Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2743/15.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
TRANSMISSÃO DO CONTRATO
PESSOA COLETIVA DE DIREITO PÚBLICO
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / TRANSMISSÃO DE EMPRESA OU ESTABELECIMENTO.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Questões Laborais, Almedina, n.º 53, p. 35 e 36;
- João Reis, O regime da transmissão da empresa no Código do Trabalho, 20 anos do Código das Sociedades Comerciais: Homenagem aos Professores Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, e Transmissão de Estabelecimento, Centro de Estudos Judiciários, Coleção de Formação inicial, Jurisdição do Trabalho e Empresa, setembro de 5014, p. 169 e ss.;
- José de Campos Amorim, Contributos para uma reflexão em torno do conceito de Estado de Direito, Revista de Estudos Interculturais do CEI, ISCAP, n.º 5, maio de 2017;
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Novos Estudos de Direito do Trabalho, Wolters Kluver/Coimbra Editora, 2010, p. 89 e ss.;
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, anotado, 2013, 1.ª edição, Almedina, p. 62;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, O Tratado de Lisboa, Jornadas Organizadas pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, O Tratado de Lisboa e o Modelo da União Europeia, algumas notas, Almedina, 2012, p. 61 e 62.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT/2009): - ARTIGO 285.º.
Referências Internacionais:
DIRETIVA 2001/23/CE, DO CONSELHO DE 12 DE MARÇO DE 2001: - ARTIGO 1.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-09-2017, PROCESSO N.º 1335/13.8TTCBR.C1.S1.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):


- DE 06-09-2011, IVANA SCATTOLON, PROCESSO C-108/10;
- DE 20-11-2015, ADIF, PROCESSO C-509/14;
- DE 23-04-2018, PROCESSO C-317/18.
Sumário :
I) A reversão da concessão de exploração de uma cantina universitária enquadra-se no conceito amplo de transmissão de empresa ou estabelecimento, conforme estipulado no artigo 285º, do CT/2009 e no artigo 1º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho de 12 de março de 2001.

II) Sendo a concedente uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, tal circunstância, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pela referida Diretiva, pelo que é aplicável o dispostol no seu artigo 1º, n.º 1, alínea c), por a atividade por ela exercida ser uma atividade económica que não se enquadra no exercício das prerrogativas do poder público.

III) Transmite-se, assim, para a concedente, apesar de ser uma pessoa coletiva de direito público, a posição que o concessionário tinha nos contratos individuais de trabalho, dos trabalhadores que exerciam a sua atividade nessa Cantina.
Decisão Texto Integral:



Processo n.º 2743/15.5T8LSB.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça[2]

I
             A. Relatório:

             AA (1.º Autor), e mais 16 Autores, instauraram a presente ação declarativa, emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, em 28.01.2015, contra “BB” (1.ª Ré) e “CC, S. A.” (2.ª Ré), pedindo o seguinte:
1. Ser a 2.ª Ré ou a 1.ª Ré condenada, de acordo com a opção de V.ª Exa [sic], a pagar ao 1.º Autor € 2.680,72 (…), acrescida das quantias que se vencerem até final,
Em alternativa
- A reintegrar ao seu serviço ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade que lhe for devida tudo a liquidar em execução de sentença.

2. Ser ainda a 2.ª Ré condenada a pagar a cada um dos AA. as seguintes quantias:
a) 1.º Autor € 32.617,24;
(…).
               Quantia esta acrescida daquelas que se vencerem a título de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
****
             Para o efeito, alegaram, na petição inicial, que trabalhavam ao serviço da 2.ª Ré no estabelecimento denominado “...”, cuja titularidade cabe à 1.ª Ré, e que no fim do ano findo de 2014, por decisão da 1.ª Ré, comunicaram-lhes o encerramento da referida cantina.
               Apresentando-se ao serviço no dia 5 de janeiro de 2015, as instalações estavam fechadas e foram impossibilitados de entrar, sendo que no dia 09 de janeiro de 2015 receberam correspondência da 2.ª Ré e da 1.ª Ré, aquela dizendo que cessara a exploração e a concessão em 31 de dezembro de 2014 e que deixariam os Autores, até aí seus trabalhadores, de para ela trabalhar, e esta dizendo que não receberia os trabalhadores.
Mais alegaram que houve transmissão dos seus contratos de trabalho para a 1.ª Ré ou, não a havendo, que se mantinham como trabalhadores da 2.ª Ré, e que eram detentores de vários créditos laborais sobre a 2.ª Ré resultantes do tempo de trabalho em que estiveram ao seu serviço.
****
               Citadas as Rés, realizou-se a audiência de partes, mas não foi conseguida a sua conciliação.
                Notificadas as Rés contestaram:               

                - A 1.ª Ré dizendo que os Autores foram contratados pela 2.ª Ré, estando sobre a autoridade e direção desta, que a intervenção da 1.ª Ré consiste tão-somente no facto de ter celebrado com a 2.ª Ré um contrato de concessão, o qual visou o fornecimento de refeições convencionadas e prestação de serviços associados no seu refeitório localizado no “...”.
               Alegou, também, que este contrato não abrange a exploração do estabelecimento comercial, que o mesmo caducou no dia 31 de Dezembro de 2014, deixando a 2.ª Ré, naquela data, de fornecer as refeições e prestar os serviços associados, e que o motivo pelo qual foi encerrada a cantina a 31 de Dezembro de 2014, uma vez que o concurso público para a concessão daquela para o ano de 2015 foi encerrado por inexistência de propostas, passando a ser diretamente gerida pela 1.ª Ré, com a afetação de funcionários do seu mapa pessoal, e que a 1.ª Ré tem regras especiais e muito restritivas relativamente à contratação de trabalhadores.

               - A 2.ª Ré alegando que, em virtude de apresentar de momento uma situação económica débil, com dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, iniciou no dia 04 de abril de 2014, um Processo Especial de Revitalização, e que verificando-se reclamados os créditos dos Autores no âmbito do PER, que foi homologado, não se justifica que os Autores recorram a outra ação onde pretendem obter o mesmo fim.
               Alegou, ainda, que os Autores trabalhavam ao seu serviço no estabelecimento denominado “...”, cuja titularidade cabe à 1.ª Ré, e que o contrato de exploração e concessão entre a 2.ª Ré e a 1.ª Ré cessou no passado dia 31 de dezembro, operando-‑se deste modo a transmissão do estabelecimento para a 1.ª Ré, o que comunicou aos Autores, e que também se transmitiu o vínculo laboral destes para a 1 ª Ré.
****
               Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré e se julgou procedente a exceção dilatória inominada deduzida pela 2.ª Ré consistente no impedimento dos Autores, por força do PER instaurado relativamente à 2.ª Ré e nos termos da 1.ª parte do disposto no artigo 17º-E, n.º 1, do CIRE, virem a juízo peticionar contra a 2.ª Ré, na presente ação, os créditos laborais alegados nos artigos 46º a 86º da petição inicial e que se venceram antes do mês de Abril de 2014 e mais se decidiu declarar a extinção parcial da instância quanto aos seguintes créditos peticionados por cada um dos Autores:
1). Quanto ao 1.º Autor – extinção quanto aos prémios de desempenho mensal desde janeiro de 2013 a março de 2014 (artigos 46º e 47º da petição);
(…).

                Foi dispensada a seleção da matéria de facto.

               Tendo sido realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto proferiu--se sentença, em 19 de novembro de 2015, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, se decidiu:
 
1. Declarar ilícito o despedimento dos Autores promovido pela 2.ª Ré;
2. Condenar a 2.ª Ré a pagar ao 1.º Autor uma indemnização em substituição da reintegração, à razão do valor de € 1.058,01 (mil e cinquenta e oito euros e um cêntimo), por cada ano de antiguidade ou fração, contada desde 01/01/1995 até à data do trânsito em julgado da presente sentença, ou do acórdão que eventualmente e em definitivo confirmar a ilicitude do despedimento, a qual na presente data (19/11/2015) atinge o valor de € 22.094,06 (vinte e dois mil e noventa e quatro euros e seis cêntimos);
(…).
3. Condenar a 2.ª Ré a pagar ao 1.º Autor as retribuições [incluindo os montantes do ordenado base (€ 755,72), do prémio (€ 1.925,00) e também os respetivos subsídios de férias e de Natal] vencidas desde 14/01/2015 até à data do trânsito em julgado da presente sentença ou, sendo a mesma objeto de recurso, do acórdão que venha a confirmar a ilicitude do seu despedimento, deduzindo-se do valor global das mesmas todas as importâncias que o 1º Autor tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e o montante do subsídio de desemprego que tenha auferido;
(…).
4. Condenar a 2.ª Ré a pagar ao 1.º Autor a quantia total de € 11.400,00 (onze mil quatrocentos euros), relativa a créditos laborais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data do respetivo vencimento até ao integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada;
(…).
5. Absolver a 2.ª Ré do demais, contra ela, peticionado pelos Autores;
6. E absolver a 1.ª Ré do pedido contra si formulado pelos Autores.

                Como seus fundamentos consta:
i. “Através dos contratos celebrados entre a 1ª Ré “BB” e a 2ª Ré “ CC, S. A.”, não ocorreu a transferência de uma unidade económica que manteve a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meio organizados com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, no caso acessória;
ii. Os contratos celebrados entre ambas as Rés (com início: o primeiro em 01.01.2013 e o segundo em 01.01.2014) não configuram uma transmissão de estabelecimento, nos termos e para os efeitos do artigo 285º do CT de 2009;
iii. Não tendo ocorrido qualquer transmissão do estabelecimento “...”, nem tendo ocorrido qualquer reversão dessa transmissão, conclui-se, em termos definitivos, que não ocorreu qualquer transmissão da posição e empregador nos contratos de trabalho dos Autores, e, por via disso, mais se conclui que a posição de empregador nesses contratos era, e é ocupado, pela 2ª Ré e não pela 1ª Ré;
iv. Conclui-se que a 2ª Ré promoveu, de forma verbal, o despedimento dos Autores, na data de 01.01.2015 e que, por força do disposto nos artigos 353º, 354º e 381º/c), do CT 2009, tal despedimento é ilícito.
v. Consequentemente, mais se conclui que os Autores foram ilicitamente despedidos pela 2ª Ré”.
****
                Inconformados com a sentença, os autores e a 2.ª ré, “CC, S. A.” interpuseram recursos de apelação.

               Por acórdão de 25 de janeiro de 2017, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, [que não conheceu da impugnação, efetuada pela 2.ª Ré, da decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto e que julgou improcedente a impugnação feita pelos Autores] que concedeu provimento aos recursos interpostos pela 2.ª ré, “CC, S. A.”, e pelos autores e, em consequência, [alterou] a sentença recorrida no que concerne à sua condenação a pagar-lhes as indemnizações e retribuições intercalares decorrentes dos seus despedimentos ali discriminadas e, em conformidade, condenar a 1.ª Ré, “BB”.
III
                Não conformada com esta decisão, ficou agora a 1ª Ré “- BB”, que interpôs recurso de revista.

               Termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

a. “Os AA., aqui recorridos, intentaram uma ação de processo comum tendo invocado que eram detentores de um contrato de trabalho entre cada um dos Autores, como trabalhadores, e a 2ª Ré – “CC” -, como empregadora, relações jurídicas cuja antiguidade se reporta a datas diversas;
b. Os Autores trabalhavam ao serviço da 2ª Ré;
c. E exerciam a sua atividade sobre ordem e direção da 2ª Ré “CC” no estabelecimento denominado “...”, cuja titularidade cabe à 1ª Ré;
d. A 1ª Ré, aqui recorrente, é uma pessoa coletiva de direito público dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa e cuja missão é a execução da política de ação social escolar, entre outras, na promoção do acesso à alimentação em cantinas e bares, tudo nos termos dos seus Estatutos;
e. A 2ª Ré, aqui recorrida, tem como objeto social a exploração e gestão de serviços de hotelaria e turismo, nomeadamente restaurantes, cafetarias, refeitórios, cantinas, hotéis e atividades similares, bem como o comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares e não alimentares e a respetiva prestação de serviços de embalamento, armazenagem e distribuição;
f. Está em causa nos autos um pedido de indemnização e a reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos na esfera jurídica da ora recorrente, uma vez que alegadamente ocorreu uma transmissão da exploração do estabelecimento, tendo a posição de empregador no contrato de trabalho dos Autores sido transmitida para a 1ª Ré, aqui recorrente, o que se contesta para todos os legais efeitos;
g. Por douta decisão da 1ª instância a ora recorrente foi absolvida do pedido e a 2ª Ré “CC” foi condenada a pagar uma indemnização e a reintegrar os trabalhadores aqui AA.;
h. O Dgmo. Tribunal da Relação de Lisboa, de modo surpreendente e ilegal, determina ter existido uma transmissão do estabelecimento assim condenando a 1ª Ré na indemnização requerida pelos AA. e na respetiva reintegração dos trabalhadores;
i. O douto Acórdão recorrido deve ser revogado pois o mesmo não fez uma correta aplicação do regime legal aplicável ao caso dos autos;
j. De acordo com as suas atribuições dos “BB”, destaca-se, designadamente a promoção e o acesso de alunos carenciados a alimentação em cantinas e bares concretizados através da aplicação de critérios de discriminação positiva que visem a compensação social e educativa dos alunos economicamente mais carenciado - artigo 30.º, n.º 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/86, de 14 de outubro;
k. Por definição, serviços de ação social escolar são o conjunto diversificado de ações, em que avultam a comparticipação em refeições, serviços de cantina, transportes, alojamento, manuais e material escolar, e pela concessão de bolsas de estudo - artigo 30.º, n.º 2, da Lei de Bases do Sistema Educativo;
l. A ação social garante que nenhum estudante seja excluído do subsistema do ensino superior por incapacidade financeira;
m. No âmbito do sistema de ação social escolar, o Estado e em particular as Instituições de ensino superior públicas, inseridas no escopo da administração autónoma do Estado, concedem apoios diretos e indiretos geridos de forma flexível e descentralizada;
n. Em particular o apoio social indireto e prestado através do acesso à alimenta9ção e ao alojamento, tudo sem prejuízo de deverem ser considerados apoios específicos a conceder a estudantes portadores de deficiência e ainda a estudantes deslocados de e para as Regiões Autónomas;
o. De acordo com a prova produzida em sede dos presentes autos o contrato de concessão outorgado entre a ora recorrente e a “CC” visava a salvaguarda absoluta da missão e atribuição dos “SAS” quanto à outorga aos estudantes universitários de apoios sociais, através dos quais eram servidas milhares de refeições por dia a alunos carenciados;
p. Também é óbvio que os “SAS” não retiram qualquer lucro nem exploram comercialmente qualquer atividade comercial de restauração ou similar como o fazia a 2ª Ré “CC”;
q. Nem tão pouco, como se perscruta da citada legislação, exerce a ora recorrida qualquer atividade económica;
r. Para realização da respetiva missão e atribuições no que tange ao fornecimento de apoios indiretos, a recorrente, pelo menos até 2016, enquanto entidade pública adjudicante era por Lei, obrigatoriamente entidade vinculada dos acordos/quadro e por consequência encontrava-se obrigada a recorrer/concorrer para todo o tipo de compras/ prestação de serviços que fossem colocadas na plataforma eletrónica que esta entidade utiliza aos acordos celebrados/existentes na “ESPAP” (ex “ANCP”);
s. De acordo com o n.º 2, do artigo 3°, do citado DL n.º 37/2007, integravam o “SNCP”, na qualidade de entidades compradoras vinculadas, os serviços da administração direta do Estado e os institutos públicos, qualidade esta na qual se incluía as “BB” - (instituto público de regime especial, nos termos do disposto no artigo 48°, n.º 1, al. a), da Lei n.º 3/2004 de 15 de janeiro);
t. Deste modo, a contratação centralizada de bens e serviços, nos termos do n.º 1, do artigo 5º, era obrigatória para as entidades compradoras vinculadas, sendo-lhes proibida a adoção de procedimentos tendentes a contratação direta de obras, de bens móveis e de serviços abrangidos pelas categorias definidas nos termos do n.º 3;
u. Seriam, pois, nulos os contratos relativos a obras, bens móveis e serviços celebrados em violação do disposto no n.º 4, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, civil e financeira que ao caso couber, nos termos gerais de direito;
v. Não existia solução alternativa lícita à ora recorrente, no que tange à aquisição de refeições confecionadas;
w. Dificilmente se compreende, pois, como, obedecendo a recorrente à lei em vigor e tendo que contratar a “CC” para fornecimento de refeições confecionadas, terminado o contrato celebrado e ficando esta insolvente, a recorrente tenha que integrar os trabalhadores desta empresa (!);
x. Dúvidas não restam, pois, quanto à essencialidade da missão da “BB”, através do respetivo apoio à alimentação, a qual é absolutamente acessória e essencial ao próprio funcionamento da Universidade e ao apoio dos alunos carenciados, cuja falta perturba o desenvolvimento escolar e o seu próprio sustento condigno;
y. E bem assim, dúvidas não restam também que qualquer privação dos estudantes à alimentação põe em causa a missão e atribuições legalmente consagradas dos “BB”, à Universidade e ao Estado Português;
z. É pelo exposto, pois, notório que não só não existe, por banda dos “BB” o exercício de qualquer atividade económica, como não existe qualquer transmissão de estabelecimento;
aa. Tanto mais que a ora recorrente não se dedica à prática de atos de comércio, NEM EXERCE QUALQUER ATIVIDADE ECONÓMICA;
bb. As atribuições legais e estatutárias dos “BB” aqui recorrente não integram a atividade de exploração comercial e lucrativa de cantinas e de refeitórios, inserindo-se no campo da ação social escolar no quadro do ensino superior público;
cc. Não se verifica, pois, qualquer identidade entre o objeto social da “CC” e as atribuições da ora recorrente que não concorrem entre si;
dd. Por seu lado, refere o n.º 4, do art.º 285, do CT 2009 que: "unidade económica é o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória";
ee. Ora, resulta da prova produzida (factos 43 e seguintes) que entre a ora recorrente e a “CC” foi outorgado um mero contrato visando o mero fornecimento de refeições escolares, no refeitório da cantina do “IST” da ...;
ff. Como se pode constatar da prova produzida, a “CC” nunca exerceu a gestão do espaço de cantinas, mas meramente fornecia as refeições que nessa cantina eram servidas, sob gestão e direção da recorrente;
gg. Da prova produzida, não é possível extrair que a mesma “CC”, tivesse o domínio ou exercesse qualquer função de gestão ou gerência do espaço da cantina em causa, que nunca exerceu;
hh. É, pois, óbvio, de acordo com a prova produzida, que a “CC” não possuía qualquer estabelecimento comercial ou geria na cantina qualquer atividade suscetível de ser transmitida;
ii. Desta forma parece óbvio que não existiu qualquer transmissão de bens corpóreos ou incorpóreos, nem uma transmissão de pessoal nem uma transmissão de clientela, (no caso inexistente por se tratar de apoio de alunos universitários e não na exploração económica);
jj. O contrato de fornecimento de refeições celebrado entre a Recorrente e a “CC” era exercido em instalações próprias geridas em exclusivo e isoladamente pela recorrente;
kk. Deste modo, tendo caducado o contrato de concessão celebrado entre a recorrente e a “CC” no dia 31 de Dezembro de 2014, não tendo ocorrido com aquele contrato, qualquer transmissão de estabelecimento comercial - pois aquele baseava-se apenas no fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados em instalações próprias geridas pela recorrente - não tendo sido adjudicada a concessão daquela cantina para 2015, não poderá existir a aplicação do artigo 285.º, do Código do Trabalho;
ll. De acordo com o art.º 2.º do contrato assinado entre ambas as partes as refeições eram servidas pela “CC” nos dias e horários que a ora recorrente determinava;
mm. O controlo de acesso à cantina, a venda e controlo de senhas era realizado pela ora recorrente;
nn.  A “CC” tinha de comunicar à recorrente o número de refeições fornecidas e as ementas tinham que ser remetidas por aquela a esta;
oo. Os utilizadores da cantina são na sua larga maioria os alunos universitários;
pp. Deste modo é perfeitamente claro que a verdade e os factos demonstrados em sede dos presentes autos, são insuficientes para poder caraterizar uma transferência total e absoluta da administração da cantina em causa ou de qualquer atividade económica, que aliás diga-se, inexistente;
qq. Deste modo os factos provados não permitem concluir que ocorreu a transferência ou reversão de uma entidade economicamente organizada, para a ora recorrente, razão pela qual os pedidos formulados deveriam ter improcedido e a douta decisão “ad quo” deve ser alterada;
rr. Nos presentes autos, sendo legalmente inoperante qualquer transmissão dos trabalhadores da “CC” para a ora recorrente verifica-se na realidade o respetivo despedimento ilícito, que se operou pela recusa da “CC” em assumir as suas responsabilidades enquanto respetiva entidade patronal;
ss. Face ao exposto a ora recorrente deve ser absolvida de todos os pedidos e a 2ª Ré condenada no pagamento das quantias peticionadas pelos AA., em virtude do despedimento ilícito que a “CC” motivou;
tt. Acresce que a decisão recorrida ao determinar a conversão do contrato de trabalho de direito público em contrato de trabalho em funções públicas, assim configurados por virtude da reintegração a que a ora recorrente foi condenada, é inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 47.º, n.º 2, sendo ainda ilegal por violação da Lei 35/ 2014 (LGTFP);
uu. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, determina a impossibilidade de a reintegração de trabalhadores no âmbito da Administração Pública, atenta a necessidade de concurso para o respetivo acesso, que é norma basilar para o ingresso na "Função Pública";
vv. O douto acórdão impugnado, assim não determinando é ilegal por violação da Constituição e deverá ser integralmente revogado;
ww. Sendo ilegal, a decisão final deve absolver a recorrente do pedido.
Igualmente sem conceder,
xx. De acordo com os documentos de fls. 774 a 781, 849 a 1047, e 1054 a 1348 dos autos, resulta que: a 2ª Ré (“CC, SA”) instaurou um processo especial de revitalização que correu termos com o número de processo 435/14.1TYLSB do Juiz 3, da 1ª secção, de comércio da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa;
yy. No sobredito processo judicial em 03/11/2014, foi proferido o despacho de homologação do plano de revitalização da 2ª Ré, o qual transitou em 02/12/2014;
zz. Não obstante, a decisão da 1ª instância, aquando da prolação do douto despacho saneador ter verificado a "(…) exceção dilatória inominada consistente em que, por força do PER instaurado relativamente à 2ª Ré e nos termos da 1ª parte do disposto no art.º 17°-E/1 do C.I.R.E. («A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta a instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor (...)»), os Autores estão impedidos de peticionar contra a 2ª Ré, na presente ação os créditos laborais alegados nos artigos 46° a 86° da petição inicial e que se venceram antes do mês de abril de 2014, devendo a instância ser declarada extinta nesta parte, mas prosseguindo a mesma quanto aos créditos laborais ai reclamados mas que se venceram desde abril de 2014 inclusive";
aaa. Sucede que todos os demais créditos e não só aqueles que se venceram desde abril de 2014, devem ser declarados extintos e a instância, no seu todo, declarada extinta;
bbb.Afigurando-se-nos, pois, que os presentes autos deverão ser declarados extintos por inutilidade superveniente da lide, atento o normativo inserto no n.º 1, do artigo 17º-E, do CIRE e na alínea e) do art.º 277.º do CPC, assim se negando provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, o Acórdão impugnado, o que deve determinar a absolvição da ora recorrente [SIC).

a) Existe ainda relevância jurídica e social da questão em debate, já que a recorrida tem o dever de defesa do interesse público e a decisão recorrida demonstra natureza desproporcionada e irrazoável, nomeadamente porque obriga, na prática a suportar ilegalmente uma indemnização e a integrar trabalhadores de uma entidade privada;
b) É inegável e constitui um facto notório, que o Estado Português, no qual se inclui esta Universidade Pública, atravessa um período de sérias dificuldades financeiras e de exigências de sacrifícios aos cidadãos que impõe ao Estado um controlo da dívida pública sério e eficaz, exigindo medidas politicas que revertam este quadro financeiro, pelo que, também é inegável que subjacente a estas medidas se encontra a necessidade de sustentabilidade orçamental;
c) Sendo que a decisão recorrida ao condenar a recorrente, obriga-a a suportar custos financeiros incomportáveis e injustificáveis para o Estado Português, sendo inequitativa, tanto mais que obriga a recorrente a reintegrar e a indemnizar trabalhadores que exerciam a sua atividade sobre e direção da 2ª Ré “CC”;
d) Sendo ilegal, o acórdão recorrido deve ser revogado e a decisão final absolver a R do pedido.”

               Terminadas as conclusões pede que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja revogado o acórdão recorrido, pelas ilegalidades de que padece, e que seja substituído por outro conforme à lei.
*****
                O Autor contra-alegou, dizendo que:

· “Não pode a recorrida defender-se no limite com o seu particular estatuto (público) jurídico, muito menos com as limitações que sobre ela recaíam quanto à contratação de trabalhadores.
· É que aquele originariamente não a impede, à partida, ter trabalhadores neste âmbito (…), pelos casos em que pratica a administração direta por si própria e, pelo facto, de, em alguns casos conhecidos, ter ela própria passado “ab initio” a explorar o local, vindo, neste caso concreto, ela própria a concessionar a exploração do local a um terceiro privado.
· Daí que não exista nenhuma oposição ou limitação a que assuma tal posição empregadora, pois mesmo as que existam chocarão com os direitos decorrentes para os trabalhadores afetados com as operações que a recorrida desenvolva, bastando, para tal não suceder, no limite, não assumir a exploração direta ou não criando situações de vazio, ainda que intercalar ou limitado no tempo, nas explorações, sendo certo que, em bom rigor, qualquer que seja o quadro legal de referência, existirá, para ela, sempre, obrigação de indemnizar ou de proceder à reconstituição da situação, até porque uma integração imposta por um Tribunal não é, em bom rigor, uma contratação livre e unilateralmente decidida.
· Para esta orientação aponta o Acórdão do STJ DE 24/05/95 e o Acórdão do mesmo Venerando Tribunal de 26/03/2008, citados na douta decisão recorrida em primeira instância, bem como da jurisprudência citada no texto do ilustre Professor e agora Conselheiro Dr. Júlio Gomes, já referenciado, bem como, com as adaptações inerentes às situações concretas neles avaliadas, o exposto e as obras e jurisprudência citadas nos artigos publicados na Revista Questões Laborais n° 42 - Reflexões em torno das cláusulas contratuais de reenvio dinâmicas no contexto da transmissão económica a propósito do Acórdão do TJUE Mark Alemo-Herron e outros contra Parkword Leisure, Ltd (Processo C-426/11), Páginas 689 a 712 e n.º 45-A da Diretiva 2001/23/CE, como limite ao despedimento de trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, páginas 247 a 290.
· Neste quadro e no que dele se infere, parece inequívoco, primeiro que não existe impedimento que “in casu” seja a recorrida “BB” que deva assumir a posição de empregadora nos contratos de trabalho que ligavam a “CC” aos ora recorrentes, assumindo para com eles os correspondentes direitos e obrigações patronais ou, em segundo lugar, caso assim, por sua exclusiva iniciativa, não suceda, recusando-se a receber ao serviço os trabalhadores deve por tal decisão ser responsabilizada por constituir uma cessação de contratos de trabalho (os que a passavam a ligar aos recorrentes) por sua exclusiva iniciativa e sem fundamento ou justa causa, como tal caraterizando um típico despedimento ilícito, com as consequências estabelecidas nos artigos 389° a 392° do C6digo de Trabalho em vigor, disposições estas e também as da cláusula 127º, do CCT, identificado nos autos e do artigo 285°-5 do mesmo Código de Trabalho, isto aplicável à situação “sub judice” discutida nos autos, qualquer que seja o entendimento que se adote quanta a natureza jurídica das cantinas au refeitórios, “maxime” em espaços universitários.
· E nem se diga que o estatuto jurídico da recorrente impede que tais consequências se lhe apliquem, por não exercer atividade económica e, no limite, porque está limitada, por proibição ou severos condicionamentos a admissão ou reintegração de trabalhadores na função pública.
· Quanto à primeira objeção, fica-se sem se saber o que estará a fazer a recorrente quando fornece refeições e vende produtos alimentares e bebidas e recebe as respetivas contrapartidas? Nem, aliás, a recorrente o saberá.
· E quanto à segunda objeção, há duas situações: as de obrigação de indemnizar, que se resolve nos termos gerais do direito aplicável: determinada a obrigação de indemnizar e fixado o “quantum” do dano, a recorrente paga, procedendo às operações contabilísticas e cabimentais a que haverá lugar, pois não goza de «impunidade na ilegalidade» e quanto aos trabalhadores (…), pois reintegra-os com a antiguidade, categoria e retribuição a que têm direito e, se, algum dia, adjudicar a exploração a terceiros aí irão eles, como é condição e direito dos trabalhadores deste sector.
· Quanto à questão do PER esta está esclarecida, porquanto os créditos ora gerados para os recorridos são posteriores àquele, foi definido, com trânsito em julgado, quais os créditos reconhecidos e a decisão transitou em julgado, quer no PER, quer nos presentes autos quanto a tal questão.
· Restará, por fim, o habitual expediente de recurso ao Tribunal Constitucional, aqui dilatório e não merecedor sequer de ser recebido por tão Alto Tribunal.”

               Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e, em consequência, mantido o acórdão recorrido.
IV

                        B. Fundamentação:

         - Lei adjetiva aplicável:

           Tendo a ação sido proposta em 28 de janeiro de 2015 e o acórdão recorrido sido proferido em 25 de janeiro de 2017 são aqui aplicáveis o Código de Processo Civil[3] e o Código de Processo do Trabalho[4] nas suas versões atuais,

*****

            - Questões colocadas:
           
            a. Reversão da exploração do estabelecimento denominado “...” da Ré “CC – …, S. A.” para a Ré “… – BB” e transmissão para esta da posição que aquela ocupava no contrato de trabalho com o autor;
                b. Se essa transmissão viola o disposto nos artigos 13º e 47º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa[5];
                c. Se o despacho de homologação do Plano Especial de Revitalização da Ré “CC”, transitado em julgado, determinou a extinção de todos os créditos reclamado pelos Autor e não somente os que se venceram até abril de 2014, levando à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do CPC.
*****

                - Parecer do Ministério Público:

        Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de se negar provimento à revista.

