Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
723/14.7TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
ENTIDADES PÚBLICAS EMPRESARIAIS
FUNÇÃO PÚBLICA
CONTRATO A TERMO
NULIDADE
REENVIO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA INDEFERIDO O REENVIO PREJUDICIAL REQUERIDO
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES.
DIREITO EUROPEU - REENVIO PREJUDICIAL.
Doutrina:
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 266, 267, 660, 661.
- Mota Campos, Manual de Direito Comunitário, Coimbra Editora, 5.ª edição, 401 a 404.
- Susana Sousa Machado, Contrato de Trabalho a Termo, Coimbra Editora, 2009, 320 e 321.
Legislação Nacional:
ACORDO-QUADRO CES, UNICE, CEEP: - ARTIGOS 1.º, AL. B), 5.º, 6.º, DO ANEXO.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA D).
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) /2009: - ARTIGOS 129.º, N.º 1, 131.º, 132.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 8.º, N.º 4, 13.º, 47.º, N.º 2, 53.º, 59.º, 266.º, N.º2, 269.º N.º 1.
D.L. N.º 233/2005, DE 29-12: - ARTIGOS 5.º, 14.º.
D.L. N.º 284/2002 DE 10/12.
D.L. N.º 93/2005, DE 7-6: - ARTIGO 1.º E ANEXO.
LEI N.º 23/2004, DE 22-06: - ARTIGOS 2.º, N.º 2, 5.º, 7.º, N.ºS 1 E 4, 8.º, 9.º, N.ºS 1 E 4, 10.º, N.ºS 2 E 3, 26.º, N.º 3.
LEI PREAMBULAR N.º 99/2003, DE 27.08, QUE APROVOU O CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 2.º, AL. N).
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 1999/70/CE, DO CONSELHO, DE 1999-06-28
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26.11.2008, PROCESSO N.º 08S1982; DE 10.04.2013, PROCESSO N.º 2006/09.5TTPNF.P1.S1, E DE 04.07.2013, PROCESSO N.º 79/09.0TTPNF.P1.S1, TODOS CONSULTÁVEIS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 22.02.2017, PROC. N.º 988/08.3 TTVNG.P4.S1, 4.ª SECÇÃO.

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 8.06.1993, DR, II SÉRIE DE 06.10.1993; DE 05.05.2013, N.º 187/2013; E O ACÓRDÃO N.º 353/2012.
-NÚMEROS 368/2000, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 243/01 E PUBLICADO NO D.R., I SÉRIE DE 27.02.2004; 61/2004, DE 27.01.2004, PROLATADO NO PROCESSO N.º 471/01 E, MAIS RECENTEMENTE, O ACÓRDÃO N.º 409/2007, DE 11.07.2007, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 306/07.
-N.º 47/2010, ESTE E OS DEMAIS CITADOS CONSULTÁVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

-ACÓRDÃO MARROSU E SARDINO (DE 7/9/2006, PROCESSO N.º C-53/04, CONSULTÁVEL EM WWW.CURIA.EUROPA.EU), DOUTRINA TAMBÉM SEGUIDA NO ACÓRDÃO VASSALO (DE 7/9/2006, PROCESSO N.º 180/04, TAMBÉM DISPONÍVEL NO SUPRACITADO SÍTIO).
Sumário :
1. Provando-se que a trabalhadora exercia uma actividade em favor de pessoa colectiva de direito público, no caso uma entidade pública empresarial do sector da saúde, sendo o contrato a termo declarado nulo, não pode o mesmo converter-se em contrato de duração indeterminada, se não fez prova de ter sido admitida através dum processo de selecção aberto a todos os cidadãos, conforme impõe o n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

2. A previsão deste preceito constitucional abrange também a admissão dum trabalhador ao serviço duma pessoa colectiva pública mesmo que o regime laboral seja o do contrato individual de trabalho.

3. O princípio do primado do direito europeu não se sobrepõe às normas constitucionais relativas aos princípios em que se fundamenta o Estado de direito democrático e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas faça o Tribunal Constitucional.

4. Assim, não é de deferir o pedido de reenvio prejudicial requerido para aferir da conformidade da legislação nacional com a Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 1999-06-28, se a primeira proíbe que um contrato de trabalho a termo nulo, celebrado com uma pessoa colectiva pública, se converta em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pois estando em causa os valores constitucionais do art. 47.º, n.º 2 da CRP, inseridos no Capítulo (II) relativo aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, e que são estruturantes do Estado de direito democrático, estamos no âmbito do objecto da reserva prevista no n.º 4 do seu artigo 8.º

Decisão Texto Integral:

         Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE; e,

BB, Lda, pedindo que 

a) seja declarado nulo o contrato de trabalho a termo celebrado entre Autora e 2.ª Ré, e consequentemente ser convertido esse contrato em contrato sem termo vinculado à 1.ª Ré;

b) sejam condenadas as Rés a reconhecer que os sucessivos contratos celebrados com a Autora são um só contrato de trabalho sem termo, vinculado à 1.ª Ré (Hospital), com início no dia 4 de Abril de 2007;

c) seja declarada a nulidade do despedimento da Autora por ilícito e, em consequência se condene a 1.ª Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, categoria profissional e retribuição, com início no dia 4 de Abril de 2007;

d) ou, se por ela a A. vier a optar, se condene a 1.ª Ré a pagar-lhe a indemnização legal de antiguidade;

e) se condene a 1.ª Ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data de 4 de Abril de 2014 (data em que continuou a trabalhar na 1.ª Ré, não obstante a caducidade ilícita da 2.ª Ré), até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;

f) se condene a 1.ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 500, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia em que não realize de modo total a reintegração da Autora no Hospital, ou Administração Pública;

g) se condene as Rés a pagarem, solidariamente, à Autora a quantia de € 10.000 pelos danos morais sofridos;

h) e ainda, que sejam condenadas nos juros de mora legais calculados sobre as quantias pedidas em d) até integral pagamento.

Subsidiariamente pede que:

a) seja declarado nulo o contrato de trabalho a termo celebrado entre Autora e 2.ª Ré;

b) seja condenada a 2.ª Ré a reconhecer que o contrato celebrado com o Autora se converteu num contrato de trabalho sem termo, vinculado à 2.ª Ré, com início no dia 4 de Abril de 2007;

c) seja declarada a nulidade da caducidade do contrato da 2.ª Ré por ilícito e, em consequência se condene esta a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, categoria profissional e retribuição, com início 4 de Abril de 2007;

d) ou, se por ela a Autora vier a optar, se condene a 2.ª Ré a pagar à Autora a indemnização legal de antiguidade;

e) se condene a 2.ª Ré a pagar à Autora as retribuições que deixou de auferir desde a data do caducidade ilícita (3 de Abril de 2007) até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;

f) se condene a 2.ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 500, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia em que não realize de modo total e perfeito a reintegração da trabalhadora;

g) e ainda ser condenada esta Ré nos juros de mora legais calculados sobre as quantias pedidas em d) até integral pagamento.

Alegou para tanto que a 1.ª Ré é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia financeira, administrativa e patrimonial e a 2.ª Ré é uma sociedade comercial de direito privado que tem por objecto actividades de enfermagem.

Que a Autora foi admitida no dia 4 de Abril de 2007, com a categoria de Auxiliar de Acção Médica, por conta e sob a autoridade e direcção da “HH Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, S.A., actualmente denominada CC, S.A., ao abrigo de um contrato de trabalho temporário a termo certo, celebrado nesse mesmo dia, pelo prazo de um mês, renovável, cujo termo ocorreu a 3 de Abril de 2008.

O seu local de trabalho era no DD ao IPO e ainda nas instalações hospitalares desta 1.ª Ré, cabendo-lhe colaborar, sob supervisão técnica, na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes, proceder ao acompanhamento e transporte de doentes em cadeiras de rodas ou a pé dentro e fora da UIS, preparar o material de esterilização, preparar e lavar o material de uso clínico, transportar e distribuir o material esterilizado pelos vários departamentos, ajudar nas tarefas de recolha de material para análise, zelar pela manutenção do material utilizado nos cuidados prestados aos utentes, proceder à limpeza de macas, divãs de observação, cadeiras de rodas nos respectivos locais de trabalho, assegurar a manutenção das condições de higiene nos locais de trabalho, entre outras funções inerentes aos trabalhadores com a categoria de Auxiliar de Acção Médica.

O motivo justificativo para celebrar tal contrato temporário foi o acréscimo temporário de trabalho derivado do processo de abertura do DD da ..., pertencente à 1.ª Ré.

Sucede que a Autora se manteve a exercer funções no IPO, durante um ano, isto é, quando já não estavam verificados os pressupostos que levaram à celebração do contrato, o que evidencia que o objectivo da sua contratação temporária não se destinava a satisfazer necessidades transitórias. Na verdade, no próprio dia 4 de Abril de 2008, data em que caducou o contrato de trabalho temporário, a Autora celebrou com a 2.ª Ré, um contrato de trabalho a termo incerto, sendo o mesmo o local de trabalho e sendo a sua categoria de auxiliar de acção médica, com as mesmas funções do anterior contrato de trabalho temporário.

