolição de paredes, abertura e fecho de portas e janelas, constitui direito próprio e exclusivo de quem dispõe do núcleo essencial do direito de propriedade (artºs 1305.° e 1306.° do Código Civil), o qual só pode ser reconhecido ao arrendatário em situações excepcionais que o justifiquem, designadamente por imposição legal ou por razões de licenciamento, de conservação, de salubridade ou relacionadas com o fim do contrato, que assim se enquadram no conceito de prudente utilização da coisa locada, em conformidade com os fins do contrato;

11. Porém, os Recorridos não provaram um único facto no sentido da justificação e necessidade daquelas obras, sendo mister concluir que não passou de um capricho, avocando e fazendo seus, poderes que cabem exclusivamente ao proprietário;

12. Assim, tal como o Tribunal da Relação de Lisboa, entendemos que alteram substancialmente a disposição interna de um prédio as obras empreendidas pelo arrendatário que colidam com o plano ou projecto a que o prédio obedeceu, o que se verifica, designadamente, quando se diminui ou quando se aumenta o número de compartimentos, com carácter definitivo;

13. E, tal como entende este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que o fundamento de resolução do contrato de arrendamento aludido na al. d) do nº 1 do art.° 64º do RAU visa sancionar a violação, por parte do arrendatário, do direito de transformação do imóvel, que pertence ao proprietário, sendo a ratio do preceito impedir que o arrendatário avoque e faça seus, poderes que cabem exclusivamente ao proprietário;

14. Concluímos, por isso, que a decisão recorrida faz errada interpretação e, por isso, viola o art.° 64.°, nº 1, al. d) do RAU, e os artºs 1038º alínea d), 1043.°, nº 1 do Código Civil e art.° 1305.° do Código Civil, sendo ainda inconstitucional por interpretar o art.° 64.°, nº 1, al. d) do RAU em violação do art.° 62ª, nº 1 da Constituição da República Portuguesa;

15. Para o caso de assim não se entender, o que não se concebe e nem concede, o Tribunal Recorrido, ainda que não considerasse as obras descritas em 9), 10), 17), 24), 25), 29), 30) e 31) como susceptíveis de fundamentar o direito de resolução do contrato previsto no art.° 64.°, n.° 1, al. d) do RAU, sempre teria de confirmar a douta sentença do Tribunal da Comarca de Fafe, com diversos fundamentos;

16. Para além das obras supra descritas, os Recorridos fizeram ainda as obras mencionadas em 13) e 14) da fundamentação de facto, que dizem respeito à destruição de duas paredes interiores existentes no rés-do-chão (pontos 13) e 14) da fundamentação de facto), o que transformou o estabelecimento comercial numa só sala, tudo sem o consentimento do Recorrente;

17. Pese embora o Recorrente tenha tomado conhecimento destas obras em 23/07/1997, não caducou o aludido direito de resolução do contrato;

18. O art.° 64.°, nº 1, al. d) do RAU e o prazo de caducidade previsto no art.° 65.° do mesmo diploma, não podem ser interpretados no sentido de permitir ao Arrendatário, ao longo dos anos, efectuar várias alterações da disposição interna das divisões do locado, suficientemente separadas no tempo para, assim, em fraude à lei, impedir o exercício do direito de resolução pelo locatário por via da caducidade;

19. Esta interpretação das mencionadas normas viola o art.° 1305º do Código Civil e sempre é inconstitucional, por violar o art.° 62.ª, nº 1 da Constituição da República Portuguesa;

20. Impõe-se, em consequência, a revogação do douto acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue a acção procedente, por provada, declarando resolvido o contrato de arrendamento para comércio celebrado em 29 de Junho de 2987 relativamente ao rés-do-chão do prédio urbano situado no Lugar de …, freguesia de Golães, da comarca de Fafe, inscrito na matriz sob o artigo … e, em consequência, decrete o despejo e condene os Recorridos a entregar a Recorrente o locado, devoluto de pessoas e bens.


