Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1333/15.7T8LMG.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: POSSE
USUCAPIÃO
ANIMUS POSSIDENDI
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
MANUTENÇÃO DA POSSE
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
LEI PROCESSUAL
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / APELAÇÃO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 721;
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, p. 406 e 407;
- Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, p. 269;
- Henriques Mesquita, Direitos Reais, p. 69 e ss.;
- José Alberto Vieira, Direitos Reais, p. 538 e ss.;
- Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4.ª edição, p. 274 e ss.;
- Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1º, p. 563 e ss.;
- Mota Pinto, Direitos Reais, p. 189;
- Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª edição, p. 42 e ss.;
- Orlando de Carvalho, RLJ, Ano 122º, p. 65 e ss.;
- Paula Costa e Silva, Posse ou Posses?, 2.ª edição, p. 23 e ss.;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, p. 3, 4 e 16.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 646.º, N.º 4.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1252.º, 1257.º, N.º 2 E 1267.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 9950/11.8TTBVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-02-2018, PROCESSO N.º 1824/15.OT8PRD.P1.S1;
- DE 21-02-2019, PROCESSO N.º 423/11.OTBHRT.L2.S1;
- DE 11-04-2019, PROCESSO N.º 5043/16.OTSTB.E1.S2.
Sumário :
I – Sendo aplicável o CPC de 2013, e incluindo-se, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. 646º – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir.

II – Consagrando-se no acórdão da Relação, a propósito de um dado facto, que um edifício “(…) está na posse (…)” da autora e da sua antecessora, tal tem de ser lido como traduzindo, não uma posse juridicamente eficaz – pois seria, então, a afirmação de uma conclusão jurídica inaceitável em sede de apuramento de factos –, mas a afirmação de um simples domínio de facto sobre o edifício, exercido nas restantes circunstâncias enunciadas nesse mesmo facto, tudo a submeter à devida valoração jurídica.

III – Por força do disposto no art. 1252º do CC, a presunção quanto à existência do elemento subjetivo da posse, a ser extraída de factos que revelem o exercício do poder de facto sobre a coisa, não pode ter lugar em qualquer caso, devendo ser conjugada com uma outra presunção, a contida no nº 2 do art. 1257º, segundo o qual se presume que a posse continua em nome de quem a começou.

IV – A presunção da continuidade da posse por parte de quem a começou continua a existir até que ocorra alguma das circunstâncias que, nos termos do art. 1267º do CC, podem levar à sua perda, nomeadamente por haver uma nova posse por parte de outrem que a adquira por inversão do título de posse.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO



I - União de Freguesias de …, … e … instaurou contra Fábrica da Igreja Paroquial de AA e Fábrica da Igreja Paroquial de BB, a presente ação declarativa, pedindo a declaração de que:

“A) Pese embora a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA figure na Conservatória como proprietária do prédio descrito no art. 1º da PI, tal inscrição de aquisição não corresponde à realidade, uma vez que nem a mesma, nem a ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB, são ou alguma vez foram proprietárias do prédio em causa, sendo o referido registo também nulo por violação do competente trato sucessivo;

B) A autora é dona e legítima proprietária do referido prédio que possuiu a seguinte descrição e configuração: Prédio urbano, sito no lugar da Igreja, da União de Freguesias de …, … e …, concelho de …, composto por casa de dois pavimentos com logradouro, com a área total de 1030 m2, a confrontar de norte com jardim da igreja de …, sul com estrada municipal, de nascente com caminho público e de poente com estrada municipal e adro da igreja paroquial, inscrito na respetiva matriz sob o art. 1078 da União de Freguesias de …, … e … (que proveio da anexação de uma parcela com a área de 468 m2, desanexada do prédio descrito sob o nº 6…6/200…10-… e do art. 452-M omisso na Conservatória) e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 9…2/201…27, por o haver adquirido pelo instituto da usucapião e com base em aquisição originária já anterior à data do registo da aquisição a favor das rés;

C) Quer o ato de justificação efetuado pela ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB, quer a decisão constante da sentença proferida no âmbito do processo 174/2014-JP, títulos usados pelas rés para registarem os prédios rústicos e após o urbano a seu favor, não têm qualquer valor jurídico, por serem assentes em factos falsos e assim ineficazes e ainda por a aquisição a seu favor declarada e titulada pelo registo ser nulo por violação do trato sucessivo.”

         Mais pediu que:

“D) Se ordene o cancelamento do registo de aquisição a favor da ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA que consta do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de … através da Ap. 2562 de 2015/03/27 da descrição nº 9…2/201…27 de …;

E) Se ordene oficiosamente a inscrição da autora como proprietária do prédio em causa, por ser sua legítima dona e proprietária e ter adquirido o prédio pelo instituto da usucapião;

F) Se condenem as rés a reembolsar a autora nas despesas e encargos que terá de suportar com a presente ação em montante nunca inferior a € 2.000,00, a título de indemnização.”


Para tanto, alegou, em síntese, que:

- A segunda ré figura na Conservatória do Registo Predial de … como proprietária do prédio urbano inscrito na matriz da União de Freguesias de …, … e … sob o artigo 1078º;

- O registo desta aquisição foi feito com base em decisão proferida no âmbito do processo 174/2014-JP que correu termos no Julgado de Paz de …, instaurado pela Fábrica da Igreja de AA contra a Fábrica da Igreja de BB, na qual veio a ser declarado o direito de propriedade daquela;

- Esta ação foi precedida de escritura de justificação, pela qual a ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB registou a seu favor a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio em causa;

- Porém, tal prédio urbano há mais de 60 anos que se encontra na posse da autora que, ao longo do tempo, ali efetuou obras, tendo-o afetado ao interesse público, utilizando-o quer como sede da Junta de Freguesia de …, quer como jardim de infância, utilizando-o como sua dona exclusiva, de forma ininterrupta e exclusiva, sem qualquer oposição.


Na contestação as rés defenderam a improcedência da ação e deduziram reconvenção, pedindo que se declare que:

“I - A Fábrica da Igreja Paroquial de AA é proprietária do prédio rústico referido no art. 34º da contestação, que adquiriu por usucapião;

II - O prédio urbano, composto de casa de dois pavimentos, com a área coberta de 210 m2 e logradouro de 820 m2, sito no lugar da Igreja, em …, da União de Freguesias de …, … e …, a confrontar do norte com o jardim da Igreja de …, do sul e poente com estrada municipal e do nascente com estrada municipal e caminho público, inscrito na matriz sob o art. urbano 1078º e descrita na Conservatória de Registo Predial de …/… sob o nº 9…2/201…27 foi implantado no prédio referido no pedido anterior e é propriedade da 1ª ré, condenando-se a autora a reconhecê-lo.”


Alegaram, para tanto e em síntese nossa, o seguinte:

- A Fábrica da Igreja Paroquial de BB era dona e legítima possuidora de um prédio composto por duas parcelas, divididas por um caminho, inscrito na anterior matriz sob o artigo 451º-B, e atualmente sob o artigo 451º 2-B;

- Tal prédio, que foi oferta de fiéis, desde há mais de 90 anos que foi possuído pela Fábrica da Igreja de BB, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, de forma continuada, ininterrupta e na convicção de exercício de um direito próprio.

- Já a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA foi dona e legítima possuidora do prédio rústico inscrito na anterior matriz sob o artigo 452º-B e atualmente sob o artigo 452º- 2B, o qual utilizou e possuiu de forma pacífica, pública, ininterrupta desde há mais de 90 anos, na convicção de ser dona do mesmo, pelo que o adquiriu por usucapião – prédio este que confronta pelo sul com o lado norte da parcela menor do prédio inscrito na matriz sob o artigo 451º-2 B;

- A Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de … adquiriu tal parcela do prédio inscrito na matriz no artigo 451º-2B, tendo entrado na posse imediata da mesma, considerando-a, desde então, parte integrante do seu prédio inscrito na matriz sob o artigo 452ºB;

- Desde a celebração de tal negócio e sobre tal prédio, a primeira ré vem exercendo atos de posse, de forma ininterrupta, sem oposição, na convicção do exercício de um direito próprio de proprietária;

- Por outro lado, foi por iniciativa do Pároco da Freguesia de … que foi iniciada a construção do edifício implantado no prédio em discussão, que se destinou a Centro Social e Residência Paroquial, e se concretizou com vários donativos, designadamente da Junta de Freguesia que nunca invocou ser a dona da obra.


Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção, sendo as rés absolvidas dos pedidos formulados pela autora, e declarou-se a Fábrica da Igreja Paroquial de AA proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 452º 2B sito no lugar da Igreja, da União de freguesias de …, … e …, com a área de 1030 m2, a confrontar do norte com o jardim da Igreja de …, do sul com a estrada municipal, do nascente com o caminho público e poente com estrada municipal e adro da Igreja Paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452ºB e do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de … a seu favor sob o nº 9…2/201…27, sito no Lugar da Igreja, da União de freguesias de …, … e …, concelho de …, com a seguinte composição “casa de dois pavimentos com logradouro”, com a área total de 1030 m2, a confrontar de norte com jardim da igreja de …, do sul com estrada municipal, do nascente com caminho público e do poente com estrada municipal e adro da igreja paroquial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1078º da União de freguesias de …, … e … .


Tendo a autora apelado contra esta decisão, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão em que, por maioria, alterou em três pontos a decisão proferida sobre os factos e, quanto ao mérito, decidiu:

a) Declarar que a autora é dona e legítima proprietária do edifício com a área de implantação de 210 m2, existente no atual prédio urbano, inscrito na matriz no artigo 1078º, mas anterior prédio rústico inscrito na anterior matriz sob o artº 452-B e na atual da União sob o artº 452º-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de …, este com a área total, incluindo aquela de implantação, de 1030m2.

b) Atribuir à autora o direito de diligenciar pela adequação/autonomização legal de tal edifício, por reporte ao rústico.

c) Declarar a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA proprietária do aludido prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 452º 2B, mas com a área de 820 m2.


As rés Fábrica da Igreja Paroquial de AA e Fábrica da Igreja Paroquial de BB interpuseram a presente revista, tendo apresentado alegações onde, pedindo a revogação do dito acórdão e a repristinação da sentença, formularam as conclusões que passamos a transcrever:

1ª A Autora, ora recorrida, União das Freguesias de …, … e …, instaurou contra as Rés/ recorrentes Fábrica da Igreja Paroquial de AA e Fábrica da Igreja Paroquial de BB, ação declarativa de condenação, com processo comum, onde pediu, entre o mais, ser reconhecida como dona e legitima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.91078 da União de Freguesias de …, … e …, condenando-se as Rés / Recorrentes, Fabrico da Igreja de AA e Fábrica da Igreja de BB a reconhecê-lo e, ainda o pagamento da quantia de € 2.000,00 relativos a despesas e encargos que a autora terá que suportar com a presente ação.

2ª Ambas as Ré contestaram e deduziram pedido reconvencional onde pediram: - A improcedência da ação e procedência do pedido reconvencional reconhecendo-se e declarando-se:- a)- o direito de propriedade da Fábrica de Igreja de AA sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 452º-2B e que o mesmo resultou da anexação da parcela menor do prédio inscrito na matriz sob artigo 451º-2B, com a área de 468 m2 que somados à área de 562 m2 do art. 452º-2B da Fábrica da Igreja Paroquial de AA perfez a área total de 1030 m2, prédio este onde o prédio urbano reivindicado pela Autora foi implantado e que o mesmo é propriedade da Fábrica de Igreja de AA.

3ª A Decisão da 1ª Instância foi favorável à Reconvinte / Fábrica da Igreja Paroquial de AA que foi reconhecida proprietária do edifício em litígio e do solo do prédio rústico onde o edifício está implantado.

4ª A autora vencida recorreu, tendo a 2ª Instância de Apelação, por maioria e um Voto de vencido, procedido à alteração da factualidade de ponto 7.9; 7.16 7.44 da factualidade provada, com repercussão e relevância direta na Decisão da Apelação, passando a ter a seguinte redação:

4.1 - O Ponto 7.9 da fundamentação de facto na 1ª Instância tem a seguinte redação:

7.9 - O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1078º tem vindo a ser usado quer pela Junta de Freguesia de …, quer pela União das Freguesias de …, … e … {desde a reorganização administrativa que se operou a nível das freguesias) como sede da Junta de freguesia, o que sucede desde 2013, bem como para estabelecimento de Jardim de Infância da mesma localidade de …, o que sucedeu em data e por período que não foi possível apurar, mas em data posterior a 1993 (art.s 14,15 e 20 da p.i)

4.1- A 2ª instância de recurso deu-lhe a seguinte redação

7.9- O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1078º está na posse da autora e da sua antecessora Junta de Freguesia de …, desde 1993, com vista à sua adstrição a sede da Junta de Freguesia e jardim de Infância, tendo o jardim sido nele instalado em data não apurada posterior aquele ano e a e a sede da junta em 2013.

4.2 O Ponto 7.16 na lª Instância mereceu a redação seguinte:

7.16 - A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço destinado à sede da junta de freguesia desde 2013 os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim de infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício.6.3

4.2 - A 2ª Instância deu-lhe a seguinte redação:

7.16 - A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º desde sensivelmente 1993, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço que desde 2013 é sede da junta de freguesia, e pelo menos desde este ano, os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim de infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício.

4.3 - O Ponto 7.44 mereceu da 1ª Instância a redação seguinte:

7.44 - As sucessivas Juntas da Freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor mas nunca invocaram serem os donos da obra.

4.3     O ponto 7,44 foi alterado pela 2- Instância com a redação:

7.44 - As sucessivas Juntas de freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor

5ª A alteração da factualidade de pontos mencionados na conclusão anterior, nomeadamente, o "item" 7.9 repercutiu-se diretamente na Decisão da Relação que, com um Voto de vencido julgou o recurso parcialmente procedente decidindo:

a ) - declarar-se que a autora é dona e legítima proprietária do edifício com a área de implantação de 210 m2, existente no atual prédio urbano, inscrito na matriz no art. 1078º, mas anterior prédio rústico inscrito na anterior matriz sob o art. 452-B e na atual União sob o art. 452-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de …, este com a área total, incluindo aquela de implantação, de 1030 m2.

b) - Atribui-se à autora o direito de diligenciar pela adequação /autonomização legal de tal edifício, por reporte ao rústico.

c) - Declara-se a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA proprietária do aludido prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 452-2B, mas com a área de 820 m2.

6ª Inconformados com este Acórdão tirado por maioria, e com Voto de vencido, dele vêm as mesmas Rés contestantes / reconvintes interpor recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos de art. 671º nº l e 3 quer quanto aos pedidos em que foram vencidas, quer sindicando a alteração da matéria de facto dos "itens 7.9, 7.16 e 7.44

7ª Uma vez que aquelas alteração (sic) foram decisivas e fundamentais no destino dado ao objeto de litígio em prejuízo das recorrentes e contrária à da 1ª Instância, pretendam estas que o S.T.J sindique se os poderes da Relação foram usados correta ou incorretamente no tocante aos poderes de alteração/ modificação que lhe são conferidos pelas alíneas do n.º 1 do art. 662º CPC, ou seja, se toda a avaliação / alteração foi ou não conforme com a lei, o que comporta um assunto de direito para o que o STJ tem competência (art. 674º,n.º 1 al. b) do CPC. (citação quase literal de p. 93 do Acórdão do.STJ de 26.05.2015 in CJST. Tomo II p.ª 91, 93 a 98).

8ª Nos termos de n.3 do art. 674º do CPC, "a regra, conexa com as funções prioritárias atribuídas ao S.TJ, é a de que este não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias...sem embargo de outras intervenções previstas nos art.s 682º e 683º, considerou-se que o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultante da violação do direito probatório material..." "(seguimos de perto “Recursos no Novo Código de Processo Civil" do Sr. Juiz Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes edição de 2013 e Ac. do STJ. de 8-7-03, in CJSTJ, tomo II, pág. 151 e o de 23.09.201, CJSTJ, tomo III, pág. 43 e, ainda, o de 26.05.2015 in CJSTJ, tomo II pág. 91 a 98, este seguido muito de perto).

9ª No seguimento do Voto de vencido, de fls 1, é também entendimento das Recorrentes, relativamente à impugnação deduzida à matéria contida no ponto 7.9, que deverá ser julgada improcedente, porquanto a redação que lhe veio a ser dada no acórdão "O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 1078º está na posse da autora (...)". é perfeitamente conclusiva contendo matéria de direito."( fim de citação; o que está na esfera da competência do STJ.

10ª O objeto da lide configura uma ação de reivindicação na qual ambas as partes se afirmam proprietárias de determinado prédio onde se encontra instalado um edifício no qual funciona a sede da Junta de Freguesia da União de Freguesias de …, … e …, desde 2013, por o haverem adquirido por usucapião... "(citado do Voto de vencido);

11ª "Dar como provado que aquele prédio urbano " está na posse" de uma das partes desde determinada altura contém declaradamente matéria de direito, porquanto, - a resposta à questão de saber se determinados poderes de facto correspondem a uma situação de mera detenção ou de posse implica uma subsunção dos factos em apreço às normas aplicáveis -, estando-se a responder em sede de matéria de facto a uma das questões jurídicas a julgar, pelo que - diz o Voto de vencido, manteríamos o teor do ponto 7.9 nos termos em que foi redigido pelo Juiz " a quo".(cfr, fls de Voto de vencido)

12ª Parece-nos, igualmente evidente, padecer a alterada resposta do ponto 7.9 do erro/vício de raciocínio denominado "petição de princípio" porquanto a resposta selecionada para aquele facto do tema de prova, designadamente, ao ponto 7.9 da factualidade, dá por demonstrado na resposta - a existência de posse - aquilo que carecia de demonstração.

13ª Atento o vício em que incorreu aquela decisão, deve o STJ não ficar indiferente a erros graves de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material admitido no nosso sistema jurídico, sindicando-a e caso concluam, que tal alteração não se conformou com a lei, modifique a posição tomada pela Relação sobre a factualidade em causa... Tal avaliação a realizar pelo STJ será de direito e, por isso, da sua competência (art. 674º nº l al. b) do CPC. (citado do Ac. STJ in CJSTJ, ano XXIII, Tomo 11/2015 p. 91 a 98 e que seguimos) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil " de Ant. S. Abrantes Geraldes, p.- 325 e sgs., deve, pois, esse STJ manter o teor do ponto 7.9 e os restantes nos exatos termos em que foi redigido pela Juiz " a quo" da 1ª Instância.

14ª Tais exceções não constituem limites absolutos à interferência do STJ no que concerne à delimitação da matéria de facto provada ou não provada. Outras situações, a que estão subjacentes verdadeiros erros de aplicação do direito, podem justificar a " intromissão" do Supremo na delimitação da realidade que será objeto de qualificação jurídica. (fim de citação de) "Recursos no Novo Código de Processo Civil" do Conselh. A.S. Abrantes Geraldes, seguimos de perto as págªs 325 e 326 do Compêndio de Recursos acima citado),..." o que, no caso em litígio releva, por a alteração cuja sindicância se requer ter sido essencial e fundamental para a procedência parcial da decisão da lª Instância." Cfr- Ac.STJ referido supra p. a 92 e 93)

15ª Na parte final de fls. 1 e inicial de fls. 2 de Voto de vencido, vem a formulação da matéria de facto que, em síntese, está assente por acordo das partes e aceite pela Relação, vertida no ponto VIIª de fls 8 e 9 aqui dada por reproduzida e correspondente, respetivamente, a pontos n.ºs 7,18 a7.23; 7.26 a 7.28; 7.29 e 7,30;7,3ª 7.37; 7,40 a 7.46; 7.11, 7.43 e 7.44; 7.9 e 7.33 e sgs, da fundamentação de facto pelo Juiz da 1ª instância.

16ª Assim, e bem, consta no VOTO DE VENCIDO resultar dos factos tidos por provados por ambas as partes que: a) o edifício onde hoje funciona a sede da Junta de Freguesia foi construído num terreno da Fábrica da Igreja de AA, inscrito na matriz sob o art.s 452-B que englobava uma parcela de terreno de 180 m2 que, em 1979, comprou à Fábrica da Igreja de BB; b)- terreno relativamente ao qual se verificam todos os requisitos para a sua aquisição por usucapião por parte da Fábrica da igreja de AA à data de 1983, sendo nesta data que aquela Fábrica da Igreja começa a lá construir o edifício aqui em causa, destinado a Residência Paroquial, construção que iniciou, dirigiu, executou, e custeou até à cobertura do primeiro até 1993; C) a partir desta data, é a autora Junta da Freguesia que assume a execução a execução e ampliação (atenda-se ao seu significado...) de tal obra, com vista a instalar a sua sede em 2013.; d) a partir de 1993, sem que se ache devidamente apurado o circunstancialismo que terá rodeado tal situação, a Junta assumiu as obras de ampliação e conservação.( fim de citação)

17ª De tal factualidade, o prédio em questão só poderia ter passado para a posse ou propriedade da Junta mediante os seguintes fundamentos: acessão ou inversão do título de posse que, não tendo sido invocado algum deles, afirmaria, tal como assim foi entendido peia 1ª instância, que o prédio continua a ser da Igreja, porquanto as obras executadas pela autora foram-no em prédio alheio (da Recorrente), o que não torna a autora dona (possuidora, nem do terreno nem do edifício, sendo tais obras de considerar como benfeitorias. (fim de transcrição).

18ª O Acórdão recorrido, entre outros preceitos - invoca a presunção prevista a n.º 2 do art. 1252 do C. C, o que, no nosso modesto entender, não tem aplicado (sic) ao caso dos autos, segundo os mesmos Ilustres Mestres que citam, pois, segundo escrevem eles no referido código "para funcionar a presunção estabelecida no n.º 2 do art.º 1252 do C.c.. importa que o pretenso possuidor se apresente como o iniciador da posse, por isso, desligado de qualquer possuidor antecedente, o que, no caso dos autos, não sucede com a tradição material ou simbolicamente do edifício em causa efetuada pelo anterior possuidor, a 1ª Ré/Recorrente; nesta situação competia à autora provar não só a mera materialidade da dita "traditio" como também a intencionalidade subjacente, porquanto a presunção prevista a n.º 2 do art.º 1257º prevalece sobre a constante do n.º 2 do art.º 1252.

19ª Por isso, como bem subscreve o VOTO DE VENCIDO, no caso, só pela acessão ou inversão do título de posse, a autora deixaria de ser mera detentora para o " animus possidendi", o que não pode suceder por omissão total de factos relativos àqueles duas figuras jurídicas.

20ª Está provado no acórdão recorrido ser a 1ª Ré Recorrente a proprietária do prédio onde se encontra implantado o edifício em causa nos autos, logo, parece-nos legítimo concluir-se, tratar-se para a autora de obras feitas em prédio alheio, facto que o próprio Acórdão recorrido o reconhece, ao falar de "ampliação de edifício ... - a partir da placa de cobertura do lº piso...-

21ª Segundo o ensinamento dos mestres Pires de Lima e Antunes Varela em C. Civil Anotado, vol. Ill p.ª 137 em comentário ao art.º 1325º, "o direito de propriedade tem em si a virtualidade de absorver tudo o que, por força da natureza ou por ação do homem, se vier a incorporar no seu objeto", o que equivale a afirmar-se que a realização das obras por parte da Autora em prédio da Recorrente Fábrica da Igreja Paroquial de AA suscita um conflito de propriedade entre o titular da coisa principal - o prédio da Recorrente- e o da coisa acessória que se lhe uniu ou nele foi incorporada que, no caso dos autos, ainda não foi resolvido, sendo tais obras de constar como benfeitorias.

22ª Construída obra de ampliação em terreno alheio, mesmo com autorização do respetivo dono e não resolvido o problema da incorporação imobiliária assim suscitado, permanece por resolver um conflito de direito de propriedade entre o proprietário do solo e edifício e o autor da ou ampliador da obra), a Ré Recorrente, "configurando a sua utilização como uma posse precária ou detenção - na medida em que lhe subjaz uma autorização do respetivo dono - inábil para usucapir" Acfr. Ac. Re. Év. De 3/2/2005 in CJ tomo 1 p.ª 256., pelo que

23ª Não pode por falta de animus ser considerado possuidora a autora em nome próprio mas tão só mera detentora e, independente do prazo de seu uso, é sempre inábil para usucapir, razão por que, embora hábil, não se pode aceitar também o pedido reconhecido na al. b), ainda com a também hábil restrição... para não empregarmos outra expressão que não se enquadra na nossa formação.... Por vezes esquece-se um princípio do Direito Romano: " Quod non est in actis non est in mundo"-leia-se a p.i...

(Servimo-nos da consulta e desenvolvimento dos seguintes Acórdãos: 1- Ac. Rel. Év. ANO 2005, v. 1 P. 256 A 260; Ac. STJ in CJSTJ-2016, V. II p.ª 144; Ac. STJ -6ª Secção com o n-.º 3325/07.0TJVNF.PIS2 : "quem exerce a posse em nome alheio só poderá adquirir o direito de propriedade se entretanto ocorrer a inversão do título de posse , nos termos de art.º 1265 e 1290 o acima citado (sic)


Nas contra-alegações apresentadas sustentou-se a improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pelas recorrentes nas conclusões, visto serem estas, como se sabe, que delimitam o objeto do recurso ressalvada a apreciação de questões que sejam do conhecimento oficioso.

Assim, importa saber se:

- é de alterar a decisão da Relação sobre os factos nºs 7.9, 7.16 e 7.44:

- deve manter-se a decisão de mérito ou, diversamente, repristinar-se a decisão proferida em 1ª instância.


    II – A matéria de facto julgada como provada, já após a alteração introduzida mercê do julgamento do recurso interposto contra a decisão de facto, é descrita no acórdão impugnado da seguinte forma:

7.1 – Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de … a favor da ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, o prédio aí descrito sob o nº 9…2/201…27, como prédio urbano, sito no Lugar da Igreja, da União de freguesias de …, … e …, concelho de …, com a seguinte composição “casa de dois pavimentos com logradouro”, com a área total de 1030 m2, a confrontar de norte com jardim da igreja de …, do sul com estrada municipal, do nascente com caminho público e do poente com estrada municipal e adro da igreja paroquial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1078º da União de freguesias de …, … e …, constando da respetiva certidão do registo predial que proveio da anexação de uma parcela com a área de 468 m2, desanexada do prédio descrito sob o nº 6…6/200…10 -… e do artigo 452-B, este omisso na conservatória, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 9…2/201…27; (artigo 1º da petição inicial);

7.2 - Consta da referida descrição predial que a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA registou a aquisição do direito de propriedade sobre o referido prédio, mediante a Ap. 2562 de 2015/03/27 – “Decisão judicial” (artigo 2ºda petição inicial);

7.3 – Tal registo foi lavrado com base na decisão judicial proferida no âmbito do processo 174/2014-JP que correu termos no Julgado de Paz de … (artigo 3º da petição inicial);

7.4 – Tal processo foi instaurado pela ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA contra a também aqui ré, Fábrica da Igreja Paroquial de BB, aí tendo sido alegado e peticionado:

“1º Que a Demandante Fábrica da Igreja Paroquial de AA é proprietária do prédio rústico identificado no artº 16º da p.i e com a seguinte composição: “Um prédio rústico, sito no Lugar da Igreja, com a área de 562m2, a confrontar do norte com o jardim da Igreja, do sul com a parcela nº2 do prédio da demandada, do nascente com o caminho público e poente com o adro da Igreja paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452º-B e na atual da União sob o artº 452º-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de … .