                Notificado o “Parecer” às partes, não mereceu o mesmo qualquer resposta.
V

                - Da matéria de facto:

        As instâncias deram como provados os seguintes factos relativos ao Autor/Recorrido:

1) Os autores AA (1.º autor) […] são filiados no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul.
2) Os autores trabalhavam ao serviço da ré CC, SA (2.ª ré) com efeitos desde: o 1.º autor 01-01-1995 […].
3) Com as seguintes categorias profissionais: o 1.º autor chefe de cozinha […].
4) Auferindo as seguintes retribuições: o 1.º autor € 755,72 € de vencimento base, acrescido de um prémio no valor de € 1.925/mês […].
5) E praticando os seguintes horários de trabalho: o 1.º autor das 08.00 horas às 17.00 horas, com folga ao sábado e ao Domingo […].
6) Os autores trabalhavam ao serviço da 2.ª ré no estabelecimento denominado ..., cuja titularidade cabe à ré BB (1.ª ré),
7) A qual constitui uma pessoa coletiva de direito público dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa e cuja missão é a execução da politica de ação social escolar, entre outras, na promoção do acesso à alimentação em cantinas e bares, tudo nos termos dos seus Estatutos publicados no Diário da República, 2.ª Série, n.º 219, de 12/11/2013 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
8) No quadro de tais missão e fins, a 1.ª ré tem adjudicado a diversas entidades empresariais, entre as quais, a 2.ª ré, a exploração dos refeitórios, restaurantes, bares e cafés das diversas faculdades que integram as Universidades de Lisboa,
9) E que sucessivamente têm gerido e explorado esses refeitórios, restaurantes, bares e cafés e, para essa atividade, contratado e relacionado com os trabalhadores a essas unidades adstritos como foram os autores no caso na cantina do Instituto Superior Técnico.
10) No dia 31 de dezembro de 2014, por decisão da 1.ª ré, a cantina referida em 6) encerrou,
11) Tendo os autores sido informados desse encerramento.
12) No dia 5 de janeiro de 2015, os autores apresentaram-se ao serviço e depararam-se com as instalações da cantina referida em 6) fechadas.
13) E mantiveram-se no local, durante o seu horário de trabalho, que nos dias 7, 8 e 9 de janeiro de 2015.
14) No dia 09 de Janeiro de 2015, a 1.ª ré remeteu ao Sindicato referido em 1), através de correio eletrónico, a comunicação que consta do escrito particular de fls. 243 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado que «… referente à situação dos trabalhadores vinculados à Empresa CC, SA e que explorou as cantinas do ...(...) … cujos contrato cessaram tal como estava contratualmente previsto a 31 de Dezembro de 2014, cumpre-nos informar que, no que se refere aos BB, não há lugar nem à aplicação do art.º 285.º do Código de Trabalho, nem da cláusula 127 da Convenção Coletiva de Trabalho…».
15) No dia 09 de janeiro de 2015, a 2.ª ré remeteu a cada dos autores, e estes receberam, as cartas cujas cópias constam de fls. 245, 247, 249, 251, 253, 255, 257, 259, 261, 263, 265, 267, 269, 271, 273, 275, e 277 dos auto e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nas quais está consignado que «… No passado dia 01-01-2015, a CC, SA deixou de prestar os seus serviços no refeitório do … – ..., onde V. Exa. se encontrava a trabalhar. Todo pessoal foi transferido no dia 31-12-2014 por e-mail para os BB. Em conformidade com o disposto na cláusula 54.ª do Contrato Coletivo de Trabalho… o seu contrato individual de trabalho manter-se-á com todos os direitos e deveres, na nova entidade patronal...».
16) A 1.ª ré confirmou o teor da comunicação referida em 14), através dos Srs. DD, Administrador, e EE, Diretor, quer aos autores, quer aos dirigentes sindicais que os acompanharam, quando da reabertura da cantina ao público, no dia 12 do janeiro de 2015, em que se manteve a recusa de lhes permitir prestar serviço.
17) A 2.ª ré deixou de pagar ao 1.º autor na forma devida o valor correspondente ao prémio de desempenho mensal de € 1.925,00/mês, sendo que nos meses de abril, maio e junho de 2014 apenas pagou o valor mensal de € 975,00 e que nos meses de julho a dezembro de 2014 nada pagou.
18) […].
19) […].
20) […].
21) […].
22) […].
23) […].
24) […].
25) […].
26) […].
27) […].
28) […].
29) […].
30) […].
31) […].
32) […].
33) […].
34) […].
35) […].
36) […].
37) […].
38) […].
39) […].
40) […].
41) […].
42) […].
43) A ..., através da 1.ª ré e na qualidade de «primeiro outorgante», e a 2.ª ré, na qualidade de «segundo outorgante», subscreveram os escritos particulares denominados «CONTRATO N.º 018/BB/2012 – FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES CONFECCIONADAS NA UNIDADE ALIMENTAR NO ...» e «ADENDA AO CONTRATO N.º018/BB/2012 – FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES CONFECCIONADAS NA UNIDADE ALIMENTAR NO … ...», cujas cópias constam de fls. 1455 a 1458 e 1463 a 1465 dos autos respetivamente e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido,
44) Sendo que no escrito particular «CONTRATO N.º018/BB/2012» está consignado que: «… considerando a autorização da despesa constante de despacho de 16 de Outubro de 2012; Considerando que o fornecimento foi adjudicado por despacho de 14 de Novembro de 2012 e a minuta do presente contrato aprovada por despacho de 06 de Dezembro de 2012; É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, o qual se rege pelas seguintes cláusulas: CLÁUSULA 1.ª OBJECTO O presente contrato tem por objeto o fornecimento de refeições convencionadas e prestação de serviços associados na unidade alimentar do ... (…) - Campus da ..., da ..., sita em Lisboa, no âmbito do procedimento N.º008/GAS/BB/2012 realizado ao abrigo do Acordo Quadro para o fornecimento de refeições convencionadas - Lote 3, celebrado pela Agência Nacional de Compras Públicas E.P.E. (ANCP), de acordo com o respetivo caderno de encargos e proposta do segundo outorgante de 31 de Outubro de 2012, documentos que fazem parte integrante deste contrato. CLÁUSULA 2.a PREÇO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO 1. O preço a pagar, por cada refeição fornecida, é de € 1,72…, a que deverá acrescer o valor de € 0,40… relativo ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). 2. Tendo em conta o número de refeições previstas (180.000 por ano), o presente contrato e as suas possíveis renovações envolvem um encargo previsional de € 928.800,00… a que acresce IVA de 23% totalizando € 1.142.424,00…. 3. Nenhum aumento de preço será concedido durante a Vigência do Contrato. 4. O pagamento das faturas é efetuado no prazo de 30 (trinta) dias de calendário, a contar da data da sua receção pela entidade adjudicante, desde que as mesmas reflitam o fornecimento prestado. CLÁUSULA 3.ª PRAZO DE VIGÊNCIA E EXECUÇÃO DO CONTRATO 1. O presente contrato tem início a 01 de janeiro de 20 l3 e termo em 31 de dezembro de 2013. 2. O contrato poderá ser renovado por dois períodos quais e sucessivos, se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias em carta registada com aviso de receção. CLÁUSULA 4.a DOCUMENTOS QUE INTEGRAM O PRESENTE CONTRATO 1. Fazem parte Integrante deste contrato, os seguintes documentos: a) Os esclarecimentos relativos ao caderno de encargos; b) O caderno de encargos do primeiro outorgante e o caderno de encargos da ANCP; c) A proposta adjudicada… CLÁUSULA 8.ª DISPOSIÇÕES FINAIS… 2. Pelo Segundo Outorgante foi declarado que aceita o presente contrato com todas as cláusulas, condições e obrigações, de que tomou inteiro conhecimento e a cujo cumprimento se obriga….».
45) O «caderno de encargos» referido em 44) corresponde ao escrito particular denominado «PROCEDIMENTO PARA A FORMAÇÃO DE CONTRATO AO ABRIGO DE ACORDO QUADRO N.º008/BB/GAS/2012», cuja cópia consta de fls. 1483 a 1504 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «… Artigo 1.º Identificação e objeto do procedimento 1. O presente procedimento tem por objeto a celebração de contrato ao abrigo do acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados - Lote 3 do acordo quadro - na cantina dos BB localizada no ...- Campus da .... 2. Os fornecedores devem fornecer as seguintes dietas:… 5. O fornecedor deve fornecer as refeições de almoço e jantar, de 2.ª a 6.ª feira, e almoços de Sábado, com exceção de dias feriados. 6. O horário de funcionamento da cantina é das 11h30 às 15h00 e das 18h30 às 20h30 de 2.ª a 6.ª feira, e das 12h00 às 14h30 ao Sábado. 7. O número de refeições estimadas a fornecer na cantina, no ano de 2013, será cerca de 180.000. Estes valores têm por base o número de refeições servidas em período homólogo do ano anterior. Alerta-se, contudo, que estes números poderão variar caso o calendário escolar não seja coincidente ou por razões imputáveis ao funcionamento da cantina. 8. Os preços unitários do contrato, a pagar pelo BB, não serão alterados em função do número efetivo de refeições servidas…. Artigo 8. ° Auditorias l. A qualquer momento os BB ou outras entidades mandatadas para o efeito, podem solicitar informação ou realizar auditorias com vista à monitorização da qualidade do fornecimento e cumprimento das obrigações legais por parte dos fornecedores e, quando justificado, aplicar sanções em caso de incumprimento. 2. Os BB podem efetuar o controlo, fiscalização e avaliação do fornecimento prestado, recorrendo, designadamente, aos seguintes métodos:… Artigo 11.º Obrigações dos BB 1. Correm por conta dos BB os encargos associados ao fornecimento da energia, gás e água na armazenagem, preparação e distribuição das refeições, sempre que estas atividades sejam realizadas nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão. 2. Constitui, igualmente, encargo dos BB, a manutenção dos bens e equipamentos que sejam disponibilizados ao fornecedor, com exceção dos prejuízos resultantes da incorreta ou negligente utilização dos mesmos. 3. Os BB devem elaborar inventário de todos os bens e equipamentos existentes nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão que sejam disponibilizados ao fornecedor. 4. Os requisitos técnicos e funcionais mínimos relativos ao transporte, à carga e descarga, ao pessoal, à segurança e higiene alimentar, previstos no artigo 12.º do presente caderno de encargos, são igualmente aplicáveis ao pessoal que os BB disponibilizem ao fornecedor. 5. Os BB devem comunicar com uma antecedência mínima de 48 horas ao fornecedor qual o número de refeições fornecidas em período homólogo do ano anterior. 6. No mesmo prazo, os BB devem comunicar a aprovação das ementas propostas nos termos da alínea a) do ponto 3 do artigo 12.º, 7. Findo o contrato, proceder-se-á com a presença do fornecedor à verificação dos equipamentos, do restante material e instalações, em conformidade com o inventário referido no n.º 3 deste artigo a fim de serem restituídos aos BB no estado em que o fornecedor os recebeu, salvaguardado o desgaste inerente a uma normal utilização dos mesmos. Artigo 12.º Requisitos técnicos e funcionais mínimos de fornecimento 1. O fornecedor obriga-se a cumprir os seguintes requisitos técnicos e funcionais mínimos: a) garantir o cumprimento das normas em vigor no que se refere à atividade de refeições confecionadas, bem como deter todas as licenças e certificações necessárias ao exercício da atividade; b) garantir o cumprimento das normas e procedimentos de segurança definidos pelos BB, sendo diretamente responsável pelos danos físicos e materiais que possam advir do eventual incumprimento dos mesmos; c) assegurar que a confeção das refeições é efetuada nas instalações indicadas pelos BB sempre que por estes seja exigido; d) garantir o cumprimento de todas as normas em vigor no que se refere ao transporte e armazenagem de alimentos e refeições confecionadas; e) garantir o fornecimento das refeições confecionadas atendendo aos dias e horários definidos pelos BB; f) assegurar o fornecimento de diferentes tipos de refeições quando solicitadas pela BB, nomeadamente, almoço e jantar; g) assegurar a recolha, transporte e despejo de resíduos das atividades associadas ao fornecimento de refeições confecionadas e respetivo encaminhamento para posterior tratamento ou reciclagem; h) garantir a disponibilização de livro de reclamações no local onde são servidas as refeições confecionadas… 3. Na elaboração das ementas, o fornecedor obriga-se a: a) elaborar as ementas em conformidade com o modelo definido pelos BB e apresentá-las para aprovação do responsável que para o efeito seja indicado, até ao dia 15 do mês anterior a que dizem respeito;… 4. O fornecedor obriga-se a apresentar aos BB, sempre que estes lhe solicitem, todos os documentos e informações relativos ao fornecimento, designadamente:… 7. Relativamente ao pessoal afeto à atividade, o fornecedor obriga-se ao seguinte: a) entrega do mapa de pessoal a afetar ao fornecimento de refeições confecionadas, com indicação expressa das respetivas categorias e competências, em data anterior ao início do fornecimento; b) o rácio (n.º de trabalhadores / n.º de refeições servidas) a aplicar é de 1:50; c) em condições de funcionamento normais, limitamos um número mínimo de funcionários, independentemente do rácio referido no ponto anterior, nos seguintes períodos de funcionamento: - período de refeição do almoço: 10 funcionários; - período de refeição do jantar e almoço de sábado: 4 funcionários; d) garantir que o mapa de pessoal não é alterado sem prévio acordo dos BB, podendo estes solicitarem quaisquer esclarecimentos quanto ao pessoal de substituição se for o caso; e) assegurar as competências e mão-de-obra necessárias para a execução de todas as atividades associadas ao fornecimento, nomeadamente: i. técnico de nutrição (dietista, nutricionista); ii. gestor de unidade/encarregado/coordenador; iii. chefe de cozinha; iv. cozinheiro; v. despenseiro; vi. preparador de cozinha; vii. empregada de refeitório. f) o fornecedor é responsável por todas as obrigações relativas ao seu pessoal, pela disciplina, formação e aptidão profissional do mesmo, bem como pela reparação de prejuízos por ele causados nas instalações, equipamentos e material e ainda a terceiros. 8. O fornecedor garante ainda o fornecimento de outros produtos, a confeção de refeições especiais e a prestação de serviços complementares de acordo com o Anexo C do presente caderno de encargos, nomeadamente: a) talheres; b) guardanapos; c) talheres descartáveis; d) pratos; e) pratos descartáveis; f) copos; g) copos descartáveis; h) toalhas de papel; i) tabuleiros, cuvetes, recipientes e malas térmicas; j) sacos de papel para empacotamento de talheres; 1) película aderente para revestimento de embalagens individuais; m) toalhetes de papel; n) utensílios de cozinha e serviço, tachos, panelas, conchas, frigideiras, entre outros; o) sacos plásticos para acondicionamento de produtos alimentares; p) embalagens descartáveis para sobremesas e saladas. 9. O fornecedor deve ainda garantir a realização de ações de formação nos locais, prazos e termos definidos pelos BB, sempre que tal se revele necessário à execução do contrato. 10. A utilização dos espaços da unidade alimentar, para atividades culturais solicitadas pelos BB, carece de uma compensação ao fornecedor, nos termos a acordar pelas partes. 11. Caso o fornecedor não possa proceder ao fornecimento referido terá de disponibilizar as instalações da unidade alimentar objeto do procedimento à empresa a indicar pelos BB. 12. O controlo do acesso ao refeitório, a marcação das refeições e a venda das respetivas senhas, serão da responsabilidade de trabalhadores dos BB. Artigo 13.º Reporte e monitorização 1. É obrigação do fornecedor produzir e enviar os seguintes relatórios de gestão do acordo quadro; a) relatórios de faturação; b) relatórios de níveis de serviço….».
46) A Universidade …, através da 1.ª ré e na qualidade de «primeiro outorgante», e a 2.ª ré, na qualidade de «segundo outorgante», subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO N.º 39/BB/2014 – FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES CONFECCIONADAS NO REFEITÓRIO DO ...», cuja cópia consta de fls. 1476 a 1478 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado que: «… considerando a autorização da despesa constante de despacho de 28 de Novembro de 2013; Considerando que o fornecimento foi adjudicado por despacho de 27 de Dezembro de 2013 e a minuta do presente contrato aprovada por despacho de 21 de Janeiro de 2014; É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, o qual se rege pelas seguintes cláusulas: CLÁUSULA 1.ª OBJECTO O presente contrato tem por objeto o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados na unidade alimentar do ...(IST) - Campus da ..., da Universidade …, sita em …, no âmbito do procedimento N.º 03/AQ/BB/2013 realizado ao abrigo do Acordo Quadro N.º AQ/-RC/2010, celebrado com a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), de acordo com o respetivo caderno de encargos e proposta do segundo outorgante de 12 de Dezembro de 2013, documentos que fazem parte integrante deste contrato. CLÁUSULA 2.a PREÇO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO 1. O preço a pagar, por cada refeição fornecida, é de € 1,70…, a que deverá acrescer o valor de € 0,39… relativo ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). 2. Tendo em conta o número de refeições previstas (174.000 por ano), o presente contrato envolve um encargo previsional de € 295.800… a que acresce IVA de 23% totalizando € 363.834,00…. 3. Nenhum aumento de preço será concedido durante a Vigência do Contrato. 4. O pagamento das faturas é efetuado no prazo de 30 (trinta) dias de calendário, a contar da data da sua receção pela entidade adjudicante, desde que as mesmas reflitam o fornecimento prestado. CLÁUSULA 3.ª PRAZO DE VIGÊNCIA E EXECUÇÃO DO CONTRATO 1. O presente contrato tem início a 01 de janeiro de 20 14 e termo em 31 de dezembro de 2014. 2. O contrato é improrrogável. CLÁUSULA 4.a DOCUMENTOS QUE INTEGRAMI O PRESENTE CONTRATO 1. Fazem parte Integrante deste contrato, os seguintes documentos: a) Os esclarecimentos relativos ao caderno de encargos; b) O caderno de encargos do primeiro outorgante e o caderno de encargos da ESPAP; c) A proposta adjudicada… CLÁUSULA 8.ª DISPOSIÇÕES FINAIS… 2. Pelo Segundo Outorgante foi declarado que aceita o presente contrato com todas as cláusulas, condições e obrigações, de que tomou inteiro conhecimento e a cujo cumprimento se obriga….».
47) O «caderno de encargos» referido em 46) corresponde ao escrito particular denominado «PROCEDIMENTO PARA A FORMAÇÃO DE CONTRATO AO ABRIGO DE ACORDO QUADRO N.º03/AQ/BB/2013», cuja cópia consta de fls. 790 a 807 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «… 1. O presente procedimento tem por objeto a celebração de contrato ao abrigo do acordo quadro para o fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados - Lote 3 do acordo quadro – no refeitório dos BB (BB) localizada no ...- Campus da .... 2. Os fornecedores devem fornecer as seguintes dietas: … 6. O fornecedor deve fornecer as refeições de almoço e jantar, de 2.ª a 6..ª feira, e almoços de Sábado, com exceção de dias feriados. 7. O horário de funcionamento da cantina é das 11h30 às 15h00 e das 18h30 às 21h00 de 2.ª a 6.ª feira, e das 12h00 às 15h00 ao Sábado…. 9. O número de refeições estimadas a fornecer na cantina, no ano de 2014, será cerca de 174.00. Estes valores têm por base o número de refeições servidas em período homólogo do ano anterior. Alerta-se, contudo, que estes números poderão variar caso o calendário escolar não seja coincidente ou por razões imputáveis ao funcionamento da cantina. 9. Os preços unitários do contrato, a pagar pelo BB não serão alterados em função do número efetivo de refeições servidas…. Artigo 8.º Auditorias 1. A qualquer momento os BB ou outras entidades mandatadas para o efeito, podem solicitar informação ou realizar auditorias com vista à monitorização da qualidade do fornecimento e cumprimento das obrigações legais por parte dos fornecedores e, quando justificado, aplicar sanções em caso de incumprimento. 2. Os BB podem efetuar o controlo, fiscalização e avaliação do fornecimento prestado, recorrendo, designadamente, aos seguintes métodos:… Artigo 10.º Obrigações dos BB 1. Correm por conta dos BB os encargos associados ao fornecimento da energia, gás e água na armazenagem, preparação e distribuição das refeições, sempre que estas atividades sejam realizadas nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão. 2. Constitui, igualmente, encargo dos BB, a manutenção dos bens e equipamentos que sejam disponibilizados ao fornecedor, com exceção dos prejuízos resultantes da incorreta ou negligente utilização dos mesmos. 3. Os BB devem elaborar inventário de todos os bens e equipamentos existentes nas instalações de sua propriedade ou de sua gestão que sejam disponibilizados ao fornecedor. 4. Os requisitos técnicos e funcionais mínimos relativos ao transporte, à carga e descarga, ao pessoal, à segurança e higiene alimentar, previstos no artigo 11.º do presente caderno de encargos, são igualmente aplicáveis ao pessoal que os BB disponibilizem ao fornecedor. 5. No mesmo prazo, os BB devem comunicar a aprovação das ementas propostas nos termos da alínea a) do ponto 3 do artigo 11.º, 6. Findo o contrato, proceder-se-á com a presença do fornecedor à verificação dos equipamentos, do restante material e instalações, em conformidade com o inventário referido no n.º 3 deste artigo a fim de serem restituídos aos BB no estado em que o fornecedor os recebeu, salvaguardado o desgaste inerente a uma normal utilização dos mesmos. Artigo 11.º Requisitos técnicos e funcionais mínimos de fornecimento 1. O fornecedor obriga-se a cumprir os seguintes requisitos técnicos e funcionais mínimos: a) garantir o cumprimento das normas em vigor no que se refere à atividade de refeições confecionadas, bem como deter todas as licenças e certificações necessárias ao exercício da atividade; b) garantir o cumprimento das normas e procedimentos de segurança definidos pelos BB, sendo diretamente responsável pelos danos físicos e materiais que possam advir do eventual incumprimento dos mesmos; c) assegurar que a confeção das refeições é efetuada nas instalações indicadas pelos BB sempre que por estes seja exigido; d) garantir o cumprimento de todas as normas em vigor no que se refere ao transporte e armazenagem de alimentos e refeições confecionadas; e) garantir o fornecimento das refeições confecionadas atendendo aos dias e horários definidos pelos BB; f) assegurar o fornecimento de diferentes tipos de refeições quando solicitadas pelos BB, nomeadamente, almoço e jantar; g) assegurar a recolha, transporte e despejo de resíduos das atividades associadas ao fornecimento de refeições confecionadas e respetivo encaminhamento para posterior tratamento ou reciclagem; h) garantir a disponibilização de livro de reclamações no local onde são servidas as refeições confecionadas… 3. Na elaboração das ementas, o fornecedor obriga-se a: a) elaborar as ementas em conformidade com o modelo definido pelos BB e apresentá-las para aprovação do responsável que para o efeito seja indicado, até ao dia 15 do mês anterior a que dizem respeito;… 4. O fornecedor obriga-se a apresentar aos BB, sempre que estes lhe solicitem, todos os documentos e informações relativos ao fornecimento, designadamente: … 7. Relativamente ao pessoal afeto à atividade, o fornecedor obriga-se ao seguinte: a) entrega do mapa de pessoal a afetar ao fornecimento de refeições confecionadas, com indicação expressa das respetivas categorias e competências, em data anterior ao início do fornecimento; b) o rácio (n.º de trabalhadores / n.º de refeições servidas) a aplicar é de 1:50; c) em condições de funcionamento normais, limitamos um número mínimo de funcionários, independentemente do rácio referido no ponto anterior, nos seguintes períodos de funcionamento: - período de refeição do almoço: 5 funcionários; - período de refeição do jantar e almoço de sábado: 5 funcionários; d) garantir que o mapa de pessoal não é alterado sem prévio acordo dos BB, podendo estes solicitarem quaisquer esclarecimentos quanto ao pessoal de substituição se for o caso; e) assegurar as competências e mão-de-obra necessárias para a execução de todas as atividades associadas ao fornecimento, nomeadamente: i. técnico de nutrição (dietista, nutricionista); ii. gestor de unidade/encarregado/coordenador; iii. chefe de cozinha; iv. cozinheiro; v. despenseiro; vi. preparador de cozinha; vii. empregada de refeitório. f) o fornecedor é responsável por todas as obrigações relativas ao seu pessoal, pela disciplina, formação e aptidão profissional do mesmo, bem como pela reparação de prejuízos por ele causados nas instalações, equipamentos e material e ainda a terceiros. 8. O fornecedor garante ainda o fornecimento de outros produtos, a confeção de refeições especiais e a prestação de serviços complementares de acordo com o Anexo C do presente caderno de encargos, nomeadamente: a) talheres; b) guardanapos; c) talheres descartáveis; d) pratos; e) pratos descartáveis; f) copos; g) copos descartáveis; h) toalhas de papel; i) tabuleiros, cuvetes, recipientes e malas térmicas; j) sacos de papel para empacotamento de talheres; 1) película aderente para revestimento de embalagens individuais; m) toalhetes de papel; n) utensílios de cozinha e serviço, tachos, panelas, conchas, frigideiras, entre outros; o) sacos plásticos para acondicionamento de produtos alimentares; p) embalagens descartáveis para sobremesas e saladas. 9. O fornecedor deve ainda garantir a realização de ações de formação nos locais, prazos e termos definidos pelos BB, sempre que tal se revele necessário à execução do contrato. 10. A utilização dos espaços da unidade alimentar, para atividades culturais solicitadas pelos BB, carece de uma compensação ao fornecedor, nos termos a acordar pelas partes. 11. Caso o fornecedor não possa proceder ao fornecimento referido terá de disponibilizar as instalações da unidade alimentar objeto do procedimento à empresa a indicar pelos BB. 12. O controlo do acesso ao refeitório e a venda das respetivas senhas, serão da responsabilidade de trabalhadores dos BB. Artigo 12.º Reporte e monitorização 1. É obrigação do fornecedor produzir e enviar os seguintes relatórios de gestão do acordo quadro; a) relatórios de faturação; b) relatórios de níveis de serviço….».
48) A partir de 1 de janeiro de 2015, inclusive, a 2.ª ré deixou de fornecer as refeições e prestar os serviços associados referidos nos escritos particulares referidos em 43) e 46).
49) A 2.ª ré tem como objeto social a exploração e gestão de serviços de hotelaria e turismo, nomeadamente restaurantes, cafetarias, refeitórios, cantinas, hotéis a atividades similares, bem como o comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares e não alimentares e a respetiva prestação de serviços de embalamento, armazenagem e distribuição.
50) A partir da reabertura da cantina referida em 16), a confeção e fornecimento de refeições passou a ser diretamente realizado pela 1.ª ré, com a afetação a essa cantina de funcionários do seu próprio quadro de pessoal.
VI