Termos em que deve ser concedida a revista e, em consequência, revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que julgue a acção procedente, por provada, nos termos sobreditos e com as legais consequências.

Os recorridos pugnam pela confirmação do acórdão recorrido, suscitando ainda a questão prévia da intempestividade da interposição do recurso, já que – estando este submetido ao actual CPC, face ao momento da prolação do acórdão recorrido – o recorrente optou erroneamente por cindir o requerimento de interposição de recurso e as alegações, só apresentando estas depois de ter sido proferido despacho de admissão e muito para além do prazo de 30 dias, contados da notificação da decisão recorrida, actualmente previsto na lei processual.

5. No caso dos autos, estamos confrontados com uma acção iniciada em 2004, julgada pela Relação através de acórdão proferido em 10/4/14 – ou seja, vários meses após ter entrado em vigor o actual CPC.

Ora, neste circunstancialismo, é evidente e incontroverso que é plenamente aplicável o regime instituído pelo actual CPC , aprovado pela Lei 41/13, quanto aos prazos e modo procedimentalmente adequado de interposição do recurso, por força da disposição de direito transitório constante do respectivo art. 7º- nomeadamente,  quanto ao ónus que, desde a reforma de 2007, passou a incidir sobre o recorrente de cumular a interposição do recurso com a apresentação da alegação, devendo fazê-lo nos 30 dias subsequentes à notificação da decisão recorrida – e só ulteriormente se pronunciando o juiz ou relator sobre a admissibilidade do recurso, nos termos dos arts.637º , 638º, nº1, e 641º, nº1, do CPC.

Sucede que o recorrente, ao interpor a presente revista, optou por – desconsiderando manifestamente o regime decorrente do DL 303/07, aplicável por via da referida norma de direito transitório especial constante do art. 7º da Lei 41/13 – cindir as fases de interposição e de alegações, endereçando ao relator no Tribunal da Relação um mero requerimento de interposição de recurso e só alegando após ter sido notificado do despacho de admissão do recurso.

Porém, tal erro procedimental – que, no limite, poderia determinar a aplicabilidade da cominação constante da al. b) do nº2 do art. 641º do CPC – não foi detectado, proferindo o juiz despacho de admissão do recurso, criando com isso a expectativa razoável de que teria sido adequada a anterior actuação processual do recorrente e que se iniciara com a notificação de tal despacho o prazo para produção das alegações pelo recorrente – inviabilizando este equívoco, em termos práticos, a eventual tentativa de suprimento do lapso inicialmente cometido pelo recorrente, diligenciando este ainda pela apresentação de peça processual corrigida ( já que, à data da prolação do referido despacho de admissão, ainda não estava exaurido o prazo de 30 dias para recorrer (e, cumulativamente, logo  alegar).

Ou seja: não estando ainda esgotado, no momento da primeira intervenção jurisdicional subsequente à interposição do recurso, o prazo para recorrer e alegar nos termos procedimentalmente adequados e sendo manifesto que a conduta processual da parte, traduzida em cindir as fases de interposição do recurso e de apresentação da alegação, radicava em erro ostensivo sobre o regime processual aplicável ( não tendo na devida conta que aos recursos interpostos de decisões posteriores a 1/9/13 passara a ser aplicável o regime do novo CPC, mesmo tratando-se de causas iniciadas antes de 2008) cumpria efectivamente ao juiz, por força da norma especial e transitória constante da al. b) do art. 3º da Lei 41/13 , promover a superação do equívoco .

Ora, bem pelo contrário, o despacho proferido nos autos, admitindo o recurso, apesar da manifesta irregularidade e insuficiência do requerimento de interposição, terá criado no recorrente a convicção e confiança de que fora regular e adequada a anterior actuação processual, ocultando o erro cometido e determinando a persistência da parte numa actuação processual efectivamente inadequada face às normas aplicáveis, por força das disposições de direito transitório vigentes.

