Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
852/14.7TBVRL.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PERDA DE CHANCE
PROCESSO
AGENTE DE EXECUÇÃO
ILICITUDE
CITAÇÃO
ANULAÇÃO DO PROCESSADO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
VENDA JUDICIAL
FORMALIDADES
ÓNUS DA PROVA
ERRO
NEGLIGÊNCIA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I – A figura da perda de chance processual traduz-se numa situação de desvantagem patrimonial que se consubstancia na privação da oportunidade de o lesado obter um resultado favorável em processo judicial, o qual é causalmente imputável à conduta ilícita do profissional por si escolhido (e que desempenha essa actividade no seu interesse), concretizando-se na falta de atenção, zelo ou diligência no exercício técnico das respectivas funções profissionais que impede o sucesso (integral ou parcial) da lide.
II - O seu objecto consiste, portanto, na frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas susceptível de verificação actual, embora nunca se possa considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efectiva ocorrência.
III – Não logrando a A. produzir a indispensável prova, cujo ónus sobre si impendia, de que o erro processual cometido pela agente de execução que nomeara fora causal relativamente à sua perda de oportunidade de ganho patrimonial de que, em circunstâncias diversas (sem o cometimento do dito erro processual), seguramente teria beneficiado, ou seja, não havendo fundamento sério e consistente para afirmar que resultado vantajoso foi realmente impedido pela actuação negligente da agente de execução, não existe base legal para a procedência da pretensão indemnizatória que contra esta formulou.
IV – Na situação sub judice, a não obtenção de ganho por parte da exequente resultou conjugadamente dos efeitos legais associados à declaração de insolvência da sua devedora, em concreto ao funcionamento do princípio par conditio creditorum e de um conjunto de vicissitudes processuais, às quais a Ré foi alheia, que obrigaram a A., como qualquer outro dos restantes credores da executada, a concorrer em plano de igualdade na execução universal do património da devedora comum pela satisfação possível dos seus créditos sobre a insolvente.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 852/14.7TBVRL.G1
 
 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
Alhiplast Instalaciones, SL, deduziu acção declarativa contra AA, agente de execução e contra Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, SA.
Alegou essencialmente:
Em consequência do comportamento ilícito e culposo da ré, na sua qualidade de agente de execução no processo executivo que a autora havia intentado contra C..., Lda., ficou a autora privada de ser ressarcida do seu direito de crédito, tendo sofrido danos patrimoniais materializados na diferença entre o valor que a autora receberá no processo de insolvência em curso e aquele que viria a receber no processo executivo, a que acrescem as despesas que teve que suportar nos dois processos.
Conclui pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a diferença entre o valor de € 73.681,23, peticionado na acção executiva, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento (contabilizados desde a data em que foi apresentado o requerimento executivo), e o valor que a autora venha a receber no âmbito da insolvência C..., Lda., acrescido do valor de € 697,90, quanto aos demais danos patrimoniais.
A 1.ª ré contestou, por impugnação, afastando qualquer responsabilidade da sua parte no não recebimento da quantia exequenda por parte da autora.
Em reconvenção pediu que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais (arrelias, devassa do seu bom nome e do seu profissionalismo) e os danos patrimoniais no mínimo de 10% do valor da acção.
Pede, ainda, a condenação da autora como litigante de má-fé em indemnização a arbitrar pelo Tribunal a favor da ré e em multa exemplar a favor do Tribunal.
Contestou, também, a 2.ª ré, aceitando a existência do seguro de grupo celebrado com a Câmara dos Solicitadores, em que são segurados todos os solicitadores de execução, membros da referida Câmara, entre os quais, a 1.ª ré.
Impugnou toda a factualidade constante dos autos, por desconhecimento, uma vez que a ocorrência dos factos que aqui se discutem nunca lhe foi participada.
Sem prescindir, alega que, ainda que se provasse toda a factualidade descrita pela autora, nunca a seguradora poderia ser responsabilizada uma vez que estão excluídos os danos que não sejam consequência direta e imediata do erro da segurada ou da falta profissional cometida, o que sucederia no caso dos autos, pois a actuação da co-ré, por si só, nunca originaria diretamente a perda do direito da autora.
A autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho que determinou a suspensão da instância “até que no processo de insolvência n.º 1801/12.... se fique a saber se a aqui autora poderá, ou não, obter ou obterá, no todo ou em parte, o pagamento do seu direito de crédito sobre a insolvente, que reclamou na verificação ulterior de créditos que por apenso àqueles autos de insolvência instaurou”.
Obtida a informação de que a autora recebeu, no processo de insolvência, a quantia de € 53.072,76, foi determinada a cessação da suspensão da instância.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a 1ª R., a pagar à A., 10% das quantias infra referidas, no mínimo de € 500,00 e máximo de € 1.250,00, e condeno a 2ª R., a pagar à A., a quantia remanescente à supra mencionada, referente à quantia ilíquida correspondente à diferença entre:
- o montante de € 73.681,23 (setenta e três mil seiscentos e oitenta e um euros e vinte e três cêntimos), acrescido dos juros de mora, calculados sobre a quantia de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contabilizados estes desde 29 de Outubro de 2009 até que foi declarada a insolvência da executada, porém, apenas até ao montante total máximo de capital e juros de € 90.000,00 (noventa mil euros), mais os juros de mora, calculados sobre o montante de € 49.787,28 (quarenta e nove mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte oito cêntimos), contados desde a citação nesta ação, até integral pagamento, e o valor que a A. veio a receber no âmbito do processo de insolvência n º 1801/12.... da executada C..., Limitada;
- e ainda, o valor de € 697,90 (seiscentos e noventa e sete euros e noventa cêntimos)”.  
