Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26/16.2YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
DEVER DE CORRECÇÃO
DEVER DE CORREÇÃO
DEVERES FUNCIONAIS
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
ACTA DE JULGAMENTO
ATA DE JULGAMENTO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
DESPACHO
SANÇÃO PECUNIÁRIA
ADMINISTRADORA JUDICIAL
INSPECÇÃO
INSPEÇÃO
ANULAÇÃO
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 05/04/2017
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: ANULADA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - DEVERES DOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS SEUS AGENTES - INFRACÇÕES DISCIPLINARES ( INFRAÇÕES DISCIPLINARES ).
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS / DEVERES PROFISSIONAIS.
Doutrina:
- Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar da Função Pública, Vol. II, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2007, 170, 175, 186, 188.
- Eugene Mele, La Responsabilità dei Dipendenti e degli Amministratori Pubblici, Giuffré Editore, Milano, 2000, Quinta edizione, 140, citado por Ana Fernandes Neves, na obra referida.
- J.M. Nogueira da Costa, “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas” – Normas Disciplinares do Estatuto do Ministério Público, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, 2012, 45 e 46.
- Parecer da Procuradoria Geral da República, de 16-02-2006, P001132005.
Legislação Nacional:
ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS, APROVADO PELA LEI N.° 58/2008, DE 9-9 (EDTFP): - ARTIGO 3.º
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 8.º E SS., 82.º, 131.º.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, APROVADA PELA LEI N.º 35/2014, DE 20-6 (LGTFP): - ARTIGO 73.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
-DE 9-03-1999, DE 9-03-1999, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - Para que ocorra uma infracção disciplinarmente sancionável, torna-se necessário que se verifique uma conduta ilícita, ou seja, que o agente se comporte de modo a contrariar ou a contrapor-se a “uma norma preceptiva ou proibitiva ou como regra convencional.” Para que possa ser imputada a responsabilidade disciplinar a um agente, deve sugerir-se ou sacar-se o elemento culposo da conduta ou comportamento contrário a uma prescrição legal, preceptiva ou proibitiva. A culpa traduz-se numa realização ou manifestação de vontade dirigida à concretização de um desiderato que, na sua afirmação e desenvolvimento executivo, se prefigura como contrário a um dever ou a uma regra de conduta a que, funcionalmente, o agente está adstrito.
II - No plano do direito administrativo, o dever de prossecução do interesse público significa que os órgãos da administração e os seus agentes devem diligenciar, na gestão e realização dos actos públicos, para conseguir que as necessidades dos interesses dos particulares quando recorrem à administração pública sejam satisfeitos pela forma mais expedita e suficiente.
III - A factualidade relevante resume-se a despachos vertidos em actas de audiência de julgamento, nas quais constam: (i) uma divertida orientação de saber e conhecimento jurídico da Senhora Juiz, quando comina uma sanção pecuniária a um sujeito que não é interveniente processual; (ii) um divertido entendimento da sua função jurisdicional quando manda comparecer a administradora do tribunal no seu gabinete; (iii) uma empolgada, exacerbada e exasperada insensibilidade quando tece considerações acerca de quem participa, ou deve participar, nas reuniões da administração do tribunal de S onde se discutiam os valores processuais de referência.
IV - Tanto no primeiro caso – cominação de uma sanção pecuniária a um pessoa que não era interveniente no processo –, como no segundo – querer fazer comparecer a administradora judicial que estava a participar numa reunião com outros membros da gestão do tribunal –a Senhora Juiz demonstrou ter uma perspectiva enviesada e ignara do que (a) deve ser o poder de cominar e impor sanções pecuniárias e a quem devem ser cominadas; (b) da sua função jurisdicional e da impossibilidade que dela deriva de não intervir junto de pessoas sobre quem não possui poder de direcção e orientação.
V - A Senhora Juiz exerceu a sua função jurisdicional de forma transviada e desconforme com a ajustada e adequada gestão de uma audiência de discussão e julgamento, já que não tem cabimento verter em acta actos ou ocorrências que não atinem directa e imediatamente com o que se passa de relevante e que deve ser objecto de menção com o tema e o objecto do julgamento.
VI - A Senhora Juiz evidenciou um comportamento inadequado e divertido do que deve ser o desempenho, a competência e o funcionamento (i) de um juiz presidente na condução de uma audiência de discussão e julgamento; (ii) da competência de um magistrado relativamente a pessoas que prestam serviço num tribunal e que não dependam directamente do magistrado; (iii) de como, com bom senso, respeito pela função jurisdicional e comedimento na utilização de meios processuais o magistrado se deve conduzir.
VII - O uso abusivo da acta de uma audiência para tecer comentários acerca de actos que se realizam no tribunal, dos seus intervenientes e da competência de cada um deles para discutir assuntos que, do ponto de vista, da recorrente mereceriam ter outra abordagem, não se constitui como infracção do dever de prossecução do interesse público. São desvios de desempenho que não cabem num dever de prossecução do interesse público, antes relevando para efeitos de desempenho funcional e de valorização de carreira individual da magistrada em causa.
VIII - A Senhora Juiz não infringiu o dever de zelo no sentido em que este se consubstancia, numa injunção, para o agente que exerça funções públicas, de observância de um comportamento colimado com o dever funcional em que está inerido.
IX - Os deveres profissionais dos juízes são os afirmados pelos artigos 8.º e seguintes do EMJ e, também, por força do art. 131.º do mesmo EMJ, os previstos no art. 73.º da LGTFP. Não se encontram preenchidos os pressupostos materiais de facto que permitam a imputação à Senhora Juiz arguida a prática de um ilícito disciplinar substanciado numa violação do dever de prossecução do interesse público, pelo que a deliberação em que foi aplicada a sanção de advertência por violação do mencionado dever não deverá subsistir.

Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.
AA, impugna a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 15 de Março de 2016, denegatória da reclamação que apresentara de uma deliberação do Conselho Permanente, de 21 de Dezembro de 2015, que, na culminação de um procedimento disciplinar (Processo Disciplinar nº 2015-265/PD) lhe havia imposto a sanção disciplinar de advertência.
Na desinência da fundamentação em que que razoa os motivos da sua discordância relativamente aos vícios procedimentais bem como à substancialidade da imputação subjectivo-disciplinar da conduta, extracta as conclusões que quedam transcritas – cfr. fls. 60 a 74 (sic).

I   - A Recorrente é Arguida no Processo Disciplinar n.º 2015-265/PD (P.º 19/2015 – 13ª Área) do Conselho Superior da Magistratura.

II. O processo correu inicialmente seus termos como processo de averiguações, findo o qual o Exmo. Instrutor propôs o seu arquivamento, mas o Conselho Permanente do CSM não concordou com tal proposta, tendo sido depois ordenada a instauração de inquérito de natureza disciplinar, seguidamente convertido em processo disciplinar, tendo nele sido deduzida acusação, cujo teor ora se dá por reproduzido.

IV. - A Magistrada visada apresentou DEFESA, nos termos do art. 121.º EMJ, articulado esse que se dá por integralmente reproduzido.

V  - Nessa sede, requereu o seguinte:

I. - DILIGÊNCIAS DE PROVA:

1. Requer-se se solicite ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, com sede na Av. D. João II, n.º 1.08.01 D Bloco H 1990-097 Lisboa cópia do contrato de empreitada das obras no Palácio da Justiça ... para se apurar quais os exactos termos em que estava contratualmente prevista a paragem das obras, em virtude da realização de julgamentos.

2. Requer-se se notifique o Exmo. Presidente da Comarca de Setúbal para vir aos autos juntar a acta da Deliberação do Conselho de Gestão subjacente ao Comunicado do Conselho de Gestão veiculado através de correio electrónico de 28.01.2015.

II - Requer-se a inquirição das seguintes TESTEMUNHAS:

1. Exmª Senhora Drª BB, Juíza ... da Instância Central Criminal da Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes dos artigos 7, 8, 13, 14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 44, 45 da Defesa

2. Exm.º Senhor Dr. CC, Juiz ... da Instância Central Criminal da Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes dos artigos 7, 8, 13, 14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 44, 45 da Defesa

3. Exmª Senhora Drª DD Juíza ... da Instância Central Criminal da Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes dos artigos 7, 8, 13,14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 44, 45 da Defesa"

VI - O Exm.º Instrutor admitiu a Defesa e, sobre as requeridas diligências e inquirição de testemunhas, proferiu o seguinte despacho, datado de 18 de Novembro de 2015, que aqui se dá por reproduzido, e do qual consta, na parte aqui impugnada:

"(...) Cumpre apreciar e decidir preliminarmente da produção da prova nos termos requeridos.

a)  Como já anteriormente houve oportunidade de salientar a relevância disciplinar dos factos apurados e descritos na acusação deduzida está relacionada com o documentado nas actas das audiências de julgamento dos dois processos identificados nos autos e que tiveram lugar a 20 de Janeiro de 2015 e a 20 de Março de 2015 e com a os despachos então exarados.

É, por outro lado, sabido que, sendo aplicáveis subsidiariamente a estes autos, as regras contidas na Lei 35/2014, de 20 de Junho, e relevando o disposto no artigo 218ª de tal diploma, o instrutor do processo disciplinar pode recusar a realização das diligências requeridas quando manifestamente impertinentes e desnecessárias ou quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido, sendo certo que deverá ordenar a realização das diligências que repute essenciais para a descoberta da verdade e que ainda possam realizar-se.

b)  Tendo em conta que da acusação deduzida não consta qualquer referência expressa à existência de uma cláusula contratual versando sobre a paragem das obras em caso de conflito com a as audiências ou diligências em curso, mas apenas a existência de um acordo de que resultou o procedimento explicitado no ponto 8 da acusação e que era do conhecimento dos funcionários presentes nesses actos bem como dos magistrados que a eles presidiam, não se reveste de qualquer interesse a diligência requerida no sentido de ser solicitada ao IGFEJ, IP cópia do contrato que tal entidade terá celebrado com empreiteiro encarregado da realização das obras no Palácio da Justiça de Setúbal.

Termos em que se indefere tal diligência. (...)

d) As testemunhas Dr.ª BB, Dr. CC e Dr.ª EE já foram ouvidas nestes autos, a requerimento da Sr. Juiz ... ora arguida, acerca da matéria de facto a que agora são indicadas no requerimento em apreciação, expurgados os artigos da defesa em causa de valorações ou conclusões que estão contidas nalguns dos artigos (exemplo dos artigos 22,25,39,40 e 43) e que se prendem, no essencial, com as perturbações para a realização das audiências de julgamento e suas consequências decorrentes das obras simultaneamente em curso no edifício do Palácio de Justiça ....

Foi, de resto, com base no seu depoimento e à falta de prova mais concreta e específica sobre as consequências dos ruídos que se consideraram. provados os factos descritos em especial no ponto 9 da acusação deduzida.

Acresce que não está em causa nestes autos o facto de se terem registado perturbações sérias para a realização das audiências e diligências nas melhores condições e que, pelo menos quanto à audiência do dia 20 de Janeiro de 2015, essa ausência de condições de trabalho foi causada pelo barulho proveniente das obras em curso - isso mesmo resulta da simples leitura da acta respectiva.

Termos em que, por manifestamente desnecessária se decide indeferir a requerida (re)inquirição das testemunhas acima indicadas e nos termos requeridos, não ordenando que voltem a depor sobre a matéria agora alegada nos artigos 7, 8, 14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 44 e 45 da defesa.

(...)

f) Requer ainda a Sra. Juiz ... arguida na defesa apresentada a inquirição da Srª FF, colocada a exercer funções de Secretária de Justiça ..., à matéria de facto alegada no artigo 27º da defesa, o qual na sua conjugação com o artigo anterior corresponde ao artigo 27º da defesa já anteriormente apresentada e sobre o qual a testemunha em causa já foi inquirida em 29 de Setembro de 2015.

A propósito a referida testemunha declarou que não sabia se "os Magistrados que presidiam à audiência de julgamento tinham conhecimento sobre os procedimentos a adoptar para obter a paragem das obras de onde vinha o ruído".

O teor de tal resposta prejudica necessariamente o conhecimento sobre se a Sr.ª Juiz de Direito arguida "sempre adoptou o procedimento que lhe foi transmitido pela Sr.ª Secretária de Justiça ...", tendo isso mesmo sucedido na audiência do dia 20 de Janeiro de 2015.

Da acta respectiva consta, aliás, que a Sr. Juiz de Direito ora arguida contactou telefonicamente o engenheiro que era o elemento de ligação entre o empreiteiro e o IGJEF advertindo-o de que o prosseguimento da obra lhe acarretaria uma sanção nos termos do artigo 417º do Código de Processo Civil e não, como alegado, que tiveram lugar os procedimentos de comunicação estabelecidos.

Nestes termos a diligência requerida é manifestamente impertinente peio que, ao abrigo do citado artigo 218º da Lei 35/2014, de 20 de Junho, se indefere nova inquirição à Sr.a FF. (...)"

VII  - Notificada daquele despacho, a Magistrada Arguida veio dele interpor recurso hierárquico para o Exm.º Presidente do Conselho Superior da Magistratura, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 131º do EMJ e do art. 203.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

VIII  - Por despacho do Exm.º Presidente do CSM, foi determinada a remessa do recurso hierárquico para apreciação do Plenário do CSM.

IX. - Por Deliberação de 1.12.2015, o Plenário do CSM indeferiu o recurso hierárquico.

X. - Inconformada com tal decisão, que reputa ilegal, a Recorrente veio impugná-la junto da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, onde se encontra actualmente pendente, sob o P° n° 3/16.3YFLSB, por forma a impedir que a mesma se consolidasse na ordem jurídica, assim impedindo que se fizesse prova de factos relevantes, indispensáveis para a sua Defesa.

XI. - Sem prejuízo de se determinar a eventual apensação de processos, entende-se que, estando em causa a nulidade insuprível do processo disciplinar, nada obsta a que se conheça da mesma nestes autos.

XII.- Com efeito, as diligências requeridas são pertinentes e indispensáveis ao apuramento dos factos, tal como constam da Defesa apresentada.

XIII. - Contrariamente ao sustentado quer pelo Exm.º Instrutor, quer pelo CSM, não corresponde à realidade que as referidas testemunhas alguma vez tenham sido inquiridas quanto à matéria alegada nos artigos 40.º e 43.º da Defesa.

XIV.  - Os referidos artigos, bem como outros - arts 39º, 41.º, 42.º, 44.º e 45.º da Defesa - aludem a aspectos essenciais para a Defesa da Magistrada Arguida, na medida em que, tendo os despachos referidos na Acusação sido exarados em audiências de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, as testemunhas, que estiveram presentes naquelas audiências, tendo algumas integrado o colectivo de Juízes, estarão em condições de se pronunciar, com conhecimento de causa, sobre as concretas razões que motivaram a sua prolação, ou seja, sobre a intenção da Magistrada Arguida ao exará-los.

XV. Relativamente aos factos alegados nos arts. 22.º e 25.º da Defesa, é verdade que as testemunhas foram já inquiridas sobre essa matéria, na fase de instrução – o que demonstra ser a mesma pertinente e relevante - mas o Exm.º Instrutor não a deu como provada, pelo que é imprescindível a sua reinquirição em sede de Defesa.

XVI - As mesmas testemunhas foram indicadas quanto aos factos constantes dos arts. 7.º, 8.º, 13.º, 14.º, 17.º, 23.º e 24.º da Defesa, matéria que - com excepção da factualidade constante do art. 13.º da Defesa, que foi dada como provada no Relatório Final - o Exm.º Instrutor também não deu como provada, o que justifica a necessidade de reinquirição das testemunhas, abrangendo agora, em sede de Defesa, essa factualidade.

XVII. A testemunha n.º 5 foi indicada quanto ao art. 27.º da Defesa, cujo teor se transcreve:

27. O que aconteceu também, no julgamento de 20.1, como resulta da leitura da respectiva acta, tendo a comunicação sido feita através da Srª Secretária.

XVIII. Com a sua reinquirição pretendia-se que se explicitasse se o contacto telefónico com o empreiteiro, para a paragem dos trabalhos ruidosos, foi ou não efectuado através de ligação telefónica directamente feita pela Srª FF, facto que o Exm° Instrutor não fez constar dos factos provados.

XIX. Relativamente ao requerido pela Magistrada Arguida, quando requereu que fosse solicitada e junta aos autos cópia do contrato de empreitada referente às obras no Palácio da Justiça ... tal diligência evidencia-se como pertinente, na medida em que os factos constantes da Acusação se relacionam directamente com a forma como tais obras deveriam decorrer e os termos em que haveria lugar à suspensão dos trabalhos.

XX. Num contrato de empreitada, existe um dono da obra e um empreiteiro, e são estes que definem as condições concretas de execução da obra, incluindo os termos em que poderia ter lugar a paralisação dos trabalhos, e não o Conselho de Gestão da Comarca de ..., qualquer acordo sobre os termos concretos em que a obra se realiza, bem como sobre eventuais paragens da mesma, teria pois de ter sido acordado entre o IGFEJ IP e o empreiteiro, e não com terceiros.

XXI. Daí que para a Defesa se revele necessário solicitar ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, com sede na Av. D. João II, nº 1.08.01D Bloco H 1990-097 Lisboa cópia do contrato de empreitada das obras no Palácio da Justiça ... para se apurar quais os exactos termos em que estava contratualmente prevista a paragem das obras, em virtude da realização de julgamentos.

XXII. A pertinência e relevância das diligências requeridas e indeferidas em sede de Defesa ficou demonstrado com o teor do Relatório Final do processo disciplinar, a que se refere o art. 122.º do EMJ, documento esse cujo teor ora se dá por reproduzido, que não dá como provados os factos alegados pela Defesa, supra mencionados, com excepção da factualidade constante do art. 13.º da Defesa, e propõe a punição da Magistrada visada por via de uma pretensa violação do dever de prossecução do interesse público, omitindo que a conduta da Drª AA, plasmada em despachos exarados em acta, na qualidade de Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, foi necessariamente precedida de consulta aos demais Juízes que integravam o Colectivo, e que, acaso os Magistrados presentes nas audiências tivessem sido inquiridos, como foi requerido pela Defesa, teriam seguramente explicitado que a Drª AA, ao proferi-los, o fez no exercício da função jurisdicional e com a intenção de salvaguardar o prestígio da Justiça e não de violar os deveres gerais e especiais que sobre si impendiam.

XXIII. O art. 218.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, subsidiariamente aplicável ex vi art. 131.º EMJ, distingue duas situações, a saber, as diligências requeridas pelo trabalhador Arguido, que podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias (n.º1) e a inquirição de testemunhas, em que o instrutor pode recusar a inquirição quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador (n.º 3).

XXIV. - O Exm.º Instrutor não deu como provados os factos quanto aos quais as referidas testemunhas foram arroladas, o que exclui a aplicação do preceituado no n.º 3 do art. 218.º da LGTFP.

XXVI - A requerida diligência de prova (pedido de cópia do contrato) não se evidencia como manifestamente impertinente e desnecessária, na economia do n.º 1 do referido art. 218.º LGTFP.

XXVII- Preceitua o art. 269.º, n.º 2 CRP que, em processo disciplinar, são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.

XXVIII- O despacho que indeferiu as supracitadas diligências requeridas pela Defesa e as Deliberações do CSM que acolheram tal entendimento, violam as garantias constitucionais de defesa plasmadas nos art. 32.º e 269.º CRP, fazendo uma interpretação das normas constantes dos n.ºs 1 e 3 do art. 218.º LGTFP que vai ao arrepio daqueles princípios constitucionais, pelo que incorrem na nulidade prevista no art. 203.º, n.º 1 LGTFP, a qual acarreta a sua anulação e a do acto impugnado e dos actos subsequentes, entre os quais o acto punitivo, nos termos do art. CPA..

XXIX. Sem prescindir, diremos que a Deliberação do Conselho Permanente do CSM, depois acolhida pelo Plenário do mesmo Conselho, ao sancionarem a Magistrada visada com a pena de advertência, são, salvo o devido respeito, ilegais, por outros motivos.

XXX. Desde logo porque a Deliberação do Conselho Permanente, depois sufragada pelo Plenário, que acolheu o Relatório Final do Exm.º Instrutor, não atentou na circunstância de nesse Relatório Final - que acabou por fixar a matéria de facto e o Direito aplicável - terem sido aditados factos imputados à Magistrada visada, que não constavam da Acusação, ou seja, imputam-se factos novos, quanto aos quais não foi processualmente possível exercer o direito de Defesa, porquanto tais factos surgem em momento posterior à notificação para efeitos do art. 121.º EMJ.

XXXI. Na Acusação deduzida - peça processual que delimita a factualidade imputada à Magistrada Arguida, para, com base nela, elaborar e estruturar a sua Defesa - os factos estão enumerados de 1 a 25, sendo que os factos com relevo sancionatório, constam dos artigos 6 (seis) a 25 (vinte e cinco).

XXXII. O Relatório Final, surge no mesmo factualidade dada por provada, imputada à Pr3 AA nunca antes mencionada, ou seia. nos artigos 26 (vinte e seis) a 31 (trinta e um), consta a imputação de matéria de facto e de elementos subjectivos do ilícito imputado, que excedem a Acusação e quanto aos quais a Magistrada visada não teve oportunidade processual de se defender, sendo do artigos 33° e 34° referentes a factos aduzidos pela Defesa e dados por provados.

XXXIII. Porque o Relatório Final foi integralmente acolhido pela decisão punitiva, tal significa que a Magistrada Arguida veio a ser punida por factos e elementos subjectivos novos, quanto aos quais não teve oportunidade processual para se defender.

XXXIV. O STA tem vindo a entender que a nulidade insuprível decorrente de falta de audiência do Arguido ou da omissão de diligências essenciais em processo disciplinar, respeita à nulidade do procedimento disciplinar, por preterição de formalidades essenciais, a qual é geradora de anulabilidade do acto administrativo punitivo, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135.º e 136.º do anterior CPA, actualmente previsto no art. 163.º do novo CPA - cfr. Acs. STA de 01.07.93, rec. 30693, de 25.9.97, rec. 38658, de 05.02.98, rec. 28897 e de 17.06.03, rec. 327/02.

XXXV. Dado que o acto administrativo punitivo acolheu, fazendo-o seu, o Relatório Final, em que aliás se fundamenta, encontra-se afectado pelo vício de nulidade insuprível por via da falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa, prevista no art. 124.º, n.º 1 EMJ, o que acarreta a anulação da Deliberação em recurso, nos termos do disposto no art. 163.º CPA.

XXXVI. A Deliberação impugnada é ainda ilegal, porquanto os factos que suportam a alegada indiciação da prática de infracção disciplinar ao dever de prossecução do interesse público (artigos 82.º do EMJ e 73.º/2-a) e n.º 3 da Lei 35/2014 de 10.6) são constituídos pela apreciação do mérito de despachos judiciais exarados em acta, pela Magistrada visada, na sua qualidade de Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, a que presidiu, no exercício das funções de direcção do julgamento a que a Magistrada Arguida presidia (artigo 322.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), em 20,1.2015 e 20.3.2015, em processos judiciais - P°s n°s 32/13.9JBLSB e 895/10.0JACBR -, cuja possibilidade de sindicância, em sede disciplinar, se encontra vedada ao CSM.

XXXVII. Na primeira situação (julgamento de 20.1). o seu despacho encontra-se fundamentado, e, sendo recorrível, não foi objecto de recurso pelos seus destinatários, os únicos que teriam legitimidade para o sindicar.

XXXVIII. Na segunda situação (julgamento de 20.3), trata-se de um despacho de mero expediente, por intermédio do aqui a visada comunicou ao Exm.º Senhor Director da DGAJ, que detém a competência exclusiva para apreciar da responsabilidade disciplinar da Srª Administradora Judiciária uma determinada actuação desta, e por intermédio do qual, também comunicou ao CSM, que nos termos dos artigos 92.º e 93.º da Lei 62/2013, de 26.8 (doravante designada como LOTJ) é a única entidade competente para nomear o Juiz Presidente da comarca e para avaliar o seu desempenho, uma determinada actuação do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ..., que se afigurava para a visada, pelos motivos que fez constar da respectiva acta, concretamente violadora do princípio constitucional da separação de poderes.

XXXIX. Por isso, salvo o devido respeito, não só era permitida à Magistrada visada a descrição factual dos eventos que estiveram na origem das comunicações que foram endereçadas às entidades competentes para apreciar ambas as actuações, de que o seu despacho exarado em acta foi instrumento, como era sua estrita obrigação fazê-lo, por dever de ofício.

XL. Preceitua o artigo 4.º do EMJ que «os magistrados julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas em sede de recurso», expressão do princípio da independência dos Tribunais consagrado no artigo 203.º da CRP.

XLI. Nos termos definidos no artigo 218.º da CRP, densificados nos artigos 136.º do EMJ, o Conselho Superior da Magistratura é o órgão constitucional a quem incumbe a gestão e disciplina da magistratura judicial, com as competências que se encontram previstas no artigo 149.º do último diploma citado, o que significa que ao CSM encontra-se expressamente vedada a possibilidade de, em sede disciplinar, apreciar o mérito de quaisquer decisões judiciais, sem embargo de o poder fazer para efeitos de apreciação do mérito, em sede de notação.

XLII. Ora o Exm.º Instrutor, no seu relatório Final, acolhido pela Deliberação impugnada, não se coibiu de apreciar a bondade de tais decisões jurisdicionais, qualificando-as de "decisões manifestamente ilegais", o que lhe estava vedado.

XLIII. Segundo o artigo 82.º do EMJ, constituem infracção disciplinar os «factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos seus deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».

XLIV. Estamos perante um conceito aberto, que, ao arrepio do que sucede nos presentes autos, não pode ser interpretado no sentido de poderem ser disciplinarmente sancionados despachos proferidos no exercício do poder jurisdicional, sob pena de tal interpretação violar as garantias constitucionais da independência dos Tribunais e da separação de poderes.

XLV. Quanto ao despacho exarado no julgamento de 20.1, resulta claramente evidenciada do teor do relatório elaborado pelo Exm.º Senhor Inspector Instrutor, em sede de averiguação sumária, a impossibilidade da sua apreciação pelo CSM, quando ali se refere (citando) "o certo, porém, é que se trata de uma decisão proferida por um Juiz de Direito no exercício de funções, da qual não foi interposto recurso e que não caberá aqui apreciar", sendo salvo o devido respeito, totalmente incompreensível para a exponente que se entenda quanto ao mesmo despacho num primeiro momento, em sede de averiguação sumária, que o mesmo não é passível de apreciação pelo CSM, para em seguida (em sede de inquérito disciplinar) se considerar exactamente o contrário e subsumi-lo a uma alegada infracção disciplinar.

XLVI. A Magistrada Arguida veio, neste processo, a ser alvo de posições contraditórias e incoerentes: o mesmo Exm.º Inspector Judicial, que, num primeiro momento, sustentou que a sua conduta não constituía infracção disciplinar, veio depois a imputar-lhe factos, em sede de Acusação, que depois alterou depois em sede de relatório Final, vindo o Conselho Permanente do CSM a condená-la pela violação do dever de prossecução do interesse público - sem contudo se perceber como violou tal dever - e, a Deliberação do Plenário do CSM, numa forma algo errática, vem alegar que "(...) não existe qualquer dever específico dos magistrados judicias garantirem a confiança em órgãos e agentes administrativos, designadamente os juízes presidentes e os administradores judiciários (...)" e que "(...) o que está em causa é - e é apenas - o recurso a um mecanismo processual de uma forma precipitada e a utilização de um despacho judicial para emitir juízos valorativos a propósito de questões de natureza administrativa que nada relevavam para o processo".

XLVII. Pelo que, perante posições tão erráticas e contraditórias, nem sequer se percebe qual a concreta razão da punição da Magistrada Arguida, sendo certo que na Deliberação impugnada, o Plenário do CSM fez constar que "(...) não duvidamos que a Reclamante actuou visando a prossecução do interesse público da administração da justiça, o que se conjuga com o seu percurso profissional: a reclamante é, reconhecidamente, uma magistrada judicial competente e empenhada na realização da justiça e na forma como ela é administrada (cf. Ponto 33 da fundamentação de facto da deliberação reclamada)".

XLVIII. Nos termos do relatório, acolhido pela deliberação do Conselho Permanente do CSM, que determinou a conversão do inquérito, em processo disciplinar, e agora, em sede de Acusação, considerou-se indiciada a prática pela Magistrada visada de infracção disciplinar por violação do dever da prossecução do interesse público (artigos 82° do EMJ e 73.º/2-a) e 3 da Lei 35/2014, de 20.6), por violação do seu dever específico de actuar (citando) "no sentido de criar no público em geral a confiança nos serviços públicos, no caso, nos serviços da administração da justiça", entendimento esse também acolhido no Relatório Final, e, por via disso, na Deliberação punitiva.

XLIX. Ou seja, a Magistrada Arguida - a fazer fé na Deliberação do Conselho Permanente, que acolheu o Relatório Final - foi punida pela violação do dever de prossecução do interesse público, e o Plenário do CSM deu como provado que a Magistrada Arguida "(...) atuou visando a prossecução do interesse público da administração da justiça, o que se conjuga com o seu percurso profissional: a reclamante é, reconhecidamente, uma magistrada judicial competente e empenhada na realização da justiça e na forma como ela é administrada", o que exclui a violação de tal dever, logo, inexiste infracção disciplinar.

L. Como resulta do enquadramento fáctico constante da Acusação, depois acolhido no Relatório Final, e, por via disso, na versão inicial da decisão punitiva - Deliberação do Conselho Permanente -, o que estaria em causa seria a alegada violação pela Magistrada visada das normas que definem a competência do Juiz Presidente e do Administrador Judiciário (artigos 94.º e 106.º da LOSJ, aprovado pela Lei n.º 62/2013, respectivamente), assim alegadamente violando o dever de prossecução do interesse público, que, como a douta Acusação reconhece, "(..,) impõe ao trabalhador em funções públicas a defesa e o respeito da Constituição e das leis vigentes".

LI. A fazer fé na Deliberação do Plenário do CSM, foi precisamente o cumprimento desse dever que esteve subjacente a toda a conduta da Magistrada Arguida, e não a sua violação, como ora se lhe imputa.

LII. - A Justiça, que enquanto titular do respectivo órgão de soberania incumbe à visada-administrar, é realizada por intermédio das concretas decisões que toma no respeito pela Lei, de forma livre e independente, como a CRP o consagra, nos seus artigos 202.º e ss.

LIII. Trata-se de uma actividade meramente decisória, pautada pelos deveres indicados no artigo 82.º do EMJ, mormente o de prossecução do interesse público inerente à soberania da função, sendo a realização de julgamentos instrumental desse dever constitucional que sobre si impende, incumbindo-lhe no seu desempenho funcional, a obrigação constitucional de remover quaisquer obstáculos que a impeçam de administrar a justiça e por isso, de remover aqueles que impeçam a realização dos julgamentos a que preside, que são instrumentais do seu dever constitucional de administrar justiça, como decorre designadamente, do artigo 85.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não estando sujeita, nesse seu desempenho, a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatar as decisões proferidas em via de recurso, pelos tribunais superiores, pois que nisso se traduz o princípio constitucional da independência dos magistrados judiciais, consagrado no artigo 203.º da CRP e densificado pelo artigo 4.º do EMJ.

LIV. Sendo soberana, na condução dos julgamentos a que preside, as decisões judiciais proferidas no seu desempenho funcional, impõem-se constitucionalmente às demais entidades e desde logo, à Administração e aos agentes administrativos, onde se inclui a figura do Juiz Presidente e do Administrador Judiciário (artigo 205° da CRP).

LV. É à Administração e aos seus agentes, que incumbe providenciar nos termos da sua competência, pelas condições necessárias ao desempenho da actividade jurisdicional, assegurando essa função e não o contrário.

LVI. Por isso, incumbindo-lhe a prossecução do interesse público, o dever que lhe subjaz, é o de criar no público em geral, confiança na administração da justiça, enquanto actividade decisória independente e não a criação de confiança nos serviços administrativos (órgãos e agentes administrativos), uma vez que estes não estão (nem podiam estar, tendo em conta o referido princípio da separação de poderes), no seu domínio.

LVII. À luz da Acusação e do Relatório Final, acolhidos pela decisão punitiva, a interpretação do dever de prossecução do interesse público vertido no artigo 82.º do EMJ, nos termos do artigo 73.º da LGTFP (por remissão do artigo 131.ºdo primeiro diploma) segundo a qual incumbiria à Magistrada visada o dever específico de actuar no sentido da criação de confiança nos serviços públicos de administração da justiça, com a latitude levada a cabo no relatório, ou seja, com a criação para a visada de um qualquer dever específico em assegurar a criação de confiança nos órgãos e agentes administrativos (desde logo, na actuação dos Juízes Presidentes e Administradores Judiciários das Comarcas), que não praticam actos judiciais, nem dependem de si, sempre seria inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da independência dos magistrados judiciais, consagrado no artigo 203.º da CRP e densificado pelo artigo 4.º do EMJ, e da separação de poderes, consagrado no artigo 2o da CRP, inconstitucionalidade que a exponente aqui expressamente invoca, bem como aos respectivos efeitos.

LVIII. Refira-se que, por outro lado, o Plenário do CSM, na Deliberação impugnada, admite que "(...) não existe qualquer dever específico dos magistrados judicias garantirem a confiança em órgãos e agentes administrativos, designadamente os juízes presidentes e os administradores judiciários (...)", sem todavia extrair daí'a conclusão que se impunha, ou seja, que a Magistrada Arguida não violou qualquer dever funcional que sobre ela impendesse.

LIX. Face ao conteúdo funcional da actividade judicial e das suas características, também a interpretação das competências do Juiz Presidente e do Administrador Judiciário, consagradas no artigo 94.º e 106.º da LOTJ, feita nos termos do Relatório, acolhido na decisão punitiva, segundo a qual, no desempenho da actividade judicial (na qual se inclui a realização de julgamentos e a obrigação constitucional de remover quaisquer obstáculos que impeçam a sua realização, enquanto instrumentos que são da administração da justiça que lhe incumbe) a Magistrada visada pudesse estar sujeita a instruções, acções e omissões daqueles agentes administrativos, concretamente condicionantes da actividade judicial, ditaria que a sua actividade ficasse refém dos respectivos desempenhos, que a exponente não controla, e traduzir-se-ia numa inaceitável violação do princípio constitucional da independência dos Magistrados Judiciais, consagrado no artigo 203.º da CRP, que a exponente obviamente, não aceita.