Deste modo, não tendo o juiz actuado o poder dever que lhe é cometido pela al. b) do art. 3º da Lei 41/13 e criando tal omissão a fundada confiança da parte na regularidade processual da sua actuação – a qual inviabilizou, em termos práticos, que ainda pudesse tentar suprir a falha originariamente cometida, já que o prazo do recurso não se mostrava ainda (na data da prolação do despacho de admissão) exaurido – revelar-se-ia manifestamente desproporcionado e lesivo de um princípio de confiança processual a – pura e simples – aplicação do drástico efeito cominatório previsto para o incumprimento do ónus de incluir a alegação no requerimento de recurso, a apresentar nos 30 dias subsequentes à notificação da decisão recorrida.

A tramitação da presente revista ao abrigo do CPC, na versão anterior ao DL 303/07, motivada por um originário erro da parte, não detectado e corrigido oportunamente pelo juiz, que omitiu o uso do poder dever que lhe é conferido pela al. b) do art. 3º da Lei 41/13, não deve determinar qualquer efeito cominatório ou preclusivo, cabendo, pois, passar a apreciar o objecto do recurso interposto.

6. Começa o recorrente por suscitar a questão da nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre os fundamento e a decisão, discordando de algumas ilações que a Relação teria tirado da matéria de facto provada, no que se refere ao relevo e funcionalidade da alteração física do locado que, na 1ª instância, legitimara o decretamento do despejo: é, porém, manifesto que esta matéria nada tem que ver com o vício de contradição entre os fundamentos e a decisão , já que esta se mostra perfeitamente inteligível e concatenada com os fundamentos invocados: ou seja, a circunstância de a parte dissentir de determinadas ilações do julgador, considerando que elas não se articulam de modo perfeito com determinados pontos da matéria de facto provada, traduziria, mesmo a confirmar-se tal tese, mero erro de julgamento, e não vício lógico jurídico, susceptível de determinar a nulidade da sentença proferida.

Por outro lado, não tem qualquer viabilidade pretender discutir no presente recurso as consequências da realização pelos RR de outras obras, diversas das descritas e apreciadas -na sua potencial eficácia resolutiva - pela Relação no acórdão recorrido – pretendendo trazer-se agora à colação outras obras não autorizadas, anteriormente realizadas pelos RR., muito antes de 2004 , e que teriam determinado  alteração substancial do locado, questionando o recorrente, em última análise,  o julgamento de caducidade que as instâncias tinham, quanto ao direito de resolução nelas eventualmente fundado, emitido ( cfr. fls. 558/559) : é que, não tendo o ora recorrente apelado da sentença proferida, na parte – que lhe foi desfavorável - em que julgou procedente a excepção de caducidade daquele direito, não pode obviamente, porque se trata de matéria arrumada e precludida, ressuscitá-la, ainda que subsidiariamente, no âmbito da presente revista, cujo objecto se circunscreve ao acórdão recorrido e às questões nele efectivamente dirimidas pela Relação, face ao elenco de matérias que integravam o recurso de apelação efectivamente interposto.

O que, deste modo, está essencialmente em causa é determinar, ponderadas as concretas circunstâncias do contrato de arrendamento comercial em causa e o modo como ele vem sendo executado pelas partes ao longo do tempo, se deve qualificar-se como obra que configura alteração substancial das disposições internas das divisões do locado a construção, no local da cozinha, de um muro de separação em tijolo, até à altura do tecto, apenas ligado ao pavimento, já que nas paredes e no tecto se articula com os materiais de insonorização anteriormente colocados, criando assim duas divisões, com as áreas de 7 m2 e 2,4 m2, alterando as portas para acesso a esses compartimentos – justificando tal modificação a resolução do contrato pelo senhorio.

Na verdade, e como resulta da própria sentença proferida em 1ª instância, as restantes obras realizadas pelo locatário em Setembro de 2004 ( descritas a fls. 557/558, nomeadamente a remoção e renovação do pavimento que se encontrava envelhecido pelo uso diário, as obras de isolamento térmico e acústico e a mera colocação de painéis e placas amovíveis) não podem manifestamente qualificar-se como de alteração substancial da estrutura interna do locado.

Terá, pois, que se apurar, num juízo objectivo, se a referida alteração construtiva é passível de se qualificar como traduzindo alteração substancial da disposição interna das divisões do estabelecimento locado; e, mesmo que se entenda responder positivamente a esta primeira questão, importa verificar se, nas concretas circunstâncias do contrato, a sanção da resolução se revela adequada e proporcional à gravidade da  violação contratual cometida pelo inquilino. Ou seja, terá de decidir-se, atendendo às concretas peculiaridades e particularidades da execução da relação contratual em causa, se poderá atribuir-se à violação da obrigação do inquilino de não introduzir alterações ou modificações relevantes e não autorizadas pelo senhorio no imóvel locado potencialidade resolutiva do negócio, em termos de – num juízo casuístico objectivo e proporcional – se tornar abusiva, por violadora da boa fé contratual, a pretensão de resolver o arrendamento com base na estrita factualidade atrás descrita.

Não vem discutido o enquadramento do litígio na disciplina instituída pelo RAU, atento o momento da ocorrência dos factos que constituem causa de pedir e aquele em que se verificou a propositura da acção, tendo sido subsumida pelas instâncias a matéria litigiosa à norma constante do art. 64º,al. d) do Rau, na parte em que prevê o efeito da realização de obras não autorizadas pelo locatário que alterem substancialmente a disposição interna das divisões do locado: é, pois, neste enquadramento jurídico, não controvertido pelas partes, aplicável ao caso dos autos o sistema de enumeração taxativa dos concretos fundamentos do despejo, e não a cláusula geral de inexigibilidade, actualmente prevista no NRAU ( sobre este tema e suas consequências na apreciação dos fundamentos resolutivos, veja-se o Ac. de13/2/14 , proferido pelo STJ no P. 43/09.9TCFUN.L1.S1).


Na verdade, não se aplicando ainda ao caso dos autos a cláusula geral da inexigibilidade, instituída pelo NRAU e prevista no nº 2 do art. 1083ºdo CC, - em que é em torno do funcionamento, concretização e densificação deste conceito indeterminado que terão de ser colocadas as questões referentes à boa fé, à problemática do abuso de direito e, em última análise, à actuação de um fundamental princípio de proporcionalidade entre a intensidade concreta e o grau de censurabilidade da violação contratual cometida e a gravidade objectiva do efeito que lhe corresponde – será a propósito da eficácia resolutiva concreta de cada um dos fundamentos típicos de resolução, enumerados no art. 64º do RAU, que tais princípios base terão de ser densificados e actuados , de modo a apurar  se certa concreta violação da disciplina contratual pelo inquilino deve configurar-se como idónea para produzir, segundo um juízo objectivo e casuístico de razoabilidade e proporcionalidade, a irremediável destruição da própria relação contratual.

Sobre a interpretação do específico fundamento de despejo subjacente à situação dos autos, escreveu-se no Ac. de 9/3/09, proferido pelo STJ no P. 09A0338:

A expressão «substancialmente» referida tanto à estrutura externa como à disposição interna do prédio, deve ser entendida como «consideravelmente» (vide a este propósito in Arrendamento Urbano, Aragão Seia, pág. 288, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (RAU), Pais de Sousa, 6ª edição, pág. 207 e as referências jurisprudenciais a propósito indicadas por estes autores e Manual do Arrendamento Urbano, Pinto Furtado, págs. 662 e 663). Isto é, só alterações de monta, importantes, relevantes é que podem levar ao radical efeito de resolução do contrato de arrendamento. Não basta, assim, uma simples alteração, exige-se uma modificação profunda, fundamental, de forma que a “essência” do prédio seja atingida, “desfigurando-o” na sua estrutura externa ou na sua divisão interna (Acórdão da Relação de Lisboa de 6-12-83, C.J. VIII, 5, 134 e Acórdão deste STJ de 6-3-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf).

