Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | TAVARES DE PAIVA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO IMPUGNAÇÃO PRAZO DE CADUCIDADE NULIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/22/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA DA LEI - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DIREITO FALIMENTAR / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS PROCESSUAIS / EFEITOS SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE / PLANO DE INSOLVÊNCIA. | ||
Doutrina: | - Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, p. 167. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 7.º, N.º3, 286.º CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 9.º, N.º1, 85.º, 88.º, N.º1, 102.º, N.º1, 120.º, 121.º, 123.º, 125.º, 194.º, N.º 1. | ||
Sumário : | A acção de impugnação de resolução dependente do processo de insolvência e portanto com carácter urgente ( cfr. art. 9º nº1 do CIRE) como, aqui, acontece, a que alude o art. 125 do CIRE, tanto pode servir para impugnar os fundamentos fácticos da resolução levada a cabo pelo Administrador da Insolvência, como para impugnar a validade do próprio acto resolutivo em virtude da ocorrência de alguma situação susceptível de provocar a nulidade ou anulabilidade desse acto e consequentemente está em qualquer dos casos sempre sujeita ao prazo de caducidade de seis meses, não sendo, por isso, de observar a respeito do fundamento relativo à nulidade do acto resolutivo o regime geral do art. 286 do C. Civil. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório Por apenso ao processo de insolvência de AA Ldª instaurou o BB SA , Sociedade Aberta a presente acção de impugnação da resolução , prevista no art. 125º do CIRE contra a Massa Insolvente daquela Imobiliária , representada pelo Sr. Administrador da Insolvência , alegando no essencial que a resolução levada a cabo pelo AI ( Administrador de Insolvência)através da carta registada com A/R datada de 01/09/2009, abrangeu negócios que estão fora do prazo fixado no nº1 do art. 120º do CIRE e que a mesma enferma de nulidade por não indicar os motivos da resolução. “(…) Exmos. Senhores Atendendo ao processo de insolvência em que a AA, Lda. se encontra envolvida, foi observada a constituição de hipotecas sobre determinados bens de que a insolvente é titular, como garantia dos empréstimos concedido pela vossa instituição à empresa.... – Materiais de Construção Lda.. Atento o facto de tal contrato ter sido celebrado dentro do período mencionado no n.º 1 do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e concluído que tais negócios é prejudicial à massa insolvente, declaro resolvido os contratos efectuados em que estão envolvidos os bens da insolvente, no âmbito do art. 121 do CIRE. Os bens, à data identificados, apresentam os seguintes dados: [...] [...] Nesta conformidade deverão V. Exas. considerar em definitivo o contratos resolvidos, sendo que qualquer tentativa de movimento dos bens acima identificados será motivo de procedimento judicial junto dos organismos devidos. Com os meus cumprimentos subscrevo-me com total consideração, (…)”. Conforme se constata a única questão a decidir no presente recurso consiste em saber se havendo nulidade na declaração resolutiva emitida pelo Administrador da Insolvência, a acção de impugnação dessa resolução está sujeita ao prazo de caducidade de seis meses, a que alude o art. 125 do CIRE, ou se aplica, antes o regime geral do art. 286 do C. Civil. Como é sabido a insolvência apresenta como um dos objectivos essenciais a de prosseguir a satisfação paritária dos interesses dos credores, de forma a impedir que após a declaração de insolvência algum credor possa vir a obter ou adquirir na satisfação do seu crédito uma posição privilegiada ou mais eficaz ( mais rápida ou mais completa) do que os restantes credores. Trata-se do princípio par conditio creditorum que se encontra consagrado no art. 194 nº1 do CIRE segundo o qual “ o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.” Com a declaração de insolvência a posição dos credores assume uma particular e significativa alteração, nomeadamente quanto ao exercício do seu poder executivo, na medida em que ficam impossibilitados de instaurar ou prosseguir com as acções executivas ( cfr. art. 88ºnº1 do CIRE) e no que respeita às acções declarativas “cujo resultado possa influenciar o valor da massa e todas as acções de natureza patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência com fundamento na conveniência para os fins do processo”.