O motivo justificativo para celebrar este segundo contrato foi o acréscimo excepcional de actividade da empresa motivado pelo processo de abertura do DD da ..., pertencente à 1.ª Ré.

Significativo de que a Autora estava vinculada à 1.ª Ré é o facto de em Março de 2009, a Autora ter mudado para a categoria de “Assistente Operacional”, que corresponde à carreira da função pública, situação em que se manteve até 2014.

Sucede que, este contrato a termo incerto é nulo, uma vez que o mesmo se destinava a vigorar enquanto se concluísse a abertura do DD, tendo decorrido mais de cinco anos, para o efeito.

No dia 29 de Janeiro de 2014, a Autora recebeu uma carta da 2.ª Ré comunicando a caducidade do contrato a partir do dia 3 de Abril de 2014. Tendo se a Autora dirigido de imediato aos superiores hierárquicos, funcionários do IPO, estes disseram-lhe para continuar a trabalhar no DD, independentemente da carta recebida, que era apenas uma formalidade, dado que a Autora fazia parte da lista das trabalhadoras que continuariam a trabalhar no IPO.

A Autora continuou então a trabalhar nas instalações do DD e nas instalações hospitalares do IPO até ao dia 13 de Abril de 2014, data em que ficou doente e os médicos lhe concederam baixa médica, que enviou às 1.ª e 2.ª Rés.

Finda a baixa, a Autora apresentou-se para trabalhar, tendo sido impedida de entrar ao serviço pelo Dr. EE e pela Dra. FF, seus superiores hierárquicos e funcionários do IPO, que lhe comunicaram que esta tinha 10 dias para entregar as fardas e demais material do IPO, situação equiparada a um despedimento ilícito.

A Autora enviou então carta às Rés comunicando-lhes o seu direito a trabalhar no IPO, com contrato sem termo, tendo recebido a resposta de que não teve qualquer vínculo contratual com a 1.ª Ré.

No entanto, a Autora sempre trabalhou para a 1.ª Ré, sendo certo que a 2.ª Ré é uma empresa que se dedica a trabalhos de enfermagem, não sendo uma empresa de trabalho temporário, pelo que não pode efectuar cedência de trabalhadores a outras empresas, sendo assim ilícita a cedência operada.

Além disso, a Autora sempre exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, em termos idênticos aos trabalhadores desta, tendo sido impedida de aí trabalhar.

Estava inserida na estrutura organizativa da 1.ª Ré e realizava a sua prestação sob as orientações, instruções, ordens desta 1.ª Ré, através dos seus superiores hierárquicos que pertencem aos seus quadros de efectivos.

O seu local de trabalho era única e exclusivamente nas instalações da 1.ª Ré, o horário era fixado e controlado por esta, todos os instrumentos de trabalho eram exclusivamente fornecidos pela 1.ª Ré, designadamente o fardamento, sendo todo o material que a Autora necessitava para o exercício das suas funções directamente requisitado à 1.ª Ré, cabendo apenas à 2.ª Ré enviar, por transferência bancária, mensalmente, a remuneração.

A situação súbita de ter sido despedida e impedida de exercer as funções que desempenhou durante sete anos, provocou na Autora uma profunda depressão, ansiedade, desgaste nervoso e psicológico, agravado pela sensação de profunda angústia, resultante da impossibilidade de resolver o problema.

Realizada, sem conciliação, a audiência de partes, apresentaram as Rés a sua contestação, tendo a 1.ª Ré impugnado a existência de uma relação de emprego com a Autora.

Efectivamente dedica-se à prestação de serviços de saúde no domínio da oncologia, bem como de investigação, ensino, registo e rastreio oncológico, recorrendo a prestadores de serviço noutras áreas que não são as suas, como a limpeza, a vigilância, serviços de alimentação e manutenção de equipamentos, entre outras.

No ano de 2006/2007, o IPO prestava aos seus doentes um serviço, facultando-lhes o alojamento, através de protocolo celebrado com a cadeia de hotéis GG.

Através de protocolo com a Liga Portuguesa contra o Cancro, o IPO obteve a cedência de instalações de alojamento em edifício daquela, a fim de facultar o alojamento aos seus doentes, originando o DD (DD).

Necessitando de pessoas que prestassem serviços naquele Centro, recorreu a 1.ª Ré à 2.ª Ré para colocar trabalhadores em regime de trabalho temporário, como é o caso da Autora.

Em Abril de 2008, a 1.ª Ré celebrou com a HH um contrato de prestação de serviços pelo qual esta se obrigava a prestar serviços clínicos nas áreas de auxiliares de acção médica enquanto decorria um procedimento para aquisição de serviços destinada a prover a manutenção do DD.

Em Fevereiro de 2014, o IPO desencadeou o procedimento pré-‑contratual de ajuste directo para contratação, em regime de outsourcing, de serviço de hotelaria, do qual veio a resultar a adjudicação à II, actualmente a 2.ª Ré, cujo contrato de prestação de serviços, celebrado a 23 de Abril de 2014, com efeito a 1 de Maio de 2014, teve duração até ao final desse ano.

Toda esta situação era do conhecimento da Autora.

A 2.ª Ré contestou, deduzindo compensação e alegando que, caso proceda um qualquer pedido contra si deduzido, terá de ser deduzido a tais quantias o valor que pagou à Autora a título de compensação pela caducidade do contrato.

Mais alegou que a Autora foi contratada pela HH, pelo período de um mês, automaticamente renovável, contrato de trabalho temporário que cessou a 3 de Abril de 2008.

Depois a Autora celebrou com a Ré contestante um contrato de trabalho a termo incerto, justificado pela premência de prover a uma necessidade de natureza temporária e não duradoura – prover ao acréscimo excepcional de actividade da empresa, motivado pelo processo de abertura do DD.

A alteração de designação da categoria profissional da Autora decorreu da exigência do procedimento concursal do IPO a que a 2.ª Ré respondeu e ao qual afectou a Autora, situação que era do total conhecimento da trabalhadora.

Esta respondeu, refutando o alegado pelas rés e mantendo tudo o que havia invocado na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a fixação da matéria de facto assente e controvertida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor:

“Nestes termos, julgo parcialmente procedente por provada a acção e consequentemente:

a) declaro nulo o contrato de trabalho a termo celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré;

b) declaro nulo o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Ré;

c) face ao concurso de nulidade dos contratos, nos termos do n.º 3 do art.º 180.º do Código do Trabalho, considera-se a Autora vinculada à 1.ª Ré, por contrato de trabalho sem termo, desde 4 de Abril de 2007;

d) condena-se a 1.ª Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, categoria profissional e retribuição;

e) condena-se a 1.ª Ré a pagar à Autora as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde 4 de Abril de 2014 até à sua reintegração no seu posto de trabalho;

f) vai ainda a 1.ª Ré condenada na sanção pecuniária compulsória de € 100,00/dia por cada dia em que não realize a reintegração da Autora;

g) acrescem às quantias referidas em e) juros calculados sobre tais quantias desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.

No demais, vão as Rés absolvidas do pedido.”

Inconformada com esta decisão, dela apelou a Ré, Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, pedindo a sua revogação, com as legais consequências, e que, no limite, se consagre a aplicabilidade ao caso dos efeitos das normas dos artigos 173.º/ 1 e 174.º/1 do Código do Trabalho, tendo o Tribunal da Relação do Porto acordado em:

“Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, e, em consequência:

– Manter a sentença recorrida no que se refere às alíneas a), b) e c) do seu dipositivo;

– Condenar a recorrente a pagar à recorrida as retribuições intercalares que deixou de auferir desde 18/05/2014 até 18/05/2016, às quais deverão ser descontados os subsídios de desemprego que a Autora tenha auferido no respectivo período, os quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social, tudo a liquidar, nos termos do disposto nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do CPC, no respectivo incidente.

– Condenar a recorrente a pagar os juros de mora sobre a aludida quantia devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão de liquidação das retribuições até efectivo e integral pagamento.

- Revogar no restante a sentença recorrida.

– Condenar a recorrente e recorrida no pagamento das custas do recurso, fixando-se em 2/3 e 1/3 as respectivas proporções [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil], mantendo-se quanto às da acção as proporções fixadas pela sentença recorrida [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].

É agora a A. que, irresignada, nos traz Revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

“I. Conforme consta de fls. 714, dos factos dados como provados nos pontos 3 a 12, 14, 16, 19, 22 a 41, e 57 da sentença da 1ª Instância, reproduzidos a fls. 705 a 708 do acórdão da Relação, “resulta de forma clara e inequívoca que a Trabalhadora, ora Recorrente, se encontrava inserida na estrutura organizativa do IPO, de forma igual aos restantes trabalhadores que com o IPO tinham um contrato formal, que dele recebia ordens, estando sob a direcção e autoridade. Factos mais do que suficientes para afirmarmos que a trabalhadora trabalhava para o IPO de forma subordinada, mediante contrato de trabalho, sob pena de total alheamento e fechar os olhos a uma realidade inquestionável. (retirei aqui as aspas, uma vez que continua a transcrição no parágrafo seguinte)

II. Deverá ser considerado que a celebração e renovação sucessiva dos contratos a termo/trabalho temporário constitui uma fraude à lei e um recurso injustificado à contratação a termo certo, em cumprimento do princípio da não discriminação previsto no art.º 4º da Directiva 1999/70/CE do Conselho 28/06/1999, na medida em não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato a termo, em obediência ao vector constitucional de “salário igual para trabalho igual.

