Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2472/05.8 TBSTR.E1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE
SEGURADORA
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA/ EFEITOS DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVA.
Doutrina:
-Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 726 a 729;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ARTIGO 581.º E 625.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 344.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2007, PROCESSO N.º 07A3739;
- DE 06-03-2008, PROCESSO N.º 08B402;
- DE 12-07-2011, PROCESSO N.º 129/07.4.TBPST.S1;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 644/08.2TBVFR.P1.S1;
- DE 16-02-2012, PROCESSO N.º 1447/04.9TBLLE.E1;
- DE 15-10-2013, PROCESSO N.º 1382/11.4TBVFR.P1S1;
- DE 30-03-2017, PROCESSO N.º 1375/06.3TBSTR.E1; TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere no objecto da acção posterior; visa obstar a que a situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença; e, não exige a tríplice identidade a que alude o art. 581.º do CPC.
II - A decisão da responsabilidade dos intervenientes em acidente de viação numa primeira acção proposta por alguns lesados contra a seguradora A, volta a inserir-se no objecto da segunda acção, proposta por outro lesado contra a mesma seguradora, devendo aqui ser acatada a decisão anteriormente proferida sobre o ponto – a exclusiva responsabilidade do condutor segurado na ré –, por se impor a autoridade de caso julgado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório  

1. AA e BB, por si e na qualidade de únicos herdeiros de CC e DD, intentaram a acção declarativa de condenação contra a Companhia de Seguros EE, S.A., Companhia de Seguros FF, GG e HH, Lda., pedindo a sua condenação no pagamento da importância de €214.301,31, a título de indemnização por danos não patrimoniais e de alimentos, a qual foi julgada parcialmente procedente.

A Ré Companhia de Seguros EE, S.A foi absolvida do pedido por ter sido considerado existir uma situação de autoridade de caso julgado.

Inconformada com o decidido, recorreu a demandada Companhia de Seguros FF.

Contra-alegou a demandada Companhia de Seguros EE, S.A., votando pela manutenção do decidido.

  

2. O recurso foi apreciado pelo Tribunal da Relação de Évora, que circunscreveu o seu objecto à apreciação da invocada “não verificação de uma situação de autoridade de caso julgado”.

O Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida, por entender que a anterior posição firmada pelo STJ quanto à responsabilidade pela causa do acidente – decisão transitada em julgado – tem de ser respeitada, mesmo fora do processo em que foi proferida.

3. Nas conclusões do recurso indica (por transcrição):

1º - O Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 580° e 581° ambos do CPC.

2º - Com efeito, mesmo que se verificasse a excepção de autoridade de caso julgado, o que a ora Recorrente entende não suceder, deveria sempre a mesma ser relativamente à decisão respeitante ao processo nº 2365/03.3TBSTR e não ao Proc. n.º 1175/04.5TBSTR;

3º - Efectivamente, sendo aquele mais antigo, discutindo-se nele o acidente dos autos e também a culpa na produção do mesmo e sendo a Ré EE, naquele como neste processo, Ré, parece evidente que, tendo tal processo transitado em julgado há mais tempo, terá que ser a decisão do mesmo proferida quanto à culpa a ditar a decisão a proferir nestes autos;

4º - Pelo que, a ser procedente a fundamentação constante do acórdão recorrido, sempre a decisão a proferir teria que ser no sentido da responsabilização da Ré EE em 70% do pedido apresentado pelos AA;

5º - Não se admitindo outro enquadramento;

6º - De qualquer modo, considera a ora Recorrente que não se verificam in casu os pressupostos para a verificação da excepção de autoridade de caso julgado, com referência ao proc. nº 1175/04.5TBSTR;

7º - A excepção de autoridade de caso julgado justifica-se para impedir que existam decisões contraditórias, que venham a afectar a certeza e segurança jurídicas. A maioria da jurisprudência considera que, para se verificar a autoridade de caso julgado não é necessária a tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

8º - Porém, é pacífico que a parte decisória da sentença não se dissocia dos seus fundamentos. Ora, os fundamentos de facto que estiveram na base da decisão proferida no proc. nº 1175/04.5TBSTR, relativamente à dinâmica do acidente, são muito diferentes dos que estão em discussão nos presentes autos.

9º - A acrescer, realce-se que o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se por Acórdão de 30 de março de 2017, proferido no processo nº 1375/06.3TBSTR.E1.S1, respeitante ao acidente dos autos mas em que é Autora a ora Recorrente e Ré a EE, exactamente no sentido da inexistência de "autoridade de caso julgado, com os seguintes fundamentos constantes do Sumário, que aqui transcrevemos:

"1. Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes:

c) - uma função negativa, reconduzida à exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes em ação futura;

d) - uma função positiva, designada por autoridade de caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais.

6. A exceção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir,

7. Já a autoridade de caso julgado, segundo doutrina e jurisprudência hoje dominantes, não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

8. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

9. Quando, em duas ações instauradas por autores distintos contra seguradoras também diferentes, em que se discutiu o mesmo acidente de viação, tenha sido proferidas decisões a atribuir, em termos divergentes, a responsabilidade, a título de culpa, aos condutores dos veículos intervenientes, não é lícito conferir autoridade de caso julgado a qualquer delas no âmbito de uma terceira ação instaurada

10º - Pelo que, deve ser revogado o acórdão recorrido no sentido de conceder "autoridade de caso julgado" ao processo nº 2365/03.3TBSTR, que transitou em julgado antes do processo nº 1175/04.5TBSTR ou, caso assim não se entenda e conforme já foi decidido por esse douto Tribunal Superior, deverá considerar-se que não se verifica tal excepção nos presentes autos, devendo os mesmos baixar à primeira instância para ser proferida decisão de mérito atenta a prova que nos autos foi produzida, assim se garantindo uma tutela efectiva.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo JUSTIÇA”.

4. A Companhia de Seguros EE, S.A apresentou contra-alegações.

II. Fundamentação

5. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1 - O Autor AA nasceu a ... de 1975, sendo filho dos falecidos DD e CC;

 2- O Autor BB nasceu a 3 de março de 1980, sendo filho dos falecidos DD e CC;

3 - DD tinha, à data do falecimento, 52 anos de idade;

4 - CC tinha, à data do falecimento, 47 anos de idade;

5 - O veículo de matrícula ...-NQ é de passageiros de aluguer, no qual os pais dos Autores AA e BB eram transportados, por contrato de aluguer com condutor, e cuja responsabilidade civil se encontrava assumida pela demandada Companhia de Seguros FF, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº ...;

6 - O referido veículo era conduzido por II e transportava, para além dos pais dos demandantes, JJ, LL, MM, NN, OO e PP

7 - Em consequência do embate, a CC sofreu lesões traumáticas graves, ao nível da cabeça, traduzidas no esfacelo daquela, com fratura do frontal e perda total de massa encefálica;

8 - Estas lesões foram causa necessária e direta da sua morte, que ocorreu às 3 horas e 45 minutos;

9 - Igualmente em consequência do embate, o DD sofreu lesões traumáticas graves ao nível da cabeça, as quais se traduziram na fratura muti-esquirolosa do occipital, parietais, temporais e frontal, hemorragia cerebral, cerebelosa e meníngea grave, com extensos focos de contusão cerebrais e laceração da massa encefálica, fratura dos ossos próprios do nariz, lesões traumáticas na cavidade torácica, traduzidas por hemopericárdio, originado tamponamento cardíaco, rotura da aurícula esquerda e edema e congestão pulmonar;

10 - Estas lesões foram a causa direta e necessária da sua morte, que ocorreu às 3 horas e 45 minutos;

11- Também em virtude do embate, II, condutor do veículo, veio a falecer, bem como JJ, ocupante;

12- À data do acidente, os demandantes vivia com os pais, havia um bom relacionamento e constituíam uma família feliz e unida;

13 - À data do acidente, o Autor QQ exercia atividade remunerada;

14 - O Autor BB encontrava-se a frequentar um curso de engenharia civil, no Instituto de Tecnologia e Gestão de ..., tendo pago, no ano letivo de 2000/2001, a quantia de €318,23 de propinas;

15 - Depois do acidente, o Autor BB passou a exercer a atividade remunerada e continuou a estudar;

16 - Apesar do Autor AA exercer atividade remunerada o seu sustento e do irmão era suportado pelos pais;

17 - Em virtude da morte dos pais, os Autores AA e BB sofreram e sofrem, atualmente, um enorme desgosto, angústia e tristeza;

18 - O falecido DD declarou, em sede de IRS, relativamente ao ano de 1999, um rendimento, proveniente da atividade de comissionista, no montante de €37.719,59 e despesas, no montante de €5.764,60 e, como rendimento de trabalho dependente,€5.845,41;

19 - Os intervenientes, RR, SS, TT, UU e VV, são os únicos e universais herdeiros de II;

20 - Em consequência direta e necessária da violência do embate, o II sofreu poli-traumatismos e gravíssimas lesões por todo o corpo;

21- Designadamente, lesões a nível da cabeça, traduzidas por múltiplos focos de contusão, em ambos os hemisférios cerebrais, fratura esquirolosa dos maxilares, com perda de várias peças dentárias, fratura de costelas à direita, fratura exposta do cotovelo, fratura do externo, fratura dos ossos da bacia, com diástase da sínfise pública, edema e congestão pulmonar bilateral, laceração dos vasos mesentéricos, hemotórax e hemoparitoneu da bacia e membros superiores e inferiores direitos;

22 - Que lhe causaram, de forma direta e necessária, a morte;

23 - O falecido II, entre o momento em que deparou com o veículo pesado e o momento do embate, viveu momentos de angústia e aflição, pela circunstância de percecionar a eminência do embate;

24 - II nasceu a ... de 1941 e faleceu em ... de 2000, no estado civil de casado, no regime de comunhão geral de bens, em primeiras núpcias, com a ora interveniente RR;

25 - II era pessoa saudável;

26- Exercia a profissão de motorista de táxi;

27 - Era tido, pelos seus familiares e amigos, como condutor cuidadoso;

28 - Mantinha com a mulher, filhos, noras e genros um bom relacionamento, constituindo uma família unida e feliz;

29 - A morte do II provocou nos seus familiares, ora intervenientes, um grande desgosto e sofrimento;

30 - II havia adquirido, em regime de aluguer de longa duração, a viatura, que, com o sinistro em causa nos autos, ficou totalmente destruída, pelo preço de €29.72,16;

31- Desde a data do acidente e até final do contrato de aluguer de longa duração, que a interveniente RR manteve o pagamento das mensalidades devidas à XX, Lda., sendo que haviam sido acordadas, contratualmente, o pagamento de 60 prestações, no valor de €236,81;

32 - É assim que, desde a data do sinistro, a interveniente VV assumiu, pessoalmente, o pagamento da quantia de €11.500,33;

33 - O falecido II declarou, em sede de IRS, referente ao ano de 1999, um rendimento proveniente da atividade de taxista, o montante de €20.452,45 e despesas no montante de €8.043,98;

34 - À data do falecimento de II, a interveniente A.......era menor;

35 - Em consequência do acidente que vitimou o A........ e no âmbito do processo, por acidente de trabalho, que sob o nº 193/2001, correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra, em sede de conciliação, a seguradora Companhia de Seguros YY aceitou a existência e caraterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e morte do sinistrado e a sua inteira responsabilidade e consequentemente o pagamento das seguintes importâncias: a) à viúva e ora interveniente RR: €24,93 de transportes; €3.773, 90 de subsídio de morte; €5.545,86 de despesas de funeral; a pensão anual e vitalícia de €2.094,95, com efeitos a partir de 27 de setembro de 2000, a qual passará pra €2.793,26, quando perfizer a idade de reforma ou ficar com a capacidade de trabalho sensivelmente afetada; b) à filha, então menor, e ora interveniente VV: a pensão anual e temporária de €1.396,63, com início em 27 de setembro de 2000, até perfazer 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou superior ou se vier a ficar afetada de doença que a impossibilite sensivelmente para o trabalho.

6. A questão colocada no recurso reside em saber se nos presentes autos se deve admitir que funcione a autoridade de caso julgado, decorrente do processo judicial n.º processo nº1175/04.5 TBSTR, ou se, em alternativa, essa autoridade não se pode projectar ou advém de distinto processo.

Cumpre analisar.

7. No processo nº1175/04.5 TBSTR foram autores ZZ e AAA, e Ré a Companhia de Seguros FF, tendo sido pedida indemnização pelos danos sofridos pelos ocupantes da viatura na sequência do mesmo acidente de viação a que se reportam os presentes autos, com a intervenção dos mesmos veículos e suas seguradoras.

No processo nº1175/04.5 TBSTR já existe decisão transitada em julgado: o acórdão do STJ de 17 de junho de 2014; nele se decidiu pela atribuição de culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo de matrícula 00-00-00, com contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória efectuado junto da Companhia de Seguros FF.

8. Nos presentes autos, AA e BB, por si e na qualidade de únicos herdeiros de CC e DD, como Autores, intentaram a acção declarativa de condenação contra a Companhia de Seguros EE, S.A., Companhia de Seguros FF, GG e HH, Lda., pedindo a sua condenação no pagamento da importância de €214.301,31, a título de indemnização por danos não patrimoniais e de alimentos, em decorrência de acidente de viação que vitimou DD e CC.

Nesta acção, sendo também Ré a Companhia de Seguros ..., S.A, foi a mesma absolvida do pedido por se ter considerado existir uma situação de autoridade de caso julgado. Essa autoridade teria derivado, como efeito positivo, da decisão proferida no processo nº 1175/04.5TBSTR.

Tendo sido contestada essa decisão, o Tribunal da Relação confirmou a sentença recorrida, por entender que a posição firmada pelo STJ quanto à responsabilidade pela causa do acidente – decisão transitada – teria de ser respeitada, mesmo fora do processo em que fora proferida.

9. Sabendo que do acidente a que se reportam os factos provados neste autos resultaram vários processos judiciais, com diversos intervenientes e pedidos, decididos em prazos distintos, por diferentes tribunais e dos quais resultaram posições decisórias não coincidentes, e considerando que essas distintas posições a beneficiariam, vem a Generali a invocar uma delas em que a sua responsabilidade (em substituição do condutor, derivada do contrato de seguro), foi fixada em apenas 30% - o Processo 2365/03, em que foi Autor o Hospital Distrital ... SA e Ré a Companhia de Seguros EE, tendo sido pedido o pagamento das despesas hospitalares dos lesados e proferida decisão em que se reparte a responsabilidade entre a EE (70%) e a FF (30%).
A recorrente pretende que o Tribunal considere que é esta a decisão judicial – tendo sido a primeira a transitar em julgado – que deve projectar os seus efeitos positivos de autoridade de caso julgado para os presentes autos, e não como havia sido decidido pela 1ª. Instância e confirmado pela Relação, caso este tribunal entenda que há autoridade de caso julgado (posição que apenas admite à cautela).

10. Em justificação da decisão de confirmação da sentença, o Tribunal da Relação aludiu à diferença entre a excepção de caso julgado e a autoridade do caso julgado; o caso julgado na sua função negativa - como excepção - impede uma pronúncia judicial posterior entre as mesmas partes sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir); na função positiva - como autoridade - projecta os efeitos da respetiva decisão em acções posteriores conexas com aquela em que foi formado e que venham a decorrer entre as mesmas partes, sem necessidade de total correspondência e identidade objetiva entre umas e outras”[1]; Nessa medida, a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a função positiva, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice de identidade exigida pelo art.º 581.º do CPC, pressupondo, todavia, a decisão de determinada decisão que não pode voltar a ser discutida”[2];

Por isso, também afirmou que: “em nome da certeza e segurança jurídicas, esta Relação, a propósito do acidente de viação a que aludem os autos, decidiu que a autoridade de caso julgado, que reconheceu um dos condutores como único e exclusivo culpado do acidente, obsta que, noutra ação, seja contrariada a definição da responsabilidade pelo mesmo acidente”[3].

Esta afirmação tinha como sentido útil uma referência a um outro processo relativo ao acidente de viação dos autos, no qual a Relação teve intervenção (Decisão de 30 de Junho de 2016) – Processo n.º 1375/06.3 TBSTR.E1 – em que o tribunal havia igualmente defendido a projecção da autoridade de caso julgado resultante do processo nº1175/04.5 TBSTR. Mal sabia o Tribunal da Relação que, nessa data, o seu Acórdão de 30 de Junho de 2016 (processo nº 1375/06.3TBSTR.E1) fora revogado pelo Ac. STJ de 30 Março de 2017[4].  
11. Antes de avançar, enquadremos o sentido da autoridade de caso julgado, através da posição de MANUEL DE ANDRADE, que nos explica o fundamento deste autoridade aludindo à necessidade de defesa do prestígio dos tribunais (considerando que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente») e em razões de certeza e segurança jurídicasem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»)[5].

Ora, como é bom de ver, o caso julgado formado pela decisão que julgando procedente a anterior acção, supra referida, e fixando as percentagens da responsabilidade de cada um dos condutores intervenientes no acidente, em sede de concurso de responsabilidades, colide com a decisão a proferir no presente processo face aos pedidos formulados.
Naquela acção foi apurada a dinâmica do acidente e definida a concorrência das responsabilidades no mesmo, com graduação das responsabilidades. Nessa acção o actual recorrente foi parte.
Não obstante, nessa acção, não integrava a qualidade de parte a Companhia de Seguros EE, mas como a decisão aí proferida é-lhe favorável, deve a mesma poder-lhe aproveitar – o que a referida companhia não contesta.


12. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal encontramos plasmado o entendido de que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art.º 498º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, cf. Ac. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; Ac. de 06.03.2008, processo nº 08B402, e Ac. do STJ de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Também é entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – assim, nomeadamente, Ac. do29/07.4.TBPST.S STJ de 12.07.2011, processo 11, www.dgsi.pt – o que tem apoio na doutrina de Miguel Teixeira de Sousa, ao afirmar: “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579).

13. No processo n.º1175/04.5 TBSTR apreciou-se e decidiu-se da responsabilidade de ambos os condutores intervenientes no acidente, fixando-se judicialmente a contribuição de cada um deles para o sinistro verificado. Tal decisão transitou em julgado. A decisão aí proferida constitui caso julgado.
Mas poderá esta decisão produzir efeitos de autoridade de caso julgado para os presentes autos?

No processo nº 2365/03.3TBSTR também se discutiram problemas relacionados com o acidente dos autos.
Poderá a decisão aí proferida produzir efeitos de caso julgado para os presentes autos?

Para responder a esta questão, é necessário fazer um confronto atento entre os diversos processos em que o acidente de viação dos autos tem servido de fundamento factual e nos quais se tem discutido a autoridade do caso julgado:

a) Processo n.º 2365/03.3TBSTR;

b) Processo n.º1175/04.5 TBSTR e, ainda,

c) Processo nº 1375/06.3TBSTR.E1.

14. Sobre o primeiro processo indicado (Processo n.º 2365/03.3TBSTR), disse a 1ª instância, a págs. 30 e 31:

“Trata-se duma acção para cobrança de dívidas hospitalares, proposta nos termos do Dec. Lei nº 218/99 de 15 de Junho, diploma legal este cuja razão de ser reside na necessidade tornar mais célere o pagamento da prestação de cuidados de saúde às unidade hospitalares.

O artigo 5º do referido Dec. Lei nº 218/99 preceitua que “Nas acções para cobrança das dívidas de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro”. Ou seja, dá-se a inversão do ónus da prova da culpa, cabendo à Ré Seguradora a prova de que condutor do veículo por si segurado, não foi culpado no acidente que motivou as lesões dos assistidos pelo hospital. É esse, aliás, o sentido da jurisprudência dominante, veja-se a propósito:

- Ac. RL de 04/12/2006 processo 4700/2006-1 in www.dgsi.pt

Sendo a causa de pedir para cobrança dos encargos resultantes da prestação de assistência de natureza hospitalar a referida no art.º 5º do DL nº 218/99 (facto gerador da responsabilidade e prestação dos cuidados de saúde), menos certo não é que a responsabilidade das companhias de seguros é, acima de tudo, legal e contratual e não por facto ilícito ou pelo risco.

Essas empresas respondem porque, por força da Lei, os proprietários dos veículos automóveis estão sujeitos à obrigação de firmar contratos de seguro com as companhias que actuam nesse sector e porque essas companhias assumem contratualmente a obrigação de aceitar transferir para si a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação envolvendo aqueles veículos.

Os únicos que, eventualmente, respondem por actos ilícitos ou pelo risco, são os intervenientes no acidente e os donos dos veículos, se não forem, claro, os directos intervenientes no evento.

- Ac. STJ de 16/02/2012 processo 1447/04.9TBLLE.E1.S1 in www.dgsi.pt. :

O legislador estabeleceu regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade, com o objectivo de tornar mais célere o pagamento das dívidas às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde.

Isentando as referidas instituições prestadoras de cuidados de saúde de alegar e provar os factos constitutivos da responsabilidade civil extra – contratual, recai, no entanto, sobre elas o ónus de alegar o facto gerador da responsabilidade civil e provar os encargos suportados com os cuidados de saúde prestados, considerando-se que o “facto gerador da responsabilidade pelos encargos”, se reporta ao facto ilícito e à imputação do facto ao lesante.

Donde, relativamente à prova do facto gerador da responsabilidade civil, no sentido explicitado, a lei estabelece uma inversão do ónus da prova, razão pela qual cabe ao réu, condutor do veículo atropelante, provar, de acordo com o artigo 344º do Código Civil, que não teve qualquer responsabilidade no evento que determinou os cuidados de saúde prestados pelo autor.

Não se pode, por isso, exigir ao autor a prova de como o acidente de viação ocorreu, de quem nele interveio, da conduta dos agentes e do nexo de causalidade entre o facto e os danos.

Sendo obrigatório o seguro de responsabilidade civil automóvel, o qual garante a responsabilidade civil do tomador de seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo, o autor podia exigir da seguradora o pagamento dos encargos decorrentes dos cuidados de saúde prestados ao atropelado, independentemente do apuramento de responsabilidade.

- Ac STJ de 15/10/2013 processo 1382/11.4TBVFR.P1S1 in www.dgsi.pt.

No âmbito das acções de dívidas hospitalares, previstas no DL n.º 218/99, de 15-06, cabe ao autor a prova da prestação dos cuidados de saúde e a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos, incumbindo à parte contrária a prova de que não foi culpada.

É que, nos termos do art. 5.º do citado DL n.º 218/99, há uma inversão do ónus da prova da culpa, pelo que incumbe à ré, de acordo com o art. 344.º, n.º 1, do CC, a prova de que o condutor do veículo nela seguro não foi culpado do acidente que motivou as lesões do assistido.

Assim e volvendo à acção proposta pelo Hospital Distrital de Santarém – sob a forma sumária – constata-se que apenas foi demandada a Ré EE S.A., o pedido consistia na condenação do pagamento da quantia de €4.422,42, pela prestação de serviços de saúde a três dos sinistrados em consequência do acidente de viação em causa nos autos.

Ora embora o tribunal se tenha pronunciado sobre a dinâmica do acidente, constata-se que a factualidade é escassa, não foi escalpelizada tal como nas outras acções, o que se compreende dado que a finalidade era tão só a cobrança de uma dívida hospitalar. Ou seja estamos perante uma acção com uma causa de pedir absolutamente distinta (a prestação de cuidados de saúde) das acções de responsabilidade civil emergente de acidente de viação.

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, entendemos que face a esta acção não estamos perante a autoridade do caso julgado”.

 

Sobre o ponto, corroborando o entendimento feito pela 1ª instância, disse o Tribunal da Relação:

 “Como tal, o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, no âmbito do processo nº 2365/03.3 TBSTR, quanto à dinâmica do acidente a que aludem os autos - onde estava em causa o pagamento da quantia de €4.422,22, pela prestação de serviços de saúde -, não tem o grau de segurança próprio de uma ação declarativa comum, com a assinatura do Supremo Tribunal de Justiça.”

15. Sobre o segundo processo indicado (processo n.º 1175/04.5TBSTR) pode dizer-se que se tratou de uma acção de indemnização por acidente de viação, instaurado por outros lesados (ZZ e AAA) contra a recorrente Companhia de Seguros FF; o processo terminou e a decisão transitou em julgado, com intervenção do Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 17 de Junho de 2014, declarou o condutor do veículo de matrícula ...-NQ, o falecido II, único e exclusivo responsável pelo acidente.

16. Já no processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1, o acórdão do Tribunal da Relação, que havia considerado existir autoridade de caso julgado (formada nos autos em que se reconhecera um dos condutores como único e exclusivo culpado do acidente) obstando a que na acção em análise fosse contrariada a definição da responsabilidade pelo mesmo acidente, veio a ser revogado pelo Ac. STJ de 30 Março de 2017.

No entanto, o acórdão do STJ proferido nestes autos tem de ser interpretado no seu contexto próprio.

Tratava-se um processo em que era autora a Companhia FF e Ré a Companhia de Seguros EE, discutindo-se a responsabilidade resultante da aplicação do art.º31.º da Lei 100/97, de 13/9, – tendo o STJ defendido que a autoridade de caso julgado quanto a terceiros sofre limitações, pois apenas se justifica a aplicação da decisão na sua plenitude às partes que estão em juízo; mais se indicou que a aplicação do regime do art.º 625.º do CPC só teria justificação – dando prevalência à aplicação da 1ª decisão judicial transitada – quando estivessem em causa processos com a tríplice identidade a que se reporta o art.º 581.º CPC – que não existia no caso e, por isso, o STJ revogou a decisão da Relação, pondo em causa o princípio em que assentou a decisão recorrida: a autoridade de caso julgado formado no processo judicial que reconheceu um dos condutores como único e exclusivo responsável.

Note-se que a decisão do STJ não contesta a possibilidade de haver autoridade de caso julgado fora do processo em que ela se formou - não se exigindo a tríplice identidade. Cita inclusive em apoio a doutrina de Castro Mendes e Lebre de Freitas, para concluir ser de aceitar que a “autoridade de caso julgado implica o acatamento de decisão proferida em acções anterior, cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa”. Mais reafirma a necessidade de analisar a extensão da autoridade de caso julgado em relação a terceiros (acolhendo a posição de Antunes Varela/e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed, 1985, pp. 726-729), distinguindo categorias de terceiros.

É assim uma decisão justificada em face das especialidades do processo judicial submetido à apreciação – e apenas isso.

 

17. Depois do percurso efectuado nos pontos anteriores, estamos agora em condições de afirmar que, considerando que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade, é de concluir que, nos presentes autos, a definição da responsabilidade dos intervenientes no acidente de viação, com a indicação das percentagens de responsabilidade, integram a definição da situação jurídica relativa ao acidente que, tendo sido decidida no processo n.º 1175/04.5TBSTR, volta a inserir-se no objecto dos presentes autos, devendo aqui ser acatada a decisão anteriormente proferida sobre o ponto, por se impor como autoridade de caso julgado.

Além da motivação exposta, sobre o sentido e finalidade da autoridade de caso julgado, da análise dos processos judiciais indicados (com as particularidades de cada um em destaque), dos fundamentos indicados na sentença e no acórdão do Tribunal da Relação – este na parte transcrita neste acórdão – fundamentam este entendimento ainda as razões que se indicam de seguida.

18. No presente processo, não obstante as partes não serem as mesmas que estiveram envolvidas no processo n.º 1175/04.5TBSTR, estamos em crer que a autoridade do caso julgado aí formado se estende a estes autos, uma vez que:

a) No processo dos autos a Companhia FF é Ré, estando demandada por sujeitos que foram lesados pelo mesmo acidente de viação;

b) No processo n.º 1175/04.5TBSTR a Companhia FF também era Ré, não obstante os autores serem diversos (ZZ e AAA); mas os factos que serviram de base e o tipo de pedido formulado eram equivalentes - pedidos de indemnização pelo mesmo acidente de viação. Este processo terminou com decisão transitada em julgado, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 17 de Junho de 2014, declarou o condutor do veículo de matrícula ...-NQ, o falecido II, único e exclusivo responsável pelo acidente. Em decorrência do mesmo, a responsabilidade civil pelo acidente que havia sido transferida por contrato para a Ré Companhia FF ficou igualmente definida.

c) Tendo tido a Ré - Companhia FF – oportunidade de, no âmbito deste processo, realizar a sua defesa – e tendo-se concluído aí que tem responsabilidade, sendo uma responsabilidade exclusiva em substituição do segurado –, não faz sentido que venha pretender que o apuramento dos factos e inerente responsabilidade possam ser efectuados de modo diferente no âmbito de outro processo judicial, em que se discute o mesmo acidente, com as mesmas circunstâncias factuais e pedidos do mesmo tipo, invocando que aqui não funciona a autoridade de caso julgado.

Não faz qualquer sentido que, sendo a Companhia FF, parte em ambos os processos, tendo um deles já sido decidido definitivamente, se venha a contestar o que ali se firmou.

19. Para finalizar, rebatendo os argumentos da recorrente, também se acrescenta que não se pode dizer, com propriedade, que entre o processo n.º 1175/04.5TBSTR e a presente acção exista uma situação em que a Companhia FF possa invocar que é terceiro, com vista a não ser afectada pela autoridade de caso julgado - aproveitando por analogia os argumentos utilizados pelo STJ no acórdão proferido em que afastou a autoridade de caso julgado (Ac. STJ de 30 Março de 2017, processo n.º 1375/06.3TBSTR).

Em sede do processo n.º 1175/04.5TBSTR, instaurada por ZZ e AAA contra a recorrente/demandada Companhia de Seguros FF, já transitado em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de junho de 2014, declarou o condutor do veículo de matrícula ...-NQ, o falecido II, único e exclusivo responsável pelo acidente.

O já decidido, quanto à culpa dos condutores dos veículos intervenientes no acidente referido nos autos não pode voltar a ser questionado pela dita recorrente, a fim de, eventualmente, obter uma decisão contraditória.

Não se subscreve, assim, a pretensão da recorrente Companhia de Seguros FF, em nenhum dos seus argumentos, nem quando invoca que a haver autoridade de caso julgado ela deve ser a da primeira decisão judicial transitada em julgado (processo hospitalar). Valem contra essa aplicação as razões indicadas sobre o tipo de processo em causa – além de toda a argumentação já apresentada, incluindo aquela de que se socorre o STJ no processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1 Ac. STJ de 30 Março de 2017.

III. Decisão

Pelo exposto, é negada a revista, confirmando-se o acórdão do Tribunal da Relação.

Custas pela recorrente.

                                                                                         

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2018

Fátima Gomes

Garcia Calejo

Roque Nogueira

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[1] Acórdão do STJ de 13 de setembro de 2013 (processo nº239/09.3 TBVRS.E1.S1.), in www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do STJ de 13 de novembro de 2011 (processo nº 644/08.2 TBVFR.P1.S1), in www.dgsi.pt.
[3] Acórdão da Relação de Évora, de 30 de junho de 2016 (processo nº 1375/06.3TBSTR.E1), in www.dgsi.pt.

[4] O Ac. STJ de 30 Março de 2017 foi trazido à colação aos autos pelo recorrente no intuito de permitir aos juízes deste colectivo uma melhor ponderação da posição a adoptar, o que foi tomado em devida consideração. Tratando-se, no entanto, de um processo diferente, com características próprias, não se entendeu que o raciocínio nele apresentado fosse susceptível de transposição para os presentes autos. No referido processo fora Autora a FF e Ré a Companhia de Seguros EE, com pedido formulado pela primeira contra a segunda, fundado na repartição de responsabilidades pelo acidente. Neste processo o STJ defendeu que a autoridade de caso julgado sofre limitações quando se pretende projectar efeitos de uma decisão judicial relativamente a outra distinta em que intervêm terceiros, pois apenas se justificaria a aplicação da decisão na sua plenitude às partes que estão em juízo; mais indicou que a aplicação do regime do art.º 625.º do CPC só teria justificação – dando prevalência à aplicação da 1ª decisão judicial transitada – quando estivessem em causa processos com a tríplice identidade a que se reporta o 581.º CPC. Por isso, faltando tais pressupostos no processo em recurso, o STJ revogou a decisão do Tribunal da Relação, pondo em causa o princípio em que assentou a decisão recorrida: a autoridade de caso julgado formado no processo judicial que reconheceu um dos condutores como único e exclusivo responsável. Para o efeito o STJ analisou a situação dos processos n.º 2365/03 em que o Autor é o Hospital distrital de ... SA e a Ré a companhia de Seguros ..., em que a decisão proferida sobre a responsabilidade no acidente foi repartida pela ... 70% e FF 30%, embora o pedido fosse o do pagamento das despesas hospitalares, além de analisar ainda outros processos já decididos, fazendo uma análise circunstanciada dos seus elementos característicos, à luz da projectada autoridade de caso julgado, para aferir qual o sentido lógico de se afirmar a sua aplicação ao caso, concluindo que não havia qualquer justificação para o efeito – e assim, decidiu não considerar que a autoridade de caso julgado dos processos anteriores se tivesse projectado no processo em discussão, mandou prosseguir os autos. Procuraremos seguir o mesmo modelo, dada a sua enorme utilidade.
 [5] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 306.


 Em consequência, a demandada Companhia de Seguros FF foi condenada a pagar aos demandantes a quantia de €130.000,00 (€65.000,00 + €65.000,00), a título do dano/morte de Elísio Pedrosa e Maria Jacinta Pedrosa, e a importância de €60.000,00 (€15.000,00 + €15.000,00 + €15.000,00 + €15.000,00), a título de compensação, por danos não patrimoniais, decorrentes da morte dos antes referenciados, acrescidas de juros, à taxa legal, contados a partir da prolação da sentença até integral pagamento.