Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1041/12.0TBGMR-I.G1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: APRESENTAÇÃO
PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
REJEIÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PROCESSO URGENTE
ABUSO DO DIREITO
INSOLVÊNCIA
PODERES DO JUIZ
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO.
Doutrina:
- Catarina Serra, “Entre o Princípio e os Princípios da Recuperação de Empresas”, em “II Congresso de Direito da Insolvência”, 71 e ss..
- Maria José Costeira, “Questões Práticas no Domínio das Assembleias de Credores”, 103 a 105.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, 24.º, N.º 3, 138.º, 156.º, N.ºS 3 E 6, 162.º, 192.º, 193.º, 206.º, N.º 2, 207.º, N.º 1, ALS. A) E D), 214.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15.12.2011, PROC. N.º 2045/09.6T2AVR-B.C1.S1, E DE 29.01.2014, PROC. N.º 5547/12.3TBBRG.G1.S1, AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14.04.2015, PROC. N.º 476/11.0TYVNG-D.P1.S1, E IGUALMENTE ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
Não ocorre preclusão da possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência, mesmo depois de transitada a decisão que, em recurso, rejeitou a homologação do primeiro.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 1041/12.0TBGMR-I.G1.S1[1]

             

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - Nos presentes autos, em que é insolvente “AA, Lda”, foi, em 05.02.15, proferida a seguinte decisão:

“(…) Fruto da decisão proferida pela instância de recurso, de recusa de homologação do plano, tal determina a transição imediata para a fase de liquidação dos bens apreendidos, tendo ficado afastada a possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência - vd. artigo 156º/4, b), do CIRE, que dispõe que a suspensão da liquidação e partilha cessa, entre outras causas, com a não homologação do plano de insolvência. (…) Deste modo, por força da decisão transitada em julgado de recusa de homologação do plano, nos termos do art.158º/1, do CIRE, determino o encerramento da actividade da insolvente e o início da liquidação dos bens da massa insolvente, indeferindo-se a apresentação de novo plano, por preclusão da fase a tal destinada. (...) Notifique. (…) Após trânsito deste despacho, comunique a decisão de encerramento da actividade da insolvente à Administração Fiscal, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 65º/3, do CIRE.”

Por acórdão de 14.05.15 (Fls. 92 a 97), do Tribunal da Relação de Guimarães, e na improcedência da apelação interposta pelo credor BB, foi confirmada a decisão recorrida.

Interpôs, então, aquele apelante o presente recurso de revista, ao abrigo do preceituado no art. 14º, nº1, do CIRE, invocando a existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão de 23.04.15 - Proc nº 5006/13.7TBBRG-G.G1, do Tribunal da Relação de Guimarães (de que juntou cópia integral), visando com o mesmo a revogação do acórdão recorrido, conforme respetivas alegações, culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                   /

1ª - Estatui o artigo 192º do CIRE que pode ser apresentado plano de insolvência com vista a regularizar/delinear o pagamento dos créditos sobre a insolvência e/ou a liquidação da massa insolvente, sendo certo que o mesmo tem de ser autorizado/consentido pelos credores;

2ª - O artigo 209º do CIRE prevê, sempre que no decurso do processo de insolvência seja apresentado um plano de insolvência, a realização de uma assembleia de credores para discutir e votar tal plano;

3ª - Não obstante ter sido já apresentado um plano de insolvência, não aprovado em assembleia de credores, tal não impede que um novo seja proposto, sendo isso que se retira do disposto nos artigos 206º, nº 1, e 207º, nº 1, alínea d) do CIRE;

4ª - Nos termos do nº1 do artigo 193º do CIRE, podem apresentar proposta de plano de insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa que responda legalmente pelas dívidas da insolvência e qualquer credor ou grupo de credores cujos créditos representem pelo menos um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de verificação e graduação de créditos ou na estimativa do juiz, se tal sentença ainda não tiver sido proferida;

5ª - Caberá ao juiz, nos termos do disposto no art.º 207º do CIRE, sindicar a seriedade das propostas, excluindo-as sempre que se configurem como meros expedientes dilatórios;

6ª - Não existe qualquer norma que impeça os credores de, ao longo do processo, apresentar uma proposta de plano de insolvência, desde que de conteúdo e estrutura diferentes daquela que anteriormente não foi aprovada;

7ª - Daí que a decisão de não homologação do plano de insolvência apresentado pela devedora, mesmo que transitada em julgado, é insuscetível de constituir fundamento à não admissão da proposta subscrita pelo recorrente;

8ª - Deve o despacho e acórdão recorrido ser revogado, substituindo-o por outro que admita a proposta apresentada pelo recorrente, determinando a suspensão da liquidação do ativo, para que o recorrente possa apresentar o plano a que se comprometeu, seguindo-se o disposto nos artigos 208º e seguintes do CIRE, nomeadamente, com a recolha de pareceres e convocação da assembleia de credores.

Termos em que, revogando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita a proposta apresentada pelo recorrente, determinando a suspensão da liquidação do ativo, para que o recorrente possa apresentar o plano a que se comprometeu, seguindo-se o disposto nos artigos 208º e seguintes do CIRE, nomeadamente, com a recolha de pareceres e convocação da assembleia de credores, FARÃO V/ EXAS. A ACOSTUMADA BOA JUSTIÇA!