Apresentaram as RR. recurso de apelação que veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27 de Outubro de 2022, sendo as RR. absolvidas do pedido.
Veio a A interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
A) Por entender que a Recorrida agente de execução violou os seus deveres legais no exercício dessas funções e por entender que essa actuação ilícita lhe causou danos, a Recorrente intentou a presente acção declarativa, para que aquela, juntamente com as Recorridas seguradoras, fossem responsabilizadas pela diferença entre o valor peticionado na acção executiva que intentara, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, e o valor viesse a receber no âmbito da insolvência da sua devedora C..., Limitada.
B) O presente recurso versa de forma quase exclusiva sobre a análise do nexo causal entre a conduta (reconhecidamente ilícita) da Recorrida agente de execução e os danos (reconhecidamente verificados) na esfera da Recorrente, o que constitui, na esteira do Acórdão de 15 de Janeiro de 2013, interpretação dos conceitos jurídicos que cabe na esfera da competência deste Supremo Tribunal de Justiça
C) A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido unânime ao considerar que a responsabilidade dos Agentes de Execução deverá seguir o regime geral do Código Civil, respeitante à responsabilidade civil extracontratual e não o regime responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que a responsabilidade da Recorrida agente de execução pelos factos aqui em causa, deverá ser analisada à luz do regime da responsabilidade civil extracontratual prevista nos artigos 483.º e ss. do Código Civil (CC).
D) É entendimento da Recorrente que os cinco requisitos legais exigíveis para que se verifique obrigação de indemnizar (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal) estão devidamente preenchidos.
E) O primeiro pressuposto da responsabilidade civil, o facto voluntário é o acto de citação da executada efectuado pela Recorrida agente de execução, conforme descrito no ponto 16 dos factos provados (Em certidão de citação por afixação, que a 1ª R. elaborou e juntou ao processo de execução n º 1654/09...., consignou ter deixado aviso com indicação para citação da executada com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência seria realizada pelas 12.00 horas, do dia 23-09- 2010, data em que, na morada indicada foi efectuada a citação, mediante afixação; informando que, no local se verificava não haver sinais de qualquer actividade no escritório da executada (tudo encerrado), mas havendo sinais de que a correspondência era levantada da caixa do correio.)
F) O segundo pressuposto da responsabilidade civil, a ilicitude, encontra-se verificado porquanto o Tribunal no qual corria a execução declarou nula aquela citação (conforme descrito no ponto 29 dos factos provados) efetuada pela Recorrida agente de execução, tendo esta agido por isso em violação das normas do CPC aplicáveis à citação dos executados (previstas no artigo 240.º, n.º 1, atual artigo 232.º, n.º 1), assim como em violação do artigo 123.º n.º 1, alínea a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
G) O terceiro pressuposto da responsabilidade civil, a culpa, encontra-se também preenchido, uma vez que a Recorrida agente de execução agiu com culpa, na vertente de negligência grosseira, pois, tendo em consideração as funções que exerce, pois estava especialmente obrigada a cumprir com todas as formalidades processuais em causa.
H) O quarto pressuposto da responsabilidade civil é a existência de dano na esfera do lesado e verifica-se igualmente, consistindo em a Recorrente ter ficado privada (ainda que parcialmente, conforme se veio a verificar em resultado do processo de insolvência) de ser ressarcida do seu direito de crédito sobre a sua devedora C..., Limitada, (conforme descrito nos pontos 7,8, 37, 38 e 39 dos factos provados).
I)   O quinto e último pressuposto da responsabilidade civil é o do nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado e os danos sofridos pelo lesado, que obriga a que o facto ilícito tenha dado causa aos danos, sendo este o grande ponto de divergência que temos com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que, salvo o devido respeito, nos parece ter baralhado a análise do nexo causal com a existência de outras causas que contribuíram para os danos da Recorrente, assim como com a análise de um potencial concurso de culpas.
J) É vasta a doutrina e a jurisprudência sobre esta matéria, sabendo-se que é comummente aceite a teoria da causalidade adequada para melhor determinar o nexo causal. Segundo esta, sumariamente, para que exista o nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non. É necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas. Teoria que é na verdade adotada pelo artigo 563.º do CC na sua formulação negativa.
K) O Tribunal da Relação de Guimarães, ao dizer que a agente de execução foi mais uma peça dessa engrenagem (v. pp. 24 e 25), reconhece na realidade que a conduta da Recorrida agente de execução foi uma das causas do resultado danoso. Não deixa por isso de reconhecer a existência de um nexo causal entre a sua conduta e os danos causados.
L) E deve de facto reconhecê-lo independentemente da existência ou concurso de outras causas. Assim o defendeu o Tribunal de primeira instância e assim nos parece que o defende este Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no seu Acórdão de 6.03.2007, quando esclarece que Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: - não a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; - como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. (...)
M) O facto de outras condicionantes poderem ter contribuído para o resultado final não significa que o nexo causal entre a conduta da Recorrida agente de execução e os danos da Recorrente não exista. Esse nexo causal não é sequer ténue ou distante. Pelo contrário, é bem claro no atraso produzido no processo executivo e nas consequências desse atraso.
N) Ao considerar o sucedido um mero erro e ao apelar às circunstâncias que, como acontece muitas vezes, dominaram o processo executivo (v. pp. 25 e 27), o Tribunal a quo parece remeter-nos para uma situação de mero azar. Uma chatice que acontece, como se sobre a Recorrida agente de execução não impendessem especiais deveres no exercício das suas funções.