LX. Acresce que a punição da Magistrada Arguida, por - a fazer fé na Deliberação do Plenário do CSM - ter emitido juízos valorativos a propósito de questões de natureza administrativa, constitui uma violação grave do direito à livre expressão, constitucionalmente tutelado.

LXI. O art. 37° da Constituição preceitua no seu n° 1 que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações", e, no seu n.º 2, que "o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.".

I. O entendimento plasmado na Deliberação impugnada atenta contra aquele direito fundamental da Magistrada Arguida, inconstitucionalidade que a exponente aqui expressamente invoca, bem como aos respectivos efeitos.

LXIII. Refira-se ainda que o Relatório Final, e, consequentemente, a Deliberação punitiva, omitem um facto relevante, a saber, que a aquilo que o Relatório Final designa como "procedimentos de comunicação mencionados no ponto 9.º, que "apenas foram formalmente comunicados por escrito pelo Conselho de Gestão da Comarca de ... através de mensagem electrónica dirigida aos magistrados e funcionários da Comarca de ... em 28 de Janeiro de 2015” - artigo 13.º do Relatório Final - não vigoram na ordem jurídica.

LXIV. Na verdade, o Exm.º Presidente da Comarca ...reconheceu, em informação carreada para o processo disciplinar, que tais procedimentos foram adoptados por deliberação tomada em reunião colegial daquele órgão, da qual não foi lavrada qualquer acta.

LXV. Por força do disposto no art. 34.º, n.º 6 CPA, "as deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das deliberações constantes da minuta cessa se a ata da mesma reunião não as reproduzir".

LXVI. Não tendo sido lavrada acta de que conste tal deliberação, a mesma é ineficaz, não vigorando na ordem jurídica, razão pela qual não se pode imputar à Magistrada Arguida o seu incumprimento.

LXVII. A fazer fé na Acusação e no Relatório Final, acolhido pela decisão punitiva, a magistrada Arguida foi punida por ter agido em violação das normas de comunicação com o Empreiteiro estipuladas pelo Conselho de Gestão da Comarca de ..., pelo que é relevante saber se tais normas vigoravam ou não na ordem jurídica, e a verdade é que não vigoravam, sendo ineficazes,

LXVIII. Por tudo o exposto, conclui-se que a Magistrada Arguida não infringiu qualquer dever e não cometeu qualquer infracção disciplinar.

LXIX. Pelo que se conclui pela anulabilidade da Deliberação impugnada, nos termos do art. 163.º CPA.

Termos em que o presente recurso contencioso deverá ser julgado procedente, e, consequentemente, a Deliberação recorrida [[1]] deverá ser anulada, porque ilegal.”

Em resposta à impugnação do acto administrativo, o Conselho Superior da Magistratura, depois de um enquadramento perfunctório, contramina a pretensão da recorrente – cfr. fls. 110 a 134 - com:

a) – Excepção de litispendência;

b) – Declaração de inutilidade superveniente da lide do Processo nº3/16.3YFLSB;

c) – apensação dos processos; e finalmente,

d) – indeferimento da nulidade suscitada relativamente ao processo disciplinar.   

Em síntese apertada – para contravir à enxúndia de duzentos (200) artigos – exumam-se os pontos de facto pertinentes para cada um das excepções contravindas.


“II) Da excepção de litispendência

2º) A título de questão prévia, a recorrente vem suscitar a «nulidade do processo disciplinar» referindo que se trata de «matéria que...está actualmente em apreciação, em sede de recurso contencioso, pendente na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, sob o Pº nº 3/16.3YFLSB»[2].

3º) Estando aqui em causa um recurso de deliberação do CSM, é aqui aplicável directamente o que se estipula no EMJ, nomeadamente no seu artigo 168.º e seguintes.

4º) Prescreve o artigo 178.º do EMJ que: «São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos do contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo».

5º) «Estando aqui em apreço uma questão processual e nada constando do EMJ sobre tal matéria, iremos recorrer ao CPTA que regula o processo dos recursos de contencioso administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo», sendo que, o Código de Processo Civil “se aplica apenas no caso de não haver norma aplicável no CPTA» (cfr. acórdãos do STJ de 15-03-2012, Proc. n.º 92/11.7YFLSB e de 05-06-2012, Proc. n.º 118/11.4YFLSB, relatora Isabel Pais Martins).

6º) Ora, como resulta claro da alegação da recorrente, verifica-se a existência de uma excepção dilatória de litispendência, entre o presente processo e os autos de processo n.º 3/16.3YFLSB.

7º) Na realidade, em ambos os processos foi invocada a nulidade do processo disciplinar, representando a invocação de tal questão no âmbito deste processo uma repetição da mesma pretensão (repetição de pedidos), com base nos mesmos fundamentos (repetição de causas de pedir) e entre os mesmos sujeitos.

8º) A exceção dilatória de litispendência é de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 89.º, n.ºs. 2 e 4, al. l), do CPTA e artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, al. i) do CPC)[3].

9º) O ora recorrido deverá, pois, ser absolvido da instância, atenta a verificação da invocada exceção.


III) Da inutilidade superveniente da lide no processo n.º 3/16.3YFLSB

10º) Caso assim não se entenda importa considerar que – tal como se afirma no artigo 4.º da petição de recurso - a recorrente é arguida no processo disciplinar n.º 2015-265/PD deste Conselho.

11º) Neste processo disciplinar - como também referido pela recorrente[4] - , a ora recorrente apresentou recurso hierárquico do despacho do Exmo. Instrutor, recurso que foi indeferido por deliberação do Plenário do CSM de 01-12-2015, da qual a recorrente deduziu impugnação junto do Supremo Tribunal de Justiça, onde ainda corre termos sob o n.º 3/16.3YFLSB.

12º) No artigo 3.º da petição do presente recurso contencioso, a recorrente – sem peticionar a apensação de processos - alegou, nomeadamente, o seguinte: “Afigura-se que, sem prejuízo desse Supremo Tribunal poder vir a determinar a apensação de processos, nada obsta também a que se suscite tal nulidade nestes autos, atentos os seus efeitos na decisão punitiva proferida a final, no processo disciplinar...”.

13º) Conforme se decidiu já nesse Supremo Tribunal de Justiça[5]: «O primeiro critério para a apensação de acções impugnatórias de actos sancionatórios é o da dependência – e não, exclusivamente, o da antiguidade - , como decorre da remissão do n.º 1 do art. 61.º para o art. 28.º do CPTA. De acordo com este critério e nos termos do n.º 3 do art. 28.º do CPTA, a apensação deve ser requerida ao tribunal (juiz) perante o qual se encontre pendente o processo a que os outros devam ser apensados».

14º)No caso, após a deliberação do Plenário do CSM de 01-12-2015 foi emitida a deliberação do mesmo Plenário de 16-03-2016, que indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente face à deliberação do Conselho Permanente do CSM de 21-12-2015, que a puniu com a pena disciplinar de advertência.

15º) Esta punição ocorreu no desfecho do processo disciplinar, sendo que, o acto do Exmo. Instrutor do mesmo que não admitiu prova apresentada pela recorrente é – na economia de tal processo disciplinar - meramente interlocutório e instrumental.

16º) Neste contexto, também a deliberação de 01-12-2015, entretanto impugnada, se mostra instrumental da finalização do processo disciplinar que se encontrava em curso.

17º) Nessa medida, a presente impugnação – deduzida nos mesmos moldes e com os mesmos fundamentos com que o foi no aludido processo n.º 3/16.3YFLSB – acarreta a superveniente inutilidade de apreciação do mencionado processo dependente, com extinção da respetiva lide, o que, assim, se requer, podendo tal decisão ser tomada, desde já, pelo Exmo. Relator - cfr. artigos 27.º, n.º 1, al. e) do CPTA.

IV) Da apensação de processos

18º) Sem prejuízo do supra referido e se se entenderem verificados os pressupostos para a apensação de processos em conformidade com o disposto no artigo 28.º do CPTA, sempre deverão os autos de processo n.º 3/16.3YFLSB ser apensados aos presentes autos, dos quais serão dependentes.

19º) Em face do que, expressamente, se requer a apensação aos presentes autos do aludido processo n.º 3/16.3YFLSB.

V) Da invocada nulidade do processo disciplinar

20º) Não obstante o já alegado cumpre, por dever de ofício, apreciar se se divisa a nulidade do processo disciplinar que foi invocada pela ora recorrente.

21º) Preliminarmente, importa referir que, quanto ao alegado nos artigos 4.º a 12.º da petição de recurso – onde de forma extensíssima se reproduzem elementos do processo disciplinar - , apenas se aceita a alegação em questão que tenha precisa correspondência material e literal com as peças que constam do mencionado processo disciplinar e que foi já remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de instruir o recurso contencioso – referenciado no artigo 12.º da petição de recurso – que aí corre termos sob o n.º 3/16.3YFLSB. 

22º) Não se vislumbra o alcance da alegação constante do artigo 5.º da petição de recurso – e reiterada na conclusão II dessa peça – a qual se impugna, sendo certo que, “a competência para instaurar procedimento disciplinar aos Juízes assiste ao CSM (art. 149.º, al. a), do EMJ), o qual funciona em Plenário e em Conselho Permanente (...)”[6], não estando prevista competência do Exmo. Inspetor que proceda a averiguações para tal efeito, nem advindo da posição que este tome nesse processo de averiguações, qualquer limitação para o órgão competente para determinar uma tal instauração de procedimento disciplinar.

23º) Cumpre sublinhar, desde já, que o Conselho Superior da Magistratura (C.S.M.), enquanto órgão de Estado integrado na Administração Judiciária (arts. 217.º, n.º 1 e 218.º da C.R.P.) está constitucionalmente subordinado aos princípios fundamentais previstos no art. 266.º do texto constitucional.

24º) Nos seus termos, a Administração visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

25º) Os seus órgãos e agentes estão sujeitos à Constituição e à Lei, devendo actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da Justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

26º) Tratando-se o presente recurso, de um processo impugnatório de um acto deliberativo, o seu objecto circunscreve-se – conforme resulta do artigo 50.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – à anulação, declaração de nulidade ou inexistência desse acto.

27º) De facto, em conformidade com o estabelecido no n.º 1 do 3.º do CPTA, no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação.

28º) Estando vedado reapreciar o mérito do acto da Administração para o substituir por outro, a operação de reapreciação em sede de recurso contencioso consistirá, pois, em verificar se a deliberação impugnada - excluídos os casos de erro manifesto – obedeceu ou não às exigências externas da Ordem Jurídica, afrontando algum dos invocados princípios - causas de invalidade - por violação de Lei, erro nos pressupostos de facto, falta ou insuficiência de fundamentação, etc., vício ou vícios que, afectando a aptidão intrínseca do acto para produzir os respectivos efeitos finais, evidencie seja determinada a reclamada anulação.

29º) Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de reapreciação contenciosa de deliberação do CSM, «funciona limitativamente enquanto órgão de jurisdição do contencioso administrativo» [[7]/[8]].

30º) «Estamos perante um recurso contencioso de mera anulação, regulamentado nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, em que o pedido, delimitado pelos artigos 168.º e seguintes do mesmo diploma, e 192.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, terá de ser sempre de anulação ou declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido e, assim, como contencioso de mera legalidade, não compete a[o] Supremo Tribunal de Justiça fazer administração activa, substituindo-se à entidade recorrida» [[9]].

31º) «A intervenção do STJ termina onde começa o mérito do caso; a tal não obsta que possa pronunciar-se quanto à legalidade da decisão e suficiência da prova. Poderá também mandar alargar a prova produzida na aquisição da matéria de facto e prolação de uma decisão em conformidade com aquela. Cabe ainda ao STJ indagar da proporcionalidade da decisão»[10].

32º) Alega a recorrente que “contrariamente ao sustentado na Deliberação do CSM, as diligências requeridas são pertinentes e indispensáveis ao apuramento dos factos, tal como constam na estrutura da Defesa apresentada, sendo certo que, ao invés do sustentado quer pelo Exmº Instutor, quer pelo CSM, não corresponde à realidade que as referidas testemunhas alguma vez tenham sido inquiridas quanto à matéria alegada nos artigos 40.º e 43.º da Defesa” (artigo 13.º da petição de recurso).

33º) Naqueles artigos da “defesa” a recorrente invocou que proferiu os despachos “entendendo que, por via deles, assegurava o exercício da Função Jurisdicional com dignidade e respeito” e que “agiu com a intenção[11] de salvaguardar o prestígio da Justiça e não de violar os deveres gerais e especiais que sobre si impendiam”.

34º) A alegação correspondente contém, manifestamente, de um passo, uma conclusão subjetiva da recorrente a que se há-de, ou não, chegar em função da prova produzida e, de outro passo, respeita a estados interiores, psicológicos que, segundo a recorrente, estariam na base da sua atuação.

35º) Trata-se de matéria que se insere na esfera pessoal da magistrada recorrente, respeitando ao seu estado psicológico e que é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção.

36º) Ora - ao contrário do que sustenta a recorrente - mencionou-se, claramente, no despacho de 18-11-2015 do Exmo. Instrutor do processo disciplinar, qual o motivo para a não admissão de reinquirição de prova testemunhal.

37º) A recorrente, aliás, na peça processual a que ora se responde – página 60 - , reproduz inclusivamente o trecho pertinente desse despacho: «(...) d) As testemunhas Dr.ª BB, Dr. CC e Dr.ª EE já foram ouvidas nestes autos, a requerimento da Sr. Juiz ...ora arguida, acerca da matéria de facto a que agora são indicadas no requerimento em apreciação, expurgados os artigos da defesa em causa de valorações ou conclusões que estão contidas nalguns dos artigos (exemplo dos artigos...39, 40 e 43) e que se prendem, no essencial, com as perturbações para a realização das audiências de julgamento e suas consequências decorrentes das obras simultaneamente em curso...

Foi de resto, com base no seu depoimento e à falta de mais prova concreta e específica sobre as consequências dos ruídos que se consideraram provados os factos descritos em especial no ponto 9 da acusação deduzida.

Acresce que não está em causa nestes autos o facto de se terem registado perturbações sérias para a realização das audiências e diligências nas melhores condições e que, pelo menos quanto à audiência do dia 20 de Janeiro de 2015, essa ausência de condições de trabalho foi causada pelo barulho proveniente das obras em curso – isso mesmo resulta da simples leitura da acta respectiva.

Termos em que, por manifestamente desnecessária se decide indeferir a (re)inquirição das testemunhas acima indicadas e nos termos requeridos, não ordenando que voltem a depor sobre a matéria agora alegada nos artigos ...39, 40, 43...da defesa».

38º) E o mesmo se diga relativamente à alegação que a recorrente agora produz no artigo 14.º da petição de recurso, com respeito ao alegado nos artigos 39.º, 41.º, 42.º, 44.º e 45.º da Defesa.

39º) Nesses artigos da Defesa, a recorrente aludiu a que, “toda” a sua conduta se plasmou “em despachos jurisdicionais exarados em acta”, “no exercício dos poderes de direcção dos julgamentos a que presidia”, “visando assegurar que as audiências de julgamento em causa se realizavam em condições mínimas de trabalho”, que tais despachos não foram impugnados, que dos mesmos mandou dar conhecimento ao CSM e ao Exmo. Diretor da DGAJ do Ministério da Justiça e que “é reputada como pessoa séria e conscienciosa, e, em termos profissionais, profundamente empenhada na realização da Justiça e na independência e prestígio da função de julgar”.

40º) Conforme consta abundantemente referido no teor do despacho do Exmo. Instrutor do processo disciplinar de 18-11-2015 – reproduzido parcialmente no artigo 9.º da petição do presente recurso – aí alude-se a que «a relevância disciplinar dos dactos apurados e descritos na acusação ...está relacionada com o documentado nas actas das audiências de julgamento» de 20-01-2015 e 20-03-2015, onde teve intervenção a ora recorrente.

41º) Esse elemento – as actas de audiência de julgamento – terá sido, neste contexto, o ponto de prova primordial para a aferição da conduta tomada por aquela recorrente na ocasião.

42º) E daí que, quanto aos artigos 39.º, 41.º e 42.º da Defesa se compreenda a irrelevância ou impertinência de outra demonstração, atento o teor constante das actas das audiências de julgamento presididas pela recorrente, reproduzido, aliás, quer, na acusação, quer no relatório final e, bem assim, na deliberação ora impugnada, de onde deriva a determinação de comunicação ao CSM e à DGAJ.

43º) Relativamente aos artigos 44.º e 45.º da Defesa, atento o teor dos artigos 30.º e 33.º do relatório final, verifica-se que a correspondente alegação foi considerada provada, pelo que, a alegação produzida é insubsistente.

44º) O mesmo se refere quanto ao artigo 45.º da Defesa, que se mostra ter sido contemplado na apreciação efetuada em sede de relatório final, como referenciado no ponto 6 do enquadramento jurídico de tal peça.

45º) Assim, o Exmo. Instrutor actuou legitimamente ao indeferir a produção de tais meios de prova, com vista à demonstração de tais factos, que, afinal, vieram a resultar comprovados.

46º) Tal despacho de 18-11-2015 foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 218.º da Lei do Trabalho em Funções Públicas (LTFP)[12], aplicável por via do disposto no artigo 131.º do EMJ, mostrando-se devidamente fundamentado e prolatado de acordo com a mencionada previsão legal.

47º) De harmonia com o citado artigo 218.º da LTFP, podem ser indeferidas diligências probatórias requeridas pelo “trabalhador” se as mesmas não forem legalmente admissíveis, se não permitirem a prova dos factos a que se destinam ou se já estiverem suficientemente provados os factos alegados pelo requerente da prova (cfr. n.ºs. 1 e 3 deste artigo).

48º) “Deste modo, só podem ser indeferidos os meios de prova requeridos pelo arguido quando os mesmos forem impertinentes ou desnecessários (v. arts. 212.º/4 e 218.º/1), o que, a nosso ver, é o mesmo que dizer que só podem ser indeferidos quando não forem legalmente admissíveis (v.g. por se querer produzir prova testemunhal para provar o que só por documento pode ser provado), não permitirem a prova dos factos a que se destinam ou já estiverem suficientemente provados os factos alegados pelo requerente da prova”[13].

49º) Ora, a própria recorrente reconhece, nos artigos 15.º e 16.º da petição de recurso, a impertinência de alguns dos meios de prova que requereu, pois, assinala que, quanto aos artigos 7.º, 8.º, 13.º, 14.º, 17.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º da Defesa, já teve lugar a inquirição das testemunhas cuja reinquirição pretende, mas que, com excepção do referido no artigo 13.º da Defesa, “o Exmo. Instutor não deu como provada” uma tal matéria.

50º) Contudo – diga-se – essa é a natureza das coisas dos factos probandos: A possibilidade de os mesmos resultarem, ou não, comprovados.

51º) Da circunstância de os factos em questão não terem resultado provados – de acordo com a apreciação crítica realizada pelo Exmo. Instrutor – na fase de instrução, não advém qualquer invalidade do procedimento disciplinar.

52º) Mostra-se, pois, que o que a recorrente pretende, agora, é sindicar, contraditar e contrariar os resultados alcançados, em sede de instrução, pela indagação probatória já realizada, operação que, contudo, lhe está vedada e que não consubstancia alguma invalidade procedimental.

53º) De facto, o desacordo com o sentido determinado pela prova produzida não determina alguma invalidade relativamente ao meio de prova produzido, nem torna pertinente a repetição de produção da correspondente prova [[14]].

54º) Considerando o estado do processo disciplinar, aquando da prolação do despacho de 18-11-2015, é de ter por inteiramente conforme à lei e justificada a decisão então prolatada pelo Exmo. Instrutor.

55º) Como disse em tal despacho “não está em causa ...o facto de se terem registado perturbações sérias para a realização das audiências e diligências nas melhores condições”, não tendo qualquer pertinência ou relevância, no contexto do processo disciplinar - que se circunscreve a concreta e precisa factualidade - , o apuramento do volume do ruído alcançado pelo barulho das obras enquanto estas tiveram lugar, nem as consequências que o mesmo terá registado ao longo do tempo para quem estava no edifício, ou ainda, se o nível de ruído impediu a realização de julgamentos por inaudibilidade das gravações...

56º) Tais elementos factuais não arredam a caracterização da conduta que foi imputada à arguida do processo disciplinar e ora recorrente, como infração disciplinar.

57º) De todo o modo, o Exmo. Instrutor não deixou de considerar, no despacho de 18-11-2015, referindo-se às testemunhas que inquiriu a origem da sua convicção, esclarecendo que “foi, de resto, com base no seu depoimento e à falta de prova mais concreta e específica sobre as consequências dos ruídos...”

58º) E, daí, considerar-se injustificada a reinquirição de testemunhas já antes inquiridas, não merecendo qualquer censura tal decisão, plenamente conforme aos cânones legais aplicáveis.

59º) O invocado nos artigos 17.º e 18.º da petição de recurso é initeligível.

60º) De facto, considera a recorrente que pretendia a reinquirição de testemunha para que a “se explicitasse se o contacto telefónico com o empreiteiro, para a paragem dos trabalhos ruidosos, foi ou não efetuado através de ligação telefónica feita directamente pela Sra. FF, facto que o Exmº Instrutor não fez constar dos factos provados”.

61º) Salvo o devido respeito, parece-nos que a recorrente incorre num manifesto equívoco.

62º) O sentido do que consta do artigo 27.º da Defesa só é perceptível conjugado com o artigo 26.º de tal peça.

63º) Pretende a recorrente, com tal alegação, manifestar que até 20-01-2015 sempre adotou o procedimento que lhe foi transmitido pela Sra. Secretária de Justiça para a palisação dos trabalhos das obras aquando da ocorrência de diligências, mencionando-se no artigo 27.º da Defesa que tal “aconteceu também, no julgamento de 20.1, como resulta da leitura da respetiva acta”.

64º) Ora, se tal resulta da “respectiva acta” não faz sentido a demonstração de um facto com a produção de prova testemunhal, quando o mesmo só resulta provado por documento autêntico: A referida acta da audiência de julgamento.

65º)

Mas, para além disso, o teor de qualquer dos artigos da Defesa que se acabam de mencionar não contém a alegação que só agora, de forma inovatória, a recorrente vem dizer que pretendeu efetuar: A explicitação se o contacto telefónico com o empreiteiro ocorreu através de ligação telefónica feita diretamente pela Sra. FF.

66º) De todo o modo, o teor do despacho exarado na acta da sessão de julgamento de 20-01-2015 reporta, expressamente, a conduta da recorrente: “...Nessa sequência contactei telefonicamente o Sr. Engenheiro GG que é o elemento de ligação ente o empreiteiro da obra e o IGFEJ, o qual foi advertido que se a prossecução da mesma nos impedir de realizar o julgamento...”.

67º) Independentemente disso, consta expressa no despacho de 18-11-2015 a que já se fez referência, qual a motivação do Exmo. Instrutor para o indeferimento da produção de prova: “f) Requer ainda a Sra. Juiz de Direito arguida na defesa apresentada a inquirição da Sr.ª FF, colocada a exercer funções de Secretária de Justiça ..., à matéria de facto alegado no artigo 27º da defesa, o qual na sua conjugação com o artigo anterior corresponde ao artigo 27.º da defesa já anteriormente apresentada e sobre o qual a testemunha em causa já foi inquirida em 29 de Setembro de 2015.

A propósito a referida testemunha declarou que não sabia se “os Magistrados que presidiam à audiência de julgamento tinham conhecimento sobre os procedimentos a adoptar para obter a paragem das obras de onde vinha o ruído”.

O teor de tal resposta prejudica necessariamente o conhecimento sobre se a Sr.ª Juiz de Direito arguida “sempre adoptou o procedimento que lhe foi transmitido pela Sra. Secretária de Justiça...”, tendo isso mesmo sucedido na audiência do dia 20 de Janeiro de 2015.

Da acta respectiva consta, aliás, que a Sra. Juiz de Direito ora arguida contactou telefonicamente o engenheiro que era o elemento de ligação entre o empreiteiro e o IGFEJ advertindo-o de que o prosseguimento da obra lhe acarretaria uma sanção (...) e não, como alegado, que tiveram lugar os procedimentos de comunicação estabelecidos.

Nestes termos a diligência requerida é manifestamente impertinente...”.

68º) Conclui-se, pois, não assistir razão à recorrente na aludida invocação constante dos artigos 17.º e 18.º da petição de recurso, a qual, para além de ininteligível é sob qualquer prisma, inconsequente ou irrelevante.

69º) Iguais considerações merece a alegação constante dos artigos 19.º a 32.º da petição de recurso.

70º) Considera a recorrente nesses artigos que não é manifestamente impertinente a diligência de prova que requereu no sentido de ser obtida cópia do contrato de empreitada referente às obras no Palácio da Justiça ...

71º) A propósito da diligência probatória requerida pela recorrente no decurso da instrução do processo disciplinar o despacho de 18-11-2015 parece-nos perfeitamente cristalino no sentido de o documento que a recorrente se propunha obter ser manifestamente irrelevante ou impertinente para a apreciação dos factos com relevância disciplinar ou para a defesa da recorrente.

72º) Como aí se referiu, “tendo em conta que da acusação deduzida não consta qualquer referência expressa à existência de uma cláusula contratual versando sobre a paragem das obras em caso de conflito com as audiências ou diligências em curso, mas apenas a existência de um acordo de que resultou o procedimento explicitado no ponto 8 da acusação e que era do conhecimento dos funcionários presentes nesses actos bem como dos magistrados que a eles presidiam, não se reveste de qualquer interesse a diligência requerida no sentido de ser solicitada ao IGFEJ, IP cópia do contrato que tal entidade terá celebrado com empreiteiro encarregado da realização das obras no Palácio da Justiça de ...”.

73º) Ou seja: Existindo estabelecido um específico procedimento nos casos em que se verificasse conflito entre a realização de obras e as diligências a ter lugar, do conhecimento da Exma. Recorrente, torna-se inócuo, supérfluo ou irrelevante saber se também no contrato de empreitada existia alguma cláusula contratual que disciplinasse esse ponto.

74º) Essa cláusula - a existir - não vincularia, desde logo, a recorrente - que não a conheceria - mas, por outra parte, também não relevaria, sob algum ângulo, para a justificação do comportamento da recorrente.

75º) É que não está em questão, neste conspecto, apurar da conformidade “contratual” do comportamento das partes que firmaram o contrato de empreitada com a conduta de paralisação das obras no caso de se registarem durante o período em que decorressem julgamentos ou outras diligências, mas sim, a conduta de facto tida pela recorrente (independentemente de ser outra a base jurídica em que se movesse a paralisação das obras por tal motivo).

76º) Assim, impugna-se tudo o que em contrário é alegado pela recorrente nos artigos 19.º a 32.º da petição de recurso.

77º) Não foi assim violada alguma garantia procedimental da Exma. Senhora Juíza de Direito, ora recorrente - designadamente o fundamental direito de defesa[15] da mesma - não se vislumbrando alguma invalidade, quer no despacho de indeferimento de diligências probatórias, quer na decisão punitiva subsequentemente tomada pelo CSM no seio do processo disciplinar desencadeado relativamente à ora recorrente.

VI) Da invocada invalidade das deliberações do Conselho Permanente - de 21-12-2015 – e do Conselho Plenário – de 15-03-2016 - do CSM.

78º) Invoca a recorrente que as deliberações em questão não atentaram na circunstância de, no relatório final do Exmo. Instrutor, “que acaba por fixar a fundamentação em termos de matéria de facto e do Direito aplicável – terem sido aditados factos imputados à Magistrada visada, que não constavam da Acusação, ou seja, imputam-se factos novos, quanto aos quais não foi processualmente possível exercer o direito de Defesa, porquanto tais factos surgem em momento posterior à notificação para efeitos do art. 121.º EMJ” [[16]].

79º) Menciona ainda a recorrente que na acusação estão enumerados factos de 1 a 25, mas que, «compulsado o Relatório Final, surge no mesmo factualidade dada como provada, imputada à Drª AA nunca antes mencionada, ou seja, nos artigos 26 (vinte e seis) a 31 (trinta e um), consta a imputação de matéria de facto e de elementos subjectivos do ilícito imputado, que excedem a Acusação e quanto aos quaos a Magistrada visada não teve oportunidade procesusal de se defender»[17].

80º) E, conclui a recorrente que: «Uma vez que o acto administrativo puniu, fazendo-o seu, o Relatório Final, em que aliás se fundamenta, encontra-se afectado pelo vício de nulidade insuprível por falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa, prevista no art.º 124.º n.º 1 EMJ…, [o] que acarreta a anulação da Deliberação em recurso, nos termos do disposto no art. 163.º CPA»[18].

81º) «A acusação delimita o thema decidendum, o objecto da(s) imputações feitas ao trabalhador: a “Administração fixa e declara de modo estrito e categórico a sua posição acusatória” face ao trabalhador arguido autor da prática de infracção ou infracções disciplinares, concretizada em factos, descritos de maneira “suficientemente completa” – que inclui as circunstâncias de tempo, modo e lugar e as circunstâncias atenuantes ou agravantes –, e clara, “por forma a que o arguido não possa erradamente representá-los”, e concretizada nas normas infringidas e na sanção abstractamente aplicável»[19].

82º) E, se nada obsta a que na pendência de um procedimento disciplinar, o objecto da investigação se alargue a outras infracções entretanto também participadas ou conhecidas, o ajustamento de novas infracções posterior ao despacho acusatório ou a introdução de alterações significativas ao mesmo implica a reelaboração da acusação e a concessão de novo período de defesa ao trabalhador[20].

83º) Contudo, a defesa à acusação é a defesa contra “o todo juridicamente possível”, no concreto. A fixação dos factos e a apreciação de direito no relatório/decisão final, ao dever conter-se necessariamente nos limites daquela, nada “furta” à pronúncia do arguido. É necessário que seja inequívoco que o arguido compreende o sentido e o alcance da acusação e que possa dela defender-se, sem limitações[21].

84º) «É sob a perspectiva da garantia do direito de defesa que é tríada a possibilidade de «aproveitamento» de acusação que padeça de “alguma insuficiência factual”. Se “o arguido tiver mostrado entender o sentido e alcance da acusação, dela defendendo-se sem limitações”, não pode concluir-se pela falta de audiência do arguido e, portanto, pela verificação de nulidade insuprível»[22].

85º) Assim, «se, independentemente de alguma insuficiência factual, o arguido tiver mostrado entender o sentido e alcance da acusação, dela defendendo-se sem limitações, não vinga a tese da nulidade insuprível de falta de audiência»[23].

86º) Nestes termos, se compreende que, «a alteração dos factos que não os coloque fora do recorte infraccional levado à acusação (infracção e sanção aplicável, incluindo, portanto, os elementos de determinação da sanção concretamente a aplicar, como, por exemplo, uma circunstância agravante) – “inalterabilidade ou identidade dos factos  imputados” – e a alteração de qualificação jurídica para um patamar inferior de gravidade, de modo a que se possa dizer com segurança que não propicia acrescento defensivo não passível de ser aduzido em face da anterior acusação, não justifica a apresentação de nova acusação (sem prejuízo, da eventual pertinência de nova audição)»[24].

87º) Assim, «ainda que a acusação padeça de alguma insuficiência factual, não se verifica a nulidade insuprível a que alude o artigo 124.º do EMJ, se a mesma satisfizer o mínimo indispensável à vinculação temática da autoridade decidente e o arguido der mostrar de haver entendido o sentido e alcance da acusação»[25].

88º) Como se desenvolve na fundamentação deste aresto do STA: «Na verdade, o direito de audiência e defesa do arguido em processo disciplinar pretende, essencialmente, garantir que ninguém seja condenado sem que lhe seja assegurado previamente o direito de se defender com eficácia.

E, para isso, tem de ser dada ao arguido a oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo da acusação, o que supõe, em primeiro lugar, que a acusação seja levada ao seu conhecimento e, em segundo lugar, que contenha os elementos referidos nos citados preceitos legais, únicos que o legislador considerou essenciais e, por isso, indispensáveis para habilitar o arguido na sua defesa.

Assim e no presente caso, a acusação deduzida contra o autor devia discriminar, por artigos, os factos constitutivos da infracção disciplinar (i) que lhe é imputada e indicar os preceitos legais no caso aplicáveis (ii).

(i) Discriminar, por artigos, os factos constitutivos da infracção disciplinar, significa que a acusação deve individualizar, de forma articulada, clara e precisa, os factos materiais e concretos que integram cada infracção imputada ao arguido, o que inclui as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que as mesmas ocorreram e as eventuais circunstâncias atenuantes e agravantes.

(ii) Indicar os preceitos legais ao caso aplicáveis, significa fazer o enquadramento jurídico dos factos, identificando os preceitos legais que qualificam como infracções disciplinares os factos articulados e os punem. A jurisprudência deste STA é pacífica no sentido de que a acusação que contenha imputações vagas, genéricas, abstractas, juízos de valor ou conclusivos sobre factos não discriminados, ou não identifique os preceitos legais aplicáveis, não permitindo ao arguido organizar cabalmente a sua defesa, padece de nulidade insuprível.

No entanto, essa mesma jurisprudência tem entendido que ainda que a acusação padeça de alguma insuficiência factual, vg. não contenha referências expressas aos factos integradores da culpa do arguido, tal não conduz automaticamente à conclusão de que a respectiva responsabilidade disciplinar seria necessariamente indetectável, não se verificando nulidade insuprível desde que ela satisfaça o mínimo indispensável à vinculação temática da autoridade decidente e o arguido dê mostras de haver entendido o sentido e alcance da acusação e isto porque a acusação, a despeito de, eventualmente, não ser uma peça modelar, ainda assim, cumpre a sua função primordial de garantia, assegurando o efectivo direito de defesa do arguido Cf. entre muitos outros, o acórdão do Pleno de 11.12.2002, rec. 38892 e os acs. STA de 28.11.90, AP DR de 22.03.95, 7158, de 05.03.91, rec. 28339, de 16.06.98, rec. 39946, de 20.03.2003, rec. 369/02, de 17.01.2007, rec. 820/06, de 13.02.2008, rec.167/07 e 25.09.2008, rec. 451/08. . É que a inobservância de qualquer formalidade legal, ainda que essencial, degrada-se em não essencial, tornando-se irrelevante se, por outra via, foi alcançado o fim visado com a formalidade preterida.

Aliás, tem sido reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que «as exigências de rigor técnico-jurídico na formulação das acusações em processo criminal não são inteiramente transponíveis para as acusações deduzidas em processos disciplinar», já que é distinta a natureza dos interesses em presença, visando o processo penal os interesses reputados essenciais à vida em sociedade e, portanto, os interesses da comunidade em geral e o processo disciplinar os interesses de certo grupo social e, no caso da Administração Pública, a disciplina ou ordem administrativa interna de um certo serviço público Cf. citado ac. Pleno de 11.12.2002, rec. 38892, de 25.08.2008, rec. 451/08 e de 06.05.2010, rec. 709/09 e também, Marcello Caetano, «Princípios Fundamentais do Direito Administrativo», Almedina, 1996, p.307 e Eduardo Correia, Direito Criminal, 1971, I, p.38.».

89º) Lida a acusação e o relatório final do Exmo. Instrutor do processo disciplinar da Exma. recorrente verifica-se que, como refere a recorrente, a diferença está nos factos constantes dos números 26) a 31) (da fundamentação – al. C) «Outras circunstâncias apuradas») desta última peça, que não constam da primeira.

90º) Apreciemos, sucessivamente, cada um desses pontos de facto:

91º) No ponto 26) do relatório final do Exmo. Instrutor consta:

«26. A Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA conhecia bem os procedimentos a adoptar em caso de existência de ruídos provenientes das obras em curso susceptíveis de interferir com a realização das audiências de julgamento e que a solicitação ao empreiteiro para paragem das obras deveria ser feita através da Sr.ª Secretária de Justiça».

92º) No ponto 26 do relatório final enuncia-se, por um lado, o conhecimento, pela recorrente, dos procedimentos a adoptar em caso de existência de ruídos provenientes das obras em curso (susceptíveis de interferir com a realização das audiências de julgamento) e que a solicitação ao empreiteiro para paragem das obras deveria ser feita através da Sr.ª Secretária de Justiça.

93º)

Ora, como se refere na deliberação impugnada, «este facto, de natureza subjectiva, constava do ponto 10 da acusação, do seguinte teor: “Os oficiais de justiça e magistrados, judiciais e do Ministério Público, em funções no edifício do Palácio da Justiça de ... [entre os quais se incluia a Reclamante] (…) sempre estiveram, desde o início das obras, cientes dos procedimentos a adotar em caso de se registar um ruído excessivo proveniente das obras em curso, nomeadamente a comunicação à Sra. Secretária de Justiça, através do funcionário judicial presente na diligência, para efeito de ser pedida a sua imediata cessação.

Não foi, portanto, introduzida qualquer novidade».

94º) Não se vê, na realidade, como se possa concluir de outro modo, atenta a identifidade de segmentos frásicos, que se pode dizer já se encontrarem contidos no mencionado facto da acusação, mas que, vêem o seu âmbito mais conciso pela enunciação constante do facto n.º 26) do relatório final.

95º) E, de facto, assim se reitera, limitando-se o facto n.º 26) do relatório final a evidenciar, ou a concretizar, dissipando quaisquer dúvidas, que tal conhecimento “também” incluia a “Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA…”.

96º) Inexiste, pois, qualquer alteração factual relevante.

97º) Por seu turno, o facto n.º 27) do relatório final tem a seguinte redação:

«27. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA sabia também que não cabia nos poderes de disciplina e direcção da audiência de julgamento que lhe estão atribuídos por lei enquanto Presidente do Tribunal Colectivo qualquer competência relativa à utilização das salas de audiência e à manutenção da qualidade e segurança dos espaços físicos do Tribunal e que tal competência está legalmente atribuída aos órgãos de administração da comarca».

98º) Está em questão o conhecimento da ora recorrente sobre se a extensão dos poderes de disciplina e de direção de uma audiência de julgamento por parte do Presidente do Tribunal Coletivo – missão que então desempenhava – que aquela sabia não abarcarem competência relativa à utilização das salas de audiência e à manutenção da qualidade e segurança dos espaços físicos do Tribunal e que tal competência está legalmente atribuída aos órgãos de administração da comarca.

99º) Relativamente a esta menção reafirma-se que, a mesma, reproduz o que constava do §4º da parte III do despacho de acusação.

100º) Não se regista, pois, qualquer diverso objecto factual, ou alguma alteração das circunstâncias de tempo, modo ou lugar caracterizadoras da infração imputada, que a recorrente não pudesse apreender e de que se pudesse, desde logo, defender.

101º) Aliás, é de sublinhar, que, não por acaso, a recorrente, de forma proficiente, apresentou a sua defesa, onde produziu alegação que visou rebater, um por um, dos pontos da acusação.

102º) No artigo 28.º da relatório final lê-se:

«28. Apesar disso, no dia 20 de Janeiro de 2015 – como consta da acta da audiência de julgamento realizada nesse dia – interpelou directamente, por via telefónica, o engenheiro que identificou como elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, como descrito no ponto 16., chamando a si a competência, que sabia não ter, de fiscalização e sancionamento do modo de execução da obra em curso e dos transtornos causados (conforme ponto 17., supra)».

103º) No que respeita a esta matéria, conclui-se como consta da decisão objecto de impugnação: «Este facto foi mencionado pela própria Reclamante, no despacho que, na qualidade de presidente do tribunal coletivo que procedeu ao julgamento do processo comum n.º 32/13.9JBLSB, proferiu no dia 20 de janeiro de 2015, transcrito no ponto 14 do despacho de acusação. Nessa medida, integrava já o objecto do procedimento».

104º) Assim, não ocorreu qualquer alteração do objeto factual da acusação, nem as considerações constantes do referido facto n.º 28) são mais do que a decorrência lógica da existência do procedimento mencionado no facto n.º 9) do relatório final (e n.º 10) da acusação) e da sua não observância pela Exma. recorrente (ao realizar tal direto contacto).

105º) Conclui-se, pois, inexistir alguma invalidade na decorrência da inclusão do aludido facto n.º 28) no relatório final do Exmo. Instrutor.

106º) Prosseguindo a análise, reporta o facto n.º 29) do relatório final o seguinte:

«29. Ao assim actuar a Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA colocou publicamente em causa o respeito pelas competências legalmente atribuídas aos órgãos de gestão da Comarca ... que, de resto, tinham já estabelecido os procedimentos a adoptar em situações semelhantes, como era do seu conhecimento».

107º) Tal como afirmado na deliberação ora objecto de impugnação, o ponto em apreço contém três segmentos, a saber:

1.º “Ao assim actuar a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA o colocou publicamente em causa o respeito pelas competências legalmente atribuídas aos órgãos de gestão da Comarca de ...”;

2.º “…que, de resto, tinham já estabelecido os procedimentos a adoptar em situações semelhantes”; e

3.º “…como era do seu conhecimento”.

108º) O primeiro segmento não contém qualquer novidade relativamente ao objecto da acusação, sendo que, na mesma, se concluiu, precisamente, que a ora recorrente, com a sua actuação, colocou em causa as competências dos órgãos de gestão, designadamente do administrador judiciário e que, com isso, violou o dever de prossecução do interesse público.

109º) A recorrente pode estar, ou não, em desacordo com tal enunciação, mas, decerto poderia, como o fez, aliás, defender-se dessa imputação, desde logo, em face da acusação.

110º) Nenhuma novidade, com relevo invalidante, resulta, assim, da inclusão desse segmento no rol de factos apurados.

111º) O mesmo se diga quanto aos demais segmentos desse facto n.º 29) do relatório final.

112º) Reitera-se o já expendido na decisão objecto de impugnação: «O segundo segmento – o estabelecimento, pelos órgãos de gestão, do procedimento a adotar em caso de ruído perturbador dos atos processuais – estava referido no ponto 10 do despacho de acusação; e o terceiro – o conhecimento, por parte da Reclamante, desse procedimento – no ponto 14, supra transcrito».

113º) Não ocorreu, pois, qualquer substancial alteração do elenco factual acusatório.

114º) Por seu turno, o ponto 30) do relatório final tem o seguinte texto:

«30. A Sr.ª Juiz ...Dr.ª AA sabia também, no dia 20 de Março de 2015, que não cabia nos já mencionados poderes de direcção e disciplina da audiência fazer exarar em acta, porque estranhas ao objecto do processo, quaisquer considerações acerca dos objectivos de uma reunião de trabalho do Conselho Superior da Magistratura que decorria no edifício do Palácio da Justiça de... nem da necessidade da presença de qualquer pessoa nessa reunião».

115º) No ponto 20, da parte II, do despacho de acusação, consta reproduzido o despacho proferido pela ora recorrente, na acta da sessão de julgamento do processo comum n.º 895/10.0JACBR, onde, a dado passo, consta referido:

«Porque a reunião do CSM tem por objecto a discussão sobre a temática dos VRP afigura-se-nos não só necessária (tendo em conta que legalmente se lhe encontra deferida a competência de gestão dos edifícios da Comarca de ...) como pertinente convocar de imediato a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial, a fim de que providencie pela solução deste problema que se vem arrastando há meses sem qualquer solução.

Cumpra-se de imediato, convocando a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial ao meu gabinete.

Notifique (…).

Na sequência da determinação constante da presente acta, contactada a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (a quem foi exibido o despacho “retro” exarado) foi-nos transmitido pela Sr.ª Secretária Judicial que aquela, tendo falado com o Sr. Juiz Presidente, decidiu permanecer na reunião.

Nestes termos extrairá cópia da presente acta, remetendo-a por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Director da DGAJ para os fins tidos por convenientes, mormente disciplinares.

Sem embargo;

Mais extrairá cópia da presente acta, enviando de igual modo, por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM dando nota designadamente da perplexidade que nos suscita, tendo em conta o princípio da independência do Poder Judicial com consagração constitucional que numa reunião onde se discute os VPR (que respeitam exclusivamente à magistratura judicial) se encontrem presentes o Exm.º Sr. Procurador Coordenador e Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (na qual, aliás, esta última decidiu permanecer, ao invés de acatar a ordem de convocação que lhe foi transmitida, proferida no uso do poder de direcção do julgamento que se nos encontra legalmente atribuído – onde se inclui o dever funcional de remoção de todos os obstáculos à sua realização – e que por isso, corporizando uma determinação legítima e legitimamente emanada, não poderia ter sido – como foi – desrespeitada)».

116º) Resulta, pois, expresso do próprio texto consignado na acta de audiência de julgamento em questão a enunciação de considerações – tal como salientado no ponto 30) do relatório final – pela Exma. Sr.ª Juiz AA, sobre a «desnecessidade» de presença do Exm.º Sr. Procurador Coordenador e da Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial, numa reunião que, no entender da recorrente, respeitava só aos magistrados judiciais.

117º) Do mesmo modo, resulta da simples leitura desse texto, que tais considerações – assinalar a desnecessidade de presença numa reunião do CSM do Exmo. Senhor Procurador Coordenador e da Exma. Senhora Administradora Judicial -  eram perfeitamente estranhas ao objecto do processo crime que estava agendado para julgamento e a que respeitava a referida acta.

118º) Para além disso, no ponto 11 da parte III do despacho de acusação enunciou-se que a recorrente «manifestou publicamente em ata de audiência de julgamento um facto que era estranho ao ato em curso», consideração que – como consta da deliberação impugnada – «tem implícito o conhecimento que a mesma tinha dessa circunstância – conhecimento que, diga-se, é o único facto subjectivo conforme às regras do id quod prelumque accidit e não foi negado na defesa».

119º) Rejeitam-se, pois, as considerações de que perante tal facto n.º 30) tenha ocorrido alguma inovação ou surpresa factual de que a recorrente não se pudesse defender - de que não pudesse invocar o que tivesse por conveniente ou sobre que não pudesse apresentar provas - que determinassem algum comprometimento, por mais leve que seja, da sua defesa.

120º) Finalmente, no facto n.º 31) do relatório final do Exmo. Instrutor consta:

«31. Mais sabia a Sr.ª Juíza ... Dr.ª AA que a Lei de Organização do Sistema Judiciário atribui à Sr.ª Administradora Judiciária competências próprias que exerce, no que se refere à utilização das salas de audiência, sob a orientação do Juiz Presidente da Comarca e que, na situação descrita não estava sujeita a instruções suas, sendo certo que a Sr.ª Juiz de Direito ora arguida sabia que a Sr.ª Administradora Judiciária actuou em conformidade com instruções recebidas do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ...».

121º) O ponto em questão concretiza, tão só, matéria factual que, de modo mais ampliado, constava já enunciado no ponto 10, da parte III, do despacho de acusação.

122º) A recorrente, tal como os demais oficiais de justiça, magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público, em funções no edifício do Palácio de Justiça ..., sempre estiveram cientes, ao corrente, dos procedimentos mencionados no facto n.º 10 da acusação, para comunicação dos termos de paralisação de obras.

123º) Quanto ao mais, resultam da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)[26], as competências sobre a utilização de salas de audiência, sob orientação do juiz presidente da comarca – cfr. artigo 106.º, n.º 1, al. d) – preceito legal que a Exma. recorrente tinha em percepção (ou deveria ter, atentas as suas funções - cfr. artigo 6.º do Código Civil), bem como, das consequências que derivavam de uma tal previsão normativa.

124º) Como se concluiu na deliberação impugnada: «Este facto, do foro interno da Reclamante, estava contido no que foi escrito no ponto 10 da parte III do despacho de acusação, não implicando, por isso, qualquer adição ao objecto do procedimento».

125º) Conclui-se, pois, que o Exmo. Instrutor observou, fiel e cabalmente, o dever de identificar as circunstâncias de comportamento – tempo, modo, lugar - de que acusou a Exma. recorrente, as quais, se mostravam suficientes para configurar a infracção, bem como, que as demais circunstâncias apuradas e referenciadas nos pontos 26) a 31) do relatório final, não comprometem, nem alteram, o sentido e alcance da acusação, permitindo à recorrente defender-se como quis, defesa que conteve já pronúncia sobre uma tal factualidade.

126º) Como quer que seja, não procede a tese da nulidade insuprível, por falta de audiência, pelo que, se impugna tudo o que, em contrário, foi alegado nos artigos 33.º a 43.º - e nas conclusões XXIX a XXXV - da petição de recurso a que se responde.

127º) Nos artigos 44.º a 62.º da petição de recurso, a recorrente vem, por seu turno, invocar uma inexistente «intromissão» ou impossibilidade de sindicância, em sede disciplinar, dos factos que «suportam» a prática da infracção disciplinar ao dever de prossecução do interesse público, consistentes numa inusitada «apreciação do mérito de despachos judiciais exarados em acta, pela Magistrada visada, na sua qualidade de Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, a que presidiu».

128º) Depois de discorrer sobre o teor dos despachos proferidos, seu conteúdo, não interposição de recurso sobre eles e sobre os termos de reprodução de actos processuais em acta[27], lobriga a recorrente - na sequência dessa invocação – numa “putativa” violação das garantias constitucionais da independência dos Tribunais e da separação dos poderes, referindo que o CSM decide em que casos o Juiz, ao decidir, age ao abrigo da garantia da independência e em que casos tal não sucede[28].

129º) Os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei – cfr. artigos 202.º, n.º 1 e 203.º da CRP.

130º) As decisões dos tribunais são, necessariamente, fundamentadas (o que constitui o modo de prestação de contas às partes e à colectividade) e são tomadas na sequência de um processo participado pelas partes – ou sujeitos processuais – e respetivos representantes judiciais, sendo que, das decisões dos tribunais inferiores cabe recurso, o que constitui o meio pelo qual as partes e os cidadãos afectados pelas mesmas podem manifestar a sua insatisfação pelas decisões jurisdicionalmente tomadas.

131º) O n.º 1 do artigo 215.º da C.R.P. - com a epígrafe “Magistratura dos tribunais judiciais” – dispõe o seguinte: «Os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto».

132º) Por seu turno, o artigo 216.º do texto constitucional – com a epígrafe “Garantias e incompatibilidades” – dispõe:

«1. Os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.

2. Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.

3. Os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei.

4. Os juízes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais sem autorização do conselho superior competente.

5. A lei pode estabelecer outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz».

133º) Estas disposições, especificamente atinentes ao estatuto dos juízes, não podem deixar de ser interpretadas conjugadamente com os princípios plasmados nos precedentes capítulos do mesmo Título, e especialmente com os do Capítulo I que se referem ao funcionamento dos tribunais e ao exercício da função jurisdicional (cfr., neste sentido, o acórdão do TC n.º 620/2007)[29].

134º) Como se refere no dito aresto: «O artigo 202º, sob a epígrafe «função jurisdicional», no seu n.º 1, define os tribunais como os «órgãos de  soberania com competência para administrar a justiça», vindo a identificar, no n.º 2, o conteúdo da função jurisdicional por referência a três diferentes áreas de intervenção: defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; repressão de violação da legalidade; dirimição de conflitos de interesses públicos e privados.

O entendimento geral é o de que a Constituição pretendeu, deste modo, instituir uma reserva de jurisdição, entendida como uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em favor exclusivamente dos tribunais. Nesse sentido, poderá  apenas discutir-se o âmbito de delimitação dessa reserva, quer por efeito das dificuldades que possa suscitar, em cada caso concreto, a distinção entre função administrativa e função jurisdicional, quer por via da maior ou menor latitude que se possa atribuir ao conceito (sobre os diferentes níveis ou graus de reserva, cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 7ª edição, págs. 668-670; VIEIRA DE ANDRADE, A reserva do juiz e a intervenção ministerial em matéria de fixação das indemnizações por nacionalizações, in Scientia ivridica, Tomo XLVII, n.ºs 274/276, Julho/Dezembro, 1998, pág. 224; PAULO RANGEL, Reserva de jurisdição. Sentido dogmático e sentido jurisprudencial , Porto, 1997, págs. 59-66; JOAQUIM PEDRO CARDOSO DA COSTA, O princípio da reserva do juiz face à Administração Pública na jurisprudência constitucional portuguesa, Coimbra, 1994 (policopiado), págs. 34-35.

A existência de uma reserva de jurisdição é a necessária decorrência da aplicação dos princípios da separação e interdependência de poderes: sendo a competência dos órgãos de soberania definida na Constituição e devendo estes observar a separação e a interdependência nela estabelecidas (artigos 110.º, n.º  2, e 111.º, n.° 1), haverá de concluir-se que a atribuição constitucional de determinada competência a um certo órgão de soberania exclui a possibilidade de ela poder vir a ser legalmente atribuída a qualquer outro, salvo explícita ou implícita autorização constitucional (neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 71/84, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Janeiro de 1985).

Por outro lado, a reserva de jurisdição concretiza-se através de uma reserva do juiz, no sentido de que, dentro dos tribunais, só os juízes poderão ser chamados a praticar os actos materialmente jurisdicionais (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 3ª edição revista, pág. 792; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pág. 32. Assim se compreende que o Tribunal Constitucional tenha declarado a inconstitucionalidade de normas atributivas de competência jurisdicional a agentes que, ainda que inseridos na estrutura judiciária, não tenham a qualidade de juiz (acórdãos n.ºs 182/90 e 247/90, que se pronunciaram sobre a competência dos secretários judiciais para proferir decisões relativas a custas); e, noutros casos, tenha concluído pela constitucionalidade da solução legislativa apenas por considerar que a função judiciária atribuída a quem não tem o estatuto de juiz não integrava o conceito de acto jurisdicional (assim, nos acórdãos n.ºs 67/2006 e 144/2006, que abordaram a questão da atribuição ao Ministério Público do poder de decidir, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo)».

135º) Por seu turno, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 217.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar competem ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos da lei.

136º) «O Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial» - cfr. artigo 136.º do EMJ e artigo 153.º da LOSJ.

137º) Contudo, sob pena de violação do princípio constitucional da independência dos tribunais e dos juízes, o CSM não pode interferir nos actos jurisdicionais, designadamente para apreciar da sua bondade.

138º) Ou seja: «O CSM tem competência disciplinar, mas não dirige a função jurisdicional exercida pelos juízes, não estando estes subordinados a ordens ou instruções do CSM no exercício da actividade de julgar (cf art. 4.º do EMJ e art. 203.º da CRP). Os juízes têm independência para interpretar a CRP e a lei; mas nem tudo o que possam escrever nos autos constitui necessariamente aplicação do direito. Sobre o manto da função jurisdicional não podem estar incluídas posições pessoais estranhas ao objecto do processo (…).

O CSM não é um órgão hierárquico, inexistindo portanto qualquer elo de dependência funcional no que tange ao exercício da actividade jurisdicional, mas sendo o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial, está legitimado a dar orientações genéricas em termos de gestão e organização do serviço dos tribunais, as quais têm que ser acatadas pelos juízes»[30].

139º) No exercício do seu múnus, os juízes, titulares do órgão de soberania Tribunais, dispõem de todos os meios estaduais necessários à prossecução da função jurisdicional (cfr. artigos 202.º, n.º 3 e 205.º, n.º 2 da Constituição).

140º) O primeiro nível de meios administrativos ao dispor dos juízes é constituído pelas Secretarias Judiciais e pelo seu corpo de funcionários administrativos, cuja função é, precisamente, assegurar o funcionamento administrativo dos tribunais judiciais, conforme decorre dos arts. 119 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.01, 6.º/1 e 3 do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo DL n.º 343/99, de 26.08, e 17.º/2, e) e f), do Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovado pelo DL n.º 186-A/99, de 31.05.

141º) Na gestão destes meios, o juiz não pratica actos de carácter jurisdicional, mas actos meramente instrumentais deles, actuando num plano administrativo (e não jurisdicional) – e, como tal, a sua actividade encontra-se submetida ao que dispõe o Código do Procedimento Administrativo (art. 2.º/1, 2.ª parte, deste diploma).

142º) A LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - com o seu regulamento e demais legislação complementar - procedeu a uma nova organização judiciária.

143º) «A reorganização aprovada pela referida Lei dá corpo aos objectivos estratégicos fixados, nesta matéria, assente em três pilares fundamentais (i) o alargamento da base territorial das circunscrições judiciais, que passa a coincidir, em regra, com as centralidades sociais, (ii) a instalação de jurisdições especializadas a nível nacional e (iii) a implementação de um novo modelo de gestão das comarcas»[31].

144º) As linhas em que se vem dando consistência à nova organização do Judiciário determinam para o Juiz, quer ao nível dos seus métodos de trabalho, quer da sua interacção com os demais sujeitos e intervenientes da reforma judiciária, em particular com os novos órgãos de gestão, a necessidade de abandono de práticas administrativas individualistas e a compreensão da sua integração, participante, mas também, participativa, na conformação concreta do novo modelo.

145º) Nessa medida, o novo modelo determinou para os juízes em geral e, em particular, para os novos órgãos de gestão de cada comarca e também para o CSM, uma responsabilidade acrescida[32].

146º) Com efeito, para o Juiz, se a sua tarefa é – quase sempre - «atomística[33] e solitária quando é convocado o momento final da decisão jurisdicional, no percurso que o antecede erigem-se com parâmetros de actuação os valores da eficácia e da qualidade. Ora, tudo isto exige uma inteligência organizativa o que pressupõe uma dimensão colectiva, coordenada a vários níveis[34]/[35]».

147º) Para além da prática dos actos processuais – de matriz jurisdicional - inerentes à «parcela» deste poder que lhe cabe exercer, de acordo com a competência funcional que lhe assiste, nos termos previstos na Constituição e na lei, o magistrado judicial deverá, igualmente, proceder à organização do seu trabalho, sabendo que as mesmas poderão interferir com outros elementos da sua interação, o que implicará a adoção de métodos e práticas de trabalho, de natureza eminentemente administrativa, em harmonia com as seções de processos com quem trabalha e com os órgãos de gestão do Tribunal em que se acha inserido.

148º) Mantém-se a necessidade de o juiz promover ou continuar relativamente às secretarias judiciais, boas práticas de trabalho e a adoção de rotinas que permitam aos serviços administrativos tramitar com correcção e eficácia os processos a seu cargo e cumprir de forma célere e adequada todos os actos, processuais e de outra natureza, a seu cargo.

149º) E, tanto assim é que, a correspondente actuação do magistrado judicial deve ser tida em conta na avaliação inspectiva a que seja submetido.

150º)Com efeito, o vigente Regulamento das Inspecções Judiciais estabelece, no seu artigo 17.º, n.º 2, que nas inspecções, «os juízes inspeccionados podem dar ao inspector conhecimento de determinados actos, diligências, provimentos, ordens ou determinações processuais ou administrativas por forma a habilitá-lo a uma melhor apreciação do serviço e do magistrado».

151º) «Enquanto titular do órgão de soberania que é o Tribunal no qual o Juiz está colocado, a este incumbe zelar pela boa administração da Justiça. E, para fazê-lo, terá o Juiz que usar dos meios ao seu dispor, sempre tendo em vista o melhor desempenho do Tribunal»[36].

152º) Contudo, esta atuação deve ser integrada e não pode ser desligada da organização do Judiciário, impondo uma permanente e sábia interação entre o trabalho individual e a organização do mesmo em face das necessidades de o mesmo se realizar em conjugação com o trabalho de outros, a qual pode ser objeto de consolidação pelo Conselho Superior da Magistratura.

153º) «Os conselhos superiores de administração e de gestão das magistraturas apresentam-se, no figurino constitucional, como órgãos de defesa da independência externa dos magistrados relativamente a outros poderes estranhos à organização judiciária. No entanto, a sua composição indicia que não se trata de órgãos de autogoverno da magistratura ou do Ministério Público (…). As funções dos conselhos superiores não podem perturbar a independência interna dos magistrados, isto é, o livre exercício da sua actividade sem quaisquer vínculos perante os órgãos dirigentes da magistratura ou dos tribunais superiores (a não ser os prescritos na lei)»[37].

154º) Ou seja: A intervenção do CSM cessa, onde começa a atuação jurisdicional do juiz.

155º) Como referiu já o Tribunal Constitucional[38]: «Cabendo, por força da Constituição, ao CSM a administração e gestão dos magistrados, estará na primeira linha das suas competências o exercício da acção disciplinar, a título oficioso, - e na prática da vida a título principal -, como modo de responsabilizar os magistrados que pratiquem factos susceptíveis de serem havidos como infracção disciplinar. A competência disciplinar é um atributo ou poder próprio de qualquer organização administrativa, sem o que as instituições dificilmente funcionariam. Sendo a administração desempenhada pelo CSM levada a cabo a título autónomo, só a ele poderá caber a competência disciplinar e esta envolve necessariamente o poder de agir oficiosamente sempre que se verifique uma infracção disciplinar, dado que esta representa uma violação ao dever de cumprir o serviço público que está cometido ao funcionário ou agente (magistrado).

Como é evidente, extravasa a competência do CSM interferir com a independência interna ou endógena do juiz ou seja com o livre exercício da sua actividade de julgador a levar a cabo com respeito apenas pela lei e dentro dos seus limites e das regras extrajurídicas cujo uso a mesma lhe consinta, mormente na avaliação em termos objectivos da matéria de facto, de acordo com a sua consciência».

156º) De todo o modo, «o CSM pode e deve avaliar a calendarização e direcção das audiências, facultando aos juízes inspeccionados elementos adequados a que reflictam sobre a correcção dos procedimentos processuais adoptados e transmitindo o seu entendimento sobre a forma, no que à celeridade diz respeito, como decorre uma audiência de julgamento, nada impedindo que sugira ao juiz presidente que imprima maior rapidez à condução daquela»[39].

157º) É neste contexto que deve ser apreciada a conduta da recorrente, bem como, o referido nos despachos proferidos nas audiências de julgamento a que presidiu e que estão em questão nos autos.

158º) Conforme consta da deliberação – considerações que ora se reproduzem – do Plenário deste CSM de 15-03-2016 e ora impugnada: «Numa perspetiva meramente formal, assiste razão à Reclamante quando afirma que estão em causa dois atos jurisdicionais, o que, prima facie, os torna imunes à sindicância por parte do Conselho Superior da Magistratura.

Contudo, quando analisamos a situação com maior cuidado, temos de concluir que o que nesta sede está em causa não é esse aspeto formal, mas dois outros situados a jusante dele: a um tempo, a intromissão da Exma. Sra. Juiza..., magistrada judicial em exercício de funções, nas competências próprias dos órgãos de gestão da comarca, quando deteminou a paragem imediata das obras; a outro, o uso de meios processuais para exprimir opinião acerca da atuação de tais órgãos em situações concretas»[40].

159º) Estes dois aspetos extravasam do âmbito dos atos formalmente jurisdicionais[41] praticados, adquirindo uma materialidade própria, que não tem, de facto, qualquer feição jurisdicional.

160º) Aliás, o primeiro despacho  - de 20-01-2015 - «fruto de uma decisão precipitada, como a própria Reclamante acabou por reconhecer quando, confrontada com um requerimento da sociedade HCI, deu sem efeito a condenação desta em multa (…) colocou em causa a imagem de serenidade e circunspeção que se exige dos magistrados judiciais e que é condição para que as suas decisões sejam aceites pelos respectivos destinatários»[42].

161º) Por seu turno, o despacho de 20-03-2015 torna «evidente, perante os sujeitos e intervenientes no processo em que foi proferido o despacho, a existência de pontos de discórdia entre os titulares dos órgãos de gestão e os magistrados judiciais em exercício de funções, o que não assumia qualquer relevo para o devir processual, mas apenas para descredibilizar a imagem do todo orgânico que é o tribunal»[43].

162º) A apreciação destes aspetos em nada colide com o conteúdo das decisões proferidas pela recorrente no estrito âmbito – ou na perspetiva estrita do seu impacto nessa esfera – jurídico-processual do concreto processo onde se acham insertas.

163º) Nesta linha, o eventual recurso (tal como a falta dessa impugnação) das partes/sujeitos processuais intervenientes em tal processo sobre os despachos proferidos, por apenas se refletir no âmbito dessa mesma relação jurídico-processual específica inerente à decisão do conflito jurídico de que o juiz é mediador, é neste ponto, irrelevante para a formação de algum juízo disciplinar sobre a conduta pessoal tida pela Exma. Magistrada Judicial em apreço.

164º) A apreciação dessa conduta – e da existência ou não de infracção disciplinar - está, como se viu, constitucional e legalmente reservada ao CSM e, não, obviamente, às partes/sujeitos de um processo.

165º) Inexistiu, pois, alguma interferência do CSM sobre o teor dos despachos proferidos pela Exma. recorrente, mas tão só, a legítima apreciação do comportamento tomado pela magistrada judicial que os proferiu.

166º) Não foi violada a independência dos tribunais, nem postergado, por qualquer forma, o princípio fundamental da separação dos poderes.

167º) Fica, pois, impugnado tudo o que em contrário vem descrito nos mencionados artigos da petição de recurso e, bem assim, nos artigos 69.º a 85º dessa peça processual.

168º) Por seu turno, invocou a recorrente ter sido «alvo de posições contraditórias e incoerentes: o mesmo Exmº Inspetor Judicial, que, num primeiro momento, sustentou que a sua conduta não constituia infração disciplinar, veio depois a imputar-lhe factos, em sede de Acusação, que depois alterou em sede de relatório Final, vindo o Conselho Permanente do CSM a condená-la pela violação do dever de prossecução do interesse público – sem contudo se perceber como violou tal dever – e, a Deliberação do Plenário do CSM, numa forma algo errática, vem alegar que “(…) não existe qualquer dever específicos dos magistrados judiciais garantirem a confiança em órgãos e agentes administrativos, designadamente os juízes presidentes e os administradores judiciários (…)” e que “(…) o que está em causa é – e é apenas – o recurso a um mecanismo processual de uma forma precipitada e a utilização de um despacho judicial para emitir juízos valorativos a propósito de questões de natureza administrativa que nada relevavam para o processo»[44].

169º) Mais alegou a recorrente que «…nem sequer se percebe qual a concreta razão da punião …sendo certo que na Deliberação impugnada, o Plenário do CSM fez constar que “(…) não duvidamos que a Reclamante atuou visando a prossecução do interesse público na administração da justiça, o que se conjuga com o seu percurso profissional: a reclamante é, reconhecidamente, uma magistrada judicial competente e empenhada na realização da justiça e na forma como ela é administrada (cf. Ponto 33 da fundamentação de facto da deliberação reclamada)”…a Magistrada arguida – a fazer fé na Deliberação do Conselho Permanente, que acolheu o Relatório Final – foi punida pela violação do dever de prossecução do interesse público, e o Plenário do CSM deu como provado que a Magistrada arguida “(…) atuou visando a prossecução do interesse público (…), o que exclui a violação de tal dever, logo, exclui a existência de infração disciplinar»[45].

170º) Ora, não se vislumbra qualquer conduta «errática» do CSM ou alguma ininteligibilidade da «concreta razão da punição».

171º) Como já se disse – e se reafirma – a titularidade do poder disciplinar radica no CSM, cabendo a este a competência para a instauração de processo disciplinar – cfr. artigos 111.º, 135.º, 149.º, al. a), 151.º e 152.º do EMJ – e não no instrutor, podendo, obviamente, existir divergência entre ambos[46].

172º) Também não se verifica qualquer conduta contraditória ou incoerente na deliberação do Plenário do CSM, de 15-03-2016, posta em crise pela recorrente.

173º) O que se afirmou nessa deliberação – diga-se, de forma leal, transparente e objectiva – do Plenário do CSM foi que se assume a premissa de que a Exma. recorrente, na sua atuação, não visou outros interesses que não o interesse público (da administração da Justiça). Todavia, como então se referiu, esse interesse – a que terá presidido a sua atuação – foi, por banda da recorrente, incorretamente «interpretado»: «(…) nas duas situações aqui apreciadas ocorreu um desvio, portenciado pelos meios de que a Reclamante se socorreu para alcançar a finalidade que tinha em vista...sendo esse o factor que assume relevância disciplinar por, na realidade, frustrar o interesse público»[47].

174º) Não se vislumbra, neste ponto, algum comportamento contraditório do ora recorrido.

175º) A deliberação tomada pelo Plenário do CSM assume, de forma clara, que a Exma. Recorrente não tem qualquer dever específico ou especial de garantir a confiança em órgãos administrativos. Isso será atribuição dos poderes executivos/administrativos.

176º) Todavia, o artigo 73.º, n.º 2, al. a), da LTFP - aplicável em conjugação com o previsto nos artigos 32.º e 82.º (preceito que prevê que «constituem infração disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados por magistrados judiciais com violaçao dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutem incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções»), do EMJ – determina que o magistrado judicial está sujeito também, e nomeadamente, ao dever geral de prossecução do interesse público.

177º) Este dever geral de prossecução do interesse público tem o preciso conteúdo constante do n.º 3 do artigo 73.º da LTFP: «O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».

178º) Conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2011[48], «não se ignoram os riscos que comporta, para as garantias individuais dos magistrados e para os princípios constitucionais do seu estatuto, o uso de conceitos relativamente indeterminados para definição do que é infracção disciplinar.

Mas, por um lado, a utilização de tal técnica legislativa impõe-se ao legislador, em termos práticos, como inevitável face à impossibilidade de prever todos os comportamentos que, não consistindo na violação de estritos deveres de ofício, possam lesar a confiança da comunidade nas instituições judiciárias, que é indispensável, numa sociedade democrática, para que os tribunais possam desempenhar as funções que constitucionalmente lhes estão adstritas (artigos 202.º e 203.º da CRP). As previsões normativas relativas aos deveres cuja violação consubstancia ilícito disciplinar não podem deixar de ter ou comportar definições com um espectro genérico uma vez que uma enunciação taxativa ou de tipicidade fechada tornaria legítimos comportamentos não previstos mas igualmente reprovados na consciência social. Em princípio, todas as acções ou omissões do agente que consistam em violação dos deveres do cargo ou que se repercutam negativamente na imagem do serviço relevam disciplinarmente (…).

Certamente que o preceito em causa apela a conceitos indeterminados. Mas isso não significa ausência de critérios de decisão ou insindicabilidade judicial desses critérios. Significa apenas que a lei confere ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses critérios, precisamente porque reconhece que é impossível elencar exaustivamente os comportamentos públicos susceptíveis de afrontar a dignidade da magistratura. […] Nesta medida, existem claros parâmetros a respeitar aquando da aplicação de uma pena disciplinar e é notória a sua objectividade».

179º) Ora, a punição da Exma. recorrente ocorreu pela constatação, procedimentalmente verificada, de que tal dever não tinha sido observado, ainda que o comportamento tido em vista almejasse o seu cumprimento.

180º) Atento o disposto no artigo 131.º do EMJ, excluem a responsabilidade disciplinar, desde logo, as causas previstas no artigo 177.º da LTFP e no artigo 31.º do Código Penal, não sendo, nomeadamente, ilícito o facto praticado em legítima defesa, no exercício de um direito, no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade ou com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.

181º) No caso, não se divisa qualquer dessas causas na conduta da Exma. recorrente, nem, em particular, que a actuação da mesma tenha tido lugar no cumprimento de algum dever legal.

182º) O dever genérico de actuação impunha à Exma. Recorrente, em concreto, comportamento diverso do levado a efeito, reiterado em dois processos.

183º) A pressuposição de um estado censuravelemente erróneo de se estar a cumprir um dever não exclui a ilicitude do facto.

184º) A recorrente, para além do mais, não distingue entre a finalidade da ação – motivada, decerto, pela realização de um interesse público – e a caraterização da própria conduta – incumpridora, em concreto, do dever de prossecução do interesse público.

185º) Este interesse público demanda, desde logo, que não ocorram indevidas intromissões dos agentes judiciários, nas competências de quem exerce, materialmente funções administrativas.

186º) Como se referiu no ponto 2.1.4. da Deliberação impugnada: «A independência dos juízes, tanto na sua vertente interna como na externa, sai fortalecida se os órgãos de gestão do judiciário, em especial aqueles cujos titulares são necessariamente magistrados judiciais, tiverem uma imagem de credibilidade, assim a transmitindo também ao próprio sistema estadual de administração da justiça, de que são elemento relevante.

E, quanto à separação de poderes, este conceito não tem um sentido único: se é certo que a conceção de checks and balances impõe que os agentes do poder executivo, incluindo os que, no âmbito do judiciário, exercem funções materialmente administrativas, não intervenham com a atuação dos agentes do poder judicial, a inversa também é verdadeira».

187º) Assim, embora seja possível inferir quais as razões da argumentação da recorrente – ligadas à necessidade de garantir a possibilidade de recurso para outra instância[49][50] (relativamente à – diríamos, mais que certa - decisão que julgue improcedente o presente recurso) - e, sem prejuízo de ulteriores considerações, no foro próprio, importa assinalar, desde já, que não ocorre alguma ofensa do texto constitucional.

188º) Soçobra, pois, o alegado na petição de recurso, em particular, nos artigos 60.º a 81.º.

189º) Adicionalmente, a recorrente afirma que a sua punição por «ter emitido juízos valorativos a propósito de questões de natureza administrativa, constitui uma violação grave do direito à livre expressão, constitucionalmente tutelado»[51].

190º) Assinala-se, desde logo, que a recorrente reconhece ter, de facto, incidido sobre «questões de natureza administrativa» e, não, com atinência processual (no seio da resolução de um conflito jurisdicional).

191º) Mas, certo é que, não se vislumbra qualquer ofensa de algum direito à «liberdade de expressão»[52] da recorrente, nem a punição se dirigiu a censurar alguma «expressão» - ou o respetivo modo de emissão - proferida por aquela.

192º) Reitera-se, pela sua clareza, o afirmado no texto – ponto 2.1.5. - da deliberação impugnada: «Como qualquer cidadão, a Reclamante tem o direito de exprimir o seu entendimento quanto ao modo como está organizado o sistema estadual de administração da justiça e, bem assim, quanto aos termos em que os titulares dos órgãos de gestão do judiciário atuam, tendo apenas de se conter, enquanto magistrada judicial, pelos limites importos por deveres funcionais de caráter geral, como o dever de correção, e especial, como o dever de reserva.

Contudo, as decisões judiciais, destinadas à resolução de conflitos de interesse que são a razão da existência dos tribunais, órgãos de soberania do Estado com o monopólio da administração da justiça em nome do Povo, ou a assegurar a tramitação regular dos processos, não são a sede própria para os magistrados judiciais expressarem as suas opiniões».

193º) Tal posição não determina alguma inconstitucionalidade.

194º) Finalmente, nos artigos 86.º a 93.º da petição de recurso, considera a recorrente que a deliberação impugnada omite que os procedimentos de comunicação da comarca de ... são ineficazes, por não ter sido lavrada acta da reunião do Conselho de Gestão em que foram aprovados.

195º) Desde logo, importa referir que «a função típica da acta, na ausência de norma em contrário, é apenas a de informar da existência da deliberação (documento “ad probationem actus”) não se assumindo como elemento constitutivo da mesma (documento “ad substantiam”). A acta constitui, assim, um requisito de eficácia dos actos administrativos praticados de forma oral pelos órgãos colegiais, pelo que a sua falta não contende com a existência ou validade de actos administrativos emanados daqueles órgãos»[53].

196º) Ora, a questão da responsabilização da recorrente – por constatação da prática, por si, de uma infração disciplinar - não depende de tal facto, nem da eficácia de uma deliberação do conselho de gestão.

197º) O que está em questão é a utilização de um despacho judicial para emitir juízos valorativos a propósito de questões de índole administrativa (e não jurisdicional) e a utilização de meios de forma precipitada.

198º) Conforme se concluiu na deliberação de 15-03-2016: «Tudo isto se situa para lá dos ditos procedimentos de comunicação e subsiste sem eles e independentemente deles».

199º) Isso mesmo perspassa cristalino das considerações expendidas no relatório final pelo Exmo. Instrutor, as quais, ora se reproduzem: «(…) o despacho proferido na audiência de julgamento do dia 20 de Janeiro de 2015, condenando o empreiteiro da obra em curso nas instalações do Palácio da Justiça de ... ao pagamento de 2 UC’s “por falta de colaboração na realização da justiça” e ordenando a notificação do Instituto de Gestão Financeiro e de Equipamentos da Justiça (IGFEJ) advertindo-o de que também ele seria sancionado nos mesmos termos caso se verificassem situações semelhantes gravemente perturbadoras da realização das audiências de julgamento, não tem o mínimo fundamento legal. Desde logo porque não está em causa fazer cessar uma situação de falta de colaboração, com incidência processual concreta, na descoberta da verdade.

As obras em curso foram executadas em cumprimento de uma prestação contratual a que o empreiteiro se obrigou perante o Ministério da Justiça e a sua concretização foi previamente acordada no âmbito e no exercício das competências constitucionalmente atribuídas ao governo.

O que, em verdade, estava em causa era a existência ou inexistência de condições concretas para a realização da audiência de julgamento.

4. (…) A Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA conhecia bem os procedimentos a adoptar em caso de ocorrência de barulhos susceptíveis de interferir com o normal desenrolar das audiências de julgamento e demais diligências, como ela mesma reconhece (cfr artigo 20 e 26 da defesa) e que passavam pela comunicação da ocorrência à Sr.ª Secretária de Justiça e intervenção desta junto do empreiteiro ou do encarregado da obra no local.

E sabia também ser previsível – até porque situações semelhantes tinham anteriormente acontecido – que a cessação dos ruídos provenientes das obras viria a ocorrer minutos depois de ser efectuada a comunicação ao empreiteiro de que execução da obra estava a interferir com audiências de julgamento em curso.

5. A Sr.ª Juiz .. Dr.ª AA, sabendo – como não podia deixar de saber – que a utilização das salas de audiência e a manutenção da qualidade e segurança dos espaços – que era do que, em verdade, se tratava – era da competência legal dos órgãos de administração da comarca e que tinha sido estabelecido um procedimento a observar sobre a forma de interpelar os responsáveis da obra para que terminasse o ruído dela proveniente, afastou objectivamente a interpelação através da Sr.ª Secretária de Justiça, como tinha sido estabelecido, chamando a si competências de fiscalização e sancionamento da forma de execução da obra que não tinha e a lei lhe não atribui.

6. Ainda que se trate de uma decisão proferida em acta de audiência por uma Sr.ª Juiz ...em exercício de funções, e de que não foi interposto recurso, e apesar do que em contrário alega a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA, os despachos proferidos no dia 20 de Janeiro na audiência de julgamento não podem ser enquadrados no âmbito dos poderes legítimos de disciplina ou de direcção da audiência (artigo 322º e 323º do CPP invocados).

Tratando-se, como no caso sucede, de decisões manifestamente ilegais e estranhas, pelas razões já expressas, à disciplina da audiência de julgamento, nada obsta que, assumindo suficiente relevância, possam ser valoradas em sede disciplinar pelo Conselho Superior da Magistratura.

Ora, ao ignorar de forma ostensiva as competências atribuídas directamente por lei aos responsáveis pela administração da comarca, chamando a si competências de fiscalização (e sancionamento) do modo de execução da obra em curso que não possuía, a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA manifestou publicamente desrespeito pelas regras estabelecidas pela administração da comarca sobre a interpelação do empreiteiro para que pusesse termos às obras causadoras de ruído.

7. Vem ainda provado que a Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA no dia 20 de Março de 2015, estando em causa uma anomalia no funcionamento do sistema de videoconferência, se permitiu tecer e fazer exarar em acta considerações acerca do objecto de uma reunião de trabalho promovida pelo Conselho Superior da Magistratura e relativa à fixação dos objectivos dos serviços judiciais da Comarca de ... e da necessidade da presença da Sr.ª Administradora Judiciária a quem convocou para comparecer no seu gabinete de trabalho, parecendo esquecer que a Sr.ª Administradora Judiciária exerce as suas funções no uso de competências próprias, ainda que sob a orientação genérica do Juiz Presidente da Comarca e que, no caso concreto, tinha recebido instruções dele para permanecer na reunião em que estava a participar.

8. Ao questionar publicamente os termos em que estava a decorrer a reunião em causa e ao dar publicamente conta da participação para efeitos disciplinares que entendeu fazer da conduta da Sr.ª Administradora Judiciária por esta não ter comparecido no seu gabinete, a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA, para além de utilizar a acta do processo para efeitos a ele estranhos, ignorou objectiva e ostensivamente as normas que regulam o exercício da actividade do Administrador Judiciário, criando publicamente, além do mais, a convicção de que a Sr.ª Administradora Judiciária lhe devia, nessa matéria, estrita obediência.

9. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA não podia ignorar que a Lei de Organização do Sistema Judiciário atribui à Sr.ª Administradora Judiciária competências próprias para gerir a utilização das salas de audiência, sob a orientação do Juiz Presidente, e bem assim para providenciar pela correcta gestão e utilização dos equipamentos afectos aos serviços do tribunal e que, tendo ela recebido instruções do Sr. Juiz Presidente da Comarca para permanecer na reunião em curso (cfr segundo despacho da acta transcrito no ponto 23.), não incorria em qualquer infracção disciplinar ao não cumprir a ordem que lhe dirigiu.

10. Contrariamente ao que entende a Sr.ª Juiz ... ora arguida não está em causa no presente processo disciplinar a prática de actos de natureza jurisdicional subtraídos à apreciação do Conselho Superior da Magistratura em sede disciplinar, mas sim a apreciação de actos que, quer do ponto de vista objectivo quer do ponto de vista subjectivo, traduzem uma clara e pública recusa de reconhecimento de competências atribuídas pela Lei de Organização do Sistema Judiciário susceptível de criar no público em geral e nos serviços de administração da justiça em particular uma imagem de descrédito e de desconfiança. 

11. Ao agir como descrito a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA manifestou publicamente em acta da audiência de julgamento um facto que era estranho ao acto em curso e em que traduzia a sua discordância em relação ao regime legal instituído pela Lei de Organização do Sistema Judiciário, dessa forma violando o dever de prossecução do interesse público que, além do mais, impõe ao trabalhador em funções publicas a defesa e o respeito da Constituição e das leis vigentes».

200º) Nesta medida, não se verificando, como resulta do supra exposto, qualquer vício no processo deliberativo encetado e concluído com a deliberação impugnada, não assiste fundamento legal para a procedência do presente recurso, o qual deverá, sem outras considerações e sem prejuízo do demais alegado, ser julgado improcedente.”

Nas peças alegatórias que foram convidados a promover, em obediência ao estatuído no artigo 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, recorrente – cfr. fls.138 a 211 – e recorrido – cfr. fls. 214 a 239 – mantiveram, no essencial, o que já constava das peças transcritas, pelo que no abstemos de as reescrever.   

Foi junta certidão da decisão proferida no Processo nº 3/16. YFLSB – cfr. fls. 245 a 293 – que estimou, na parte fundamentadora (sic): “Em conformidade com o disposto no art. 178.º do EMJ e no artigo 192.º do CPTA, o recurso das deliberações do CSM - que se devem ter como actos formalmente administrativos - para o STJ é, em particular, regulado pelas normas contidas nos arts. 150.º a 151.º deste último diploma, que disciplinam o recurso de revista para o STA e, supletivamente, pelo disposto no CPC (artigo 1.º daqueloutro diploma).

Decorrentemente e na esteira da jurisprudência firme e pacífica da Secção de Contencioso deste Tribunal[54], há que considerar que são as alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso (n.º 2 do art. 144.º e n.º 4 do art. 146.º, ambos do CPTA e n.º 3 do art. 635.º e n.ºs 1 e 4 do art. 639.º, ambos do CPC).

Assim e reapreciando as alegações produzidas pela recorrente nos presentes autos, temos que a questão a decidir se resume a determinar se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 01-12-2015 (deliberação recorrida) deve ser invalidada por padecer do vício que a recorrente lhe imputa.

Mediante a análise das conclusões e a sua concatenação com as alegações apresentadas pela recorrente, temos, por isso, que importa tomar posição acerca:

- Da pertinência e necessidade de produção das diligências probatórias oferecidas pela recorrente na sua Defesa

Invoca a recorrente que a deliberação recorrida é nula, nos termos do art. 161.°, n.° 2, al. d) do CPA, por violar as suas garantias constitucionais de defesa – artºs. 32,° e 269,° da CRP - na medida em que manteve a decisão do Sr. Inspector Judicial de indeferir algumas das diligências de prova requeridas pela recorrente na sua defesa.

Defende o recorrido que não se verifica qualquer vício na deliberação recorrida, e que, a existir estaríamos perante uma anulabilidade do acto impugnado, nos termos do art. 163.º do CPA, e não perante uma nulidade da mesma, nos termos do art. 161.°, n.° 2, al. d) do CPA, por não se ofender um conteúdo essencial do direito de defesa da recorrente.

Antes, porém, de tomar posição sobre a problemática da qualificação do vício, cabe decidir se assiste razão ou não à recorrente relativamente ao indevido indeferimento das diligências de prova.

Sendo a recorrente uma magistrada judicial é lhe aplicável, em primeira linha, as normas relativas ao procedimento disciplinar constantes do EMJ - regulado nos seus art°s. 110.° a 124.°.

De acordo com o disposto no art. 131.° desse mesmo diploma, em matéria disciplinar há que aplicar subsidiariamente as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares.

O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Dec. Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, foi revogado pelo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09-09. Por sua vez, a Lei n.º 58/2008, de 09-09 foi revogada pela Lei n.º 35/2014, de 20-06 (LGTFP), que entrou em vigor em 1 de Agosto de 2014.

Os factos em causa no âmbito deste processo disciplinar (tendo por base a deliberação recorrida) ocorreram em duas audiências de discussão e julgamento que tiveram lugar em 20-01-2015 e em 20-03-2015.

Face ao exposto, todos os factos em causa neste processo disciplinar, ocorreram na vigência da Lei n.° 35/2014, de 20-06 (LGTFP).

Assim, o que no EMJ não estiver especialmente previsto em matéria disciplinar, será aplicável, subsidiariamente, a LGTFP (cf. art. 131.° do EMJ).

Constitucionalmente é assegurado a todos os trabalhadores da Administração Pública (na qual se incluem obviamente os magistrados judiciais) o direito de audiência e defesa em processo disciplinar - conforme art. 32.°, n.° 10[55] e 269.º, n,° 3 da CRP, o qual assume uma natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.

Conforme defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in «Constituição da República Portuguesa Anotada», Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1993, n.º VIII, no artigo 269.º, pág. 947) "A alusão expressa à garantia de audiência e defesa em processo disciplinar (n. ° 3) não significa que a isso se reduzam os direitos dos trabalhadores nesse processo. Este deve configurar-se como um "processo justo", aplicando-se-lhe, na medida do possível, as regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, designadamente as garantias de legalidade, o direito à assistência de um defensor (CRP art. 32.º, n.º 3), o princípio do contraditório (art. 32.°, n.° 5) o direito de consulta do processo. O sentido útil da explicitação constitucional do direito da audiência e defesa é o de se dever considerar a falta da audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade do procedimento disciplinar (notificação da acusação, cópia da acusação, individualização e discriminação dos factos disciplinarmente puníveis, etc)".

O direito constitucional de defesa no âmbito do processo disciplinar tem consagração no EMJ - art. 115.º - na fase de instrução - e art°s. 120.º e 121.º - na fase de defesa -, e, adicionalmente, nos termos do art. 124.º, n.º 1 quando aí se prevê "Constitui nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa e a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade que ainda possam utilmente realizar-se".

De acordo com o art. 117.º do EMJ, sob a epígrafe «Acusação»:

«1. Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis.»

A partir do momento em que é deduzida uma acusação, o acusado adquire a qualidade de parte no processo disciplinar - verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica processual punitiva - e, nessa medida, como elementos incindíveis de um processo justo e equitativo devem ser assegurados ao acusado os princípios do contraditório e da igualdade de armas - enquanto corolários do direito de defesa [[56]].

Neste sentido, prevê o art. 121.º do EMJ que "1. Com a defesa, o arguido pode indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências", 2. Não podem ser oferecidas mais de três testemunhas a cada facto."

De seguida, dispõe o art. 122.º do EMJ que "Terminada a produção de prova, o instrutor elabora, no prazo de 15 dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável".

Face à tramitação acima citada, verificamos que o EMJ tem uma regra própria - art. 121.° - que regula a defesa do arguido e os elementos probatórios que o arguido pode carrear para o processo - indicar testemunhas (3 por cada facto), juntar documentos e requerer diligências. Contudo, a forma de produção dessa prova oferecida pelo arguido não está especialmente prevista.

Ou seja, o EMJ é omisso quanto ao modo como é produzida a prova oferecida pela recorrente após a dedução da acusação.

A LGTFP, mais concretamente o seu art. 218.°, define as regras da produção de prova oferecida pelo trabalhador. Dispõe este artigo que:

"1 - As diligências requeridas pelo trabalhador podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.

2 - Não podem ser ouvidas mais de três testemunhas por cada facto, podendo as que não residam no lugar onde corre o processo, quando o trabalhador não se comprometa a apresentá-las, ser ouvidas por solicitação a qualquer autoridade administrativa.

3 - O instrutor pode recusar a inquirição das testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador.

4 - A autoridade a quem seja solicitada a inquirição, nos termos da parte final do n.º 2, pode designar instrutor ad hoc para o ato requerido.

5 - As diligências para a inquirição de testemunhas são notificadas ao trabalhador.

6 - Aplica-se à inquirição referida na parte final do n.º 2, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 111.º e seguintes do Código de Processo Penal.

7- O advogado do trabalhador pode estar presente e intervir na inquirição das testemunhas.

8- O instrutor inquire as testemunhas e reúne os demais elementos de prova oferecidos pelo trabalhador, no prazo de 20 dias, o qual pode ser prorrogado, por despacho, até 40 dias, quando o exijam as diligências referidas na parte final do n.º 2.

9 - Finda a produção da prova oferecida pelo trabalhador, podem ainda ordenar-se, em despacho, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade."

Cumpre referir, em fórmula de parênteses, que o Sr. Inspector indeferiu algumas das diligências de provas oferecidas pela recorrente apresentadas na fase de defesa (nos termos do disposto no art. 121.º do EMJ), isto é, depois de deduzida a acusação.

Assim, ao contrário do defendido na deliberação impugnada, não cabe, nesta sede, chamar à colação o disposto no art. 212.º da LGTFP, mas antes convocar o art. 218.º da referida lei.

Acresce que no âmbito do processo disciplinar de um magistrado judicial, não há lugar à aplicação do regime contido no art. 212.º da LGTFP, porque o EMJ tem regime próprio na fase de instrução - art. 115.º do EMJ.

Retomando a análise, impõe-se agora questionar se se aplica supletivamente o regime previsto no art. 218.º da LGTFP, por força do art. 131.º do EMJ.

A resposta é positiva. Não é pelo facto de estar expressamente previsto no EMJ a matéria da acusação e defesa do arguido, que podemos considerar que não há lacuna a integrar sobre as demais matérias atinentes ao regime da acusação e defesa.

É nosso entendimento que a produção de prova oferecida pela Defesa não está prevista no EMJ porque se entendeu que este diploma não precisava de regular exaustivamente esta matéria (processual) no EMJ, por existir um regime subsidiário que prevê tais matérias e que lhe é aplicável (a LGTFP).

Não vemos especificidades na Defesa apresentada por um magistrado judicial, no âmbito de um processo disciplinar, que justifique um tratamento diferenciado relativamente à produção de prova oferecida por um trabalhador que exerce funções públicas.

Assim, apesar do legislador prever no art. 121.º do EMJ o regime próprio da «Defesa do arguido», temos como seguro que, naquilo que não está expressamente regulado, devemo-nos socorrer das regras supletivas previstas na LGTFP e, no que aqui releva, do disposto no seu art. 218.º.

Do n.º 1 deste preceito resulta que o instrutor do processo pode recusar em despacho, devidamente fundamentado, as diligências requeridas pelo trabalhador, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.

Assim, sem embargo do direito (constitucional e ordinário) à defesa do arguido, o legislador também consagrou a possibilidade do instrutor, por despacho fundamentado, indeferir requerimentos do arguido no sentido de serem produzidas diligências probatórias quando considere que as mesmas são manifestamente impertinentes e desnecessárias e julgue suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador - art. 218.º, n.ºs 1 e 3 da LGTFP.

Conforme refere Raquel Carvalho (in «Comentário ao Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas», Universidade Católica Editora, 2014, pág. 249) em anotação ao art. 218.º da LGTFP "Toda a norma está dirigida a concretizar o princípio do inquisitório e descoberta da verdade, ponderado com a inviabilidade de manobras dilatórias"

Assim o art. 218.º do LGTEFP deve ser interpretado, por um lado, à luz dos princípios (do contraditório e da igualdade de armas), havendo, por outro lado, que temperar a sua interpretação com a não aceitação de manobras dilatórias.

O preceituado no n.º 1 do art. 218.° da referida lei suscita algumas dúvidas de interpretação quanto à sua conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo.

Quais são as «diligências requeridas pelo trabalhador» que podem ser recusadas pelo instrutor, por serem manifestamente impertinentes e desnecessárias? Todas? Ou será que apenas pode recusar a inquirição de testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador na sua Defesa?

Entendemos que a interpretação correcta a efectuar é de que o n.° 1 do art. 218.° da LGTEF engloba todas as provas oferecidas pelo trabalhador, podendo o Sr. Instrutor recusar por manifestamente impertinente e desnecessária a inquirição de testemunhas, a junção de documentos e outras diligências requeridas (ex. oficiar junto de autoridades públicas documentos e informações, exames ao local, exames periciais, etc.)

O n.º 3 do art. 218.º da LGTFP não exclui a aplicação do n.° 1 daquele preceito, relativamente à prova testemunhal, adicionando apenas um motivo de recusa de prova oferecida pelo trabalhador. Ou seja, na fase da defesa pós-acusação, o Instrutor pode recusar a produção de prova oferecida pelo trabalhador (testemunhal, documental ou quaisquer outras diligências requeridas pelo trabalhador) por manifestamente impertinentes e desnecessárias, podendo também indeferir a inquirição de testemunhas oferecidas pelo arguido quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador.

Veja-se nesse sentido Carlos Fraga (in «O Poder Disciplinar no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (Lei 58/2008 - Doutrina - Jurisprudência", Petrony Editora, pág. 527) "Tanto na primeira fase da instrução como na segunda - a da defesa - o instrutor pode recusar as diligências requeridas pelo arguido. Na 1.ª fase quando julgue suficiente a prova produzida art. 46.º, n.º 4 ex vi do art. 47.°, n.°2 do EDTEFP - na segunda - a da defesa - quando as mesmas sejam consideradas manifestamente impertinentes e desnecessárias art. 53.º n.º 1 - e ainda, tal como na fase de instrução, quando julgue suficiente a prova produzida - art. 53.º, n.º 3. Tal como vimos no sistema espanhol há uma apreciação do instrutor sobre a pertinência ou não da prova requerida e haverá violação do direito fundamental à apresentação e realização da prova se esta for efectivamente necessária à defesa sob pena de se violar o direito fundamental à utilização de todos os meios necessários à defesa - arts. 32.º, n.º 1 e 10 e 269.º, n.º 3 da CRP. O critério será, portanto, tal como no sistema espanhol, o da necessidade da prova requerida para efeitos de uma defesa efectiva."

Também neste sentido, isto é, quanto à faculdade do Instrutor poder recusar a inquirição de testemunhas por considerar impertinente e desnecessária aquela prova – veja-se acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10-05-2012 (Proc. n.º 47/10.9BEBRG, acessível in www.dgsi.pt): "I. A concretização do direito de defesa da arguida e a necessidade de descoberta da verdade impõem a necessidade de audição das testemunhas oferecidas por aquela com vista à demonstração do condicionalismo que rodeou a prática da infracção que lhe é imputada; II. A omissão desta diligência apenas redundaria numa inutilidade caso a prova já produzida fosse inatacável e demolidora no sentido de que a arguida praticou os factos que lhe são atribuídos."

Acresce que o n.º 3 do art. 218.º da LGTFP pode ter ainda um campo de aplicação distinto, na medida em que entendemos que permite ao instrutor, depois, de admitir a inquirição das testemunhas (no limite 3 para cada facto), recusar-se a inquirir essas ou algumas dessas testemunhas quando considere que os factos alegados pelo trabalhador se encontram suficientemente provados.

Veja-se neste sentido, M. Leal-Henriques (in «Procedimento Disciplinar», 5.ª Edição, Rei dos Livros, 2007, pág., 360 - embora a posição transcrita conste de anotação ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Adrmnistraç3o Central, Regional e Local, o cariz semelhante da regra leva a considerar que este ensinamento mantém pertinência e actualidade): "Será recusada a inquirição de mais testemunhas quando o instrutor considerar suficientemente provados os factos alegados pelo arguido. Isso compreende-se e justifica-se, pois que, ficando integralmente assegurada a defesa do arguido com a prova produzida, deverá evitar-se a prática de actos inúteis."

Face ao exposto, ao contrário do defendido pela Recorrente consideramos que a inquirição das testemunhas pode ser recusada pelo Instrutor se manifestamente impertinente e desnecessária, nos termos do art. 218.º, n.º 1 da LGTFP e não apenas quando o Sr. Instrutor considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador.

O direito de defesa do arguido não é absoluto e ilimitado, sendo que as diligências de prova não devem ser admitidas se forem manifestamente desnecessárias e impertinentes para a descoberta e apuramento da verdade.

Tendo por base este enquadramento jurídico, impõe-se apreciar da validade da deliberação impugnada, apreciando as diligências concretamente requeridas.

I. Do indeferimento de diligências junto do IGFEJ para obtenção de cópia do contrato de empreitada

A recorrente na sua Defesa, nos termos do art. 121.º do EMJ, requereu que se solicitasse ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, cópia do contrato de empreitada das obras no Palácio da Justiça ... para se apurar quais os exactos termos em que estava contratualmente prevista a paragem das obras, em virtude da realização de julgamentos, ou seja se nele se referia que a paragem da obra só poderia ser solicitada pela Sra. Secretária de Justiça.

O Sr. Instrutor indeferiu a referida diligência "por não se revestir de qualquer interesse" e a deliberação impugnada manteve esta posição, concluindo que "se mostra manifestamente inútil a obtenção de tal documento ".

Vejamos.

Defende a recorrente que num contrato de empreitada existe um dono da obra e um empreiteiro e são estes que definem as condições concretas da execução da obra, incluindo os termos em que poderia ter lugar a paralisação dos trabalhos e não o Conselho de Gestão da Comarca de ..., pelo que qualquer acordo sobre os termos concretos de eventuais paragens da mesma, teria que ser acordado entre o IGFEJ e o empreiteiro, e não imposto por terceiros.

Consideramos que não assiste razão à recorrente.

Face aos factos que estão em causa neste processo disciplinar, a diligência prefigura-se como sendo manifestamente desnecessária.

Com efeito, é irrelevante para a descoberta e apuramento da verdade material saber se existia qualquer acordo (contrato) entre o IGFEJ e o empreiteiro que estabelecesse as regras quanto à paragem das obras, já que, caso tal clausulado existisse, tal não era do conhecimento da recorrente e, nessa medida, não lhe era oponível.

Conforme assumiu a recorrente na sua Defesa (arts. 20.º e 26.º), o único procedimento que a recorrente tinha conhecimento e que sempre adoptou foi «Antes de 20 de Janeiro de 2015, a Magistrada soube por intermédio da Senhora Secretária de Justiça, que as indicações que lhe tinham sido transmitidas (a ela) pelo órgão de gestão lhe impunham que nessas situações, o funcionário que estivesse na sala de julgamento ligasse para a própria, esta em seguida, ligasse para o encarregado da obra e este por seu turno, comunicasse com o número significativo de trabalhadores que ali operavam» «Até 20.01.2015, a Magistrada visada sempre adoptou o procedimento que lhe foi transmitido pela Srª Secretária de Justiça, assente nas instruções que o órgão de gestão lhe terá dado, tomando por certo, na inexistência de qualquer procedimento implementado pelo órgão de gestão, pela indubitável confiança depositada na palavra da Srª Secretária de Justiça, ser esse o que deveria adoptar».

Na acusação não se afirma a origem contratual do acordo entre os membros do Conselho de Gestão do Tribunal de ... e o empreiteiro, sobre os procedimentos a adoptar em caso de ruído excessivo proveniente das obras.

Aí, apenas se afirma é a existência de um procedimento que era conhecido pelos oficiais de justiça e magistrados judiciais e do Ministério Público - a saber "em caso de se registar ruído excessivo proveniente das obras em curso, fariam a comunicação à Sra. Secretária de Justiça, através do funcionário judicial presente na diligência, para efeito de ser pedida a sua imediata cessação".

A recorrente, na sua defesa, assume que sabia qual o procedimento a adoptar (como lhe foi transmitido pela Sra. Secretária, tendo-o aceite como verdadeiro pela confiança que depositava na mesma) em caso de ruído na sala de audiências - a saber o funcionário que estivesse na sala de julgamento ligava para a Sra. Secretária e esta é que fazia o contacto para o empreiteiro.

Desta feita, não se nos afigura relevante nem minimamente pertinente para o contexto dos factos constantes da acusação e da defesa ter conhecimento do contratualmente assumido entre o IGFEJ e o empreiteiro, em caso de necessidade de paragem das obras por ruido excessivo nas audiências de julgamento.

Ou seja, se existiu algum contrato (acordo escrito) entre o IGFEJ e o empreiteiro da obra, diferente daquele que foi comunicado pela Sra. Secretária à Sra. Juíza, não é nem era oponível à mesma, porque o que esta tinha conhecimento era deste e não de qualquer outro procedimento.

Conforme defende a deliberação recorrida " (...) na acusação não se afirma nunca a origem contratual do dito acordo sobre os procedimentos a adoptar em caso de se registar um ruído excessivo proveniente das obras em curso (...) razão pela qual se mostra manifestamente inútil a obtenção de um documento para a prova negativa de um facto inexistente no universo daqueles que integram o objecto do processo ".

Questão completamente distinta da obtenção da cópia do contrato e que não cabe no presente recurso apreciar, é a de saber se o procedimento que foi transmitido à recorrente pela Sra. Secretária e que a recorrente assumiu como verdadeiro, a vinculava ou não e, em caso afirmativo, se o não cumprimento do procedimento implicava consequências disciplinares.

Assim, nenhuma censura, neste ponto, merece a deliberação impugnada que manteve o despacho de indeferimento proferido pelo Sr. Instrutor.

II. Do indeferimento da inquirição das testemunhas

Vejamos os artigos alegados pela recorrente na Defesa, aos quais pretendia que as testemunhas fossem ouvidas

Tratam-se dos artigos n.ºs 7., 8., 13., 14., 17., 22., 25., 27., 39., 40., 43., 44. e 45  [[57]] nos quais se lê:

7. O ruído, muito frequentemente atingiu o patamar do ensurdecedor (mesmas reportagens). - inquirição das testemunhas Dra. BB,, CC e EE
8. Provocou dores de cabeça, incapacidade de concentração e de prestação de serviço dentro desse edifício a quem ali estava. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

13. Houve necessidade de se proceder à repetição de julgamentos, por inaudibilidade das gravações, decorrente do nível de ruído sentido na sala de audiências, - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

14. Esse nível de ruído impediu recorrentemente a realização de julgamentos, por inaudibilidade do que diziam os seus intervenientes e por a gravação ser impossível. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

17. O julgamento a que se reporta a acta de 20.1.2015, foi um dos muitos em que se tomou inviável a gravação, pelo nível de ruído debitado pela obra. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE

22. A morosidade desse processo significou na prática, que os julgamentos fossem sistematicamente interrompidos, por lapsos de tempo significativos, que não permitiam rentabilizar nem as sessões, nem aprova a produzir em julgamento. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE

25. Pelo que os ruídos que subsistiam quase sempre (para não dizer sempre), após determinação pública da sua paragem, para além de comprometerem a realização dos julgamentos, desautorizaram publicamente os Juízes que ali administraram a Justiça e comprometeram objectivamente para quem assistia, a imagem da Justiça. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

27. O que aconteceu também no julgamento de 20-01, como resulta da leitura da respectiva acta, tendo a comunicação sido feita através da Sra. Secretária. - inquirição da testemunha FF.

39. Daí que toda a conduta da Magistrada ora Arguida, plasmada em despachos jurisdicionais exarados em acta, em duas audiências de julgamento, tenha sido praticada no exercício dos poderes de direcção de julgamentos a que presidia, visando assegurar que as audiências de julgamento em causa se realizavam com condições mínimas de trabalho quer para os membros do Tribunal Colectivo, quer para os Advogados presentes, demais intervenientes e público em geral. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

40. Ou seja, a Magistrada Arguida proferiu os ditos despachos entendendo que, por via deles, assegurava o exercício da Função Jurisdicional com dignidade e respeito. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE.

43. Ou seja, a Magistrada Arguida agiu com a intenção de salvaguardar o prestígio da Justiça e não de violar os deveres gerais e especiais que sobre si impendiam. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE

44. A Magistrada Arguida é reputada como pessoa séria e conscienciosa, e, em termos profissionais, profundamente empenhada na realização da Justiça e na independência e prestígio da função de julgar. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC.

45. Os supra citados despachos não foram impugnados. - inquirição das testemunhas Dra. BB, CC e EE

Debrucemo-nos primeiramente sobre a pretendida inquirição das testemunhas BB, CC (juízes de direito que integravam, juntamente com a recorrente o colectivo dos julgamentos realizados nos dias 20-01-2015 e 20-03-2015) e EE (Procuradora da República que esteve presente nas referidas audiências de julgamento):

Artigos 7., 8., 13., 14., 17. e 22. da Defesa

Conforme podemos observar da factualidade dada como provada, na fase de instrução, estas três testemunhas já foram ouvidas quanto aos factos constantes dos artigos 13., 14., 17. e 22. da Defesa,

Assim não vemos qualquer pertinência e necessidade das referidas testemunhas serem inquiridas novamente aos mesmos factos. Por um lado, porque nenhum elemento novo foi trazido ao processo que justificasse a reinquirição das testemunhas à mesma factualidade e, por outro lado, porque esta factualidade não foi colocada em causa na acusação.

Relativamente aos factos inscritos nos art°s. 7. e 8. - quanto à intensidade do ruido provocado pelas obras e ao desconforto físico que tais ruídos acarretavam para os vários intervenientes processuais - também consideramos que é completamente desnecessária a inquirição das testemunhas quanto a estes factos, na medida em que está assente que por força das obras em curso no edifício do Palácio de Justiça ... houve ruídos e poeiras, condições de trabalho inadequadas aos profissionais que ali exerciam funções e desconforto físico para o público em geral quando ali teve que permanecer por largos períodos de tempo - (cfr facto constante do ponto n.° 9 da acusação).

Acresce que no relatório final o Sr. Inspector fez constar no facto provado n.° 10. que: "No desenvolvimento das obras no edifício do Palácio da Justiça ... e no período de funcionamento normal dos serviços ali instalados, houve necessidade de proceder a demolições e ao derrube de paredes, bem como a perfurações com martelos pneumáticos, com a consequente produção de ruídos e poeiras, o que teve como consequência que algumas vezes, desde Setembro de 2014, não existissem adequadas condições de trabalho para os profissionais forenses que ali exercem funções e bem assim desconforto físico para eles e para o público em geral quando ali teve que permanecer por largos períodos de tempo, para além da necessidade de repetição de audiências de julgamento por deficiências na gravação da prova produzida. "

Assim, conforme resulta do teor da acusação deduzida e bem assim do relatório final, em momento algum é colocado em causa a existência de ruídos e da causação de desconforto físico a quem trabalhava naquele tribunal ou aí se deslocava e a necessidade de serem interrompidas e repetidas as audiências de julgamento devido a inaudibilidade das gravações da prova.

Não é pela circunstância de não se dar como provado os factos com os contornos exactamente alegados pela Defesa - que o ruido atingia o patamar do ensurdecedor [[58]], provocando dores de cabeça e incapacidade de concentração - que os mesmos se apresentam como pertinentes, relevantes e necessários para o apuramento da verdade material.

Ao invés, é de considerar que a factualidade dada como provada (na acusação e posteriormente no relatório) é cabal, suficiente e adequada para evidenciar «o cenário vivido no Tribunal Judicial de ... aquando da realização das obras em simultâneo com a realização de julgamentos», pelo que não se descortina qualquer pertinência e necessidade no apuramento de «se os ruídos provocavam dores de cabeça ou incapacidade de concentração».
Conforme refere o despacho do Sr. Inspector de 18-11-2015, para o qual a deliberação impugnada remete "Não está em causa nestes autos o facto de se terem registado perturbações sérias para a realização das audiências de julgamento e diligências nas melhores condições e que, pelo menos quanto à audiência de 20 de Janeiro de 2015, essa ausência de condições de trabalho foi causada pelo barulho proveniente das obras em curso - isso mesmo resulta da simples leitura da acta respectiva. "

Assim, porque entendemos que a essencialidade da factualidade subjacente aos artigos descritos nos n.ºs 7, 8., 13., 14, 17. e 22. está assente na acusação, afigura-se manifestamente desnecessária a reinquirição das testemunhas aos sobreditos artigos (n.ºs 7, 8., 13., 14., n e 22.) alegados pela Defesa, não merecendo qualquer censura, a deliberação impugnada que manteve o despacho do Sr. Instrutor de indeferimento de reinquirição destas testemunhas a estes artigos.

Artigos n.ºs 25., 39., 40., 43. da Defesa

Estas 3 testemunhas indicadas (para inquirição destes artigos) não foram ouvidas a estes artigos em sede de instrução. Contudo consideramos que se releva manifestamente desnecessária a sua inquirição.

Senão vejamos.

A versão alegada pela recorrente nos artigos 25., 39. e 40. [[59]] da Defesa extrai-se dos despachos proferidos pela recorrente e exarados nas actas das sessões das audiências de julgamento em causa. A versão expressa pela recorrente acha-se, pois, já plasmada nas actas.

As actas fazem fé plena quanto aos termos em que se desenrolam os actos (art 99º e 169.º, ambos do CPP) e, nessa medida, os despachos nelas constantes traduzem aquilo que a recorrente expressou.

Na verdade, se atentarmos no conteúdo dos despachos em causa, depreendemos que, em 20-01-2015, a recorrente ali expressou;

- Que a audiência teve que ser interrompida pelo ruído existente e que apesar do pedido efectuado directamente pela recorrente para ser interrompida a sua emissão, os ruídos continuaram, tendo a recorrente condenado o empreiteiro por falta de colaboração na realização da justiça;

- Que deu a conhecer a sua posição (determinando envio para DGAJ, ao CSM e ao IGFEJ e ao Juiz Presidente da Comarca), por estes actos impossibilitarem prosseguir a realização de julgamentos, por falta de condições mínimas de trabalho para todos os intervenientes e por perturbarem gravemente a realização de julgamento e a realização da Justiça, ou seja, por tal situação comprometer a realização / imagem da justiça.

Afigura-se-nos assim manifestamente desnecessária a inquirição das 3 testemunhas aos factos 25., 39. e 40. [[60]] quando o pretendido pela recorrente é a corroboração por aquelas testemunhas, da versão expressa pela recorrente que consta já da respectiva acta (de 20-01-2015).

E, em relação ao que consta da acta de 20-03, depreendemos que a recorrente ali expressou:

- Que existia uma avaria do sistema de videoconferência, o que impedia a produção de prova daquele julgamento e risco de caducidade da prova que já havia sido feita;

- Que inexistia outra sala de audiências disponível;

- Que se encontrava a decorrer no tribunal uma reunião do CSM que tinha como objecto a discussão sobre a temática dos VPR, na qual se encontrava entre outras pessoas, a Sra. Administradora judicial;

- Que o despacho que exarou no sentido da convocação da administradora judicial ao seu gabinete foi praticado no exercício dos poderes de direcção de julgamento a que presidia e visava remover um obstáculo à realização daquele julgamento;

- Que a Sra. Administradora desrespeitou uma ordem de convocação que por si lhe foi legitimamente emanada;

- Que deu a conhecimento do acima ocorrido ao Director da DGAJ para os fins tidos por convenientes, mormente disciplinares, e ao Vice-presidente do CSM, por lhe suscitar perplexidade tendo em conta o princípio da independência do poder judicial que numa reunião onde se discute os VPR (que respeitam exclusivamente à magistratura judicial) se encontrem presentes o Sr. Procurador Coordenador e a Exma. Sra. Administradora Judicial.

Uma vez mais, se atentarmos aos factos (relativos a 20-03-2015) que a recorrente pretende ouvir as testemunhas BB, CC e EE, verificamos que a mesma pretende que as mesmas afirmem a versão que já consta das actas, pelo que não vemos qualquer utilidade e necessidade na inquirição das mesmas.

Ademais, não podemos ignorar que as referidas testemunhas, são testemunhas de Defesa e nessa medida, não são arroladas com o intuito de fazer prova do oposto (isto é, de que o expressado na acta pela recorrente não corresponde ao por ela transmitido) pelo que não se vê qualquer necessidade de ouvir testemunhas que apenas viriam corroborar a versão expressa pela recorrente nas actas cujo teor, por sua vez, está plasmado nos factos provados.

Questão diversa, mas que não se impõe decidir no presente recurso, é a interpretação que se faz da versão expressa nas actas. Contudo, essa interpretação será feita em sede de apreciação e valoração da prova e de subsunção jurídica dos factos ao direito - relevância disciplinar dos factos apurados - que em muito extravasa o âmbito do presente recurso.

Defende ainda a recorrente que «acaso os magistrados presentes nas audiências de julgamento tivessem sido inquiridas teriam seguramente explicitado que a Dra. AA ao proferi-los o fez no exercício da função jurisdicional e com a intenção de salvaguardar o prestígio da justiça»,

Afigura-se-nos manifestamente desnecessário que se questione as referidas testemunhas se a recorrente ao proferir os despachos em causa o fez no exercício dos poderes de direcção de julgamentos a que presidia. É que a recorrente fez plasmar na própria acta essa mesma versão, expressando que os despachos em causa se inserem "no uso do poder de direcção de julgamento que se nos encontra legalmente atribuído - onde se inclui o dever funcional de remoção de todos os obstáculos à realização do julgamento ".

Afigura-se-nos manifestamente desnecessário que se questione as referidas testemunhas se a recorrente proferiu os despachos em causa para, por via deles, assegurar o exercício da função jurisdicional, dado que a recorrente fez plasmar na própria acta essa versão "os actos que têm vindo a ocorrer (ruído excessivo) perturbam gravemente a realização de julgamento e por isso a realização da Justiça" e "o certo é que nos obrigaram a interromper novamente o julgamento, razão pela qual se decide condenar o Exmo. Sr. empreiteiro em 2 Uc's por falta de colaboração “na realização da justiça”.

As testemunhas devem ser inquiridas quando se revelarem relevantes e necessárias para a demonstração da versão alegada pela defesa, o que não sucede quando essa versão, ainda que com utilização de outras palavras (mas com o mesmo sentido), já decorre das actas (cujo teor está plasmado nos factos provados).

Afigura-se-nos, aliás, que o que a recorrente pretende é que não se questione a versão por si expressada nas actas, não aceitando que se lhe possa dar outra valoração e interpretação (como fez o Sr. Instrutor). Contudo, nesta sede de recurso, apenas estamos a avaliar da pertinência e necessidade de inquirição das testemunhas, e não sobre a valoração e interpretação da versão da recorrente expressa nas actas, cabendo noutra sede esta apreciação.

Ora, nesta sede, impõe-se apenas apurar se os depoimentos das testemunhas traziam algo de novo para a descoberta e apuramento da verdade material.

Pelo exposto, não merece qualquer censura, a deliberação impugnada que manteve o despacho do Sr. Instrutor de indeferimento de inquirição destas testemunhas a estes factos.

Artigo 44º da Defesa

Quanto ao artigo 44.º da Defesa, as testemunhas Dra. BB e CCl não foram ouvidas em sede de instrução em relação a tais factos.

Contudo, no despacho de 18-11-2015 o Sr. Instrutor determinou a audição da testemunha Sr. Dr. HH quanto ao art. 44.º da Defesa.

No relatório final, deu-se como provado (ponto n.º 33) que "A Sra. Juiz de Direito Dr.ª AA é considerada pela generalidade dos advogados de ... que com ela lidam como profissional competente e empenhada na realização da justiça e na forma como, em concreto, ela é administrada e que no exercício das suas junções como juiz de direito trata com respeito e correcção todos os intervenientes processuais..”

Assim, uma vez que, com sentido idêntico ao alegado pela Defesa, o facto contido no dito ponto da defesa foi dado como provado no relatório final [[61]], é completamente desnecessária a inquirição das testemunhas BB e CC a este facto, não merecendo qualquer censura, a deliberação impugnada que manteve o despacho do Sr. Instrutor de indeferimento de inquirição destas testemunhas a este facto.

Artigo 45.º da Defesa

No que toca ao facto inserido no artigo 45.º da defesa consideramos manifestamente impertinente e desnecessária a inquirição das 3 testemunhas a este facto.

 Por um lado, no próprio «enquadramento jurídico dos factos descritos» da acusação (ponto 5.) dá-se como provado que o despacho exarado na acta em 20-01-2015 não foi objecto de  recurso [[62]].
Por outro lado, concorda-se com a resposta do recorrido ao presente recurso quando refere que "há que dizer que é irrelevante saber se os actos da Recorrente, que assumiram a forma de despachos judiciais, foram ou não objecto de impugnação através dos pertinentes meios processuais. Na realidade, não está em causa, no procedimento - nem poderia estar! -, a questão jurisdicional, mas unicamente o que está a jusante dela (…). Para além disto, como se afigura apodíctico, o uso - ou o não uso - dos ditos meios processuais de impugnação de uma decisão judicial não é facto que possa ser demostrado com recurso à prova testemunhal.”

Efectivamente, afigura-se claramente irrelevante e desnecessário saber se os despachos exarados em acta foram ou não objecto de impugnação, não sendo este elemento aferidor da conformidade ou desconformidade dos mesmos.

Pelo exposto, não merece qualquer censura, a deliberação impugnada que manteve o despacho do Sr. Instrutor de indeferimento de inquirição destas testemunhas a este facto.

Abordemos agora a pretendida inquirição da testemunha FF (secretária de justiça (em regime de substituição) no Tribunal Judicial de ... nas datas de 20-01-2015 e 20-03-2015)

Artigo 27.º da Defesa

Pretende a recorrente a (re)inquirição desta testemunha.

É certo que esta testemunha não foi inquirida concretamente a este facto (n.º 27 da Defesa), na fase de instrução. Todavia, a mesma foi ouvida (na instrução), a um facto com total relevância e correspondência ao artigo que a recorrente pretende que "agora" seja ouvida. Senão vejamos.

Esta testemunha foi ouvida em fase de instrução, ao seguinte facto: Até 20.01.2015. a Magistrada visada sempre adoptou o procedimento que lhe foi transmitido pela Srª Secretária de Justiça, assente nas instruções que o órgão de gestão lhe terá dado, tomando por certo, na inexistência de qualquer procedimento implementado pelo órgão de gestão, pela indubitável confiança depositada na palavra da Srª Secretária de Justiça, ser esse o que deveria adoptar.

Pretende - "agora" - a recorrente que a testemunha seja ouvida ao seguinte (art. 27.° da Defesa) "O que aconteceu também, no julgamento de 20-01, como resulta da leitura da respectiva acta ".

A testemunha FF, em fase de instrução, em resposta ao facto ao qual foi ouvida, respondeu que "não sabia se os Magistrados que presidiam às audiências de julgamento tinham conhecimento sobre os procedimentos a adoptar para obter a paragem das obras de onde vinha o ruído ".

Face ao respondido pela testemunha em sede de instrução, consideramos que esta resposta prejudica necessariamente o conhecimento sobre se a Sr.ª Juiz de Direito arguida "sempre adoptou o procedimento que lhe foi transmitido pela Sr.ª Secretária de Justiça ... ", tendo isso mesmo sucedido na audiência do dia 20 de Janeiro de 2015.

Acresce que no recurso apresentado, a recorrente para defender da pertinência da inquirição desta testemunha referiu que «com a sua reinquirição pretendia-se que se explicitasse se o contacto telefónico com o empreiteiro para a paragem dos trabalhos ruidosos, foi ou não efectuado através de ligação telefónica directamente feita pela Sra. FF ".

Porém, como bem sustenta o recorrido, não se vislumbra qualquer utilidade em explicitar se o contacto telefónico foi efectuado directamente pela testemunha em causa.

O que está em causa no presente processo disciplinar não é apurar se a ligação telefónica foi efectuada pela Sra. Secretária e após passou o telefone à recorrente, mas antes, além do mais se o telefonema (conversa telefónica) foi feito directamente pela recorrente. E, inequivocamente, consta na respectiva acta que a recorrente consignou que "telefonei directamente para o engenheiro".

Diferente seria, mas que em momento algum foi alegado pela recorrente, se a recorrente tivesse interpelado a Sra. Secretária para esta telefonar ao empreiteiro e esta tivesse pedido à recorrente para ser esta, em sua substituição, a encetar a conversa telefónica directamente com o engenheiro.
Desta feita, entendemos que o facto que se pretende apurar com a inquirição de FF - se a ligação telefónica foi ou não efectuada pela Sra. Secretária - afigura-se manifestamente impertinente e desnecessária para a descoberta e apuramento da verdade material.

Nessa medida, não merece qualquer censura, neste ponto, a deliberação impugnada que manteve o despacho de indeferimento do Sr. Instrutor.

Por tudo, o que trás se expôs, entendemos que a deliberação impugnada ao julgar o recurso hierárquico improcedente mantendo o despacho do Sr. Instrutor de indeferimento das diligências de prova oferecidas pela recorrente efectuou uma correcta interpretação do preceituado no art. 218.º, n.ºs 1 e 3 da LGTFP, mormente efectuou uma interpretação com respeito e de acordo com os direitos de audiência e defesa plasmado nos arts. 32.° e 269.° da CRP.

Foi feita uma ponderação sensata e equilibrada do direito de defesa da recorrente, com a descoberta da verdade material, afastando a prática de diligências probatórias manifestamente impertinentes e desnecessárias para a descoberta da verdade.

O respeito pelos princípios constitucionais previstos nos arts. 32.º e 269.º da CRP visa a descoberta da verdade (nas suas variadíssimos vertentes) e implica que não se afastem diligências probatórias que diminuam ou impeçam a descoberta dessa verdade [[63]].
As diligências que foram indeferidas não trariam qualquer elemento relevante, necessário ou pertinente para a descoberta e apuramento da verdade.

Conforme referiu o recorrido em resposta ao recurso apresentado, com o qual concordamos « ao indeferir-se o recurso hierárquico interposto pela Recorrente, não se postergou por qualquer forma, o direito de defesa da Recorrente enquanto arguida no supra identificado processo administrativo, o que se entendeu foi que algumas das diligências de prova requeridas eram impertinentes e outras desnecessárias, e isto no exercício do poder discricionário que é conferido pelo art 218º nº 1 da LGTFP, de forma fundamentada, depois de admitida a defesa apresentada e, inclusive, de deferida a realização de uma das diligências instrutórias nela requeridas”.

Questão distinta - e que, apesar da confusão patenteada pela recorrente, não pode ser dirimida no âmbito do presente recurso - é aquela que se prende com a apreciação jurídica (relevância ou irrelevância disciplinar) a efectuar acerca da factualidade apurada, no sentido de saber se, nas audiências de julgamento, a recorrente excedeu ou não o poder de disciplina e direcção da audiência de julgamento (arts. 322.º e 323.º, ambos do CPP), tendo colocado em causa publicamente o respeito pelas regras estabelecidas pela administração da comarca, chamando a si competências que sabia não ter.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a deliberação recorrida.”

Na vista a que  teve direito, a Digna Magistrada do Ministério Público, expendeu o douto parecer que a seguir se deixa transcrito, na íntegra (sic): “1. A Senhora Juiz ... AA (doravante Recorrente), não se conformando com a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura {doravante Recorrido), de 15 de Março de 2016, que confirmou a deliberação do Conselho Permanente, de 21.12.2015, que lhe aplicou a pena de advertência, pela prática de uma infracção disciplinar, consubstanciada na infracção ao dever de prossecução do interesse público, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 82.º, 85.º n.º l, al. a) e 86.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, e 73.º, nºs 2, al. a) e 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, dela interpõe recurso para este Supremo Tribunal, nos termos dos artigos 168.º e seguintes do EMJ.
2. Pretende a Recorrente que seja anulada a deliberação impugnada, por violação das garantias de defesa, do princípio da independência do poder judicial, inexistência de infracção disciplinar, violação do direito à liberdade de expressão, alegando não ter sido praticada qualquer violação ao dever de criar no público a confiança nos serviços de administração da justiça.
3. Na resposta que apresentou nos termos do artigo 174.º, n.ºs 1, do EMJ, o CSM pronuncia-se peia improcedência do recurso, sustentando que a deliberação recorrida não incorre nos vícios que lhe são imputados pelo Recorrente.

4. Notificados nos termos do artigo 176.º do EMJ o recorrido Conselho Superior da Magistratura e o Recorrente apresentaram alegações, nas quais ambos reiteraram a sua posição.

5. Neste contexto, em obediência ao disposto no artigo 176.º do EMJ, cumpre exprimir a posição do Ministério Público, o que se faz nos termos seguintes.

II. Como causas de invalidade da deliberação recorrida invoca a Recorrente a violação das garantias de defesa, do princípio da independência do poder judicial, a inexistência de infracção disciplinar, e violação do direito à liberdade de expressão, que se apreciarão pela ordem a seguir indicada

a) nulidade da deliberação recorrida por violação das garantias de defesa

6.Invoca a Senhora juiz recorrente a nulidade da deliberação recorrida, por nulidade do procedimento disciplinar, resultante da violação, numa dupla vertente, das garantias de defesa, consagradas nos artigos 32.º e 269.º da CRP :

-omissão de diligências essenciais do processo disciplinar, indeferidas por despacho
sufragado pela deliberação do CSM de 1.12.2015, que configura nulidade insuprível, prevista no artigo 203.º da LGTFP, do procedimento disciplinar que culminou na deliberação recorrida, e,

-falta de audiência da arguida com possibilidade de defesa, em violação do disposto no
artigo 1242 do EMJ, por o Relatório Final, acolhido pela decisão punitiva recorrida, imputar  factos não constantes da acusação e relativamente aos quais não foi possível exercer o direito e defesa.

7. A primeira causa  de  invalidade da deliberação recorrida,  por nulidade do  processo disciplinar  consistente   em   omissão/indeferimento   de   diligências   de   prova   requeridas, constituiu, como a Senhora juiz recorrente deu nota e resulta da certidão de fls. 245 e seguintes dos autos, objecto do Proc.s n.º 3/16.3YFLSB deste Supremo Tribunal, em que, por acórdão de 24.11.2016, transitado em julgado, foi julgado improcedente o recurso interposto pela Senhora juiz recorrente - contra a deliberação do CSM de 1.12.2015, que julgou improcedente o recurso hierárquico interposto pela Recorrente mantendo a decisão do Sr. Instrutor de indeferimento de diligências de prova requeridas- e mantida a deliberação impugnada, pelo que tendo já sido objecto de apreciação jurisdicional não pode tal fundamento de invalidade do acto recorrido voltar a ser apreciado, subsistindo apenas a nulidade invocada de falta de audiência da arguida com possibilidade de defesa.

8. Quanto a esta defende a Senhora juiz recorrente que no Relatório Final foram aditados novos factos, não constantes da acusação, relativamente aos quais não foi garantida a possibilidade de defesa, referindo-se, concretamente, aos factos descritos nos pontos 26 a 31 do Relatório Final.

9. Na resposta que oportunamente apresentou o recorrido CSM comparando os pontos de facto constantes do Relatório Final mencionados pela senhora juiz recorrente com os constantes da acusação contrapõe, em síntese, que os factos mencionados pela recorrente já se encontravam contidos nos factos descritos na acusação e que não contêm qualquer novidade relativamente aos mesmos.

10. O artigo 117.º, n.º 1 do EMJ, é um dos normativos que consagram na lei ordinária os direitos de audiência e defesa constitucionalmente assegurados ao arguido em quaisquer processos sancionatórios (artigo 32.º, nº 10 da CRP), garantia reconhecida aos trabalhadores da Administração Pública em preceito próprio, o artigo 269.º, nº 3, e cuja violação é sancionada, pelo artigo 124.º n.º 1, do EMJ, com nulidade.

O direito de pronúncia reclama que sejam dados a conhecer ao arguido os factos que lhe são imputados e o correspondente enquadramento jurídico, por forma a que possa efectivamente exercer o seu contraditório, sendo que a jurisprudência, ponderando que "as exigências de rigor técnico-jurídico na formulação das acusações em processo criminal não são inteiramente transponíveis para as acusações deduzidas em processo disciplinar"[[64]], tem considerado pacificamente que a preterição do direito de audiência do arguido se degrada em formalidade não essencial, não geradora de invalidade, nos casos em que o arguido "deu mostras de haver entendido o sentido e alcance da acusação", ou seja, sempre que a irregularidade cometida não comprometeu efectivamente o direito de audiência e defesa, ou porque nada se acrescentou ao que já estava adquirido nos processo disciplinar ou porque, não obstante deficiências da acusação, o arguido se defendeu cabalmente da mesma, revelando entender o sentido e alcance da mesma.

11. No caso vertente, como vem demonstrado pelo recorrido CSM na sua resposta, os pontos de facto constantes do Relatório Final questionados pela Senhora juiz recorrente já se encontravam contidos nos factos descritos na acusação, não contendo qualquer novidade relevante relativamente aos mesmos, sendo que a acusação deduzida contra a Senhora juiz recorrente, constante de fls. 203 e segts do processo instrutor, descreve factualmente, de modo articulado, as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infracção disciplinar imputada, descrevendo, de forma absolutamente clara, os factos que se imputam à arguida e que, na perspectiva da acusação, são integradores do ilícito disciplinar, identificando o dever funcional que considera violado e a sanção que considera aplicável, sendo que na resposta que oportunamente apresentou à acusação contra si deduzida a Senhora juiz recorrente, rebatendo e questionando os factos e a infracção disciplinar que na mesma lhe foi imputada, revelou ter entendido perfeitamente, e sem qualquer dificuldade que estorvasse o exercício do direito de defesa e audição que lhe assiste, a acusação.

Como assim não se verifica, nem a mesma teria no caso virtualidade invalidante, a nulidade invocada pela senhora juiz recorrente.

b) Violação dos princípios da independência do poder judicial e da separação de poderes.

12. Invoca a Senhora juiz recorrente a violação pela deliberação recorrida do princípio da independência do poder judicial alegando que os factos que suportam a alegada indiciação da prática da infracção disciplinar pela qual foi sancionada resultam da apreciação do mérito de despachos judiciais por si exarados em acta na qualidade de Juiz Presidente do Tribunal Colectivo a que presidiu, cuja possibilidade de sindicância, em sede disciplinar, se encontrava vedada ao CSM por força do princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203º da CRP.

13. Consagrado constitucionalmente no artigo 203.º da CRP o princípio da independência dos tribunais, e o da independência dos juízes pelo mesmo abrangido, com expressão no artigo 42 do EMJ, pressupõe uma dimensão subjectiva e uma dimensão objectiva. Na primeira, a dimensão subjectiva, visa defender os tribunais dos demais poderes do Estado, concretizando-se, desde logo na independência perante o poder executivo, dela derivando a inadmissibilidade de instruções concretas, de preceitos administrativos ou de quaisquer outras formas de pressão ou influência sobre a actividade dos tribunais. Na vertente da independência dos juízes, que integra a dimensão objectiva, o princípio "convoca várias dimensões densificadoras da liberdade à independência no julgar: (i) liberdade contra injunções ou instruções de quaisquer autoridades; (ii) liberdade de decisão perante coações ou pressões destinadas a influenciar a actividade de jurisdictio; (iii) liberdade de ação perante condicionamento incidente sobre a actuação processual; (iiii) liberdade de responsabilidade" [[65]].

14. Numa e noutra vertente refere-se o princípio ao livre exercício da actividade de julgar, a levar a cabo com respeito apenas pela lei e dentro dos seus limites e das regras extrajurídicas cujo uso a mesma consinta, mormente na avaliação em termos objectivos da matéria de facto, de acordo com a consciência do julgador, livre, portanto de intromissões, injunções, coacções ou de quaisquer formas de pressão externa.

Contudo, como se ponderou e decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 16.6.2015, Procº nº 7/15.3YFLSB, “a independência garantida à função jurisdicional não significa que no exercício dessa função, os actos dos magistrados, estejam isentos a controle disciplinar": "os juízes têm independência para interpretar a CRP e a lei, mas nem tudo o que possam escrever nos autos constitui necessariamente aplicação do direito", "por isso existem certos actos que estão excluídos da esfera de protecção dos princípios da independência e da irresponsabilidade dos juízes pelas suas decisões" já que "sob o manto da função jurisdicional não podem estar incluídas posições pessoais estranhas ao objecto do processo", ou seja, posições que extravasem o âmbito da função jurisdicional, nomeadamente posições eventualmente susceptíveis de configurarem infracção disciplinar.

15. Perante a notícia ou suspeita da prática por um magistrado de actos susceptíveis de integrar infracção disciplinar não compreendidos naquilo que constitui o cerne da protecção dispensada pelo princípio da independência dos juízes, que é a função de julgar, como sucedeu no caso vertente (em que os despachos sindicados em sede disciplinar nada tinham a ver com o objecto do(s) processo(s) e em que o respectivo teor transcendia manifestamente esse objecto), o exercício do poder disciplinar pelo órgão ao qual está cometido, o CSM, não se traduzindo, como não se traduziu, em qualquer ingerência nessa função, ou sequer no mérito desses despachos, correlacionados com o objecto do(s) processo(s), não constitui qualquer afronta à independência dos tribunais e/ou dos respectivos magistrados.

c) Inexistência de infracção disciplinar

16. Defende a Senhora juiz recorrente a inexistência de infracção disciplinar alegando, por um lado, que foi punida pela violação do dever de prossecução do interesse público e que a deliberação recorrida deu como provado que actuou visando a prossecução do interesse público, o que excluiria a violação de tal dever, com a consequente inexistência de infracção disciplinar, e, por outro, em substância, que o dever de prossecução do interesse público vertido no artigo 82.º do EMJ, nos termos do artigo 73.º da LGTFP, não tem a latitude considerada na deliberação recorrida, de criar para a visada um dever específico em assegurar a criação de confiança nos órgãos e agentes administrativos, pelo que não foi violado qualquer dever funcional que sobre si impendesse.

17. A alegação da Senhora juiz recorrente de que a deliberação recorrida deu como provado que actuou visando a prossecução do interesse público, o que excluiria a violação de tal dever, é infundada e, com o devido respeito, resulta de uma leitura deturpada da mesma deliberação que refere expressamente que "nas duas situações aqui apreciadas ocorreu um desvio [à prossecução do interesse público] potenciado pelos meios de que a Recorrente se socorreu para alcançar a finalidade que tinha em vista, sendo esse o factor que assume relevância disciplinar, por na realidade frustrar o interesse público".

18. Embora a Senhora juiz recorrente privilegie o enfoque da violação dos princípios da independência e separação de poderes, ao defender que o dever de prossecução do interesse público previsto no artigo 73.º, nºs 2, al. a) e 3, da LGTFP, não tem a latitude considerada na deliberação recorrida, de criar para os magistrados um dever específico em assegurar a criação de confiança nos órgãos e agentes administrativos, concluindo que não foi violado qualquer dever funcional que sobre si impendesse, é, em substância, a existência da infracção disciplinar que vem pôr em causa, e que cumpre apreciar.

19. 0 conceito de infracção disciplinar encontra-se genericamente contemplado no art° 82.º do EMJ 85, nos termos do qual «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções". Tal norma do arte 82° do EMJ 85 apenas pretende estatuir-prever a relevância disciplinar da violação dos deveres específicos que impendem sobre a categoria estatutária dos magistrados judiciais, sendo que a violação dos deveres gerais que recaem sobre todo e qualquer servidor público (...)) se encontra abstractamente prevista no art. 73.º da LGTFP - Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho [[66]].

20. Estabelece o n.º 2, alínea a) desse preceito que um dos deveres gerais dos trabalhadores é o dever de prossecução do interesse público, dever esse cujo conceito consta do n.º 3 do mesmo preceito, segundo o qual "o dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos".

21. A senhora juiz recorrente foi acusada e veio a ser sancionada pela violação ao dever de prossecução do interesse público, traduzida, segundo a acusação e a deliberação do Conselho Permanente que acolheu o Relatório Final do Sr. Instrutor e lhe aplicou a pena de advertência, em síntese, "na prática, reiterada, de factos reveladores da sua recusa em reconhecer as competências atribuídas pela Lei de Organização do Sistema Judiciário aos órgãos de gestão da comarca, em especial, no que se refere à gestão das condições de utilização das salas de audiência", e consistente, em síntese, no contexto factual considerado provado, em:

- ter ignorado de forma ostensiva as competências atribuídas directamente por lei aos responsáveis pela administração da comarca, chamando a si competências de fiscalização (e sancionamento) do modo de execução da obra em curso que não possuía, manifestando publicamente desrespeito pelas regras estabelecidas pela administração da comarca sobre a interpelação do empreiteiro para que pusesse termo às obras causadoras do ruído;

- para além de utilizar a acta do processo para efeitos a ele estranhos, ter ignorado objectiva e ostensivamente as normas que regulam o exercício da actividade do Administrador Judiciário, criando publicamente, além do mais, a convicção de que a Sra. Administradora Judiciária lhe devia, nessa matéria, obediência, manifestando publicamente a sua discordância em relação ao regime legal instituído pela Lei de Organização do Sistema Judiciário,

22.   A deliberação do Conselho Permanente que sancionou disciplinarmente a Senhora juiz recorrente, mantida pela deliberação recorrida, discerniu a violação do dever de prossecução do interesse público na intromissão pela senhora juiz recorrente nas competências próprias dos órgãos de gestão da comarca.

23.  Sobre a delimitação de tal dever no acórdão STA, de 23.1.2013, Proc. n.º 042/12, reportado ao anterior Estatuto Disciplinar e ao seu artigo 32.º, mas mantendo inteira validade no domínio da LGTFP e do artigo 73.º, n.º 2, al. a) que àquele corresponde, afirmou-se que: "«Prima facie», tal dever de defesa do interesse público estaria implicado e refractado nos demais deveres previstos no art. 3.º do ED; de modo que estes seriam como que espécies daquele genérico dever. Mas esta ideia não parece correcta, já que o dever de prossecução do interesse público foi colocado, pelo legislador, a par dos demais.

Sendo assim, há que aumentar a compreensão do dever, para lhe diminuir a extensão. Há, pois, que determiná-lo o melhor possível, o que se fará dizendo que o «trabalhador», em cada episódio da sua actuação funcional, deve, primeiro, descortinar o interesse público então relevante e, depois, defendê-lo, fazendo-o «secundum legem».
O que acabámos de referir não evita que o dever em causa mantenha uma amplitude generalíssimo, aliás simétrica da multidão de interesses públicos e da suma generalidade do, correlativo conceito. Daí que o dito dever deva ser transposto para a prática com particulares cautelas, impondo-se discernir, em cada caso, se a actuação tida por censurável se alheou de algum interesse público dominante e qual o grau desse alheamento”.
24. Seguindo esta orientação não vemos que a intromissão da Senhora juiz recorrente nas competências próprias de órgãos de gestão da comarca, conduta que lhe foi censurada e por que foi sancionada disciplinarmente, afronte o interesse público, v.g. o interesse público na boa administração da justiça, pelo que, com o devido respeito entendemos que a conduta pela qual foi sancionada não se subsume à previsão da norma, o artigo 73º, nºs 2, al. a)e 3, da LGTFP, conjugado com o artigo 82º do EMJ, não integrando consequentemen- te, a infracção disciplinar pela qual foi sancionada.
25. Admitindo, à luz até da doutrina e jurisprudência firmes no que tange às (menores) exigências da tipicidade no âmbito do direito disciplinar público [[67]], que a amplitude generalíssima do dever em questão compreende, estando em causa a administração da justiça, o dever de criar no público confiança na administração da justiça, no sentido de, em contraponto ou reverso de tal dever, constituírem sua violação e infracção disciplinar, condutas do magistrado susceptíveis de abalar a confiança na acção do poder judicial e de dar azo ao descrédito do público na justiça, diferente seria porventura a conclusão se à Senhora juiz recorrente tivesse sido imputada a violação desse ou de outros deveres funcionais pelo teor dos despachos, alheios ao objecto do(s) processo(s), por si proferidos, o que não sucedeu.

Entendemos, por isso, que os factos censurados à senhora juiz recorrente não integram infracção disciplinar, estando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

III.

Termos em que se emite parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e anulada a deliberação recorrida.


I.a). – Questões a merecer apreciação.

I.a).1. – Saneamento do processo.

Na contestação com que contraminou a pretensão da recorrente, o recorrido, Conselho Superior da Magistratura, defendeu-se em viés tendo excepcionado com

a) – Excepção de litispendência;

b) – Declaração de inutilidade superveniente da lide do Processo nº3/16.3YFLSB;

c) – apensação dos processos; e finalmente,

d) – indeferimento da nulidade suscitada relativamente ao processo disciplinar.   

A primeva das excepções esgrimidas – a litispendência – atinava com o facto de se encontrar pendente o processo nº 3/16.3YFLSB onde se havia peticionado a nulidade do procedimento disciplinar “(…) representando a invocação de tal questão no âmbito deste processo uma repetição da mesma pretensão (repetição de pedidos), com base nos mesmos fundamentos (repetição de causas de pedir) e entre os mesmos sujeitos”, ora constituindo-se a litispendência com uma excepção dilatória que “(…) é de conhecimento oficioso e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 89.º, n.ºs. 2 e 4, al. l), do CPTA e artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, al. i) do CPC).”;

A segunda das excepções opostas à pretensão da recorrente, foi a declaração de inutilidade superveniente da lide relativamente ao processo n.º 3/16.3YFLSB, por (sic): “(…)após a deliberação do Plenário do CSM de 01-12-2015 foi emitida a deliberação do mesmo Plenário de 16-03-2016, que indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente face à deliberação do Conselho Permanente do CSM de 21-12-2015, que a puniu com a pena disciplinar de advertência.

Esta punição ocorreu no desfecho do processo disciplinar, sendo que, o acto do Exmo. Instrutor do mesmo que não admitiu prova apresentada pela recorrente é – na economia de tal processo disciplinar - meramente interlocutório e instrumental.

Neste contexto, também a deliberação de 01-12-2015, entretanto impugnada, se mostra instrumental da finalização do processo disciplinar que se encontrava em curso.

Nessa medida, a presente impugnação – deduzida nos mesmos moldes e com os mesmos fundamentos com que o foi no aludido processo n.º 3/16.3YFLSB – acarreta a superveniente inutilidade de apreciação do mencionado processo dependente, com extinção da respetiva lide, o que, assim, se requer, podendo tal decisão ser tomada, desde já, pelo Exmo. Relator - cfr. artigos 27.º, n.º 1, al. e) do CPTA”;

- a terceira prendia-se com a apensação do presente processo com o processo n.º 3/16.3YFLSB;

-  a quarta e derradeira excepção - dado que a questão havia sido objecto de impugnação no já referido processo n.º 16.3YFLSB – prendia-se com a nulidade do procedimento disciplinar, por ausência de prática de diligências probatórias que haviam sido requeridas pela recorente e não tinham obtido aceitação e atendimento por banda do instrutor do procedimento – cfr. artigos  20º a 77º da contestação.

As excepções opostas e que seriam impeditivas do prosseguimento deste processo – na alegação do recorrido – foram objecto de decisão no processo n.º 16.3YFLSB, como se alcança do tramo da fundamentação supra transcrito.

Abstemo-nos, em face da decisão assumida no referido processo, de tecer considerações quanto a cada uma das excepções, sendo que se poderia dizer que o recorrido não tinha razão – excepto na eventual apensação de processos – nas pretensões com que pretendia obstar ao conhecimento deste processo. 

Resolvidas as questões que poderiam, na essencialidade, ilaquear a cognoscibilidade do pedido formulado neste processo – a saber a nulidade do procedimento por carência de diligências que fossem assumidas como axiais para o direito de defesa da recorrente, nada obstará que se tome conhecimento do objecto que enforma a pretensão da recorrente. 

Constitui-se como pedido a ser objecto de conhecimento neste processo (sic): “(…) anulabilidade da Deliberação impugnada, nos termos do art. 163.º CPA.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.
II.A. – DE FACTO.
Para a verificação dos pressupostos de facto que ditaram a aplicação da sanção disciplinar, o órgão de disciplina da Magistratura, teve como assentes a factualidade que a seguir queda transcrita.

1. A Sr.ª Juiz ...Dr.ª AA é natural de ..., onde nasceu a ... (... anos de idade);

2. A Sr.ª juiz de Direito Dr. AA foi Auditora de Justiça do ...º Curso Normal de Formação de Magistrados;

3. Após a realização de estágio exerceu sucessivamente funções como Juiz ... nas Comarcas ....onde se manteve até à sua extinção. Actualmente está colocada como Juiz de Direito na Secção Criminal da Instância Central de ... da Comarca de ....

4. Pelo seu desempenho profissional foram-lhe atribuídas até ao momento as seguintes classificações de serviço:

- BOM, pelo desempenho no Tribunal Judicial da Comarca de ...;

- BOM, pelo desempenho no ... Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ... e no Tribunal Judicial da Comarca de...;

- BOM, ainda pelo desempenho no Tribunal Judicial da Comarca de ...;

- BOM COM DISTINÇÃO, pelo desempenho no ...º Juízo Cível da Comarca de ... e na ... Vara Mista da Comarca de ...

5. Do seu registo disciplinar nada consta.

B – Factos apurados

6. Por causa da entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) tornou-se necessário proceder a obras nas instalações do Palácio da Justiça ... sito na Rua ..., visando, no essencial, a construção de oito salas de audiência e a adaptação do espaço existente nos três andares do edifício para instalação das secções de processos e dos gabinetes de trabalho dos magistrados.

7. De acordo com a respectiva programação, e apesar dos inconvenientes e das limitações daí resultantes, a realização das obras no edifício do Palácio da Justiça em ... decorre, desde Setembro de 2014, em simultâneo com o funcionamento dos serviços judiciais ali instalados.

8. A execução das obras nessas condições implicou a necessidade de estabelecimento de regras para compatibilização entre o interesse de execução da obra e o da realização dos actos e diligências processuais em curso sempre que os ruídos provenientes dos trabalhos interferissem com diligências a decorrer, tendo sido acordado que seria ordenada a paragem das obras pelo empreiteiro ou encarregado da obra, desde que tal lhe fosse solicitado através da Sr. Secretária de Justiça em funções no edifício.

9. No desenvolvimento das obras no edifício do Palácio da Justiça ... e no período de funcionamento normal dos serviços ali instalados, houve necessidade de proceder a demolições e ao derrube de paredes, bem como a perfurações com martelos pneumáticos, com a consequente produção de ruídos e poeiras, o que provocou, desde Setembro de 2014, ainda que ocasionalmente, condições de trabalho inadequadas aos profissionais forenses que ali exercem funções e bem assim desconforto físico para eles e para o público em geral quando ali teve que permanecer por largos períodos de tempo. Desde finais de Janeiro de 2015 tem sido, porém, muito menos frequente a produção de ruídos provenientes das obras susceptíveis de interferir com as diligências judiciais em curso.

10. Os oficiais de justiça e magistrados, judiciais e do Ministério Público, em funções no edifício do Palácio da Justiça ... sito na Rua ..., sempre estiveram, desde o início das obras, cientes dos procedimentos a adoptar em caso de se registar um ruído excessivo proveniente das obras em curso, nomeadamente a comunicação à Sr.ª Secretária da Justiça, através do funcionário judicial presente na diligência, para efeito de ser pedida a sua imediata cessação.

Tais procedimentos foram, de resto, formalmente comunicados por escrito pelo Conselho de Gestão da Comarca de ... através mensagem de correio electrónico dirigida aos magistrados e funcionários da Comarca de ... em 28 de Janeiro de 2015.

11. E sendo essa a prática estabelecida e conhecida dos funcionários e dos magistrados judiciais, de facto, a paragem das obras ocorreu em diversas ocasiões na sequência de solicitação feita pela Sr.ª Secretária de Justiça, quando tiveram lugar obras que provocavam maior ruído no rés-do-chão do edifício. Nessas circunstâncias, o empreiteiro ou o encarregado da obra no local ordenou sempre a sua paragem ainda que, por força das condicionantes da obra e da transmissão da ordem aos operários, entre a solicitação e a efectiva paragem das obras e dos correspondentes ruídos, pudessem decorrer alguns minutos.

12. No dia 20 de Janeiro de 2015 decorreu numa sala de audiências do 1º piso do edifício do Palácio da Justiça ... uma das sessões da audiência de julgamento do processo comum 32/13.9JBLSB, sendo o Tribunal Colectivo presidido pela Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA.

13. Decorriam então obras ao nível do rés-do-chão.

14. A audiência de julgamento só foi aberta pelas 11 horas e 35 minutos por ter sido necessário aguardar a chegada dos arguidos presos, constando da respectiva acta, que, após as exposições introdutórias, se registou a seguinte ocorrência:

“Pelas 11:55 foi a audiência novamente interrompida por causa do barulho proveniente das obras que decorrem no edifício.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Na sequência de mais uma interrupção na sequência do barulho das obras, vi-me constrangida a, de novo, notificar o encarregado da obra a fim de que cesse de imediato o ruído impeditivo da realização da audiência do julgamento.

Nessa sequência contactei telefonicamente o Sr. Engenheiro GG que é o elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, o qual foi advertido que se a prossecução da mesma nos impedir de realizar o julgamento, será o mesmo sancionado juntamente com o Sr. Empreiteiro, nos termos previstos no artº 417º do CPC ex vi do artº 4º do CPP.

Notifique.”

15. A mesma acta dá ainda conta de que após a identificação de um dos arguidos, se registou a seguinte ocorrência:

“Pelas 12:06 interrompeu-se novamente a sessão de julgamento por causa do barulho proveniente das obras que decorrem no edifício.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Não obstante a advertência acabada de realizar, certo é que nos obrigaram a interromper novamente o julgamento, razão pela qual se decide condenar o Exm.º Sr. empreiteiro em 2 UC’s de multa por falta de colaboração na realização da justiça (artigo acima citado).

Extraia certidão da presente, enviando para DGAJ, ao CSM e ao IGFEJ, dando nota da impossibilidade de se prosseguir, sem dano para os intervenientes, quer do ponto de vista sancionatório, quer do ponto de vista da realização de julgamentos que se eternizam, por falta de condições de trabalho, que não são facultadas a este Tribunal, para os fins tidos por convenientes, sendo ainda aquele último Instituto, por ofício endereçado ao seu Exmº Presidente, dando conhecimento de que, verificando-se ulteriores situações como as que têm vindo a ocorrer, e perturbam gravemente a realização de julgamentos e por isso, a realização da Justiça, será este Instituto sancionado nos termos do art.º 417º do CPC ex vi do art.º 4º do CPP.

Notifique, dando conhecimento ao Exmº Sr. Juiz Presidente da Comarca.”

16. Por despacho proferido nos autos em 20 de Abril de 2015 e na sequência de requerimento de ... – Construções, a Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA, deu sem efeito a condenação constante do despacho transcrito no ponto 15.

18. No dia 20 de Março de 2015 teve lugar uma sessão da audiência de discussão e julgamento no processo comum 895/10.0JACBR, sendo o Tribunal Colectivo presidido pela Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA.

19. A audiência encontrava-se agendada para as 9 horas e 30 minutos mas apenas foi aberta às 10 horas e 20 minutos dada a circunstância de se terem registado anomalias no funcionamento do sistema de videoconferência que exigiram a realização de diligências tendentes à sua resolução.

20. Da acta da audiência de julgamento conta, após a abertura, a seguinte ocorrência:

“De imediato, a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

“Para o dia de hoje estava designada a inquirição de 9 testemunhas.

A audiência tendo em conta a interposição de férias judiciais corre o risco de ver caducada a prova que aqui seja feita.

O sistema de videoconferência desta sala de audiências mostra não estar a funcionar (e todas as que se encontram neste andar se encontram ocupada mormente com uma reunião com os elementos do CSM e órgão de gestão e magistrados judiciais) não havendo notícia de qualquer outra que nos possa ser disponibilizada, por forma a que possamos iniciar o julgamento sem risco de perder a prova.

As videoconferências foram solicitadas para os tribunais de ... e com a PJ de ....

O reporte quanto à avaria do sistema de videoconferência desta sala de audiências há muito que foi feito pelos canais comuns.

Todavia a situação mantêm-se inalterada, o que a acrescer às inúmeras interrupções que emergem dos ruídos provocados pela obra que se encontra a decorrer neste tribunal, impossibilitam que os julgamentos sejam feitos na cadência e com as condições impostas.

Porque a reunião do CSM tem por objecto a discussão sobre a temática dos VRP afigura-se-nos não só necessária (tendo em conta que legalmente se lhe encontra deferida a competência de gestão dos edifícios da Comarca de...) como pertinente convocar de imediato a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial, a fim de que providencie pela solução deste problema que se vem arrastando há meses sem qualquer solução.

Cumpra-se de imediato, convocando a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial ao meu gabinete.

Notifique.”

21. Consta ainda da acta da mencionada audiência de julgamento que a audiência foi interrompida pelas 10 horas e 52 minutos, bem como o seguinte facto:

“No entretanto foram feitas diligências no sentido de nos ser disponibilizada uma sala de audiência como sistema de videoconferência a funcionar, o que foi possível.”

22. Mais consta da referida acta o seguinte:

“Pelas 11:11, já na sala de audiências afecta ao Tribunal de Trabalho, pela Mmª Juiz Presidente foi declarada reaberta a audiência.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Na sequência da determinação constante da presente acta, contactada a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (a quem foi exibido o despacho “retro” exarado) foi-nos transmitido pela Sr.ª Secretária Judicial que aquela, tendo falado com o Sr. Juiz Presidente, decidiu permanecer na reunião.

Nestes termos extrairá cópia da presente acta, remetendo-a por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Director da DGAJ para os fins tidos por convenientes, mormente disciplinares.

Sem embargo;

Mais extrairá cópia da presente acta, enviando de igual modo, por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM dando nota designadamente da perplexidade que nos suscita, tendo em conta o princípio da independência do Poder Judicial com consagração constitucional que numa reunião onde se discute os VPR (que respeitam exclusivamente à magistratura judicial) se encontrem presentes o Exm.º Sr. Procurador Coordenador e Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (na qual, aliás, esta última decidiu permanecer, ao invés de acatar a ordem de convocação que lhe foi transmitida, proferida no uso do poder de direcção do julgamento que se nos encontra legalmente atribuído – onde se inclui o dever funcional de remoção de todos os obstáculos à sua realização – e que por isso, corporizando uma determinação legítima e legitimamente emanada, não poderia ter sido – como foi – desrespeitada).

Notifique.”

23. Na sequência do despacho transcrito no ponto 20., de que lhe foi dado conhecimento quando se encontrava numa reunião preparatória da fixação dos objectivos dos serviços judiciais da Comarca de ..., a Sr.ª Administradora Judicial da Comarca de ... após receber instruções nesse sentido do Sr. Juiz Presidente da Comarca, permaneceu na mencionada reunião e não se dirigiu ao gabinete da Sr.ª Juiz... Dr.ª AA.

24. A anomalia do funcionamento do sistema de videoconferência na sala de audiências afecta à Secção Criminal da Instância Central de ... era do conhecimento da Sr.ª Administradora Judicial, que tinha anteriormente comunicado a situação à entidade competente com vista à sua resolução.

A anomalia verificada foi entretanto corrigida encontrando-se o sistema de videoconferência a funcionar adequadamente.

25. A Sr.ª Juiz... Dr.ª AA encontra-se ausente ao serviço, por motivo de doença, desde 15 de Maio de 2015, não sendo ainda conhecida a data provável do seu regresso ao serviço.
 26. Por deliberação do Conselho Permanente do CSM de 17 de Março de 2015, foi determinada a realização de uma averiguação sumária à situação comunicada pela Recorrente, referente à ocorrência de ruídos provenientes das obras no edifício onde funciona a Secção Criminal da Instância Central de ... da Comarca de ... no período de funcionamento do Tribunal, com a inerente perturbação das audiências de julgamento, tudo conforme documentado na acta da audiência de julgamento do processo comum n.º 32/13.9JBLSB de 20 de Janeiro de 2015.
27. Após as averiguações tidas por necessárias foi elaborado um relatório pelo Sr. Inspector, no qual concluiu que não havia razão para qualquer intervenção do CSM e que os autos deveriam ser arquivados.
28. Por deliberação, tomada na sessão de 28 de Abril de 2015, o CSM, não concordando com a proposta referida em 2., ordenou se procedesse a inquérito abrangendo não só os factos objecto da anterior averiguação mas também os relativos ao funcionamento do sistema de videoconferência na sala de audiências afecta à Secção Criminal da Instância Central de ..., cuja anomalia havia sido entretanto comunicada por ofício de 26 de Março de 2015, a coberto do qual foi dado conhecimento dos despachos proferidos na acta da audiência de julgamento do processo comum n.º 895/10.0JACBR, ocorrida no dia 20 de Março de 2015.
29. No termo do inquérito realizado, foi elaborado relatório datado de 06-07-2015, em que, além do mais, o Sr. Instrutor formulou a proposta de conversão do inquérito em processo disciplinar contra a Recorrente, por se indiciar ter incorrido na prática de infracção disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público.
30. Por deliberação tomada em 15 de Julho de 2015 pelo Conselho Permanente do CSM, foi decidido converter o inquérito em processo disciplinar, dando origem ao processo n.º 2015-265/PD.
(…) 31. Em 11-12-2015, o Sr. Inspector elaborou relatório final, nos termos do art. 122.º do EMJ, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual propõe que se declare que a recorrente incorreu em infracção disciplinar por violação do dever de prossecução do interesse público, tal como previsto e sancionado na norma resultante da conjugação dos artºs. 82.º, 85.º, n.º 1, al. a) e 86.º do EMJ e do art. 73.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 da Lei n.º 35/2014, de 20-06.
19. No relatório descrito em 18., entre outros factos, resultaram provados os seguintes factos: “10. No desenvolvimento das obras no edifício do Palácio da Justiça ... e no período de funcionamento normal dos serviços ali instalados, houve necessidade de proceder a demolições e ao derrube de paredes, bem como a perfurações com martelos pneumáticos, com a consequente produção de ruídos e poeiras, o que teve como consequência que algumas vezes, desde Setembro de 2014, não existissem adequadas condições de trabalho para os profissionais forenses que ali exercem funções e bem assim desconforto físico para eles e para o público em geral quando ali teve que permanecer por largos períodos de tempo, para além da necessidade de repetição de audiências de julgamento por deficiências na gravação da prova produzida.” E 33. A Sra. Juiz ... Dr.ª AA é considerada pela generalidade dos advogados de ... que com ela lidam como profissional competente e empenhada na realização da justiça e na forma como, em concreto, ela é administrada e que no exercício das suas funções como juiz ... trata com respeito e correcção todos os intervenientes processuais.”
II.B. – DE DIREITO.
II.B.1. – Anulabilidade da Deliberação do Conselho Superior da Magistratura.

Para Ana Fernanda Neves, “a infracção disciplinar é estruturada em torno da violação dos deveres que sobre o trabalhador público impendem.” Porém, “o conceito de infracção disciplinar não se preenche, no entanto, com a violação indefinida de dever ou deveres disciplinares. O conceito de infracção disciplinar não prescinde do «facto», da descrição da conduta que corporize a violação deste ou daquele dever. Os deveres, segundo entendemos, objectivam, sintetizam as regras de disciplina e na medida em que materializam condutas tipificadas, ainda que de forma aberta, como infracções disciplinares, serão susceptíveis de punição enquanto tais.” [[68]]    

Através dos deveres protegem-se certos bens jurídicos, entendidos como refracções dos interesses públicos prosseguidos pelo empregador público e passíveis de serem reconduzidas aos princípios constitucionais da eficácia, da imparcialidade e do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” [[69]]  

Para que ocorra uma infracção disciplinarmente sancionável, torna-se necessário que ocorra uma conduta ilícita, ou seja, que o agente se comporte de modo a contrariar ou a contrapor-se a “uma norma preceptiva ou proibitiva ou como regra convencional.” [[70]/[71]]  
Do mesmo passo, para que possa ser imputada uma responsabilidade disciplinar a um agente, deve sugerir-se ou sacar-se o elemento culposo da conduta ou comportamento contrário a uma prescrição legal, preceptiva ou proibitiva. A culpa traduz-se numa realização ou manifestação de vontade dirigida à concretização de um desiderato que, na sua afirmação e desenvolvimento executivo, se prefigura como contrário a um dever ou a uma regra de conduta a que, funcionalmente, o agente está adstrito.   

Os deveres são uma dimensão do conteúdo da relação jurídica de emprego. São prescrições de comportamentos funcionais do trabalhador no âmbito da mesma, não fungíveis nem transmissíveis.” [[72]]  

Para a apreciação da conduta – reprovável e censurável, no plano dos interesses e valores a prosseguir pelos magistrados judiciais na administração da justiça e correlatamente da administração geral do Estado – talvez não seja despiciendo recensear os factos mais salientes e que terão determinado órgão de disciplina a concluir pela subsunção dessa factualidade à violação do dever de prossecução do interesse público.

Em síntese apertada (i) no dia 20 de Janeiro de 2015, a Senhora Juíza presidia a uma audiência no 1º piso do edifício do Palácio da Justiça de ...; (ii) na data indicada decorriam obras no rés-do-chão do referido edifício; (iii) na acta da audiência consta ter a mesma sido interrompida, pelas 11;55, devido ao barulho proveniente das obras que decorriam no edifício; (iv) a Senhora Juíza arguida ditou o sequente despacho: “Na sequência de mais uma interrupção na sequência do barulho das obras, vi-me constrangida a, de novo, notificar o encarregado da obra a fim de que cesse de imediato o ruído impeditivo da realização da audiência do julgamento.

Nessa sequência contactei telefonicamente o Sr. Engenheiro GG que é o elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, o qual foi advertido que se a prossecução da mesma nos impedir de realizar o julgamento, será o mesmo sancionado juntamente com o Sr. Empreiteiro, nos termos previstos no artº 417º do CPC ex vi do artº 4º do CPP.

Notifique.”; (v) consta da acta que às 12;06 foi a audiência novamente interrompida, tendo a Senhora Juíza feito lavrar o sequente despacho: “Não obstante a advertência acabada de realizar, certo é que nos obrigaram a interromper novamente o julgamento, razão pela qual se decide condenar o Exm.º Sr. empreiteiro em 2 UC’s de multa por falta de colaboração na realização da justiça (artigo acima citado).

Extraia certidão da presente, enviando para DGAJ, ao CSM e ao IGFEJ, dando nota da impossibilidade de se prosseguir, sem dano para os intervenientes, quer do ponto de vista sancionatório, quer do ponto de vista da realização de julgamentos que se eternizam, por falta de condições de trabalho, que não são facultadas a este Tribunal, para os fins tidos por convenientes, sendo ainda aquele último Instituto, por ofício endereçado ao seu Exmº Presidente, dando conhecimento de que, verificando-se ulteriores situações como as que têm vindo a ocorrer, e perturbam gravemente a realização de julgamentos e por isso, a realização da Justiça, será este Instituto sancionado nos termos do art.º 417º do CPC ex vi do art.º 4º do CPP. Notifique, dando conhecimento ao Exmº Sr. Juiz Presidente da Comarca.”; (vi) no dia 20 de Abril, a Senhora Juíza, sob requerimento da empresa, deu sem efeito a condenação referida no item antecedente; (vii) no dia 20 de Março de 2015, no decurso da audiência de julgamento designada no processo 895/10.0JACBR, verificaram-se anomalias no funcionamento do sistema de videoconferência o que motivou a dilação na abertura da mesma; (viii) a Senhora Juíza ditou para a acta o sequente despacho: “Para o dia de hoje estava designada a inquirição de 9 testemunhas.

A audiência tendo em conta a interposição de férias judiciais corre o risco de ver caducada a prova que aqui seja feita.

O sistema de videoconferência desta sala de audiências mostra não estar a funcionar (e todas as que se encontram neste andar se encontram ocupada mormente com uma reunião com os elementos do CSM e órgão de gestão e magistrados judiciais) não havendo notícia de qualquer outra que nos possa ser disponibilizada, por forma a que possamos iniciar o julgamento sem risco de perder a prova.

As videoconferências foram solicitadas para os tribunais de ... e com a PJ de ....

O reporte quanto à avaria do sistema de videoconferência desta sala de audiências há muito que foi feito pelos canais comuns.

Todavia a situação mantêm-se inalterada, o que a acrescer às inúmeras interrupções que emergem dos ruídos provocados pela obra que se encontra a decorrer neste tribunal, impossibilitam que os julgamentos sejam feitos na cadência e com as condições impostas.

Porque a reunião do CSM tem por objecto a discussão sobre a temática dos VRP afigura-se-nos não só necessária (tendo em conta que legalmente se lhe encontra deferida a competência de gestão dos edifícios da Comarca de...) como pertinente convocar de imediato a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial, a fim de que providencie pela solução deste problema que se vem arrastando há meses sem qualquer solução.

Cumpra-se de imediato, convocando a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial ao meu gabinete.”; (ix) a audiência prosseguiu, entretanto numa outra sala de audiência do tribunal (afecta ao tribunal de trabalho), e pelas 11;11 a Senhora Juíza fez exarar na acta o sequente despacho: “Na sequência da determinação constante da presente acta, contactada a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (a quem foi exibido o despacho “retro” exarado) foi-nos transmitido pela Sr.ª Secretária Judicial que aquela, tendo falado com o Sr. Juiz Presidente, decidiu permanecer na reunião.

Nestes termos extrairá cópia da presente acta, remetendo-a por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Director da DGAJ para os fins tidos por convenientes, mormente disciplinares.

Sem embargo;

Mais extrairá cópia da presente acta, enviando de igual modo, por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM dando nota designadamente da perplexidade que nos suscita, tendo em conta o princípio da independência do Poder Judicial com consagração constitucional que numa reunião onde se discute os VPR (que respeitam exclusivamente à magistratura judicial) se encontrem presentes o Exm.º Sr. Procurador Coordenador e Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (na qual, aliás, esta última decidiu permanecer, ao invés de acatar a ordem de convocação que lhe foi transmitida, proferida no uso do poder de direcção do julgamento que se nos encontra legalmente atribuído – onde se inclui o dever funcional de remoção de todos os obstáculos à sua realização – e que por isso, corporizando uma determinação legítima e legitimamente emanada, não poderia ter sido – como foi – desrespeitada).”; (x) Na sequência do despacho transcrito no ponto 20., de que lhe foi dado conhecimento quando se encontrava numa reunião preparatória da fixação dos objectivos dos serviços judiciais da Comarca de ..., a Sr.ª Administradora Judicial da Comarca de ..., após receber instruções nesse sentido do Sr. Juiz Presidente da Comarca, permaneceu na mencionada reunião e não se dirigiu ao gabinete da Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA.

No plano do direito administrativo soe definir-se a prossecução do interesse público como aquele dever que os órgãos da administração e os seus agentes devem inculcar na gestão e realização dos actos públicos tendo em vista conseguir que as necessidades dos interesses dos particulares quando recorrem à administração púbica sejam satisfeitos pela forma mais expedita e satisfatória.

A administração pública e o direito administrativo só podem compreender-se com recurso à ideia de interesse público. O interesse público é o norte da administração pública.

Sendo a função administrativa uma sanção secundária do Estado, o que se traduz na sua subordinação ao princípio da legalidade, não cabe à administração qualquer papel na escolha dos interesses públicos a prosseguir: aquela está vinculada a prosseguir o interesse público ta como primariamente definido pela Constituição objecto de concretização pela lei, da identificação dos contornos da necessidade colectiva a satisfazer, a decisão da sua satisfação por processos colectivos e a definição dos termos mediante os quais tal satisfação deve proceder-se.

O princípio da prossecução do interesse público constitui um dos mais importantes limites da margem de livre decisão administrativa, assumindo um duplo alcance.

- A Administração só pode prosseguir o interesse público, estando consequentemente proibida de prosseguir, ainda que acessoriamente, interesses privados;

- A Administração só pode prosseguir os interesses públicos especificamente definidos por lei para cada concreta actuação administrativa normativamente habilitada.

Uma actuação administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios à finalidade normativa de poder exercido é ilegal e está vinculada de desvio de poder, respectivamente por motivo de interesse privado ou por motivo de interesse público, o que acarretará a sua invalidade.     

O princípio da prossecução do interesse público releva também ao nível da delimitação das atribuições das pessoas colectivas administrativas, que existem para a prossecução dos interesses públicos determinado, e, indirectamente, para a delimitação das competências dos seus órgãos. A violação do princípio da prossecução do interesse público por prossecução de um interesse público que compete a um órgão diferente prosseguir traduz-se sempre num vício de incompetência.

O princípio da prossecução do interesse público não permite definir qual é, em cada caso concreto, a melhor forma de prosseguir o interesse público.

O conceito de interesse público reveste-se de um elevado grau de indeterminação, pelo que a administração goza de uma ampla margem de decisão quanto ao modus faciendi da sua prossecução.

Isto não significa que a Administração não esteja sujeita ao dever de uma boa administração, ela tem o dever de prosseguir os interesses públicos legalmente definidos da melhor maneira possível.
ART. 81º, c) CRP e 10º CPA: O cumprimento do dever de boa administração não pode, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, ser sindicado pelos tribunais; está dentro da esfera do mérito da actuação administrativa.

A violação do dever de boa administração pode dar lugar à revogação, modificação ou substituição de actos ou regulamentos administrativos pelos órgãos para tal competentes, bem como fundamentar a utilização de meios administrativos de impugnação por parte dos particulares.” [[73]]

Conexo e em paridade com este princípio avulta o princípio da proporcionalidade. [[74]]

O princípio da administração pública está consagrado no artigo 266.º, n.º1, da CRP, “A Administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” e no artigo 4.º, do CPA, “Compete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”.

A noção de “interesse público” acompanha a evolução social, variando. Por este motivo, não pode ser definido de forma rígida. Apesar disto, este conceito tem sido representado como a esfera de necessidades vitais, de uma determinada comunidade, que só coletivamente prosseguidas podem ser satisfeitas.

Segundo o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva, a Administração Pública “existe, atua e funciona para prosseguir o interesse público”. No entanto, a prossecução deste fim é pautada por certos limites e respeito por determinados valores.

O princípio da legalidade subordina a Administração à lei, pelo que os interesses públicos de que a administração se ocupa são definidos por lei e a administração tem obrigatoriamente que os prosseguir, o que justifica a autonomização da administração no quadro das funções do Estado – correspondendo ao poder discricionário da Administração. O exercício do poder discricionário é condicionado pela ordem jurídica, devendo ser exercido de acordo com os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé. Se a Administração prosseguir interesses privados, está-se perante uma situação de desvio de poder, sendo nulos os atos praticados. A Administração, ainda de acordo com o princípio da legalidade, não pode violar as situações juridicamente protegidas dos particulares.

O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respetivos órgãos - princípio da especialidade. A prossecução de um interesse público que compete a um órgão diferente prosseguir traduz-se num vício de incompetência.

Na prossecução do interesse público, a Administração detém flexibilidade para decidir em cada caso concreto a melhor solução possível, do ponto de vista técnico e financeiro, o que introduz um conceito importante: o dever de boa administração. Este conceito está retratado no artigo 5.º do CPA de 2015. Apesar de se tratar de um dever da administração, não há consequências jurídicas no caso da administração não utilizar os meios mais eficientes do ponto de vista técnico, financeiro ou administrativo. No entanto, e apesar de existir garantias para os particulares que podem ter como fundamento os vícios de mérito do ato administrativo, bem como existem sanções para os funcionários, órgãos e agentes da administração que não cumprem com os deveres de zelo e aplicação ou pratiquem atos ilícitos culposos, não há maneira dos tribunais controlarem o mérito da ação administrativa.” [[75]]

À luz dos ensinamentos recolhidos temos para nós que a conduta da Senhora Magistrada não é susceptível de ser subsumida a uma materialidade ilícito-objectiva consubstanciada numa violação do dever de prossecução do interesse público.

Se atentarmos na factualidade relevante o que dela ressuma é (i) uma divertida orientação de saber e conhecimento jurídico quando comina uma sanção pecuniária a um sujeito que não é interveniente processual; (ii) um divertido entendimento da sua função jurisdicional quando manda comparecer a administradora do tribunal no seu gabinete; (iii) uma empolgada, exacerbada e exasperada insensibilidade quando tece considerações acerca de quem participa, ou deve participar, nas reuniões da administração do tribunal de Setúbal onde se discutiam os VPR (Valores Processuais de Referência).

O uso abusivo da acta de uma audiência para tecer comentários acerca de actos que se realizam no tribunal, dos seus intervenientes e da competência de cada um deles para discutir assuntos que, do seu ponto de vista mereceriam, ter outra abordagem não se constitui como infracção do dever de prossecução do interesse público. Antes, em nosso juízo e na análise que fazemos do que deve nortear o proclamado dever, a conduta da Senhora magistrada se pauta por um abuso de utilização de meios processuais para expressar valorações que colimam com questões de gestão do tribunal. O abuso e desconformidade da utilização de meios processuais para tecer considerações acerca de quem deve estar, ou não, presente na discussão de questões, em seu juízo, não diriam respeito à administradora do tribunal deve constituir, em nosso juízo, matéria de valoração no foro inspectivo e não de prossecução do dever de prossecução do interesse público. A impertinência das considerações exaradas em acta, tendo em conta a função de uma acta de audiência e julgamento, não afectam o interesse público, mas tão só a conduta da Senhora Juíza em matéria do desempenho da sua função jurisdicional e do comportamento de um presidente de um tribunal na condução de uma audiência. Se um magistrado, a pretexto da necessidade de reparar um deficiência de funcionamento de um meio de interlocução para interrogatório/audição de testemunha convoca a administradora de um tribunal e ela não comparece, por que está numa reunião em que intervêm o presidente do tribunal e outros elementos da gestão, não ocorre razoabilidade e proporcionalidade na ordem de exaração em acta de audiência da ocorrência. Só que retirar desse comportamento uma violação do dever de prossecução do interesse público, tal como ficou debuxado supra, não se nos afigura adequado e correcto.

Caberia perguntar, sempre à luz dos  ensinamentos que deixamos exarados supra, que interesse público violou a Senhora magistrada. O dever de boa administração da justiça? Parece-nos correcto afirmar que a Senhora magistrada exerceu a sua função jurisdicional de forma transviada e desconforme com a ajustada e adequada gestão de uma audiência de discussão e julgamento, não fazendo verter em acta actos ou ocorrências que não atinem directa e imediatamente com o que se passa de relevante e que deve ser objecto de menção com o tema e o objecto do julgamento. E neste aspecto, tanto no primeiro caso – cominação de uma sanção pecuniária a um pessoa que não era interveniente no processo –, como no segundo – querer fazer comparecer a administradora judicial que estava a participar numa reunião com outros membros da gestão do tribunal – se nos afigura que a Senhora magistrada demonstrou ter uma perspectiva enviesada e ignara do que (a) deve ser o poder de cominar e impor sanções pecuniárias e a quem devem ser cominadas; (b) da sua função jurisdicional e da impossibilidade que dela deriva de não intervir junto de pessoas sobre quem não  possui poder de direcção e orientação.
A Senhora magistrada evidencia um comportamento inadequado e divertido do que deve ser o desempenho, a competência e o funcionamento (i) de um juiz presidente na condução de uma audiência de discussão e julgamento; (ii) da competência de uma magistrado relativamente a pessoas que prestam serviço num tribunal e que não dependam directamente do magistrado; (iii) de como, com bom senso, respeito pela função jurisdicional e comedimento na utilização de meios processuais o magistrado se deve conduzir. No entanto, itera-se, são desvios de desempenho que não cabem, em nosso juízo, num dever de prossecução do interesse público. Antes se entende que releva para efeitos de desempenho funcional e de valorização de carreira individual da magistrada em causa.       

Nem, em jeito de remate, se nos afigura que a senhora magistrada tenha infringido o dever de zelo no sentido em que o dever de zelo e/ou diligência, se consubstancia, ou conleva, numa injunção, para o agente que exerça funções públicas, de observância de um comportamento colimado com o dever funcional em que está inerido. [[76]/[77]]

“Como a este propósito referia o Prof. Marcello Caetano "não basta ... saber fazer: é preciso fazer bem, com diligência, com exactidão, com empenho, isto é, torna-se necessário que o funcionário, além de sabedor do seu ofício («profissionalmente competente», como se costuma dizer), seja zeloso." (cf. "Manual de Direito Administrativo", vol. II, pág. 743).

E continua aquele Professor (in: ob. cit., vol. II, págs. 742/743 "(...) Também o dever de zelo abrange uma vasta zona de obrigações. Em primeiro lugar, o funcionário deve ter em dia o serviço que lhe é distribuído, isto é, há-de ser diligente no trabalho, evitando as demasiadas delongas, os atrasos que tanto prejudicam a Administração e o público. Embora deva ponderar com cuidado e atenção o que faz, não lhe é lícito demorar os assuntos em que intervém, mais do que o estritamente necessário.

O funcionário deve de ser escrupuloso para evitar erros de ofício, quer nas decisões tomadas, quer nas informações prestadas aos seus superiores ou ao público. Além desses erros correspondentes à divergência entre a realidade e aquilo que se toma por verdadeiro, há os próprios erros materiais nas tarefas de execu­ção - os erros de cálculo ou de escrita que, quando repetidos ou reveladores de falta de cuidado na revisão dos trabalhos realizados, igualmente demonstram negligência profissional. (...)." [[78]]

Constitui-se como função da magistratura judicial, a administração da justiça “de acordo com as fontes a que, segundo a lei, deva recorrer e fazer executar as suas decisões” – cfr. n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que “não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade, ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado.” – cfr. n.º do preceito citado (o sublinhado é, naturalmente, nosso).     

Decorre do art. 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que. “Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados por magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais”.

No domínio do direito sancionatório disciplinar, tal como acontece no caso de uma imputação objectiva e subjectiva de um facto contrário ao ordenamento jurídico, ilícito e antijurídico, torna-se necessário, para que seja imputável a um sujeito a prática de um ilícito disciplinar, que:   

- tenha ocorrido um comportamento activo ou omissivo por parte de magistrado judicial que se traduza numa conduta formalmente desadequada e desconforme a um dever geral de conduta tal como ele se encontra definido e descrito na cartilha estatutária e de funcionamento e desempenho funcional dos magistrados;

- que esse comportamento ou conduta revista a natureza de ilícita, ou seja, que ocorre uma situação subjectiva e objectiva de contraditoriedade da conduta revelada ao que está determinado numa norma jurídica relativamente à observância de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida;

- que se verifique um nexo de imputação do facto ao agente; e, finalmente, que na substancialidade da conduta ressuma uma censurabilidade, a título de dolo ou negligência.

Os elementos objectivos que decorrem do estatuído no art. 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) afastam da integração de conduta como ilícito disciplinar a mera conclusão de um prejuízo genérico. Na verdade, de acordo com o citado preceito, apenas constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais, com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou os que, sendo da vida privada, naquela se repercutam e sejam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.

Os deveres profissionais dos juízes são os afirmados pelos artigos 8.º e seguintes do EMJ e, também, por força do art. 131.º do mesmo EMJ, os anteriormente alinhados nos art. 3.º do EDTFP (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008 de 9/9) e, hodiernamente, no art. 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho).

À luz do que deixamos expendido, entendemos que não se encontram preenchidos os pressupostos materiais de facto que permitam a imputação à Senhora magistrada arguida a prática de um ilícito disciplinar substanciado numa violação do dever de prossecução do interesse público, pelo que a deliberação em que foi aplicada a sanção de advertência por violação do mencionado dever não deverá subsistir.

III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acorda-se na secção contenciosa do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- anular a deliberação impugnada;

- Condenar o Conselho Superior da Magistratura nas custas, fixando-se a taxa de Justiça em 3 Uc´s.

                      Lisboa, 4 de Maio de 2017

-----------------------
[1] Queda extractada a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, de 15.03.2016, objecto da impugnação contenciosa por banda da recorrente.
“Procedimento n.º 265/2015 – PD

I. A Exma. Sra. Juíza de Direito AA reclama, para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, da deliberação, tomada na sessão do Permanente do mesmo órgão do passado dia 21 de Dezembro de 2015, que no âmbito do presente procedimento disciplinar a sancionou com a pena de advertência, “por violação do dever de prossecução do interesse público, tal como previsto (…) na norma resultante da conjugação dos arts. 82, 85/1, a), e 86 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do art. 73/2, a), e 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06.”
Alega, em síntese, que:

Na deliberação reclamada, que acolheu na íntegra o relatório final, foram considerados factos – os dos pontos 26 a 31 da fundamentação – que não constavam do despacho de acusação, assim se violando “as garantias de defesa plasmadas nos arts. 32 e 269 da Constituição da República Portuguesa” e “fazendo uma interpretação das normas constantes dos números 1 e 3 da LGTFP que  vai ao arrepio daqueles princípios constitucionais, pelo que ocorre a nulidade prevista no art. 203/1 da LGTFP”;
A deliberação é ilegal uma vez que pressupõe a sindicância de despachos judiciais, proferidos pela Reclamante, o que está vedado ao Conselho Superior da Magistratura por força do princípio da independência do poder judicial, consagrado no art. 203 da Constituição da República Portuguesa;
A Reclamante, ao proferir os despachos em causa, procurou assegurar as condições necessárias à prática de atos processuais, o que configura o cumprimento do dever de prossecução do interesse público e não a sua violação;
A interpretação do conceito de interesse público vertida na deliberação Reclamada, ao impor aos magistrados judiciais o dever específico de assegurarem confiança em órgãos e agentes administrativos, designadamente os juízes presidentes e os administradores judiciários, afronta os princípios constitucionais da independência dos magistrados judiciais e da separação de poderes, consagrados, respectivamente, nos arts. 203 e 2.º da Constituição da República;

Tal deliberação configura, também, uma “violação grave do direito à livre expressão”, tutelado no art. 37 da Constituição da República, atentando assim contra um direito fundamental da Reclamante;
A deliberação reclamada omite que os procedimentos de comunicação da Comarca de ... são ineficazes, por não ter sido lavrada ata da reunião do Conselho de Gestão em que foram aprovados.

Conclui que “não cometeu qualquer infracção disciplinar, ou, se assim se não entender, que ocorreu nulidade do processo disciplinar e ilegalidade na deliberação reclamada, com as legais consequências.”

II.1. Os pontos da alegação da Reclamante, tal como sucintamente expostos, delimitam as questões a apreciar, a primeira das quais assume natureza prejudicial, por importar, em caso de procedência, a invalidade de atos inscritos no iter procedimental, inviabilizando o conhecimento do mérito.

2.1. Para conhecer dela, lembramos que o objecto do processo disciplinar não é definido pelo relatório final, mas pelo despacho de acusação.

Neste sentido, escreve Ana Fernanda Neves (O Direito Disciplinar da Função Pública, II, Lisboa: FDUL, 2007, p. 391), que a acusação delimita o thema decidendum, o objecto das imputações feitas ao trabalhador.

O órgão com competência disciplinar fixa e declara de modo estrito e categórico a sua posição acusatória face ao trabalhador arguido autor da prática de infracção ou infracções disciplinares, concretizada em factos, descritos de maneira “suficientemente completa” – que inclui as circunstâncias de tempo, modo e lugar e as circunstâncias atenuantes ou agravantes –, e clara, “por forma a que o arguido não possa erradamente representá-los”, e concretizada nas normas infringidas e na sanção abstractamente aplicável.

Como escreve Carlos Fernandes Cadilha (“Direito disciplinar da função pública. Alguns tópicos”, 2003, p. 1), “[s]e nada obsta a que na pendência de um procedimento disciplinar, o objecto da investigação se alargue a outras infracções entretanto também participadas” ou conhecidas, o ajustamento de novas infracções posterior ao despacho acusatório ou a introdução de alterações significativas ao mesmo implica a reelaboração da acusação e a concessão de novo período de defesa ao trabalhador.” Este não pode ser sancionado senão pelos factos constantes da acusação, que é a pedra de toque da defesa do trabalhador, o pilar do contraditório. É o momento do confronto do trabalhador com a juridicidade da infracção e com as consequências que legalmente estão previstas. Por isso, a acusação tem de elencar com precisão os factos e apontar a sua qualificação jurídica. A defesa à acusação é a defesa contra “o todo juridicamente possível”, no concreto. A fixação dos factos e a apreciação de direito no relatório/decisão final, ao dever conter-se necessariamente nos limites daquela, nada subtrai à pronúncia do arguido (cf. Parecer n.º 141/2001, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Diário da República, II Série, n.º 184, de 10 de Agosto de 2002, p. 13 750, § 5).

Se a instauração de procedimento disciplinar representa já um encargo para o trabalhador, a acusação é-o de forma mais intensa e concreta. Daí que a exigência quanto à elaboração da acusação seja também uma forma de impor uma “cuidada e ponderada análise de todo o circunstancialismo dos factos em discussão, de maneira a não bulir com direitos de personalidade e de imagem de seriedade e de dignidade que todo o indivíduo tem de si mesmo e pretende salvaguardar” (Ac. do STA de 20.03.2003, processo n.º 0369/02, disponível em www.dgsi.pt). Daí que, como salienta Ana Fernanda Neves (O Direito cit., p. 392), é “sob a perspectiva da garantia do direito de defesa que é tríada a possibilidade de aproveitamento de acusação que padeça de alguma insuficiência factual. Se o arguido tiver mostrado entender o sentido e alcance da acusação, dela defendendo-se sem limitações, não pode concluir-se pela falta de audiência do arguido e, portanto, pela verificação de nulidade insuprível. Este entendimento, reiterado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem de ser visto nos exactos termos da sua exigência, que a frase retirada do Ac. de 20.03.2003 explicita. É preciso que seja inequívoco que o arguido compreende “o sentido e alcance da acusação”, por um lado, e, pelo outro, que pode dela defender-se “sem limitações.”

A alteração dos factos que não os coloque fora do recorte informacional levado à acusação, assim como a alteração de qualificação jurídica para um patamar inferior de gravidade, de modo a que se possa dizer com

segurança que não propicia acrescento defensivo não passível de ser aduzido em face da anterior acusação, não justifica a apresentação de nova acusação (sem prejuízo, da eventual pertinência de nova audição). Uma alteração substancial da acusação (v.g., consideração de factos novos, redefinição mais gravosa dos factos, consideração de circunstâncias agravantes, modificação que agrave a qualificação jurídica) subsequente à respectiva notificação importa notificação da nova acusação e a reabertura ou o reajustamento do período de defesa.

2.2. Isto dito, vejamos se a deliberação reclamada, ao remeter para o relatório, considerou factos não inscritos no despacho de acusação.

Estão em causa, segunda a alegação da Reclamante, os factos dos pontos 26 a 31 da fundamentação.

2.2.1. No primeiro desses pontos pode ler-se que a Reclamante “conhecia bem os procedimentos a adoptar em caso de existência de ruídos provenientes das obras em curso susceptíveis de interferir com a realização das audiências de julgamento e que a solicitação ao empreiteiro para paragem das obras deveria ser feita através da Sra. Secretária de Justiça.”

Este facto, de natureza subjectiva, constava do ponto 10 da acusação, do seguinte teor: “Os oficiais de justiça e magistrados, judiciais e do Ministério Público, em funções no edifício do Palácio da Justiça de Setúbal [entre os quais se incluía a Reclamante] (…) sempre estiveram, desde o início das obras, cientes dos procedimentos a adoptar em caso de se registar um ruído excessivo proveniente das obras em curso, nomeadamente a comunicação à Sra. Secretária de Justiça, através do funcionário judicial presente na diligência, para efeito de ser pedida a sua imediata cessação.”

Não foi, portanto, introduzida qualquer novidade.

2.2.2. No ponto 27 pode ler-se que a Reclamante “sabia também que não cabia nos poderes de disciplina e direção da audiência de julgamento que lhe estão atribuídos por lei enquanto presidente do tribunal coletivo qualquer competência relativa à utilização das salas de audiência e à manutenção da qualidade e segurança dos espaços físicos do tribunal e que tal competência está legalmente atribuída aos órgãos de administração da comarca.”

Este ponto reproduz o que constava do § 4 da parte III do despacho de acusação: “A Sra. Juiz de Direito Dra. AA sabendo – como não podia deixar de saber – que a utilização das salas de audiência e a manutenção da qualidade e segurança dos espaços – que era do que, em verdade, se tratava – era da competência legal dos órgãos de administração da comarca e que tinha sido estabelecido um procedimento a observar sobre a forma de interpelar os responsáveis da obra para que terminasse o ruído dela proveniente, afastou objectivamente a interpelação através da Sra. Secretária de Justiça, como tinha sido estabelecido, chamando a si competências que não tinha e a lei lhe não atribuiu.”

Deste modo, também aqui não foi introduzida qualquer novidade.

2.2.3. No ponto 28 pode ler-se que a Reclamante, “no dia 20 de Janeiro de 2015 (…) interpelou directamente, por via telefónica, o engenheiro que identificou como elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, como descrito no ponto 16, chamando a si a competência, que sabia não ter, de fiscalização e sancionamento do modo de execução da obra em custo e dos transtornos causados.”

Este facto foi mencionado pela própria Reclamante, no despacho que, na qualidade de presidente do tribunal colectivo que procedeu ao julgamento no processo comum n.º 32/13.9JBLSB, proferiu no dia 20 de Janeiro de 2015, transcrito no ponto 14 do despacho de acusação. Nessa medida, integrava já o objeto do procedimento.

2.2.4. No ponto 29 pode ler-se que a Reclamante, ao atuar nos termos que ficaram descritos, “colocou publicamente em causa o respeito pelas competências legalmente atribuídas aos órgãos de gestão da comarca de Setúbal que, de resto, tinham já estabelecido os procedimentos a adoptar em situações semelhantes, como era do seu conhecimento.”

O primeiro segmento deste ponto assume natureza conclusiva e nenhuma novidade traz relativamente ao objecto gizado na acusação, peça na qual se concluiu, precisamente, que a Reclamante, com a sua actuação, colocou em causa as competências dos órgãos de gestão, designadamente do administrador judiciário, e com isso violou o dever de prossecução do interesse público.

O segundo segmento – o estabelecimento, pelos órgãos de gestão, do procedimento a adoptar em caso de ruído perturbador dos actos processuais – estava referido no ponto 10 do despacho de acusação; e o terceiro – o conhecimento, por parte da Reclamante, desse procedimento – no ponto 14, supra transcrito.

Também aqui não foi introduzida qualquer novidade.

2.2.5. No ponto 30 pode ler-se que a Reclamante “sabia também, no dia 20 de Março de 2015, que não cabia nos já mencionados poderes de direcção e disciplina da audiência fazer exarar em ata, porque estranhas ao objecto do processo, quaisquer considerações acerca dos objectivos de uma reunião de trabalho do Conselho Superior da Magistratura que decorria no edifício do Palácio da Justiça de ... nem da necessidade da presença de qualquer pessoa nessa reunião.”

No despacho de acusação, transcreveu-se, no ponto 20 da parte II, o despacho proferido pela Reclamante na ata da sessão da audiência de julgamento do processo comum n.º 895/10.0JACBR e acrescentou-se, no ponto 11 da parte III, que a Reclamante “manifestou publicamente em ata de audiência de julgamento um facto que era estranho ao ato em curso”, o que tem implícito o conhecimento que a mesma tinha dessa circunstância – conhecimento que, diga-se, é o único facto subjectivo conforme às regras do id quod plerumque accidit e não foi negado na defesa.

Também aqui não foi, pelo exposto, introduzida qualquer novidade.

2.2.6. No ponto 31 pode ler-se que a Reclamante “sabia que a LOSJ atribui ao administrador judiciário competências próprias que exerce, no que se refere à utilização das salas de audiência, sob a orientação do juiz presidente da comarca e que, na situação descrita não estava sujeita a instruções suas, sendo certo que a Sra. Juiz de Direito ora arguida sabia que a Sra. Administradora Judiciário actuou em conformidade com instruções recebidas do Sr. Juiz Presidente da Comarca de ...”

Este facto, do foro interno da Reclamante, estava contido no que foi escrito no ponto 10 da parte III do despacho de acusação, não implicando, por isso, qualquer adição ao objecto do procedimento.

3. Em conformidade com o que antecede, temos forçosamente de concluir que a primeira questão suscitada pela Reclamante deve ter uma resposta negativa, o que deixa o caminho aberto para o conhecimento das restantes, situadas ao nível do mérito do procedimento.

III.1. Previamente, transcrevemos os factos que resultaram da instrução e que, como tal, foram considerados na deliberação reclamada, bem como a motivação dos mesmos:

A – Antecedentes pessoais

1. A Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA é natural de ... onde nasceu a ... (...anos de idade);

2. A Sr.ª juiz de Direito Dr. AA foi Auditora de Justiça do ...º Curso Normal de Formação de Magistrados, que concluiu com aproveitamento;

3. Após a realização de estágio exerceu sucessivamente funções como Juiz de Direito nas Comarcas de [...], ... Juízo Cível da Comarca de ..., ,...ª Vara Mista da Comarca de ...e nas Varas Mistas da Comarca de ... onde se manteve até à sua extinção. Atualmente está colocada como Juiz de Direito na Secção Criminal da Instância Central de ...da Comarca de ...

4. Pelo seu desempenho profissional foram-lhe atribuídas até ao momento as seguintes classificações de serviço:

- BOM, pelo desempenho no Tribunal Judicial da Comarca de ...;

- BOM, pelo desempenho no ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ... e no Tribunal Judicial da Comarca de ...;

- BOM, ainda pelo desempenho no Tribunal Judicial da Comarca de ...;

- BOM COM DISTINÇÃO, pelo desempenho no ...º Juízo Cível da Comarca de ... e na ...ª Vara Mista da Comarca de ...;

- BOM COM DISTINÇÃO, pelo desempenho na ...ª Vara Mista de ...e na Vara Mista de ... no período compreendido entre 20 de Março de 2007 e 22 de Outubro de 2012, notação atribuída em 6 de Outubro de 2015 e que se mantém em vigor.

5. Do seu registo disciplinar nada consta registado anteriormente à pendência do presente processo disciplinar.

B – Factos apurados neste processo

6. Por causa da entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) tornou-se necessário proceder a obras nas instalações do Palácio da Justiça ... sito na Rua ..., visando, no essencial, a construção de oito salas de audiência e a adaptação do espaço existente nos três andares do edifício para instalação das secções de processos e dos gabinetes de trabalho dos magistrados.

7. De acordo com a respetiva programação, e apesar dos inconvenientes e das limitações daí resultantes, a realização das obras no edifício do Palácio da Justiça de ... decorreu, desde Setembro de 2014, em simultâneo com o funcionamento dos serviços judiciais ali instalados.

8. A execução das obras nessas condições implicou a necessidade de estabelecimento de regras para compatibilização entre o interesse de execução da obra e o da realização dos atos e diligências processuais em curso sempre que os ruídos provenientes daquela interferissem com estes, tendo sido acordado que seria ordenada a paragem das obras pelo empreiteiro ou encarregado da obra, desde que tal lhe fosse solicitado através da Sr.ª Secretária de Justiça em funções no edifício.

9. Os oficiais de justiça e magistrados, judiciais e do Ministério Público, em funções no edifício do Palácio da Justiça ... sito na Rua ... estiveram sempre, desde o início das obras referidas no ponto 6., cientes dos procedimentos a adoptar em caso de se registar um ruído excessivo proveniente das obras em curso, nomeadamente que a situação deveria ser comunicada à Sr.ª Secretária da Justiça, através do funcionário judicial presente na diligência, para que ela solicitasse a imediata cessação das obras que o causavam.

10. No desenvolvimento das obras no edifício do Palácio da Justiça ... e no período de funcionamento normal dos serviços ali instalados, houve necessidade de proceder a demolições e ao derrube de paredes, bem como a perfurações com martelos pneumáticos, com a consequente produção de ruídos e poeiras, o que teve como consequência que algumas vezes, desde Setembro de 2014, não existissem adequadas condições de trabalho para os profissionais forenses que ali exerciam funções e bem assim que se verificasse desconforto físico para eles e para o público em geral quando ali teve que permanecer por largos períodos de tempo, para além da necessidade de repetição de audiências de julgamento por deficiências na gravação da prova produzida.

11. O procedimento estabelecido – tal como descrito no ponto 9. – revelou-se relativamente eficaz já que, de facto, no período temporal em que decorreram obras causadoras de maior ruído no rés-do-chão do edifício, a perturbação por ele causada sempre cessou na sequência de solicitação feita pela Sr.ª Secretária de Justiça. Porém, e apesar de nessas circunstâncias, o empreiteiro ou o encarregado da obra no local, sempre terem ordenado a paragem das obras, por força das condicionantes da obra e da transmissão da ordem de paragem aos operários, entre a solicitação da Sr.ª Secretária de Justiça e a efectiva paragem das obras e dos correspondentes ruídos, decorreram vários minutos, habitualmente entre dez e quinze minutos.

12. Desde data não apurada de finais de Janeiro de 2015 a produção de ruídos provenientes das obras então em curso – e entretanto concluídas – susceptíveis de interferir com as diligências judiciais em curso foi muito menos frequente.

13. Os procedimentos de comunicação mencionados no ponto 9., apenas foram formalmente comunicados por escrito pelo Conselho de Gestão da Comarca de ... através de mensagem de correio electrónico dirigida aos magistrados e funcionários da Comarca de ... em 28 de Janeiro de 2015.

14. No dia 20 de Janeiro de 2015 decorreu numa sala de audiências do 1º piso do edifício do Palácio da Justiça ... uma das sessões da audiência de julgamento do processo comum 32/13.9JBLSB, sendo o Tribunal Colectivo presidido pela Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA.

15. Decorriam então obras de construção civil ao nível do rés-do-chão.

16. A audiência de julgamento só foi declarada aberta pelas 11 horas e 35 minutos por ter sido necessário aguardar a chegada dos arguidos presos, constando da respectiva ata, que, após as exposições introdutórias, se registou a seguinte ocorrência:

 “Pelas 11:55 foi a audiência novamente interrompida por causa do barulho proveniente das obras que decorrem no edifício.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Na sequência de mais uma interrupção na sequência do barulho das obras, vi-me constrangida a, de novo, notificar o encarregado da obra a fim de que cesse de imediato o ruído impeditivo da realização da audiência do julgamento.

Nessa sequência contactei telefonicamente o Sr. Engenheiro ... que é o elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, o qual foi advertido que se a prossecução da mesma nos impedir de realizar o julgamento, será o mesmo sancionado juntamente com o Sr. Empreiteiro, nos termos previstos no artº 417º do CPC ex vi do artº 4º do CPP.

Notifique.”

17. A mesma ata dá ainda conta de que após a identificação de um dos arguidos, se registou a seguinte ocorrência:

“Pelas 12:06 interrompeu-se novamente a sessão de julgamento por causa do barulho proveniente das obras que decorrem no edifício.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Não obstante a advertência acabada de realizar, certo é que nos obrigaram a interromper novamente o julgamento, razão pela qual se decide condenar o Exm.º Sr. empreiteiro em 2 UC’s de multa por falta de colaboração na realização da justiça (artigo acima citado).

Extraia certidão da presente, enviando para DGAJ, ao CSM e ao IGFEJ, dando nota da impossibilidade de se prosseguir, sem dano para os intervenientes, quer do ponto de vista sancionatório, quer do ponto de vista da realização de julgamentos que se eternizam, por falta de condições de trabalho, que não são facultadas a este Tribunal, para os fins tidos por convenientes, sendo ainda aquele último Instituto, por ofício endereçado ao seu Exmº Presidente, dando conhecimento de que, verificando-se ulteriores situações como as que têm vindo a ocorrer, e perturbam de forma grave a realização de julgamentos e por isso, a realização da Justiça, será este Instituto sancionado nos termos do art.º 417º do CPC ex vi do art.º 4º do CPP.

Notifique, dando conhecimento ao Exmº Sr. Juiz Presidente da Comarca.”

18. Por despacho proferido nos autos em 20 de Abril de 2015 e na sequência de requerimento de HCI – Construções, a Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA, deu sem efeito a condenação constante do despacho transcrito no ponto anterior.

19. No dia 20 de Março de 2015 teve lugar uma sessão da audiência de discussão e julgamento no processo comum 895/10.0JACBR, sendo o Tribunal Coletivo presidido pela Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA.

20. A audiência encontrava-se agendada para as 9 horas e 30 minutos mas apenas foi aberta às 10 horas e 20 minutos dada a circunstância de se terem registado anomalias no funcionamento do sistema de videoconferência que exigiram a realização de diligências tendentes à sua resolução.

21. Da ata da audiência de julgamento consta, após a abertura, a seguinte ocorrência:

 “De imediato, a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

 “Para o dia de hoje estava designada a inquirição de 9 testemunhas.

A audiência tendo em conta a interposição de férias judiciais corre o risco de ver caducada a prova que aqui seja feita.

O sistema de videoconferência desta sala de audiências mostra não estar a funcionar (e todas as que se encontram neste andar se encontram ocupada mormente com uma reunião com os elementos do CSM e órgão de gestão e magistrados judiciais) não havendo notícia de qualquer outra que nos possa ser disponibilizada, por forma a que possamos iniciar o julgamento sem risco de perder a prova.

As videoconferências foram solicitadas para os tribunais de [...] e com a PJ de....

O reporte quanto à avaria do sistema de videoconferência desta sala de audiências há muito que foi feito pelos canais comuns.

Todavia a situação mantêm-se inalterada, o que a acrescer às inúmeras interrupções que emergem dos ruídos provocados pela obra que se encontra a decorrer neste tribunal, impossibilitam que os julgamentos sejam feitos na cadência e com as condições impostas.

Porque a reunião do CSM tem por objecto a discussão sobre a temática dos VRP afigura-se-nos não só necessária (tendo em conta que legalmente se lhe encontra deferida a competência de gestão dos edifícios da Comarca de ...) como pertinente convocar de imediato a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial, a fim de que providencie pela solução deste problema que se vem arrastando há meses sem qualquer solução.

Cumpra-se de imediato, convocando a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial ao meu gabinete.

Notifique.”

22. Consta ainda da ata da mencionada audiência de julgamento que a audiência foi interrompida pelas 10 horas e 52 minutos, bem como o seguinte facto:

 “No entretanto foram feitas diligências no sentido de nos ser disponibilizada uma sala de audiência como sistema de videoconferência a funcionar, o que foi possível.”

23. Mais consta da referida ata o seguinte:

 “Pelas 11:11, já na sala de audiências afeta ao Tribunal de Trabalho, pela Mmª Juiz Presidente foi declarada reaberta a audiência.

De imediato a Mmª Juiz Presidente proferiu o seguinte:

DESPACHO

Na sequência da determinação constante da presente ata, contactada a Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (a quem foi exibido o despacho “retro” exarado) foi-nos transmitido pela Sr.ª Secretária Judicial que aquela, tendo falado com o Sr. Juiz Presidente, decidiu permanecer na reunião.

Nestes termos extrairá cópia da presente acta, remetendo-a por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Diretor da DGAJ para os fins tidos por convenientes, mormente disciplinares.

Sem embargo;

Mais extrairá cópia da presente ata, enviando de igual modo, por ofício confidencial ao Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM dando nota designadamente da perplexidade que nos suscita, tendo em conta o princípio da independência do Poder Judicial com consagração constitucional que numa reunião onde se discute os VPR (que respeitam exclusivamente à magistratura judicial) se encontrem presentes o Exm.º Sr. Procurador Coordenador e Exm.ª Sr.ª Administradora Judicial (na qual, aliás, esta última decidiu permanecer, ao invés de acatar a ordem de convocação que lhe foi transmitida, proferida no uso do poder de direcção do julgamento que se nos encontra legalmente atribuído – onde se inclui o dever funcional de remoção de todos os obstáculos à sua realização – e que por isso, corporizando uma determinação legítima e legitimamente emanada, não poderia ter sido – como foi – desrespeitada).

Notifique.”

24. Na sequência do despacho transcrito no ponto 21., de que lhe foi dado conhecimento quando se encontrava numa reunião preparatória da fixação dos objectivos dos serviços judiciais da Comarca de ..., a Sr.ª Administradora Judicial da Comarca de ,,,, após receber instruções nesse sentido do Sr. Juiz Presidente da Comarca, permaneceu na mencionada reunião e não se dirigiu ao gabinete da Sr.ª Juiz de Direito Dr.ª AA

25. A anomalia do funcionamento do sistema de videoconferência na sala de audiências afeta à Secção Criminal da Instância Central de ... era do conhecimento da Sr.ª Administradora Judicial, que tinha anteriormente comunicado a situação à entidade competente com vista à sua resolução.

A anomalia verificada foi entretanto corrigida estando o sistema de videoconferência a funcionar adequadamente.

C – Outras circunstâncias apuradas

26. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA conhecia bem os procedimentos a adotar em caso de existência de ruídos provenientes das obras em curso suscetíveis de interferir com a realização das audiências de julgamento e que a solicitação ao empreiteiro para paragem das obras deveria ser feita através da Sr.ª Secretária de Justiça.

27. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA sabia também que não cabia nos poderes de disciplina e direção da audiência de julgamento que lhe estão atribuídos por lei enquanto Presidente do Tribunal Coletivo qualquer competência relativa à utilização das salas de audiência e à manutenção da qualidade e segurança dos espaços físicos do Tribunal e que tal competência está legalmente atribuída aos órgãos de administração da comarca.

28. Apesar disso, no dia 20 de Janeiro de 2015 – como consta da ata da audiência de julgamento realizada nesse dia – interpelou diretamente, por via telefónica, o engenheiro que identificou como elemento de ligação entre o empreiteiro da obra e o IGFEJ, como descrito no ponto 16., chamando a si a competência, que sabia não ter, de fiscalização e sancionamento do modo de execução da obra em curso e dos transtornos causados (conforme ponto 17., supra).

29. Ao assim atuar a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA colocou publicamente em causa o respeito pelas competências legalmente atribuídas aos órgãos de gestão da Comarca de ... que, de resto, tinham já estabelecido os procedimentos a adotar em situações semelhantes, como era do seu conhecimento.

30. A Sr.ª Juiz...Dr.ª AA sabia também, no dia 20 de Março de 2015, que não cabia nos já mencionados poderes de direção e disciplina da audiência fazer exarar em ata, porque estranhas ao objeto do processo, quaisquer considerações acerca dos objetivos de uma reunião de trabalho do Conselho Superior da Magistratura que decorria no edifício do Palácio da Justiça de Setúbal nem da necessidade da presença de qualquer pessoa nessa reunião.

31. Mais sabia a Sr.ª Juíza... Dr.ª AA que a Lei de Organização do Sistema Judiciário atribui à Sr.ª Administradora Judiciária competências próprias que exerce, no que se refere à utilização das salas de audiência, sob a orientação do Juiz Presidente da Comarca e que, na situação descrita não estava sujeita a instruções suas, sendo certo que a Sr.ª Juiz ... ora arguida sabia que a Sr.ª Administradora Judiciária atuou em conformidade com instruções recebidas do Sr. Juiz Presidente da Comarca de...

32. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA encontra-se ausente ao serviço, por motivo de doença, desde 15 de Maio de 2015, não sendo ainda conhecida a data provável do seu regresso ao serviço.

33. A Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA é considerada pela generalidade dos advogados de Setúbal que com ela lidam como profissional competente e empenhada na realização da justiça e na forma como, em concreto, ela é administrada e que no exercício das suas funções como Juiz ... trata com respeito e correção todos os intervenientes processuais.

34. A existência de obras no edifício do Palácio da Justiça de ... em simultâneo com o funcionamento no mesmo local dos serviços judiciais e os incómodos causados por esse facto aos utentes foram amplamente divulgados por órgãos de comunicação social de âmbito nacional, incluindo canais de televisão, e de âmbito regional.

II. OS FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram provados no âmbito do presente processo disciplinar outros factos para além dos que se deixam descritos ou que com eles estejam em contradição, e que apresentem interesse para estes autos.

Na sua defesa a Sr.ª Juiz ...Dr.ª AA tece diversas considerações tendentes a salientar as difíceis condições de trabalho registadas a partir de Setembro de 2014 no edifício do Palácio da Justiça de ....

Tais condições de trabalho decorrentes da existência de obras no local ficaram apuradas nos termos descritos supra, sendo certo que não ficaram suficientemente demonstrados alguns dos factos alegados como a existência de poeiras de amianto ou o comprometimento da saúde dos utentes (público e profissionais forenses, incluídos) com episódios de dores de cabaça ou mesmo incapacidade de concentração.

Também não resulta do teor da ata da audiência de julgamento que, como alegado no ponto 21 da defesa, a comunicação com o empreiteiro ou encarregado da obra tenha sido efectuada pela Sr.ª Secretária de Justiça, mas sim que foi a Sr.ª Juiz ... ora arguida quem o contactou directamente.

DA CONVICÇÃO SOBRE OS FACTOS

A convicção acerca da realidade dos factos apurados supra descritos fundou-se, no essencial, nos seguintes elementos de prova, a cuja análise se procedeu de acordo com as regras da experiência comum:

A análise do teor das cópias das atas das audiências de julgamento realizadas a 20 de Janeiro de 2015 e a 20 de Março de 2015 nos processos comum 32/13.9JBLSB e 895/10.0JACBR, respectivamente e dos despachos nelas proferidos;

O teor das declarações tomadas ao Sr. Juiz Presidente da Comarca de ... e à Sr.ª Administradora Judiciária, quanto aos factos em que tiveram participação;

O teor das declarações prestadas pelas diversas testemunhas inquiridas ao longo dos autos a requerimento da defesa e que revelaram conhecimento direto acerca dos factos que relataram, nomeadamente acerca das circunstâncias em que decorriam as audiências de julgamento em simultâneo com a realização das obras, diligências a realizar quando o ruído obrigava à sua interrupção e bem assim acerca do prestígio profissional de que a Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA goza;

O teor do registo individual da Sr.ª Juiz ... Dr.ª AA existente no Conselho Superior da Magistratura e junto de fls 21 a fls 39.

2.1. Sendo esta a narrativa factual – de resto, não colocada em causa pela Reclamante –, vejamos então a resposta a dar às demais questões enunciadas.

2.1.1. Quanto à primeira questão, sabemos que o Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior de gestão e disciplina dos juízes, nos termos do art. 136 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30.07, com as competências definidas no art. 149 do mesmo diploma legal. Por sua vez, os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei – arts. 202/1 e 203 da Constituição da República Portuguesa. As suas decisões são, necessariamente, fundamentadas, o que é o modo de prestar contas às partes e ao restante da colectividade. Essas decisões são tomadas na sequência de um processo participado pelas partes (ou sujeitos processuais) e respectivos representantes judiciais, o que é, também, um mecanismo de controlo. Ademais, das decisões dos tribunais inferiores cabe recurso, que mais não é que o meio, imanente ao direito de acção, que as partes e os cidadãos por directamente afectados têm para demonstrar a sua insatisfação.

Decorre do exposto que o Conselho Superior da Magistratura não pode interferir nos atos jurisdicionais, designadamente para apreciar a bondade deles, sob pena de violar o princípio constitucional da independência dos Tribunais e dos juízes.

Atos jurisdicionais são, na definição dada no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 171/92, “aqueles que, praticados por órgãos estaduais, visam decidir questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito pré-existentes (logo tendo como fim a realização do direito e da justiça), através de um processo intelectual subordinado àquelas normas, sendo que na postura da função jurisdicional se não pode incluir a realização de um interesse público geral ou coletivo diferente do da composição de conflitos.”

2.1.2. Numa perspectiva meramente formal, assiste razão à Reclamante quando afirma que estão em causa dois actos jurisdicionais, o que, prima facie, os torna imunes à sindicância por parte do Conselho Superior da Magistratura.

Contudo, quando analisamos a situação com maior cuidado, temos de concluir que o que nesta sede está em causa não é esse aspecto formal, mas dois outros situados a jusante dele: a um tempo, a intromissão da Exma. Sra. Juíza ..., magistrada judicial em exercício efectivo de funções, nas competências próprias dos órgãos de gestão da comarca, quando determinou a paragem imediata das obras; a outro, o uso de meios processuais para exprimir opinião acerca da actuação de tais órgãos em situações concretas.

Estes aspectos, que foram os sancionados na deliberação reclamada, extravasam o âmbito dos actos jurisdicionais em que foram, formalmente, incluídos – os aludidos despachos de 20 de Janeiro e 20 de Março de 2015. O primeiro, fruto de uma decisão precipitada, como a própria Reclamante acabou por reconhecer quando, confrontada com um requerimento da sociedade ..., deu sem efeito a condenação desta em multa, não obstante estar esgotado o seu poder jurisdicional, colocou em causa a imagem de serenidade e circunspecção que se exige dos magistrados judiciais e que é condição para que as suas decisões sejam aceites pelos respectivos destinatários; o segundo, tornou evidente, perante os sujeitos e intervenientes no processo em que foi proferido o despacho, a existência de pontos de discórdia entre os titulares dos órgãos de gestão e os magistrados judiciais em exercício de funções, o que não assumia qualquer relevo para o devir processual, mas apenas para descredibilizar a imagem do todo orgânico que é o tribunal.

Assumindo estes dois aspectos, que em nada contendem com o conteúdo das decisões proferidas pela Reclamante, no exercício do seu múnus funcional, nos processos concretos, relevo disciplinar, pelas razões adrede exposta na deliberação reclamada, que damos por reproduzidas, brevitatis causa, o seu sancionamento nesta sede em nada afronta a independência do poder judicial.

2.1.3. O que acabámos de escrever, serve-nos de mote para a terceira questão, em relação à qual se afigura manifesto que a Reclamante carece de razão.

Não duvidamos que a Reclamante atuou visando a prossecução do interesse público da administração da justiça, o que se conjuga com o seu percurso profissional: a Reclamante é, reconhecidamente, uma magistrada judicial competente e empenhada na realização da justiça e na forma como ela é administrada (cf. ponto 33 da fundamentação de facto da deliberação reclamada).

Cremos, todavia, que nas duas situações aqui apreciadas ocorreu um desvio, potenciado pelos meios de que a Reclamante se socorreu para alcançar a finalidade que tinha em vista, conforme descrito no item anterior, sendo esse o factor que assume relevância disciplinar por, na realidade, frustrar o interesse público.

2.1.4. Quanto à quarta questão, começamos por notar que não existe qualquer dever específico dos magistrados judiciais garantirem a confiança em órgãos e agentes administrativos, designadamente os juízes presidentes e os administradores judiciários; o que existe é um dever geral dos magistrados judiciais não atuarem no sentido de perturbar a confiança que é devida aos órgãos e agentes administrativos, também ela necessária ao funcionamento do Estado de Direito.

E não vislumbramos em que medida o reconhecimento deste dever é suscetível de afrontar os princípios constitucionais da independência dos magistrados judiciais e da separação de poderes.

Pelo contrário, a independência dos juízes, tanto na sua vertente interna como na externa, sai fortalecida se os órgãos de gestão do judiciário, em especial aqueles cujos titulares são necessariamente magistrados judiciais, tiverem uma imagem de credibilidade, assim a transmitindo também ao próprio sistema estadual de administração da justiça, de que são elemento relevante.

E, quanto à separação de poderes, este conceito não tem um sentido único: se é certo que a concepção de checks and balances impõe que os agentes do poder executivo, incluindo os que, no âmbito do judiciário, exercem funções materialmente administrativas, não intervenham com a atuação dos agentes do poder judicial, a inversa também é verdadeira.

2.1.5. O suscitar da quinta questão provoca-nos perplexidade: não está aqui em causa, de modo algum, a liberdade de expressão da Reclamante.

Como qualquer cidadão, a Reclamante tem o direito de exprimir o seu entendimento quanto ao modo como está organizado o sistema estadual de administração da justiça e, bem assim, quanto aos termos em que os titulares dos órgãos de gestão do judiciário atuam, tendo apenas de se conter, enquanto magistrada judicial, pelos limites impostos por deveres funcionais de caráter geral, como o dever de  correção, e especial, como o dever de reserva.

Contudo, as decisões judiciais, destinadas à resolução dos conflitos de interesse que são  a razão da existência dos tribunais, órgãos de soberania do Estado com o monopólio da administração da justiça em nome do Povo, ou a assegurar a tramitação regular dos processos judiciais, não são a sede própria para os magistrados judiciais expressarem as suas opiniões.

Também por aqui a deliberação reclamada não merece a censura que lhe é dirigida.

2.1.6. A última questão suscitada é inócua.

Com efeito, é absolutamente indiferente para a economia do presente procedimento saber se na comarca de ... foram aprovados, pelo respetivo conselho de gestão, procedimentos de comunicação e se os mesmos são eficazes: o que está em causa é – e é apenas – o recurso a um mecanismo processual de uma forma precipitada e a utilização de um despacho judicial para emitir juízos valorativos a propósito de questões de natureza administrativa que nada relevavam para o processo. Tudo isto se situa para lá dos ditos procedimentos de comunicação e subsiste sem eles e independentemente deles.

IV. Nestes termos, deliberam os membros que compõem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura em (i)) negar provimento à presente reclamação; e (ii)) confirmar a deliberação reclamada.”  
[2] Cfr. artigos 1.º e 2.º da petição de recurso.
[3] Excepção reconhecida no âmbito de recursos contenciosos para o STJ (cfr. v.g. o acórdão do STJ de 24-11-2015, proc.º n.º 46/15.4YFLSB.S1, relator Pinto de Almeida).
[4] Cfr. artigos 11.º e ss. da petição a que ora se responde.
[5] Cfr. Acórdão de 11-12-2012, proc.º n.º 149/11.4YFLSB, relatora Isabel Pais Martins, sumariado em Sumários de Acórdãos do STJ, secção de contencioso, 2012, p. 93.
[6] Cfr. acórdão do S.T.J. de 08-05-2013, proc. n.º 47/12.4YFSLB, relator Lopes do Rego.
[7] Assim, o Acórdão do STJ de 27-10-2009 (proc.º n.º 2472/08) citado no acórdão do mesmo Tribunal de 19-09-2012 (proc.º n.º 145/11.1YFLSB, relator João Camilo).
[8] Contencioso que julga do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação – cfr. artigo 3.º, n.º 1, do CPTA. Como refere Jorge de Sousa «relativamente à generalidade dos actos da Administração (…) o n.º 1 do artigo 3.º do CPTA claramente revela a existência de uma reserva de Administração, uma zona da actividade administrativa (…) que está fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais (…)» (“Poderes de Cognição dos Tribunais Administrativos; in Julgar, n.º 3, p. 136).
[9] Cfr. o Acórdão do STJ de 05-07-2012 (proc.º n.º 147/11.8YFLSB, relator Oliveira Vasconcelos).
[10] Cfr. o Acórdão do S.T.J. de 22-01-2015, proc. n.º 15/14.1YFLSB, relator Távora Victor.
[11] “A intenção (...) constitui matéria de facto (…) a apurar pelo tribunal em função da prova ao seu alcance, e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; não é por ser um facto psicológico que a intenção deixa de ser um facto, e a conclusão de ter ocorrido intenção (...) deduz-se de factos externos que a revelem – cf., entre outros”, Acs. do STJ de 25-05-2006, Proc. n.º 1183/06 - 5.ª, de 13-09-2006, Proc. n.º 1934/06 - 3.ª, de 02-11-2006, Proc. n.º 3841/06 - 5.ª, de 17-10-2007, Proc. n.º 3395/07 - 3.ª, de 03-04-2008, Proc. n.º 132/08 - 5.ª, de 18-07-2008, Proc. n.º 102/08 - 5.ª, de 16-10-2008, Proc. n.º 2851/08 - 5.ª, e de 22-10-2008, Proc. n.º 3274/08 - 3.ª” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2009, proc. n.º 07P1769, relator Soreto de Barros).
[12] Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
[13] Cfr. Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar; Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 590.
[14] A este respeito, o STJ já teve ocasião de decidir o seguinte: “Alega o recorrente que requereu diversas diligências instrutórias mas que as mesmas se revelaram inócuas pois que delas não foram retiradas ilações para os factos a considerar provados e não provados. O requerente, na sua defesa, juntou documentos e indicou testemunhas. Os documentos foram admitidos e procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas. A questão não será, pois, de omissão de diligências de instrução essenciais à descoberta da verdade, com consequente violação do princípio da defesa, mas de a realização das diligências de instrução não ter conduzido ao resultado esperado e pretendido pelo recorrente. Sendo certo que foram dados por provados factos alegados pelo recorrente, o desacordo do recorrente estará em não terem sido dados por provados outros factos que, na sua perspetiva, resultariam da defesa que apresentou. Desacordo que não se enquadra na invocada nulidade da omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade, a qual, como decorre do exposto, não se verifica” (assim, o Acórdão do S.T.J. de 05-06-2012, proc. n.º 118/11.4YFLSB, relatora Isabel Pais Martins).
[15] “O direito de defesa abrange os seguintes (sub)direitos:
a) O direito de ser ouvido. Este compreende, fundamentalmente, as seguintes dimensões: i) o “direito de expor o seu ponto de vista”; ii) o direito de ser confrontado com todos os factos que consubstanciam e delimitam o libelo acusatório; iii) o direito de apresentar, oralmente e por escrito, e em tempo oportuno, as suas alegacões e de dispor de tempo suficiente para o fazer, devendo, para tal, o instrutor fixar um prazo razoável e patenteá-lo quanto à sua finalidade; iv) o direito de não responder ou de não responder com verdade às perguntas feitas sobre os factos que lhe são imputados, portanto, de não contribuir para a sua própria condenação ou responsabilização; o direito ao silêncio, para ser efectivo, implica a não atribuição de uma qualquer valoração negativa ao mesmo; v) o direito a que a sua audição seja prévia à intervenção de um eventual órgão consultivo da entidade decisora no processo, para que o mesmo possa ponderar as suas alegações e, bem assim, posterior à apresentação de outros elementos subsequentes à sua defesa.
b) O direito de conhecimento do processo disciplinar ou de acesso integral aos documentos que o integram. “O arguido em processo disciplinar tem o direito de examinar o processo ou obter certidão de qualquer diligência ou documento que dele conste”, escolhendo a “modalidade através do qual pretende efectivar o seu direito de informação”. “Tendo sido recusado ao arguido após a apresentação da defesa [escrita], apesar de ter sido notificado para consultar o processo, verifica-se uma irregularidade processual que afecta o direito de audiência e defesa do arguido e inquina o acto punitivo” (Acórdão do STA de 21 de Junho de 1994).
c) O direito de exercer o contraditório, o que pressupõe o conhecimento integral da matéria acusatória e dos elementos probatórios em que se apoia, assim como da respectiva qualificação jurídica. A alteração desta pelo órgão decisor deve implicar, em regra, a audição do trabalhador, sem dúvida se implica a qualificação dos factos à luz de uma infracção ou sanção mais gravosa. Com efeito, trata-se de ponderar que o trabalhador efectuou a sua defesa com base em diferente projecto de decisão e a diferença prejudica a eficácia daquela na perspectiva dos seus interesses.
d) O direito de apresentar meios de prova e de requerer a sua realização (o que é uma forma de exercer o contraditório). Não se trata do direito a “uma actividade probatória ilimitada”, mas sim do direito à mesma no seguinte quadro: (1) as diligências de prova devem ser pertinentes, no sentido em que entre os factos a provar e o thema decidendi exista relação; (2) devem ser requeridas e ter lugar nos termos legalmente definidos; (3) deve ser fundamentada a não admissão de um meio de prova e a recusa de realização de determinada diligência de prova; (4) o efeito invalidante da inobservância do direito à prova deve ser aferido à luz do direito de defesa.
e) O direito a que o por si alegado em sua defesa e as provas por si aduzidas e promovidas sejam atendidas ou consideradas na tomada da decisão do procedimento. Expressão disto mesmo é o entendimento de que a fundamentação do acto punitivo “nunca estará completa se não se apoiar, entre outros, sobre a audição do interessado” (assim, Ana Fernanda Neves; O Direito disciplinar da função pública, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007, pp. 398-401).
[16] Cfr. artigo 34.º da petição de recurso.
[17] Cfr. artigos 35.º e 36.º da petição a que se responde.
[18] Cfr. artigos 42.º e 43.º da petição de recurso.
[19] Assim, Ana Fernanda Neves; O Direito Disciplinar da Função Pública; Vol. II, FDUL, 2007, p. 391.
[20] Cfr., Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Direito disciplinar da função pública. Alguns tópicos”, Elementos de apoio à preleção aos auditores do curso de formação de juízes dos tribunais administrativos, 9 de Maio de 2003, p. 1.
[21] «A acusação em processo disciplinar tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstractas, devendo individualizar as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo. A enunciação de tais factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora da nulidade insuprível (…). É pois requisito essencial dos artigos de acusação em processo disciplinar o da individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis» (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10-10-2014, Processo n.º 00770/08.8BEBRG, relator Frederico Macedo Branco). Contudo, «não enferma de nulidade por falta de audiência do arguido o ato punitivo proferido na sequência de acusação em que a conduta do arguido é descrita com precisão, com referência ao tempo, lugar e modo da infracção e em que se procede ao enquadramento legal desta, por forma a possibilitar a defesa do acusado» (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19-12-2014, Processo n.º 1726/07.3BEPRT, relator Frederico Macedo Branco).
[22] Cfr. Ana Fernanda Neves; O Direito Disciplinar da Função Pública; Vol. II, FDUL, 2007, p. 392.
[23] Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30-06-2005, processo n.º 10694/01, relator Beato de Sousa.
[24] Cfr. Ana Fernanda Neves; O Direito Disciplinar da Função Pública; Vol. II, FDUL, 2007, p. 393.
[25] Assim, o Acórdão do STA de 22-06-2010, processo n.º 01091/08, relatora Fernanda Xavier.
[26] Aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
[27] Cfr. artigos 46.º a 53.º da petição.
[28] Cfr., em particular, o artigo 60.º da petição de recurso.
[29] Processo n.º 1130/2007, relator Carlos Fernandes Cadilha.
[30] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2015, processo n.º 7/15.3YFLSB, relator João Trindade.
[31] Cfr Parágrafo 2.º do preâmbulo do D.L. n.º 49/2014, de 27 de março.
[32] «Naturalmente, como tudo na vida, o novo figurino vai dar lugar a experiências positivas e negativas. O “aprender fazendo” dará as notas das adaptações que se mostrarem necessárias (…). A angústia dos riscos e da mudança não pode ser evitada, mas servirá a inteligência que corrige os passos em falso» (assim, Luís Azevedo Mendes; “Uma linha de vida: organização judiciária e gestão processual nos tribunais judiciais”, in Julgar, n.º 10, 2010, pp. 117 e 122.
[33] «Se a função jurisdicional se caracteriza, na sua realização, pela sua atomização e singularidade, a verdade é que a mesma justiça só se pode concretizar devidamente “através de uma organização”» (assim, Nuno Coelho; “A reorganização judiciária e as profissões da justiça”, in Julgar, n.º 13, 2011, p. 33).
[34] Assim, José Igreja Matos; “A gestão processual: Um radical regresso às origens”, in Julgar, n.º 10, 2010, p. 136.
[35] Como ilustrativamente refere Ana de Azeredo Coelho (“O papel dos Presidentes dos Tribunais”, Abril 2012, p. 11, em  https://www.csm.org.pt/ficheiros/eventos/8encontrocsm_anaisabelazeredo2.pdf): «Cumpre aos juízes desenvolver a opção do legislador penetrando a organização em que exercem a função constitucional de administrar a justiça das qualidades que lhes são próprias - independência e imparcialidade – de modo que todo o sistema delas seja imbuído, espelhando-as no seu funcionamento global, e não apenas nas decisões concretas de cada caso».
[36] Assim, o Acórdão do STJ de 05-06-2012, proc.º n.º 114/11.1YFLSB, relator OLIVEIRA VASCONCELOS, disponível em http://www.dgsi.pt.
[37] Cfr. J. J. Gomes Canotilho; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, p. 681.
[38] Vd. Acórdão n.º 268/2003, Proc. n.º 465/00, 2ª Secção, relator Benjamim  Rodrigues.
[39] Cfr. Acórdão do STJ de 17-12-2015, Processo n.º 67/15.7YFLSB, relator Mário Belo Morgado.
[40] Cfr. Ponto 2.1.2, na página 17.
[41] Actos jurisdicionais são os que, «praticados por órgãos estaduais, visam decidir questões jurídicas relativas a casos concretos de acordo com as normas de direito pré-existentes (logo tendo como fim a realização do direito e da justiça), através de um processo intelectual subordinado àquelas normas, sendo que na postura da função jurisdicional se não pode incluir a realização de um interesse público geral ou coletivo diferente da composição de conflitos» (processo n.º 286/90, relator Bravo Serra).
[42] Cfr. p. 17 da referida deliberação de 15-03-2016.
[43] Idem e p. 18 da mesma deliberação.
[44] Cfr. artigo 63.º da petição de recurso.
[45] Cfr. artigos 64.º a 66.º da petição.
[46] «A decisão final da entidade detentora do poder punitivo não tem, necessariamente, de ser idêntica à proposta pelo instrutor, no relatório final» (assim, o Acórdão do STJ de 10-04-2014, processo n.º 100/13.7YFLSB, relator Hélder Roque).
[47] Cfr. ponto 2.1.3., na página 18 da deliberação.
[48] Processo n.º 20/11, 3ª Secção, relator Vítor Gomes.
[49] Entendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional que tal não sucederá apenas em casos de aplicação imprevisível, surpreendente ou insólita de uma norma ou de uma dada interpretação normativa com a qual o recorrente não pudesse contar (cfr. acórdãos do T.C. n.ºs 489/94, 120/2002 e 394/2005).
[50] Sendo certo que, o TC não constitui, no âmbito disciplinar, «uma instância normal de recurso» (cfr. acórdão do STJ de 09-07-2014, proc.º n.º 57/13.4YFLSB, relator Raúl Borges).
[51] Cfr. artigo 82.º da petição de recurso.
[52] Aliás, este mesmo direito não é absoluto e o respetivo exercício «está limitado por outros direitos de terceiros, como o direito à honra e consideração pessoal, e mesmo pela existência de outros deveres que impendem sobre a declarante» (cfr. acórdão do STJ de 21-03-2013, proc. n.º 15/12.6YFLSB, relator Pires da Graça).
[53] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-11-2010 (proc. n.º 01154/03-Porto, relator Carlos Luís Medeiros de Carvalho).

[54] V., entre outros, o Acórdão da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2003, C.J.S.T.J., tomo II/2003, pág. 9.

[55]  "Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa."

[56] Neste mesmo sentido, veja-se Acórdão do STA de 18-04-2002, Proc. n.º 033881, acessível in www.dgsi.pt

 "I. No âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, que nesse processo tem direito a um processo justo o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso acolhido no n.º 2 do art.º 32.º Da CRP II. O mencionado princípio tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido, o que acarreta, designadamente, a ilegalidade de qualquer tipo de presunção de culpa em desfavor do arguido."

[57] Cumpre referir que foram estes efectivamente os artigos indicados (com base no requerimento de Defesa apresentado pela recorrente - cuja cópia consta a fls. 239-265 dos presentes autos) e não os artigos que constam indicados no presente recurso.

[58] Valoração, aliás, de pendor conclusivo e, como tal, insusceptível de demonstração.
[59] Cumpre esclarecer que o teor do artigo 43. Da defesa é um facto concludente que se extrai dos factos vertidos nos artigos 25, 39, e 40, pelo que não se impõe uma resposta ao mesmo. Este artigo será uma conclusão que a verificar-se, ditará a absolvição da recorrente por qualquer ilícito disciplinar, pelo que não pode solicitar a uma testemunha que confirme (ou não) uma conclusão dessa natureza.

[60] Sem prejuízo do que já se afirmou relativamente ao art. 43.° da Defesa.

[61] Pese embora não se trate de uma reprodução do art. 44.° da Defesa, entendemos que o sentido que a recorrente pretendia alcançar com tal artigo, encontra-se espelhado naquela factualidade dada como provada (facto n.º 33).

[62] Ponto 5.do enquadramento jurídico dos factos descritos na acusação consta que «o decisão de 20-01-2015 proferida em acta de audiência peia Sra. Juiz de direito em exercício de funções, e de que não foi interposto recurso (  )»

[63] " Cf acórdão do STA de 06-11-1997, Proc nº 28566, acessível in www.dESi.pt. «X - Integra nulidade insuprível a data de inquirição de testemunha arrolada pela defesa, quando esse depoimento, em abstracto se revele essencial para o apuramento da verdade".

[64] Ac. do Pleno do STA, de 11.12.2002, Rec, 38892, e acórdãos STA  de 25.08.2008, Rec. 451/08 e de 06.05.2010, Rec. 709/09; Marcello Caetano, «Princípios Fundamentais do Direito Administrativo», Almedina, 1996, citados no acórdão do STA de 22.6.2010, Procº 01091/08.

[65] Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4â edição, Vol. II, p. 513,514.

[66] Cf. mutatis mutandis, Ac. STJ, de 12 de Dezembro de 2002, Procº nº 4269/01.
[67] Cf. acórdão Tribunal Constitucional nº 413/2011.
[68] Cfr. Ana Fernanda Neves, “O Direito Disciplinar da Função Pública”, Vol. II, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, Lisboa, 2007, p. 170. Para esta autora “a infracção disciplinar é qualificada como uma infracção formal: a verificação da «fattispecie normativa de carácter infraccional é por si considerada danosa, sem que seja necessária a ocorrência ou a demonstração de um dano específico», ou seja, o resultado não é um elemento constitutivo do tipo legal.” – Eugene Mele, “La Responsabilità dei Dipendenti e degli Amministratori Pubblici”, Giuffré Editore, Milano, 2000, Quinta edizione, p. 140 (citado pela autora).       
[69] cfr. Ana Fernanda Neves, in op. loc. cit., p. 175.
[70] cfr. Ana Fernanda Neves, in op. loc. cit., p.186. “A ilicitude, como elemento constitutivo do conceito de infracção disciplinar, surge, em regra, recortada pela violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que o funcionário ou agente exerce.” 
[71]As normas que prevêem ilícitos disciplinares revestem uma plasticidade tal que lhes permite abranger um vasto conjunto de comportamentos susceptíveis de lesar o interesse público implicado e que, pela sua variedade, não são passíveis de enunciação exaustiva. Dado o carácter não taxativo da enunciação, «podem caber na mesma pena aplicável a certos factos outras condutas não descritas na lei, mas estas, então, terão de possuir a mesma natureza das descritas como exemplo». No direito disciplinar «a analogia definidora das infracções não é apenas admitida, mas pressuposta como elemento essencial integrador das várias previsões legais».” – cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República, de 16-02-2006, P001132005.
[72] cfr. Ana Fernanda Neves, op. loc. cit., p. 188. 
[73] Extraído do sitio “administrativosub6.blogspot/com/2013”.

[74]O princípio da proporcionalidade constitui o mais apurado parâmetro de controlo da actuação administrativa ao abrigo da margem de decisão e tem 3 dimensões

Adequação - proíbe a adopção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;

 Necessidade - proíbe a adopção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;

Razoabilidade – proíbe que os custos da actuação administrativa escolhida como meio de prosseguir um determinado fim sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização.

A preterição de qualquer uma das três dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade: para que uma actuação administrativa não seja desproporcional ela não pode ser, nem inadequada, nem desnecessária, nem desrazoável. Perante a preterição de uma delas, não vale sequer a pena analisar as demais.

A adequação e a necessidade – fazem apelo a juízos abstractos de carácter fundamentalmente teleológico e lógico;

A razoabilidade – envolve um fim axiológico referente a colisões verificadas em concreto, implicando a formulação de ponderações.

A dimensão da razoabilidade foi já objecto de uma densificação que lhe confere importância enquanto parâmetro específico de controlo da margem de livre apreciação: trata-se da figura do erro manifesto de apreciação, que ocorre nas situações em que a administração procede a uma qualificação grosseiramente errónea de uma realidade fáctica sob um dado conceito indeterminado, em termos tais que, nem o erro se pode considerar como coberto pela margem de livre decisão, nem a conduta administrativa, à luz do principio da separação de poderes, se pode considerar como imune ao controlo jurisdicional.

Apesar do art. 5º/2 CPA configurar o princípio da proporcionalidade apenas com um alcance subjectivo, deve entender-se que, por força do art. 266º/2 CRP, ele assume igualmente uma dimensão objectiva, valendo assim para todas as decisões administrativas por lesão de interesses públicos, quer aquelas condutas tenham projecção meramente interna, quer delas derivem vantagens para particulares.” – extraído do sitio referida na nota anterior.
[75] Extraído do sitio “st16direitoadministrativo.blog.sapo.pt/principio-da-prossecução-do-interesse”
[76] No dizer de J.M. Nogueira da Costa, “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas – Normas Disciplinares do Estatuto do Ministério Público” – J. M. Nogueira da Costa, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, 2012, ps. 45 e 46, “(…) dever de zelo, é conhecido também por dever de diligência ou de aplicação. O mesmo é analisado em várias vertentes: a intelectual, que envolve o conhecimento e domínio das normas dispensáveis ao bom exercício de funções; a organizativa, que impõe ordem no exercício da função; e a comportamental, traduzida no efectivo empenhamento no trabalho.

[77] Na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9-03-1999, configura o dever de zelo, como de aplicação profissional, que implica que o exercício de funções seja feito com eficiência e correcção. “I - O dever de zelo e aplicação profissional previsto no art. 3º, nº 4 alínea b) do D.L. 24/84 implica que o exercício de funções seja feito com eficiência e correcção. E, funcionário eficiente e aquele que é eficaz, que produz, sendo correcto o funcionário que actua de acordo com o seu dever, tendo uma actuação isenta de erros designadamente, não é eficiente o funcionário que actua com demasiadas delongas ou atrasos que prejudicam, a actuação da Administração, já que, devendo ponderar com atenção e cuidado o que faz, não lhe é licito demorar os assuntos em que intervém, para alem do estritamente necessário. II - A omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade implica que tenham sido omitidas diligências relacionadas com a prova de factos que violem os deveres gerais ou especiais decorrentes da função exercida, ou os factos que podem agravar o grau da culpabilidade do funcionário, mas já não os factos meramente acessórios, que, não pondo em causa o núcleo essencial dos factos que violam os deveres gerais ou especiais da função exercida, ou que fazendo, embora, diminuir o seu grau de culpabilidade, não contenham com o grau da pena aplicada. III - Viola o dever de zelo e de aplicação profissional o Delegado do Procurador da Republica, que, no âmbito do exercício das suas funções retardou, exageradamente, a ponderação e a cautela que seriam de adoptar para determinar uma medida cautelar de prisão preventiva em relação a indiciado por crime de tráfico de estupefacientes, quando, pela sua passividade, a medida em causa acabou por ser tomada tardiamente, possibilitando a fuga do referido indiciado. – Acórdão do STA, de 9-03-1999, in www.dgsi.pt.”    
[78] Citação extraída de J.M. Nogueira da Costa, “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas – Normas Disciplinares do Estatuto do Ministério Público.