                - Do direito:

         1) - Reversão da exploração do estabelecimento denominado “...” da Ré “CC – …, S. A.” para a “… – BB”:

        Tendo os factos ocorrido em 31.12.2014 é aqui aplicável o Código do Trabalho de 2009[6], aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na redação anterior à dada pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março [altera o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento].
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               Ora, a Ré “CC” deixou de fornecer as refeições e serviços associados, a partir de 01 de janeiro de 2015, na “...” por ter cessado o contrato de exploração em 31 de dezembro de 2014 – factos constantes dos n.ºs 8 a 16.
                A cantina, por tal motivo, encerrou em 01.01.2015.
               Contudo, foi a mesma reaberta em 12.01.2015, tendo o fornecimento de refeições, a partir desta data, passado a ser diretamente realizado pela ré “BB”, com a afetação a essa cantina de funcionários do seu próprio quadro de pessoal – factos ínsitos nos n.ºs 48 a 50.
*****
               Dispõe o artigo 285º, do CT, na sua versão originária, referente aos efeitos de transmissão da empresa ou estabelecimento, o seguinte:

1. Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2. O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3. O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5. Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6. Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3.

  Este artigo[7], obedece às exigências da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001[8], que foi transposta para a ordem jurídica interna através da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, para o Código do Trabalho 2009.

               No artigo 1º, n.º 1, da citada Diretiva, consta o seguinte:
a) A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.
c) A presente diretiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente diretiva.

             No seu considerando prévio 8º refere-se que “[p]or motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídico de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esse esclarecimento não alterou o âmbito da Diretiva 77/187/CEE, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça”.
               
               Assim, comparando o disposto nos n.ºs 1, 3 e 5, do artigo 285º, do CT, com o disposto nas alíneas a) a c), do n.º 1, do artigo 1º, da Diretiva, verifica-se que aquele acolheu quer o âmbito de aplicação quer as definições adotados pela Diretiva.
****
Ora, tendo em conta a factualidade descrita, e provada, e o regime legal estabelecido pela Diretiva 2001/23/CE, de que o artigo 285º, do CT, é tributário, decidiu-se no acórdão recorrido ter havido reversão da exploração da cantina para a Ré “… – BB”, a partir de 12.01.2015, com transmissão para esta da posição que a Ré “CC” ocupava no contrato de trabalho com o autor.

                Como seu fundamento consta:

               O artigo 285º, do CT, “[é] uma norma tributária da Diretiva n.º 200123/CE, do Conselho da União Europeia, de 12.032001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores no caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, a qual, no seu artigo 1º, n-º 1, alínea b), veio estabelecer o seguinte:
“ (…) é considerada transferência na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendendo-se como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
               Daqui resulta que a transmissão da posição de empregador tanto pode decorrer da transmissão ou reversão do estabelecimento em si mesmo considerado como de parte dele, desde que constitua uma unidade económica, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma determinada atividade económica, seja ela essencial ou acessória, que com a transferência mantém a sua identidade.
                Esses meios são humanos e coisas, sejam elas móveis ou imóveis e até mesmo incorpóreas, contanto que por si permitam, com estabilidade, a prestação dos serviços que caracterizavam a atividade económica do transmitente e a sua continuação pelo adquirente.
               De uma forma ou de outra o enfoque da transmissão é colocado na manutenção da identidade económica da estrutura transmitida, conforme refere Pedro Romano Martinez: "É imprescindível que se conserve a identidade do estabelecimento, mormente no que respeita à sua atividade" de tal modo que "continua apto a desenvolver a sua atividade produtiva, conservando, portanto, a identidade e mantendo-se em condições de continuidade produtiva".
               Como na sua esteira assim o referiu a Relação do Porto: "É condição da transmissão de um estabelecimento que o conjunto de meios organizados continue a ter o objetivo de prosseguir uma atividade económica, sendo, pois, essencial à transmissão que, independentemente de interrupções temporárias, a exploração do estabelecimento prossiga". Devendo aliás enfatizar-se deste aresto que tal ainda ocorre "independentemente de interrupções temporárias".
               E foi isso precisamente que ocorreu no caso “sub iudicio”, pois que a ré continuou pelos seus próprios meios e sem solução de continuidade relevante (esteve encerrada entre 31.12.2014 e 12.01.2015) após a cessação do contrato estabelecido com a 2.ª ré a prestar os mesmos serviços à mesma clientela (os estudantes do IST), tal qual esta anteriormente ali fazia.
               É verdade que a gestão da cantina sempre esteve, parcialmente, na esfera da 1.ª ré, mas isso não é critério relevante para que opere a reversão da exploração: o art.º 285.º, n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho basta-se com a reversão da exploração de parte do estabelecimento que constitua uma unidade económica e isso ocorreu com a cessação da exploração da cantina da 1.ª pela 2.ª ré, que o passou a fazer pelos seus próprios meios nos mesmos termos que aquela o fazia.”

*****

             Para Júlio Manuel Vieira Gomes[9] “[n]ão será ousado afirmar que um dos domínios em que o impacto do direito comunitário mais se fez sentir no Direito do Trabalho dos Estados Membros da União Europeia foi o da transmissão da empresa, estabelecimento, parte de empresa ou estabelecimento ou, mais simplesmente, o da transmissão da unidade ou entidade económica. A influência do direito comunitário fez-‑se sentir inicialmente com a primeira Diretiva 77/187/CE e depois com a interpretação teleológica que dessa Diretiva foi sendo feita pelo TJCE, interpretação que em múltiplos aspetos foi para além da letra da Diretiva.”
 
              Como já se disse, o regime do Código do Trabalho de 2009, como, também, o do Código de 2003, vai ao encontro dessa legislação e jurisprudência comunitárias, nomeadamente quanto ao sentido de unidade económica.
             O artigo 285º, n.º 5, do CT, e o artigo 1º, n.º 1, alínea c), última parte, da Diretiva definem-na como sendo “um conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.

             Esta definição admite, pois, como unidade económica um conjunto de trabalhadores estruturado com vista ao desenvolvimento de uma atividade económica, produtiva ou de prestação de serviços.
             
