Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2318/18.7T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
INFRAÇÃO ESTRADAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO LESADO
EXCESSO DE VELOCIDADE
PRIORIDADE DE PASSAGEM
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A infração de normas estradais, fazendo embora presumir a culpa do infrator - se não forem por ele demonstradas circunstâncias excecionais excludentes do juízo de imputação subjetiva -, não dispensa a prova em concreto do nexo de causalidade entre a infração verificada e a produção do dano.

II. O STJ tem entendido que, quanto às características das vias, sejam elas de considerar ou não vias públicas nos termos do Código da Estrada, apesar deste diploma não fazer distinção entre as vias e caminhos, para aplicação das normas estradais, devemos atender às características em concreto das estradas.

III. O direito de prioridade de passagem de que o Réu beneficiava, devia ceder em face quer do caminho onde circulava, de terra batida, sendo sua obrigação imprimir uma velocidade adequada ao veículo, em face das condições da via, pretendendo ingressar numa estrada de alcatrão que não era a sua via de trânsito.

IV. Nas circunstâncias da situação concreta, se o Réu, que circulava em estrada de terra batida (vicinal), entrou na via onde o autor circulava (estrada de alcatrão), de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro aí entrar, é de considerar que a responsabilidade pelo acidente é integralmente sua.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


           

I. Relatório

 AA intentou a presente ação contra BB e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de €350.000,00, acrescida de juros moratórios.

O Autor alegou, em síntese, que:

- no dia …/09/2014 sofreu um acidente de viação, ocorrido quando o Réu BB, que seguia por um caminho vicinal, ao pretender entrar na rua por onde circulava o Autor, via principal, o fez de forma repentina e inopinada, sem cuidar que Autor já circulava nessa via e a curta distância do seu ponto de interseção das mesmas;

- na altura do acidente, o Réu fugia das autoridades, circulando em veículo sem seguro válido e eficaz;

- na sequência do acidente, o Réu foi julgado e condenado pela prática do crime de condução sem habitação legal;

- atenta a natureza da via por onde circulava o Réu, este devia ter cedido a passagem ao Autor;

- por causa do acidente o Autor sofreu diversos danos não patrimoniais.

2. Citados, os Réus vieram contestar:

- o Réu BB

Impugnou, por desconhecimento, os danos invocados e acrescentou que a rua por onde seguia fica à direita daquela por onde seguia o Autor, com ela formando um entroncamento.

O Autor, nos momentos que antecederam o acidente, circulava a uma velocidade superior a 70 km/hora, completamente desatento ao trânsito que circulava na via onde circulava e nas vias que intercetam a mesma.

No local as vias são todas secundárias e semelhantes, não havendo qualquer hierarquia entre elas, pelo que o Autor devia ter dado prioridade ao Réu.

Disse, ainda, que o Autor, anteriormente ao acidente, era já uma pessoa bastante doente, sendo o pedido indemnizatório manifestamente exagerado.

- o Fundo de Garantia Automóvel –

Alegou que o acidente é, simultaneamente, de viação e de trabalho, e o Autor já foi ressarcido, no âmbito laboral, só podendo reclamar uma indemnização pelos danos não abrangidos pela proteção conferida pelas leis laborais.

 Disse, ainda, que na ausência de qualquer sinalética que imponha outro proceder, deverá o condutor ceder a passagem ao veículo que se apresente pela direita, não sendo afastada esta regra em função das classificações das estradas e que é manifestamente exagerada a liquidação operada pelo Autor quanto aos danos peticionados.

3. Realizou-se audiência prévia com elaboração de despacho saneador.

4. Face à declaração de insolvência do réu BB, julgou-se, quanto a ele, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, prosseguindo os autos quanto ao Fundo de Garantia Automóvel.

5. Realizada a audiência de julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Julgo parcialmente procedente por provada a presente acção condenando o Réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao Autor AA: 1 - A quantia de 112.500 (cento e doze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais. A esta quantia acrescerá os juros de 4% contados desde a prolação da sentença até efetivo e integral pagamento”.

6. Inconformado com esta decisão, o Réu Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de apelação; o Autor interpôs recurso subordinado.

7. O Tribunal da Relação ... veio a proferir decisão, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Pelas razões ditas, julga-se improcedente o recurso principal e parcialmente procedente o recurso subordinado e, em conformidade, considerando-se que ao autor não é de imputar qualquer responsabilidade/culpa pela ocorrência do acidente, condena-se o réu Fundo de Garantia Automóvel, do mais peticionado se absolvendo, no pagamento ao autor AA da quantia de 120.000,00€, a que acrescem juros desde a presente data e até integral pagamento.”

8. Inconformado com tal decisão, veio o Réu Fundo de Garantia Automóvel interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Resulta da factualidade provada nos autos a violação, por parte do autor, da regra de cedência de passagem, configurada nos artigos 29.º e 30.º n.º 1 do Código da Estrada;

2. O réu condutor provinha de uma estrada que se apresentava à direita do autor, pelo que a este se exigia que abrandasse ou imobilizasse o veículo de forma a permitir a passagem daquele;

3. As especiais circunstâncias que envolvem o sinistro dos autos, em especial o facto de o réu condutor circular num caminho de terra batida, designado por vicinal, em excesso de velocidade, sem habilitação legal para o efeito e em fuga às autoridades, relevam para a imputação de um juízo de elevada censura a este;

4. Contudo, não oblitera o comportamento infracional praticado pelo autor.

5. Ambos, réu condutor e autor, contribuíram culposamente para a produção do sinistro, ainda que em proporção diferente.

6. Donde se conclui pela repartição de responsabilidades entre o autor e o réu condutor, na proporção de 25% para o primeiro e 75% para o segundo, devendo o acórdão recorrido ser revogado em conformidade.