III. Os próprios Venerandos da Relação, no douto acórdão de que ora se recorre confirmam estarmos perante “uma forma astuciosa ou habilidosa o modo de recrutamento e a celebração e renovações sucessivas contratuais da trabalhadora para o exercício das funções no IPO…

IV. A Directiva 1999/70/CE de 28/06, foi transposta para o nosso Código de Trabalho, no dia 27 de Agosto de 2003, e tem por objectivo: a) Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação; b) Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho em relações laborais a termo. (art. 1º). c) E visa, ainda, evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo – Art. 5º.

V. A celebração e renovação sucessiva dos contratos a termo, constitui uma fraude à lei e um recurso injustificado à contratação a termo certo.

VI. Esta directiva aplica-se quer às relações de trabalho estabelecidas no sector público, quer às relações estabelecidas no sector privado (Acórdão do Tribunal de Justiça das CE, no Processo C-364/07, JO, 13.09.05, C 236/5).

VII. Em caso de invalidade da contratação a termo, a possibilidade da sua conversão em contratação sem termo constitui a medida mais eficaz ao seu combate.

VIII. A Directiva n.º 1999/70 confere ao juiz nacional legitimidade para, na situação concreta, apreciar, por um lado, se as medidas internas equivalentes previstas na Lei Portuguesa, designadamente a Lei 59/2008, são conformes ao objectivo do acordo-quadro e, por outro, para aplicar a sanção da requalificação do contrato a termo quando não reconheça às medidas internas equivalentes a necessária adequação ou eficácia para prevenir ou impedir que o abuso da contratação sucessiva a termo se transforme numa realidade de facto.

IX. Hoje em dia o paradigma alterou e as normas legislativas têm sido criadas de modo a que funcionários públicos e privados tenham os mesmos direitos, e as respectivas entidades empregadoras públicas e privadas os mesmos deveres. Conforme se pode verificar pela Lei 35/2014 – A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que uniformizou os dois regimes laborais públicos e privados, numa só Lei.

X. Acresce que, igualmente, o panorama comunitário tem vindo a proteger os trabalhadores, e conforme se pode verificar na senda das notícias vindas a público, no caso de uma ENFERMEIRA ESPANHOLA, que trabalhava de Fevereiro de 2009 até Junho de 2013, num Hospital Público de Espanha, com um contrato de trabalho renovado sete vezes, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE) no Acórdão de Setembro de 2016, Proc. C-16/15, publicado em curia.europa.eu, entendeu o seguinte, no ponto 53: “No que respeita ao poder discricionário da Administração Pública quando se trata de criar postos de trabalho permanentes, há que recordar que a existência de uma tal modalidade que permite a criação de um posto fixo, à semelhança da conversão a termo numa relação de trabalho por tempo indeterminado, é susceptível de constituir um meio eficaz contra a utilização abusiva de contratos a termo”.

XI. Os próprios Venerandos Desembargadores, no douto acórdão reconheceram, que em caso de invalidade da contratação a termo, a possibilidade da sua conversão em contratação sem termo é a MEDIDA MAIS EFICAZ ao combate da precariedade.

XII. Salvo melhor opinião, deve dar-se primazia à aplicabilidade da directiva 1999/70, no sentido que esta impõe a validade da conversão da contratação da Autora em contrato sem termo e consequentemente a sua reintegração.

XIII. A conversão em contrato sem termo constitui a medida mais eficaz ao combate à precariedade que assola Portugal.

XIV. O contrato de trabalho da Trabalhadora iniciou a 04/04/2007 tendo a 03 de Abril de 2014, sido impedida a sua reintegração, aplicando-se ao caso sub judice, a Lei 59/2008 e o Código de Trabalho/2009.

XV.     No artigo 14º, nº 4 da Lei 59/2008 que aprovou o novo Regime Laboral, foi intenção do legislador evitar os abusos decorrentes das contratações dos trabalhadores em contratos a termo/temporários, impondo à Administração Pública ALTERAÇÃO DO MAPA DE PESSOAL DE FORMA A PREVER AQUELE POSTO DE TRABALHO.

XVI.   E esta Lei 59/2008 que revogou a Lei 23/2004, que posteriormente foi revogada pela Lei 35/2014, veio consagrar o vínculo de emprego público através da celebração de contrato de trabalho.

XVII.  A reintegração da trabalhadora e a aplicação da Directiva não viola o artigo 47º, nº 2 da CRP, pois o princípio da igualdade de acesso à função pública não se aplica aos contratos a termo celebrados com a Administração, mas apenas às relações de serviço constituídas através de nomeação ou de contrato administrativo de provimento.

XVIII. Quando o artigo 47º, nº 2 da CRP refere que todos têm direito de acesso à função pública, “em condições de igualdade e liberdade, em regra, por via de concurso”, não significa que a única via de acesso é o concurso.

XIX. A não reintegração é sim uma violação dos demais princípios constitucionais, designadamente o princípio da igualdade, da protecção da confiança, da segurança no emprego, do direito ao trabalho, previstos nos artigos 2º, 13º, 53º, 59, 67º, 266º da CRP

XX. A norma que proíbe absolutamente, apenas na Administração Pública, a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, nas apontadas circunstâncias, é inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, ínsito no art. 53º da CRP.

XXI. A fraude à Lei deve ser reprimida, e uma forma premente e eficaz, e está ao alcance dos NOSSOS TRIBUNAIS essa repressão, sendo a via da conversão do contrato para sem termo, dado que os prevaricadores, maxime, os órgãos dirigentes dos serviços públicos, designadamente no IPO, continuam a contornar a Lei, nunca sentindo qualquer efeito punidor, e nunca sendo punidos.

XXII. O nº 2 do artigo 47º da CRP abrange, no seu âmbito normativo, o direito de, na Função Pública, o trabalhador ser mantido em funções (jus in officio), e bem assim, enquanto forma de realização pessoal e profissional, o direito de progredir dentro das carreiras existentes nos respectivos quadros.

XXIII. O nº 2 do art. 47º CRP tem uma vertente subjectiva, um direito garantido a todos os cidadãos de liberdade de profissão; e tem ainda uma vertente objectiva, determinada a assegurar a melhor prossecução do interesse público, bem como a eficiência, a imparcialidade, a transparência e a democraticidade da Administração.

XXIV. O nº 2 não impõe que o acesso à função pública se faça por concurso, a exigência do concurso não é absoluta. O preceito apenas refere que, em REGRA, o acesso (ou a progressão) se faz por concurso.

XXV.  A vertente objectiva do nº 2 do art. 47º CRP constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, e no caso sub judice essa imparcialidade não foi violada.

XXVI. A não reintegração da trabalhadora viola sim os princípios constitucionais da boa-fé e da protecção de confiança, o artigo 53º CRP (Segurança no emprego) e o 59.º, da CRP (Direitos dos trabalhadores).

XXVII. Deve-se alterar o paradigma vigente de que a função pública é inatingível, impedindo que o IPO e demais entidades públicas continuem a explorar os trabalhadores, contornando a lei laboral, celebrando sucessivamente contratos a termo ou temporários para o mesmo posto de trabalho, durante anos consecutivos.

SEM CONCEDER: DA NULIDADE SUSCITADA PELOS VENERANDOS DESEMBARGADORES A FLS. 714:

XXVIII. Os Venerandos desembargadores decidiram que a trabalhadora está contratada através de um regime de contrato sem termo.

XXIX. Ficando neste ponto prejudicada, salvo melhor opinião, a questão da nulidade do contrato, que verifica-se não foi suscitada pelo IPO nas alegações de recurso.

XXX.  Incorrem em erro, salvo melhor opinião, dado que, a TRABALHADORA, ora recorrente, NÃO FOI DESPEDIDA, portanto não se pode aplicar o artigo 390º nº 1 e 2 do CT/2009.

XXXI. O contrato da trabalhadora é válido, por se ter convertido em contrato sem termo, e assim, as retribuições intercalares são devidas desde o dia da propositura da acção.

XXXII. Face ao exposto, deverá, salvo melhor opinião, ser ordenada a reintegração da Recorrente no seu posto de trabalho, com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua retribuição, categoria profissional e antiguidade.

XXXIII. Condenar a Recorrida, IPO, a pagar à Recorrente/Trabalhadora as retribuições vencidas e vincendas que a mesma deixou de auferir desde 04 de Abril de 2014 até à sua reintegração no posto de trabalho.

