Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE SWAP TAXA DE JURO CAUSA DO NEGÓCIO ESPECULAÇÃO JOGO NULIDADE DO CONTRATO NORMA IMPERATIVA ORDEM PÚBLICA SOCIEDADE COMERCIAL ATIVIDADE LUCRATIVA NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXCESSO DE PRONÚNCIA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO REVISTA EXCECIONAL | ||
Data do Acordão: | 12/20/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | - ANOTAÇÃO DE MAFALDA MIRANDA BARBOSA - PUBLICADA NA REVISTA DE DIREITO CIVIL ANO VIII (2023), N.º 2, P. 389-442 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||
Sumário : | I- Um contrato de swap de taxas de juros é um “instrumento derivado” que se traduz na troca de fluxos financeiros tendo como referência uma “realidade primária ou de primeiro grau” (activo subjacente: as taxas sujeitas a risco de flutuação no mercado) – a sua causa imediata ou próxima – e que implica necessariamente uma “realidade secundária ou de segundo grau” (uma operação económico-financeira associada ou conexa) – a sua causa remota –, relativamente à qual cumpre uma função garantística de gestão, cobertura e neutralização de risco pré-existente ou previsível de perdas originadas em variações desfavoráveis às partes contratantes nessa ou nessas operações causais, prévias ou sucessivas (nomeadamente de financiamento empresarial), com que se encontra conexionado o swap. II- Um swap de taxa de juro celebrado sem a finalidade de cobertura de risco inerente a uma operação contratual económico-financeira associada ou conexa é um swap sem causa remota, que revela uma finalidade pura e exclusivamente especulativa. III- A questão da validade do swap de taxas de juros sem causa remota não se resolve com o regime de (i)licitude (e excepção) do “jogo e aposta” (art. 1245º do CCiv.). IV- Um contrato de swap de taxas de juro sem causa remota e finalidade pura e exclusivamente especulativa é: a. nulo por contrariedade à lei (art. 280º, 1, CCiv.), enquanto negócio ilícito na relação meio-fim (ilicitude da causa/por falta de causa), resultante da violação do princípio (cogente e de natureza jusconstitucional) de limitação e abolição de actividades negociais (especialmente “comerciais”) dirigidas à especulação pura no campo das relações jusprivadas (art. 99º, c), CRP); b. nulo por contrariedade à ordem pública (art. 280º, 2, CCiv.): c. nulo por finalidade comum e essencial das partes contrária à lei (art. 281º); d. nulo por violação da norma imperativa do art. 6º, 1, 3 (analogicamente: falta de «justificado interesse próprio da sociedade»), do CSC (arts. 280º, 1, e 294º, CCiv.), uma vez não demonstrada em concreto a compatibilidade de necessidade ou adequação ao escopo lucrativo das sociedades contratantes (nomeadamente, para a sociedade-“cliente” da sociedade-“instituição de crédito” bancária). | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 24537/11.7T2SNT-B.L1.S1 Revista Excepcional – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 8.ª Secção Acordam na ... Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. «M..., SA», AA e BB, executados no processo de execução comum intentado por «Banco Santander Totta, S.A.», vieram deduzir Oposição à Execução, pedindo que, julgada a mesma procedente, seja: “a) declarado nulo o Contrato celebrado entre o exequente e o executado; b) Quando assim se não entenda ser o mesmo Contrato declarado resolvido por ter ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias em que o mesmo foi celebrado; c) Em face da nulidade ou resolução do Contrato ser declarado inexistente a obrigação exequenda; d) Ser declarada a nulidade ou inexistência da Livrança, como título executivo; e) Ser declarada extinta a instância, em face da preterição do Tribunal arbitral necessário; f) Ser declarado nulo todo o processo por falta de título executivo bastante; g) Ser, em qualquer caso, suspensa a presente execução em face da prestação espontânea de caução que os executados vão oferecer.” A Exequente apresentou Contestação, pugnando pela improcedência da acção, seguindo a execução contra a Oponente como peticionado. 2. Tramitada a instância, foi proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa em € 155.250 e julgadas improcedentes a excepção de preterição de tribunal arbitral necessário/violação de convenção de arbitragem, assim como a nulidade do processo por nulidade ou inexistência do título executivo, e, depois, realizada audiência de discussão e julgamento. 3. Foi proferida sentença pelo Juiz ... da 1.ª Secção de Execução da Instância Central ... (Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste), que, identificando como questão “saber se o contrato de swap para garantia de cujo cumprimento foi subscrita e avalizada a livrança dada à execução sofre de alguma invalidade que o afete e que, por conseguinte, os valores apostos na livrança não sejam devidos pela sociedade executada e, nessa decorrência, tão pouco pelos co-executados avalistas” e, na negativa, “indagar da verificação de alteração das circunstâncias que conduza à resolução pretendida pelos executados”, julgou totalmente procedente a Oposição, determinando a extinção da execução. 4. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que conduziu a ser proferido acórdão em 14/6/2018, que decidiu negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. 5. Novamente inconformada, a Exequente interpôs recurso de revista excepcional para o STJ, invocando para o efeito o art. 672º, 1, c) do CPC, invocando como fundamento de “oposição jurisprudencial” o Ac. do STJ de 11/2/015 (processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1), assim como arguindo a nulidade do mesmo por “omissão de pronúncia” e por “excesso de pronúncia” (art. 615º, 1, d), CPC). 6. O TRL, em conferência realizada em 9/12/2021, proferiu acórdão que se pronunciou sobre a nulidade invocada na Apelação e imputada à sentença proferida em 1.ª instância (“excesso de pronúncia”, nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC) e considerou que o “acórdão recorrido pronunciou-se sobre a validade do contrato subjacente à livrança, apresentada como título executivo, no âmbito das relações imediatas, confirmando a decisão proferida em 1.ª instância”. Notificados, Recorrentes e Recorrida vieram pedir a Aclaração do mesmo. Por despacho proferido pela Senhora Juíza Desembargadora em 6/1/2022, foi determinado: “A admissão de recurso não é apreciada em conferência, face ao disposto no art. 666º do CPC. * Admite-se o recurso de Revista excepcional para o STJ, com efeito devolutivo.” 7. Subidos autos, e uma vez remetidos os autos à Formação Especial do STJ a que alude o art. 672º, 3, do CPC, em despacho proferido pelo aqui Relator que verificou não ser admissível a revista normal ou regra, tendo em conta a existência de “dupla conformidade decisória” no dispositivo decisório e na fundamentação das instâncias no que toca à questão de mérito reapreciada pela Relação, sem voto de vencido, nos termos do art. 671º, 3, do CPC, foi proferido acórdão que admitiu a revista excepcional. Consignados os vistos, cumpre apreciar e decidir. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso Atendendo ao acórdão proferido pela Formação, o objecto do recurso, no mérito, foi limitado à questão de saber se o contrato de swap de taxa de juro, não tendo o propósito directo de cobertura de risco e sendo de mera especulação, por não ter ligação a uma realidade económica ou mesmo financeira subjacente, não é válido porque proibido por lei, nomeadamente à luz do art. 1245º do CCiv. (nulidade do contrato de “jogo e aposta”); se assim for, a execução de livrança, subscrita e avalizada para garantia do cumprimento de tal contrato de swap, terá que ser extinta. Tal questão corresponde às Conclusões G) a MM) da revista, onde se pugna pela validade/licitude do contrato de swap garantido pela livrança apresentada como título executivo. Antes e previamente, é ainda objecto de apreciação, uma vez admitida a revista excepcional, como fundamento acessório e dependente, as nulidades por “omissão de pronúncia” e “excesso de pronúncia” imputadas ao acórdão recorrido, nos termos do art. 615º, 1, d), ex vi art. 666º, 1, do CPC – Conclusões A) a E). 2. Factualidade Foram considerados provados os seguintes factos: A) O exequente Banco Santander Totta, S.A. é portador de uma livrança, no valor de € 155.250,00, com data de emissão de 06/07/2007 e vencimento em 17/10/2011, subscrita pela executada M..., SA, tendo no seu verso sido apostos, além do mais, os seguintes dizeres: “dou o aval à firma subscritora”, seguidos da assinatura do executado AA, e “dou o aval à firma subscritora” seguidos da assinatura do executado BB, a qual conforma o título dado à execução nos autos de execução de que os presentes constituem apenso. B) A livrança referida em A) foi entregue ao exequente em anexo ao escrito denominado “contrato de permuta de taxa de juro” celebrado em 6/07/2007 entre o exequente e a executada M..., SA com as assinaturas dos executados e com os campos relativos ao montante e data de vencimento em branco. C) O denominado “contrato de permuta de taxa de juro” a que se alude em B), que consta de fls. 148 dos presentes autos e aqui se dá por integralmente reproduzido, tem designadamente o seguinte teor: “Banco: Banco Santander Totta, S.A. Cliente: Sociedade Construção M... Importância Nominal: Eur 2.250.000,00 Cauções/Garantias: Livrança subscrita pela empresa e avalizada pelos sócios. O Banco paga prémio de € 3.900,00. Data de Início: 9 Julho 2007 Data de Vencimento: 9 Julho 2012 (PRAZO DE 5 ANOS), sujeito à possibilidade de término antecipado por opção do Banco. Pela presente nós (o Banco e o Cliente) comprovamos a celebração de um Contrato de Permuta de Taxa de Juro, que será objecto de Confirmação incorporando todos os seus termos e condições particulares, cujas características essenciais e riscos foram explicados ao Cliente pelo Banco, tendo para o efeito sido disponibilizada uma apresentação. Reproduzem-se de seguida as características essenciais: Termos do Contrato No final de cada período trimestral entre a Data de Início e a Data de Vencimento: - O Banco paga ao Cliente a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a Importância Nominal; e - Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco uma taxa de juro fixa de 4,37%, calculada sobre a Importância Nominal. Cláusula de Término antecipado: O Banco poderá terminar, unilateralmente, o presente Contrato no dia 9 dos meses de Julho, Outubro, Janeiro e Abril de qualquer ano de vida de Contrato desde, e incluindo, o dia 9 Julho 2008. Para tal, o Banco notificará o Cliente com uma antecedência de pelo menos 1 dia útil face à data relevante, após a qual o Contrato se considera resolvido. Sendo exercido o direito de término antecipado, ambas as partes pagarão entre si todas as quantias devidas pelo presente Contrato até, e incluindo, a data de término antecipado, não sendo devidas quaisquer quantias a partir dessa data. Para efeitos de clarificação, as partes acordaram atribuir ao Banco o direito de término, como contrapartida do Cliente beneficiar de taxa de juro fixa mais vantajosa (do que seria, caso não tivessem acordado conceder ao Banco aquele direito). Racional do Contrato - O Contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, permitindo ao Cliente efectuar a cobertura de risco de taxa de juro da sua até à Data de Vencimento deste Contrato ou até à data de término antecipado, conforme o caso (admitindo que os juros dessa dívida estão indexados à Euribor 3 Meses). - O Banco tem a opção, à sua discrição, de terminar antecipadamente o presente Contrato no final de qualquer trimestre durante a vida do mesmo, mas somente a partir do final do primeiro ano, o que será mais provável de acontecer no caso das taxas de juro subirem, caso em que o Cliente deixará de beneficiar da cobertura a taxa fixa. - No caso da Euribor 3 Meses subir fortemente, superando, relativamente a qualquer trimestre a taxa fixa, o Cliente registará, nesse trimestre, um ganho financeiro no presente Contrato, caso contrário, o Cliente registará uma perda financeira com o Contrato, e tanto maior quanto menor for a Euribor 3 Meses. O Banco enviará brevemente a CONFIRMAÇÃO relativamente à presente operação contendo todas as suas condições, (e solicitando as garantias, quando aplicáveis), assim como o Contrato Quadro Para Operações Financeiras (se ainda não assinado), para Vossa assinatura e devolução ao Banco. Declaramos a compreensão e aceitação integral da presente operação, bem como dos respectivos riscos, e a vinculação nos termos acima constantes, correspondendo o negócio ao que por nós é efectivamente pretendido.” D) Do escrito denominado “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, datado de 6/07/2007, junto de fls. 54 a 61 dos presentes autos, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, em que intervieram o exequente Banco Santander Totta, S.A. e a executada “M... Lda”, aí representada pelos ora executados, AA e BB, consta designadamente o seguinte: “(...) Exmos Senhores, O objectivo desta carta (“Confirmação”) é confirmar os termos e condições particulares do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap), acordado entre o Banco Santander Totta, S.A. (o “Banco”) e Sociedade Construção M... Lda. (o “Cliente”) na data da operação abaixo indicada (a “Operação”). Esta carta constitui uma Confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras (“Contrato Quadro”) celebrado por nós em 6 de Novembro de 2005. No caso de divergência entre o disposto no Contrato quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última. Salvo se da presente Confirmação resultar o contrário, as Partes acordam em que o significado das expressões referenciadas no Anexo 1 será o que consta do mesmo, que desta faz parte integrante. 1. Os termos da Operação a que se refere esta Confirmação são os seguintes: Condições Gerais Nossa Referência: ... Data da Operação: 6 de Julho de 2007 Divisa: EUR Data de Início: 9 de Julho de 2007 Data de Vencimento: 9 de Julho de 2012, sujeito à Convenção de Dia Útil Seguinte Modificado e ao disposto no ponto 3 da presente Confirmação (“Resolução Antecipada”) Dias Úteis: Dia Útil TARGET Taxa Fixa a ser paga pelo Cliente Pagador da Taxa Fixa: Cliente Datas de Pagamento da Taxa Fixa: As datas indicadas no Anexo 2, sujeito à Convenção de Dia Útil Pagamento da Taxa Fixa: Em cada Data de Pagamento da Taxa Fixa e relativamente ao Período de Cálculo relevante, o Pagador da Taxa Fixa pagará à outra Parte da Operação um montante, expresso na Divisa estabelecida acima, calculado, tendo por base a Importância Nominal respectiva (conforme indicada no Anexo 2), da seguinte forma: Importância Nominal x Taxa Fixa x Fracção Contagem Dias Taxa Fixa: 4,370% Base de Contagem Número Dias: Actual/360 Convenção Dia Útil: Dia Útil Seguinte Modificado Taxa Variável a ser paga pelo Banco Santander Totta, S.A. Pagador da Taxa Variável: Banco Santander Totta, S.A. Datas de Pagamento da Taxa Variável: As datas indicadas no Anexo 3, sujeito à Convenção de Dia Útil. Pagamento da Taxa Variável: Em cada Data de Pagamento da Taxa Variável e relativamente ao Período de Cálculo relevante, o Pagador da Taxa Variável pagará à outra Parte da Operação um montante, expresso na Divisa estabelecida acima, calculado, tendo por base a Importância Nominal respectiva (conforme indicada no Anexo 3), da seguinte forma: Importância Nominal x [Taxa Variável + Spread] x Fracção Contagem Dias Taxa Variável: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a Taxa de Referência para o Prazo Relevante com respeito à Data de Fixação Respectiva Taxa de Referência: EUR-EURIBOR-Telerate Prazo Relevante: 3 Meses Datas de Fixação: Significa, relativamente a cada Período de Cálculo, o primeiro dia desse Período de Cálculo Spread: 0.000% Base de Contagem Número Dias: Actual/360 Convenção de Dia Útil: Dia Útil Seguinte Modificado Montante Fixo a ser pago pelo Banco Santander Totta, S.A. Pagador do Montante Fixo: Banco Santander Totta, S.A. Data de Pagamento do Montante Fixo: 10 de Julho de 2007, sujeito à Convenção de Dia Útil Pagamento do Montante Fixo: Na Data de Pagamento do Montante Fixo, o Pagador do Montante Fixo pagará à outra Parte da Operação o Montante Fixo de EUR 3,900.00 Convenção de Dia Útil: Dia Útil Seguinte 2. Titulação/Garantia: Livrança subscrita em branco com aval, com título de autorização de preenchimento 3. Resolução Antecipada: Sem prejuízo dos termos previstos no Contrato Quadro, o Banco poderá resolver, unilateralmente, o presente Contrato no dia 9 dos meses de Outubro, Janeiro, Abril e Julho, de qualquer ano, desde, e incluindo, o dia 9 de Julho de 2008 até, e incluindo, o dia 9 de Abril de 2012. O exercício do direito de resolução do presente Contrato terá lugar mediante comunicação escrita dirigida à outra Parte, em carta registada com aviso de recepção ou por fax, a ser efectuada com uma antecedência de, pelo menos, 1 dia útil face à data relevante para a resolução do Contrato. Sendo exercido o direito de resolução do presente Contrato, as Partes pagarão entre si todas as quantias que seriam devidas ao abrigo do presente Contrato até, e incluindo, a data de resolução, caso não se tivesse verificado o exercício do direito de resolução do Contrato, cessando após essa data, de forma total e definitiva, quaisquer responsabilidades entre as Partes emergentes do presente Contrato. Para efeitos de clarificação, as Partes acordaram em atribuir ao Banco o direito de resolução unilateral do presente Contrato nos termos descritos acima, tendo como contrapartida acordado uma Taxa Fixa a ser paga pelo Cliente (nos termos do disposto no ponto 1 da presente Confirmação) mais vantajosa (do que seria caso não tivessem acordado conceder ao Banco o direito de resolução unilateral). (…) Declaramos a aceitação integral da presente operação e a vinculação nos precisos termos dela constantes, correspondendo o negócio nela titulado ao que por nós é efectivamente pretendido. Igualmente declaramos estar plenamente conhecedores do conteúdo e do risco da operação, bem como do enquadramento fiscal expresso no ponto 4 da presente Confirmação, tendo-nos sido prestadas pelo Banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para a tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de podermos, no caso da evolução das condições de mercado não serem favoráveis, registar uma perda financeira líquida com a operação. Em 6 de Julho de 2007, Sociedade Construções M... Lda. (…)”. E) Os executados/oponentes assinaram o escrito constante de fls. 159 dos presentes autos, denominado “TÍTULO DE AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABILIDADES ESPECÍFICAS COM AVAL”, designadamente com o seguinte teor: “De acordo com as negociações havidas com V. Exas., junto remetemos uma livrança em branco, datada de 6 de Julho de 2007, subscrita por nós, Sociedade Construção M... Lda., (…) e avalizada por: - AA (…); e - BB (…). A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes do Contrato de Opção de Taxa de Juro por nós acordado em 6 de Julho de 2007 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência n.º ...34, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o banco que modifiquem de alguma forma os termos e condições deste Contrato e ainda da resolução antecipada do Contrato, até ao limite de EUR 155,250.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos. Em caso de incumprimento da nossa parte de qualquer das obrigações emergentes do contrato acima referido, fica o Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe vencimento em qualquer das modalidades legalmente admitidas, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender. (…) Todos os outros intervenientes concordam com a remessa desta livrança, nos termos e condições em que ela é feita, aceitam as estipulações nela contidas e assumem a responsabilidade pelo respectivo pagamento pelo valor que dela venha a constar, anuindo a que o Título nos seja devolvido contra recibo uma vez cumpridas todas as nossas obrigações perante o Banco, assinando também esta carta em confirmação da concordância manifestada.”. F) Em 6/10/2005 o exequente e a executada M..., SA celebraram escrito denominado “CONTRATO QUADRO PARA OPERAÇÕES FINANCEIRAS”, com o teor constante de fls. 30 a 40 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual definiram as “condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente”. G) Na sequência do escrito referido em E), o exequente e a executada M..., SA celebraram os escritos denominados “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, com o teor constante de fls. 129 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, datado de 6/10/2005, com o teor constante de fls. 40 a 45 dos presentes autos, que se dá igualmente por integralmente reproduzido. H) Em 2006, o exequente e a executada M..., SA celebraram ainda os escritos denominados “1.ª Alteração ao Contrato de Permuta de Taxa de Juro ...66, Acordado entre o Cliente e o Banco em ... Out 06”, com o teor constante de fls. 138 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, datado de 17/11/2006, com o teor constante de fls. 46 a 63 dos presentes autos, que se dá igualmente por integralmente reproduzido. I) Em 2005 a executada M... e o exequente celebraram uma operação de crédito de fomento à construção, no montante de cerca de € 1.000.000,00 para financiar a actividade de construção de um edifício. J) A executada M... é uma pequena empresa familiar que sempre girou à volta do seu fundador, o executado AA. K) O executado BB é engenheiro civil. L) O executado BB apenas teve intervenção nos escritos celebrados em 2007, descritos de C) a E). M) Os escritos descritos de C) a H) correspondem a contratos modelo, pré-elaborados por organizações internacionais. N) Previamente à celebração dos escritos referido em C) e D) o exequente apresentou aos executados o documento de enquadramento de mercado, constante de fls. 62 a 69 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. O) Em 5/07/2007, um agente comercial do exequente enviou aos executados o e-mail junto de fls. 70 e 71, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, relativo à perspectiva de evolução das taxas de juro praticadas pelo BCE. P) Em 11/02/2008 os executados remeteram por fax ao exequente o escrito constante de fls. 72 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a solicitar a resolução do contrato de permuta de taxa de juro descrito em C) e D). Q) Em 21/02/2008 os executados reuniram com funcionários do exequente e decidiram não resolver o contrato. R) Em 2009, 2010 e 2011 os executados remeteram novas cartas ao exequente a solicitar a resolução do contrato. S) Em 06/05/2010 os executados enviaram ao Banco de Portugal a carta constante de fls. 74 e 75, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referente ao contrato de permuta de taxa de juro que mantinham com o exequente. T) Em 14/01/2011 o exequente enviou aos executados cartas com o teor constante de fls. 169, 171 e 173, que aqui se dá por integralmente reproduzido, referentes à situação de incumprimento do contrato de permuta de taxa de juro a que se alude em C) e D) por parte da sociedade executada. U) Em 12/10/2011 o exequente remeteu aos executados cartas com o teor constante de fls. 175, 177 e 179, que se dá por integralmente reproduzido. V) Em Fevereiro de 2008 a resolução do contrato por parte dos executados tinha para os mesmos um custo de cerca de € 50.000,00. W) Tendo já em execução o acordo de financiamento referido em I), a sociedade executada necessitava por falta de liquidez e para o prosseguimento da sua actividade de construção civil que o Banco lhe disponibilizasse meios financeiros para apoio de tesouraria, tendo sido nesse contexto e perspetiva que pela executada sociedade foram subscritos os documentos referidos em F) e G), que por sua vez assim lhe haviam sido propostos pelo Banco exequente como meio apto a fazer face às suas referidas necessidades de tesouraria. (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória) X) Os referidos escritos e seu conteúdo foram apresentados e propostos pelo Banco exequente à sociedade executada, através dos seus representantes, como meio apto a fazer face às referidas necessidades de tesouraria, sendo ainda informada a sociedade das perspectivas divulgadas pelo Banco Central Europeu e outras entidades bancárias internacionais e analistas de aumento das taxa de juro, como vinha sucedendo nos últimos anos. (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória) Y) O executado AA sabe ler e escrever, como sabia à data em que assinou os documentos referidos nas alíneas A) a P) e S), sendo quem desde o início sempre geriu de facto a atividade comercial da sociedade executada. (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória) Z) Os escritos referidos em C) a H) foram assinados na sequência de reuniões entre funcionários do Banco e o executado AA, intervindo nessas reuniões também o executado BB relativamente aos escritos referidos em B), C), D) e E), sendo que nas reuniões havidas relativamente aos escritos referidos em B), C), D) e E) pelos funcionários do Banco intervenientes foram os referidos executados informados do risco de perdas por parte da sociedade no caso das Taxas de juro descerem, embora as projecções do Banco Central Europeu e outras entidades bancárias internacionais e analistas fosse ainda no sentido do aumento das taxa de juro. (resposta ao artigo 4º da Base Instrutória) AA) Houve diversos contactos telefónicos e em reuniões entre os executados e o Banco para porem termo ao contrato referido em H), o que o Banco não aceitou senão por meio da subscrição do acordo referido em C) e D) e que posteriormente, na sequência de perdas da sociedade executada no âmbito deste acordo, houve também diversos contactos telefónicos e em reuniões entre os executados e o Banco para porem termo ao referido acordo. (Resposta ao artigo 5º da Base Instrutória) BB) Nas reuniões e contactos em que foi pelos executados colocada a pretensão de porem termo ao acordo referido em C) e D) o Banco foi-os informando dos valores que a sociedade deveria suportar para liquidação da operação. (resposta ao quesito 6º da Base Instrutória) 3. Direito aplicável 3.1. Nulidades imputadas ao acórdão recorrido 3.1.1. A Recorrente começa por censurar ao acórdão recorrido “omissão de pronúncia” devida em face do objecto recursivo da Apelação, uma vez que nas respectivas alegações e conclusões se começou por imputar vício de “excesso de pronúncia” à sentença proferida em 1.ª instância, no que toca ao conhecimento e apreciação da nulidade do contrato de swap, questão que não teria sido apreciada pelo aqui acórdão recorrido. Na verdade, confrontado este mesmo acórdão recorrido, não se verifica a apreciação de tal nulidade, em aplicação dos arts. 608º, 2, 1ª parte, e 663º, 2, do CPC. No entanto, verifica-se na tramitação processual que o tribunal recorrido, uma vez atravessadas nos autos as alegações de revista, veio a proferir acórdão (referido supra, ponto 6. do Relatório), no qual consta: “No recurso de apelação o Recorrente Banco Santander Totta, SA, arguiu a nulidade da sentença, nos termos do art. 615, nº1, d), do CPC, por a mesma se encontrar eivada de vício de excesso de pronúncia, porque o Tribunal de 1ª instância fundamentou a sua decisão levantando a questão da derivação do contrato de swap subjacente à livrança dada à execução, questão que não foi levantada pelos Recorridos na sua oposição à execução, não tendo sido objecto de contraditório pelo Recorrente, nem constando dos factos assentes e base instrutória, pugnando pela substituição da sentença por outra que com base nos factos alegados e dados como provados julgasse improcedente a oposição à execução e pugnando em segundo lugar pela licitude do contrato de swap em causa, mesmo que o valor nocional do mesmo não corresponda a um passivo real porquanto os contratos de swap são regulamentados e autorizados, estando sujeitos ao disposto no art. 1245 do C.Civil. Na oposição que deduziram à execução instaurada por Banco Santander Totta, SA, M... Lda, AA e BB, alegaram estar a livrança dada à execução ferida de nulidade e ser nula como título executivo por ser acessória de um contrato complexo de swap de taxa de juro que padece de diversos vícios, sendo também nulo. Alegaram, ainda, que, em 2005, M... negociou com o Exequente uma operação de crédito de fomento à construção, no montante de 1.000.000,00, para financiar a sua actividade de construção de um edifício multi-familiar, tendo por insistência do Banco exequente o contrato quadro e respectivas confirmações que foram sendo sucessivamente substituídos por outros contratos. Similares, sendo que a M... e o seu sócio gerente executados não podem ser considerados investidores qualificados como referido no art. 30 do Código dos Valores Mobiliários e a Exequente não cumpriu nenhuma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 304 da CVM e o dever de informação previsto no art.312 do CVM. O Exequente foi notificado e apresentou contestação em que diz que o contrato em causa é o derivado (swap) de “permuta de taxa de juro, regulamentado no art. 2º, nº1, al. e) do CVM, defendendo a validade dos contratos celebrados e dizendo que foram entregues livranças em branco, com autorização de preenchimento em caso de incumprimento das obrigações do contrato de swap (docs 8 a 10 juntos com a contestação) e que os contratos foram explicados à executada e mereceram a sua concordância, tendo sido prestada à Executada informação precisa e detalhada sobre as operações propostas, vantagens e riscos e pediu a improcedência da oposição. O acórdão proferido pronunciou-se sobre a validade do contrato subjacente à livrança, apresentada como título executivo, no âmbito das relações imediatas, confirmando a decisão proferida em 1ª instância. Consideramos, assim, que não foi cometida a nulidade invocada.” Daqui resulta que o acórdão recorrido, suscitada a questão da nulidade no âmbito da revista, apreciou tal questão e supriu a nulidade que se surpreendia no acórdão recorrido e antes proferido, nos termos do art. 617º, 2, 1ª parte, ex vi art. 666º, 1 e 2, do CPC. Este último acórdão, tal como proferido e nos seus termos de fundamentação e dispositivo, é complemento e faz parte integrante do acórdão recorrido, ficando o presente recurso a ter como objecto o acórdão proferido em 14/6/2018, integrado pelo acórdão proferido em conferência em 9/12/2021 – art. 617º, 2, 2ª parte, ex vi art. 666º, 1, do CPC. 3.1.2. A Recorrente, tendo em conta a hipótese de se entender que não houve omissão de pronúncia, imputa ainda ao acórdão recorrido “excesso de pronúncia”, na senda do vício antes imputado à sentença de 1.ª instância, ainda no âmbito do art. 615º, 1, d), do CPC. Ora, nos termos das alegações recursivas constantes da Apelação, o acórdão recorrido veio reapreciar a questão da validade do contrato de swap subjacente à livrança apresentada como título executivo, sendo, além do mais, a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286º do CCiv.) e usufruindo o julgador de liberdade de fundamentação na relação com as «alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (art. 5º, 3, do CPC). A sentença de 1.ª instância elencou assim o objecto do litígio: “Considerando o excecionado e alegado em termos de facto pelos opoentes, em vista dos fundamentos da execução a que se opõem como expressos no requerimento executivo e título junto e do teor da própria contestação à presente oposição, a questão essencial a dirimir nos presentes autos respeita (…) a saber se o contrato de swap para garantia de cujo cumprimento foi subscrita e avalizada a livrança dada à execução sofre de alguma invalidade que o afete e que, por conseguinte, os valores apostos na livrança não sejam devidos pela sociedade executada e, nessa decorrência, tão pouco pelos co-executados avalistas. Na negativa, importará indagar da verificação de alteração das circunstâncias que conduza à resolução pretendida pelos executados.” Tendo antes esclarecido: “(…) os pedidos de declaração de nulidade do contrato, bem como da sua resolução por alteração anormal das circunstâncias em que o mesmo foi celebrado e a declaração de inexistência da obrigação exequenda[,] só podem ser aceites como expressão em sede de petitório final da expressão dos fundamentos enquanto causa de pedir do pedido de extinção da execução que a oposição/embargos de executado sempre terá que pressupor, e por conseguinte só nessa medida serão considerados, nunca como um pedido de declaração.” O acórdão recorrido elencou a questão recursiva no acórdão proferido em conferência e que faz parte integrante do acórdão recorrido: “a validade do contrato subjacente à livrança, apresentada como título executivo, no âmbito das relações imediatas”. O vício de “excesso de pronúncia” acontece quando “o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer”[1]. O ónus processual de decisão, em sede de recurso, fica cumprido se ficarem apreciadas a questão ou questões delimitadas em concreto nas Conclusões das alegações recursivas (arts. 635º, 3 e 4, 639º, 1 e 2, e 640º do CPC) e no próprio requerimento de interposição do recurso (art. 635º, 2, CPC); não se encontra violado – nem por omissão nem por excesso – se não são apreciados e/ou discutidos todos os argumentos, considerações, motivos, pressupostos, juízos de valor ou raciocínios utilizados pelas partes e/ou tribunal recorrido para a resolução da questão ou questões que efectivamente se delimitam e cumpre apreciar ou se se adiantam outros argumentos e considerações para fundar a sua decisão (nos termos do referido art. 5º, 3, do CPC). Esse alegado vício de “excesso de pronúncia” não pode ser apontado ao acórdão recorrido, que se bastou em apreciar e decidir a questão jurídica julgada pelo tribunal de 1.ª instância e delimitada pela Apelante para decisão em 2.ª instância. Improcedem, assim, as nulidades imputadas ao acórdão recorrido e, com isso, falecem as Conclusões A) a E). 3.2. Validade do contrato de swap de taxas de juro com finalidade pura e exclusivamente especulativa 3.2.1. No que respeita à questão de direito elencada para conhecimento e apreciação nesta revista, as instâncias exibiram consenso no essencial da sua fundamentação. Vejamos. 3.2.1.1. A sentença de 1.ª instância argumentou como se transcreve, servindo igualmente para nos situarmos no enquadramento e natureza desta figura contratual: “Começaremos por nos situar no que sejam contratos de swap para depois nos situarmos no confronto com o contrato que em concreto resulta estar no domínio das relações imediatas entre o exequente, portador da livrança dada à execução, e os executados aqui opoentes, respetivamente seus subscritor e avalistas. Neste tocante pelo seu detalhe e clareza de exposição, citaremos o excurso a tal propósito expresso no Ac. do STJ de 29/1/2015 (proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1, relator Conselheiro Bettencourt de Faria): “A criação do swap remonta aos finais dos anos 70/primórdios dos anos 80 do século passado e constitui uma resposta à crescente incerteza nos mercados de capitais gerada pela crise monetária e energética, despoletada, no início da década de 70, pelo fim da livre convertibilidade do dólar em ouro, pelo fim dos câmbios fixos, pelos choques petrolíferos e pelos desequilíbrios constantes das balanças de pagamentos. O seu surgimento foi também favorecido pelas maiores exigências de remuneração por parte dos clientes dos bancos, pela redução ou supressão de controlos governamentais sobre taxas de juros e instrumentos financeiros e pelos avanços tecnológicos no tratamento da informação, na informática e na comunicação, o que permitiu o funcionamento contínuo e interligado dos mercados de capitais que crescentemente se foram internacionalizando. Na sua base, os swaps são enformados por princípios económicos extraídos da teoria das vantagens comparativas no comércio internacional (desenvolvida por DAVID RICARDO com base no estudo do Tratado de Methwen de 1702 entre Portugal e Inglaterra) aplicado ao mercado de capitais (sintetizam-se as lições de MARIA CLARA CALHEIROS, “O contrato de swap” in BFDUC “STVDIA IVRIDICA”, n.º 51, págs. 13 a 19, 53 e 54 e de JOÃO CANTIGA ESTEVES “Contratos de Swap Revisitados”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, págs. 71 a 73). O contrato de swap ajustado, em 1981, entre a “IBM” e o Banco Mundial é comummente referenciado como um marco na história desta figura (assim MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 30 e PEDRO BOULLOSA GONZALEZ “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 44, pág. 10), ao passo que o primeiro contrato de swap de taxas de juro (também denominado “interest rate swap”) terá sido celebrado em Londres em 1981 com a permuta de fluxos financeiros indexados a uma taxa variável por fluxos financeiros determinados a uma taxa de juros fixa (assim JOÃO CANTIGA ESTEVES, ob. cit., pág. 72). Não existe notícia do momento em que, entre nós, foi introduzido o contrato de swap, embora, já em 1995 o Banco CISF detivesse uma carteira de swaps 227 milhões de contos. Ao nível do direito constituído e embora fosse feita referência ao swap enquanto instrumento financeiro na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários n.º 2/2002 (publicado no DR, II Série, de 1 de Fevereiro de 2002), tal figura, na vertente que aqui releva, só mereceu consagração legislativa mais expressiva em 2007 (antes existiam referências esparsas e indirectas em domínios de direito público, como se dá nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2013, relatado pela Des. Maria do Rosário Morgado no processo n.º 309.11.8TVLSB.L1-7 e acessível em www.dgsi.pt). Tal sucedeu com a introdução da nova redacção do n.º 1 do artigo 2.º do Código dos Valores Mobiliários. Aí, sobre a epígrafe “Âmbito de aplicação material”, lê-se “1 – O presente Código regula: (…) e) As opções, os futuros, os swaps, os contratos a prazo e quaisquer outros contratos derivados relativos a: i) Valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidades ou relativos a outros instrumentos derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros, com liquidação física ou financeira; ii) Mercadorias, variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de inflação ou quaisquer outras estatísticas económicas oficiais, com liquidação financeira ainda que por opção de uma das partes; iii) Mercadorias, com liquidação física, desde que sejam transaccionados em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral ou, não se destinando a finalidade comercial, tenham características análogas às de outros instrumentos financeiros derivados nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 1287/2006, da Comissão, de 10 de Agosto; (…)”. Desta inserção, pode-se colher que o swap é um tipo de contrato derivado nominado. Essa inovação foi operada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 357-A/2007 de 31 de Outubro, sendo que, como se extrai do seu artigo 1º, este diploma transpôs para o direito português, além do mais, a Directiva n.º 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004 (publicada no JOUE de 30 de Abril de 2004, L145) relativa aos mercados de instrumentos financeiros (usualmente conhecida como “Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros” ou “DMIF”). Tal normativo comunitário incluía o swap na categoria dos instrumentos financeiros (cfr. pontos n.os 4, 5, 6, 7 e 10 da secção C do apenso I). Porém, nenhum dos diplomas atrás citados contém qualquer definição do contrato de swap. E, na verdade, só em 2013 (cfr. os pontos n.os 5.210 e 5.211 do Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2013 – relativo ao sistema europeu de contas nacionais e regionais na União Europeia) o legislador comunitário ousou definir este tipo contratual. Fê-lo do seguinte modo: “Definição: os swaps são acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas. (…) Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objeto de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente, os pagamentos ocorrem em numerário no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado.” Assim, em face do direito legislado, podemos considerar que o swap é concebido como um instrumento financeiro, devendo-se, como tal, entender “(…) qualquer contrato que dê origem, simultaneamente, a um activo financeiro de uma parte e a um passivo financeiro ou instrumento de capital de outra parte, incluindo, no mínimo, os instrumentos referidos na secção C do anexo i da Directiva nº 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril (…)” (cfr. 3.º ponto do artigo 199.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – pode ser localizada uma resenha de definições doutrinais em ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA “Instrumentos Financeiros: Os Swaps”, “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida”, vol. II, Almedina, págs. 39 a 41). Mais precisamente, o swap está, a par dos futuros e opções, compreendido na noção de derivado i.e. instrumentos cujo valor depende, em maior ou menor medida, do valor de um ou mais activos, instrumentos financeiros ou índices que lhes estão subjacentes (assim JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Os derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários n.º 30, págs. 118 a 119; OLIVEIRA ASCENSÃO, “Derivados” in “Direito dos Valores Mobiliários”, vol. IV, pág. 49 define derivados como instrumentos que se “estruturam por referência a uma realidade primária, que está sujeita a oscilação financeira. A essa realidade sujeita a risco chama a lei o activo subjacente(…)”; cfr. ainda o disposto no n.º 1 do artigo 258º do Código dos Valores Mobiliários na redacção original). Visto o que resulta da lei, busquemos na doutrina mais alguns contributos para a aproximação que projectamos fazer. Entre nós, a primeira referência doutrinal que se conhece ao contrato de permuta de divisas ou de taxa de juros data de 1996 e consta de um estudo de ANTÓNIO VITORINO (publicado na “Revista da Banca”, n.º 40, pág. 113 e ss..). O mesmo Autor (ob. cit., págs. 114 e 115) sumariava assim o modo de funcionamento do swap de divisas e de taxas de juros: “(…) O mutuário num empréstimo em determinada divisa querendo a aquisição de divisa diferente aceita entregar a outra entidade os montantes mutuados contra a entrega pela outra parte da divisa pretendida. (…) Paralelamente, a mesma fórmula é aplicável na permuta de taxas de juro. Neste caso, as partes têm acesso a financiamentos junto de determinado mercado, a taxas de juro superiores àquelas a que a sua contraparte na permuta de taxa teria nesse mesmo mercado, enquanto esta pretende financiamento em mercado em que a primeira tem a possibilidade de obter financiamento a taxa mais favorável do que ela teria. Assim sendo, aceitam permutar as suas situações activas e passivas.(…)”. Já no princípio deste século, MARIA CLARA CALHEIROS dedicou maior atenção e desenvolvimento ao tema, tendo adoptado (ob. cit., págs. 126 e 127) a definição de PIERRE-ANTOINE BOULAT e PIERRE-YVES CHABERT segundo a qual “Os swap são uma família de contratos, pelos quais se estabelece entre as partes uma obrigação reciproca de pagar, de acordo com modalidades preestabelecidas, na mesma divisa ou em diferentes divisas, certas quantias de dinheiro calculadas por referência aos fluxos financeiros ligados a activos e passivos monetários, reais ou fictícios, ditos subjacentes” (esta definição foi, ulteriormente, reiterada pela mesma Autora em “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira”, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 42, Abril/Junho 2013, pág. 3 e é usada por HÉLDER MOURATO “O Contrato de swap de taxa de juro”, Almedina, págs. 38 e 39 e ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., pág. 51, tendo sido também utilizada no Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013 – proferido no processo n.º 2587/10.0 TVLSB.L1-6 pela Des. Ana Azeredo Coelho, acessível em www.dgsi.pt e com anotação crítica de CALVÃO DA SILVA, na R.L.J., ano 142.º, n.º 3979, págs. 238 e ss. – e no Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 2049/12.1TBVIS-A.C1 pela Des. Albertina Pedroso). MARIA CLARA CALHEIROS (ob. cit., pág. 39) sustenta ainda que um swap de taxa de juro consiste num “(…) acordo de pagamento recíproco de juros baseados em diferentes índices, ou de taxa variável/taxa fixa, por certo período de tempo. Os fluxos de pagamentosão ambos efectuados na mesma moeda, sendo o cálculo do montante dos juros realizado a partir de um dado valor de capital subjacente, que não chega a ser trocado.(…)”. Por seu turno, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (“Contratos II – Conteúdo -Contratos de Troca”, Almedina, pág. 135) define o contrato de swap como “(…) o contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios créditos, tomando como referência passivos ou activos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferença em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos.(…)”. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES (“Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 647 e 648) sustenta que o contrato de swap é aquele "(…) pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente uma determinada taxa de câmbio ou de juro (…)” (a mesma noção foi subscrita no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Maio de 2013 já citado, no acórdão recorrido e foi adoptada por LEBRE DE FREITAS no parecer junto aos autos – fls. 682 – e na pág. 5 do artigo “Contrato de swap Meramente Especulativo – Regimes de validade e de alteração de circunstâncias”, acessível em www.oa.pt/upl/%7B24d07a7e-a1e3-4f43-b06a-300e112c9896%7D.pdf). Mais à frente (ob. cit., pág. 651) precisa o mesmo Autor, que, no swap de taxa de juro, “(…) as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis(...)”. PAULO CÂMARA (“Manual de direito dos valores mobiliários”, 2.ª Ed., Coimbra, pág. 202) define os swaps como “(…) contratos através dos quais uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração. Os contratos de swaps podem envolver liquidação física, dando origem à aquisição de activos (incluindo mercadorias) ou assumir referências meramente nocionais, o que os aproxima dos contratos diferenciais(…)”. Já PEDRO BOULLOSA GONZALEZ (ob. cit., pág. 14) afirma que um “interest rate swap” na sua forma mais simples (também designada por “plain vanilla swap”) é o “(…) contrato mediante o qual ambas as partes se vinculam reciprocamente, durante período determinado, a realizar prestações pecuniárias periódicas com objectos distintos: assim acontece, num exemplo simples, quando uma das partes, “A” assume a obrigação de pagar à outra, “B” uma taxa de juro (nomeadamente, de tipo fixo, e.g. 3%) e recebe da outra parte uma taxa de juro distinta (que poderá ser de tipo variável, e.g. Euribor a 6 meses), por um período pré-determinado, sobre um montante nocional previamente acordado (…) Na substância, é uma permuta de taxas de juro cujo valor é calculado atendendo a pressupostos distintos mas com referência a um mesmo montante nocional acordado.(…)”. Em termos similares, JOÃO CANTIGA ESTEVES (ob. cit., pág. 74) refere que o swap de taxa de juro “plain vanilla” consiste num ajuste mediante o qual “(…) um agente económico concorda em pagar um conjunto de fluxos financeiros com base numa pré-determinada taxa de juro fixa e, em paralelo, recebe fluxos financeiros indexados a uma taxa de juro variável (…)”. Expostos os ensinamentos da doutrina mais autorizada, vejamos como a jurisprudência (para além do que já ficou exposto) tem delimitado a noção de contrato de swap. Neste Supremo Tribunal, o acórdão de 10 de Outubro de 2013 (proferido no processo n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, relatado pelo Cons. Granja da Fonseca e acessível em www.dgsi.pt) definiu o contrato de swap como “(…) o contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração; concretamente as partes obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro.” (a mesma noção foi, com ligeiríssimas dissemelhanças, adoptada no Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 2408/10.4TVLSB-B.L1-8 relatado pelo Des. Luís Correia de Mendonça, acessível em www.dgsi.pt e criticamente apreciado por HÉLDER MOURATO “Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência”, in “Cadernos do Mercado de Valores Imobiliários” n.º 44, págs. 29 e ss.). No mesmo acórdão entendeu-se que, sendo o contrato de swap de taxa de juro uma das modalidades do seu objecto, aquele consistia num acordo mediante o qual as partes trocavam “(…) entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis)(…)”. Nos autos em que foi proferido o citado aresto deste Supremo, já a Relação de Guimarães (acórdão relatado pela Des. Conceição Bucho e acessível em www.dgsi.pt.) sustentara que o “o contrato de swap da taxa de juro é um contrato a prazo, onde as prestações das partes são diferidas para datas futuras, onde podem existir momentos regulares de troca de fluxos financeiros ou existir apenas um só momento de fluxos financeiros no final do prazo.”. Penitenciando-nos pela extensão da transcrição, inevitável por não colher expressá-la de forma melhor nem tão abrangente, nem sequer com apelo a tantas e tão creditadas fontes, podemos, como também ali se conclui, definir o contrato de swap, na modalidade que releva para os autos, como um “acordo de vontades mediante o qual as partes, por referência a um determinado prazo, acordam entre si no pagamento recíproco de quantias pecuniárias as quais são apuradas com base na aplicação de uma taxa de juro (fixa ou variável) a um montante nocional previamente fixado entre aquelas e que não é trocado entre ambas”. “O contrato de swap é usualmente qualificado como sendo um contrato a prazo, oneroso, consensual (artigo 219º do Código Civil), meramente obrigacional, sinalagmático (em sentido amplo, já que apenas no decurso da execução contratual se determina sobre qual das partes e em que montante se concretizam as prestações devidas) e aleatório (ponto que, justificadamente, desenvolveremos adiante), do qual emergem prestações periódicas (assim MARIA CLARA CALHEIROS, “O contrato de swap”, cit., págs. 79 a 91, PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., págs. 17 e 22, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Contratos (…)”, págs. 649 e 650, HÉLDER MOURATO “O Contrato..(…)”, págs. 49 a 52 e 54, e ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., págs. 65 e 66, que, embora enuncie algumas das referidas características, considera, no entanto, que estamos em presença de um contrato comutativo; no sentido do texto, encaminha-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e os Acórdãos das Relações antes citados). Num outro prisma e como deriva da existência das sobreditas referências legais, o contrato de swap é tido como legalmente nominado, embora não regulamentado ou, se quisermos, legalmente atípico, o que permite nele descobrir um campo propício à actuação da liberdade contratual (cfr. n.