A nosso ver, só casuisticamente e atendendo a um critério de razoabilidade, é que se poderá discernir se as obras efectuadas podem ser reputadas, ou não, como modificadoras da estrutura externa e divisão interna do edifício, atendendo a estes conceitos teóricos.

O arrendatário tem o direito à fruição do prédio objecto do contrato, devendo o senhorio entregar-lho e assegurar-lhe esse gozo (art. 1031º do C.Civil). Todavia, só ao senhorio, como proprietário, compete o poder de transformação do prédio (vide Aragão Seia na mesma obra, pág. 288)(1). Este poder decorre do direito de propriedade de que é titular (art. 1305º do mesmo Código).

A ratio do preceito em análise (art. 64º nº 1 al. d) do RAU) deve relacionar-se com um determinado equilíbrio contratual. Ao arrendatário é concedido o direito de fruir do prédio, mas já não será justo impor-se ao senhorio, como proprietário do bem, que tenha de manter o ónus vinculístico sobre o objecto do seu direito, perante uma inobservância tão acentuada das obrigações que incumbem ao arrendatário (deveres que o art. 1038º do C.Civil referencia). É mais do que a necessidade de remover os danos causados ao prédio (sempre garantidos pelo instituto da responsabilidade civil) que justifica o sancionamento do inquilino não cumpridor. O abuso acentuado deve originar a sanção de resolução do contrato.

Por outro lado e vista agora a questão pelo lado do arrendatário, parece-nos que este poderá efectuar as obras necessárias à adequação do arrendado ao fim do arrendamento. É que, neste caso, deve ter-se como autorizadas tais obras, porque decorrem da vinculação da vontade do senhorio à finalidade concedida para o arrendamento. A este propósito convém salientar o que referem Oliveira Ascensão e Menezes Leitão (in Resolução do arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas, O Direito, 15, 434, referidos por Aragão Seia na obra indicada, pág. 289), “atendendo aos fins para os quais foi dado de arrendamento o prédio, a boa fé implica a faculdade de fazer ajustamentos convenientes, sem os quais se não alcança o objectivo que levou à celebração do contrato”. De resto, no caso de um senhorio reagir a obras necessárias efectuadas pelo arrendatário de molde a adequar o locado ao fim do arrendamento, poder-se-á colocar até a situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprio (vide mesmo autor, indicada obra, págs. 288 e 289 em nota de rodapé).


A propósito das alterações da «estrutura externa» e «disposição interna» do prédio convém fazer algumas considerações sobre o alcance dessas expressões. Assim, a «estrutura externa» do prédio como refere Rabindranath Capelo de Sousa “deve ser entendido como alteração substancial da fisionomia essencial do prédio, sem corresponder apenas à noção especializada da estrutura resistente em matéria de construção civil, por o bem jurídico protegido ser o interesse do proprietário em manter o essencial da traça do prédio; obra substancialmente alteradora da estrutura externa de um prédio é aquela que é feita com carácter permanente, mesmo que possua características de reparabilidade” (in Parecer publicado na C.J. XII, 1987, Tomo 5º, 16 - Acção de Despejo, Obras não autorizadas e deteriorações consideráveis -). Quer dizer, a estrutura externa de um prédio deve ser entendida como a expressão ou a essência fundamental do edifício, ou como referem Pires de Lima e Antunes Varela a sua ossatura externa – as paredes-mestras ou as vigas de sustentação (in Código Civil Anotado, 4ª edição, Volume II, pág. 602). Por sua vez a «disposição interna» do prédio tem a ver com o modo com as divisões internas do edifício se ligam entre si. “A alteração da disposição interna das divisões é sinónimo da planificação interna desse tipo de prédio ou de modo de distribuição interna desses tipos de prédios” (Aragão Seia, obra citada, pág. 290), ou como dizem Pires de Lima e Antunes Varela o simples traçado interno das divisões do prédio (in mesma obra, pág. 602). As obras que alteram substancialmente a disposição interna de uma casa são aquelas que implicam uma modificação profunda e fundamental da sua fisionomia interna de forma a ela fique desfigurada e descaracterizada (vide os acórdãos indicados por Pais de Sousa em Anotações ao RAU, 6ª edição, 207, por Pais de Sousa e Cardona Ferreira Arrendamento Urbano, Notas Práticas, 95/96 e Aragão Seia obra citada, 290). Fazendo uma súmula do que dissemos sublinharemos o que sobre o assunto se refere, de modo adequado, no acórdão da Relação de Lisboa de 18-11-1982 (C.J. VII, 5, 103) “alteram substancialmente a estrutura externa e a disposição interna de um prédio as obras efectuadas pelo arrendatário que colidam com a planificação a que o mesmo obedeceu. E isto não só quando são destruídas todas as divisórias dos vários compartimentos, como também quando essa destruição for parcial, quer diminuindo quer aumentando o número de compartimentos. Para esse efeito, releva não a possibilidade de reparabilidade das obras, mas sim a circunstância de terem sido feitas com carácter definitivo”. No que toca à alteração das divisões internas de um prédio através de divisórias amovíveis, refere Pinto Furtado “que não é substancial a alteração que aumente o número de divisões como emprego das conhecidas paredes móveis que se retiram facilmente, sem danificar a substância do prédio e que permitem que o arrendatário o entregue ao senhorio, no termo do contrato, no mesmo estado em que o recebeu” (obra citada, pág. 664).

No mesmo sentido, considerou-se no Ac. de 07-06-2011, proferido pelo STJ no P. 906/2001.C1.S2:

A propósito das alterações da «disposição interna» do prédio convém fazer algumas considerações sobre o alcance desta expressão.

A «disposição interna» do prédio tem a ver com o modo com as divisões internas do edifício se ligam entre si. “A alteração da disposição interna das divisões é sinónimo da planificação interna desse tipo de prédio ou de modo de distribuição interna desses tipos de prédios” (Aragão Seia, obra citada, pág. 290), ou como dizem Pires de Lima e Antunes Varela o simples traçado interno das divisões do prédio (in mesma obra, pág. 602).

As obras que alteram substancialmente a disposição interna de uma casa são aquelas que implicam uma modificação profunda e fundamental da sua fisionomia interna de forma a que ela fique desfigurada e descaracterizada (vide os acórdãos indicados por Pais de Sousa em Anotações ao RAU, 6ª edição, 207, por Pais de Sousa e Cardona Ferreira Arrendamento Urbano, Notas Práticas, 95/96 e Aragão Seia obra citada, 290).


Fazendo uma súmula do que dissemos sublinharemos o que sobre o assunto se refere, de modo adequado, no acórdão da Relação de Lisboa de 18-11-1982 (C.J. VII, 5, 103) “alteram substancialmente a estrutura externa e a disposição interna de um prédio as obras efectuadas pelo arrendatário que colidam com a planificação a que o mesmo obedeceu. E isto não só quando são destruídas todas as divisórias dos vários compartimentos, como também quando essa destruição for parcial, quer diminuindo quer aumentando o número de compartimentos. Para esse efeito, releva não a possibilidade de reparabilidade das obras, mas sim a circunstância de terem sido feitas com carácter definitivo”.