Para João Reis[10] “[n]a linha do Ac. Suzen, o art.º 1. º, al. b), das diretivas de 1998 e 2001 vieram consagrar que há transmissão de empresa ou de estabelecimento (ou das suas partes) caso se verifique "a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória".
             O critério decisivo é, pois, o da preservação da identidade económica transmitida. De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objeto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada, e o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da atividade prosseguida ou retomada.
             Em primeiro lugar, é necessário averiguar se existe uma unidade económica suscetível de transferência. Digamos que, à semelhança da pessoa humana, é preciso que tal entidade seja "um ser vivente". Isto implica uma estreita conexão entre dois aspetos: entre a transmissão de um complexo de bens e relações jurídicas e o exercício atual (ou próximo) da empresa.
              (…)
             Requisito verdadeiramente crucial é o da autonomia, particularmente quando o objeto da transferência é apenas uma parte da empresa ou estabelecimento.
              (…)
             Ao exigir que a unidade económica seja "um conjunto de meios organizados", o direito comunitário e português apelam para o conjunto estruturado dos elementos constitutivos da empresa. Esta não existe, é consabido, sem meios humanos e sem bens, sejam eles materiais ou imateriais, corpóreos ou incorpóreos.
Nesta medida, poderia pensar-se que a transmissão da empresa ou parte dela implica a passagem do conjunto dos elementos que a integram.
             Sucede que a jurisprudência comunitária tem perfilhado uma posição mais flexível quanto ao reconhecimento da existência de transferência de empresa para efeitos laborais. Nesta linha, várias e importantes sentenças do Tribunal das Comunidades têm feito apelo a um outro importante critério: o da natureza da atividade exercida.
             De acordo com este critério, já foi considerado transferência de empresa, a transferência de um conjunto de relações de trabalho ligadas funcionalmente à realização de um fim produtivo. Em certos sectores, como o dos serviços, em que o fator trabalho ocupa um papel especialmente valioso, aceita-se que "um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica".   
             E, deste modo, começa a falar-se na tese da "empresa desmaterializada", e a doutrina e jurisprudência dos Estados membros a privilegiarem nuns casos a dimensão materializada e noutros a dimensão desmaterializada de empresa.”
             António Monteiro Fernandes[11], referindo-se à desmaterialização do objeto da transferência, diz que “[a] consideração dessas realidades, cada vez mais frequentes no quadro da terciarização da economia, é indispensável para qu os fins do regime jurídico de manutenção dos contratos e das condições de trabalho não resultem praticamente frustrados.
             É o que sucede, caracteristicamente, em, pelo menos, dois tipos de casos: o dos contratos de prestação de serviços de limpeza ou de segurança de instalações de uma empresa e o dos contratos de concessão de exploração de refeitórios de empresa ou outras organizações, ou, ainda, de serviços de transportes.
             No primeiro tipo de situações, a questão da aplicabilidade do regime de sucessão ope legis coloca-se quando o contrato de prestação de serviços cessa, por qualquer modo, e a empresa beneficiária dos serviços assume, ela própria, essas funções, ou as contrata com uma terceira entidade. No segundo tipo, ela surge quando cessa a concessão e, de igual modo, a entidade concedente assume diretamente a exploração ou conclui novo contrato de concessão com outra empresa.
              (…)
             As situações do segundo tipo oferecem, aparentemente, menores dificuldades de tratamento, uma vez que as concessões supõem, frequentemente, a implicação de instalações e/ou equipamentos pertencentes à entidade concedente.
             Mas – para além do facto de que a concessão redunda, em muitas situações, na utilização de recursos originariamente pertencentes ao próprio concessionário ou por ele ou por ele adquiridos – trata-se de facilidade ilusória, porque a transferência, se existe, não tem por objeto as referidas instalações ou equipamentos respetivos, cuja titularidade não muda, mas sim a própria atividade inerente à gestão e exploração do refeitório ou da carreira de transporte público.”

             Esta tem sido, também, a interpretação que o TJCE/TJUE tem feito do artigo 1º, n.º 1, quer da Diretiva 77/187/CEE, do Conselho de 14.02.1997, quer da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho de 12.03.2001.

             Ora, vejamos o caso concreto do Processo C-340/01 - Carlito Abler e Outros v Sodexho MM Catering Gesellschaft mbH - que é muito similar ao destes autos.

              Nele estava em causa o seguinte:
             
             - Um Hospital resolveu o contrato de prestação de serviços de restauração que mantinha com a empresa A.
              De seguida, contratou a empresa B a fim de prestar os mesmos serviços, não tendo esta admitido quaisquer dos trabalhadores da empresa A, nem beneficiado de quaisquer informações sobre a atividade.
             Todo o equipamento era propriedade e fornecido pelo Hospital.

              Ora, o TJCE, no Acórdão da Sexta Secção, proferido em 20 de novembro de 2003, pronunciou-‑se no sentido de se verificar, neste caso, a existência de uma transmissão, tendo destacado que a restauração coletiva não pode ser considerada como uma atividade que se baseie essencialmente na mão-de-obra, na medida em que exige equipamentos importantes.
            Para o TJCE, os locais e equipamentos colocados à disposição pelo Hospital são indispensáveis à preparação e distribuição das refeições pelo que a sua utilização pela nova entidade bastará para caracterizar a transmissão da entidade económica.
             Destacou, ainda, que a nova empresa retomou o essencial da clientela da anterior, isto é, o hospital.

            Pronunciou-se, pois, o TJCE do seguinte modo[12]:
                             
             “27. O órgão jurisdicional de reenvio, através da sua questão, pergunta, no essencial, se o artigo 1.° da Diretiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que esta última se aplica a uma situação em que o mandante, que tinha confiado por contrato a gestão completa da restauração coletiva de um hospital a um primeiro empresário, põe termo a esse contrato e celebra, com vista à execução da mesma prestação, um novo contrato com um segundo empresário, quando o segundo empresário, por um lado, utiliza elementos importantes de ativos corpóreos anteriormente utilizados pelo primeiro empresário e postos sucessivamente à disposição dos mesmos pelo mandante e, por outro, se recusa a reintegrar os trabalhadores do primeiro empresário.
             28. Nos termos do seu artigo 1. °, N.º 1, a Diretiva 77/187 é aplicável às transmissões para outro empresário de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de fusão.
             29. A Diretiva 77/187 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para estabelecer a existência de uma transmissão na aceção desta diretiva é, pois, o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, o que resulta nomeadamente da continuação efetiva da exploração ou da sua transmissão (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, nºs 11 e 12, e de 11 de março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.º 10).
             30. Para que a Diretiva 77/187 seja aplicável, a transmissão deve, no entanto, ter como objeto uma entidade económica organizada de modo estável, cuja atividade se não limite à execução de uma obra determinada (v., nomeadamente, acórdão de 19 de setembro de 1995, Rygaard, C-48/94, Colect., p. I-2745, n.º 20). O conceito de entidade remete assim para um conjunto organizado de pessoas e elementos que permitam o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio (v., nomeadamente, acórdão Süzen, já referido, n.º 13).
              31. A Sodexho sustenta, em primeiro lugar, que o facto de não ter reintegrado pessoal nenhum da Sanrest exclui qualquer transmissão de uma entidade económica que mantém a sua identidade na aceção da Diretiva 77/187.
             32. Baseia o seu raciocínio nos acórdãos em que o Tribunal de Justiça observou que, em certos sectores nos quais a atividade assenta essencialmente na mão-de-obra, uma coletividade de trabalhadores que executa de forma durável uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica. Para a Sodexho, resulta desta jurisprudência que essa entidade pode, pois, manter a sua identidade para lá da sua transmissão quando o novo empresário não se limita a prosseguir a atividade em causa, mas reintegra igualmente uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu predecessor afetava especialmente a essa missão (v., designadamente, acórdãos Süzen, já referido, n.º 21, e de 10 de Dezembro de 1998, Hidalgo e o., C-173/96 e C-247/96, Colect., p. I-8237, n.º 32).
             33. Para determinar se estão preenchidas as condições de uma transmissão de entidade econômica organizada de modo estável, haverá que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transmissão ou não de elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transmissão, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, a transmissão ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão destas atividades (acórdãos, já referidos, Spijkers, n.º 13, e Süzen, n.º 14).
             34. No entanto, estes elementos constituem apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Spijkers, n.º 13, e Süzen, n.º 14).
             35. O órgão jurisdicional nacional, na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, deve ter em conta o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa. Daí resulta que a importância respetiva a atribuir aos diferentes critérios da existência de uma transmissão na aceção da Diretiva 77/187 varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimento ou na parte do estabelecimento em questão (acórdãos, já referidos, Süzen, n.º 18, e Hidalgo e o., n.º 31).
             36. Ora, não se pode considerar que a restauração coletiva seja uma atividade que assenta essencialmente na mão-de-obra, na medida em que exige equipamentos importantes. No processo principal, como refere a Comissão, os elementos corpóreos indispensáveis para a atividade visada, ou seja, as instalações, a água e a energia, bem como o pequeno e grande equipamento (nomeadamente os materiais fixos necessários à confeção das refeições e as máquinas de lavar), foram retomados pela Sodexho. Além disso, a situação em causa no processo principal caracteriza-se pela obrigação, explícita e essencial, de preparar as refeições na cozinha do hospital e, portanto, de retomar estes elementos corpóreos. A transmissão das instalações e dos equipamentos postos à disposição pelo hospital, que é indispensável à preparação e à distribuição das refeições aos doentes e ao pessoal do hospital, basta para caracterizar, nestas condições, a transmissão da entidade económica. Além disso, é evidente que o novo adjudicatário retomou necessariamente o essencial da clientela do seu predecessor, devido ao carácter cativo desta.
             37. Daqui resulta que o facto de o novo empresário não ter reintegrado uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu predecessor empregava na execução da mesma atividade não basta para excluir a existência de transmissão de uma entidade que mantém a sua identidade na aceção da Diretiva 77/187, num sector como o da restauração coletiva, em que a atividade assenta essencialmente nos equipamentos. Como acertadamente referem o Reino Unido e a Comissão, um raciocínio contrário iria contra o objeto principal da Diretiva 77/187, que consiste em manter, mesmo contra a vontade do cessionário, os contratos de trabalho dos trabalhadores do cedente.
             38. A Sodexho defende em seguida que não existe nenhum vínculo contratual entre a Sanrest e ela própria.
             39. No entanto, como foi várias vezes declarado, a Diretiva 77/187 é aplicável em todas as hipóteses de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa. Assim, para que a Diretiva 77/187 seja aplicável, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre o cedente e o cessionário, já que a cessão pode também efetuar-se por intermédio de um terceiro, como o proprietário ou o locador (v., nomeadamente, acórdãos de 7 de março de 1996, Merckx e Neuhuys, C-171/94 e C-172/94, Colect., p. I-1253, n.ºs 28 a 30; Süzen, já referido, n.º 12; e de 24 de janeiro de 2002, Temco, C-51/00, Colect., p. I-969, n.º 31).
             40. Finalmente, a Sodexho alega que a circunstância de a instituição gestora continuar a ser proprietária do local de trabalho e dos equipamentos necessários ao prosseguimento da atividade se opõe a que uma simples mudança de adjudicatário possa ser considerada uma transmissão de entidade económica.
             41. No entanto, resulta dos próprios termos do artigo 1.° da Diretiva 77/187 que o âmbito de aplicação desta última abrange todas as hipóteses de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa e que, por esse facto, assume as obrigações do empregador face aos empregados da empresa, sem que tenha importância saber se a propriedade dos elementos corpóreos é transmitida (acórdãos de 17 de Dezembro de 1987, Ny Mølle Kro, 287/86, Colect., p. 5465, n.º 12, e de 12 de Novembro de 1992, Watson Rask e Christensen, C-209/91, Colect., p. I-5755, n.º 15).
             42. A circunstância de os elementos corpóreos retomados pelo novo empregador não pertencerem ao seu predecessor, mas terem sido postos à disposição pelo mandante, não pode, portanto, levar a excluir a existência de uma transmissão de empresa na aceção da Diretiva 77/187.
             43. Deve, portanto, responder-se à questão do órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 1.° da Diretiva 77/187 deve ser interpretado no sentido de que esta última se aplica a uma situação em que o mandante, que tinha confiado por contrato a gestão completa da restauração coletiva num hospital a um primeiro empresário, põe termo a esse contrato e celebra, com vista à execução da mesma prestação, um novo contrato com um segundo empresário, quando o segundo empresário utiliza elementos importantes de ativos corpóreos anteriormente utilizados pelo primeiro empresário e postos sucessivamente à disposição dos mesmos pelo mandante, ainda que o segundo empresário tenha manifestado a intenção de não reintegrar os trabalhadores do primeiro empresário– nossos sublinhados.
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             Todos estes considerandos são perfeitamente transponíveis para o caso dos autos.
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             Por fim, este Supremo Tribunal de Justiça tem decidido maioritariamente de acordo com a jurisprudência comunitária.
             A título, meramente, exemplificativo, referem-se os acórdãos de 28.09.2017, e de 12.11.2008, preferidos, repetidamente, nos Processos n.º 1335/13.8TTCBR.C1.S1 e JSTJ00.

              Acórdão de 28.09.2017:
1. A sucessão na concessão de exploração de refeitório em Centro Educativo enquadra-se no conceito amplo de transmissão de empresa ou estabelecimento, conforme estipulado na cláusula 127.ª do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável.
2. Os contratos de trabalho que se transmitem para o adquirente da empresa ou estabelecimento são unicamente os existentes à data da transmissão.
             
              Acórdão de 12.11.2008:
1) Na cessão de exploração do estabelecimento, o cessionário torna-se responsável solidário pelos salários em dívida pelo cedente, à data da cessão, relativamente aos trabalhadores abrangidos por esta, não produzindo quaisquer efeitos relativamente a eles o que a esse respeito tiver sido convencionado entre o cedente e o cessionário no contrato de cessão de exploração entre eles celebrado.
2) Resolvido o contrato de cessão de exploração, com a consequente reversão do estabelecimento ao cedente, o cessionário continua responsável pelos ditos salários, durante o período de um ano subsequente à reversão.
3) A data relevante para o início da contagem daquele prazo é a data em que o estabelecimento foi efetivamente devolvido ao cedente e não a data em que o contrato de cessão de exploração foi por este resolvido.
*****

              No caso concreto:

             Conclui-se, pois, que houve reversão da exploração do estabelecimento denominado “...” da Ré “CC – …, S. A.” para a Ré “… – BB”.
             Ora, a Ré “BB” confiou, por contrato de concessão, à Ré “CC” a gestão e a exploração completa da restauração coletiva da cantina [refeitórios, restaurantes, bares e cafés, etc.] do “...– ...”, a qual, para essa atividade, contratou trabalhadores que ficaram adstritos a essa Cantina.
             Tendo o contrato cessado em 31 de dezembro de 2014, a cantina encerrou.
             Contudo, a “BB”, ela própria, com a afetação de funcionários do próprio quadro e utilizando os mesmos ativos corpóreos que tinha posto à disposição da Ré “CC”, passou diretamente a confecionar e a fornecer as refeições à mesma clientela, a partir de 12 de janeiro de 2015.        
               
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        2) – Transmissão para a Ré “BB” da posição que a Ré “CC” ocupava no contrato de trabalho com o Autor/Recorrido à luz do direito da União:

       
             a) – Jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia/Tribunal de Justiça da União Europeia:
 
      No artigo 6º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, dispõe-se que “A União reconhece os direitos, liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 07 de dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.
             De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados. 
             Os direitos, as liberdades, e os princípios consagrados na Carta, devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições.”

             Maris do Rosário Palma Ramalho[13], a propósito deste artigo do TUE, diz que ”[a] verdade é que o Direito Social da União Europeia também tem desenvolvido outras áreas de intervenção, conexas com a evolução do emprego na Europa e com conjunturas económicas menos favoráveis. Assim, têm concitado a atenção de legislador comunitário matérias como o trabalho atípico e alguns regimes laborais especiais, o tema da tutela dos trabalhadores perante vicissitudes económicas das empresas, como a transmissão do estabelecimento, o despedimento coletivo ou a insolvência do empregador, as matérias relativas à representação coletiva dos trabalhadores, à negociação coletiva e, obviamente, à matéria do emprego e, ainda mais recentemente, às matérias de flexisegurança.”