2º Que a mesma Demandante adquiriu por usucapião a parcela de terreno identificada a artº 15º do articulado por compra verbal à Demandada Fábrica da Igreja Paroquial de BB cuja composição era a seguinte:

“Uma parcela de terreno rústico de mato e castanheiros, sito no Lugar da igreja de ..., com a área de 468m2, a confrontar do norte com prédio rústico da Fábrica da Igreja de AA, do sul e poente com a estrada municipal e do nascente com caminho público, inscrito na matriz como parte do artº rústico 451-B da anterior matriz e atual 451-2B e descrito na Conservatória do Registo Predial de … como parte do nº 6…6/200…10/… .

3º Que esta parcela de terreno foi desanexada do prédio identificado a artº 3º desta petição propriedade da Demandada e com a composição seguinte:

“Um prédio rústico de castanheiros e mato, sito no lugar da Igreja de Melcões, União de freguesias de …, … e …, constituído por duas parcelas com a área total de 4.030m2, tendo a 1ª parcela 3.562m2 e a 2ª a área de 468m2, inscrito na anterior matriz sob o artº rústico 451-B e atual 451-2B e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 6…6/200…10/… .

4º Declarar-se que a parcela identificada no pedido nº2 foi desanexada do prédio da Demandada identificado no pedido anterior nº 3 e anexada ao prédio da Demandante identificado no prédio do pedido nº1, ordenando-se a sua realização quer na Conservatória do Registo Predial quer nas Finanças.

5a) Declarar-se que em virtude dessa anexação resultou o prédio seguinte: “Um prédio rústico, sito no Lugar da Igreja, da União de Freguesias de …, … e …, com a área de 1030m2, a confrontar no norte com jardim da Igreja de …, do sul com a estrada municipal do nascente com caminho público e poente com a estrada municipal e adro da igreja paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452-B e na atual da União sob o artº 452º-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de … .

5ºb) Que por usucapião a Demandante e Fábrica da Igreja Paroquial de AA adquiriu a sua propriedade com a constituição aludida na alínea anterior.

6º Declarar-se que o prédio da Demandada Fábrica da Igreja Paroquial de BB após o destaque, ficou com a seguinte composição: “Um prédio rústico, de castanheiros e mato sito no Lugar da Igreja de …, constituído por uma parcela com a área de 3.562m2, a confrontar do norte com cemitério, sul com caminho público, nascente com estrada municipal e poente com CC, inscrito na anterior matriz sob o artº rústico 451-B e atual 451-2B e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº6…6/200…10/… .

7º Declarar-se que a parcela identificada a n.2 do pedido foi desanexada do prédio identificado no pedido nº3 ficando este com a composição e área aludidas no anterior pedido nº6, ordenando-se a mesma.

8º Declarar-se que a dita parcela identificada no nº2 do pedido foi anexada ao prédio da Demandante identificado na nº1 do pedido resultando dessa anexação o prédio com a composição e área mencionadas na al. a) do nº5 do pedido.

9º Declarar-se que no prédio identificado no pedido nº5-a) se encontra implantada um prédio urbano com a área coberta de 210m2 e logradouro de 820m2”;(artigo 4º da petição inicial);

7.5 - A referida ação não foi objeto de qualquer contestação por parte da aí demandada, aqui ré, Fábrica da Igreja Paroquial de BB, sendo que, nessa sequência, foi proferida sentença que a julgou procedente, aí tendo sido decidido o seguinte:

“a) A demandante é dona e legítima proprietária do prédio rústico sito no Lugar da Igreja, com a área de 562m2, a confrontar do norte com o jardim da Igreja, do sul com a parcela nº2 do prédio da demandada, do nascente com o caminho público e poente com o adro da Igreja paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452º-B e na atual da União sob o artº 452º-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de … .

b) Mais declaro que a Demandante adquiriu por usucapião a parcela de terreno por compra verbal à Demandada e cuja composição era a seguinte: “Uma parcela de terreno rústico de mato e castanheiros, sito no Lugar da igreja de …, com a área de 468m2, a confrontar do norte com prédio rústico da Fábrica da Igreja de AA, do sul e poente com a estrada municipal e do nascente com caminho público, inscrito na matriz como parte do artº rústico 451-B da anterior matriz e atual 451-2B e descrito na Conservatória do Registo Predial de … como parte do nº 6…6/200…10/… .

c) Em virtude dessa aquisição a Demandante é dona e legítima proprietária do seguinte prédio: “Um prédio misto sito no lugar da Igreja da, União de freguesias de …, … e …, com a área total de 1.030m2, sendo a parte rústica com a área de 820m2 e a parte urbana com a área de 210m2 a confrontar de norte com jardim da igreja de …, do sul com estrada municipal e adro da Igreja Paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452º-B e na atual da União sob o artº 452º-2B e omisso na Conservatória do Registo Predial de …, por o ter adquirido mediante o instituto da usucapião e por ter anexado a parcela de 468m2 ao prédio identificado na al. a).

d) Mais ordeno que, em virtude da desanexação da parcela de 468m2, o prédio da Demandada passe a ter a seguinte composição: “Um prédio rústico de castanheiros e mato, sito no Lugar da Igreja de …, constituído por uma parcela com a área de 3.562m2, a confrontar do norte com cemitério, sul com caminho público, nascente com estrada municipal e poente com CC, inscrito na anterior matriz sob o artº rústico 451-B e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 6…6/200…10 -… . (artigos 5º e 11º da petição inicial e 2º da contestação):

7.6 – Tal sentença transitou em julgado, tendo constituído o título que permitiu registar a favor da ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA a aquisição da propriedade do referido prédio, inscrito na matriz urbana da referida União de Freguesias sob o artigo 1078º e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 9…2/201…27 (artigos 6º e 28º da petição inicial);

7.7 – No dia 21 de setembro de 2007, no Cartório Notarial de …, foi lavrada escritura pública denominada “Justificação”, na qual o aí identificado como “Primeiro” outorgante, Pe. DD declarou que, com exclusão de outrem, a sua representada Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de BB, era dona e legítima possuidora, entre outros, do seguinte prédio:

“SEIS – RÚSTICO – Lugar da Igreja, composto por cultura de castanheiros e mato, com a área de quatro mil e trinta metros quadrados, a confrontar do norte com cemitério, do sul e nascente com irmandade do Santíssimo Sacramento de … e do poente com CC, não descrito na Conservatória do Registo Predial de …, inscrito na matriz em nome da justificante, Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de … sob o artigo 451º-B (…)” (artigos 9º, 10º, 11º da petição inicial);

7.8 – Após o reconhecimento judicial de anexação de uma parcela do prédio inscrito sob o artigo 451ºB, ao inscrito sob o artigo 452ºB e fazendo menção a uma edificação urbana, a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA logrou registar a aquisição, a seu favor, da propriedade do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1078º, registado na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 9…2/201…27, implantado na parcela resultante da anexação daqueles prédios rústicos (artigo 12º da petição inicial);

7.9 – O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1078º está na posse da autora e da sua antecessora Junta de Freguesia de …, desde 1993, com vista à sua adstrição a sede da Junta de Freguesia e jardim de infância, tendo o jardim sido nele instalado em data não apurada posterior aquele ano e a sede da junta em 2013.[1]

7.10 – Por volta do ano de 1993, o dito edifício, implantado no prédio atualmente inscrito na matriz sob o artigo 1078º, era composto de uma construção, apenas de rés do chão, não completamente acabada, coberta com uma placa de cobertura e sem portas e janelas aplicadas (artigos 18º e 19º da petição inicial);

7.11 – A Junta de Freguesia de … efetuou no referido edifício obras de ampliação e conservação, às quais afetou dinheiros públicos que lhe eram confiados (artigos 19º e 21º da petição inicial, 10º da réplica);

7.12 – Naquele edifício a Junta de Freguesia executou trabalhos e obras, que consistiram, entre outros, na colocação de uma nova placa, revestimento das paredes exteriores, na construção de um novo piso superior ao existente, na construção do telhado, obras de reboco das paredes, tetos e pisos, pintura, colocação de armaduras e caixilharias e de vidros, janelas e portas, obras de eletrificação e canalização das águas, de edificação de casas de banho, tanto a nível do rés-do-chão existente como do piso edificado, equipamento de um salão para funcionar como jardim-de-infância, aquisição de material e mobiliário próprio à estadia das crianças (artigos 22º e 26º da petição inicial);

7.13 – As obras descritas no artigo anterior foram executadas desde 1993 (artigos 23º e 24º da petição inicial);

7.14 – Para execução das obras supra referidas, a autora ali despendeu diversas quantias próprias e também quantias provindas de verbas e donativos quer de particulares, quer da Câmara Municipal de …, que entregou à freguesia de … múltiplas e diversificadas verbas e materiais de construção, para que a mesma as utilizasse nas obras de melhoramento e conservação do espaço e edifício da junta de freguesia, o que esta fez (artigo 27º da petição inicial);

7.15 – Um representante da autora contactou os representantes da Fábrica da Igreja Paroquial de BB, enviando-lhes a carta cuja cópia consta de fls. 165, aí referindo, além do mais:

“A minha constituinte é proprietária do prédio urbano sito no lugar da Igreja, freguesia de … (extinta), denominada sede de Junta de Freguesia. Contudo, a minha constituinte ainda não procedeu ao registo na Conservatória do Registo Predial de … (…).