7. Transpondo estas considerações gerais para a concreta situação dos autos, é, desde logo, duvidoso que a obra em causa, atrás referida, se possa configurar só por si, atento o seu relevo limitado, como traduzindo uma alteração substancial ou considerável, por implicar desfiguração da estrutura e planificação interna do estabelecimento locado; trata-se, na verdade, no essencial, da construção de uma parede que dividiu o compartimento destinado a cozinha, dotada de alguma precariedade, já que só parcialmente assenta na estrutura resistente do prédio ( as partes laterais e superiores da parede edificada em tijolo estão suportadas no revestimento com painéis isolantes implantado no local): ou seja, embora se não trate de implantação de um mero painel divisório amovível, não parece que, pelo seu relevo diminuto na globalidade e estrutura do estabelecimento, esta obra edificativa se possa , só por si, erigir em fonte de alteração considerável da estrutura interna do imóvel locado.

De qualquer modo, mesmo que, de um ponto de vista estritamente arquitectónico se propendesse a atribuir um mais amplo relevo à realização da obra em causa, na óptica da criação no estabelecimento em causa de mais um compartimento, formado por divisão dos originariamente existentes, é manifesto que, se se tiverem na devida conta as circunstâncias concretas em que se vem prolongadamente desenvolvendo a relação contratual, seria perfeitamente desproporcionado à gravidade da violação contratual cometida o decretamento da extinção do arrendamento – traduzindo, nessas circunstâncias, tal extinção por iniciativa do senhorio manifesta violação das exigências da boa fé contratual.

A primeira circunstância a ponderar - e a que se atribui particular relevo - é a longa duração temporal da relação contratual em litígio, já que, conforme resulta da factualidade provada, estamos confrontados com contrato de arrendamento comercial que dura desde 1987 : na verdade, esta longa duração da relação de arrendamento – e a estabilidade que lhe vai associada, bem como a confiança das partes na sua provável subsistência - não pode naturalmente deixar de ser tida em consideração quando se realiza uma ponderação entre a censurabilidade dos factos culposos eventualmente cometidos pelo inquilino com as inovações que introduziu no imóvel à revelia do consentimento do proprietário/senhorio e a sua relevância resolutiva – impondo-se, por via do princípio da proporcionalidade, concluir que só comportamentos de particular gravidade justificam o termo de uma relação contratual que subsiste ininterrupta e estavelmente entre as partes há muitos anos.


Esta prolongada duração da relação contratual implica, aliás, que tenha de interpretar-se em termos razoáveis a expectativa do senhorio em reaver o locado no preciso estado em que o entregou ao inquilino, muitos anos antes de operar a pretendida resolução e findar a relação contratual duradouramente vigente: este interesse ou expectativa - que pode revelar-se razoável e proporcional em arrendamentos, reportados a imóveis entregues em perfeito estado conservação e que vigoraram por períodos temporais limitados – perde claramente consistência quando se trata de reaver prédio arrendado há muitos anos, em estado de deficiente conservação e no qual o senhorio não realizou, durante esse período, qualquer obra; é que, de duas uma: ou o inquilino também se absteve de efectuar, por sua conta, qualquer obra de fundo no locado – e, nesse caso, este estará, pela natureza das coisas, inevitavelmente degradado pelo uso e natural obsolescência, já nada tendo plausivelmente a ver com o estado originário da construção; ou tal degradação acabou por ser evitada por obras de conservação extraordinária - ou até mesmo de inovatória transformação - da iniciativa do locatário, confrontado com a inércia ou indisponibilidade do senhorio para, perante o exíguo valor pecuniário da renda, assumir a efectiva manutenção e adequação do imóvel ao fim contratual – obstando-se à inevitável degradação interior e exterior, com o custo de se produzir alguma alteração na fisionomia interna ou externa do imóvel…