             Ora, a Diretiva 2001/23/CE, do Conselho de 12 de março de 2001, regula, uma dessas áreas, ou seja, regula a aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.



          Nos seus considerandos refere que:


- “(1) A Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos foi alterada de modo substancial. Por conseguinte, é conveniente, por motivos de lógica e clareza, proceder à codificação da dita diretiva.
- (2) A evolução económica acarreta, no plano nacional e comunitário, modificações das estruturas das empresas que se traduzem nas transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de empresas ou de estabelecimentos, para outros empresários, como consequência de cedências ou fusões.
- (3) É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.
- (4) Subsistem diferenças nos Estados-Membros no que respeita ao alcance da proteção dos trabalhadores neste domínio sendo conveniente reduzir estas diferenças.
- (7) Por motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídica de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esse esclarecimento não alterou o âmbito da Diretiva 77/187/CEE, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça.”

             O Tribunal de Justiça da União Europeia[14] tem proferido várias decisões sobre a transferência de estabelecimentos, nomeadamente sobre a transmissão e sobre a reversão de uma unidade económica do sector privado para o sector público e vice-versa.

             Ainda recentemente se pronunciou sobre dois pedidos de decisão prejudicial efetuados pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro.

              Ora, sobre a aplicação da Diretiva 2001/23/CEE, em casos de transmissão ou de reversão de uma unidade económica do sector privado para o sector público, e vice-versa, a jurisprudência do TJUE tem vindo a consolidar-se no sentido afirmativo, como, aliás, decorre dos casos supramencionados.


          Vejamos essa evolução:

- Diretiva 77/187/CEE, de 14 de fevereiro de 1977, alterada pela Diretiva 98/50/CE, do Conselho, de 29 de junho de 1998 (já revogadas):


A primeira Diretiva sobre transmissão de unidade económica, ou seja, a Diretiva 77/187/CEE, não se referia à transmissão do setor privado para o setor público ou vice-versa.

Apenas com a alteração efetuada pela Diretiva 98/50/CE, que deu nova redação ao seu artigo 1º, n.º 1, é que ficou a constar, expressamente, que a mesma era aplicável a todas as empresas públicas ou privadas.

Com efeito, dispunha inicialmente o seu artigo 1º, n.º 1, que “a presente diretiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de fusão que impliquem mudança de empresário”.

Posteriormente, com a referida alteração, o seu artigo 1º, n.º 1, que passou a ter 3 alíneas, passou a dispor o seguinte:

Alínea c):
- “A presente diretiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente diretiva”.



ASSIM:

1) - No processo C-298/94-Henke, de 15 de outubro de 1996, o TJ foi confrontado com uma situação em que a Sr.ª A. Henke tinha sido contratada como secretária da Câmara em um município alemão, Schierke.
Tendo esse município decidido formar com outros, ao abrigo de uma lei de direito público, uma associação de municípios (“Verwaltungsgemeinschaft Brocken”), para a qual transferiu uma parte das suas atribuições e competências, fez cessar o contrato com a Sr.ª A. Henke, o qual alegou que tinha havido uma transmissão de unidade económica.
Neste caso (n.º 14 do Acórdão[15]) o Tribunal decidiu que “a reorganização de estruturas da administração pública ou a transferência de atribuições administrativas entre administrações públicas não constitui uma transferência de empresa na aceção da Diretiva”, acrescentando (n.º 17) que “a transferência efetuada entre o município e a associação de municípios apenas incidiu sobre atividades relativas ao exercício dos poderes públicos” e “mesmo supondo que tais atividades tenham abrangido elementos de natureza económica, estes só podem ter tido um aspeto acessório”.

2) – Mais tarde, pronunciou-se sobre a mesma questão, nos processos apensos “C-173/96 – Hidalgo” e “C-247/96 – Ziemann”, no Acórdão de 10 de dezembro de 1998.
Tratava-se, respetivamente, no “caso Hidalgo” de uma empresa a quem o município de Guadalajara tinha adjudicado o seu serviço de ajuda ao domicílio a pessoas desfavorecidas e, no “caso Ziemann”, de uma sociedade a quem tinha sido adjudicada a guarda de um depósito sanitário do exército alemão.
Nos dois casos, apesar de se tratar apenas de saber se haveria transmissão quando uma nova empresa sucedeu à anterior nesse contrato, o Tribunal aproveitou o ensejo para afirmar (n.º 24) que “a circunstância de o serviço ou de o contrato em causa ter sido adjudicado por um organismo de direito público não pode excluir a aplicação da Diretiva 77/187 na medida em que nem a atividade de ajuda ao domicílio de pessoas desfavorecidas, nem a atividade de segurança fazem parte do poder público”.

3) - No caso “C-343/98 - Collino e Chiappero”, de 14 de setembro de 2000, tratou-se de dois trabalhadores de um organismo do Estado italiano (ASST), encarregado da gestão de determinados serviços de telecomunicação de utilização pública, que foram transferidos por lei para uma sociedade, a “IRITEL”, que veio a ser integrada em uma outra, a “SIP”, que por seu turno passou a “TELECOM Itália” quando esta absorveu a “IRITEL”.
A “TELECOM Itália” invocava precisamente (n.º 14 do Acórdão) que uma entidade pública como a “ASST” não constituía uma empresa e que o exercício da atividade em causa dependia de uma concessão administrativa.
O Tribunal reiterou que “a circunstância de o serviço transferido ter sido objeto de concessão por parte de um organismo de direito público (…) não pode excluir a aplicação da diretiva na medida em que a atividade em causa não faça parte do exercício do poder público” (n.º 32) e que “a circunstância de a transferência resultar de decisões unilaterais dos poderes públicos e não de um concurso de vontades não exclui a aplicação da diretiva” (n.º 34).
Recordou, ainda, o Tribunal que a gestão de instalações públicas de telecomunicações constitui uma atividade empresarial (n.º 33).
Mais recordou que “o benefício da diretiva só pode ser invocado por pessoas que no estado-membro em causa estejam protegidas como trabalhadores nos termos da legislação nacional em matéria de direito do trabalho” (n.º 36).

4) - No processo “C-175/99 - Didier Mayer”, de 26 de setembro de 2000, estava em causa um trabalhador de uma associação sem fins lucrativos, a “APIM”, encarregada de promover, divulgar e dar a conhecer por todos os meios e em todos os domínios as possibilidades proporcionadas pela cidade de Metz, associação que publicava uma revista “Vivre à Metz”.
A associação foi extinta e as suas atividades, incluindo a publicação da revista, foram retomadas pelo município de Metz. Ainda que esta sociedade agisse por conta do município, o Tribunal decidiu que a situação não era a de uma mera reorganização de estruturas da administração pública ou transferência de atribuições administrativas entre administrações públicas (n.º 35 do Acórdão).
Com efeito, apesar de a “APIM” ter sido criada por iniciativa do Presidente da Câmara de Metz, de os seus dirigentes serem designados pelo município e de o essencial das suas receitas provirem de subvenções municipais, a “APIM” era uma pessoa de direito privado (n.º 37) e exercia uma atividade com caráter económico e que não podia ser considerada como relevando do exercício da autoridade pública (n.º 39).
No entanto, neste caso, o Tribunal foi de algum modo sensível ao argumento do Governo francês (n.º 50) de que “uma entidade pública que retoma uma atividade anteriormente exercida por uma pessoa coletiva de direito privado não teria a possibilidade de manter os contratos de trabalho celebrados por esta última na medida em que os agentes dos serviços públicos administrativos são agentes de direito público que são recrutados segundo modalidades específicas e cujo estatuto releva do direito administrativo”.
Admitiu, por isso, que poderia existir uma eventual obrigação, imposta pelo direito nacional, de rescindir os contratos de trabalho de direito privado no caso de transferência de uma atividade para uma pessoa coletiva de direito público, mas nesse caso a rescisão dos contratos de trabalho devia ser considerada da responsabilidade do empregador (n.º 56 do Acórdão).

5) - Seguidamente no processo “C-425/02 - Johanna Maria Delahaye, Boor pelo casamento”, de 25 de novembro de 2002, tratou-se de uma trabalhadora de uma associação sem fins lucrativos e pessoa de direito privado (Foprogest ASBL) encarregada da promoção e execução de atividades de formação destinadas a melhorar a situação social e profissional de pessoas à procura de emprego e de desempregados, sendo que tal atividade passou a ser exercida diretamente pelo Estado luxemburguês sob a forma de serviço público administrativo.
A Sr.ª Delahaye celebrou um contrato de trabalho sem termo, mas com um salário inferior ao que vinha auferindo.
O Tribunal por força da aplicação da lei no tempo teve, ainda, que aplicar a Diretiva 77/187 (e não as Diretivas posteriores - a 98/50, que a alterou, e a 2001/23, que a substituiu e que se encontra em vigor), admitiu que a referida diretiva não se opõe, em caso de transferência de uma atividade para uma pessoa coletiva de direito público, à aplicação do direito nacional que determina a rescisão dos contratos de trabalho de direito privado.
Contudo, essa rescisão constitui uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador que é responsabilidade do empregador (n.º 32) e o mesmo se passa com uma eventual redução de retribuição (n.º 33).
Acresce que “além disso, as autoridades competentes chamadas a aplicar e interpretar o direito nacional relativo aos trabalhadores do setor público têm que o fazer tanto quanto possível àluz da finalidade da Diretiva 77/187. Seria contrário ao espírito da referida diretiva tratar o trabalhador recebido do cedente sem ter em conta a sua antiguidade na medida em que as normas nacionais que regem a situação dos trabalhadores do Estado tomam em consideração a antiguidade do trabalhador do Estado no cálculo da sua remuneração” (n.º 34).

6) – Por sua vez, a decisão proferida pelo Tribunal no Acórdão “Katia Beckmann - C-164/00”, de 4 de junho de 2002, merece especial atenção, porque, neste caso, é o próprio tribunal que exprimiu dúvidas sobre a aplicabilidade da Diretiva 77/187/CEE (n.º 48: “a aplicabilidade da diretiva 77/187/CEE no caso presente não é isenta de dúvidas”).
Tratava-se, no fim de contas, de um organismo integrado na administração pública e que foi subsequentemente privatizado.
O Tribunal sublinhou que os funcionários de organismos públicos não são, por definição, trabalhadores na aceção da diretiva (n.º 49).
Mas a Sr.ª Katia Beckmann tinha um contrato de trabalho com o organismo público (n.º 52).
O Tribunal acentuou que as atividades exercidas no âmbito do serviço nacional de saúde, mesmo sendo reguladas pelo direito público, não podiam ser incluídas no exercício do poder público a que se referia o TJ no caso Henke, ainda que tenha dito que “tal questão deve ser analisada e decidida pelo juiz nacional” (n.º 58).
Também afirmou que o princípio funcional que se baseia no exercício do poder público e na atividade concretamente exercida “parece mais equitativo do que tomar como base unicamente a forma de organização da unidade transferida ou sobre a forma jurídica do título que serve de base à relação laboral” (n.º 55).
Muito embora o Acórdão aluda a que seria pensável uma aplicação restrita da Diretiva que mais não visa que uma harmonização parcial (n.º 58) e sublinhe que a aplicação da diretiva pode dificultar a privatização dos serviços púbicos (n.º 59), acabou por afirmar que “há que garantir a proteção dos trabalhadores das empresas do setor público exatamente no âmbito da privatização” e que seria contrário ao escopo principal da diretiva de proteção dos trabalhadores excluir determinados trabalhadores de tal proteção unicamente porque a sua relação laboral se baseia no direito público, tanto mais que o estatuto de funcionário público se extingue por ocasião da privatização (n.º 59).

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- Diretiva 2001/23/CE do conselho de 12 de março de 2001:


A presente Diretiva, como já anteriormente dito, veio proceder à codificação, por “motivos de lógica e clareza” (consideração preliminar 1) da diretiva 77/187/CEE e prevê agora a situação em análise no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), como, aliás, já se previa na anterior, na redação dada pela Diretiva 98/50/CE.
Note-se, contudo, que o esclarecimento do conceito de transferência “não alterou o âmbito da Diretiva 77/187/CEE, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça”.

A partir deste momento a posição assumida pelo TJUE tem sido muito mais constante.

6) - No Acórdão “UGT-FSP, de 29 de julho de 2010, C-151/00”, estava em causa um caso em que, em 25 de agosto de 2008, por decreto do presidente do Ayuntamiento de La Línea, foi decidida a reversão de uma série de concessões de serviços públicos cuja prestação era, até então, confiada a quatro empresas concessionárias privadas.
Os serviços objeto das concessões revertidas foram as portarias das escolas e a limpeza das escolas públicas, a limpeza viária e a manutenção dos parques e jardins” (n.º 12).
O TJ decidiu que a circunstância de esta reversão operar por um decreto ou ato unilateral do Município não exclui a aplicabilidade da diretiva (cf. números 23 a 26 do Acórdão).


7) - No Acórdão “CLECE-SA, proferido a 20 de janeiro de 2011, processo C-463/09,” a situação em causa era a seguinte:
 “A CLECE, empresa que prestava serviços de limpeza, celebrou com o Ayuntamiento de Cobisa, em 27 de maio de 2003, um contrato que tinha por objeto a limpeza de escolas e instalações municipais, sem que tivesse sido estipulado que a prestação dos serviços em causa necessitava da utilização de elementos materiais específicos” (n.º 11 do Acórdão), tendo o contrato sido resolvido pelo Município que contratou trabalhadoras para assegurarem aquele serviço (n.º 16).
O Tribunal considerou que “não se pode excluir desde logo a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 em circunstâncias como as do processo principal, em que um município decide resolver unilateralmente o contrato que o vinculava a uma empresa privada e exercer ele próprio as atividades de limpeza que confiava à segunda”, embora tenha afirmado que no caso concreto e pela aplicação do método indiciário não ocorria qualquer indício de transmissão, com esta fundamentação:
                (…)
              N.º 40: ”A este respeito, resulta da decisão de reenvio que o Ayuntamiento de Cobisa, para exercer ele próprio as atividades de limpeza das suas escolas e das suas instalações, anteriormente confiadas à CLECE, contratou pessoal novo, sem retomar os trabalhadores anteriormente afetados a essas atividades pela CLECE, nem tão pouco nenhum elemento dos ativos corpóreos ou incorpóreos dessa empresa. Nestas condições, o único elemento que estabelece um nexo entre as atividades exercidas pela CLECE e as retomadas pelo Ayuntamiento de Cobisa é o objeto da atividade em causa, a saber, a limpeza de instalações”;
             N.º 41: ”Ora, a mera circunstância de a atividade exercida pela CLECE e a exercida pelo Ayuntamiento de Cobisa serem semelhantes, senão mesmo idênticas, não permite concluir pela manutenção da identidade de uma entidade económica. Com efeito, uma entidade não pode ser reduzida à atividade de que está encarregada. A sua identidade resulta de uma multiplicidade indissociável de elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou ainda, sendo caso disso, os meios de exploração à sua disposição (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Süzen, n.° 15; Hernández Vidal e o., n.º 30; e Hidalgo e o., n.º 30). Em especial, a identidade de uma entidade económica como a que está em causa no processo principal, que assenta essencialmente na mão de obra, não pode ser mantida se o essencial dos seus efetivos não for retomado pelo presumido cessionário”).