7.Aonãodecidirassim,otribunalrecorrido,interpretaeaplicaincorrectamente a lei, violando, entre outros, o disposto nos artigos 29.º e 30.º do Código da Estrada e, bem assim, os artigos 483.º e 570.º do Código Civil.

E conclui: “Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados”.

9. O Autor contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O Respondente considera que nenhuma responsabilidade pela ocorrência do acidente de viação deve ser atribuída ao Autor, subscrevendo integralmente o entendimento plasmado no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ....

2. Resulta dos autos fixada quanto à dinâmica do acidente, – por não ter sido impugnada pelo Autor ou pelo Réu – a matéria de facto constante dos pontos 13.1 a 13.14 da Fundamentação de Facto do douto Acórdão do Tribunal da Relação ... - que se transcrevem no corpo da presente e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3. O Tribunal a quo destacou o facto do condutor BB pretender “entrar naquela rua”, [rua ...] ou seja, mudar de direcção, tendo-o feito de “forma repentina, sem cuidar que o Autor (ou outrem) circulava na via alcatroada e foi embater no veículo conduzido pelo Autor, quando conduzia com taxa de alcoolémia superior ao permitido, sem habilitação para conduzir e em fuga à autoridade.”

4. O Tribunal Recorrido destacou o facto do condutor BB provir de um caminho de terra batida, de um “caminho vicinal”, esclarecendo a expressão vicinal, fazendo referência ao Decreto-Lei nº 34.593, de 11 de Maio de 1945 que o definia (alínea b) do seu artigo 6º), como aquele que “normalmente se destina ao trânsito rural”.

5. A propósito dos caminhos vicinais a Decisão Recorrida faz referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.11.2006 [relator, Desembargador Cardoso de Albuquerque] e ao Acórdão da Relação de Lisboa de 11.03.2021 [relatora, Desembargadora Cristina neves] - transcritos no corpo do presente.

6. O Tribunal a quo destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.07.2014 [relator, Desembargador João Diogo] em que se aprecia uma situação idêntica à do caso concreto – transcrito no corpo do presente – e onde se concluiu que “toda a culpa, efetiva, pela produção deste acidente deve ser imputada ao condutor do veículo ligeiro, por não ter observado, como devia, todas as cautelas necessárias à segurança do trânsito que, então, se processava na estrada nacional em que entrou inopinadamente (artigo 29.º n.º 2 do CE).

7. Concluiu o Tribunal Recorrido que: “independentemente do nome dado ao caminho por onde circulava o condutor do veículo que veio a embater no veículo conduzido pelo autor, tratava-se visivelmente de um caminho de terra batida, ou seja, com piso menos aderente, que exigia especial atenção à velocidade imprimida ao veículo (artigo 25, n.º 1, al. J) do CE) e exigia um especial cuidado se se pretendia entrar na via alcatroada, mudando de direção, tudo um comportamento diferente daquilo que consistiu a condução do aludido condutor, aliás, não habilitado a conduzir, conduzindo com alcoolemia e em fuga à autoridade.”

8. Nenhum comportamento infracional imputável ao Respondente vem descrito nos factos apurados/provados, pelo que, nenhuma responsabilidade/culpa pela verificação do acidente de viação deve ser imputada ao Autor.

9. Apesar de não existir qualquer sinalização no local do acidente, apenas teoricamente, caberia ao Respondente ceder passagem ao veículo conduzido por BB, nos termos preceituados no citado artigo 30º do Código da Estrada.

10. A regra da prioridade não deve aplicar-se irreflectidamente, sem atender àquilo que se poderá designar como uma natural hierarquia das estradas, sobretudo quando o veículo com prioridade provém de um caminho de terra batida ou em calçada, em relação a outro que circula numa estrada nacional” (vide Ac. Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2009, disponível em www.dgsi.pt)

11. Quanto à circulação por caminhos de terra batida, parece não haver dúvida que a jurisprudência envereda no sentido de relativizar, senão mesmo excluir, por abusivo, o direito de prioridade quando se confronte em entroncamento estradas nacionais e caminhos de terra batida (vide Ac. TRP de 25/10/2007, vide AC. TRP de 13/10/1988, BMJ, 382º, 525 e de 08/06/1992, BMJ 418º, 853; AC. TRE de 20/03/1983 in CJ, tomo 2, 237, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

12. Vem-se defendendo que ocorre a inexistência de prioridade, quer se esteja perante caminho particular ou mesmo caminho de domínio público vicinal.

13. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/1997 (disponível em www.dgsi.pt) é peremptório em afirmar que “não goza de prioridade de passagem, apesar de se apresentar pela direita, o condutor de veículo automóvel, que sai de um caminho de terra batida (com aspecto de caminho particular, embora seja público) e entra numa estrada nacional larga, alcatroada e com bastante trânsito.”

14. O condutor BB deveria, antes de avançar para a faixa de rodagem da estrada asfaltada por onde transitava o veículo do Respondente, certificar-se devidamente e com toda a atenção se o exercício do seu direito de prioridade, devido à inexistência de sinal de stop – que não é normal encontrar-se em caminhos de terra batida -, não iria causar o risco de acidente, atenta à velocidade a que ia pelo facto de vir em fuga à polícia.

15. O condutor BB ao aceder de forma repentina à Rua ..., sem cuidar verificar se era seguro entrar em tal via – Cfr. ponto 13.9 da fundamentação de facto considerada provada – violou o estipulado nos termos gerais do artigo 29º nº 2 do Código da Estrada por não tomar a devida atenção às condições de trânsito existentes na estrada asfaltada.

16. Cabe a culpa a 100% ao condutor BB no acidente dos autos porque deveria ter previsto que o exercício do direito de prioridade envolveria perigo para a segurança da circulação automóvel numa via com muito mais fluência de trânsito do que o caminho de terra batida.