A credora BANCO CC contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e pela negação da revista.

Corridos os vistos, cumpre decidir, porquanto a questão da admissibilidade do interposto recurso, ainda que com um voto de vencido, foi decidida, definitivamente e no sentido positivo, por esta conferência (Cfr. fls. 248/249 e 272/273).

                                                    *

2 - Com relevância para a apreciação/decisão do objeto do recurso, estão provados os seguintes factos:

                                                    /

1 - Por acórdão de 10.04.14, o Tribunal da Relação de Guimarães revogou a sentença que homologara o plano de insolvência da devedora, “AA, Lda”, rejeitando tal homologação;

2 - Fundamentou tal rejeição no facto de a situação da credora, “BANCO CC, S. A.”, ao abrigo do plano de insolvência aprovado, ser menos favorável do que a que se verificaria na ausência do mesmo, nos termos do disposto no art. 216º, nº1, al. a) do CIRE;

3 - Esta decisão transitou em julgado;

4 - Em 11.12.14, BB requereu, na sua qualidade de credor reclamante, representando mais de um quinto do total dos créditos reconhecidos, um prazo de 10 dias para apresentar novo plano de insolvência, com estrutura e conteúdo diferentes do que foi rejeitado;

5 - Mais requereu a suspensão da liquidação e partilha;

6 - Este requerimento foi indeferido pelas instâncias, com fundamento na preclusão da possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência.

                                                  *

3 - O acórdão recorrido decidiu duas questões:

                                                  /

- Indeferiu a concessão de um prazo de 10 dias para apresentação de um novo plano de insolvência e, consequentemente, indeferiu, igualmente, o pedido de suspensão da liquidação e partilha;

- Indeferiu, ainda, a apresentação de novo plano de insolvência, por entender que o trânsito em julgado da decisão que rejeitou a homologação do primeiro plano de insolvência fez precludir tal possibilidade.

Só relativamente a esta questão foi apresentado acórdão que a decidiu de modo divergente, restringindo-se à mesma o objeto do recurso.

Apreciando:

                                                   *

4 - Aparentemente, a natureza urgente do processo e o perigo de abuso da faculdade de apresentar mais que um plano de insolvência podem sugerir a bondade da posição adotada pelo acórdão em crise.

No entanto, a natureza urgente do processo de insolvência só tem efeitos no encurtamento dos prazos e no seu decurso em férias e não no cercear de direitos das partes (arts. 156º, nº3, 162º, nº1 e 138º, todos do CPC),

Por outro lado, o perigo de abuso não existe, já que o juiz pode não admitir liminarmente a proposta do plano de insolvência e, mesmo admitindo-a, pode não decretar a suspensão da liquidação e partilha (arts. 207º e 206º, nº2, ambos do CIRE[2]).

As normas do CIRE apontam no sentido da possibilidade de apresentação de mais que uma proposta de plano de insolvência:

O art. 192º, nº1 refere que o pagamento dos créditos, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição podem ser regulados num plano de insolvência;

O art. 193º, nº1 dispõe que podem apresentar proposta de plano de insolvência o administrador de insolvência, o devedor, qualquer pessoa… e qualquer credor…;

O art. 206º, nº1 diz que, a requerimento do respectivo proponente, o juiz decreta a suspensão da liquidação…, se tal for necessário para não pôr em risco a execução de um plano de insolvência proposto;

A lei fala, pois, “num” (e não “no”) plano, em proposta “de” (e não “do”) plano, em execução “de um” (e não “do”) plano, o que sugere a possibilidade de existência de mais que um plano.

O art. 207º, nº1, al. a) prevê a possibilidade do apresentante da proposta de plano sanar os vícios detetados na mesma, no prazo que lhe for fixado para o efeito;

A al. d) do mesmo preceito refere: “O juiz não admite a proposta de plano de insolvência…quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, contanto que anteriormente tenha já sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano”.

Não chega para a rejeição da proposta o facto de ter já sido admitida pelo juiz uma anterior proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor.

O art. 214º prevê a possibilidade de o plano de insolvência ser objeto de alterações na própria assembleia.

O regime jurídico da insolvência não teria coerência, permitindo a alteração da proposta do plano de insolvência quando a mesma contém vícios que impedem a sua admissão, ou não satisfaz as pretensões de alguns dos credores, e não permitindo a apresentação de nova proposta de plano de insolvência quando a primeira foi admitida, aprovada pelos credores, homologada pela 1ª instância e apenas rejeitada pelo tribunal da Relação, face à procedência da oposição de um credor, designadamente se a nova proposta eliminar os obstáculos que levaram à não homologação da primeira.

Os princípios gerais do regime da insolvência apontam, igualmente, no sentido da não preclusão da possibilidade de apresentação de nova proposta de plano de insolvência.

O art. 1º estabelece como fim prioritário do processo de insolvência a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente e, só quando tal se não afigure possível, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

O art. 24º, nº3 refere: “Sem prejuízo de apresentação posterior, nos termos dos arts. 223º e seguintes, a petição apresentada pelo devedor pode ser acompanhada de um plano de insolvência”.