º 1 do artigo 405º do Código Civil – neste sentido, v. o douto parecer de PINTO MONTEIRO junto a estes autos – fls. 784 e 785). Não obstante, é frequente o recurso a “master agreement” ou contratos quadro – mormente aquele que foi criado e modificado no seio da International Swaps and Derivatives Association” (ISDA) (a este respeito, v. CALVÃO DA SILVA, ob. cit., págs. 254 a 257) –e cláusulas contratuais gerais, o que constitui uma consequência da crescente intervenção de bancos enquanto contraparte destes contratos. É, ademais, uniformemente afirmado que os swaps são instrumentos financeiros derivados negociados fora dos mercados regulamentados (cfr. artigos 198º e ss. do Código dos Valores Mobiliários), i.e. “over the counter” ou seja um contrato de balcão (sobre esta noção, MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 57; também OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 52 salienta que os swaps são derivados negociados fora de bolsa; sobre as características desta negociação, v. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES “Os derivados”, cit., pág. 108 e 119). Impõe-se ainda constatar que as prestações pecuniárias das partes, embora sejam apuradas pela aplicação de uma taxa de juro a um determinado montante (à semelhança do que sucede com a obrigação de juros), revestem um cariz principal e não meramente acessório (o que usualmente caracteriza a obrigação de juros – cfr. artigo 561º do Código Civil). Comummente, assinalam-se aos swaps três finalidades: a cobertura de um risco financeiro (vg. as oscilações de taxas de juros ou cambiais – também denominado “hedging” – para uma exemplificação prática desta finalidade, v. JOÃO CANTIGA ESTEVES, ob. cit., pág. 75), a especulação e a arbitragem. Neste contexto, a especulação (também designada por “trading”) pode ser definida como “(…) a exposição deliberada e consciente às incertezas do mercado com a intenção de alcançar um benefício económico (…)” (cita-se MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 70 e HÉLDER MOURATO “O contrato (…), pág. 24), o que se verifica sempre que se contrate um derivado (…) numa espécie de “vácuo financeiro”, ou seja sem estar envolvido numa relação subjacente que se refira a determinada variável económica (…)” (cita-se HÉLDER MOURATO, loc. cit.). No mesmo contexto, a arbitragem deve ser entendida em sentido económico, i.e. “a exploração de diferenças de preços existentes entre dois mercados” (cita-se MARIA CLARA CALHEIROS, ob. cit., pág. 68; no sentido de que esta finalidade está compreendida na especulação, v. PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, ob. cit., pág. 13).” Retornando ao caso concreto, por confronto, não temos dúvidas em concluir que os contratos referidos supra em B) a D), que respeitam ao negócio para garantia de cujo cumprimento foi entregue subscrita pela sociedade executada e avalizada pelos 2º e 3º executados a livrança oferecida à execução como título, bem assim como o contrato referido em G) e respetiva alteração enunciada supra em H), são todos eles contratos de swap de taxa de juro “plain vanilla”. Porquanto, naqueles ajustes, o banco exequente comprometeu-se, ao longo do prazo acordado em cada um deles e com periodicidade trimestral, a pagar à sociedade executada a taxa de juro Euribor a 3 meses sobre a importância nominal designada em cada um dos contratos, ao passo que esta, por seu turno, se vinculou, em contrapartida, a pagar-lhe, no final do contrato no caso dos dois primeiros contratos referidos em G) e H) com a mesma periodicidade no caso do referido em B) e ao longo do mesmo prazo, uma determinada taxa de juro ou a taxa de juro Euribor a 3 meses, consoante a variação desta taxa se verificasse nos limites estabelecidos no contrato ou abaixo destes, registando-se uma perda para a sociedade executada sempre que sucedesse este último caso, como sucedeu. Importa ainda para o que ao caso releva notar que se no seu desenho inicial o swap de taxa de juros correspondia à troca entre duas entidades das taxas de juros a que estavam obrigadas por empréstimos contraídos, em que detinham as vantagens comparativas a que alude a teoria económica supra mencionada no citado aresto do STJ, certo é que na evolução desta figura contratual, as instituições financeiras começaram a intermediar a relação entre as partes do swap, com a função de as colocar em contacto e, posteriormente, acabaram por nele intervir como contraparte, quer anulando a sua posição pela intervenção em contratos de sinal oposto, celebrados em conexão económica e independência jurídica, quer gerindo a carteira global de swaps que contratavam. É este o caso dos acordos em apreciação nos autos, celebrados entre a sociedade executada e o Banco exequente, uma vez que a causa das operações simétricas de sentido contrário referidas naqueles contratos residiu precisamente na contratação dos swap e no risco a eles associado, não se podendo com propriedade considerar que o exequente agiu como mero intermediário financeiro. Importa ainda deixar expresso que vista a data de celebração destes contratos, é ela anterior às referidas Diretivas Comunitárias, estando vigente a versão do Código dos Valores Mobiliários do DL 219/2006, o qual no seu artigo 2º, nos 4 e 5, previa a aplicação de alguns títulos do mesmo Código aos instrumentos financeiros derivados, entre os quais se inclui o swap. Porém, como se nota no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/3/2013 (proc. 2587/10.0TVLSB.L1-6, relatora Desembargadora Ana Azeredo Coelho), se aquela referência legal os torna contratos nominados, “apenas não lhes altera natureza de contrato atípico quando se considere como tal aquele cuja configuração não está legalmente definida, já que a lei não lhes prevê um conteúdo normativo tipificado limitando-se a remeter para a designação corrente na vida económico-jurídica”. Invocam os opoentes a nulidade do contrato subjacente à livrança dada à execução com fundamento na violação de deveres de informação. É certo que são amplos os deveres de informação que impendem sobre as instituições financeiras em relação, nomeadamente aos investidores não qualificados, como se nos afigura serem inequivocamente os opoentes pessoas singulares, legais representantes à data da sociedade executada, sendo estes mesmo assimilados aos consumidores no regime de protecção (cfr. normas dos art. 293º, nº 1, alínea a), 304º, 309º, 312º, 314º e 321º, nº 2, com referência ao art. 30º, todos do CVM. Releva ainda notar que é de apreciação oficiosa a eventual nulidade arguida, sendo certo que os opoentes alegaram e mostra-se provado que o contrato em causa tem as referidas características de contrato de adesão ou de estabelecimento de cláusulas contratuais gerais, não negociadas especificamente pelas partes, por forma a integrar a previsão do art. 1º, nos 1 e 2, do DL 446/85. Veja-se assim a materialidade apurada supra em M), sucede que a exequente logrou demonstrar relativamente a este contrato o cumprimento dos deveres de informação[,] maxime do risco de perdas associado a tal contrato (vide factos provados supra em Z), razão do que não podemos concluir quanto a este contrato pela respetiva nulidade no domínio de tal regime jurídico. Cremos, contudo, que a questão pertinente a atender para conhecimento da arguida nulidade é outra, a que respeita à denominada derivação. Vejamos. O contrato de swap é, em nosso entender, aleatório, ou seja, caracteriza-se por ser um contrato oneroso no qual a existência ou valor de uma ou de ambas as prestações das partes depende de um facto futuro incerto (cfr. Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, 2ª Edição, Lex, pág. 70, Castro Mendes, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, Ed. AAFDL, pág. 320 e Ferreira de Almeida, “Contratos III –Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco”, Almedina, pág. 149 e o citado aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/3/2013). De onde resulta para as partes o risco de ganhar ou perder, nisso consistindo a respetiva álea. No caso vertente, o facto futuro, incerto e também insusceptível de ser influenciado por qualquer das partes, são as variações da taxa Euribor a 3 meses nas datas estipuladas em cada um dos contratos e, particularmente, para o que nesta sede de oposição à execução releva, no contrato referido em B), C) e D), estando o quantum das prestações das partes unicamente dependente desta evolução. Porém, não se descortina nem neste contrato nem nos dois que o antecederam qualquer relação com o contrato de financiamento referido em I) ou qualquer outro de mútuo ou financiamento, não resulta do clausulado do contrato qualquer derivação desde logo considerando os respetivos valores sem qualquer conexão, tão pouco os prazos dos referidos contratos de permuta de taxa de juro. São na verdade contratos independentes, não se tendo de resto em vista da factualidade provada apurado qualquer relação de dependência ou interligação entre eles, sequer que os contratos de permuta de taxa de juro celebrados o tenham sido por força daquele outro de financiamento já existente e para garantia do respetivo risco de flutuação das taxas de juro. Afigura-se-nos, outrossim, até em vista do que se apurou supra em W) parte final (tendo os dois primeiros contratos sido propostos pelo Banco exequente como meio apto a que a sociedade executada fizesse face às suas necessidades de tesouraria, ou seja, como forma de rendimento), que tais contratos foram celebrados com fito exclusivamente especulativo. Relembremos contudo que o contrato de swap se conforma e é hoje legalmente autorizado e reconhecido como um instrumento financeiro derivado. Ora, como explica Hélder Mourato (“O Contrato de swap de taxa de juro”, pág. 4), “como o próprio nome indicado, o derivado é um produto financeiro que deriva de outro, sendo que o valor do primeiro está relacionado com o valor do segundo. Por exemplo, um swap de taxa de juro deriva de um mútuo que lhe é subjacente./ Deste modo, o derivado é construído através de uma técnica de derivação ou, melhor dizendo, o derivado assenta numa relação de derivação./ A peculiaridade da relação de derivação é que, nela, não vigora propriamente um princípio de abstracção, mas também não há um princípio de causalidade ou uma relação de determinação”. Nesta medida, como se escreveu no supra citado Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/3/2013, “a derivação não é assimilável à abstracção, decorrendo a construção do derivado das características da realidade que lhe subjaz. Ou seja, o derivado, no caso o swap de taxas de juros é construído com base na realidade de que emana, no caso o nível de endividamento (…) [no caso deveria ser da sociedade executada], custos desse endividamento e a finalidade prosseguida pelo contrato.” Mesmo Ferreira de Almeida (ob. cit)[,] defendendo o contrato de swap como um contrato causal, nega qualquer influência ao ativo subjacente para além do facto de constituir a referência qualitativa e quantitativa do capital, o que, no caso, como já dissemos, não ocorre. Na verdade, cremos que é a finalidade de cobertura de risco que delimita e estabelece a derivação no swap, pelo que, para além de aleatórios devem ser vistos noutra perspectiva como contratos de risco ou de imputação de risco, já que neles, “(…) o risco, previsto no próprio contrato e elemento desse contrato, constitui a sua finalidade meta-jurídica, fundamental e global do contrato” (ainda Ferreira de Almeida, “Contratos III”, pág. 150). O contrato de swap apenas pode ser caracterizado enquanto tal se dos seus termos for claro que cobre um risco (no caso de flutuação de taxa de juros) e que o cobre relativamente a uma (ou várias) operação financeira devidamente caracterizada: um mútuo simples, um mútuo por conta caucionada, qualquer outro financiamento, possibilidade ou não de amortização dos mesmos, ou, até, eventualmente, possa envolver para uma das partes (o cliente da instituição financeira) a obrigação de manter o nível de financiamento que justificou o swap. Ora, quando da análise do clausulado contratual não resultar a derivação, o contrato tem de ser analisado independentemente da realidade subjacente de que abstrai. É esse o caso dos autos, uma vez que os instrumentos contratuais nada concretizam quanto à relação subjacente de que emanam. Por conseguinte, o que ocorreu no caso dos autos foi utilizar um instrumento admissível – a permuta de taxas de juros – para, em cima de um “vácuo financeiro” de que fala Maria Clara Calheiros, especular com vista a um ganho. Não cremos ser possível equiparar qualquer destes contratos e especialmente o que está na causa da livrança oferecida à execução a jogo, porque a evolução da taxa de juro Euribor não depende da atuação das partes. Estará mais próxima a sua equiparação a uma aposta, definindo esta, como Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit, pág. 268, como “o contrato em que as partes estipulam que quem erre acerca da previsão ou da verdade de um facto se obriga a efectuar uma prestação patrimonial a favor de quem acerte, ou perde uma entrada em favor de quem acerte ou da entidade promotora do sistema, e que quem acerte tem direito a uma prestação patrimonial a efectuar pela outra parte”. O art. 1245º do CC consagra, por um lado, a invalidade dos jogos e aposta ilícitos, isto é, de fortuna e azar, ou seja, aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, conforme definido no art. 1º do DL 422/89, de 2 de dezembro, sendo a sua prática fora dos locais autorizados criminalmente punida, e, por outro lado, reconhece o jogo e aposta lícitos como fonte de meras obrigações (cfr. art. 402º do CC). São jogo e aposta lícitos aqueles cujo resultado não depende da sorte mas antes da mestria, habilidade ou perícia dos jogadores ou dos conhecimentos ou perícia dos apostadores. O contrato de swap como supra definido não é equiparável a uma aposta, mas já o serão os dos autos, uma vez que neles não existe qualquer um verdadeiro objectivo de gestão de risco da variação de taxa de juros de uma dívida ou de qualquer tipo de financiamento, e, portanto, o objectivo do contrato não é outro senão o da mera especulação e aposta, para o que as partes acordaram sobre um valor nominal ficcionado, sem efectiva correspondência a uma operação subjacente com o objectivo de especular com as taxas de juro e dai retirar as perdas e os ganhos advenientes. Os contratos em causa nos autos não respeitam a função sócio-económica do swap propriamente dito, não visando a cobertura de qualquer risco mas criando eles próprios um risco endógeno ao próprio contrato, o que o descaracteriza enquanto swap, ou seja, enquanto permuta, necessariamente equilibrada. Sem causa o contrato é um produto financeiro abstracto cuja transação fora de Bolsa não encontra qualquer acolhimento no nosso ordenamento jurídico, configurando-se como um contrato de aposta e não um swap. Neste sentido também Oliveira Ascensão (“Derivados” in “Direito dos Valores Mobiliários”, vol. IV, pág. 53) escreve: “Se do CVM não resulta uma exclusão do negócio de derivados, teremos de admitir a atipicidade destas operações. Mas se forem atípicas, não deixam de estar sujeitas aos princípios gerais. E, nomeadamente, actua a similitude já atrás assinalada ao jogo e à aposta. Se estes negócios não tiverem outra causa que os ampare, incorrem no estatuto desfavorecido do jogo e da aposta na ordem jurídica portuguesa. Precisam de ter causa que os sustente.” Salientando também a necessidade desta relação de derivação e, por conseguinte, a causalidade do swap para nele se descortinar um fim económico legítimo e merecedor de tutela no domínio da liberdade contratual, o aresto do STJ supra citado de 29/1/2015, afasta a equiparação ao jogo, nos moldes que supra também fizemos, mas também em primeira linha a equiparação à aposta ilícita. Explica a propósito: “É que, neste caso, a aposta em causa não visa uma ocorrência que dependa exclusivamente da sorte ou do azar (seria o caso, vg. de uma aposta sobre o desenlace de um jogo), assentando, ao invés, num prognóstico sobre a evolução da taxa de juro a 3 meses que se antevê que seja, ainda que minimamente, fundado vg. nas informações ou previsões de que dispunham ou na aptidão interpretativa das mesmas (…)./Tratam-se, pois, de contratos sintomaticamente equiparáveis a apostas que, no confronto com aquelas a que se refere a primeira parte do citado normativo, se devem ter por lícitas.” Porém, situa a problemática na questão da causa, que defende também ter que existir para que o swap seja legalmente admissível, porque sendo a causa de um negócio identificada com a função económico-social que ele concretiza, independentemente de ela ser prosseguida ou querida pelas partes, certo é que “a ordem jurídica só protege os negócios celebrados pelas pessoas que constituam um meio adequado à realização de certos fins que aquela tem como juridicamente relevantes e legítimos, o que equivale por dizer que a causa tem que, simultaneamente, ser relevante e lícita”. E, partindo dessa premissa, apoia-se nos escritos de Maria Clara Calheiros e Oliveira Ascensão, já mencionados, para indagar qual a função que em concreto que o contrato desempenha e se a mesma consiste na realização de uma finalidade tida como merecedora de tutela por parte do ordenamento jurídico, salientando no caso que aprecia, o que também sucede, nestes a saber: ser “sintomático que a importância nominal em causa não sofra qualquer mutação (mormente, uma desvalorização) ao longo da vida do contrato, o que seria natural se àquele estivesse subjacente um qualquer outro negócio (v.g. um mútuo) ou até um balanço. Tal circunstância acentua o cariz fictício destes swap”. E, nesta sequência, acaba por admitir que o risco ínsito nesses swaps é endógeno aos mesmos, o que os assemelha a uma aposta, “ou seja, o risco foi exclusivamente por eles criado com base num vácuo financeiro, prefigurando-se, pois, a denominada gestão do risco que lhes deu o mote como meramente fictícia”. E assim continua: “Recordemos, neste passo, a lição de MARIA CLARA CALHEIROS quando pertinentemente escreve que (ob. cit., pág. 73) “(…) a especulação torna-se evidente quando uma das partes celebra um contrato de swap numa espécie de vácuo financeiro i.e., sem possuir uma situação financeira subjacente dependente da particular variável económica em causa no swap. Nos casos de mais difícil distinção, um critério aproximativo da finalidade das partes será encarar a especulação como categoria residual da finalidade de cobertura de risco, i.e., todos os contratos que não possam ser classificados como tendo sido motivados por um desejo de cobertura de risco, devem considerar-se como obedecendo a uma intenção especulativa.(…)”. E se é certo que o risco assumido nestes swaps se consubstancia numa variação exógena às partes e, naturalmente, ao contrato, não é menos verdade que a endogenia se afirma na sua assunção por aquelas nessa sede, sem a ligação a quaisquer operações de financiamento (…).” Conclui, assim, que por meio dos swaps assim contratados as partes se limitaram a especular hajam prosseguido, “i.e. a procurar um ganho financeiro (…), ingressando, sem qualquer pejo, no domínio da pura abstracção (expressão que não deve ser entendida no sentido técnico jurídico de que demos nota mas antes como a absoluta desligação a uma realidade palpável)./ Por outras palavras, podemos concluir que estamos perante swaps “ad nutum” que se reconduzem “(…) a uma pura aposta sobre a evolução das taxas de juro (…)” que “(…) não tem qualquer outro efeito que não a captura do produto do risco i.e. a procurar um ganho financeiro”. Ora, conquanto a ordem jurídica tolere a especulação, até porque sem ela não há comércio, tal tolerância não é irrestrita, consagrando a CRP desde logo programaticamente no seu art. 99º, alínea c), como objetivo de política comercial o combate às atividades especulativas, sendo alguns comportamentos especulativos punidos pelo art. 35º do DL 28/84, de 20 de janeiro. Haverá, assinala, que distinguir a especulação “tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia com busca da álea em si mesma (…) e independente de qualquer outro motivo que o sustente ou explique (…) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um valor nocional (…)./Não se crê ser despropositado adjectivar como artificiosa a criação de riqueza por essa via nem se vislumbra qualquer razão que legitime uma equivalência (…) entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada (independente, nas palavras do mesmo Insigne Professor) de um risco gerado por este. Poder-se-á, em suma, dizer que, aqui, o risco é tão real como o é a “importância nominal” em que se fundavam as prestações. E, ademais, legitimar uma tal prática por via do contrato de swap corresponderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos a ela associados.” Assinalando depois precisamente os riscos associados a este tipo de práticas financeiras, bem como a enorme desproporção entre o sector financeiro e a economia em geral, “resultante de uma autolegitimação de procedimentos e fins, em que a economia em que se devia basear esse sector é apenas um pano de fundo com que se joga”, os seus conhecidos efeitos perniciosos desde logo da crise financeira de 2008, não logra este aresto descortinar em negócios como os ali vertentes e nestes autos uma mais valia digna de tutela, não sendo susceptível de corresponder a um interesse relevante do ponto de vista económico e merecedor de tutela jurídica (cfr. nº 2 do art. 398º do CC), o que – acrescenta – “é consonante com a conclusão extraída da caracterização destes contratos como apostas”. Insistindo contudo que a licitude se avaliará pela causa do negócio, acrescenta que a especulação tolerada pela ordem jurídica considerada no seu todo deve conter-se em determinados limites, designadamente, não pode valer por si própria mas apenas enquanto servir de contraponto à cobertura de risco. Daí, sufragando o entendimento de Pais de Vasconcelos relativamente ao conceito de ordem pública como “complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respectivo ordenamento jurídico. Constitui expressão e instrumento do interesse público, do bem comum, tal como é definido naquela colectividade e corresponde geralmente aos grandes princípios consagrados na parte programática da respectiva constituição política”, ponderando nas desutilidades sociais e económicas que este tipo de contrato (que não os swap propriamente ditos) são aptos a gerar, sem esquecer o supra mencionado ditame constitucional, conclui pela sua desvalia face aos valores cogentes e ao bem comum, ou seja, pela sua contrariedade à ordem pública e subsequente nulidade nos termos do art. 280º do CC. Cremos que a posição defendida supra de estarmos perante um contrato equiparável a aposta ilícita e, por conseguinte, nulo, não é conflituante com a sufragada neste aresto do STJ, antes se completam. Posto que não estamos tout court perante uma aposta mas algo equiparável e que, situando-se no domínio da liberdade privada, se tem esta de conformar com interesses de ordem pública prevalentes, não admitindo estes a assunção fora dos mercados bolsistas de um tal risco apenas pelos próprios criado, não se procurando na verdade por meio dos mesmos uma qualquer gestão de risco de uma operação subjacente que careca dessa tutela, reportando-se a “uma aposta” através de diferenciais abstractos, apartando-se da razão de ser, do sentido social e económico útil e da própria justificação teleológica dos derivados, que assenta em causas concretas e não na abstracção pura e simples. Assim o swap, quando válido, tem na sua génese (i.e., deriva...) não só do índice que serve de referência ao cálculo da prestação pecuniária (a taxa de juro) mas também dos contratos que ontologicamente lhes precedem [rectius: que lhes deveriam preceder] e dos quais não se podem apartar. Assim, concluímos pela nulidade do negócio para garantia de cujo cumprimento foi entregue subscrita e avalizada a livrança dada à execução, a qual, assim não pode subsistir, ficando prejudicado o conhecimento da invocada questão da alteração das circunstâncias. (…) Ora, assim sendo, é evidente que não são devidos os valores por parte dos executados como reclamados, porque os mesmos pressuporiam a aplicação das cláusulas do contrato nulo, mas haverão as partes que restituir tudo o respetivamente prestado por cada uma no domínio da execução desse contrato.” (Sublinhados nossos.) 3.2.1.2. Na mesma senda veio a argumentação da Relação: “A livrança dada à execução foi entregue ao exequente em anexo ao escrito denominado "contrato de permuta de taxa de juro", celebrado em 06.07.2007 entre exequente e a executada M..., SA (fls. 148). De acordo com o referido contrato[,] embora faça referência à existência de um contrato de financiamento celebrado entre o mesmo Banco e a mesma Empresa[,] não resulta estabelecida qualquer ligação entre os mesmos. O acordo de pagamento de taxa de juros por cada uma das partes à outra, com referência ao montante estipulado no contrato[,] apresenta-se assim sem qualquer ligação a um contrato subjacente. Não está subjacente a este contrato qualquer contrato de financiamento. O contrato de permuta de taxa de juro é um instrumento financeiro, previsto na Directiva Relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros, Directiva 2004/3 9/CE de 21 de Abril (DMIF) que prevê um conjunto de instrumentos financeiros, tendo sido transposta para a Lei Portuguesa no art. 2º do CVM. O ponto 3 do art. 199º-A do RGIC onde foi transposta a directiva 2006/49/CE de 14 de Junho (Direito Bancário), define instrumento financeiro como qualquer contrato que dê origem, simultaneamente a um activo financeiro de uma parte e a um passivo financeiro ou instrumento de capital de outra parte, incluindo no mínimo os instrumentos financeiros previstos na DMIF. Hélder Mourato considera que este conceito não é rigoroso, porquanto existem instrumentos financeiros que não são contratos (Cfr. Hélder Mourato, “Swap de Taxa de Juro: a primeira jurisprudência”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, nº 44, Abril de 2013, pág. 35). Os produtos financeiros, como instrumentos de apoio ao financiamento e funcionamento da economia, são criados para manter uma certa ligação com a realidade subjacente, estabelecendo-se uma relação entre o instrumento criado e a realidade subjacente, que integra o próprio contrato e faz parte do conteúdo do instrumento derivado contratualizando-se o risco relativo a essa realidade subjacente. O instrumento financeiro derivado é constituído por referência a essa realidade a qual o acompanha e influência até ao seu termo (cfr. Hélder Mourato, “Swap de Taxa de Juro: a primeira jurisprudência”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, n° 44 e Amadeu Ferreira, Direito dos Valores Mobiliários, AAFDL, 1997, pág. 438 e ss). No contrato de permuta de taxa de juro existe uma variável que as partes não podem controlar, a variação da taxa de juro, que determinará a obrigação de pagamento de uma das partes à outra, aceitando qualquer delas o risco daí resultante com base na análise que fazem do mercado. O objectivo dos intervenientes no contrato é puramente económico no contexto de um mercado em que pode ser feita uma previsão reacional da evolução das variáveis com base nas taxas de referência fixadas pelo Banco Central Europeu. No caso de o contrato de permuta de taxa de juro, com referência a uma quantia ainda que nocional, mas sem ligação a um realidade subjacente em que existe um contrato envolvendo quantias que determinam o pagamento de taxas de juro, o mesmo apresenta-se como especulativo, sem uma base económica e financeira substancial que o justifique, configurando-se como uma aposta feita por cada uma das partes na evolução da taxa de juro num determinado sentido de acordo com indicadores que analisam, fixando pagamentos recíprocos de acordo com essa evolução. Configurando-se como uma aposta, o contrato de permuta de taxa de juro, sem ligação a uma realidade económica ou mesmo financeira subjacente não é válido, face ao disposto no art. 1245º do C.Civil, não constituindo fonte de obrigações civis. O contrato de permuta de taxa de juro dos autos não se mostra ligado a qualquer realidade subjacente pelo que configurando-se como uma aposta que as partes fizeram quanto à evolução das taxas de juro, de que decorriam obrigações de pagamentos para qualquer delas, sendo para o cliente fixada taxa fixa e para o Banco decorrendo a obrigação de pagamento face à evolução da taxa de juro, podendo no entanto rescindir o contrato, se a situação lhe fosse manifestamente desfavorável, a partir do primeiro ano de vigência do contrato, e no fim de períodos de vigência de três meses, não constituem fonte de obrigações civis, pelo que não pode servir de base ao preenchimento da livrança dada à execução e apresentada como título executivo.” 3.2.2. É consensual que o contrato de swap é um contrato nominado (arts. 2º, 1, e), CVM[2]; 2.º-A, o), iv), RGICSF[3] (DL 298/92, de 31 de Dezembro)), ainda que legalmente atípico, sendo contemplado no CVM como um instrumento financeiro “derivado” (negociado tipicamente em “mercado de balcão”) e no RGICSG como um “contrato financeiro”; assenta numa permuta ou troca financeira de quantias pecuniárias futuras e calculadas por referência a fluxos ligados a passivos ou activos, reais ou fictícios, de acordo com o seu valor de mercado em data futura. No caso dos autos, a permuta relativa ao swap celebrado em 2007 – o contrato garantido pela livrança – incidia sobre quantias representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, base para serem calculados por referência a determinadas taxas de juros (fixa e variável) aplicadas a um montante “nocional”/”nominal” acordado pelas partes, pelo período de duração contratual de cinco anos, com obrigações de pagamento recíproco tendo em conta as suas variações e subsequente (em regra) “compensação” (em sentido amplo) num “saldo credor”, cujo montante se traduz numa só obrigação de pagamento exigível a uma das partes (contrato diferencial, portanto, no caso[4]), a aferir periodicamente no termo de períodos temporais (trimestrais) sucessivos e futuros e previamente fixados para contagem dos juros (sendo susceptível de termo antecipado e unilateral do vencimento por opção do Banco contraparte), sendo os fluxos de pagamento gerados favoráveis a uma ou a outra das partes em conformidade com a alteração da taxa de referência variável em relação à taxa fixa convencionada – um swap sobre taxas de juros (interest rate swap, na modalidade de coupon swap ou plain vanilla)[5], traduzido num “contrato-quadro” preliminar (master agreement) e num acordo complementar de “confirmação” integrado pelas condições particulares (v. factos provados B) a D)). Acontece ter o swap como finalidade económico-social mais padronizada a gestão e cobertura de risco relativo a operações económico-financeiras determinadas e concretas às quais se refere e associa a permuta subsequente (geralmente subscritas pelas “empresas”-partes tendo em vista o financiamento da sua actividade: por ex., um mútuo bancário)[6], permitindo atenuar ou suprimir as eventuais perdas originadas em variações desfavoráveis das (em particular) taxas de juros ou de câmbio (efeito de “hedging”, em versão “micro” ou “macro”) relativas a essas causais, prévias ou sucessivas, operações (e respectivas posições de risco) com que se encontra conexionado o swap (por ex., contrabalançando uma taxa de juro variável na origem com uma taxa de juro fixa negociada no derivado), transferindo (em rigor, transformando) esse risco de perda para a contraparte do swap (no exemplo, o banco)[7]. A questão é saber qual a consequência de um swap de taxa de juro ser celebrado sem a finalidade de cobertura e gestão de risco inerente a uma operação económico-contratual associada ou conexa, nomeadamente quando essa finalidade seja comum a ambas as partes intervenientes no swap. Isto é, quando apenas e só uma parte ou ambas as partes contratantes perseguem uma pura e exclusiva especulação – “a consciente e deliberada exposição às incertezas do mercado, com a intenção de alcançar um benefício económico”[8] – sem possuir uma situação financeira ou negocial dependente da particular variável económica em causa no swap[9] – numa formulação elucidativa, “a criar riqueza a partir do nada”, como “‘derivado’ do nada”, que voltará ao “nada de origem”[10]… Questão essa que é alheia nem se resolve com o regime de (i)licitude (e excepção) do “jogo e aposta” (art. 1245º do CCiv.): (entre outras razões) ambas as partes do swap têm expectativas de ganho (é um contrato oneroso), nomeadamente para suprir os desequilíbrios que sejam desfavoráveis na execução da relação negocial a montante do swap, tendo em conta a evolução dos mercados, que não se confunde (para ser ilícito) com um mero jogo ou aposta em que o resultado depende de sorte (“fortuna ou azar”) exclusiva (ou fundamentalmente) aleatória[11]; a álea também existe no swap mas não faz parte dos fundamentos que estruturam a gestão de risco do contrato, antes é criada pelo resultado insuperável do diferimento no tempo das prestações a que as partes se obrigam, num certo momento ou em datas fixadas (contrato duradouro de execução diferida e sucessiva[12]), dependente da flutuação (externa ao contrato) de taxas no mercado, relativamente à qual emerge na origem uma lacuna informativa e uma incerteza correspondentes – é uma álea impura ou imprópria[13].[14] 3.2.3. O ponto essencial é compreender que os contratos de swap são contratos “derivados”, celebrados e valorados tendo como referência uma realidade primária ou de primeiro grau, o chamado “activo subjacente” ou “de referência”, que está sujeita a risco de flutuação do respectivo valor: neste caso, as “taxas de juro”, cujo valor é aplicado ao (chamado) montante “nocional”[15]. Porém, e além disso, deve sustentar-se que, sendo a exposição a um risco o cerne do próprio contrato, não pode ser admitido que o risco se esgote como única causa da vontade negocial das partes no swap: o contrato tem que implicar igualmente uma realidade secundária ou de segundo grau, uma operação associada ou conexa (maxime, de financiamento empresarial) que justifique a assunção do risco que é típico do swap; não é admissível um risco sem causa remota, apenas ordenado à vontade de ganho inerente à especulação pura na álea que, ainda que imprópria e ainda condicionada pelo maior ou menor acerto sobre a evolução das cotações no mercado das taxas de juros, se gera no swap enquanto “derivado” (cujo valor, portanto, deriva dessas mesmas alterações quando aplicadas periodicamente as taxas ao montante “nocional”). Em termos jurídicos, podemos (e devemos) vislumbrar no swap uma causa imediata ou próxima, assente na troca de fluxos financeiros sobre esse seu e próprio “activo subjacente” (sem qualquer efeito translativo ou extintivo, note-se), para a gestão de riscos de mercado pré-existentes ou previsíveis na execução negocial paralela, sendo esta a sua causa remota, correspondente a outro negócio-operação (ou outros, referidos a uma “dívida global” ou ao “serviço da dívida”) que, ele(s) e só ele(s), legitima(m) a especulação que está inerente à expectativa de ganho no “swap”[16]. Claro que nessa causa imediata há especulação na assunção do risco que é próprio e também objecto do plano contratual do “swap” (a oscilação decorrente da evolução das taxas no mercado e a consequente alteração da exposição financeira de cada parte a tal risco)[17]. Tal não se nega nem tal poderia ser negado – estamos perante uma função óbvia de um derivado financeiro; estamos perante uma função com utilidade económica; estamos perante uma função que não é por si só proibida e isenta de protecção jurídica. O que interessa saber é até onde é susceptível de tutela jurídica, uma vez reconhecida a troca dos fluxos financeiros inerente ao “swap” como o instrumento que permite que se realize a troca do risco pretendida e convencionada – o seu “modo ou técnica de cobertura”[18] –, a finalidade especulativa. Onde está, independentemente do mais ou menos extenso reconhecimento dessa especulação, portanto, a linha de fronteira? Pois bem. O limite à licitude do swap é não ser este utilizado em exclusivo para essa finalidade especulativa – “exposição intencional aos riscos de variação dos preços no mercado com intuito de obter um ganho”[19] –, que deverá ser secundária ou complementar ou acessória[20] ou, no mínimo, concomitante na função de cobertura de risco. Se essa especulação se esgota em si mesma, sem ser um meio para atingir um fim garantístico de neutralização ou superação de um outro risco conexo, geralmente pré-existente (a sua função económico-social típica enquanto “derivado” financeiro[21]) e condição de legitimação do risco inerente ao swap, então poderemos concluir que o swap de cobertura e gestão de risco fica sem rede para ser tutelado como admitido no ordenamento jurídico em razão da sua tipicidade funcional. Tal asserção não significa que se rejeite a autonomia e a independência do swap no seu catálogo próprio de direitos e obrigações – no programa e economia que lhe dão identidade, que se mantém e inclui em si mesmo até a própria falta de coincidência entre os montantes “nocionais” do swap (uma espécie de capital fictício com o escopo contratual de permitir a contagem dos juros trocados) e os montantes “reais” envolvidos na relação negocial remota[22]. Mas, antes disso, a sua constituição como contrato, no exercício da liberdade negocial e autonomia privada – que assumem campo fértil na atipicidade legal, como sabemos –, tem que respeitar e radicar-se numa relação, prévia ou sucessiva, mas sempre condicionante da sua própria licitude, de tal modo que a finalidade querida pelas partes com a celebração do contrato de swap esteja causalmente objectivada nas finalidades que conferem tipicidade prático-social ao swap e justificam ser um contrato nominado e admitido como tal – nomeadamente, o de gestão de risco de variação de taxas de juros inerente a uma outra relação entre as partes (“transacção de redução de risco”, distinto de uma pura e simples “transacção de criação de risco”[23]), que legitima a especulação derivada do instrumento financeiro subsequente e dessa forma legitimado. Reiterando e em suma: não podemos considerar admitido por lei um contrato cuja finalidade, surpreendida na tarefa de interpretação e verificação da vontade das partes plasmada no conteúdo do contrato, está fora dos limites de conformidade da tipicidade social do contrato de swap como contrato estruturalmente causal[24]. 3.2.4. É nesta exigência que a operação-causa remota – enquanto função económico-social que estrutura o negócio nos seus elementos e corresponde em concreto à vontade-motivação das partes na sua celebração[25] – se assume como fundamento da juridicidade do contrato de swap e da sua causa imediata[26]. É nesta conexão que se reforça substancialmente a protecção da parte mais débil e menos instruída nas relações jusfinanceiras, vítima potencial de claudicantes assimetrias informativas, mormente quando se enfrentam com instituições financeiras, a actuar directamente (não exclusivamente como intermediários financeiros mas) como contrapartes contratuais dos seus próprios clientes em busca de rentabilidade própria[27], os investidores (agora etiquetados como) “não profissionais” (independentemente das garantias legais para uma decisão livre e esclarecida) que se identificam a contrario no art. 30º, 1, do CVM[28], com a exigência habitual de garantias ao “cliente” destinadas a assegurar o cumprimento das obrigações emergentes do swap – é o caso da factualidade neste processo de “permuta” de juros. É, pois, nesta ligação indissociável que se funda a licitude do objecto (privilegiadamente do seu conteúdo enquanto efeitos jurídicos que o negócio proporciona) do próprio contrato de swap; é na sua ausência que teremos uma ilicitude na relação meio-fim. Como? Em primeiro lugar. Se temos um contrato de swap sem causa negocial remota (simpliciter, sem que uma das contrapartes ou ambas não tenha dívida com risco de taxa de juro para “cobrir”), constituindo, de acordo com a finalidade extraída da interpretação das cláusulas contratuais e o propósito das partes, um contrato de pura especulação e risco endógeno (“criado pelas partes e por elas pretendido como tal”[29] como risco a se “criado pelo contrato a qualificar” no que toca à evolução futura da sua própria taxa de juro[30]), estamos perante uma ilicitude da causa[31] e, como tal, do conteúdo do negócio[32]. Melhor e mais rigorosamente: ilicitude por falta de causa remota[33], cuja ausência não é permitida expressamente pela lei – por falta de norma específica que permita tal finalidade pura e exclusivamente especulativa no swap de taxas de juro (que não é nem pode ser somente o art. 2º,1, e), i), do CVM, ou outro de nominação legal, nem a legislação da União Europeia pertinente e cómoda nas suas definições com a função especulativa[34]) – e torna ilegítima a contratação e, por tal, inapta à produção de efeitos[35].[36] É certo que o CCiv. não autonomiza a “causa” como elemento ou requisito autónomo de validade do negócio jurídico, de modo que estaria vedado o seu reconhecimento para tal efeito à luz do art. 280º, 1, do CCiv. Não vemos assim, contudo, o problema quanto ao vício causal uma vez averiguada a licitude do objecto negocial, na vertente do conteúdo/efeitos. Na verdade. Uma das formas de ilicitude sancionada pelo art. 280º, 1, do CCiv. abraça esta patologia causal: ainda que o meio (celebração do contrato de swap) seja em si mesmo lícito em princípio (porque admitido na lei) e o seu fim especulativo não seja rejeitado por si só pela ordem jurídica (como não é, em geral e em particular, como interesse susceptível de tutela jurídica), a relação entre esse meio e esse fim, quando exclusivo seja o fim especulativo do swap sem causa remota, é inaceitável em função dos ditames da “lei”[37].[38] Com efeito, quando o art. 280º reprova com a nulidade o negócio jurídico «contrário à lei» também confronta os limites da liberdade de auto-determinação negocial que permitiram a realização material dos negócios (art 405º, 1, 1ª parte: «Dentro dos limites da lei (…).»; 398º, 1, 2.ª parte; CCiv.)[39] com os princípios jurídicos cogentes com força equivalente à das leis em sentido formal (equivalentes, no essencial, a norma jurídica e a acto normativo com valor legislativo[40]). Neste contexto, não podemos deixar de concordar com o Ac. do STJ de 29/1/2015[41], quando sustenta que a tolerância do ordenamento jurídico à especulação não é irrestrita: “Em decorrência do que se prevê na alínea c) do artigo 99º da Constituição da República Portuguesa – em que se programaticamente se postula que um dos objectivos da política comercial é o combate às actividades especulativas –, o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20 de Janeiro, sob a epígrafe “Especulação”, pune certos comportamentos especulativos. Por outro lado, não se pode confundir a especulação tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia com busca da álea em si mesma (…) e independente de qualquer outro motivo que o sustente ou explique (…) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um valor nocional (…). Não se crê ser despropositado adjectivar como artificiosa a criação de riqueza por essa via nem se vislumbra qualquer razão que legitime uma equivalência (…) entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada (independente (…)) de um risco gerado por este. Poder-se-á, em suma, dizer que, aqui, o risco é tão real como o é a “importância nominal” em que se fundavam as prestações. E, ademais, legitimar uma tal prática por via do contrato de swap corresponderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos a ela associados. (…) (…) a especulação, em si mesma e desligada de um qualquer referencial (e ainda que dissimulada sobre algo tão vago como a “gestão de risco”), não é susceptível de corresponder a um interesse relevante do ponto de vista económico e merecedor de tutela jurídica (…)”. Logo, tendo em conta uma interpretação objectivo-actualista do art. 99º, c), da CRP[42], devemos considerar nesta sede um princípio jurídico de limitação e abolição de actividades negociais (especialmente “comerciais”) dirigidas à especulação pura no campo das relações jusprivadas. E o contrato de swap sem causa remota de base – isto é, sem estar ordenado à concretização de uma “função causal de garantia”[43] – está a violar manifestamente este princípio com força de lei, entrando no âmago da aplicação do art. 280º, 1, do CCiv: é ilícito na relação meio-fim; é nulo por “contrariedade à lei”. Em segundo lugar. Claro está, que atenta a natureza jusconstitucional desse princípio jurídico, essa ilicitude não pode deixar, em coerência, de consubstanciar igualmente violação da “ordem pública”, agora também para o efeito de aplicação do art. 280º, 2, do CCiv. Assim é pois é de incluir esse princípio nos princípios imanentes ao ordenamento jurídico que “informam a organização política, económica e social da Sociedade”, que correspondem aos “grandes princípios consagrados na parte programática da respetiva constituição política” [44]. Em terceiro lugar. Mesmo que se entendesse que a desconformidade do contrato com esse princípio jurídico não afecta o objecto (imediato, no conteúdo) do negócio, sempre que a finalidade contrária à lei (também em sentido amplo) seja comum, conhecida por ambas as partes e determinante da celebração do negócio, como é, também será nulo o contrato de acordo com o art. 281º do CCiv. – é também este o caso. 3.2.5. Por isso, cremos que as instâncias – com excepção da utilização do regime do “jogo e aposta” plasmado no art. 1245º, 1ª parte, do CCiv. para rejeitar a validade – acertaram nesta questão de difícil resolução e de marcado dissenso interpretativo, tanto doutrinal como jurisprudencial. 3.2.5.1. Em primeiro lugar, destacaremos que temos um swap de taxas de juro que não foi concluído entre entidades-empresas com posições de risco recíprocas, mas antes entre uma instituição creditícia actuando como normal contraparte do contrato – acumulando a actividade de “intermediação financeira” na colocação de um produto financeiro, mas sem actuar propriamente no âmbito de “intermediação financeira” entre dois clientes – e um seu “cliente” da actividade bancária. 3.2.5.2. Depois, o ponto fulcral para a resposta é não dar-se como verificado que a contratação do derivado swap teve como fito cobrir riscos de um programa contratual (“carteira”) de crédito (em termos amplos) onde previamente se encontrassem posições obrigacionais de sentido contrário, susceptíveis de gerar a necessidade de recorrer ao derivado “swap” para cobrir o risco de oscilação desfavorável nessas posições recíprocas. Para assim se concluir, relevante se torna asseverar que não se demonstra qualquer conjugação funcional entre a operação de financiamento a que se refere o facto provado I) – celebrado em 2005, com montante real mutuado de € 1.000.000,00 “para financiar a actividade de construção de um edifício” – e o contrato de swap cujo incumprimento gerou a execução dos autos, a que se alude nos factos provados C) e D) – celebrado em 6/7/2007, com montante “nominal” de € 2.250.000,00 –, tendo ainda em conta as condições preparatórias da sua motivação e conclusão, a que se alude nos factos provados N) e O) (este referindo, apenas e eludicidativamente, a “evolução das taxas de juro praticadas pelo BCE”).[45] Mais: em referência a um contrato de swap antes celebrado – em 6/10/2015: facto provado G) –, os factos provados W (“Tendo já em execução o acordo de financiamento em I), a sociedade executada necessitava por falta de liquidez e para o prosseguimento da sua actividade de construção civil que o Banco lhe disponibilizasse meios financeiros para apoio da tesouraria, tendo sido nesse contexto e perspectiva que (…) haviam sido propostos pelo Banco exequente como meio apto a fazer face às suas referidas necessidades de tesouraria.”) e X) (“Os referidos escritos e seu conteúdo foram apresentados e propostos pelo Banco exequente à sociedade executada, através dos seus representantes, como meio apto a fazer face às referidas necessidades de tesouraria, sendo ainda informada a sociedade das perspectivas divulgadas pelo Banco Central Europeu e outras entidades bancárias internacionais e analistas de aumento das taxa de juro, como vinha sucedendo nos últimos anos.”) também denotam um desiderato exclusivamente especulativo, ainda que numa perspectiva de obter um eventual rendimento (na articulação ganho-perda) para liquidez da sociedade em face de necessidades de tesouraria, mas sem qualquer relação de garantia com o risco de flutuação do custo financeiro desse mesmo contrato de mútuo sob facto provado I) ou qualquer outro contrato determinado de financiamento ou de outra natureza. Note-se que tais “necessidades de tesouraria” se referem inequivocamente – assim resulta objectivamente – ao contrato de swap celebrado em 6/10/2005: o facto provado X menciona, numa sequência lógica e cronológica, os “referidos escritos e seu conteúdo”, como sendo “meio apto a fazer face às referidas necessidades de tesouraria” (mencionadas no anterior facto provado W), em relação à subscrição dos “documentos referidos em F) e G)”; o facto provado F) corresponde ao “contrato quadro para operações financeiras”; o facto provado G) refere-se aos “escritos” datados de 6/10/2005, ou seja, “contrato de permuta de taxa de juro” e “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro” com essa data; não se referem ao contrato dos factos provados C) e D). Em suma e sem mais: a aptidão do swap como “meio apto a fazer face às referidas necessidades de tesouraria” não respeita ao contrato de swap, e seus escritos/documentos, celebrado em 6/7/2007, garantido pela livrança aqui dada à execução, mencionados nos factos provados C) e D) (nem à contratação referida, já agora, no facto provado H)). E assim são tais factos provados C) e D) expressamente mencionados em outros factos do elenco, tendo em vista identificar o swap celebrado em 2007: cfr. factos provados M), N), P) [“resolução do contrato de permuta de taxa de juro descrito em C) e D)”], T) [“situação de incumprimento do contrato de permuta de taxa de juro a que se alude em C) e D) por parte da sociedade executada”], Z), AA) e BB). SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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