( cfr. art. 85 do CIRE). O Administrador a partir do momento em que é declarado o estado de insolvência de um particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de actuar e impulsionar as acções tendentes a evitar a depreciação do património que irá dar satisfação aos créditos que venham a apresentar-se ao concurso de credores. Para além do poder potestativo que o CIRE atribui ao administrador da insolvência, o poder de dar ou recusar o cumprimento de contratos bilaterais pendentes ( cfr. art. 102 nº1) institui um novo regime que visa salvaguardar as acções anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efectivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento ( igualitário) dos credores, como é o caso da resolução em benefício da massa insolvente que vem regulada nos arts. 120 a 126 do CIRE. E neste domínio parece não haver dúvidas que o instituto da resolução consagrado no CIRE visa conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, como seja o de dar satisfação, na medidas das forças do património dos créditos existentes à data da declaração da insolvência. Como refere Gravato Morais in “ Resolução em Benefício da Massa Insolvente” “ os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prima substancial, atendendo naturalmente à inexistência de vícios que os afectem”. “Do que se trata aqui é de, em razão de interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores( os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente , os de que negoceiam com aqueles , portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente)em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores , por via da prática de actos num dado período temporal , designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”. A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor ( ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor”. Conforme resulta dos citados arts. 120 a 126 do CIRE a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades : a) a resolução condicional prevista no art. 120 do CIRE; b) a resolução incondicional prevista no art. 121º do citado diploma. É fazendo o confronto deste regime de resolução como o circunstancialismo fáctico que ocorre, no caso em apreço, que se encontrará a solução para o caso em apreço. Segundo o nº1 do citado art. 120 “ podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência . E o nº2 estatui “ consideram-se prejudiciais á massa os actos que diminuam, frustrem , dificultem , ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”. No que concerne à prejudicialidade, o nº3 do citado art. 120 consagra uma presunção legal , júris et jure , sem admissão de prova contrária, desde que referente a actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados”. Por último não se pode esquecer a respeito da impugnação da resolução o estatuído no art. 125 do CIRE que é expresso no sentido de que “ o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de seis meses, correndo a acção correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência” Há que fazer, então, o confronto deste regime da resolução com o caso dos autos: Estamos perante uma acção de impugnação da resolução que, corre por apenso ao processo de insolvência prevista no citado art. 125º do CIRE. Acontece que a recorrente a pretexto da nulidade da declaração resolutiva por falta de motivação, vem socorrer-se do regime geral do art. 286 do C. Civil, para fugir ao prazo de caducidade previsto citado art. 125º. Embora a recorrente considere que a falta de motivação provoque a nulidade da declaração, o certo é que não se pode esquecer que nem sempre a declaração resolutiva que não reúna os requisitos substanciais ( vg. Falta de fundamentação) provoca a nulidade ou anulabilidade. E nessa medida a declaração pode não produzir efeitos resolutivos. O certo é que no caso em apreço, estamos sempre perante uma declaração resolutiva , que quer com esses ou quaisquer outros fundamentos pode sempre ser impugnada pelo credor. Aqui e antes da apreciação do próprio mérito da declaração( a alegada falta de motivação), há que indagar se verifica ou não apontada caducidade do direito de impugnar a resolução. Vejamos: Note-se, como diz Fernando Gravato Morais in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente” pag. 167 que “ a acção em causa corre na “ dependência do processo de insolvente ( art. 125 in fine CIRE) : tem, portanto “ carácter urgente” pelo que goza inclusivamente de “ precedência sobre o serviço ordinário do tribunal “ ao abrigo do