Após consulta do referido prédio, verifica-se que o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 451º-B, … (extinta) parte, onde a minha constituinte construiu o prédio urbano, está indevidamente registado a favor da Fábrica da Igreja Paroquial da freguesia de BB, isto só quanto à parcela onde está construído o referido prédio. (…)” (artigo 29º da petição inicial);

7.16 – A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º desde sensivelmente 1993, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço que desde 2013 é sede da junta de freguesia, e pelo menos desde este ano, os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim-de-infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício.[2]

7.17 – A interposição da presente ação gera despesas para a autora, nomeadamente com taxas, encargos judiciais, deslocações, honorários do mandatário, as quais se cifram em valor não inferior a € 2.000,00 (artigos 41º e 44º da petição inicial);

7.18 – A ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB por si e em nome da Confraria de Nossa Senhora do … desde data que não foi possível apurar mas situada há mais de 60 anos cuidou do prédio rústico composto de castanheiros e mato, sito no lugar da igreja de …, constituído por duas parcelas, com a área total de 4030 m2, tendo a primeira parcela 3562 m2 e a segunda 468 m2, inscrito na anterior matriz sob o artigo 451ºB e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 6…6/200…10, aí se mostrando registada a aquisição a seu favor mediante a ap. 10 de 2008/01/10 (artigo 11º da contestação);

7.19- Após a união das freguesias em 2013, o artigo 451ºB deu origem ao artigo 451º2B (artigo 12º da contestação);

7.20 - A ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB, desde há mais de 60 anos e depois de receber o dito prédio de oferta de fiéis, administrou o prédio inscrito na anterior matriz sob o artigo 451ºB, colhendo as castanhas nele produzidas, cortando ou mandando cortar o mato, aproveitando a madeira e negociando ou abatendo os castanheiros (artigos 13º e 17º da contestação);

7.21 – Tais atos sempre foram praticados pela Fábrica da Igreja Paroquial de BB à vista de toda a gente, sem qualquer interrupção, sem qualquer oposição e na convicção de exercício de um direito próprio de proprietária e assim sendo considerada pela generalidade das pessoas de … (artigos 14º, 15º, 16º da contestação);

7.22 – Tal prédio foi dividido em duas parcelas por um caminho público, que liga … a outros locais, o que sucedeu há mais de 60 anos, caminho esse usado inicialmente para passagem a pé, por animais e carros puxados a gado bovino, tendo sido aberto e conservado pelos órgãos do poder local, e destinado ao uso da generalidade das pessoas (artigos 18º e 19º da contestação);

7.23 – Uma das parcelas de tal prédio localiza-se a sul, situando-se do lado esquerdo da estrada no sentido ascendente …. -Igreja Paroquial/Cemitério e tem a área de 3562 m2, e a outra parcela situa-se no lado oposto, a norte e tem a área de 468 m2 (artigo 20º da contestação);

7.24 – Na década de 1960 a 1970 o traçado do caminho foi alargado (artigo 21º da contestação);

7.25 – Desde a abertura do dito caminho mantiveram-se fisicamente separadas correspondendo a 2ª parcela a uma parcela de terreno rústico de mato e castanheiros, sita no lugar da Igreja de …, com a área de 468 m2, a confrontar do norte com o prédio rústico da primeira ré (identificado no artigo seguinte), do sul e poente com a estrada municipal e do nascente com caminho público, inscrito na matriz como parte do art.º 451º B da anterior matriz e, após a união das freguesias, do art.º 451º 2-B, correspondendo a uma parte do descrito na conservatória do Registo Predial de … sob o nº 6…6/200…10 (artigos 22º e 27º da contestação);

7.26 – A ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, também chamada Irmandade do …, possuiu um prédio rústico, inscrito na anterior matriz sob o artigo 452ºB e na atual da União de Freguesias sob o artigo 452º 2B, omisso na Conservatória do Registo Predial de …, sito no lugar da Igreja, com a área de 562 m2, a confrontar do norte com o jardim da igreja de …, do sul com a “parcela nº 2” do prédio inscrito na anterior matriz sob o artigo 451º B, do nascente com o caminho público e do poente com o adro da igreja paroquial (artigos 23º e 27º da petição inicial);

7.27 - A ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA apanhava as castanhas, cortava o mato e madeiras do prédio mencionado no artigo anterior, utilizando-o como apoio ao serviço paroquial, designadamente como lugar de convívio entre os paroquianos enquanto aguardam ou depois dos atos litúrgicos, beneficiaram-no com a construção de duas arrecadações para arrumos de utensílios e objetos necessários à limpeza e culto da igreja (artigo 24º da contestação);

7.28 – Os atos descritos no artigo anterior sempre foram praticados pela Fábrica da Igreja Paroquial de AA à vista de toda a gente, sem qualquer interrupção, sem qualquer oposição e na convicção de exercício de um direito próprio de proprietária e assim sendo considerada pela generalidade das pessoas de … (artigo 25º da contestação);

7.29 – Por acordo escrito denominado pelos outorgantes como “contrato promessa de compra e venda”, datado de 5/11/1977 a Confraria da Fábrica da Igreja de BB, representada pelo seu Pároco DD, EE. e FF, declararam prometer vender ao aí identificado como segundo outorgante, GG, que, por sua vez declarou comprar: “Uma área de 180 m2, sita no lugar da Igreja da Freguesia de …, concelho de …, inscrita na matriz cadastral sob o (…) 451ºB, pertencente à Confraria da Nossa Senhora …, confrontando do nascente, poente e sul com estrada pública e do norte com a Igreja Paroquial de …”, pelo preço de 15.500$00 (artigo 28º da contestação);

7.30 – Por acordo escrito denominado pelos outorgantes como “contrato promessa de compra e venda”, datado de 6/6/1979, GG e esposa, HH, cujas assinaturas foram objeto de reconhecimento notarial, declararam vender à Irmandade do … da Freguesia de … “(…) uma parte de terreno pertencente à Confraria da Nossa Senhora …, da freguesia de …, concelho de …, que confronta do nascente, poente e sul com a estrada pública e norte com a Igreja Paroquial de …, numa área de terreno de 180 m2 inscrita na matriz  cadastral sob o nº 451ºB pelo preço de vinte mil escudos que já recebemos” (artigo 30º da contestação);

7.31 – A identificada no artigo anterior como promitente-compradora começou a usar e a fruir da referida parcela como bem próprio (artigo 31º da contestação);

7.32 – Tal aquisição visou ampliar o adro da igreja constituído apenas pela área do artigo 452ºB criando maior espaço e melhores condições para o público, designadamente nas festividades religiosas, quer visando a construção futura da residência e Centro Paroquial (artigo 32º da contestação);

7.33 – Desde a data de tal aquisição, a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA passou a considerar a parcela adquirida como parte integrante do seu imóvel rústico inscrito na matriz sob o artigo 452ºB, a qual passou a formar com este um novo prédio com a seguinte composição: prédio rústico sito no lugar da Igreja, da União de freguesias de …, … e …, com a área de 1030 m2, a confrontar do norte com o jardim da Igreja de …, do sul com a estrada municipal, do nascente com o caminho público e poente com estrada municipal e adro da Igreja Paroquial, inscrito na anterior matriz sob o artº 452ºB e na atual da União sob o artigo 452º 2 B, então omisso na Conservatória do Registo Predial de … (artigo 34º da contestação);

7.34 – A ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA tem utilizado tal parcela desde 1979, tendo, com a ajuda da população, mandado limpar o mato, cortado as árvores e fazendo seu o preço com as mesmas obtido (artigo 35º da contestação):

7.35 – Foi sob a orientação da ré Fábrica da Igreja de AA, com o apoio da população e de órgãos locais e municipais, que o terreno foi calcetado a cubos, que ali foi construído um coreto para concertos de música nas festividades, que ali foram construídas duas arrecadações para arrumação de utensílios e material necessário à limpeza e culto da Igreja, sendo a referida ré que vem utilizando tal espaço como apoio ao serviço paroquial, designadamente como lugar de convívio entre os paroquianos enquanto aguardam ou depois dos atos litúrgicos (artigo 36º da contestação);

7.36 – Tais atos têm vindo a ser praticados pela ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, desde então, à vista de toda a gente, sem qualquer interrupção e oposição e na convicção de exercício de um direito próprio de proprietária (artigo 37º da contestação);

7.37 – Tal prédio encontra-se demarcado por muros a nascente, poente e sul possuindo uma pequena demarcação em murete do lado norte, com entrada quer por este lado, quer pelo lado sul (artigo 39º da contestação);

7.38 – O prédio rústico sobrante da ré Fábrica da Igreja Paroquial de BB ficou com a seguinte composição: - prédio rústico de castanheiros e mato, sito no lugar da Igreja de …, constituído por uma parcela com a área de 3562 m2, a confrontar do norte com cemitério, do sul com caminho público, do nascente com estrada municipal e do poente com CC, inscrito na anterior matriz sob o artigo rústico 451ºB e atual 451º2B e descrito na conservatória do Registo Predial de … sob o nº 6…6/200…10 (artigo 40º da contestação);

7.39 – Efetuado o destaque, o Instituto do Cadastro atribuiu ao prédio rústico mencionado no artigo anterior o artigo 762º2B que proveio do artigo 451º2B e este do artigo 451ºB (artigo 41º da contestação);

7.40 – Em 6 de outubro de 1982 o Pároco de …, Padre II, dirigiu ao Arcebispo – Bispo de … um requerimento no qual, pelas razões aí expostas, lhe solicitava autorização para venda da residência paroquial pelo preço de quinhentos contos, o que lhe foi consentido (artigo 42º da contestação);

7.41 – Na sequência do descrito no artigo anterior, o Pároco II iniciou as obras da construção do edifício referido em 7.9, em 1983, visando aí instalar um Centro Social e Residência Paroquial, tendo contratado para o efeito o construtor civil JJ (artigo 43º da contestação);

7.42 – Foi o Pároco que pagou os trabalhos que o referido construtor ali executou, desde os alicerces até ao primeiro andar, incluindo a placa respetiva para suportar o andar superior, pagamento que efetuou quer com o produto da venda da anterior residência, quer com donativos provenientes de peditórios efetuados na freguesia e na cidade de Lisboa (artigos 44º e 45º da contestação);

7.43 – A parte restante da obra foi sendo executada faseadamente, como já referido em 7.11, sendo os respetivos encargos suportados pela Junta de Freguesia e pelo Município de … (artigo 46º da contestação);

7.44 – As sucessivas Juntas de Freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor.[3]

7.45 – Na fase inicial da execução da obra, as orientações foram dadas pela ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, sendo que, por vezes, os elementos que faziam parte da junta também eram membros da Fábrica da Igreja (artigo 48º da contestação, 11º da réplica);

7.46 – Foi no salão de tal residência que foi celebrada a eucaristia enquanto a igreja andou em obras e no seu andar superior foram arrumados objetos que estavam no interior da igreja e que dela tiveram que ser removidos, sendo um membro da Junta de Freguesia que possuía as chaves (artigo 49º da contestação, 13º, 15º da réplica);

7.47 – A partir de 1989, após eleição de novos membros da junta, o jardim de infância funcionou na residência do presidente eleito aí funcionando também a junta de freguesia (artigo 51º da contestação);

7.48 – A partir das eleições e tomada de posse do atual (à data da contestação) presidente da autora, este colocou na construção referida no ponto 7.9 o material da junta (artigos 52º e 53º da contestação);

7.49 – O referido prédio urbano tem uma área coberta de 210 m2 e logradouro com a área de 820 m2, numa área total de 1030 m2, correspondente à do prédio rústico onde foi implantada, identificada em 7.34 (artigo 54º da contestação);

7.50 – A autora paga as despesas inerentes ao edifício, designadamente as de eletricidade (artigo 23º da réplica).


   III – Abordemos então as questões suscitadas.


Da alteração introduzida pela Relação no julgamento dos factos descritos sob os nºs 7.9, 7.16 e 7.44:

É matéria que as recorrentes versam nas conclusões 6ª a 14ª, pretendendo que sejam revogadas as alterações introduzidas pela Relação nesses pontos de facto, repristinando-se a formulação que lhes dera a sentença.

      Para maior comodidade desta análise voltamos a reproduzir aqui ambas as versões destes pontos de facto, enunciando em primeiro lugar a da sentença e, depois, a negrito, a do acórdão recorrido:

A) 7.9

- “O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1078º tem vindo a ser usado quer pela Junta de Freguesia de Melcões, quer pela União das Freguesias de …, … e … (desde a reorganização administrativa que se operou a nível das freguesias), como sede da Junta de freguesia, o que sucede desde 2013, bem como para estabelecimento de Jardim de Infância da mesma localidade de …, o que sucedeu em data e por período que não foi possível apurar, mas em data posterior a 1993 (artigos 14º, 15º e 20º da petição inicial);”

- “O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1078º está na posse da autora e da sua antecessora Junta de Freguesia de …, desde 1993, com vista à sua adstrição a sede da Junta de Freguesia e jardim de infância, tendo o jardim sido nele instalado em data não apurada posterior aquele ano e a sede da junta em 2013.”

B) – 7.16

- “A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço destinado à sede da junta de freguesia desde 2013 os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim-de-infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício (artigos 32º e 20º da réplica da petição inicial);”

- “A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º desde sensivelmente 1993, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço que desde 2013 é sede da junta de freguesia, e pelo menos desde este ano, os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim-de-infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício.”

C) – 7.44

- “As sucessivas Juntas de Freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor mas nunca invocaram serem as donas da obra (artigo 47º da contestação);”

- “As sucessivas Juntas de Freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor.”


       Na defesa da sua tese, as recorrentes sustentam, seguindo de perto o teor do voto minoritário anexo ao acórdão recorrido, que a afirmação feita constar no facto nº 7.9, de que o edifício cuja propriedade se discute está na posse da aqui recorrida e da sua antecessora desde 1993 é conclusiva, contendo matéria de direito, na medida em que qualificar determinada situação como posse ou mera detenção “(…) implica uma subsunção dos factos em apreço às normas aplicáveis -, estando-se a responder em sede de matéria de facto  a uma das questões jurídicas a julgar (…)”[4].

      Para tanto, as recorrentes socorrem-se do disposto no art. 674º, nºs 1, al. b) e 3 do CPC onde, sucessivamente, se institui como fundamento do recurso de revista a violação ou errada aplicação da lei de processo e se admite a intervenção do STJ, em caso de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, quando tiver havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Dir-se-á, desde já, que é de rejeitar imediatamente a sua pretensão no que respeita aos factos nº 7.16 e 7.44, pois que nem elas indicam em que medida se terá feito constar matéria de direito nestes pontos, nem se vislumbra que tal tenha ocorrido. Logo, a crítica formulada não os abrange, sendo de mantê-los inalterados.

Restringiremos, pois, a nossa apreciação à matéria do facto nº 7.9, designadamente no tocante às passagens onde se diz: “O edifício (…) está na posse da autora e da sua antecessora (…) desde 1993 (…).”

Quanto à tramitação processual conducente ao proferimento da sentença, a atual lei adjetiva inovou em relação ao CPC revogado pela Lei nº 41/2013, de 26/6.

No regime anterior na audiência de julgamento, após a produção da prova, abria-se o debate sobre a matéria de facto, com produção de alegações sobre o tema pelos advogados das partes, e seguia-se o proferimento de decisão onde se julgavam os factos, indicando-se os tidos como provados e aqueles que se consideravam como não provados. Ultrapassada a fase em que às partes era facultada a discussão sobre o aspeto jurídico da causa, era proferida a sentença na qual, além do mais, se discriminavam os factos admitidos por acordo, os factos provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os factos constantes do acórdão ou do despacho proferido no final da audiência; seguia-se a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes a esses factos, assim se chegando à decisão final -tudo nos termos enunciados nos arts. 652º, 653º e 659º do CPC então vigente.

Atualmente, porém, à audiência final, onde são produzidas as provas e as partes produzem alegações sobre a matéria de facto e o direito aplicável, segue-se o proferimento da sentença, em cuja fundamentação o juiz discrimina os factos que considera provados e não provados, através de análise crítica das provas, tomando ainda em consideração os admitidos por acordo e os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes, concluindo pela decisão final – arts. 604º e 607º do atual CPC.

Coerentemente, não havendo já, na tramitação de um concreto processo, a prolação de uma decisão sobre os factos e, depois, o proferimento de uma decisão de mérito, muitas vezes com a intervenção sucessiva de julgadores diferentes – o do facto e o do direito –, foi eliminado o antigo nº 4 do art. 646º, que rezava assim:

“Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”

Como a este propósito escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[5], esta “(…) opção legislativa tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que a circunstância de ambos os segmentos surgirem agregados na mesma peça processual facilita e simplifica a decisão do litígio (…).”

Porém, tal “(…) opção não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto.”[6]

Continua, pois, a ter plena aplicação o que lapidarmente ensinou Artur Anselmo de Castro[7]:

“São ainda de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como «pagar», «emprestar», «vender», «arrendar», «dar em penhor», etc. Poderão então figurar, nesses próprios termos, devendo tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles, podendo ainda figurar sempre na especificação e ainda no questionário quando não constituam o próprio objecto do quesito.” – sublinhados nossos.

Não poderá, portanto, a sentença, ao emitir o julgamento sobre os factos atinentes a uma dada questão de direito, considerar como provado o correspondente conceito jurídico, desacompanhado dos factos suscetíveis de o integrarem.

Mas já deve aceitar-se, como diz Miguel Teixeira de Sousa[8], que: “(…) não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte. Estranho seria, aliás, que, constando dos temas da prova a atuação negligente da parte e, por isso, carecendo esta atuação de prova, o tribunal, ao analisar a prova produzida sobre esse tema, pudesse dizer tudo o que achasse adequado ao julgamento dessa matéria, exceto que está provada a negligência da parte.” – sublinhado nosso.

Diremos, pois, que, sendo incluída, em sede de decisão sobre a matéria de facto, a afirmação de uma dada conclusão jurídica sem que se julguem como provados factos concretos que a integrem, não se poderá fazer uso do remédio previsto no nº 4 do antigo art. 646º – desaparecido que está da nossa ordem jurídica –, mas haverá lugar à constatação de que a matéria de facto apurada não suporta essa conclusão jurídica, que, por isso, não será vinculativa para a decisão de mérito a proferir; na verdade, um erro do tribunal com esse conteúdo não pode suprir o facto em falta.

Tendo presentes estes princípios e a regra constante dos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, ambos do CPC, segundo a qual a intervenção do STJ no julgamento dos factos se restringe aos casos em que se reconduza a um erro de direito a irregularidade cometida na sua apreciação pelo tribunal recorrido, tem de concluir-se pelo insucesso da pretensão dos recorrentes no sentido da revogação da decisão proferida pela Relação quanto ao facto nº 7.9.

Apenas nos casos de ter havido na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, a intervenção do STJ é consentida.

Nas palavras de Abrantes Geraldes[9], tal intervenção apenas se justifica quando se está perante “verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competência do Supremo” que então “pode cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferior, de confissão ineficaz ou de presunção judicial.

Por seu lado deverá também introduzir as modificações na decisão da matéria de facto que se revelarem ajustadas quando, por exemplo, tenha sido descurado o valor probatório pleno de determinado documento ou tenham sido desatendidos os efeitos legais de uma declaração confessória ou do acordo das partes.

Ora, no caso dos autos, é manifesto que nenhuma destas hipóteses se verifica.

Mantém-se, pois, inalterada a decisão da Relação, mas a consagração, neste facto nº 7.9, de que o edifício em causa “(…) está na posse (…)” da autora e da sua antecessora tem de ser lida como traduzindo, não uma posse juridicamente eficaz – pois seria, então, a afirmação de uma conclusão jurídica inaceitável em sede de apuramento de factos –, mas a afirmação de um simples domínio de facto sobre o edifício, exercido nas restantes circunstâncias enunciadas nesse mesmo facto, tudo a submeter à devida valoração jurídica.

      O facto, extirpado da coloração jurídica que a Relação, por maioria, lhe imprimiu, possui uma clara identidade com o consagrado na sentença - aquela segundo a qual a autora e a sua antecessora vêm usando o edifício em causa para jardim-de-infância desde data ignorada, mas posterior a 1993[10], e para sede da junta desde 2013.


      Aliás, importa reconhecer que o acórdão recorrido acabou por atuar em conformidade com este entendimento, pois que, tendo reconhecido à autora a qualidade de possuidora, não o fez com base na nova redação que deu ao ponto 7.9, mas antes na prática de factos materiais valorados à luz da presunção estabelecida no nº 2 do art. 1252º do CC[11], como se extrai das passagens que passamos a transcrever:

“Considerando os factos apurados, máxime os alterados nesta instância recursiva, tem de concluir-se que a demandante, desde pelo menos 1993, tem praticado atos materiais sobre o prédio urbano/edifício - essencialmente atinentes à reconstrução do mesmo, a expensas suas, à sua permanente preservação e para finalidades: instalação da sede da junta de freguesia e de jardim infantil, que acutilantemente se atêm ao domínio do seu múnus e das suas competências próprias - os quais, clara e inequivocamente, se compaginam e demonstram uma posse pacífica e pública sobre o mesmo.

Aliás, tal posse foi anuída com a Fábrica.

Diz esta que apenas a mesma concedeu por mero favor e por bem da comunidade; este fito concede-se, mas aquele desiderato não se provou.

E este ónus sobre si impendia.

Pois que tendo ela aceitado interromper a sua posse, através da entrega, por volta do início da década de 90, do princípio de edifício que já existia no seu terreno, esta entrega material e os actos subsequentes da autora fizeram presumir o animus possidendi, ou seja, a posse em nome próprio e não a mera detenção precária – cfr. artº 1252º nº2 sup. cit. –; pelo que a ilisão desta presunção impunha-se-lhe, o que por ela não foi efectivado.”

        

Improcedem, assim, as conclusões 6ª a 14ª das recorrentes.


        Da decisão sobre o mérito:

Os argumentos e raciocínio desenvolvidos no acórdão impugnado no plano do mérito podem ser resumidos do seguinte modo:

- em 1993, a autora tomou posse da construção urbana iniciada, aqui discutida, com a anuência da Fábrica da Igreja Paroquial de AA;

- a posse adquire-se, para além do mais, pelo apossamento, ou seja, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito – artº 1263º al. a) do CC;

- a unicidade jurídica do prédio não impede a aquisição, por usucapião, de apenas uma parcela do mesmo, se somente em relação a esta se verificarem os legais requisitos.

- a autora, desde pelo menos 1993, tem praticado atos materiais  sobre o  prédio urbano/edifício, essencialmente atinentes à reconstrução do mesmo a expensas suas, à sua permanente preservação e para finalidades – instalação da sede da junta de freguesia e de jardim infantil – que cabem dentro das suas competências próprias, atos esses que demonstram uma posse pacífica e pública sobre o mesmo.

- cabia à Fábrica provar que houve mero favor;

- a autora goza da presunção do 1252º, nº 2 por causa dos seus atos subsequentes à entrega;

- sendo a posse pública e pacífica, ela perdurou por mais de 20 anos, pelo que, quer seja de boa fé, quer seja de má fé, fez consumar a usucapião sobre o edifício.

        

Contra isto, ao longo das conclusões 15ª a 23ª, as recorrentes argumentam, em síntese, o seguinte:

 - tendo já adquirido por usucapião o terreno em causa, a Fábrica da Igreja Paroquial de AA iniciou aí a construção de um edifício, por si orientada e custeada até 1993, e cuja continuação e ampliação foi depois levada a cabo pela Junta, sem que se conheça o circunstancialismo que rodeou este desenvolvimento da obra;

- estando-se perante obra em terreno alheio, a Junta não se tornou possuidora nem dona, quer do terreno, quer do edifício;

- não pode funcionar a favor da Junta a presunção do art. 1252º, nº 2 do CC, que cede perante a do nº 2 do art. 1257º, sendo que à Junta competia provar não só a mera materialidade da "traditio" como também a intenção subjacente;

- só através da acessão ou da inversão do título de posse, não provadas, a Junta poderia deixar de ser mera detentora, sendo as obras por ela feitas meras benfeitorias.

        

Vejamos então.


         Nesta ação a autora pede o reconhecimento de que é ela, e não a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, a proprietária do prédio urbano mencionado no facto nº 7.1.

E, em reconvenção, pede a mesma ré que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre:

- o prédio rústico sito no lugar da Igreja, da União de Freguesias de …, … e …, com a área de 1030 m2, a confrontar do norte com o jardim da Igreja de …, do sul com a estrada municipal, do nascente com o caminho público e poente com a estrada municipal e adro da Igreja Paroquial, inscrito na anterior matriz sob o art. 452-B e na atual da União sob o art. 452-2B, então omisso na CRP de …;

- o prédio urbano, aí implantado, referido no mesmo facto nº 7.1.


      Deve assinalar-se, desde já, que se encontra inscrita no registo predial desde 27.3.2015, a favor desta ré, primeira recorrente, a aquisição do direito de propriedade sobre a edificação referida no facto nº 7.1.

      Tal inscrição constitui, nos termos do art. 7º do C. Reg. Predial, presunção de que este direito existe e pertence ao titular inscrito.

      A recorrida pretende ilidir esta presunção através da demonstração de que sobre esse prédio exerceu desde 1993 posse hábil para usucapião, a qual terá levado à aquisição, a seu favor, do correspondente direito de propriedade em data anterior à referida inscrição registral, cujo conteúdo, por isso, não poderá subsistir.

      Mas esta sua pretensão não pode ser acolhida.


       É inequívoco que a matéria de facto acima descrita revela a existência, por parte da autora União de Freguesias, da prática de atos materiais de domínio, utilização e controlo do edifício cuja propriedade aqui se discute. E é com base neles que a mesma autora se intitula sua possuidora e, também, proprietária, na medida em que essa posse fundaria a existência de usucapião, por aplicação, nomeadamente, dos arts. 1287º e segs..

É querela antiga, profusamente tratada na doutrina jurídica estrangeira e nacional, a que se centra na questão de saber se deve adotar-se, quanto ao conceito de posse, uma conceção subjetivista ou uma conceção objetivista.

Esta última basta-se com o exercício de poderes materiais sobre a coisa possuída, enquanto a primeira exige que a estes – que constituem o “corpus” da posse – acresça a intenção, por parte do possuidor, de exercício em nome próprio do direito correspondente – o “animus”.

A nossa doutrina tem vindo a dividir-se quanto à adesão à primeira ou à segunda destas conceções, na linha da querela protagonizada por Savigny e Jhering.

Sem preocupação de fazer uma enumeração exaustiva, pode dizer-se que a favor da primeira se pronunciaram Pires de Lima e Antunes Varela[12], Mota Pinto[13], Henriques Mesquita[14], Orlando de Carvalho[15] e Paula Costa e Silva[16], ao passo que a conceção objetiva foi abraçada por Menezes Cordeiro[17], Oliveira Ascensão[18], José Alberto Vieira[19] e Luís Carvalho Fernandes[20]

      Bem diferente é a situação na nossa jurisprudência onde se tem evidenciado uma grande adesão à conceção subjetiva da posse, como se vê, entre muitos outros, dos acórdãos deste STJ de 11.04.2019[21] 15.02.2018[22], de 21.02.2019[23], de 12.05.2016[24], de 13.9.2011[25], de 17.4.2007[26], de 11.5.2006[27], de 6.7.2005[28], de 7.6.2005[29], de 1.6.2004[30], de 31.3.2004[31], de 28.5.2002[32] e de 7.2.2002[33].

Para este consenso concorreu necessariamente a circunstância de, em acórdão de uniformização de jurisprudência proferido em 14.5.1996[34], se ter escrito, sem qualquer divergência, o seguinte: “... o actual ordenamento jurídico português adopta a concepção subjectiva da posse.”.

No entanto, o “animus” pode, em certos casos, ser presumido, por aplicação do disposto no art. 1252º, nº 2[35], sendo que no dito acórdão se emitiu o seguinte comando uniformizador: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.”

      Mas a presunção quanto à existência do elemento subjetivo da posse, a ser extraída de factos que revelem o exercício do poder de facto sobre a coisa, não pode ter lugar em qualquer caso, como consta, aliás, na parte final do texto da lei; há que conjugá-la, mercê da expressa ressalva feita no nº 2 do art. 1252º, com uma outra presunção, a contida no nº 2 do art. 1257º, segundo o qual se presume que a posse continua em nome de quem a começou.

        

Discorrendo sobre a conjugação e âmbito de aplicação de cada uma destas presunções legais, escreveu-se no acórdão deste STJ de 12.05.2016, acima citado, o seguinte:

Encontramo-nos assim perante duas presunções legais iuris tantum confinantes, importando determinar o âmbito de aplicação de uma e de outra.

A esse propósito, Pires de Lima e Antunes Varela (…) referem que:

«O n.º 2 estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus), salvo se não foi o iniciador da posse (referência ao n.º 2 do art. 1257.º).»

Significará isto que, para funcionar a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1252.º do CC importa que o pretenso possuidor se apresente como iniciador da posse, desligado portanto de qualquer possuidor antecedente, como nos casos de aquisição originária da posse por prática reiterada ou por inversão do título de posse, previstos, respetivamente, nas alíneas a) e c) do artigo 1263.º do CC. Já nos casos de aquisição derivada da posse (…) prevalecerá a presunção ilídivel estabelecida no n.º 2 do art.º 1257.º, segundo a qual se presume que a posse continua no anterior possuidor, competindo assim ao adquirente provar não só a mera materialidade da traditio mas também a intencionalidade subjacente.”

Na mesma linha, afirma Penha Gonçalves[36] que, em face da presunção estabelecida no nº 2 do art. 1252º, cabe a quem nisso estiver interessado – aquele contra quem a mesma funciona – demonstrar que o poder de facto exercido sobre a coisa constitui uma mera detenção. E, ainda, que “A presunção em referência só é de admitir, porém, como se diz no final do texto legal em exame «sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 1257º». O sentido útil desta ressalva parece ser o seguinte: a aludida presunção não poderá ser invocada quando se prove que a posse se iniciou como precária porque, então, por força daquele preceito, tem de se presumir que continua como tal.

        

Subsumindo ao regime exposto os factos apurados, descritos sob os nºs 7.33 a 7.36, 7.41 e 7.42, é inequívoca a conclusão de que a ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA exerceu posse – com “corpus” e “animus” – sobre o terreno em causa e sobre o edifício que nele começou a construir.

         Presume-se, por isso, que esta posse, uma vez iniciada, continua a existir, presunção que prevalece sobre a instituída no nº 2 do art 1252º que aqui não pode ser considerada.

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[37], “Desde que se prescindiu, para a manutenção da posse, de actos efectivos de actuação sobre a coisa, correspondentes ao corpus da posse, por se entender que a prática pode não os exigir do possuidor, tal como nem sempre os exige do verdadeiro titular do direito sobre a coisa, não podia o legislador deixar de admitir, em qualquer caso, a presunção da continuidade da posse por parte de quem a começou.”

      E continua a existir até que ocorra alguma das circunstâncias que, nos termos do art. 1267º, podem levar à sua perda, nomeadamente por haver uma nova posse por parte de outrem que a adquira por inversão do título de posse, “ex vi” art. 1263º, al d).

       Assim, tem de afirmar-se que os atos materiais praticados pela autora União de Freguesias e descritos nos factos provados 7.11 a 7.14 e 7.16 não demonstram a existência de uma posse caracterizada também pelo necessário “animus”, sendo que este, pelas razões já expostas, não pode ser presumido.

         Não pode, pois, ter ocorrido a usucapião que a autora invoca.

Daí que nada invalide a presunção de que, em benefício da ré Fábrica da Igreja Paroquial de AA, resulta da inscrição registral aludida no facto 7.1.


         Impõe-se, deste modo, a procedência da revista.


   IV - Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se o decidido na sentença da 1ª instância.

         Custas a cargo da autora.


Lisboa, 12.09.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

_____________

[1] Texto introduzido pela Relação ao apreciar a impugnação deduzida pela apelante contra a decisão da 1ª instância que julgara como provado o facto, mas na seguinte versão: “O edifício implantado em tal prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1078º tem vindo a ser usado quer pela Junta de Freguesia de …, quer pela União das Freguesias de …, … e … (desde a reorganização administrativa que se operou a nível das freguesias), como sede da Junta de freguesia, o que sucede desde 2013, bem como para estabelecimento de Jardim de Infância da mesma localidade de …, o que sucedeu em data e por período que não foi possível apurar, mas em data posterior a 1993 (artigos 14º, 15º e 20º da petição inicial);”
[2] Texto introduzido pela Relação ao apreciar a impugnação deduzida pela apelante contra a decisão da 1ª instância que julgara o facto como provado, mas na seguinte versão: A autora utiliza o edifício implantado no prédio inscrito na matriz sob o artigo 1078º, ali tendo os seus pertences, recebendo no espaço destinado à sede da junta de freguesia desde 2013 os cidadãos da freguesia e outros, nele fazendo reuniões, eventos e festas, procedendo a obras de ampliação, restauro e melhoramento e, na parte destinada a jardim-de-infância, ali recebendo as crianças que eram deixadas pelos pais ao cuidado das educadoras, o que sucedeu por período e em data que não foi possível apurar mas posterior a 1993, procedendo ainda à manutenção do edifício (artigos 32º e 20º da réplica da petição inicial);”
Texto introduzido pela Relação ao apreciar a impugnação deduzida pela apelante contra a decisão proferida em 1ª instância que julgara o facto como provado, mas com a seguinte redação: “As sucessivas Juntas de Freguesia executaram trabalhos naquela obra, suportando o seu valor mas nunca invocaram serem as donas da obra (artigo 47º da contestação);”
[4] Cfr. a conclusão 11ª, reproduzindo uma passagem do referido voto minoritário.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 721
[6] Cfr. o local citado na nota anterior.
[7] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 269
[8] Cfr. https//blogippc.blogspot.pt, analisando o acórdão deste Supremo de 28.9.2017, proc. nº 809/10.7.TBMLG.C1.S1, citado na obra referida nas notas 4 e 5
[9] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 406 e 407
[10] Utilização esta que, como se extrai do facto nº 7.16, teve lugar durante período ignorado.
[11] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[12] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, págs. 3 e 4
[13] Direitos Reais, pág. 189
[14] Direitos Reais, págs. 69 e segs.
[15] RLJ, ano 122º, págs. 65 e segs.
[16] Posse ou Posses?, 2ª edição, págs. 23 e segs.
[17] Direitos Reais, 1º, págs. 563 e segs.
[18] Direitos Reais, 4ª edição, págs. 42 e segs.
[19] Direitos Reais, págs. 538 e segs.
[20] Lições de Direitos Reais, 4ª edição, págs. 274 e segs..
[21] Proc. nº 5043/16.OTSTB.E1.S2, relator Cons. Ilídio Sacarrão Martins 
[22] Proc. 1824/15.OT8PRD.P1.S1, relator Cons. Alexandre Reis
[23] Proc. 423/11.OTBHRT.L2.S1, relator Cons. Olindo Geraldes
[24] Proc. nº 9950/11.8TTBVNG.P1.S1, relator Cons. Tomé Gomes, acessível em www.dgsi.pt
[25] Proc. nº 1027/06.4TBSTR.E1.S1, relator Cons. Nuno Cameira, acessível em www.dgsi.pt
[26] Proc. 07A480, relator Cons. Alves Velho, acessível em www.dgsi.pt
[27] Proc. 06B404, relator Cons. Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt
[28] Proc. 04B1862, relator Cons. Lucas Coelho, acessível em www.dgsi.pt
[29] Proc. 05A1607, relator Cons. Lucas Coelho, acessível em www.dgsi.pt
[30] Proc. 04A1670, relator Cons. Silva Salazar, acessível em www.dgsi.pt
[31] Proc. 04B362, relator Cons. Abílio Vasconcelos, acessível em www.dgsi.pt
[32] Proc. 01B1466, relator Cons. Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt
[33] Proc. 01B1888, relator Cons. Barata Figueira, acessível em www.dgsi.pt
[34] Relator Cons. Amâncio Ferreira
[35] Do seguinte teor: “Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1257º.” 
[36] Direitos Reais, 2ª edição, 1993, pág. 283 e segs., conforme citação de Abílio Neto, Código Civil Anotado, 19ª edição, pág. 1153 
[37] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 16