17. O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito, não ficando desonerado do cumprimento das demais regras estradais aplicáveis, correspondentes à manobra que se propõe realizar- Cfr. artigo 31º nº 1 al. a) e artigo 35º do Código da Estrada, e ainda das regras ditadas pela prudência e boa condução.

18. O Recorrente não se pode escudar na questão da prioridade para atribuir culpa na produção do acidente ao Respondente, uma vez que seria abusivo a exigência da prioridade de passagem por e para quem através de um caminho de terra batida se apresente pela direita de quem circula em estrada principal.

19. Estamos perante uma situação em que se impõe ao condutor que circule no dito caminho vicinal um cuidado e atenção superiores ao que normalmente seria exigível.

20. Não pode ser assacada ao Respondente qualquer responsabilidade no acidente.

21. Não se pode olvidar que os factos em causa foram igualmente objecto escrutínio em acção laboral, já transitada em julgado - certidão constante a fls. 298 e ss. dos presentes autos – e na qual foi claramente considerado o Autor como não responsável pelo acidente, além do que, não foi alvo de qualquer contra-ordenação pelas autoridades.

22. Dúvidas não restam de que o embate se deu por culpa exclusiva do veículo conduzido por BB.

23. Não pode proceder a tese do Recorrente de que o acidente resultou da infracção da regra de prioridade por parte do Respondente, imputando-lhe uma responsabilidade de 25% no mesmo, uma vez que, estaríamos a recompensar um condutor ébrio, em fuga às autoridades e em excesso de velocidade mercê de tal fuga.

24. As alegações do Recorrente terão de soçobrar, in primis, face ao teor dos arestos acima transcritos, no âmbito dos quais o douto Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, in secundis, considerando que, pretendendo aceder à via principal, BB, fê-lo de forma repentina e inopinada, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o ora Respondente.

25. O condutor BB devia ter cedido a prioridade ao veículo que circulava na via por onde circulava o Autor/Respondente, uma vez que não pode deixar de cumprir as regras gerais de prudência que a circulação automóvel impõe, abstendo-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança (Cfr. artigos 3º, nº 2, e 29º, nº 2, do Código daEstrada) – vide entre outros os Acs. do STJ, de 24/02/1999, proc. 98A1233, de 03/06/2003, proc. 03AI339, de 16/06/2003, proc. 03ª3458, e de 10/05/2007, proc. 07B1078 e o Ac. do TRE de 27/04/2017, proc. 149/16.8T8BJA.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt..

26. Ao fazer a manobra sem tomar as devidas precauções em relação ao trânsito que circulava na estrada onde acabou por entrar, o condutor BB agiu de forma imprudente e temerária, infringindo também o dever de cuidado imposto pelos artigos 35º, nº 1 alínea a) e artigo 14º, nº 2 do Código da Estrada.

27. Da conjugação dos artigos 14º, nº 2, 31º, nº 1, al. a) e 35º, nº 1 alínea a) do Código da Estrada, verifica-se que não pode existir responsabilidade por parte do Respondente como é intuito do Recorrente, uma vez que, quem desrespeitou as referidas normas estradais foi o condutor BB.

28. Deve concluir-se nos precisos termos do Acórdão Recorrido e considerar se a conduta do condutor BB a principal causa do acidente, sendo-lhe imputada 100% da responsabilidade na produção do mesmo.

10. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Réu Fundo de Garantia Automóvel/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se deve haver repartição de responsabilidade entre o Autor e o Réu condutor.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. No dia … de setembro de 2014, quando se deslocava do local onde prestava a sua atividade profissional para casa, o autor sofreu um acidente de viação, em que também foi interveniente BB.

1.2. O acidente ocorreu cerca das 13H10, na Rua ..., junto da casa com o número de polícia ..., na localidade de ..., concelho de ....

1.3.  Nele foram intervenientes dois ciclomotores: o de matrícula ...-DN-..., conduzido pelo seu proprietário, o autor.

1.4. E o ciclomotor – identificado no documento n.º 1 como veículo n.º 01 – de marca ..., cor verde e n.º de quadro ..., conduzido por BB, sendo desconhecida a sua matrícula.

1.5. O local onde o acidente ocorreu caracteriza-se por ser um segmento de reta com inclinação ascendente, encontrando-se o piso em bom estado de conservação.

1.6. A via por onde circulava o autor permite a passagem simultânea de dois veículos que circulem paralelos em sentidos inversos.

1.7. O autor circulava na hemifaixa direita da via da Rua ....

1.8. O condutor do outro ciclomotor, BB, circulava na travessa... pretendendo entrar na Rua ..., com a qual entronca, à direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo autor

1.9. Pretendendo aceder à Rua ..., o BB fê-lo de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro entrar na referida via.

1.10. Ao entrar na Rua ... o ciclomotor conduzido pelo BB embateu com o ciclomotor do autor, provocando a projeção de ambos os veículos.

1.11. A via por onde seguia o autor era uma via alcatroada e a via por onde seguia o BB era um caminho de terra batida, caracterizada no auto de notícia como caminho vicinal, sendo que, em ambas as vias, não existia qualquer sinalização indicativa da existência do encontro das mesmas.

1.12. O BB foi julgado e condenado pela prática do crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na sequência do acidente de viação em apreço, no âmbito do Processo no 186/14...., que correu termos no Juízo Local Criminal ....

1.13. Conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,55 g/l.

1.14. No momento do acidente encetava uma fuga às autoridades.

1.15. A responsabilidade civil relativamente a terceiros, inerente à circulação do veículo conduzido por BB não estava garantida por qualquer seguro existente à data do acidente.