8) - Seguidamente no Acórdão “IVANA SCATTOLON, C-108/10”, proferido a 6 de setembro de 2011, o Tribunal considerou aplicável a Diretiva e negou que fosse uma mera reorganização administrativa a seguinte situação:
“Até 1999, os serviços de assistência às escolas públicas italianas, que consistem, nomeadamente, na limpeza e na manutenção dos locais, bem como na assistência administrativa, eram parcialmente assegurados por pessoal administrativo, técnico e auxiliar (ATA) do Estado e parcialmente assegurados por coletividades locais, como os municípios. As coletividades locais asseguravam estas funções através do seu pessoal administrativo, técnico e auxiliar (a seguir «pessoal ATA das coletividades locais») ou através da celebração de contratos com empresas privadas” - (n.º 12 do Acórdão).
“A Lei n.°124, relativa à adoção das disposições urgentes em matéria de pessoal escolar (legge 3 maggio 1999, n.º 124, recante disposizioni urgenti in materia di personale scolastico), de 3 de maio de 1999 (GURI n.°107, de 10 de maio de 1999, p. 4, a seguir «Lei n. 124/99»), previu a transferência, a partir de 1 de janeiro de 2000, do pessoal ATA das coletividades locais empregado nas escolas públicas para os quadros do pessoal ATA do Estado - (n.º 14 do Acórdão).
“Na medida em que os benefícios decorrentes da referida regulamentação apenas podem ser invocados por pessoas que, no Estado Membro em causa, são protegidas enquanto trabalhadores ao abrigo da legislação nacional em matéria de direito do trabalho (v., designadamente, acórdãos de 10 de Dezembro de 1998, Hidalgo e o., C 173/96 e C 247/96, Colect., p. I 8237, n.°24, e de 14 de Setembro de 2000, Collino e Chiappero, C 343/98, Colect., p. I 6659, n.°36), importa observar desde já que, segundo as apreciações do órgão jurisdicional de reenvio, que não são contestadas pelo Governo italiano, o pessoal ATA empregado nas escolas públicas em Itália goza dessa proteção. Daqui resulta que a recorrente no processo principal pode beneficiar da regulamentação da União relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores, desde que os requisitos de aplicabilidade especificamente enumerados nessa regulamentação estejam reunidos” - (n.º 39).
Por princípio, estão excluídas da qualificação de atividade económica as atividades que se enquadram no exercício das prerrogativas do poder público (v., designadamente, acórdão de 1 de julho de 2008, MOTOE, C 49/07, Colect., p. I 4863, n.°24 e jurisprudência referida, e, relativamente à Diretiva 77/187, acórdão de 15 de outubro de 1996, Henke, C 298/94, Colect., p. I 4989, n.°17). Em contrapartida, foram qualificados de atividades económicas os serviços que, sem se enquadrarem no exercício das prerrogativas do poder público, são assegurados devido ao interesse público, não têm fins lucrativos e estão em concorrência com os serviços propostos por operadores que prosseguem fins lucrativos (v., a este respeito, acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C 41/90, Colect., p. I 1979, n. 22; Aéroports de Paris/Comissão, já referido, n. 82; e Cassa di Risparmio di Firenze e o., já referido, n.ªs122 e 123)”- (n.º 44 do Acórdão).
“No presente caso, como resulta do artigo 8. ° da Lei n.º 124/99, o grupo de trabalhadores abrangido pela retoma por parte do Estado é constituído pelo pessoal ATA das coletividades locais empregado nas escolas públicas. Dos autos decorre também que as atividades desse pessoal consistem em assegurar os serviços auxiliares de que as escolas necessitam para realizarem, em condições ótimas, a sua tarefa de ensinar. Estes serviços abrangem, nomeadamente, a limpeza e a manutenção dos locais, bem como tarefas de assistência administrativa” - (n.º 45).
No que se refere, em terceiro e último lugar, ao facto de que o pessoal transferido e as suas atividades são integrados na Administração Pública, há que recordar que desta mera circunstância não resulta que esta entidade deixa de ficar sujeita à aplicação da Diretiva 77/187 (v., neste sentido, acórdão Collino e Chiappero, já referido, n.ºs 33 e 35). A conclusão contrária não seria coerente com a jurisprudência referida no n.º 42 do presente acórdão, segundo a qual qualquer conjunto suficientemente estruturado e autónomo de pessoas e de elementos que permita o exercício de uma atividade económica com um objetivo próprio constitui uma «empresa», na aceção do artigo 1. °, n. 1, da Diretiva 77/187, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento” - (n.º 53).
“Embora seja verdade que, como sublinhou o Governo italiano, o Tribunal de Justiça excluiu do âmbito de aplicação da Diretiva 77/187 a «reorganização de estruturas da Administração Pública» e a «transferência de atribuições administrativas entre as Administrações Públicas», exceção posteriormente consagrada no artigo 1.°, n.º 1, desta Diretiva, na sua versão resultante da Diretiva 98/50, bem como no artigo 1.°, n.º 1, da Diretiva 2001/23, não é menos certo, como foi já salientado pelo Tribunal de Justiça e recordado pelo advogado geral nos n.ºs 46 a 51 das suas conclusões, que o alcance dessas expressões está limitado aos casos em que a transferência diz respeito às atividades que se enquadram no exercício do poder público (acórdão Collino e Chiappero, já referido, n.ºs 31, 32 e jurisprudência referida) - (n.º 54).
“É certo que resulta dos autos que a retoma do pessoal ATA das coletividades locais pelo Ministério se inscreve no âmbito de uma reorganização da Administração Pública em Itália. Todavia, em vez de ter considerado que qualquer transferência associada a uma reorganização da Administração Pública, ou que nela se inscreve, deve ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 77/187, o Tribunal de Justiça limitou-se a precisar, na jurisprudência invocada pelo Governo italiano, que a reorganização de estruturas da Administração Pública e a transferência de atribuições administrativas entre Administrações Públicas não constituem, em si mesmas e enquanto tais, uma transferência de empresa na aceção da referida diretiva (v. acórdãos, já referidos, Henke, n.° 14; Collino e Chiappero, n.º 31; e Mayeur, n.º 33)”- (n.º 55).
“O Tribunal de Justiça considerou nomeadamente que a criação de um grupo intermunicipal e a retoma por este de determinadas competências dos municípios que o integram constituem uma reorganização do exercício do poder público e, por conseguinte, não podem ser abrangidas pela Diretiva 77/187 (v. acórdão Henke, já referido, n.ºs 16 e 17), tendo também declarado, noutros casos, que a transferência de pessoal que exerce atividades de natureza económica numa Administração Pública é abrangida por esta diretiva (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Hidalgo e O., n.º 24, e Collino e Chiappero, n.°32)” - (n.º 56).
“Nada justificaria que se desenvolvesse esta jurisprudência no sentido de que os funcionários públicos, protegidos enquanto trabalhadores pelo direito nacional e sujeitos a uma transferência para uma nova entidade patronal na Administração Pública, não possam beneficiar da proteção conferida pela Diretiva 77/187, apenas pelo facto de essa transferência se inscrever no âmbito de uma reorganização da referida Administração” - (n.º 57).
A este respeito, importa considerar que, se tal interpretação fosse aceite, qualquer transferência imposta a esses trabalhadores poderia deixar de ficar sujeita ao âmbito de aplicação da Diretiva 77/187, porquanto a autoridade pública em causa poderia simplesmente invocar que esta transferência faz parte de uma reorganização de pessoal. Importantes categorias de trabalhadores que exercem atividades económicas na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça poderiam assim ficar privadas da proteção prevista por esta diretiva. Este resultado seria dificilmente conciliável tanto com a redação do artigo 2.° desta, nos termos do qual o cedente e o cessionário podem ser qualquer pessoa singular ou coletiva que tenha a qualidade de entidade patronal, como com a necessidade, tendo em conta o objetivo de proteção social que a referida diretiva prossegue, de interpretar restritivamente as exceções à aplicação desta (v., no que respeita à Diretiva 2001/23, acórdão de 11 de Junho de 2009, Comissão/Itália, C 561/07, Colect., p. I 4959, n.º 30 e jurisprudência referida) - (n.º 58 do Acórdão) – nosso realce.
****
Este Acórdão, “IVANA SCATTOLON, C-108/10”, reveste-se de grande importância, nesta matéria, pois restringe o alcance da exceção prevista no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), em homenagem ao escopo protetor da Diretiva, posição que foi retomada em vários outros Acórdãos.

Entre eles, está o Acórdão “ADIF, processo C-509/14”, de 20 de novembro de 2015, (sobre uma empresa pública espanhola), no qual o TJUE, afirmou:

“O facto de a pessoa coletiva em questão no processo principal ser uma empresa pública que tem a seu cargo um serviço público não a exclui do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23” (n.º 26 do Acórdão).

      E com grande clareza, afirmou o mesmo, em dois recentes Acórdãos, nos quais estava em causa o ordenamento jurídico português.

      Trata-se dos Acórdãos proferidos:

· No processo C-416/16, que tinha por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267º TFUE, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Portugal), por decisão de 20 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de julho de 2016, no processo FF contra GG, E.M., S.A., em liquidação, Município de …, … – HH, E.M., S.A..
E
· No processo C-317/18, que tinha por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267º TFUE, também pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Portugal), por Decisão de 23 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de maio de 2018, no processo II contra Município de …:

a) – Processo “C-416/16 – Piscarreta Ricardo”:

      Tratou-se do seguinte caso:

“Em outubro de 2014, o Município de Portimão decidiu dissolver a “GG”, de que era o único acionista. Uma parte das atividades dessa empresa foi internalizada pelo Município de Portimão, a saber, a gestão do sistema de transporte, a gestão dos equipamentos de desenvolvimento económico, como o mercado, o parque de feiras e exposições e o pavilhão multiusos, a gestão da venda ambulante e os mercados e feiras tradicionais” (n.º 19) e “a outra parte das atividades da “Portimão Urbis” foi externalizada na “EMARP” – da qual o Município de Portimão era, igualmente, o único acionista – a saber, por um lado, a gestão do espaço público, incluindo a atividade publicitária que lhe está associada, a ocupação da via pública e o estacionamento público urbano aéreo e subterrâneo, e, por outro, a gestão dos equipamentos coletivos e a prestação de serviços no domínio da educação, da ação social, da cultura e do desporto, nomeadamente o funcionamento do Teatro Municipal de Portimão, da quinta pedagógica, da Casa Manuel Teixeira Gomes e dos centros comunitários” - (n.º 20).
«Em conformidade com estas decisões, parte dos trabalhadores da “Portimão Urbis” foi objeto de um «acordo de cedência de interesse público» e, assim, retomada diretamente pelo Município de Portimão. Quanto à outra parte dos trabalhadores, a mesma foi objeto de «cessão da posição contratual» e foi retomada pela “EMARP”» (n.º 21).

O Tribunal afirmou o seguinte:

A este respeito, há que declarar, em primeiro lugar, que a circunstância de, no âmbito desta operação, o cedente ser uma empresa municipal e os cessionários serem um município e uma outra empresa municipal não impede, só por si, que a Diretiva 2001/23 seja aplicável à referida operação” (n.º 31)
“Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a circunstância de o cessionário ser uma pessoa coletiva de direito público não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23, quer essa pessoa coletiva seja uma empresa pública que tem a seu cargo um serviço público (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C 509/14, EU:C:2015:781, n.ºs 25 e 26) ou um município (v., neste sentido, acórdão de 20 de janeiro de 2011, CLECE, C 463/09, EU:C:2011:24, n.º 26 e jurisprudência referida)” - (n.º 32).
No caso vertente, as diversas atividades exercidas pela “Portimão Urbis” e retomadas pelo Município de Portimão e pela “EMARP”, conforme foram descritas nos n.ºs 19 e 20 do presente acórdão, não parecem participar do exercício de prerrogativas de poder público, pelo que são suscetíveis de ser qualificadas de atividades económicas, na aceção do artigo 1.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2001/23” - (n.º 35) – nosso realce.

             b) – No Processo “C-317/18 – Cátia Correia Moreira”:

             Também neste caso o Tribunal decidiu do mesmo modo.
             
              ASSIM:

     “19 - Em 19 de abril de 2005, C. Correia Moreira celebrou com a “Expo Arade, Animação e Gestão do Parque de Feiras e Exposições de Portimão, EM”, um contrato de formação em posto de trabalho.
       20 - Em 2 de janeiro de 2006, C. Correia Moreira celebrou com a referida empresa um contrato de trabalho com prazo certo de 1 ano, para o desempenho de funções de técnico de recursos humanos.
            21 - Em 1 de novembro de 2008, C. Correia Moreira celebrou com a “Parque Urbis, EM, SA” (a seguir «PARQUE URBIS»), um contrato de comissão de serviço, para o desempenho de funções de chefe da Unidade de Gestão Administrativa e de Recursos Humanos. Este contrato durou até 30 de junho de 2010.
             22 - Em 1 de julho de 2010, C. Correia Moreira celebrou com a “Parque Urbis” um novo contrato de comissão de serviço, para o desempenho das mesmas funções. As partes revogaram este contrato em 1 de julho de 2013.
              23 - Na mesma data, celebrou com a “Parque Urbis” um novo contrato de comissão de serviço, para o desempenho de funções de gestora da Unidade de Gestão Administrativa e de Recursos Humanos, mas com redução da sua remuneração ilíquida.
             24 - Em 15 de outubro de 2014, o Município de Portimão aprovou a dissolução e liquidação da “Parque Urbis” no âmbito de um plano que previa a internalização de uma parte das atividades desta empresa no Município e a externalização das outras atividades para outra empresa municipal, a saber, a “HH, EM, SA” (a seguir «EMARP»).
             25 - O Município de Portimão e a “EMARP” mantiveram em vigor todos os direitos consagrados nos contratos de trabalho celebrados pela “Parque Urbis”.
             26 - C. Correia Moreira figurava na lista dos trabalhadores «internalizados» do Município de Portimão, que celebraram com este um acordo de cedência de interesse público, e foi afeta a serviços administrativos e de gestão de recursos humanos. Entre 1 de janeiro de 2015 e 20 de abril de 2017, desempenhou funções como técnica superior na área de atividade funcional de recursos humanos no Município de Portimão.
              27 - Em julho de 2015, os trabalhadores abrangidos pelo plano de internacionalização, entre os quais C. Correia Moreira, foram informados pelo Município de Portimão de que a sua candidatura ao concurso previsto implicaria, caso fossem admitidos, o seu ingresso no primeiro escalão da função pública, com um prazo de permanência mínima no mesmo escalão de dez anos. Os trabalhadores que foram «externalizados» para a EMARP não ficaram sujeitos a esse concurso.
             28 - Foi aberto um procedimento concursal, ao qual C. Correia Moreira se candidatou. No termo do mesmo, e apesar de ter ficado classificada em primeiro lugar na lista, foi informada de que a sua remuneração seria inferior à que recebia na “Parque Urbis”, o que ela não aceitou.
             29 - Em 26 de abril de 2017, a “Parque Urbis” comunicou a C. Correia Moreira a caducidade do seu contrato de trabalho por encerramento da empresa.
              (…)
              33 - O Município de Portimão contesta os pedidos de C. Correia Moreira, alegando, em primeiro lugar, que não ocorreu transmissão de estabelecimento, pois a empresa municipal foi dissolvida por imposição legal, tendo se este município limitado a avocar competências que lhe incumbiam originariamente; em segundo lugar, que C. Correia Moreira estava a exercer funções em regime de comissão de serviço, não detendo, portanto, a qualidade de trabalhadora da “Parque Urbis”; e, em terceiro lugar, que o Município de Portimão se limitou a cumprir o regime legal decorrente do artigo 62.° da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, nos termos do qual todos os funcionários dos municípios são recrutados segundo modalidades específicas e estão sujeitos ao princípio da igualdade no acesso à função pública consagrado no artigo 47.°, n.º 2, da Constituição
(…)
             53 - Antes de mais, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a circunstância de o cessionário ser uma pessoa coletiva de direito público não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23, quer essa pessoa coletiva seja uma empresa pública que tem a seu cargo um serviço público ou um município. Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu que o facto de o cessionário ser um município não obsta, enquanto tal, a que a referida diretiva seja aplicável a uma transferência de atividades de uma empresa para um município (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Piscarreta Ricardo, C 416/16, EU:C:2017:574, n.ºs 30 a 32 e jurisprudência referida).
             54 - Todavia, o Tribunal de Justiça precisou, a este propósito, que resulta da redação do artigo 1.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2001/23 que, para que esta seja aplicável, a transferência deve referir se a uma entidade que exerça uma atividade económica com ou sem fins lucrativos e que, em princípio, estão excluídas, a este respeito, as atividades que se enquadram no exercício das prerrogativas de poder público (Acórdão de 20 de julho de 2017, Piscarreta Ricardo, C 416/16, EU:C:2017:574, n.ºs 33 e 34 e jurisprudência referida).
              (…)
              61 - No que respeita à referência ao artigo 4.°, n.º 2, TUE, feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, recorde se que esta disposição prevê que a União respeita, nomeadamente, a identidade nacional refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais dos Estados Membros.
             62 - A este respeito, importa observar que a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que, no domínio em que os Estados Membros transferiram as suas competências para a União, como em matéria de manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, permite privar um trabalhador da proteção que lhe confere o direito da União em vigor nesse domínio. (realce e negrito nosso).
             63 - Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que a Diretiva 2001/23, em conjugação com o artigo 4.°, n.º 2, TUE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê que, em caso de transferência, na aceção desta diretiva, e por o cessionário ser um município, os trabalhadores em causa devem, por um lado, submeter se a um processo de concurso público e, por outro, sujeitar se a um novo vínculo com o cessionário.

*****
        b) – Primazia do direito da União sobre o direito interno no caso concreto:
     

Provou-se que a titularidade do estabelecimento, denominado “...”, era da Recorrente “… – BB”.
             
             Mais se provou que esta, a “BB”, constitui uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, e tem como missão a execução da política de ação social escolar, entre outras, na promoção do acesso à alimentação em cantinas e bares, tudo nos termos dos seus Estatutos publicados no Diário da República, 2.ª Série, n.º 219, de 12/11/2013 – Despacho n.º 14601/2013, de 24.10.2013.

             Também já se concluiu que houve reversão da exploração daquele estabelecimento, ou seja, da “...” da Ré “CC – …, S. A.” para a Ré “… – BB”.
****
             
O primado do Direito da União é uma categoria metódica, quer dizer, do método de aplicação do direito comunitário e do direito nacional de cada Estado-Membro, nas suas relações recíprocas.
Significa que, em caso de conflito entre lei da União e lei nacional contrária, esta não é aplicável.

O direito da União mostra-se, assim, hierarquicamente superior ao direito nacional, e tem força obrigatória perante os Estados-Membros e os cidadãos europeus.

Correspondendo a uma necessidade existencial da própria União Europeia, o primado do direito da União impõe-se pela necessidade de assegurar a aplicação deste direito, uniforme e em todos os Estados-Membros, sem que uma norma nacional incompatível possa exercer um efeito paralisante.

Sem nunca haver sido consagrado expressamente nos Tratados comunitários, o princípio do primado foi afirmado por via da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), como elemento essencial da metódica de aplicação do direito comunitário.

Pela primeira vez no acórdão “Costa vs Enel”, de 15 de julho de 1964, o Tribunal considerou que nenhuma norma nacional, seja qual for a sua natureza, poderá contrariar uma norma jurídica comunitária, isso em nome do próprio fundamento jurídico das Comunidades.
Nos termos genéricos em que foi formulado, o princípio estabelecia a prevalência do direito comunitário sobre todo o direito nacional, incluindo as normas constitucionais.

Esta consequência viria a ser posteriormente confirmada, de forma clara, também pelo Tribunal, não sem provocar, em vários Estados-Membros, querelas jurídicas, ainda hoje não completamente ultrapassadas.

             O facto de não haver uma disposição expressa sobre o princípio do primado do direito comunitário no Tratado de Lisboa não compromete a sua existência nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A sua importância enquanto princípio metódico de aplicação do direito da União Europeia é assinalada aliás na Declaração n.º 17 anexa ao Tratado de Lisboa, sobre o primado do direito comunitário, na qual consta que «A Conferência lembra que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Tratados e o direito adotado pela União com base nos Tratados primam sobre o direito dos Estados-Membros, nas condições estabelecidas pela referida jurisprudência».


               Acresce que o primado do direito comunitário sobre o direito nacional está consagrado na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 8º, n.º 4.
             
              Dispõe o citado artigo que:

1) As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2) As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3) As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
4) As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.


Daqui se conclui que o Direito derivado de normas emanadas no exercício das competências das instituições da União são aplicáveis na ordem interna, nos termos por ela definidos, desde que respeitem os princípios fundamentais (o seu núcleo, a sua essência) do Estado democrático português.

Assim sendo, os princípios fundamentais do Estado de direito funcionam como uma espécie de cláusula de salvaguarda ou garantia constitucional contra eventuais disposições do direito da UE suscetíveis de pôr em causa os valores fundamentais do Estado de direito, tais como a soberania popular, o pluralismo político, os direitos e liberdades fundamentais, a separação de poderes e a independência dos tribunais (artigo 2°, da CRP).

Todo o direito da UE, primário e secundário, acaba por vincular os Estados-membros, não podendo o direito interno constituir um obstáculo à vigência do direito da UE na ordem interna ou ser declarado inconstitucional ou ainda ser desaplicado por alegada desconformidade com normas de direito interno.

A primazia do direito da UE acaba por afastar as normas de direito interno incompatíveis com o direito da UE e tornar inválidas ou, pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem.

Esta primazia do direito da UE obriga a uma transferência de parte da soberania do Estado para a UE e a admissão, nalgumas matérias, de uma partilha de poderes entre a UE e os Estados-membros, dentro dos limites das competências da UE e no respeito pelos princípios da especialidade, proporcionalidade e subsidiariedade.

De acordo com o princípio da atribuição, também chamado princípio da especialidade, a União Europeia só pode atuar nos termos e nos limites das atribuições que lhe são concedidas – artigo 5º, n.ºs 1 e 2, do Tratado da União Europeia[16].
O princípio da proporcionalidade determina que a ação da UE não pode exceder o necessário para atingir os seus fins – artigo 5º, n.ºs 1 e 4.
O princípio da subsidiariedade limita a atuação da União Europeia aos domínios que não sejam da atribuição exclusiva dos Estados-membros ou que não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros (artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, do Tratado).

Nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do TUE, para que as instituições da União intervenham em nome do princípio da subsidiariedade deverão estar preenchidas três condições prévias: a) não pode tratar-se de um domínio da competência exclusiva da União (isto é, deve ser uma competência não exclusiva); b) os objetivos da ação considerada não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros (necessidade); c) devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, esta pode ser mais bem alcançada ao nível da União (valor acrescentado).

              Como se depreende do supra exposto, os princípios fundamentais do Estado de Direito democrático são os princípios em que assenta a República, ou seja, os princípios constitucionais portugueses.
               
               Ora, no artigo 2.º da sua Constituição, define-se a República Portuguesa como sendo «um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».

                O Estado de direito é uma figura jurídica, circunscrita a uma comunidade politicamente constituída num contexto espacial e temporal, na qual os detentores do poder se encontram sujeitos à Constituição e às leis promulgadas, onde existe uma separação efetiva de poderes e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
               Os limites e as regras para o exercício do poder estatal (onde se inscrevem as chamadas «garantias fundamentais») encontram-se consignados numa constituição democraticamente aceite.
                Em suma, “o conceito do Estado de direito assenta num conjunto de elementos constitucionais fundamentais que, apesar de autonomizados, estão numa relação de interdependência entre eles e com outros valores subjacentes. Isto é, o direito, como meio de ordenação racional, não pode ser dissociado de valores políticos, económicos, sociais e culturais.
               Todos estes elementos, no seu todo, podem contribuir para uma sociedade livre, justa e solidária, capazes de proporcionar o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos. Não devem ser vistos como elementos estáticos mas dinâmicos que vão evoluindo ao longo do tempo e das mudanças na sociedade e que a fazem também evoluir[17].”
****

         Quer os fundamentos quer a decisão do Tribunal de Justiça nos processos “C-416716 – Piscarreta” e “C.317718 - Cátia Correia Moreira”, são perfeitamente transponíveis para o caso em apreço.

     Como decidiu o TJUE, no caso “Piscarreta”, a circunstância de o cessionário ser uma pessoa coletiva de direito público, nomeadamente uma empresa pública que tem a seu cargo um serviço público, não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23,


É o caso desta atividade da Recorrente “BB”, que consistindo na promoção do acesso dos estudantes da Universidade de … à alimentação em cantinas e bares (fornecimento de refeições confecionadas e prestação de serviços associados, através da exploração de refeitórios, restaurantes, bares e cafés), nomeadamente na cantina “… – ...”, onde o Recorrido prestava a sua atividade, não se enquadra no exercício das prerrogativas do poder público.
               
             Essa atividade, de exploração de cantinas e bares universitários, é uma atividade económica que não se enquadra no exercício de prerrogativas do poder público, até porque na sua generalidade, é efetuada por empresas privadas, mediante a celebração de contratos de concessão, como era no caso dos autos, antes de se verificar a reversão – n.ºs 6 a 9 e 50 dos factos provados.

             Com efeito, esta dá-se, no caso concreto, por o contrato de concessão celebrado com a Ré “CC” ter cessado e por, consequentemente, a Ré “BB” ter reaberto a Cantina e passar a ser ela a confecionar e a fornecer diretamente as refeições aos estudantes – factos n.ºs 10 a 15 e 48 a 50.
                                                                                                                                                             
             De qualquer modo, como realça o Tribunal de Justiça, os Estados-Membros, incluindo Portugal, transferiram para a União, as suas competências em matéria de manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas.
             
             Ora, o artigo 4º, n.º 2, da TUE, refere que a União respeita, nomeadamente, a identidade nacional refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais dos Estados-Membros.
Contudo, diz o TJUE que este preceito, não pode ser interpretado no sentido de que, no domínio em que os Estados Membros transferiram as suas competências para a União, como em matéria de manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, permite privar um trabalhador da proteção que lhe confere o direito da União em vigor nesse domínio”.

             Assim sendo, conclui-se que, sendo aplicável ao caso o artigo 1º, n.º 1, da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001, bem como o disposto no artigo 285º, do CT de 2009, que a transpôs, transmitiu-se para a Ré “BB” a posição que a Ré “CC” ocupava no contrato de trabalho com o Autor/Recorrido AA.

               Improcede, assim, a questão que a Recorrente levanta a este respeito, por tal transmissão não violar quer o artigo 13º quer o artigo 47º, n.º 2, ambos da CRP.
****      
        E esta conclusão não contradiz a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal constante no acórdão de 13 de julho de 2017, proferido no Processo n.º 723/14.7TTPRT.P1.S1[18], que decidiu:

a) Provando-se que a trabalhadora exercia uma atividade em favor de pessoa coletiva de direito público, no caso uma entidade pública empresarial do sector da saúde, sendo o contrato a termo declarado nulo, não pode o mesmo converter-se em contrato de duração indeterminada, se não fez prova de ter sido admitida através dum processo de seleção aberto a todos os cidadãos, conforme impõe o n.º 2 do artigo 47.º da CRP.
b) A previsão deste preceito constitucional abrange também a admissão dum trabalhador ao serviço duma pessoa coletiva pública mesmo que o regime laboral seja o do contrato individual de trabalho.
c) O princípio do primado do direito europeu não se sobrepõe às normas constitucionais relativas aos princípios em que se fundamenta o Estado de direito democrático e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas faça o Tribunal Constitucional.

Com efeito, apesar de ambas as situações se passarem no âmbito de pessoas coletivas de direito público, na situação em apreço está em causa o direito dos trabalhadores em situação de transferência de empresa, matéria em que Portugal transferiu a sua competência para a União, e no acórdão está-se perante a impossibilidade de um contrato individual de trabalho a termo certo, declarado nulo, se converter, automaticamente, em contrato por tempo indeterminado, por ofensa ao disposto no artigo 47º, n.º 2, da CRP, com declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
             
****
3) - O despacho que homologou o Plano Especial de Revitalização da Ré “CC”, transitado em julgado, determina a extinção de todos os créditos reclamado pelo Autor e não somente os que se venceram até abril de 2014, o que leva à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do CPC:

              Não tem razão a Recorrente.

             Com efeito, no despacho saneador, transitado em jugado, decidiu-se que, devido ao “PER” instaurado à Ré “CC”, e nos termos do artigo 17º-E, n.º 1, primeira parte, do CIRE, estavam os Autores impedidos de peticionar, na presente ação, os créditos laborais, que se venceram antes do mês de abril de 2014.
             Em conformidade, quanto a eles, foi declarada a extinção da instância.

             Dispõe aquela norma que “a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

             Ora, “uma vez obtida a nomeação do administrador judicial provisório, no processo de revitalização o devedor obtém a suspensão de todas as ações destinadas à cobrança de dívidas (n.º 1), assim como do processo de insolvência contra ele instaurado se a sua insolvência não tiver já sido decretada (n.º 6), extinguindo-se futuramente todos estes processos no caso de vir a ser aprovado e homologado o plano de recuperação. No entanto, o devedor perde a possibilidade de praticar atos de especial relevo, a menos que obtenha previamente a autorização do administrador judicial provisório”[19]

             Não prevê, pois, este artigo ou qualquer outro, e nem a Recorrente o indica, que os créditos posteriores à homologação do plano de recuperação possam ser abrangidos e, consequentemente, extintos, até, pela simples razão, de nessa data ainda não existirem.
             
              Improcede, igualmente, esta questão.
VII

              - Decisão:

     - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a presente revista, que respeita apenas ao Autor/recorrido AA e, consequentemente, manter o acórdão recorrido quanto ao mesmo.
b. Custas da revista: a cargo da Ré/Recorrente “BB”.
c. Notifique.

Anexa-se o sumário do Acórdão.
~~~~~                                   
                                                                                                          Lisboa, 2019.09.11



Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

António Leones Dantas



______________________
[1] - 025/2017 – (FP) – CM/PH
[2] -           Nota:
           O presente acórdão respeita, tão-somente, ao Autor/Recorrido AA porque só relativamente a ele foi o recurso admitido.
             Quanto aos demais Autores/Recorridos, por acórdão de 22 de fevereiro de 2018, proferido em conferência, e já transitado em julgado, não foi o recurso admitido porque o valor de cada um dos respetivos pedidos era inferior ao valor da alçada do tribunal de que se recorria, ou seja, do Tribunal da Relação.
[3] - Doravante CPC.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Doravante CRP.
[6] - Doravante apenas CT.
[7] - Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, 12 de fevereiro – CT/2009.
[8] - No seu artigo 12º, revoga a Diretiva 77/187/CE, do Conselho, de 14.02.1977, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 98/50/CE. do Conselho, de 29.06.1998.
[9] Novos Estudos de Direito do Trabalho – “Novas, novíssimas e não tão novas questões sobre a transmissão da unidade económica em direito do trabalho” -, Wolters Kluver/Coimbra Editora, 2010, páginas 89 e seguintes.
[10]O regime da transmissão da empresa no Código do Trabalho” publicado em “20 anos do Código das Sociedades Comerciais: Homenagem aos Professores Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, e em Transmissão de Estabelecimento, Centro de Estudos Judiciários, Coleção de Formação inicial, Jurisdição do Trabalho e Empresa, setembro de 5014, páginas 169 e seguintes.
[11] - “Alguns aspetos do novo regime jurídico-laboral da transmissão de empresa ou estabelecimento”, Questões Laborais, Almedina, n.º 53, páginas 35 e 36.
[12] - Este acórdão foi proferido no âmbito da Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, mas mantém atualidade com a Diretiva 2001/13/CE, do Conselho.
[13] - O Tratado de Lisboa, Jornadas Organizadas pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “O Tratado de Lisboa e o Modelo da União Europeia, algumas notas”, Almedina, 2012, páginas 61 e 62.
[14] - Doravante TJCE/TJUE.
[15] - Os acórdãos do TJUE estão divididos por números.
[16] - Doravante TUE.
[17] - José de Campos Amorim, “Contributos para uma reflexão em torno do conceito de Estado de Direito”, Revista de Estudos Interculturais do CEI - ISCAP -, n.º 5, maio de 2017.
[18] Http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3c21226805bbd69b8025815d002daced?OpenDocument.
[19] - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”, anotado, 2013 – 1ª edição, Almedina. anotação ao artigo 17-E, página 62.