XXXIV. Condenar a Recorrida a pagar os juros moratórios à taxa legal sobre cada uma das retribuições vencidas, desde a data do seu vencimento até efectivo pagamento.

XXXV. Ao não ter decidido assim, o Acórdão em crise violou as seguintes normas: o art. 4º da Directiva nº 1999/70/CE do Conselho de 28/06/1999, o art. 14º, nº 4 da Lei 59/2008, o Regime de Trabalho dos Trabalhadores em Funções Públicas (arts. 13º, 14º, 17º, 19º, 100º), os artigos 2º, 13º, 53º, 59º, 266º, nº 2, 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

AINDA E SEM CONCEDER, DO REENVIO PREJUDICIAL

XXXVI. Em caso de ENTENDIMENTO DIVERSO a Recorrente, requer aos Venerandos Conselheiros se dignem ordenar o reenvio da questão prejudicial, nos termos do artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, (2008/C 115/01) perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias - suspendendo a instância até decisão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto às seguintes questões prejudiciais:

1) É conforme ao direito comunitário, nomeadamente aos objectivos da Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 1999-06-28, uma legislação nacional que proíbe, de modo absoluto, que um contrato de trabalho a termo, celebrado com o Estado, seja convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, apesar de não se terem indicado nem provado quaisquer razões objectivas para a sua celebração ou apesar de se terem celebrado contratos a termo sucessivos e abusivos, mas determina imperativamente a sua conversão se o empregador, pertencendo ao sector privado, agir de igual modo?

2) Sendo a resposta negativa, deverá o juiz nacional acatar tal interpretação do TJCE, mesmo que ela colida com o princípio da igualdade no acesso à função pública, mediante prévio concurso, previsto no Art.º 47.º, n.º 2 da CRP?

3) E deverá o juiz nacional acatar tal interpretação do TJCE mesmo que ela colida com a interpretação que desse Art.º 47.º, n.º 2 da CRP, é feita, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional Português ao considerar inconstitucional, por violação desse preceito, norma que admita a conversão do contrato de trabalho a termo, celebrado com o Estado, em contrato de trabalho por tempo indeterminado, nas circunstâncias perguntadas em 1)?

4) Ou, sendo a resposta negativa, deverá o juiz nacional acatar tal interpretação do TJCE, mesmo que ela colida com o princípio da igualdade no acesso à função pública, mediante prévio concurso, mas esteja de acordo com o princípio da segurança no emprego, previstos nos Artigos respectivamente, 47.º, n.º 2 e 53.º da CRP?”

         Pede assim que se julgue procedente a revista e que se revogue o acórdão recorrido.

         O recorrido IPO não contra-alegou.

         Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto proficiente parecer no sentido da improcedência do recurso, sustentando que embora a contratação a termo da recorrente seja nula, também a conversão do contrato em contrato sem termo é nula, por violar os artigos 47.º, n.º 2 da CRP, 5.º da Lei 23/2004 de 22/6, bem como o artigo 296.º do CC.

As partes não responderam ao parecer.

         Cumpre decidir.

2----

         Para tanto, temos que atender à seguinte factualidade apurada pelas instâncias:

1. A 1.ª Ré é uma pessoa colectiva de direito público, de natureza empresarial, dotada de autonomia financeira, administrativa e patrimonial.

 2. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial de Direito privado que tem por objecto a prestação de serviços, principalmente às empresas, nas áreas de assistência médica, de enfermagem, paramédica, farmacêutica e de auxiliares de acção médica e de todas as afins, complementares ou conexas a essas, como suporte das actividades principais de empresas de saúde humana ou de outras empresas que careçam dos mesmos serviços, quer por imposição legal, quer por iniciativa própria, no âmbito de modalidades de gestão desconcertada ou através parcerias, bem como nas áreas de formação e aperfeiçoamentos profissionais, exercício da actividade de apoio domiciliário e cuidados continuados, exercício da actividade de segurança, higiene e saúde no trabalho, exercício da actividade de emergência médica e de gestão de equipas de profissionais de saúde, gestão de unidades de saúde de entidades públicas ou privadas, e gestão de serviços específicos em unidades de saúde, designadamente de pessoal, aprovisionamento, financeiros e de marketing, bem como outras actividades na área da saúde humana.

3. A Autora foi admitida no dia 4 de Abril de 2007, com a categoria de Auxiliar de Acção Médica por conta e sob a autoridade e direcção da “HH …”, actualmente denominada CC, S.A., nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 35, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com início nessa data e termo a 3 de Maio de 2007 renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo e cujo termo veio a ocorrer a 3 de Abril de 2008.

4. O local de trabalho da Autora era no DD ao IPO, e ainda nas instalações hospitalares desta 1.ª Ré, com a categoria de auxiliar de acção médica.

5.A Autora desempenhava no DD da ..., pertencente à 1.ª Ré e na sede desta, nas instalações do IPO, as seguintes funções: colaborar, sob supervisão técnica, na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes, proceder ao acompanhamento e transporte de doentes em cadeiras de rodas ou a pé dentro e fora da UIS, zelar pela manutenção do material utilizado nos cuidados prestados aos utentes, proceder à limpeza de macas, divãs de observação, cadeiras de rodas nos respectivos locais de trabalho, assegurar a manutenção das condições de higiene nos locais de trabalho, entre outras funções inerentes aos trabalhadores com a categoria de Auxiliar de Acção Médica.

6. O motivo justificativo para celebrar tal contrato temporário foi o acréscimo temporário de trabalho derivado ao processo de abertura do DD da ..., pertencente à 1.ª Ré.

7. A Autora manteve-se a exercer as funções no IPO, durante um ano.

8. No dia 4 de Abril de 2008, a Autora foi admitida, com a categoria de Auxiliar de Acção Médica por conta e sob a autoridade e direcção da “HH …”, actualmente denominada CC, S.A. nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 38 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com início nessa data e duração pelo tempo necessário à satisfação do seu motivo justificativo.

9. O local de trabalho da Autora continuou a ser no DD da ..., explorado pela 1.ª Ré e ainda nas instalações do IPO, com a categoria de auxiliar de acção médica

10. Cabia à Autora desempenhar, no DD da ..., pertencente à 1.ª Ré e nas instalações hospitalares desta, colaborar, sob supervisão técnica, na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes, proceder ao acompanhamento e transporte de doentes em cadeiras de rodas ou a pé dentro e fora da UIS, zelar pela manutenção do material utilizado nos cuidados prestados aos utentes, proceder à limpeza de macas, divãs de observação, cadeiras de rodas nos respectivos locais de trabalho, assegurar a manutenção das condições de higiene nos locais de trabalho, entre outras funções inerentes aos trabalhadores com a categoria de Auxiliar de Acção Médica.

11. O motivo justificativo para celebrar este segundo contrato foi o acréscimo excepcional de actividade da empresa motivado pelo processo de abertura do DD da ..., pertencente à 1ª Ré.

12. Em Março de 2009, a Autora mudou de categoria para a de Assistente Operacional.

13. No dia 29 de Janeiro de 2014, a Autora recebeu a carta junta aos autos a fls. 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual lhe era comunicado que o contrato de trabalho a termo incerto celebrado com a BB, Lda. em 4 de Abril de 2008, cessaria por caducidade a partir de 3 de Abril de 2014.

14. Logo que recebeu a carta, a Autora dirigiu-se aos seus “superiores hierárquicos”, funcionários do IPO, a Dra. FF e Dr. EE, que a informaram para aquela continuar a trabalhar no DD, independentemente da carta recebida, que era apenas uma formalidade, dado que a Autora fazia parte da lista das trabalhadoras que continuariam a trabalhar no IPO.

15. A Autora continuou a trabalhar nas instalações do DD e nas instalações hospitalares do IPO até ao dia 10 de Abril, tendo ficado doente e os médicos concederam-lhe baixa médica.

16. As baixas médicas foram enviadas para a 1.ª e 2.ª Rés.

17. No dia seguinte a terminar a baixa médica, ou seja, no dia 7 de Maio de 2014, a Autora deslocou-se ao DD da 1.ª Ré e apresentou-se a trabalhar dentro do seu horário de turno já definido pelo IPO para aquele mês e já entregue à Autora.

18. Tendo sido impedida de entrar ao serviço pelos funcionários do IPO.

19. No dia 28 de Abril de 2014, a Autora enviou às Rés as cartas de fls. 95 a 96 e 97 a 98, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

20. Tendo recebido resposta da 1ª Ré de que a Autora nunca teve qualquer vínculo contratual.

21. A Autora exerceu desde 4 de Abril de 2007, a sua actividade de auxiliar de acção médica, passando para a categoria de Assistente Operacional no mês de Março de 2008, sob a autoridade, direcção e fiscalização da 1.ª Ré.

22. A Autora estava inserida na estrutura organizativa da 1.ª Ré e realizava a sua prestação sob as orientações, instruções, ordens desta 1.ª Ré, através da sua superior hierárquica, Dr.ª FF e Dr. EE, que pertencem aos quadros de efectivos da 1.ª Ré.

23. Estes chefes organizavam, dirigiam e fiscalizavam o trabalho da Autora.

24. Era a Chefe Dra. FF quem recebia e autorizava as comunicações de faltas da Autora e demais colegas de trabalho.

25. Era igualmente essa Chefe quem marcava os períodos de férias e as folgas.

26. Quando era necessário fazer trabalho extraordinário era a chefe FF quem determinava e dava instruções.

27. O poder disciplinar sobre a Autora e todos as trabalhadoras do Centro era feito única e exclusivamente pela Dr.ª FF e Dr. EE.

28. As avaliações de desempenho eram efectuadas pela 1.ª Ré.

29. A Autora marcava o ponto diário em folhas próprias da 1.ª Ré.

30. O local de trabalho da Autora era no DD ao IPO e nas instalações hospitalares da 1.ª Ré.

31. Se o horário da Autora fosse diurno, de manhã ficava no DD e à tarde as suas tarefas iniciavam-se nas instalações hospitalares do IPO, na sala dos doentes, onde lhes dava o lanche e o jantar, levava-os e acompanhava-os à radioterapia ou a outros tratamentos, fazia a integração dos doentes novos e explicava como era feito o serviço e recolhia elementos pessoais do doente e família para elaboração das fichas.

32. A Autora nos dias 24, 25 e 29 de Setembro de 2013, trabalhou da parte da manhã.

33. O Horário de Trabalho da Autora estava definido pela 1.ª Ré, sendo que a Autora era obrigada a respeitar esse horário previamente estabelecido.

34. O mapa de horário de trabalho não distinguia o tipo de vínculo dos trabalhadores, estando todas as auxiliares de Acção Médica e posteriormente Assistentes Operacionais vinculadas ao mesmo planeamento horário.

35. Todos os instrumentos de trabalho da Autora eram exclusivamente fornecidos pela 1.ª Ré - o fardamento - que foi entregue a esta em Maio de 2014 em conjunto com as chaves do cacifo e outra documentação do IPO.

36. Todo o material que a Autora necessitava nas suas funções era directamente requisitado à 1.ª Ré.

37.A recepção do serviço era efectuada em nome da 1.ª Ré e em impressos próprios desta.

38. A Autora podia circular, entrar e sair das instalações da 1.ª Ré.

39. A roupa de trabalho e as fardas tinham as cores e emblemas da 1.ª Ré, como a dos demais trabalhadores desta.

40. Todas as acções de formação dadas à Autora e restantes auxiliares do DD eram da iniciativa do IPO (1.ª Ré) e por este ministradas.

41. Eram os funcionários da 1.ª Ré que determinavam quem eram as trabalhadoras que iriam trabalhar nas instalações do IPO e DD.

42. A CC enviava, por transferência bancária, mensalmente, a remuneração.

43. A 1.ª Ré é uma entidade pública empresarial integrada no Serviço Nacional de Saúde, cujo objecto consiste na prestação de serviço de saúde no domínio da oncologia, bem como a investigação, o ensino, o registo e o rastreio oncológico.

44. Detendo um conjunto de grupos profissionais de saúde, constituído por médicos, técnicos superiores de saúde, enfermeiros, técnicos de saúde e profissionais associados à assistência médica e enfermagem, integrados no seu mapa de trabalhadores.

45. Agregando àquele núcleo central da sua actividade prestações de serviços, entre outras, nas áreas da segurança e vigilância, da higiene e limpeza, da prestação de serviços de alimentação (refeições), da manutenção de equipamentos mecânicos e de logística, que contrata a entidades terceiras, como a FF, SA, a KK, SA e a LL, SA.

46. No ano de 2006/2007, o IPO prestava aos seus doentes um serviço, facultando-lhes alojamento, através de Protocolo celebrado com a cadeia de Hotéis GG, na Unidade sita nas imediações do IPO, ao ..., tendo por destinatários os doentes que, sendo residentes em localidades afastadas do Grande Porto e estando sujeitos a ciclos unitários de sequências diárias de diversos tipos de tratamento, de radioterapia e ou quimioterapia, evitavam deslocações de ida e regresso diário de suas casas para os tratamentos.

47. Através de Protocolo com a Liga Portuguesa contra o Cancro, a 1ª Ré obteve desta a cedência de instalações de alojamento, abrangendo dois pisos, no edifício da Liga, sito na Estrada Interior da Circunvalação, à Areosa, Porto, passando a proporcionar alojamento aos doentes elegíveis para esse apoio nas instalações da Liga.

48. Surgiu assim o DD que é uma unidade agregada à prestação de cuidados aos doentes oncológicos, prestando serviço de alojamento hoteleiro aos mesmos e acompanhantes, a título gratuito.

49. Tendo sido celebrado, a 1 de Outubro de 2008, com a HH, actualmente CC, o acordo de fls. 272 a 278, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

50. A 1ª Ré nunca abonou qualquer remuneração à Autora.

51. A 1ª Ré não inseriu a Autora no seu mapa de trabalhadores abrangidos pelo seu seguro de responsabilidade civil laboral.

52. A 23 de Abril de 2014, a 1.ª Ré e a II MM, SA acordaram uma prestação de serviços nos termos constantes de fls. 279, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

53. A 17 de Outubro de 2013, em reunião de serviço realizada nas instalações do DD, todos os trabalhadores colocados pela 2.ª Ré na 1.ª Ré, incluindo a Autora, foram informados pelo Serviço de Gestão Hoteleira do IPO, da intenção deste proceder à abertura de concurso público para a prestação de serviços de hotelaria para o DD.

54. Tal reunião visou tranquilizar as pessoas envolvidas, a fim de evitar ansiedade, dado que, no limite, todos poderiam perder os postos de trabalho.

55. O DD está dividido e distribuído em dois espaços, um na Liga Portuguesa contra o Cancro, na Estrada Interior da Circunvalação, à Areosa e outro no Edifício dos Cuidados Paliativos, também da Liga mas situado no perímetro do IPO.

56. Sendo que, naquele os doentes dormem e tomam pequenas refeições, e neste tomam as refeições normais e dispõem de uma área de lazer.

57. A avaliação e desempenho tinham por finalidade alinhar a Autora e demais funcionárias ali colocadas pela CC com os demais objectivos da 1ª Ré.

58. A Autora foi paga pela CC.

3---

         Questão prévia:

Nas conclusões XXVIII e XXIX alega a recorrente que a Relação concluiu que a trabalhadora viu o seu contrato a termo convertido em contrato por tempo indeterminado, e que estando este contrato ferido de nulidade, conheceu de questão que não havia sido suscitada pelo IPO nas alegações de recurso.

Parece assim (pois não o diz expressamente) imputar ao acórdão recorrido a nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento por não ter sido alegada.

No entanto, não tendo dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 77.º do CPT, não pode este Supremo Tribunal tomar conhecimento desta questão, pois a recorrente não arguiu a nulidade no requerimento de interposição do recurso.

Por isso, é extemporânea a sua arguição no corpo das alegações se não se invocou este vício naquele requerimento, conforme vem decidindo uniformemente este Supremo Tribunal, vendo-se nomeadamente o recente o acórdão de 22-02-2017, Proc. n.º 988/08.3 TTVNG.P4.S1, desta 4.ª Secção.

Assim, e perante o incumprimento destas exigências de carácter formal, não se conhece desta matéria.

 

3.1.---

         Na conclusão XXX, alega a recorrente que o acórdão incorre em erro, pois não tendo a trabalhadora sido despedida não se pode aplicar o regime do artigo 390.º, nº 1 e 2 do CT/2009.

No entanto, e face à forma como a lide se desenrolou, esta alegação da recorrente improcede.

Efectivamente, todo o seu petitório é construído na perspectiva de ter sido vítima dum despedimento ilícito, bastando para tanto atentar na sua alínea c), onde se pediu que seja declarada a nulidade do seu despedimento e que, em consequência, se condene a 1.ª Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, categoria profissional e retribuição.

Por outro lado, tendo-se dado como provado que (facto 17) no dia 7 de Maio de 2014, a Autora se deslocou ao DD da 1.ª Ré, e que tendo-se apresentado para trabalhar dentro do seu horário de turno foi impedida de entrar ao serviço pelos funcionários do IPO (facto 18), temos de concluir que o que está em causa é o seu despedimento, por cuja ilicitude a recorrente pugna.

         Improcede portanto esta questão.

3.2---

O conflito que se discute na revista:

A sentença da 1ª instância, depois de declarar nulo o contrato de trabalho a termo celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré (a); de declarar nulo o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a 1ª e a 2ª Ré (b); face a este concurso de nulidades dos contratos, considerou a Autora vinculada à 1ª Ré por contrato de trabalho sem termo, desde 4 de Abril de 2007 (c), vindo a condená-la a reintegrar a trabalhadora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade, categoria profissional e retribuição (d), bem como no pagamento das retribuições vencidas e vincendas que a mesma deixou de auferir desde 4 de Abril de 2014 até à sua reintegração efectiva (e), tudo com juros de mora.