1.16. Na sequência do embate, foi o autor transportado ao serviço de urgência do Centro Hospitalar .../..., às 15h21m e, posteriormente, foi transferido para os Hospitais ... (H...), efetuando diversos exames.

1.17. Do acidente de viação resultou: trauma cervical, craniano e traumatismo torácico-abdominal.

1.18. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia 18.09.2014.

1.19. Durante o internamento o autor apresentou infeção no trato urinário, tendo-lhe sido administrada antibioterapia.

1.20. Após a cirurgia foi novamente transferido para o Hospital ... a .. de Setembro de 2014 para realizar reabilitação e continuação dos cuidados e orientação no Serviço de Medicina Física e Reabilitação.

1.21. Permaneceu internado no referido estabelecimento hospitalar onde foi sujeito a diversos tratamentos e exames complementares até … de Novembro de 2014.

1.22. Em … de novembro de 2014, foi transferido para o Hospital ... para reabilitação funcional (Unidade especializada da rede de referenciação hospitalar de medicina física e de reabilitação do Serviço Nacional de Saúde).

1.23. Durante o internamento teve várias infeções no trato urinário, tendo sido sujeito a algaliação permanente.

1.24. O autor teve alta definitiva em … de junho de 2015, tendo ficado afetado com uma incapacidade permanente parcial de 75,75% e com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

1.25. As lesões, produzidas pelo acidente supra descrito, impuseram o permanente acompanhamento pelas instituições clínicas convencionadas com a companhia de seguros Fidelidade, entidade a quem a entidade patronal do Autor – FÁBRICA DE …., LDA. - transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho, nomeadamente, a Casa de Saúde ..., sendo seguido em Urologia e Fisiatria.

1.26. O autor nasceu em .../.../1964.

1.27. O autor, antes do sinistro, era uma pessoa saudável, ágil, com bom porte, dotado de força e destreza, alegre, bem-disposta e sociável, feliz, prestava a sua atividade profissional sem qualquer restrição, provendo à sua subsistência.

1.28. Atualmente o autor: - Apresenta claudicação na marcha necessitando de apoio externo de marcha com bengala; - Não posiciona as mãos no espaço; apresenta diminuição da capacidade de preensão com ambas as mãos, deixando cair objetos que esteja a segurar; - Sofre de obstipação, poliaquiúria e emergência urinária, o que por vezes é causa de pequenas perdas urinárias; - Tem dificuldades no ritmo e qualidade do sono tendo dificuldade em adormecer; - Tem dificuldade de ereção; - É parcialmente autónomo para as atividades da vida diária – consegue fazer a sua higiene pessoal e vestir e despir com adaptação de gestos e com alteração das peças de vestuário que usava anteriormente, sendo que na atualidade usa quase exclusivamente peças do tipo fato de treino; - Necessita de auxílio de terceira pessoa para as atividades de manutenção diária – limpeza, compras, confeção de alimentos e tratamento de roupa – durante cerca de 6 horas diárias.

1.29. Face às lesões apresentadas o autor apresentou um défice funcional temporário total, e uma repercussão temporária na atividade profissional total correspondendo aos períodos de internamento de 232 dias (entre 09/09/2014 e 28/04/2015).

1.30. O quantum doloris foi fixado em 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.

1.31. O défice funcional permanente na integridade física, relativo à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independentemente das atividades profissionais, foi fixado em 80 pontos percentuais.

1.32. O dano estético permanente foi fixado em 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: a claudicação na marcha, a utilização de ajudas técnicas e utilização de apoio externo de marcha.

1.33. A repercussão permanente na atividade sexual foi fixada no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, atendendo à dificuldade de ereção.

1.34. O autor continua a ter necessidade de toma regular de medicamentos e de efetuar tratamentos médicos regulares.

1.35. O autor sofre de dor crónica pós-traumática que carece de medicação permanente.

1.36. O autor, fora das horas de serviço, fins de semana, feriados e férias trabalhava nos campos e cuidava dos animais que criava, o que é incapaz de fazer hoje em dia.

1.37. Pequenas atividades diárias, como enfiar a chave na fechadura, abrir um frasco, apertar um sapato, folhear um jornal, abrir um pacote de bolachas, enfiar uma chave na fechadura, apertar um parafuso estão bastante prejudicadas.

1.38. Sente dificuldades em andar, dificuldade em estar de pé, mais do que alguns minutos.

1.39. O autor não poderá mais correr e saltar.

1.40. Os sofrimentos por que passou, as dores, a operação, a fisioterapia, o ver-se inválido, trouxe-lhe um estado depressivo.

1.41. Passou a ter dificuldade na prática de relações sexuais e perdeu a líbido.

1.42. O tratamento a que teve e ainda tem de submeter-se é longo, particularmente grave e doloroso, e afastou-o da família e amigos, mantendo-o em casa em recuperação vários meses.

1.43. Escasseia o convívio e as conversas com os amigos.

1.44. Em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente, tornou-se numa pessoa triste, sisuda e com tendência para o isolamento.

1.45. Continua a viver períodos de angústia, tristeza e sofrimento, e ficará a sofrer de dores para resto da vida.

1.46. A sua depressão, a sua tristeza permanente, o seu estado mórbido, depressivo, ruminativo, a perda de toda a alegria de viver, de ser feliz, de trabalhar, de ser útil, de ser sexualmente ativo e normal, acompanhado de uma incapacidade para efetuar qualquer tarefa ligada ao uso do corpo, tiraram-lhe alegria de viver.

1.47. Por causa do acidente discutido nestes autos, correu termos, no Juízo de Trabalho ..., ação de acidente de trabalho com o n.º 1625/15...., na qual a aí Ré Fidelidade Companhia de Seguros SA foi condenada: 1 - A pagar ao autor AA: a) - A pensão anual vitalícia devida desde 05/06/2015 (dia seguinte ao da alta) no montante de 7.511,86€; b) - Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente no valor de 5.131,12€; c) – a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no montante de 337,06 mensais; d) no pagamento dos montantes de 121,74 e de 11,25€ referentes a deslocações com os Bombeiros Voluntários; e) no pagamento de 20,00€ referentes a deslocações obrigatórias; f) os juros de mora sobre as prestações pecuniárias em atraso, à taxa legal vencidos e vincendos, até integral pagamento. 2. Bem como a: a) readaptar o veículo automóvel do sinistrado AA de modo que este possa conduzir; b) prestar ao sinistrado AA assistência medicamentosa para dor crónica, ajustada em função da avaliação em clínica da dor; c) prestar tratamentos de fisioterapia em períodos de exacerbação sintomática.

2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:

a) Em consequência do acidente o autor apresente diversas cicatrizes visíveis o que o sujeita aos olhares de terceiros, que muito o incomodam e afetam psicologicamente.

b) O autor, antes do acidente, praticasse atividades ao ar livre com amigos, como um jogo de futebol semanal.

c) O autor não possa dar um simples passeio sem auxílio de terceiro.

d) Apresente dormência em ambas as mãos.

e) Apresente dormência e dor intensa nas coxas - Esta dormência se transforme facilmente num aperto forte nas coxas, parte posterior e anterior e evolua para uma dor muito forte nas coxas quando as pernas são sujeitas a algum esforço.

f) Sentado, só esteja bem numa cadeira muito confortável, com encosto.

g) Esta dormência e dor intensa afeta também os joelhos, com dificuldades em apoiar o mesmo, condicionando fortemente a vida quotidiana, profissional e sexual do autor.

h) Relativamente à vida sexual onde o autor fosse um sujeito ativo, se tenha transformado por completo, nada mais restando do que adotar uma atitude completamente passiva, e isso é algo que afeta fortemente o mesmo e também a sua companheira;

i) Apresente dormência nos testículos e restante zona genital, o que condiciona fortemente a autoconfiança, vontade e apetência sexual,

j) Devido a problemas urinários passe por situações de humilhação e baixa autoestima, apresentando-se pouco confiante;

k) Apresente dormência nos pés e barriga das pernas;

l) Apresente dores nas partes lateral da cabeça – ao toque, e constante, desde o acidente, e sem evolução. Esfregando passa durante 2/3 minutos, repetindo-se os sintomas;

m) Apresente aperto nas costas e peito que na posição de descanso ou deitado desapareça. Quando o Autor se levanta, e sempre que o esforço físico é maior piore bastante. Ou mesmo quando está algum tempo “mal” sentado, ou algum tempo de pé.

Traduz-se por dor forte na zona das costas abaixo, dos ombros/pescoço, e abaixo das costelas na frente. Impossibilidade de pegar em peso algum significativo;

n) Apresente dor no antebraço e o receio de efetuar certos movimentos irá manter-se por muito tempo. A par disso, o facto de não retirar as chapas e parafusos da fratura, causa por vezes certo desconforto e pode originar problemas futuros;

o) Tenha pesadelos frequentes, que não permitem ao Autor dormir - A imagem de um veículo a aproximar-se, ou acordar fechado num caixão são alguns dos pesadelos que mais afetam o Autor;

p) Apresente frequentes picadas e comichão no pescoço abaixo do queixo.

q) Qualquer deslocação, a pé ou de carro, signifique um obstáculo doloroso e, muitas vezes, um impedimento.

r) O Autor necessite de auxílio de terceira pessoa para as suas necessidades mais básicas, como banho e higiene íntima, o que lhe acarreta constrangimento, embaraço e vergonha.

s) Em relação à higiene íntima, só com muita dificuldade consiga limpar o corpo e nem sempre e não consiga pentear-se, ficando dependente da ajuda de terceiros para a maior parte das tarefas.

t) Após defecar, a muito custo consiga fazer a sua higiene, o que lhe cause constrangimentos, vergonha, humilhação e grande sofrimento.

u) Também nunca mais pode conduzir com a perícia e agilidade que lhe era reconhecida,

v) Antes do acidente mantivesse relações sexuais com normalidade e regularidade.

x) Ficasse com os ombros e braços caídos, sem ter os movimentos que uma pessoa normal tem e lhe dão um ar infeliz, triste, de pessoa derrotada e a olhar para o chão.

z) Não possa acompanhar devidamente o desenvolvimento dos seus filhos.

aa) O autor circulasse a uma velocidade superior a 70 km/h, completamente desatento ao trânsito que circulava nessa via e aos que aí acediam de outras que intersectam com aquela.

bb) O condutor do outro ciclomotor, BB quando chegasse à interseção com a Rua ... não avistasse nenhum veículo próximo, tendo entrado na Rua ... em direção ao centro da povoação de ....

cc) Fosse quando já circulasse na Rua ..., na sua hemifaixa direita, atento o seu sentido de marcha, que fosse embatido pelo veículo conduzido pelo autor.

dd) O autor fosse, já antes do acidente, uma pessoa bastante doente, com dificuldade em executar quaisquer tarefas que exigissem esforço físico.

ee) Fosse já uma pessoa bastante sofrida, triste, desmotivada com a vida e com a família, ríspida, agressiva, taciturna e pouco sociável.


3. Apreciação do recurso

O Tribunal de 1.ª instância julgou a ação procedente parcialmente procedente e condenou o Fundo de Garantia Automóvel no pagamento da quantia de €112 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa anual de 4%, contados desde a prolação da sentença até efetivo e integral pagamento.

O Tribunal de 1.ª instância considerou que a responsabilidade pela ocorrência do acidente devia ser repartida entre o Autor (25%) e o BB (75%), condutor do outro veículo.