Tem ainda particular relevância e acuidade na avaliação da possível eficácia resolutiva do facto em apreciação a circunstância de o fim do arrendamento ser o exercício de actividade comercial, no ramo de comidas e bebidas: na realidade, nesta peculiar situação a ausência de obras no locado durante vários anos – porque o senhorio as não fez e o locatário cumpriu escrupulosamente o dever de manter a coisa no preciso estado em que a recebeu – acabaria seguramente por inviabilizar, em termos práticos, o fim do contrato, obstando a obsolescência e degradação das instalações ao exercício administrativa e economicamente viável de actividade naquele ramo, perante as crescentes exigências de adequação e salubridade das instalações, cujo incumprimento inviabilizaria o próprio fim do contrato: ou seja, nestes casos não pode sancionar-se a realização de obras pelo locatário do estabelecimento, ainda que não expressamente autorizadas, na medida em que estas se revelem imprescindíveis ao prosseguimento da actividade económica no locado, visando cumprir disposições legais ou regulamentares ou exigências formuladas pelas autoridades administrativas competentes para a fiscalização (cfr. Ac. de 8/4/10, proferido pelo STJ no P. 667/05.3TBCBT.G1.S1).

É certo que, no caso dos autos, não ficou demonstrada a razão de ser da construção da parede divisória em questão, nomeadamente qual a concreta funcionalidade emergente da divisão física da cozinha em dois compartimentos fisicamente separados.

Não pode, porém, olvidar-se que tal obra aparece inserida no desenvolvimento de uma prática habitual que levou à realização pelo locatário, ao longo de vários anos, de obras que tiveram como objectivo dotar o estabelecimento de condições mínimas para o exercício da actividade empresarial prevista no contrato ( construção e renovação de casas de banho, realização de obras de isolamento acústico, aliás reivindicadas pelo próprio senhorio, no seu interesse, substituição do pavimento original degradado - pontos 18, 19, 20, 21, 22, 32 da matéria de facto).

Por outro lado, cumpre realçar que outras obras, aliás de bem maior relevo do que as que constituem objecto da presente acção, foram há muito realizadas, sem que o senhorio, bem as conhecendo, a elas tivesse oportunamente reagido: é o caso paradigmático da destruição de duas paredes interiores, transformando o estabelecimento numa só sala – conhecidas pelo senhorio desde 1997, sem qualquer reacção da sua parte, com elas tacitamente se conformando, o que ditou, aliás, a procedência na 1ª instância da excepção de caducidade quanto ao seu possível efeito resolutivo.

Verifica-se, deste modo, que a edificação da parede divisória agora fundamentalmente em litígio se insere numa prolongada prática das partes na execução do contrato, segundo a qual estavam inteiramente por conta do inquilino as obras de manutenção, modernização e adequação do locado ao tipo de actividade nele exercida, como condição de viabilidade desta, radicando ainda parte delas ( no que se refere à insonorização) em exigências provenientes do próprio senhorio. Por outro lado, tal prática contratual reiterada levou a que o senhorio, apesar de bem conhecer alguns excessos do locatário, traduzidos na feitura de obras de muito maior relevo construtivo do que a que está agora em litígio (demolições que permitiram transformar o estabelecimento numa só sala)  se conformou, ao menos tacitamente,  com a respectiva realização, não reagindo tempestivamente ao incumprimento contratual que as mesmas, porventura, envolviam.

Ora, neste quadro concreto, não parece, face ao princípio da proporcionalidade e às exigências da boa fé, que qualquer possível excesso do locatário que – no âmbito da renovação de determinados equipamentos, essenciais à realização do fim do contrato, num caso em que o senhorio não tomou qualquer iniciativa quanto à realização das obras indispensáveis, face à natural obsolescência do locado, e se conformou tacitamente com a realização de obras inovatórias, de muito maior relevo do que as presentemente em discussão – acabou por introduzir alguma inovação , não especificamente justificada por exigências regulamentares ou administrativas, mas de escasso relevo na definição da essencial fisionomia interior do prédio, possa justificadamente legitimar, se devidamente ponderadas as concretas circunstâncias do caso e a confiança do inquilino na subsistência do contrato, a resolução da relação contratual iniciada em 1987 .

Não ocorreu, pois, violação de qualquer disposição legal ou norma constitucional, o que determina a improcedência da revista.


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, considerando-se tempestivamente interposta a revista, nega-se-lhe provimento.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 20 de novembro de 2014


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor