Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3377/15.0T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PER
PESSOA SINGULAR
AGENTE ECONÓMICO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS
Data do Acordão: 06/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO -
INSOLVÊNCIA DE NÃO EMPRESÁRIOS E TITULARES DE PEQUENAS EMPRESAS / PLANO DE PAGAMENTOS AOS CREDORES.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
Doutrina:
- Ana Maria Peralta, «Os “novos créditos” no PER e SIREVE: conceito e regime», in III Congresso da Insolvência, 279/312.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2.ª edição, 142/143.
- Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 5.ª edição, 176.
- Isabel Alexandre, «Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização», in II Congresso de Direito da Insolvência, 235/254; Luís M. Martions, Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I, 2.ª edição, 15.
- José Alberto Vieira, «Insolvência De Não Empresários E Titulares De Pequenas Empresas», in Estudos Em Memória do Professor Dias Marques, 2007, 251/276.
- Maria do Rosário Epifâneo, O Processo Especial de Revitalização, 2015, 16.
- Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER - O Processo Especial De Revitalização, 13.
- Paulo Olavo Cunha, «Os deveres dos gestores e dos sócios no contexto da revitalização de sociedades», in II Congresso de Direito da Insolvência, 209/234.
- Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 10.º, N.º1.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-A A 17.º-I, 24.º, 212.º, N.º1, 249.º A 251º, 258.º.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROPOSTA DA LEI 39/XII, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2011, QUE ESTEVE NA ORIGEM DA LEI 16/2012, DE 20 DE ABRIL, QUE ALTEROU O CIRE E CRIOU O PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO, IN WWW.DGPJ.MJ.PT.
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS 43/2011.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10 DE DEZEMBRO DE 2015, PROC. N.º 1430/15.9.T8STR.E1.S1, E DE 12 DE ABRIL DE 2016, ESTE COMO AQUELE IN WWW.DGSI.PT , OS QUAIS TRADUZEM A POSIÇÃO DA 6.ª SECÇÃO DO S.T.J..
Sumário :
I O regime jurídico do PER não é aplicável às pessoas singulares, que não exerçam a sua actividade profissional como agentes económicos.
II A estas é apenas possível o recurso ao processo de insolvência e neste podem socorrer-se do plano de pagamentos aludido nos artigos 249º a 251º do CIRE, expediente este, mais célere e expedito, destinado a ser utilizado, precisamente, por pessoas singulares não empresárias e titulares de pequenas empresas.
(APB)
Decisão Texto Integral:

I

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I P, trabalhador por conta de outrem, instaurou processo especial com vista à sua revitalização, ao abrigo do disposto nos artigos 17º - A e seguintes do CIRE.

Por despacho de 13 de Janeiro de 2016, com fundamento em que o processo especial de revitalização (PER) não se destina a pessoas singulares foi indeferido liminarmente o PER do requerente.

Inconformado com este desfecho, veio o Requerente interpor recurso de Apelação, a qual veio a ser julgada procedente, tendo sido revogada a decisão recorrida tendo sido ordenada a sua substituição por outra com vista ao prosseguimento dos autos, se outra causa a tal não obstasse.

Deste Aresto veio o MP interpor recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Verifica-se oposição entre o acórdão recorrido e o proferido pelo STJ em 10/12/2015, no Proc nº 1430/15.9T8STR.El, ambos proferidos no domínio da mesma legislação, sem que entre um e outro tenham ocorrido quaisquer alterações legislativas, tendo os mesmos decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e sendo certo que não existe sobre a matéria em causa jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

- Tal como se decidiu no douto acórdão fundamento, “as normas que regem o PER devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que esse processo especial não é aplicável às pessoas singulares que não sejam comerciantes, empresários ou que não desenvolvam uma actividade económica por conta própria.”.

- Não tendo assim decidido, violou o douto acórdão recorrido

o disposto nos artigos 1º, nº2, 2º, nº 1 e 17º- A, nº 1 do CIRE, normas que deveriam ter sido interpretadas no sentido adoptado pelo acórdão fundamento.

Não foram apresentadas contra alegações.

II A única questão que se coloca no âmbito do presente recurso é a de saber se o processo especial de revitalização, vulgo PER, se aplica ou não às pessoas singulares que não sejam agentes económicos.

O primeiro grau, no seu despacho inicial, indeferiu liminarmente o pedido formulado pelo Requerente P, nos seguintes termos:

«Resulta do requerimento inicial que antecede que o devedor requerente desde os últimos 28 anos que exerce funções de vigilante da Natureza, no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP.

Conforme se decidiu no Ac. TRG de 23-2-2015. proc. n° 3700/13.1TBGDM.P1 «O Processo Especial de Revitalização não se destina aos devedores pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários nem exerçam, por si mesmos, qualquer actividade autónoma e por conta própria.». Explanando melhor esta conclusão, consideram os Venerandos Juízes Desembargadores que «O argumento que radica no programa de assistência financeira (o chamado acordo com a troika) parece-nos claramente insuficiente e mesmo susceptível de ser interpretado em sentido diverso daquele que alguns lhes dão: afinal, tendo tal programa de assistência pretendido, além do mais, “apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis” (o que quer que isso realmente seja e juridicamente represente), o certo é que o diploma que veio a ser aprovado (e que constitui a lei que nos rege. ao invés do citado acordo internacional), quer na sua exposição de motivos, quer nos diversos artigos que veio a alterar no CIRE, aponta claramente para a revitalização e recuperação do tecido empresarial e omite, significativamente, qualquer propósito de igualmente pretender reabilitar os devedores singulares (não comerciantes, empresários ou que (não) desenvolvem uma qualquer actividade económica). Não pode esquecer-se. por outro lado - e além do que referimos na nota n.º 8 e acompanhamos - qual o sentido da expressão revitalizar, que o legislador escolheu (por certo, pensadamente) e também que. por último, as pessoas  singulares já  antes  beneficiavam  (e  agora  continuam   a   beneficiar)  do  regime decorrente do chamado “Plano de pagamentos aos credores”, previsto nos artigos 249 e ss. do CIRE e que, como resulta do preâmbulo deste diploma (Decreto-Lei n.º 53/2004. de 18 de Março) permite “às pessoas singulares, não empresários ou titulares de pequenas empresas, a apresentação, com a petição inicial do processo de insolvência ou em alternativa à contestação, um plano de pagamentos aos credores (...)”. Importa acrescentar que o “Plano de pagamentos aos credores” determina a suspensão da declaração de insolvência e que a insolvência que venha a ser decretada, após a homologação do plano, tem um alcance mais limitado do que a “normal” (se assim podemos dizer), não estando sequer sujeita a registo e publicidade (artigo 259. n.º5 do CIRE), o que constitui um “benefício significativo para o devedor” e é “uma consequência dos efeitos limitados desta decisão” (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Almedina, 2013, pág. 704)». O Tribunal da Relação de Évora já se pronunciou no mesmo sentido, em processo desta secção de comércio (718/15.3 IBS PR), em acórdão de 9-7-2015.

Esta interpretação é, efectivamente, a que parece mais conforme ao Tribunal com o espírito da lei - mais precisamente do instituto do processo especial de revitalização, pensado para empresários, comerciantes ou trabalhadores por conta própria, e não para a pessoa singular trabalhadora por conta de outrem, que tem ao seu dispor o mecanismo do plano de pagamentos previsto no CIRE.

Em face do exposto, indefiro liminarmente o presente processo especial de revitalização em que é devedor P, ao abrigo do art. 27º/1-a. CIRE.(…)».

Vejamos então.

O PER constitui uma profunda alteração introduzida pela Lei 16/2012, resultante das negociações com a Troika, cujos princípios orientadores constam, de uma maneira geral da Resolução do Conselho de Ministros 43/2011 e cuja consagração legal, decorre agora dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE.

Nesses normativos veio-se a consagrar dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17º-A a 17º-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17º-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente, quer dizer, enquanto no primeiro dos procedimentos se recorre desde logo ao Tribunal, através da declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos seus credores, na qual manifestam a intenção de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele e através de um plano de recuperação, artigo 17º-C, nº1, no segundo dos procedimentos, o acordo é efectuado extrajudicialmente entre o devedor e os credores que representem, pelo menos a maioria dos votos a que se alude no artigo 212º, nº1, acompanhado dos documentos referidos no artigo 24º (relação de credores, relatórios de actividades e de exercícios, etc), levando à prolação de um despacho de homologação ou de não homologação no prazo de dez dias, artigo 17º-I, tratando-se de um procedimento mais expedito e simplificado que leva a uma tramitação processual mais abreviada ainda.

A estrutura destes dois processos é híbrida (hibrid procedures do direito inglês), porque fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respectivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência e com a intervenção das autoridades judiciárias na respectiva aprovação, obtêm a garantia do seu cumprimento, desde que o devedor se encontre numa situação económica difícil, ou em situação de insolvência eminente, mas que seja ainda possível a sua recuperação, o que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao activo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, porque se assim for, este processo especialíssimo não se lhe pode aplicar, aplicando-se antes o processo de insolvência

Como se vê, estes dois procedimentos apresentam-se na sua estrutura em relação ao processo de insolvência, como se de uma verdadeira providência cautelar antecipatória se tratasse, destinada à manutenção da estrutura económica do devedor, permitindo a continuação da sua actividade, evitando-se o desmantelamento da empresa, desfecho inultrapassável em processo de insolvência, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, com a consequente extinção de postos de trabalho.

Referimos «da empresa», porquanto entendemos que este especifico procedimento se aplica apenas às empresas ou a pessoas singulares agentes económicos e não também a pessoas singulares «tout court», muito embora a Lei não estabeleça qualquer exclusão, esta verifica-se tendo em atenção os elementos históricos, sistemáticos e teleológicos orientadores da introdução do PER no nosso ordenamento jurídico, o que parece defluir inequivocamente da Exposição de Motivos da Proposta da Lei 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011, que esteve na origem da Lei 16/2012, de 20 de Abril, que alterou o CIRE e criou o Processo Especial de Revitalização, uma vez que como aí se refere «(…) o principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.(…)», afastando-se, desta sorte, a ideia inicial do CIRE, primariamente orientada para o desmantelamento da empresa e por isso «(…) O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários.(…)», in www.dgpj.mj.pt.

É óbvio que esta posição de princípios, explanada de forma deficitária face ao que também se deixou consignado naquela mesma Exposição de Motivos sic «(…) Na mesma linha, é criado o processo especial de revitalização (artigos 17.º-A a 17.º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n.º 2 do artigo 1.º, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa os respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dividas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.(…)», apenas tem sentido se aplicada a sujeitos economicamente activos, isto é, que façam do comércio e/ou da indústria, a sua actividade habitual e profissional, o que resulta, como aí se precisou, em traços muito largos, do articulado enformador do novo procedimento de recuperação, evitando-se o anátema resultante do recurso a um plano de insolvência sempre após a declaração desta, cfr a este propósito Ana Maria Peralta, Os “novos créditos” no PER e SIREVE: conceito e regime, in III Congresso da Insolvência, 279/312.

A doutrina e a jurisprudência não são unívocas quanto a este entendimento, cfr inter alia na doutrina, contra aquela posição, Catarina Serra, in O Regime Português da Insolvência, 5ª edição, 176; Maria do Rosário Epifâneo, O Processo Especial de Revitalização, 2015, 16; Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização, in II Congresso de Direito da Insolvência, 235/254; Luís M. Martions, Recuperação de Pessoas Singulares, Vol I, 2ª edição, 15; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 461; a favor, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 142/143; Paulo Olavo Cunha, Os deveres dos gestores e dos sócios no contexto da revitalização de sociedades, in II Congresso de Direito da Insolvência, 209/234; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER, O Processo Especial De Revitalização, 13 (embora estes autores defendam uma quase terceira posição ao sustentarem que apenas as pessoas singulares, pessoas colectivas e os patrimónios autónomos que exerçam uma actividade económica - não necessariamente lucrativa – poderão aceder ao PER). A jurisprudência das Relações tem andado divida no que tange ao melhor entendimento a adoptar.

Num intuito de esclarecer e de harmonizar os diferentes entendimentos, foi produzido o primeiro Ac do STJ neste sentido em 10 de Dezembro de 2015, no proc 1430/15.9.T8STR.E1.S1 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto) – que constitui o Acórdão fundamento -, sendo que, posteriormente, foi publicado um outro, em 12 de Abril de 2016 (Relator Salreta Pereira), este como aquele in www.dgsi.pt, os quais traduzem a posição desta 6ª secção do STJ, especializada nesta problemática insolvencial, além do mais.

Ambos os Acórdãos se debruçaram sobre a temática, pondo o assento tónico na Exposição de Motivos que supra se referenciou, a qual constitui a pedra angular para as interpretações a efectuar à legislação sobre o PER e suas eventuais correcções.

O legislador, nas alterações introduzidas no CIRE, a propósito do processo de recuperação, não foi feliz no articulado, encontrando-se o mesmo eivado de imprecisões, omissões e intercorrências obscuras, sendo que, cabe à doutrina e à jurisprudência encontrar as melhores escolhas nas interpretações e aplicações a fazer, tendo em atenção que o direito é a vida, como nos diz Cabral de Moncada in Filosofia do Direito e a ordem jurídica constitui um todo complexo que funciona num sistema de vasos comunicantes.

Assim sendo e se é certo que a Lei não distingue entre devedores pessoas singulares, agentes económicos ou não agentes económicos, tendo em atenção a intenção do legislador, reflectida na motivação formulada, parece-nos acertada esta nossa leitura redutora do PER, a qual, sempre s.d.r.o.c., se mostra a mais consentânea com os propósitos equacionados naquela Exposição, mormente, o apelidado combate ao desaparecimento dos agentes económicos, que justifica a se a interpretação restritiva que ensaiamos, na esteira do sustentado no Aresto apresentado como fundamento.

Por outra banda, não conseguimos vislumbrar na doutrina assinalada como desenvolvendo a posição ex adverso, qualquer razão adicional para além de a mesma se encontrar sustentada na letra da Lei (sem qualquer interpretação correctiva utilizando-se apenas a máxima ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), cfr artigo 17º-A, nº1 «O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação.». Só que, esse argumento, o de a Lei se referir ao devedor, em termos genéricos, tem de ter a leitura que decorre do disposto no artigo 10º, nº1 do CCivil «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.», o que nos conduz, sem sombra de dúvida, fazendo apelo aos elementos essenciais à prognose interpretativa (elementos históricos, sistemáticos e teleológicos), para aquela apontada conclusão de o PER se dirigir apenas e tão só a devedores agentes económicos, tendo sido estes e apenas estes, que originaram a introdução no nosso sistema jurídico desta nova realidade procedimental, com vista a debelar o seu desmantelamento em cadeia, originado por uma crise económica em germinação e que mesmo actualmente ainda não tem fim à vista.

Tendo em atenção que o Requerente nos presentes autos é uma pessoa singular, que exerce a sua actividade profissional, não como agente económico, mas antes como vigilante da natureza ao serviço do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP, ao mesmo não é aplicável o regime jurídico do PER, mas antes o processo de insolvência, podendo neste recorrer ao plano de pagamentos aludido nos artigos 249º a 251º do CIRE, expediente este, mais célere e expedito, destinado a ser utilizado, precisamente, por pessoas singulares não empresárias e titulares de pequenas empresas.

Veja-se que esta intercorrência, estruturalmente negocial (se e quando aceite unanimemente pelos credores e/ou no caso em que possa haver suprimento da aceitação daqueles, nos termos do preceituado no artigo 258º do CIRE), pode ser equiparável aqueloutra que deflui do PER, onde impera igualmente a liberdade negocial, a exigência de uma aceitação qualificada e uma homologação judicial, embora nesta o transito em julgado da sentença de homologação do plano de pagamentos imponha a prolação de uma sentença a declarar a insolvência do devedor, sem a imposição de publicidade ou registo (nº5 do supra apontado normativo), enquanto naquela tal declaração só ocorrerá, eventualmente, nos casos em que o processo não seja concluído com uma homologação do plano, cfr a este propósito José Alberto Vieira, Insolvência De Não Empresários E Titulares De Pequenas Empresas, in Estudos Em Memória do Professor Dias Marques, 2007, 251/276.

Existindo já um procedimento negocial célere previsto especialmente para não empresários, ao qual estes nunca teriam acesso, não se veria a necessidade da criação de um outro expediente judicial, caso o mesmo se não destinasse, como a conjugação de todos os elementos indica, apenas a agentes económicos.

Procede, pois, todo o argumentário recursivo.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão ínsita no Acórdão sob impugnação, repristinando-se a decisão de primeiro grau.

Custas pelo Requerente.

Lisboa, 21 de Junho de 2016

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes)