Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1695/17.1T8PDL-A.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
REDUÇÃO
EQUIDADE
CLÁUSULA PENAL
ANALOGIA
INCUMPRIMENTO PARCIAL
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Sumário : I – A sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829º-A, do CC, tem em vista compelir o devedor a cumprir voluntariamente prestações de facto infungível.

II – A sanção pecuniária compulsória só é devida se o devedor adstringido, embora podendo, não cumprir a obrigação principal a que está vinculado.

III – Ainda que a decisão que decrete a sanção seja definitiva, o contencioso no processo de execução da dívida da sanção pecuniária compulsória é possível por várias razões, designadamente quando se estiver perante um caso de incumprimento parcial e a sanção tiver sido fixada com o objetivo de pressionar o devedor a cumprir integralmente a obrigação.

IV – Nestas situações, a sanção pode ser reduzida, de acordo com a equidade, por analogia com o disposto no nº2, do art. 812º, do CC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. AA e outros intentaram contra BB ação declarativa de condenação[1], pedindo que a ré seja condenada a restituir-lhes uma faixa de terreno com cerca de 13 m2 e a tapar uma porta e uma janela viradas para o terreno dos autores, bem como que seja declarada extinta uma servidão de passagem. Pediram ainda a condenação da ré a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do que for sentenciado.

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

Os autores são proprietários de um prédio que se encontra onerado com uma servidão de passagem a favor de um prédio contíguo, pertencente à ré, não havendo justificação para a sua manutenção, uma vez que esse prédio tem agora acesso direto à via pública.

Por outro lado, a ré ocupou uma faixa de terreno, com cerca de 13 m2, do prédio dos autores, e abriu uma porta e janelas que devem ser tapadas por deitarem diretamente para o seu prédio.

2. Nesta ação, foi proferida sentença (em 15/1/2004)[2], condenando a ré a:

a) - No prazo de seis meses, restituir aos autores “uma faixa de terreno com entre 13 e 14 metros quadrados de superfície, onde BB inseriu um muro divisório e o acesso, com uma configuração de uma curva, da sua casa. (…)”;

b) – Declarar extinta a servidão de passagem (…);

c) - No prazo de seis meses, tapar a janela e a porta que se situam do lado norte da sua casa (…)”;

d) - Pagar uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de 30 EUR, por cada dia de atraso no cumprimento da presente sentença.

3. Esta decisão foi confirmada por acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 17.6.2004 – cf. fls. 78 e ss.

4. Em 16.9.2009, dando como título executivo a referida sentença, os ali autores (AA e CC) instauraram contra a ali ré (BB), execução para prestação de facto[3], no âmbito da qual se discutiu se a sentença dada à execução se mostrava cumprida pela executada, como esta sustentava, ao que os exequentes contrapunham que a restituição da faixa de terreno que a sentença ordenara impunha «a demolição parcial da empena da moradia da executada, o que não foi feito».

4.1. Nesta ação executiva, na sequência de uma perícia realizada, apurou-se que já havia sido devolvida aos exequentes a faixa de terreno com cerca de 13/14 m2, bem como fechadas a janela e a porta. Em face disso, visto que, à data da realização do relatório pericial (14.10.2013) se mostrava integralmente cumprida a sentença exequenda,  foi proferida decisão a declarar extinta a execução, por inutilidade superveniente da lide.

5. Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs recurso para o Tribunal da Relação que, em 17.12.2014, proferiu acórdão a confirmar o decidido (cf. fls. 103 a 113 dos autos).

6. Em 3.11.2016, apresentando como título executivo o acórdão da Relação proferido em 17.12.2014 (cf. supra ponto 5), vieram AA e CC instaurar nova ação executiva contra BB, visando agora o pagamento de € 101.125,00, montante em que computam a dívida relativa à sanção pecuniária compulsória que a executada foi condenada a pagar-lhes.[4]

7. Por apenso a essa execução, veio, a executada, deduzir os presentes embargos, alegando que, no prazo fixado na sentença dada à execução, a porta e a janela foram logo fechadas por dentro, jamais tendo sido reabertas, muito embora só em 2013 tenha colocado, pelo lado de fora, blocos nessas aberturas.

Quanto à restituição da faixa de terreno, alegou que a demora no cumprimento da sentença se ficou a dever exclusivamente à exequente, uma vez que, desde a primeira hora se prestou a entregar a parcela de terreno com os 13/14 m2 que a sentença exequenda determinara, o que aquela sempre recusou, exigindo que fosse demolida parte da casa da ora embargante.

8.  Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente a oposição, ordenando-se o prosseguimento da execução.[5]

9. Insurgindo-se contra o assim decidido, a embargante interpôs recurso para o Tribunal da Relação que, em 7.6.2018, proferiu acórdão[6] a revogar aquela decisão e a determinar o prosseguimento da lide, a fim de ser produzida prova sobre a matéria alegada pela embargante.

10. Remetido o processo à 1ª instância, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou improcedente a oposição e ordenou o prosseguimento da execução.

11. De novo inconformada, a embargante interpôs recurso para o Tribunal da Relação que proferiu acórdão em que se decidiu:

a) – Alterar a matéria de facto constante do ponto 3 dos factos provados, passando, a mesma, a ter a seguinte redação: “3. No processo executivo foi penhorado o prédio registado sob o nº … (freguesia de ……) apenas a favor da executada, por aquisição em processo de Partilha da Herança do seu falecido pai, DD”;

b) – Manter, em tudo mais, a sentença recorrida.

12. Mais uma vez irresignada, a embargante veio interpor revista excecional, recurso que, não obstante, foi admitido nos termos gerais, e em cujas conclusões se pugna pela «diminuição proporcional da sanção pecuniária compulsória», sob pena de violação do caso julgado, formado pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação 7.6.2018.

13. Nas contra-alegações, pede-se a confirmação do acórdão recorrido.


***


14. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, nº2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas. Sendo assim, importa apreciar e decidir se a decisão proferida ofende o caso julgado e se, a ser assim, deve ser reduzida a quantia exequenda.

***


II – Fundamentação de facto


15. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. A 08/11/2017, AA e CC instauraram ação executiva contra BB para o pagamento da quantia de 101 125,00 €.

2. O título executivo é um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/12/2014, transitado em julgado, do qual consta o seguinte: Intentaram AA e CC execução para prestação de facto contra BB, dando como título executivo sentença judicial condenatória datada de 15.01.2004 (…). Deste modo considera-se que a executada cumpriu a sentença dada à execução em 14.10.2013, sendo que a sanção pecuniária compulsória começou a contar a partir da data em que foi ultrapassado o prazo de seis meses fixado na sentença para o seu cumprimento.

3. No processo executivo foi penhorado o prédio registado sob o nº ….. (freguesia de ……) apenas a favor da executada, por aquisição em processo de Partilha da Herança do seu falecido pai, DD”.[7]

16. Por sua vez, não se provou que:

- A demora na execução da sentença que serve de título executivo se deva exclusivamente à exequente.



***


III – Fundamentação de Direito

17. De acordo com o disposto no art. 817.º do CC, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.

O credor pode, assim, solicitar ao tribunal que condene o devedor a cumprir, se a prestação ainda puder ser efetuada; se o devedor judicialmente condenado não cumprir, pode  recorrer à execução, requerendo a realização coativa da prestação.

A execução de uma prestação pode ser específica (quando se pretende a realização da prestação incumprida) ou não específica (quando se visa obtenção de um valor patrimonial ou quantia pecuniária destinada a servir de sucedâneo da prestação não realizada).

São suscetíveis de execução específica as prestações que consistem na entrega de coisa determinada (art. 827.º do CC), as prestações de facto negativo e as emergentes de contrato promessa (art. 830.º do CC). De igual modo, nas prestações de facto fungível[8] (art. 828.º do CC), o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor (arts. 868º e ss., do CPC).

Não é, contudo, possível a execução específica de uma prestação de facto infungível, uma vez que o devedor não pode ser coagido ao facere (nemo praecise potest cogi ad factum). Nestes casos, o credor tem apenas direito à chamada execução por equivalente, o que significa que a condenação do devedor a cumprir, quando não acatada, não encontra a adequada e eficaz proteção no processo executivo.

Surgiu, assim, a necessidade de encontrar um instrumento destinado a fazer pressão sobre o devedor e a vencer a sua resistência, a fim de o decidir a cumprir voluntariamente as obrigações não suscetíveis de «cumprimento forçado», isto é, de execução in natura, por falta de correspondente ação executiva que efetive e atue a sentença de condenação no cumprimento.[9]

Trata-se da sanção pecuniária compulsória, consagrada no art. 829.º-A do Código Civil, normativo introduzido pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, em cujo nº1 se estabelece que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”.

Estatui ainda o mesmo preceito legal, no seu nº 2, que a sanção pecuniária compulsória será fixada, segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, e no nº3, que o seu montante reverte, em partes iguais, a favor do credor e do Estado.

Conforme se retira do texto legal, este instituto só pode operar em obrigações de prestação de facto infungível.

Ora, de harmonia com o disposto no art.  767.º, n.º 2 do CC, ressalvando os casos em que expressamente se tenha acordado que a prestação deva ser feita pelo devedor (a designada infungibilidade convencional) ou em que a substituição prejudique o credor (infungibilidade natural, fundada na natureza da prestação),  as obrigações de prestação de facto são fungíveis.

A satisfação do interesse do credor será, pois, o critério decisivo de determinação da fungibilidade, na apreciação da qual os ditames da boa fé são da maior relevância.[10]

Feito este breve enquadramento e regressando ao caso concreto, é patente que a prestação que a ora recorrente foi condenada a satisfazer (restituir aos ora recorridos uma faixa de terreno entre 13 e 14 metros quadrados de superfície, bem como tapar uma janela e uma porta) configura uma prestação de facto positivo fungível, suscetível de ser realizada, nos termos gerais, por pessoa diversa do devedor.

Por conseguinte, não se estando perante uma infungibilidade natural, fundada na própria natureza da prestação, nem tendo havido acordo das partes no sentido de a prestação dever ser feita apenas pelo devedor, nem se vislumbrando, por outro lado, que a realização por terceiro seja prejudicial ao credor, podia o credor requerer, em execução, que o facto fosse prestado por outrem à custa do devedor (cf. arts. 868º e ss., do CPC), como, aliás, sucedeu no caso dos autos (cf. supra ponto 4).

Somos, assim, levados a considerar que a sanção pecuniária compulsória em que a ora recorrente foi condenada por cada dia de atraso no cumprimento da sentença não respeita os pressupostos enunciados no n.º 1 do art. 829-A do CC.

Não obstante, a sentença condenatória transitou, há muito, em julgado, pelo que, sob pena de violação do caso julgado, não poderia ser agora aqui reapreciada.[11]

É, portando, neste contexto, que se irá analisar a questão central colocada na revista e que consiste em saber se, sob pena de violação do caso julgado, a sanção pecuniária compulsória fixada deve ser reduzida proporcionalmente, como pretende a recorrente.

Pois bem.

A sanção pecuniária compulsória gera uma nova obrigação, acessória da obrigação principal, no caso de o devedor não acatar a injunção do tribunal e se recusar a cumprir. Ou seja: a sanção pecuniária compulsória só é devida se o devedor adstringido, embora podendo, não cumpre a obrigação principal a que está vinculado. É o que resulta da sua própria natureza e finalidade. Trata-se, portanto, de uma obrigação condicional, por se encontrar subordinada ao não cumprimento da obrigação principal, podendo ela própria ser objeto de execução.[12]

Como obrigação acessória e condicional que é, incumbe ao credor exequente provar o não respeito pelo devedor da condenação principal (art. 715º, do CPC), podendo o executado opor-se à execução da dívida de sanção pecuniária compulsória com base nos fundamentos previstos no art. 728º, do CPC.

Por seu turno, muito embora a decisão que decrete a sanção seja definitiva, não podendo, consequentemente, ser revista ou modificada, “o contencioso no processo de execução da dívida da sanção pecuniária compulsória é possível, e possível por várias razões (…)“. Por ex., “a sanção pecuniária que tenha sido ordenada para o caso de inadimplemento total (como o será em regra) deve ser reduzida, não necessariamente segundo o critério da proporcionalidade, mas de acordo com a equidade, por analogia com o disposto no nº2, do art. 812º para a cláusula penal.”[13]

É o que se verifica no caso em apreço, como veremos.

Na verdade, os autos revelam que o litígio entre as partes prosseguiu após a prolação da sentença na ação declarativa, tendo surgido profundas divergências sobre a interpretação da sentença condenatória e a definição dos exatos contornos da prestação a que a ré estava adstrita (entendendo os autores que a restituição da faixa de terreno impunha a demolição de uma  empena da casa da ré, ao que esta contrapunha que a tal não estava obrigada).

Esta controvérsia acabou por ser dirimida na execução para prestação de facto, instaurada pelos aqui recorridos contra a ora recorrente, tendo sido entendido que a obrigação de facere imposta à executada não implicava a demolição da empena da sua casa, ao contrário do que exigiam os exequentes.  Nessa conformidade, apurado que a faixa de terreno tinha sido restituída e que a janela e a porta tinham sido tapadas, foi proferida decisão, transitada em julgado, a julgar extinta a execução, uma vez que a sentença se encontrava integralmente cumprida pela executada.

Por sua vez, nos presentes embargos, deduzidos por apenso à execução instaurada para pagamento de € 101.125,00, respeitante à sanção pecuniária, foi proferida decisão[14] que abordou (de novo) a problemática do (in)cumprimento pela executada da sentença condenatória, tendo-se considerado que, pelo menos no que respeita à obrigação de restituir a faixa de terreno, o cumprimento (para além do prazo fixado naquela decisão) não era imputável à executada, por se verificar, ao invés, uma situação de mora creditoris.

Ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento, foi então proferida sentença, que o Tribunal da Relação veio a confirmar, em que se decidiu julgar os embargos improcedentes. É esta decisão que vem impugnada na presente revista.

Ora, no descrito contexto processual, a decisão recorrida, ao determinar o prosseguimento da execução para pagamento da totalidade da quantia exequenda, a título de sanção pecuniária compulsória, desconsiderou o caso julgado formado pelo trânsito em julgado da decisão acima referida[15] em que se entendeu que, pelo menos  quanto a uma das injunções determinadas na sentença, o não cumprimento no prazo ali fixado se ficou a dever à conduta da credora/exequente, que recusava aceitar a prestação.

Na verdade, aquela decisão definiu substantivamente a relação jurídica que constitui o objeto do processo, devendo ser acatada pelo tribunal se, e quando, lhe voltar a ser submetida, a qualquer título, quer a título principal (repetição de uma causa), quer prejudicial (como fundamento ou base de qualquer outro efeito da mesma relação). É que, como sabemos, o caso julgado possui também um valor enunciativo, isto é, a sua eficácia exclui toda a situação contraditória ou efeito incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.[16]

Por sua vez, o caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos: o  caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.[17]

Em face do exposto, é de concluir pela procedência do invocado fundamento da revista, o que nos confronta, de seguida, com a questão de saber em que termos deve ser reduzida a sanção pecuniária compulsória.

Vejamos, então.

Já vimos que foi proferida decisão, com trânsito em julgado, a considerar que a sentença condenatória proferida na ação declarativa se mostra integralmente cumprida (cf. supra ponto 4).

Embora, nessa decisão se tenha reportado o cumprimento ao dia 14.10.2013, convocando as regras da interpretação de uma sentença judicial que, como ato jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295º, do CC, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos (art.s 236º e 238º, do mesmo Código), cremos que apenas se pode deduzir do seu contexto que, em 14.10.2013, “a sentença estava integralmente cumprida”, o que não permite excluir que o cumprimento tenha ocorrido em momento anterior. Aliás, isso mesmo parece reconhecer o julgador, ao afirmar que, para aquele efeito, apenas teve em conta a data em que foi elaborado um relatório pericial, do qual decorria que a obrigação exequenda se encontrava satisfeita. E nada mais.

Como já dissemos, está também definitivamente assente que, no que respeita à obrigação de restituição da faixa de terreno, a não observância do prazo fixado na sentença para o cumprimento se ficou a dever exclusivamente ao comportamento dos exequentes/embargados.

Sendo assim, a decisão recorrida, ao determinar o prosseguimento da execução para pagamento da sanção pecuniária compulsória nos termos peticionados no requerimento executivo (isto é, desde o termo do prazo judicialmente fixado para a realização da prestação e 14.10.2013, data do alegado cumprimento), não teve presente que a sanção foi fixada para compelir o devedor ao cumprimento integral da prestação, o que, pelo menos, em parte, não aconteceu, por razões não imputáveis à executada/embargante.

Por outro lado, ainda que não tenha sido apurada, com exatidão, a data em que se verificou o cumprimento de cada uma das obrigações a que a embargante estava adstrita (sabendo-se apenas que, em 14.10.2013, já havia ocorrido), tal circunstancialismo não poderá deixar de se repercutir no montante da dívida exequenda.

Numa outra perspetiva, acolhida pelo acórdão deste STJ proferido em 19.9.2019, proc. 939/14.6T8LOU-H.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, poderá dizer-se que, tendo os recorridos instaurado (em 16.9.2009) execução para prestação de facto, visando o cumprimento da prestação por outrem (cf. supra ponto 4), deixou de fazer sentido a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória, a partir desse momento,  na medida em que deixou de se verificar a correlação teleológica entre a condenação no cumprimento da prestação e a realização da prestação pela devedora, ora recorrente (e não por outrem) e a sua condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória, porquanto a primeira condiciona e determina a segunda, fundindo-se em síntese normativa concreta.[18]

Por todas estas razões, impõe-se, a nosso ver, a redução da quantia exequenda de acordo com a equidade, por analogia com o disposto no nº2, do art. 812º, do CC.

Convocando, por isso, os pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais se deve situar o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado, afigura-se-nos adequado reduzir a sanção pecuniária compulsória a € 1.000,00.

IV – Decisão

18. Nestes termos, concedendo parcial provimento ao recurso, acorda-se em alterar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 1.0000,00 (mil euros).

Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Lisboa, 10.12.2020


Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

1º Adjunto: Oliveira Abreu

2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.

_________

[1] Esta ação foi apensada ao processo nº 71/2001, que correu termos no Tribunal Judicial de Nordeste – cf. certidão de fls. 57 e ss.
[2] Cf. fls. 63 e ss.
[3] Cf. certidão de fls. 85 e ss.
[4] Contabilizando o período que medeia entre 15.7.2004 (seis meses após a sentença declarativa)  e 13.10.2013 (data em que  cessou o incumprimento).
[5] Cf. fls. 36 a 38v.
[6] Cf. fls. 119 a 122.
[7] Redação introduzida pela Relação.
[8] Como sabemos, a prestação diz-se fungível quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor e infungível a que apenas pode ser realizada pelo devedor - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, Almedina, 3ª edição, págs. 85 e ss. e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Coimbra editora, 4ª edição, pág. 466.
[9] Cf. para mais desenvolvimentos, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, 355 e Pedro Albuquerque, o Direito ao Cumprimento de Prestação de Facto, o Dever de a Cumprir e o Princípio nemo ad factum cogi potest, Providência Cautelar, Sanção Pecuniária Compulsória e Caução, Boletim da Ordem Advogados, Ano 2 (2013), nº 9, 8981-9041.
[10] Calvão da Silva , In Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, 367-370.
[11] Cf., neste sentido, o acórdão deste STJ proferido em 19.9.2019, no processo 939/14.6T8LOU-H.P1.S1 em que se aprecia uma questão com alguma similitude com a destes autos.
[12] cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória,1987, 407.
[13] cf. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória,1987, 442.
[14] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.6.2018, a fls. 119-122, que, revogando o saneador-sentença que julgara os embargos improcedentes, ordenou o prosseguimento dos autos para produção de prova sobre a matéria controvertida.
[15] Cf. o acórdão da Relação de 7.6.2018.
[16] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre O Novo Processo Civil, 578 e ss.
[17] Como se decidiu no ac.  do STJ de 13.7.2010 (JusNet 3661/2010), “o caso julgado abrange a decisão e os seus fundamentos logicamente necessários, a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, (…).” No mesmo sentido, pode consultar-se o Ac. do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt
[18] Cfr. António Castanheira Neves, RLJ 110.º, 1977/78, pp. 289-305.