O Tribunal da Relação ..., no Acórdão recorrido, revogou a sentença do Tribunal de 1.ª instância, por considerar que o acidente ocorreu por culpa exclusivo do BB.

O Recorrente interpôs o presente recurso de revista, pretendendo que a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância seja repristinada.

Vejamos.

O Acórdão recorrido, arrimando-se e citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1/07/2014 (Apelação n.º 312/10.5TBCHV.P1), conclui do seguinte modo «(…) “Como vimos, estamos em presença de duas vias de trânsito com características totalmente diversas: uma delas, é uma estrada nacional asfaltada, com 5,60m de largura e em bom estado de conservação, que liga … a …; a outra, é um caminho em terra batida que é usado essencialmente pelos donos das propriedades situadas nas suas imediações, embora, como se provou, possa ser usado também por outras pessoas, com o fim de acederem a outros caminhos através dos quais se chega a locais públicos. Certo é que quem circula em qualquer uma destas vias tem expectativas diversas acerca do uso que delas pode fazer, nomeadamente, para o que aqui nos interessa, em termos de fluidez e rapidez de trânsito. E, naturalmente, repercute essas suas expectativas no tipo de condução que naquelas vias adota. Não se pode, na verdade, exigir de todos os condutores que circulem em estradas nacionais que permanentemente se questionem sobre a natureza de todos e cada um dos caminhos não sinalizados e em terra batida que com aquelas estradas confluem, mesmo que pelo lado direito, sob pena de se anularem as potencialidades rodoviárias das mesmas estradas e se comprometer, em larga medida, a fluidez do trânsito e a acrescida segurança rodoviária que se presumem inerentes a essas vias. Tal como não se pode consentir que quem circula em caminhos vicinais do tipo já referenciado, o faça sem uma prudência acrescida, sobretudo quando se propõe entrar numa estrada nacional onde o tráfego rodoviário é, por regra, muito mais intenso e veloz. Isto, ainda que goze de prioridade nessa entrada. Esse direito, com efeito, terá de ser exercido com acrescida moderação de modo a não perturbar, como diz a lei (artigo 29.º n.º 2 do CE), a segurança do trânsito que aí se processa, sob pena de se transformar num exercício abusivo de tal direito. (...) Pergunta-se, por isso, diante deste circunstancialismo, se o A. pode ser considerado o único culpado por este acidente. Ora, do nosso ponto de vista, tal como já afirmado na sentença, a resposta só pode ser negativa. Cremos, aliás, tal como se sustentou nessa sentença, que, ao invés, toda a culpa, efetiva, pela produção deste acidente deve ser imputada ao condutor do veículo ligeiro, por não ter observado, como devia, todas as cautelas necessárias à segurança do trânsito que, então, se processava na estrada nacional em que entrou inopinadamente (artigo 29.º n.º 2 do CE). E falamos deste modo porque a factualidade provada, a nosso ver, o reflete sem margem para qualquer dúvida (...) o modo como se processou a entrada do veículo ligeiro na estrada nacional foi grosseiramente incauta e precipitada e, nessa medida, abusiva do direito de prioridade que assistia ao condutor daquele veículo. Tanto mais que, como já vimos, no circunstancialismo descrito, a esse condutor era exigível que tivesse uma atenção redobrada, em razão não só da manobra que se propunha realizar, mas também da diversidade de tipologias das vias em que circulava cada um dos veículos”.

23 – Parece-nos evidente que, independentemente do nome dado ao caminho por onde circulava o condutor do veículo que veio a embater no veículo conduzido pelo autor, tratava-se visivelmente de um caminho de terra batida, ou seja, com piso menos aderente, que exigia especial atenção à velocidade imprimida ao veículo (artigo 25, n.º 1, al. J) do CE) e exigia um especial cuidado se se pretendia entrar na via alcatroada, mudando de direção, tudo um comportamento diferente daquilo que consistiu a condução do aludido condutor, aliás, não habilitado a conduzir, conduzindo com alcoolemia e em fuga à autoridade.

24 – Acresce, como já se referiu que nenhum comportamento infracional imputável ao autor/recorrente subordinado vem descrito nos factos apurados.».


Por outro lado, a sentença entendeu repartir a culpa na proporção de 75% para o Réu BB e de 25% para o Autor, tecendo as seguintes considerações: “No Código da Estrada actual não existe qualquer hierarquia de vias, nomeadamente, no que se refere à aplicação da regra da prioridade. Esta pertence aos veículos que se apresentem pela direita, pelo que, numa leitura estritamente literal do art. 30º do CE deveria ter sido o veículo conduzido pelo autor aquele que deveria ter abrandado ou mesmo parado por forma a permitir a passagem do outro veículo.

No entanto, no caso, não se pode olvidar a diferente natureza das vias, uma com dois sentidos e alcatroada, outra em terra batida e caracterizada como sendo um caminho vicinal.

Embora, como é óbvio, não sejam os agentes de autoridade, neste caso, o militar da GNR que viu o acidente, quem define as regras da prioridade, é de salientar que a percepção deste, é que, no caso presente, independentemente das regras escritas, atendo à maior importância da via por onde circulava o autor e a patente inferioridade, relativamente a esta, da via por onde circulava o veículo de BB, deveria ter sido esta a ceder a passagem.

A regra de cedência de passagem ao veículo que se apresente pela direita não pode ser considerada uma regra absoluta pois também o veículo que circula na via com prioridade deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito nos termos do nº 2 do art. 29º do Código da Estrada.

Esse dever de cautela é, necessariamente, quase instintivamente para qualquer condutor medianamente diligente, maior quando se circula por um caminho em terra batida e se pretende passar a circular numa via maior e alcatroada.

Ora, no caso, o veículo conduzido por BB, circulava num caminho de terra batida, encetando uma fuga a perseguição policial, circulando sem carta, sem seguro e com uma taxa de alcoolémia passível de integrar a prática de uma contra-ordenação.

Entrou de forma repentina na via por onde circulava o autor sem cuidar que este se encontrava a curta distância do seu ponto de intersecção, e sem verificar se era seguro entrar na referida via.

Não há dúvidas pois que infringiu o dever de cuidado que se lhe impunha.

(…)

Ora, no caso em análise, resulta que o acidente resultou quer da infracção da regra da prioridade por parte do autor quer da infracção do dever de cuidado por parte do veículo conduzido por BB.

No entanto, atendendo ao que acima ficou exposto, entende-se que esta infracção foi bem mais importante para a ocorrência do acidente do que a infracção cometida pelo Autor ao não ceder a prioridade ao veículo conduzido pelo BB, sendo a conduta ilícita de BB a principal causa do acidente.

Assim, entende-se que será de fixar a percentagem de responsabilidade deste em 75%.”.


Os factos provados relevantes a considerar para a decisão são os seguintes:

13.5 - O local onde o acidente ocorreu caracteriza-se por ser um segmento de reta com inclinação ascendente, encontrando-se o piso em bom estado de conservação.

13.6 - A via por onde circulava o autor permite a passagem simultânea de dois veículos que circulem paralelos em sentidos inversos.

13.7 - O autor circulava na hemifaixa direita da via da Rua ....

13.8 - O condutor do outro ciclomotor, BB, circulava na travessa... pretendendo entrar na Rua ..., com a qual entronca, à direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo autor.

13.9 - Pretendendo aceder à Rua ..., o BB fê-lo de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro entrar na referida via.

13.10 - Ao entrar na Rua ... o ciclomotor conduzido pelo BB embateu com o ciclomotor do autor, provocando a projeção de ambos os veículos.

13.11 - A via por onde seguia o autor era uma via alcatroada e a via por onde seguia o BB era um caminho de terra batida, caracterizada no auto de notícia como caminho vicinal, sendo que, em ambas as vias, não existia qualquer sinalização indicativa da existência do encontro das mesmas.

13.12 - O BB foi julgado e condenado pela prática do crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, na sequência do acidente de viação em apreço, no âmbito do Processo no 186/14...., que correu termos no Juízo Local Criminal ....

13.13 – Conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,55 g/l.

13.14 - No momento do acidente encetava uma fuga às autoridades.


Em primeiro lugar cumpre dizer que é entendimento deste STJ que nas situações em que se mostra excluído do âmbito do recurso de revista a apreciação da decisão de facto, o STJ efetua tão só um controlo relativamente à culpa no acidente de viação com vista a observar o critério definido pelo artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil.

Importa, assim, determinar se o agente atuou com o grau de diligência que seria exigível, e que a lei fixa fazendo apelo àquela que teria uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada nas circunstâncias concretas do caso, assim adotando um conceito objetivado de culpa.

- cf. neste sentido o Acórdão do STJ, de 5/05/2020 (Revista n.º 4435/17.1T8BRG.G1.S1), no qual também são citados os Acórdãos do STJ, de 14/10/2010 (processo n.º 845/06.8TBVCD.Pl.Sl), e de 7/02/2013 (processo n.º 3557/07.1 TVLSB.L 1.S1) -

Continua o citado acórdão do STJ, Mas a apreciação da culpa é questão de direito, no que diz respeito à inobservância de preceitos legais e regulamentares e entende-se que o critério legal de apreciação da culpa, quer no âmbito da responsabilidade extracontratual (art. 487, nº 2, do CC), quer no da responsabilidade contratual (art. 799, nº 2, do CC) se integra na competência do STJ como tribunal de revista – Cfr. Ac. do STJ de 04-07-2013, no proc. nº 2848/07.6TBVNG.P1.S1 - 1.ª Secção.

O STJ pode averiguar se dos factos provados se pode determinar que o concreto agente atuou com o grau de diligência que lhe era exigível para evitar o dano e que a lei fixa fazendo apelo àquela que (abstratamente) teria um homem médio, colocado nas circunstâncias concretas do caso.

Também o Acórdão do STJ, de 2/06/2016 (Revista n.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1), espelha esta corrente, “I - Como tem vindo a ser correntemente considerado, nomeadamente pela jurisprudência do STJ, no domínio da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, a prova da inobservância das normas estradais constitui, à luz das regras da experiência comum, prova de primeira aparência no sentido da culpa do infrator, a quem caberá então descaracterizá-la em sede de contraprova.”.

Igualmente, o Acórdão do STJ, de 13/09/2018 (Revista n.º 7391/13.1TBVNG.P1.S1), “I - No domínio dos acidentes de viação a culpa traduz-se, por regra, na violação de um dever objectivo de cuidado (actuação negligente ou mera culpa), que se consubstancia na violação de normas (ou de uma norma) do CEst. (…) IV - A determinação da culpa apenas consubstancia matéria de direito quando se funda na violação ou inobservância de deveres jurídicos prescritos em lei ou regulamento ou quando resulte da infracção de normas legais, designadamente de direito estradal. V - Por conseguinte, está fora dos poderes de cognição do STJ extrair as ilações pretendidas pelo autor a respeito da dinâmica do acidente em causa nos autos por tal envolver apreciação de matéria de facto.”.

Mas, se a infração de normas estradais permite a presunção de culpa, no caso a eventual presunção de culpa do Autor, que seguia numa estrada, e o Réu BB, que seguia noutra estrada, que se apresentava pela direita do Autor (cf. artigos 29.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, do Código da Estrada), já o nexo causal carece de prova, conforme se refere no Acórdão do STJ, de 12/09/2019 (Revista n.º 274/12.4T8VCT.G1.S1), “III - A infração de normas estradais, fazendo embora presumir a culpa do infrator - se não forem por ele demonstradas circunstâncias excecionais excludentes do juízo de imputação subjetiva -, não dispensa a prova em concreto do nexo de causalidade entre a infração verificada e a produção do dano.”.