         Tendo o IPO apelado, sustentou no recurso que inexistia base documental para se qualificar como contrato de utilização de trabalho temporário a relação contratual existente com a 2.ª R.

No entanto, tendo sucumbido nesta sua pretensão, passou a Relação a apreciar a questão da nulidade do contrato sem termo, vigente desde 4 de Abril de 2007, em virtude da 1.ª Ré ser uma pessoa colectiva de direito público, e estando por isso sujeita ao regime do artigo 47.º, n.º 2 da CRP, conforme advogava o apelante.

E na apreciação desta matéria veio a concluir que a trabalhadora esteve vinculada à recorrida através dum contrato por tempo indeterminado, que é nulo por violação do artigo 5.º da Lei 23/2004 de 22/6, e do n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

Nesta linha, e aplicando o regime da nulidade do contrato de trabalho previsto nos artigos 122.º e 123.º do CT/2009, considerou-se que o contrato produziu os seus efeitos enquanto foi executado. Mas tendo a R invocado tal nulidade nas alegações de recurso perante a Relação, entendeu-se que por causa da cessação do contrato por iniciativa do IPO, a trabalhadora apenas tem direito às retribuições vencidas até à data em que foi invocada a sua nulidade, e que não poderá beneficiar da reintegração por não se poder reintegrar um trabalhador dum contrato por tempo indeterminado que padeça de tal vício.

E considerou-se também que a trabalhadora não tem direito a indemnização de antiguidade em virtude de não ter optado por ela.

É contra tal posição que se insurge a recorrente, advogando em síntese, que foi violada a Directiva 1999/70/CE de 28/06, transposta para o nosso ordenamento jurídico através do Código de Trabalho de 2003, directiva que se aplica também às relações de trabalho estabelecidas no sector público.

Argumenta ainda que a não reintegração da trabalhadora viola os princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança, da segurança no emprego, e do direito ao trabalho, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 53.º, 59.º, 67.º e 266.º da CRP.

         Sendo estas as questões suscitadas na revista, vejamos então se a recorrente tem razão.

3.2.1---

O R. IPO era um hospital público que veio a ser transformado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos pelo DL n.º 284/2002 de 10/12.

E foi transformado numa entidade pública empresarial pelo DL n.º 93/2005, de 7/6, conforme resulta do seu artigo 1.º e do respectivo anexo.

Os seus estatutos foram consagrados pelo DL n.º 233/2005 de 29/12, considerando o legislador que o modelo de organização como entidade pública empresarial é o que melhor corresponde à prossecução dos objectivos de serviço público que está na base das unidades de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde.

E embora o legislador pretendesse marcar a inequívoca natureza pública das instituições do Estado prestadoras de cuidados de saúde, havia que compatibilizar este princípio com os instrumentos de gestão mais adequados à prossecução daqueles objectivos.

Por isso se instituiu um regime jurídico que atendendo ao serviço público prestado, permite uma maior intervenção ao nível das orientações estratégicas de tutela e superintendência a exercer pelos Ministros das Finanças e da Saúde. Mas permite também um adequado funcionamento do conjunto das instituições ligadas ao Serviço Nacional de Saúde quer ao nível da sua operacionalidade, quer ao nível da racionalidade económica das decisões de investimento.

  Foi nesta linha que, para evitar a proliferação de estatutos de unidades de saúde essencialmente idênticos, optou o legislador por aprovar um regime jurídico e uns estatutos suficientemente flexíveis para abarcar as várias unidades de saúde a quem foi reconhecida a natureza de entidades públicas empresariais, sejam hospitais ou centros hospitalares gerais ou especializados.

 Tendo a A. sido contratada em 2007, vigorava então o regime jurídico das entidades públicas empresariais consagrado pelo mencionado DL n.º 233/2005 de 29/12.

Assim, e de acordo com o seu artigo 5.º, as entidades públicas empresariais abrangidas pelo diploma são pessoas colectivas de direito público de natureza empresarial, sendo dotadas de autonomia financeira, administrativa e patrimonial.

E no que respeita aos recursos humanos, era-lhes permitida a contratação de trabalhadores ao abrigo da figura do contrato de trabalho regulado pelo então Código do Trabalho de 2003, conforme resultava do n.º 1 do artigo 14.º.

No entanto, não lhes era permitido celebrar contratos de trabalho para além da dotação global de pessoal que fosse orçamentada, devendo os processos de recrutamento assentar na adequação dos profissionais às funções a desempenhar, e assegurar os valores da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não-discriminação, bem como da sua publicidade, conforme resultava dos n.ºs 2, 3 e 4 do mencionado dispositivo.

Por isso, e não obstante a expressa remissão para a disciplina do Código do Trabalho de 2003, a contratação do pessoal estava sujeita a um procedimento prévio de recrutamento com vista a assegurar o respeito pelos valores da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé, da não-discriminação e da publicidade, conforme impunha o n.º 4 do supracitado artigo 14.º, que mais não é do que a concretização do regime que já vinha da Lei n.º 23/2004, de 22/6.

Efectivamente, este diploma veio estabelecer os termos da vinculação das partes duma relação de trabalho no âmbito da Administração Pública, incluindo a administração local, regime que também era aplicável ao sector da saúde por força do disposto no n.º 3 do seu artigo 26.º.

Por isso, e conforme resultava do n.º 2 do seu artigo 2.º, o contrato de trabalho com pessoas colectivas públicas “não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público”.

De qualquer forma, e quanto aos contratos de trabalho sem termo celebrados ao abrigo desta Lei, estão sujeitos às limitações do art. 7.º, designadamente do n.º 1, nos termos do qual apenas poderão ser celebrados se existir um quadro de pessoal para este efeito e nos limites desse quadro, implicando a violação desta norma, e conforme advinha do seu nº 4, a nulidade dos respectivos contratos e gerando por isso a responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que os celebraram.

Por outro lado, e quanto aos requisitos de forma, deviam ser reduzidos a escrito, conforme preceituado no artigo 8.º daquele diploma, devendo a contratação por tempo indeterminado obedecer a um prévio processo de selecção, tal como previa o artigo 5.º.

Quanto à contratação a termo resolutivo, implicava também a redução do contrato a escrito, só podendo recorrer-se a ela nas situações mencionadas no n.º 1 do artigo 9.º.

No entanto, em caso algum este contrato poderá converter-se em contrato por tempo indeterminado, conforme prescreve o n.º 2 do artigo 10.º.

Diga-se ainda que mesmo no caso de celebração de contratos a termo resolutivo também era obrigatório accionar um processo de selecção simplificado, precedido da publicação da oferta de trabalho, sendo a decisão reduzida a escrito e devendo fundamentar-se em critérios objectivos de selecção, conforme prescrevia o n.º 4 do artigo 9.º.

Foi na linha deste regime jurídico que a Relação concluiu pela impossibilidade legal do contrato da recorrente se converter em contrato sem termo, por violação expressa do disposto nos artigos 5.º e 10.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2004 de 22/6, e do n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

Também aderimos a este entendimento.

Na verdade, tal impossibilidade de conversão resulta dos mencionados preceitos da Lei n.º 23/2004.

Mas resulta principalmente do artigo 47º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, enquanto prescreve que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.

Com efeito, sobre o conceito de função pública para efeitos de aplicação deste preceito constitucional, diz-se no Acórdão do TC 61/2004, o seguinte:

“Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no Acórdão n.º 406/2003, recordar-se-á que uma solução intermédia parece ser defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, p. 264, n. VIII ao artigo 47º):

«A definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos para a sua caracterização material.

Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, Região Autónoma, autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório.»

No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a pronunciar-se em sentido mais amplo («Projecto de lei quadro dos institutos públicos — Relatório final e proposta de lei quadro», grupo de trabalho para os institutos públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, nº 4, p. 50, nota ao artigo 45º), adoptando uma posição que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:

«No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.

No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de ‘gestão privada’, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal.

Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47.º, n.º 2), seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.»

Donde ser de concluir que o n.º 2 do artigo 47º da CRP, abrange também a admissão dum trabalhador ao serviço duma pessoa colectiva pública como é o caso do IPO/Porto, mesmo que o regime laboral seja o do contrato individual de trabalho, como é o caso.

         E por isso se impõe concluir pela impossibilidade de conversão do contrato da autora em contrato de trabalho de duração indeterminada, tal como decidiu a Relação, pois não se prova que a sua admissão tenha sido objecto de qualquer procedimento de recrutamento conforme exige aquele preceito constitucional.

         No sentido desta inconvertibilidade se tem pronunciado, de forma unânime e constante este Supremo Tribunal, designadamente nos seus acórdãos de 26.11.08, Proc. n.º 08S1982; de 10.04.2013, Processo 2006/09.5TTPNF.P1.S1 e de 04.07.2013, Processo 079/09.0TTPNF.P1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.

E neste sentido se tem orientado também a jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo citar-se os acórdãos números 368/2000, proferido no Processo n.º 243/01 e publicado no D.R., 1.ª Série de 27.02.2004; 61/2004, de 27.01.2004, prolatado no Processo n.º 471/01 e, mais recentemente, o acórdão n.º 409/2007, de 11.07.2007, proferido no Processo n.º 306/07.

Conforme se argumenta no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Julho de 2013 (Isabel São Marcos) a “circunstância de, para efeitos de contratação para a função pública, exigir-se a observância de um processo prévio de selecção e recrutamento que, tendo subjacente a ideia do concurso como regra, seja adequado a garantir, em condições de liberdade, igualdade e legalidade, o acesso à contratação de todos os cidadãos, eventualmente interessados, mais não visa do que dar cumprimento ao mencionado artigo 47.º, número 2 da Lei Fundamental.

E isto na exacta medida em que, como se diz no acórdão n.º 368/00 do Tribunal Constitucional, não podendo pretender-se que a substituição do concurso para a função pública pela conversão de um contrato de trabalho a termo certo por um contrato por tempo indeterminado seja compatível com a finalidade prosseguida com a citada norma do número 2 do artigo 47.º da Constituição, no segmento em que preconiza o concurso como regime-regra de acesso à função pública, a admitir-se que assim pudesse não suceder, tal não só implicaria a violação do princípio da legalidade no acesso à função pública, como em nada contribuiria, bem ao invés, para o reforço da legitimação e da legitimidade democrática da administração, que se quer norteada pelos princípios da transparência, eficácia, eficiência.

É que, como salientam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[1] «A regra constitucional do concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal da função pública (nº 2) é uma garantia do princípio da igualdade do próprio direito de acesso, pois este não existe quando a administração pode escolher e nomear livremente os funcionários …».

De onde que, não se vislumbrando qualquer razão para afastar o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, emitido pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 368/00 e reiterado nos seus posteriores acórdãos n.ºs 61/2004 e 306/2007, antes referidos ̶ se partilhe, isso sim, do entendimento que, firmado pelo Tribunal Constitucional no último dos mencionados arestos, vai no sentido de que «… seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade».

Aderimos vivamente a este entendimento, sendo na linha do pensamento do legislador constitucional que se compreende que a contratação por tempo indeterminado ao abrigo da Lei 23/2004 tenha que obedecer a um prévio processo de selecção, tal como prevê o seu artigo 5.º deste diploma.

Também na celebração de contratos a termo resolutivo, é obrigatório proceder a um processo de selecção simplificado, que sendo precedido da publicação da oferta de trabalho exige que a decisão seja reduzida a escrito e fundamentada em critérios objectivos de selecção, conforme prescreve o n.º 4 do seu artigo 9.º.

E até na admissão de pessoal ao abrigo do DL nº 233/2005, de 29/12, que permite às entidades públicas empresariais do sector da saúde a contratação de trabalhadores mediante o recurso à figura do contrato de trabalho regulado pelo então Código do Trabalho de 2003, conforme permite o n.º 1 do artigo 14.º, se impõe que os processos de recrutamento assentem na adequação dos profissionais às funções a desempenhar, com garantia dos valores da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não-discriminação, bem como da sua publicidade, conforme resulta do nº 4 do mencionado dispositivo.

Pelo exposto, temos de confirmar a impossibilidade legal do contrato de trabalho da autora se converter em contrato sem termo, juízo a que chegou a Relação, pois não tendo a A. provado ter sido admitida ao abrigo dum processo de recrutamento aberto a todos os cidadãos, a admissão de tal conversão constituiria uma violação clara e frontal do n.º 2 do artigo 47.º da CRP.

3.2.2---

         Contrapõe a recorrente que desta forma se está a violar a Directiva 1999/70/CE do Conselho, de 28.06.99, mas não tem razão.

Efectivamente, esta foi transposta para a ordem jurídica interna através do artigo 2.º, al. n) da Lei Preambular nº 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, sendo seu objectivo, nos termos do artigo 1.º, al. b), do Anexo ao Acordo-Quadro, evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

E para tanto, dispõe o artigo 5.º que:

“1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei”(…) “deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supra mencionados contratos ou relações laborais;

b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2. Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais (…) deverão, sempre que tal seja necessário, definir que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a) como sucessivos;

b) como celebrados sem termo”.

Visou pois a Directiva, e conforme resulta do n.º 6 das considerações gerais do Anexo ao Acordo-Quadro, evitar o abuso decorrente da sucessiva contratação a termo, privilegiando a contratação sem termo como forma normal de constituição da relação jurídico-laboral, e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e do seu desempenho.

O regime da contratação a termo do CT/2003, e que passou mais tarde para o CT/2009, deu plena satisfação a tais pretensões prosseguidas pela Directiva, nomeadamente só admitindo a contratação a termo para satisfação de necessidades temporárias das empresas (artigo 129.º/1), exigindo que a justificação para a sua adopção conste de forma clara do texto do contrato (131.º), e definindo a figura dos contratos sucessivos tal como consta do artigo 132.º.

E apesar da Directiva ser aplicável tanto ao sector privado, como ao público, como concluiu o acórdão recorrido citando neste sentido o Acórdão do Tribunal de Justiça das CE, no Processo C-364/07, JO, 13.09.05, C 236/5), temos de dizer que o legislador da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, também criou medidas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos a termo, pois o estatuído nos artigos 9.º e 10.º, números 1, 2 e 3 da supracitada Lei, observa, no essencial, o que vem preconizado no artigo 5.º do Acordo-Quadro CES, UNICE e CEEP, Anexo à invocada Directiva.

Fê-lo sem prever a possibilidade de conversão, sem mais, do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, quando celebrado no sector público, consagrando no entanto, a responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebrem esses contratos, conforme resulta do artigo 10.º, n.º 3 da mencionada Lei 23/2004[2], como medida para combater o recurso abusivo pelo sector público aos contratos de trabalho de duração limitada.

Por outro lado, a impossibilidade de tal conversão é de todo compreensível se se considerar que tal afrontaria o comando constitucional ínsito no citado número 2 do artigo 47.º[3].

É certo que o TJCE (actual TJUE) vem reafirmando o primado do direito comunitário tanto em relação às normas de direito interno, em geral, dos Estados-Membros, como em relação às disposições de nível constitucional, em particular, sob a consideração, essencialmente, da necessidade de salvaguardar o seu carácter comunitário e de não ser posta em causa a base jurídica da própria Comunidade.

Mas esta primazia não pode verificar-se na presente situação, pois do artigo 8.º, n.º 4, da CRP resulta que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, mas com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

E voltando a seguir o acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Julho de 2013, já acima referido, este entendimento foi sancionado pelo Tribunal Constitucional no supracitado acórdão de 11.07.2007, proferido no Processo n.º 306/07, ou seja, já depois da alteração que a Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho (6.ª Revisão Constitucional) introduziu ao artigo 8.º da Lei Fundamental, aditando-lhe o número 4 acima transcrito, o que permite inferir que a nossa Constituição consagrou uma reserva à primazia do direito comunitário.

E continuando diz ainda o acórdão:

“Perspectiva que sai, de alguma sorte, reforçada com o comando ínsito no artigo 277.º, número 1 da Constituição da República Portuguesa, enquanto prescreve que «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados»[4].

Ora, no que diz respeito a este concreto aspecto da questão, desde já importa consignar que também consideramos que o princípio do primado do direito europeu não se sobrepõe, quanto mais não seja, às normas constitucionais relativas aos princípios em que se fundamenta o Estado de direito democrático e à interpretação que, com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional faça, quando chamado a pronunciar-se, como sucede na situação vertente, em que em causa se encontra o princípio da igualdade no acesso à função pública que, no dizer de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, «… não tem sentido significativamente diverso do princípio geral da igualdade (cfr. art. 13º e respectivas notas). Só que aqui aparece como elemento constitutivo do próprio direito (direito de igualdade)»[5].

É que, como ensinam os mesmos autores[6], «O primado do direito da União, nos termos definidos no artigo 10.º-1 da Constituição Europeia, está condicionado pela reserva constitucional de respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 8.- 4, in fine), sendo que «Entre os princípios do Estado de direito democrático haverá de incluir-se, desde logo, o princípio da soberania popular; o princípio do pluralismo de expressão e organização política democrática; o princípio do respeito, garantia e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, o princípio da separação e interdependência dos poderes; a independência dos tribunais (cfr. CRP, art.º 2.º)».

Pelas razões expostas, e inserindo-se o direito consagrado no art. 47.º, nº 2, da CRP no Capítulo (II) relativo aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, estruturantes do Estado de direito democrático, estamos no âmbito do objecto da reserva prevista no aludido n.º 4 do seu artigo 8.º.

Diga-se ainda que a doutrina do acórdão do TJUE de Setembro de 2016, Proc. C-16/15 e referente a uma enfermeira que trabalhou de Fevereiro de 2009 até Junho de 2013, num Hospital Público de Espanha, com um contrato de trabalho renovado sete vezes, não é aplicável ao caso, pois nesta situação era a legislação comum que não previa a conversão do contrato da dita trabalhadora numa relação de trabalho por tempo indeterminado.