A lei não estabelece um prazo ou um momento para a apresentação de proposta de plano de insolvência, o que constitui acrescida razão para afastar a ideia de preclusão.

Catarina Serra, no artigo “Entre o Princípio e os Princípios da Recuperação de Empresas”, publicado em “II Congresso de Direito da Insolvência”, pags. 71 e segs., defende que “…toda a recuperação económica da insolvente assenta na celebração de acordos, distinguindo-os o grau de intervenção judicial”. Considera o plano de insolvência uma “aplicação do método de autocomposição, implicando a abertura de negociações entre o devedor e os credores com vista à conclusão de um plano que se imponha ao máximo número possível de credores. Com o CIRE houve uma alteração de paradigma legal. A decisão de recuperar passou a caber integralmente aos credores e o juiz deixou de ter quaisquer poderes nesta matéria, nomeadamente quanto à oportunidade e à adequação do plano. O critério da recuperação é hoje, numa palavra, a vontade dos credores.”

Também Maria José Costeira, no artigo “Questões Práticas no Domínio das Assembleias de Credores”, de pags. 103 a 105 da mesma publicação, afirma: “A decisão sobre o futuro do devedor está hoje completamente na mão dos seus credores”.

A opção legislativa foi, pois, colocar o destino da empresa nas mãos dos credores e limitar a intervenção do juiz basicamente ao controlo da legalidade do processo.

Todas as deliberações aprovadas em assembleias de credores podem posteriormente ser revogadas em nova assembleia (art. 156º, nº6).

Estando, assim, o destino da insolvente nas mãos dos credores e sendo as respetivas deliberações livremente revogáveis, não se compreende que haja razão para considerar precludida a possibilidade de a assembleia de credores aprovar um novo plano de insolvência e o submeter a homologação judicial.

Nos acórdãos deste Supremo, de 15.12.11 - Proc. nº 2045/09.6T2AVR-B.C1.S1 - e de 29.01.14 - Proc. nº 5547/12.3TBBRG.G1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e relatados, respetivamente, pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza e pelo, ora, relator, decidiu-se em conformidade com o exposto, constando do sumário do último: “Tendo sido revogada a homologação do plano de insolvência com fundamento na violação de normas relevantes relativas a créditos da Fazenda Nacional (que votou contra o plano), a eventual extinção de tais créditos, só agora invocada, justifica a baixa do processo ao tribunal recorrido para que seja ponderada a eventual relevância desse facto, com consequências ao nível da homologação do plano de insolvência”.

Por seu turno, no Ac. de 14.04.15, deste Supremo - Proc. nº 476/11.0TYVNG-D.P1.S1 - relatado pelo Cons. Júlio Gomes e igualmente acessível em www.dgsi.pt, decidiu-se:

“I -Como resulta do nº3 do art. 24º do CIRE, a apresentação pelo devedor do plano de insolvência pode ter lugar na petição inicial, mas também num momento processual posterior não expressamente regulamentado, pelo que, representando aquele uma forma de autocomposição de interesses, a oportunidade da sua apresentação apenas cessa quando os actos de liquidação ou partilha (já efectivada ou a efectivar) impossibilitem, na prática ou em termos jurídicos, a sua execução.

II - Atenta a importância atribuída pelo legislador à eventual recuperação das empresas e posto que o próprio administrador da insolvência se pode opor a propostas de planos de insolvência que sejam manifestamente inexequíveis ou cuja aprovação seja manifestamente inverosímil (als. b) e c) do nº1 do art. 207º do CIRE), é de considerar que tal rejeição apenas pode ocorrer nos casos previstos nesse preceito.”

Ou seja, conquanto este aresto não se debruce exactamente sobre a mesma questão, aí se aponta claramente para a não preclusão da possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência, mesmo depois de transitada a decisão que, em recurso, rejeitou a homologação do primeiro.

Entendemos, assim, ser de revogar a decisão que julgou precludida a apresentação de novo plano de insolvência.

Tal revogação não significa, porém, a anulação de quaisquer actos processuais que, eventualmente, se tenham seguido ao pedido de prazo para apresentação do novo plano de insolvência, designadamente relativas à liquidação do património da devedora e partilha do respetivo produto, uma vez que a parte da decisão que recusou a concessão de um prazo de 10 dias para a apresentação de novo plano de insolvência e a suspensão da liquidação do património da devedora e subsequente partilha não está em crise, tendo transitado em julgado.

                                                       *

5 - Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando a decisão que julgou precludida a possibilidade de apresentação de nova proposta de plano de insolvência.

     Custas, aqui e na Relação, pela credora (recorrida) “BANCO CC, S. A.”, sendo as devidas na 1ª instância imputadas nos termos decorrentes do preceituado no art. 304º do CIRE.

                                                         /


Sumário (art. 663º, nº7 do CPC):

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Lx    05 / 07 / 2016  

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

                                              

_______________________________________________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (39/15)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida

[2]  Como os demais que, sem menção da respetiva origem, vierem a ser citados.