art. 9º nº1 do CIRE”. E acrescenta o citado Autor “ não podia deixar de ser doutra forma, dado que a massa insolvente na pendência da acção de impugnação , não está ainda completamente constituída . A incerteza quanto á integração dos bens na referida massa que, a resolução teve em vista , impõe uma decisão em tempo célere”. A respeito dos próprios termos do acto resolutivo, como bem observa o Acórdão recorrido, a acção de impugnação não pressupõe a validade formal e material do acto resolutivo, no sentido de só ser admitida para impugnação dos concretos fundamentos fácticos constantes da missiva de resolução. E acrescenta e bem o Acórdão “ tal acção tanto pode servir para impugnar a existência dos fundamentos da resolução levada a cabo pelo AI ( Administrador da Insolvência), como para impugnar a validade do próprio acto resolutivo, por exemplo não ter sido observada a forma estabelecida no art. 123º ( não ter sido feita por carta registada com aviso de recepção)ou por terem sido omitidos os fundamentos fácticos relevantes da resolução condicional do art. 120 ou da resolução incondicional do art. 121º ( a carta resolutiva não cumpriu as exigências “ alegatórias” atrás apontadas. Nestas situações ( e outras são possíveis) é através da acção de impugnação a que vimos aludindo que a resolução concretizada pode ser atacada pelo(s) respectivo(s) interessado(s). No caso dos autos, como observa o Acórdão recorrido, estamos no âmbito de uma acção de impugnação ( a presente acção) dependente de um processo de insolvência,( cfr. o já citado art. 125 in fine do CIRE) através da qual o banco recorrente veio impugnar a resolução efectuada pelo Administrador da Insolvência e não através de uma acção comum de anulação ou de declaração de nulidade. Significa em função do entendimento que vimos descrevendo que a acção de impugnação dependente do processo de insolvência e portanto com carácter urgente( cfr. art. 9º nº1 do CIRE) como, aqui, acontece, a que alude o art. 125 do CIRE, tanto pode servir para impugnar os fundamentos fácticos da resolução levada a cabo pelo Administrador da Insolvência, como para impugnar a validade do próprio acto resolutivo em virtude da ocorrência de alguma situação susceptível de provocar a nulidade ou anulabilidade desse acto e consequentemente está em qualquer dos casos sempre sujeita ao prazo de caducidade de seis meses, não sendo, por isso, de observar a respeito do fundamento relativo à nulidade do acto resolutivo o regime geral do art. 286 do C. Civil. Neste domínio, há ainda que ter em conta o princípio geral consagrado no art. 7º nº3 do C. Civil, segundo o qual a “a lei geral não revoga lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, pelo que à luz deste princípio aquele regime geral do citado art.286 sempre teria de ceder perante o regime especial do art. 125 do C. Civil, atento os interesses subjacentes ao processo de insolvência- reconstituição do património do devedor ( a massa insolvente)por meio de um instituto específico a « resolução em benefício da massa insolvente » que permite de forma expedita e eficaz , a destruição de actos prejudiciais a esse património” (cfr. preâmbulo do CIRE) . Portanto, atenta a data da declaração resolutiva do AI - 1/9/2009 e a data de 1/07/2012- da propositura da presente acção de impugnação, aliás, por apenso ao processo de insolvência e o prazo de seis meses estatuído no citado art. 125 do CIRE, dúvidas não existem que, aqui, o direito de impugnar a resolução pela via da acção como fez o recorrente caducou. Sumário: A acção de impugnação de resolução dependente do processo de insolvência e portanto com carácter urgente ( cfr. art. 9º nº1 do CIRE) como, aqui, acontece, a que alude o art. 125 do CIRE, tanto pode servir para impugnar os fundamentos fácticos da resolução levada a cabo pelo Administrador da Insolvência, como para impugnar a validade do próprio acto resolutivo em virtude da ocorrência de alguma situação susceptível de provocar a nulidade ou anulabilidade desse acto e consequentemente está em qualquer dos casos sempre sujeita ao prazo de caducidade de seis meses, não sendo, por isso, de observar a respeito do fundamento relativo à nulidade do acto resolutivo o regime geral do art. 286 do C. Civil. III-Decisão: Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido. Custas pelo recorrente Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça
Lisboa, 22 de Maio de 2013 Tavares de Paiva (Relator) Abrantes Geraldes Bettencourt de Faria
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