Pelo exposto, e improcedendo esta argumentação da recorrente, temos de concluir, como fez a decisão recorrida, pela impossibilidade de conversão do contrato da autora num contrato de trabalho de duração indeterminada.

3.3---

Argumenta ainda a recorrente que o acórdão impugnado viola os princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança, da segurança no emprego, e do direito ao trabalho, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 53.º, 59.º, 67.º e 266.º da CRP.

Mas também não tem razão.

Efectivamente, resulta do artigo 13.º da CRP, sob a epígrafe “princípio da igualdade” que:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

Na densificação deste princípio constitucional, é vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que o mesmo impõe que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais.([7]).

Nesta linha, só podem ser censuradas com fundamento em lesão do princípio da igualdade as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem, conforme doutrina que dimana do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 47/2010.

Ora, o regime do artigo 47.º, n.º 2 da CRP visa precisamente consagrar a igualdade dos cidadãos no acesso à função pública, seja através de concurso, seja através de processos de selecção mais simplificados que salvaguardem os valores da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não-discriminação.

Por isso, improcede esta questão.

Quanto ao princípio da confiança consagrado no artigo 2.º, trata-se dum valor constitucional dirigido ao legislador ordinário e que visa impedir que se consagrem soluções legais com que os cidadãos não possam legitimamente contar.

Não é porém este o caso, pois o n.º 2 do artigo 47.º da CRP integra um valor constitucional que pretende consagrar um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos.

Além disso, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, conforme resulta do n.º 1 do artigo 269.º da CRP.

Ora, só através de procedimentos de selecção e recrutamento que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública é que se pode impedir que esse recrutamento se faça segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de a colocarem na sua dependência, e pondo em causa a necessidade de actuação com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, conforme exige o n.º 2 do artigo 266.º da CRP.

Assim, improcede também esta alegação da recorrente.

Quanto aos valores da segurança no emprego e do direito ao trabalho, constantes dos artigos 53.º e 59.º da CRP, também esta alegação improcede, como se conclui dos acórdãos do Tribunal Constitucional citados no ponto 3.2.1, pois se foram julgadas inconstitucionais as normas legais de acesso à função pública interpretadas no sentido de permitir a conversão dos contratos a termo em contratos de trabalho de duração indeterminada, é porque se considerou que o valor constitucional do n.º 2 do artigo 47.º da CRP prevalece sobre os invocados princípios constitucionais.

Improcedem assim as pretensas violações constitucionais imputadas ao acórdão recorrido.

4---

Do reenvio prejudicial

         Prevenindo a hipótese do Supremo Tribunal de Justiça vir a decidir em sentido contrário à pretensão da recorrente, requer esta que se ordene o reenvio da questão prejudicial, nos termos do art.º 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, (2008/C 115/01) perante o Tribunal de Justiça da União Europeia para que responda se é conforme ao direito comunitário, nomeadamente aos objectivos da Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 1999-06-28, uma legislação nacional que proíbe que um contrato de trabalho a termo, celebrado com o Estado, seja convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

         Mas esta pretensão tem que ser indeferida.

Efectivamente e conforme se argumenta no já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Julho de 2013, “… funcionando os tribunais nacionais dos Estados-Membros da União Europeia como órgãos de aplicação do direito comunitário, por forma a alcançar-se, no âmbito do espaço integrado europeu, a coesão e a uniformidade indispensáveis para o bom funcionamento do sistema jurídico que rege o mesmo espaço europeu, criou-se o sistema do reenvio prejudicial.

Sistema que, como também se sabe, tem por escopo permitir, quando surgem dúvidas, no domínio quer da interpretação do Tratado da União Europeia, quer da validade e interpretação dos actos adoptados pelas instituições da União Europeia, quer de interpretação dos organismos criados por acto do Conselho, desde que os estatutos o prevejam [alíneas a), b) e c) do artigo 234.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia], aos órgãos jurisdicionais nacionais pedir a um órgão jurisdicional central, o TJUE, que proceda à interpretação do direito da União ou que se pronuncie sobre a sua validade, mas já não que aplique esse direito a uma determinada situação de facto que está a ser discutida no processo principal, posto que tal tarefa incumbe ao juiz nacional, a quem compete tirar as consequências decorrentes da resposta que, porventura, o TJUE tenha fornecido sobre uma daquelas questões submetidas à sua apreciação.

… … …

Constituindo, porém, pressuposto do reenvio prejudicial que, ao aplicar uma determinada norma comunitária convocada para o efeito, o juiz nacional experimente dúvidas acerca da interpretação ou da validade da concreta norma ou específico acto de direito comunitário, o mesmo reenvio carece de justificação: i) se o litígio for decidido de acordo, não com as regras comunitárias mas, com as regras de direito interno; ii) se em causa estiverem questões relativas à interpretação ou à apreciação de normas legislativas ou regulamentares de direito interno ou atinentes à sua compatibilidade com o direito comunitário ou, de forma mais clara, questões reportadas à validade ou interpretação das decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais”.

Perante esta argumentação a que também aderimos, e atentas as consequências jurídicas decorrentes da contratação da autora, considera-se que, no caso vertente, não existe razão para fazer accionar o mecanismo do reenvio prejudicial.

Efectivamente, a este órgão jurisdicional, tal qual sucedeu com a decisão recorrida, não se suscitam dúvidas quanto à interpretação da Directiva n.º 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho, nomeadamente do seu artigo 5.º, bem como quanto à conformidade, no essencial, da legislação nacional que, no respeito pelos comandos constitucionais ínsitos nos artigos 8.º, n.º 4 e 47.º, n.º 2 da Lei Fundamental, adoptou as medidas consideradas adequadas a evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos a termo, em consonância com o preconizado no citado artigo 5.º do Acordo-Quadro CES, UNICE, CEEP.

Além disso, estando em causa os valores constitucionais do art. 47.º, nº 2, da CRP, inseridos no Capítulo (II) relativo aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, e que são estruturantes do Estado de direito democrático, estamos no âmbito do objecto da reserva prevista no n.º 4 do seu artigo 8.º, pois o princípio do primado do direito europeu não se sobrepõe às normas constitucionais relativas aos princípios em que se fundamenta o Estado de direito democrático e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas faça o Tribunal Constitucional.

Por isso, indefere-se o requerido reenvio.

5---

         Termos em que se acorda em:


a) Negar a revista, com a consequente confirmação da decisão recorrida;

b) Indeferir o reenvio prejudicial requerido a título subsidiário.
 

Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 13 de Julho de 2017

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes

                                                   

_______________________
[1] Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 661.
[2] Conforme escreve Susana Sousa Machado, (Contrato de Trabalho a Termo”, 320 e 321, Coimbra Editora, 2009) o Tribunal de Justiça no acórdão Marrosu e Sardino (de 7/9/2006, Processo n.º C-53/04, consultável em www.curia.europa.eu), doutrina também seguida no acórdão Vassalo (de 7/9/2006, Processo n.º 180/04, também disponível no supracitado sítio), declarou que “o acordo-quadro (da Directiva 1999/70) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que exclui, em caso de abuso decorrente da utilização de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos por uma entidade patronal pública, que os referidos contratos se convertam em contratos ou relações de trabalho por tempo indeterminado, mesmo que esta conversão esteja prevista para os contratos ou relações de trabalho celebrados com uma entidade patronal privada, sempre que essa legislação preveja outra medida eficaz para evitar, e sendo caso disso, punir a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade patronal do sector público”.
Estava em causa o artigo 36.º do Decreto legislativo n.º 165, de 30 de Março de 2001, cujo nº 2 impedia também a conversão dos contratos a termo em contratos de trabalho por tempo indeterminado em caso de violação das normas que os admitem, e que também estabelece o direito do trabalhador a ser ressarcido pelos prejuízos derivados da prestação de trabalho em tais condições.
[3] Diga-se ainda que o Tribunal Constitucional italiano considerou esta norma do nº 2 do artigo 36º do Decreto legislativo nº 165, de 30 de Março de 2001 conforme aos valores da igualdade e da boa administração, proclamados nos artigos 3º e 97º da Constituição italiana, em virtude do acesso aos empregos nos organismos públicos se efectuar por concurso, conforme prescrito no nº 3 deste artigo 97º, o que torna legítima a diferença de tratamento entre os trabalhadores do sector público e privado, conforme refere a supracitada autora, a pgs. 320, nota.   
[4] Mota Campos, Manual de Direito Comunitário, Coimbra Editora, 5ª edição, pª. 401 a 404.
[5] Obra e autores citados, p. 660.
[6] Obra e autores citados, p. 266 e 267.
[7] Neste sentido, os acórdãos do TC de 8.06.1993, DR, II.ª série de 6/10/1993; de 5/05/2013, nº 187/2013; e o acórdão nº 353/2012 dentre muitos outros.