O) O Tribunal da Relação de Guimarães é muito lesto em apontar aquilo que considera ser as falhas na conduta da Recorrente e até em apontar para a intervenção de terceiros como a M... no processo. Já quanto à Recorrida, que exerce funções de natureza pública, que tem poderes públicos e uma exigência acrescida sobre a sua actuação, o sucedido é descrito como um mero erro.
P) Recorde-se os deveres impostos à data dos factos pelo Estatuto da Câmara dos Solicitadores: Actuar com zelo e diligência relativamente a todas as questões que lhe sejam confiadas [artigo 109.º, alínea h)]; Prestar as informações que lhe sejam pedidas pela parte, relativas ao estado das diligências que lhe foram cometidas, e comunicar-lhe prontamente a sua realização ou a respectiva frustração, com indicação das suas causas [artigo 109.º, alínea i)]; Praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados e dos deveres deontológicos que sobre si impendem [artigo 123.º, alínea a)]. Trata-se de uma análise desequilibrada da posição de cada um dos intervenientes.
Q) Não é possível negar que a actuação da Recorrida agente de execução causou um atraso de cerca de dez meses no processo executivo e que esse atraso é também causal da frustração do crédito da Recorrente. Principalmente, porque esse período de tempo teria sido razoavelmente adequado a que se tivesse concretizado a venda do imóvel nos autos (ou seja, antes de qualquer insolvência), considerando que existia uma proposta nesse sentido de valor suficiente para a cobrança da totalidade do crédito da Recorrente.
R) Nessa medida, não é possível negar a verificação deste quinto e último pressuposto de responsabilidade civil. Em consequência, deve reconhecer-se a responsabilidade da Recorrida agente de execução e, assim, das Recorridas seguradoras.
S) Isso mesmo resulta do Acórdão da Relação do Porto, de 11/05/2020. Mesmo referindo-se a factos ilícitos diferentes, os mesmos causaram igualmente demora do processo que de outra forma não teria ocorrido e que vieram a impossibilitar a cobrança de um crédito em virtude de uma declaração de insolvência: “tal causa ocorreu porque foi possibilitada ou especialmente favorecida por aquele comportamento de demora injustificada, o qual, por isso, não se revelou de todo indiferente para a produção daquele resultado”.
T) Quanto a um possível concurso de culpas, a Recorrente entende que nenhuma parte da culpa lhe deve ser imputada, mas aceitará a ponderada consideração deste Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
U) O mesmo se diz quanto ao recurso a critérios de equidade para fixação da indemnização pelos danos causados no âmbito da designada perda de chance, devendo ter-se em consideração pelo menos que (i) a final, após o encerramento da insolvência, a Recorrente recebeu a quantia total de 53.072,76 €, pelo que deixou de receber a quantia de cerca de 40.000,00 € (quarenta mil euros), (ii) a Recorrente suportou todas as despesas com a execução, incluindo com os honorários da Recorrida agente de execução, sem que aí tivesse obtido a cobrança de qualquer valor, (iii) à Recorrente não é imputada qualquer negligência no acompanhamento do processo de execução, tendo sempre pago atempadamente todos os montantes de despesas e honorários solicitados pela Recorrida agente de execução, e que (iv) a Recorrida agente de execução exerce poderes públicos nas suas funções, pelo que tem deveres especiais de competência e de cuidado e por isso deve subscrever obrigatoriamente seguro de responsabilidade civil.
Veio a Ré seguradora apresentar contra-alegações em que pugna pela improcedência da revista.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provados nos autos que:
1 – A R. AA é agente de execução, inscrita na Câmara dos Solicitadores, com a cédula profissional nº ...62, com escritório na Rua ..., ..., ....
2 - A Câmara dos Solicitadores celebrou um contrato de seguro de grupo, titulado pela apólice n º ...00, com a R. Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., através do qual, transferiu a responsabilidade civil profissional decorrente da actividade dos solicitadores de execução, membros da referida Câmara, inclusive da Ré AA para aquela entidade seguradora, tendo sido atribuído o n º ...08 ao certificado individual referente a esta Ré.
3 - Foi estabelecida uma franquia de 10% do valor dos prejuízos, no mínimo de € 500,00 e no máximo de € 1.250,00 e um capital seguro de € 100.000,00 por cada solicitador de execução.
4 - Tal contrato de seguro encontrava-se em vigor desde 27 de Outubro de 2003.
5 - E tinha por objeto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, fosse imputável ao segurado, por erros ou faltas profissionais cometidas no exercício da sua actividade profissional expressamente referida nas condições particulares e especiais da apólice.
6 - Os danos indiretos, ou seja, os danos que não fossem consequência imediata e directa do erro ou falta profissional cometida, foram excluídos do âmbito das garantias de cobertura.
7 - Em 29 de Outubro de 2009, a A. intentou, no Tribunal Judicial ..., acção executiva, contra a C..., Lda., que viria a correr termos no ... Juízo, do Tribunal Judicial ..., sob o n º 1654/09.....
8 - O valor da execução instaurada foi de € 73.681,23, respeitante a capital e juros, calculados à data em que o requerimento executivo deu entrada em Tribunal, no dia 29 de Outubro de 2009.
9 - No momento em que apresentou o requerimento executivo, a A. indicou a R. AA como agente de execução.
10 – A R. AA aceitou a nomeação e, em 19 de novembro de 2009, juntou aos autos relatório de bens encontrados em nome da executada.
11 - O processo executivo seguiu os seus termos, durante todo o ano de 2010, nomeadamente, com a penhora do seguinte bem: estabelecimento comercial de serviços ou restauração e bebidas, designado pelo n º 1, sito no ..., com 5 lugares de garagem na 1ª cave com os nº ..., do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, no lugar do chão da cruz, lote n º ..., da freguesia ....
12 - O bem identificado em 11, tinha registada previamente, uma penhora a favor da Fazenda Nacional - Serviço de Finanças de ... -no montante de € 47.269,16, realizada em 26 de Maio de 2009, resultante do processo de execução fiscal n º ...78.
13 – A autora não reclamou os seus créditos naquele processo de execução fiscal, apesar de ter sido notificada da existência do mesmo e haver uma quantia remanescente no valor de € 37.401,46.
14 – O mandatário da exequente requereu, no processo de execução n.º 1654/09...., de Julho de 2010 a Janeiro de 2011, que a diferença do produto da venda do imóvel revertesse para o processo de execução n.º 1654/09...., o que veio a ser indeferido, por despacho judicial de Maio de 2011, que não foi objeto de recurso.
15 - A A. não logrou obter qualquer ressarcimento do seu crédito através desta primeira penhora realizada no processo de execução n º 1654/09.....
16 - Em certidão de citação por afixação, que a R. AA elaborou e juntou ao processo de execução n º 1654/09...., consignou ter deixado aviso com indicação para citação da executada com dia e hora certa, tendo ficado consignado que a diligência seria realizada pelas 12.00 horas, do dia 23 de Setembro de 2010, data em que, na morada indicada foi efectuada a citação, mediante afixação; informando que, no local se verificava não haver sinais de qualquer actividade no escritório da executada (tudo encerrado), mas havendo sinais de que a correspondência era levantada da caixa do correio.
17 – O mandatário da autora foi notificado da referida certidão (certidão de citação da executada) e não reclamou.
18 - Em 27 de Janeiro de 2011, a A. apresentou requerimento no referido processo de execução n º 1654/09...., requerendo a penhora dos seguintes dois prédios:
a) prédio rústico sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...63 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...12 e,
b) prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...82... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...36.
19 - Em 3 de Fevereiro de 2011, a R. AA notificou a A. do teor do documento da Conservatória do Registo Predial ..., onde constava que, o prédio urbano supra identificado, se encontrava provisoriamente registado em nome da M..., S.A, e o prédio rústico supra identificado, se encontrava registado em nome de BB.
20 - O registo de aquisição provisória do prédio urbano supra identificado, realizado a favor da M..., S.A., acabou por caducar, com o decurso do tempo.
21 - Em 30 de Novembro de 2011, o Tribunal Judicial ..., ordenou a realização da penhora definitiva do referido prédio urbano, a favor da A.
22 - Em 11 de Janeiro de 2012, a 1ª R. notificou a A., para se pronunciar quanto à modalidade de venda e quanto ao valor base para a alienação do prédio urbano penhorado.
23 - Em 18 de Janeiro de 2012, a A. solicitou que, a venda do prédio urbano em causa, fosse realizada mediante abertura de propostas em carta fechada, mais indicando o valor de € 131.593,68, como valor base para a referida venda.
24 - Quanto ao prédio rústico supra identificado, a A. solicitou a sua adjudicação à exequente, ora A., pelo valor de € 1.543,87, como forma de pagamento parcial da dívida.
25 - Em 14 de Abril de 2012, o mandatário da A. foi notificado pela R. AA, quanto ao deferimento da modalidade de venda e adjudicação dos imóveis.
26 - O processo executivo seguiu os seus termos, tendo o Tribunal designado o dia 4 de Julho de 2012, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada.
27 - Poucos dias antes da data designada para a abertura de propostas, o Tribunal Judicial ... suscitou, oficiosamente, a questão da eventual nulidade da citação da executada, dando prazo para as partes se pronunciarem, dando logo sem efeito a diligência de abertura de propostas em carta fechada agendada.
28 - A A. pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer nulidade.
29 - Por despacho de 19 de Novembro de 2012, o Tribunal declarou a nulidade da citação da executada, determinando a repetição de tal ato, com fundamento no facto de, ter sido realizada a “citação por afixação”, modalidade de citação que exige que previamente o agente de execução apure que o citando reside ou trabalha efetivamente no local, o que não sucedeu no caso, não tendo a autora reclamado deste despacho.
30 - A citação pessoal da executada, mediante contacto pessoal, veio a ser realizada pela 1ª R., em 6 de Dezembro de 2012.
31 - Em 19 de Fevereiro de 2013, o Tribunal proferiu despacho a designar o dia 29 de Abril de 2013, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada.
32 - Em 26 de Março de 2013, a R. AA solicitou à A., no âmbito do referido processo de execução, o pagamento de provisão, no valor de € 286,90, que a A. pagou, referente a despesas de expediente e com anúncios/edital, com a “nova” diligência de abertura de propostas em carta fechada.
33 - A venda do imóvel penhorado não se realizou, por não ter sido apresentada qualquer proposta em carta fechada.
34 - Os autos prosseguiram então para a realização da venda por negociação particular.
35 - Foi então apresentada uma proposta de aquisição do prédio urbano penhorado, mediante carta registada, datada de 17 de Maio de 2013, na qual CC ofereceu a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros) e que chegaria a ser admitida pela 1ª R. em 16 de Setembro de 2013.
36 - Em 30 de Agosto de 2013, a 1ª R. notificou a A. da proposta referida.
37 - A sociedade executada fora declarada insolvente em 22 de Julho de 2013, mas só em 10 de Janeiro de 2014 a Agente de Execução teve conhecimento da mesma e informou o tribunal nessa data, tendo sido suspensa a instância executiva.
38 - A A. instaurou então acção declarativa de verificação ulterior de créditos, por apenso ao processo de insolvência, no sentido de ali obter a verificação do seu crédito, tendo despendido € 408,00, de taxa de justiça, para o efeito.
39 - No âmbito do processo de insolvência n º 1801/12...., a A. logrou receber a quantia de € 53.072,76, em resultado dos rateios parcial e final.
Factos aditados pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27 de Outubro de 2022:
40 - Após a primeira citação que viria a considerar-se nula, continuaram a efetuar-se notificações nos termos do 119 do CRP, após as respetivas penhoras, e na sequência dessas notificações foram feitas reclamações de crédito de outros credores como sendo da Segurança Social e do MP e que careceram de despacho do juiz;
41 - O prazo para apresentação das propostas de venda por negociação particular só terminava a 16 de Setembro de 2013;
42 - A Agente de Execução AA comunicou a existência de uma proposta à autora, em Agosto de 2013;
43 - Mas só a partir de 16 de Setembro de 2013 teria que comunicar as propostas para as partes remirem ou poderem pedir a adjudicação a seu favor.
44 - Em 12 de Setembro de 2013, foi levantado o incidente da M... sobre o prédio objeto de venda, na qual a mesma pedia a suspensão da venda, incidente este a que a AE, pediu a intervenção da juiz, por não ter poderes para o decidir, tendo, apesar disso, concluído a diligência de venda por negociação particular, e apenas aguardado decisão da senhora juiz quanto a este incidente, sobre o qual recaiu decisão em 22 de Novembro de 2013 para depois proceder à marcação da escritura, decisão esta que era passível de recurso e cujo prazo só terminaria em 10 de Janeiro de 2014;
45 – E é nesta data 10 de Janeiro de 2014 que a Agente de Execução AA toma conhecimento da insolvência da executada naqueles autos 1654/09.... e dá conhecimento ao Tribunal e às partes, encontrando-se até hoje o processo suspenso sem que a Agente de Execução tenha recebido qualquer decisão sobre o desfecho da insolvência 1801/12...., nem de qualquer decisão que tenha sido proferida para não se adjudicar o bem ao proponente comprador.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Responsabilidade resultante do desempenho profissional da Ré, enquanto agente de execução nomeada em processo executivo, pelos (invocados) danos provocados ao exequente. Natureza jurídica da figura denominada “perda de chance processual”. Considerações gerais e jurisprudência.
2 – Análise da conduta alegadamente negligente da Ré, agente de execução nomeada pela A. no processo executivo em causa, que, no entender da demandante, conduziu causalmente à não obtenção do benefício patrimonial que seria por esta alcançável.
Passemos à sua análise:
1 – Responsabilidade resultante do desempenho profissional da Ré, enquanto agente de execução nomeada em processo executivo, pelos (invocados) danos provocados ao exequente. Natureza jurídica da figura denominada “perda de chance processual”. Considerações gerais e jurisprudência.
Nos presentes autos discute-se essencialmente a responsabilidade profissional da Ré, enquanto agente de execução nomeada pela A. no processo executivo identificado, tendo por base a frustração do resultado que esta, atenta a sua qualidade de exequente, poderia seguramente haver obtido, não fora a alegada falta de zelo, atenção e cuidado daquela no exercício das respectivas funções.
Ou seja, está em causa a perda de chance processual que o apontado deficiente desempenho profissional da agente de execução teria causalmente provocado para a esfera jurídica patrimonial da exequente que a nomeou.
Esta figura da perda de chance processual corresponde à verificação de uma situação de desvantagem patrimonial consubstanciada na privação da oportunidade de o lesado obter um resultado favorável em processo judicial, o que é causalmente imputável à conduta ilícita do profissional por si escolhido (e que desempenha essa actividade no seu interesse), concretizando-se na falta de atenção, zelo ou diligência no exercício técnico das respectivas funções profissionais que impede o sucesso (integral ou parcial) da lide.
O seu objecto consiste, como se disse, na frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas susceptível de verificação actual, embora sem nunca se poder considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efectiva ocorrência.
Quanto ao tratamento doutrinário desta temática, vide, em particular, o desenvolvimento que sobre esta matéria consta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 2010 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“(...) Armando Braga escreve (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, pág. 125): “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização”.
Também Carneiro da Frada (Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso), aborda esta temática, nos termos seguintes:
“Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: se o atraso de um diagnóstico diminui em 40 % as possibilidades de cura do doente, quid juris ? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar? Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v. g. ausência de cura, perda de concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes ( que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar …Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados ( art. 563, nº3, do C.C.)” .
Rute Pedro afirma (A Responsabilidade Civil do Médico, pág. 179):
“A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” ( pág. 232).
Júlio Gomes (Direito e Justiça, Vol. XIX; 2002, II), refere, em jeito de conclusão:
“Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória…Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito.
Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de uma fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade, de um bem”.
Finalmente Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual, I, 1103, nota de pé de página, também ensina:
“Não parece que exista para já, entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chance. Antes parece mais fácil percorrer o caminho de inversão do ónus da prova, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494 do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da perda de chance como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios …”.
Conforme, a este propósito, se enfatiza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2018 (relatora Maria da Graça Trigo), proferido no processo nº 2011/15.2T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt:
“A perda de chance, no campo processual, pode traduzir-se num dano autónomo existente à data da lesão, qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, à luz de um desenvolvimento normal e típico, independentemente do resultado final frustrado”.
Pode ler-se ainda no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2020 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 13132/18.0T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt:
“A teoria da perda de chance ou da oportunidade, ao contrário da teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi o autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
(...) É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo contudo a perda de chance uma realidade actual e não futura, um bem digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado”.
Em termos da quantificação do valor correspondente à perda de chance, escreve Patrícia Costa in “A perda de chance – dez anos depois”, publicado na Revista “Julgar”, nº 42, Setembro-Dezembro de 2020, a páginas 151 a 190:
Sendo o dano de perda de chance distinto do dano final, a indemnização a atribuir pela sua reparação deve reflectir essa diferença. Esse reflexo é dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. A reparação dever ser medida, pois, com relação à chance perdida, não podendo ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se afirmasse o nexo causal entre o facto e o dano final”.
Esta figura da perda de chance processual tem sido aliás profusamente escalpelizada na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, indicando-se a este respeito, entre muitos outros, os seguintes acórdãos:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2021 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 1314/17.6T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se concluiu:
 “Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da acção ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2021 (relator José Manso Rainho), proferido no processo nº 6122/17.1T8FNC.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:
“Para que se possa falar em indemnização por perda de chance é necessário que o lesado mostre que detinha na sua esfera jurídica a oportunidade de (com grande probabilidade, pois tudo gira ao redor de factos eivados de um certo grau de aleatoriedade, de incerteza) alcançar certo efeito que lhe seria vantajoso, mas que acaba por não ser alcançado devido a facto do autor da lesão”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2020 (relator Olindo Geraldes), proferido no processo nº 4261/18.0T8PRT.P1.S1, publicado in ECLI.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2014 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 23/05.3TBGDR.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:
“É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2022 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 21963/15.6T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2019 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 1052/16.7T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:
“O ressarcimento por perda de chance, encarado como uma nova e autónoma espécie de dano, não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.
 A verificação do dano por perda de chance exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.
Nessa apreciação casuística impõe-se ao tribunal realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspectivar o que teria sido decidido no processo (critério do julgamento dentro do julgamento)”.
- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2017 (relator Alexandre Reis), proferido no processo nº 540/13.1T2AVR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza que:
“A doutrina da perda de chance propugna, em tese, a compensação quando fique demonstrado, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final), mas, simplesmente, que foram reais e consideráveis as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022 (relator Jorge Dias), proferido no processo nº 2759/17.7T8VNG.P2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“Para haver indemnização por perda de chance, a probabilidade de ganho de causa há-de ser razoavelmente elevada, deve verificar-se uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou, competindo ao lesado a alegação e prova dessa probabilidade de êxito e tem de verificar-se um nexo de causalidade entre a aludida perda de chance e os prejuízos patrimoniais demonstrados em concreto”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2022 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 12721/18.7T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se afirmou:
“A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios provados em cada caso concreto. Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento,  averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida,  importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atendendo ao que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal  da causa”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 1976/17.4T8VRL.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se referiu:
 “No caso de perda de chances processuais, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da ação em que a parte ficou prejudicada viesse a adotar”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2017 (relator Salazar Casanova), proferido no processo nº 389/14.4T8EVR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:
“A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2019 (relator Hélder Almeida), proferido no processo nº 2743/13.0TBTVD.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se deixou expresso que:
“Para que a indemnização do dano de perda de chance processual tenha lugar não basta que, em abstracto, os termos da pretensão se apresentem com condições de viabilidade, mas antes, e bem diferentemente, que, passando por idóneo suporte probatório, se evidencie o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança de tal pretensão; de que não fora a chance perdida e o patrocinado muito provavelmente obteria – ao menos em certa medida – a procedência dessa mesma pretensão.
Tal evidenciação da exigida probabilidade pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento” relativamente ao qual o lesado deve fornecer os elementos para prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado, enquanto ao tribunal cumpre fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 17592/16.5T8SNT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.
Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo”.
Saliente-se outrossim que o Pleno deste Supremo Tribunal de Justiça aprovou o acórdão uniformizador nº 2/2022, de 5 de Julho de 2021 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, publicado no Diário de República, 1ª Série, nº 18, de 26 de Janeiro de 2022, do qual consta o seguinte segmento uniformizador:
“O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
Debruçando-nos agora sobre a situação sub judice:
2 – Análise da conduta alegadamente negligente da Ré, agente de execução nomeada pela A. no processo executivo em causa, que, no entender da demandante, conduziu causalmente à não obtenção do benefício patrimonial que seria por esta alcançável. 
Existem duas únicas situações processuais referentes ao processo executivo em causa em que se poderá questionar e porventura censurar a actividade da Ré no exercício das suas funções de agente de execução:
1ª - A realização da citação da executada com desrespeito pelas formalidades legalmente impostas, levando à sua anulação oficiosa por parte do tribunal, com repetição da diligência mais de dois anos após ter ocorrido (a nova citação teve lugar em 6 de Dezembro de 2012 enquanto a anterior se havia realizado em 23 de Setembro de 2010).
2ª – A demora na comunicação ao A. das propostas de aquisição do bem penhorado na execução (foi apresentada uma proposta de aquisição do prédio urbano penhorado, mediante carta registada, datada de 17 de Maio de 2013, na qual CC ofereceu a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros) e que chegaria a ser admitida pela 1ª R. em 16 de Setembro de 2013, sendo certo que apenas em 30 de Agosto de 2013 – mais de três meses após -, a 1ª R. notificou a A. da referida proposta).
Apreciando:
Conforme se deixou expresso no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/2022, de 5 de Julho de 2021 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, publicado no Diário de República, 1ª Série, nº 18, de 26 de Janeiro de 2022:
“(…) não é ao lesante que cabe provar que a chance não era consistente e séria, uma vez que, repete-se, a consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da perda de chance suscetível de indemnização, ou seja, a consistência e seriedade preenche um dos requisitos exigidos pelo instituto jurídico (responsabilidade civil) em que o lesado alicerça o seu direito, sendo constitutivo (não é impeditivo) do direito invocado.
Que – respondendo ao recorrente – para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar), uma vez que, repete-se, segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito”.
Ou seja, competia sempre à ora A. configurar, no plano dos factos por si alegados, os elementos conformadores do efectivo e real prejuízo para si adveniente com a conduta ilícita da ora demandada, agente de execução que nomeou no processo executivo em que era exequente, realizando a correspondente demonstração em juízo. 
Ora, analisado o elenco dos factos dados como provados e não provados (e muito em especial os aditados no acórdão recorrido), cumpre concluir não ser possível afirmar, com a segurança mínima e necessária, que caso a Ré, enquanto agente de execução, tivesse - como lhe competia – cumprido com absoluto zelo e diligência todas as formalidades legalmente exigidas (quanto à validade da citação da executada a que irregularmente procedeu, bem como no que concerne à atempada comunicação da proposta de aquisição do imóvel penhorado), a exequente lograria então, nessas hipotéticas circunstâncias, obter para si, na fase executiva, o montante pecuniário que reclama nos presentes autos.
A este respeito cumpre, em primeiro lugar, salientar que a causa principal e decisiva para a frustração parcial do crédito da exequente tem a ver directa e necessariamente com a declaração de insolvência da executada, sem a qual o processo executivo prosseguiria os seus termos com a normal concretização da venda do imóvel penhorado (vide, neste tocante, o que se dispõe no artigo 88º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, vulgo CIRE).
Por outro lado, não é possível ignorar que teria sido bastante à ora A., actuando com o zelo e a diligência exigíveis, haver reclamado o seu crédito no processo de execução fiscal identificado para obter, com total segurança, a respectiva satisfação, circunstância omissiva que lhe é exclusivamente imputável (deixando de haver necessidade, nessas circunstâncias, do prosseguimento da presente acção executiva para a obtenção integral do seu crédito).
Acresce outrossim que ficou demonstrado nos autos que no dia 12 de Setembro de 2013, antes de ser possível a adjudicação do produto da venda do imóvel em causa, foi legitimamente levantado um incidente processual por parte da interveniente M... sobre o prédio em causa, em cujo nome o imóvel se encontrou inscrito (no qual esta pedia a suspensão da venda).
Ora, para a resolução deste incidente processual houve a incontornável necessidade de solicitar a intervenção do juiz titular dos autos, uma vez que a agente de execução, ora Ré, não detinha poderes decisórios para o efeito.
Uma vez concluída a diligência de venda por negociação particular, foi ainda necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial quanto ao incidente.
O que significa que só após a consolidação dessa decisão judicial (decisória do incidente suscitado) seria então viável proceder à adjudicação do preço da venda, sendo certo que o prazo de recurso da mesma decisão expirava em 10 de Janeiro de 2014.
Como é sabido, nesse momento já havia sido declarada a insolvência da executada, determinando, por força da lei, a impossibilidade de prosseguimento dos termos deste processo executivo.
O que bem demonstra, sem qualquer espécie de dúvida, que mesmo que inexistisse a falha apontada à agente de execução (a declaração de nulidade da citação que, não obstante, não deu lugar a qualquer anulação do processado, salvo a desmarcação da data designada para a venda do imóvel penhorado) – e em relação à qual, aliás, o ilustre advogado que assistiu tecnicamente a A. na execução se pronunciou defendendo, em momento oportuno, não se verificar a dita irregularidade, sendo no seu entendimento técnico tal acto citação (de que foi oportunamente notificado) perfeitamente válido e regular – não seria objectivamente previsível que a exequente viesse a obter a satisfação (parcial ou integral) do seu crédito na execução, ou seja, fora do processo de insolvência a que teve necessariamente de concorrer com os restantes credores da executada/insolvente, nos termos gerais do artigo 90º do CIRE.
  O que significa, à evidência, que analisada objectivamente a situação sub judice sempre se terá de concluir que muito dificilmente o bem imóvel penhorado poderia ser vendido, com a consumação da adjudicação pertinente, antes da declaração de insolvência da executada, que data de 22 de Julho de 2013, não se olvidando que, em qualquer circunstância, tal transmissão, a suceder, ofenderia os legítimos interesses dos restantes credores da insolvente, com os quais era suposto a A. concorrer, em plano de paridade, no âmbito da execução universal própria do processo de insolvência da devedora comum (e não de forma antecipada e injustificadamente privilegiada em processo executivo autónomo).
Trata-se aqui, de resto, da consagração do princípio par conditio creditorum, enquanto exigência de justiça distributiva, com repartição do sacrifício e comunhão de perdas entre os credores a partir da declaração de insolvência da sua devedora comum.
(Sobre o tema vide Catarina Serra, in “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina 2021, 2ª edição, a páginas 135 a 136).
Neste sentido, repare-se que, como se salienta no acórdão recorrido, entre a data da citação validamente realizada – 6 de Dezembro de 2012 – e o momento em que o imóvel poderia ter sido adjudicado ao comprador – 10 de Janeiro de 2014 (já depois da declaração de insolvência da executada), decorreu mais de um ano.
Não existem, pois, condições sérias e objectivas para considerar a irregularidade da primitiva citação da executada (de que o advogado que acompanhou tecnicamente a A. teve logo conhecimento, nada objectando) como causa essencial e decisiva para o não recebimento do crédito na fase de executiva, num momento temporal em que a executava devedora já revelaria certamente a sua incapacidade generalizada para o cumprimento das suas obrigações vencidas.
Quando à segunda das falhas apontadas à agente de execução, o atraso na comunicação da proposta de aquisição é totalmente irrelevante na medida em que, tal como foi dado como provado nos presentes autos, o termo da apresentação das propostas estava fixado no dia 16 de Setembro de 2013.
Nenhum efeito útil (em termos prejudiciais para a exequente, ora A.) se poderia manifestamente retirar daquela dilação temporal de cerca de três meses em que a proposta podia de facto ter-lhe sido comunicada e não foi.
 Em suma, a A. não logrou produzir a indispensável prova, cujo ónus sobre si impendia nos termos gerais do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, de que o erro processual cometido pela agente de execução que nomeou fora causal relativamente à sua perda de oportunidade de ganho e que, em circunstâncias diversas (sem o cometimento do dito erro processual), tal desiderato estaria seguramente ao seu alcance.
Ou seja (e como se viu), não há fundamento sério e consistente para afirmar que tal possibilidade de ganho foi causalmente frustrada pela actuação negligente da agente de execução Ré.
Tal efeito desvantajoso para a A., em termos essenciais e definitivos, é sim consequência, no plano jurídico, dos efeitos associados à declaração de insolvência da devedora do exequente, conjugada ainda com o conjunto de vicissitudes processuais às quais a Ré é alheia, que obrigou a A., como qualquer outro dos restantes credores da executada, a concorrer em plano de igualdade e em execução universal pela satisfação possível dos seus créditos em relação à insolvente. 
Dir-se-á, concretamente, relativamente ao essencial das alegações da presente revista:
1º - A recorrente centra basicamente a fundamentação do seu recurso de revista na existência de nexo de causalidade (ou de concausalidade) entre a conduta ilícita da agente de execução (ao proceder à citação da executada em termos que a tornaram inválida) e os danos por si sofridos, consubstanciados na impossibilidade de satisfação integral do seu crédito que, de outro modo e a seu ver, teria tido lugar.
Contudo, não terá a mesma recorrente atentado devidamente em que o que está em causa é a perda de oportunidade de ganho (comummente denominada perda de chance processual) que teria sido (seriamente) proporcionada pelo desempenho profissional negligente da agente de execução em referência, enquanto factor impeditivo do êxito – ainda que parcial - da pretensão executiva.
E neste ponto, cabia-lhe o ónus de demonstrar que esse seu dano de perda de oportunidade era sério e consistente, o que significa no fundo poder afirmar-se, com segurança e objectividade, que sem a falha processual cometida pela Ré o seu sucesso na lide (ainda que parcial) estava, com elevada probabilidade, razoavelmente garantido.
E foi sobre este ponto que os elementos de facto trazidos ao processo evidenciaram exactamente o oposto do alegado pela peticionante: mesmo pressupondo a validade da citação da executada (no momento inicial), dificilmente a exequente obteria em fase de execução a satisfação, ainda que parcial, do crédito exequendo, sendo ao invés segura a conclusão de que foram outras vicissitudes processuais que a obrigaram a reclamar o crédito exequendo no âmbito da execução universal da executada, face aos efeitos associados à declaração de insolvência que deu causa à impossibilidade de prosseguimento da execução em causa.
Para além de que a própria exequente, devidamente assistida por ilustre mandatário judicial, desperdiçou a oportunidade séria de satisfação do seu crédito, ao não concorrer, podendo, à reclamação de créditos na execução fiscal instaurada contra a mesma executada, criando as condições seguras e eficazes de obter - aí sim - o valor pecuniário que ora reclama.
2º - A questão jurídica decisiva que determina a sorte da lide não tem a ver com a discussão em torno da qualificação (lícita ou ilícita) da actuação processual da referida agente de execução.
É absolutamente inegável e indiscutível que ao proceder à citação da executada de forma irregular, tornando-a inválida, a mesma falhou o cumprimento das suas obrigações profissionais e, por isso mesmo, cometeu um acto ilícito, passível de censura em termos deontológicos.
Nenhuma dúvida a este respeito.
O que sucede, porém, é que para a responsabilização da ora Ré, a título de perda de chance processual – e é este o único thema decidendum em apreço -, competia à A. produzir a indispensável prova de que tal erro (que é objectivo e inegável) teria sido causal em relação à concreta não obtenção do ganho, o qual, na sua ausência, lhe estaria, com elevada probabilidade, razoavelmente garantido.
E foi essa mesma prova que, por todos os motivos supra desenvolvidos, não foi manifestamente realizada, o que determina, de forma inexorável, a improcedência da presente acção.
Pelo que a revista será negada.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista.
Custas pela recorrente.

             


Lisboa, 18 de Abril de 2023.

                                
Luís Espírito Santo (Relator)


Ana Resende


Maria José Mouro
                                

      
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.