No caso, efetivamente, não se mostra provada a conduta culposa nem o nexo causal entre a conduta do Autor e o dano, o que se mostra patente no facto provado sob os pontos 13.9 e 13.10, que apenas inculca a culpa no Réu BB e o nexo causal entre a conduta do Réu e o dano.

13.9 - Pretendendo aceder à Rua ..., o BB fê-lo de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro entrar na referida via.

13.10 - Ao entrar na Rua ... o ciclomotor conduzido pelo BB embateu com o ciclomotor do autor, provocando a projeção de ambos os veículos.


Ficou provado que foi o Réu BB a dar causa ao embate e à projeção dos dois veículos. E não ficou provada nem a culpa nem o nexo causal entre a conduta do Autor e o embate, uma vez que dos factos provado não logramos extrair que foi a conduta do Autor que determinou a ocorrência do embate ou concorreu para a eclosão do embate.

Esta matéria não é passível de apreciação por parte do STJ, por se tratar de matéria de facto, veja-se a este propósito, ainda que com uma dinâmica do acidente diferente e com violação da regra estradal de cedência de passagem do agente responsável:

I - Face às circunstâncias de facto e de direito enunciadas, o réu deveria ceder a passagem ao outro veículo automóvel que, necessariamente, já se aproximava do local.

II - Ceder a passagem significa deixar passar o veículo prioritário, não se intrometer na marcha deste, devendo o condutor não prioritário tomar as cautelas e cuidados necessários para lograr tal objectivo.

III - Tendo-se provado que face à entrada na via do outro veículo, o condutor do “AO” não conseguiu evitar o embate, a culpabilidade pelo sinistro foi atribuída, desde logo, ao condutor daquela viatura, o réu.

IV - Tendo esta dedução sido feita pelas instâncias, não é susceptível de ser estimada e considerada por este Supremo Tribunal, porque não pode este Tribunal, como tribunal de revista, retirar ilações lógicas de certos factos conhecidos para chegar ao conhecimento de outros desconhecidos (presunções).

V - Se as instâncias entenderam, face aos factos provados, deduzir que o condutor do “AO” não conseguiu evitar o embate, não pode este Supremo imiscuir-se sobre essa ilação no sentido de a desfazer e anular.

VI - O estado de embriaguez sob que agia, explicará a actuação negligente e descuidada do réu na verificação do sinistro e, por isso, terá sido causal do evento.

- Acórdão de 30/05/2017 (Revista n.º7633/2.0TBCSC.L1.S1) -


Por outro lado, e relativamente à matéria de prioridade de cedência, o STJ tem seguido a seguinte orientação:

I - Em acidentes de viação, a repartição da responsabilidade entre os diversos intervenientes deve ser feita mediante a avaliação global das circunstâncias e da sua interferência causal no acidente.

II - Num acidente de viação correspondente a um embate de dois veículos em que:

a) O condutor de um veículo ligeiro realizava a mudança de direção para a sua esquerda mas, apesar de ter parado no sinal STOP, não se percebeu da aproximação de um velocípede com motor que se apresentava pela sua direita e ao qual deveria ter cedido a prioridade;

b) O velocípede com motor circulava a uma velocidade superior a 100 kms/h e, apesar de o respetivo condutor ter travado, não conseguiu imobilizá-lo a tempo de evitar o embate;

c) O local era uma alameda situada numa cidade (localidade), formando uma reta, tendo ambos os condutores boa visibilidade mútua revela-se ajustada a repartição das responsabilidades pela colisão em 30% para o condutor do veículo ligeiro e 70% para o condutor do velocípede com motor.

III - Em tais circunstâncias, sem embargo de o condutor do veículo ligeiro ter infringido a regra que o obrigava a ceder a prioridade ao velocípede com motor, a ocorrência do embate foi essencialmente motivada pelo facto de este seguir a uma velocidade muito superior (mais do que o dobro) ao máximo permitido numa via dentro de uma localidade, o que tornava previsível a ocorrência de algum obstáculo, mesmo quando este correspondesse a veículo cujo condutor não respeitou a prioridade.

 - Acórdão de 11/04/2019 (Revista n.º 2494/16.3T8AVR.Pl.S1) -


I - O sinal de STOP é um sinal de prescrição absoluta que impõe paragem obrigatória antes do cruzamento ou entroncamento com outras vias e determina a perda de prioridade do condutor a ele submetido, face à circulação de outros veículos. Tal significa que o sinal de STOP, além de obrigar o condutor a parar o veículo quando ele se apresente na via por onde circula, obriga-o também a ceder a passagem a viaturas que circulem na estrada que entronca naquela.

II - Se a condutora do veículo X não imobilizou o seu veículo ao chegar ao entroncamento, onde existia um sinal de STOP, nem cedeu a passagem ao veículo Y – como resulta do facto deste veículo ter embatido, com a sua frente, na parte lateral esquerda do veículo X –, agiu com culpa efectiva, sendo certo que também há culpa do condutor do veículo Y por se ter provado que circulava a uma velocidade não inferior a 75 km/h, num local onde a velocidade máxima permitida era de 40 km/h.

III - Uma condução prudente aconselhava a que o condutor do veículo Y reduzisse a velocidade no mencionado entroncamento, pois o direito de prioridade de passagem não é absoluto. Um condutor não deve entrar num cruzamento ou entroncamento, mesmo favorecido pelo direito de prioridade de passagem, se for de prever que o tráfego o aconselhe a imobilizar-se dentro desses locais, dificultando ou impedindo a passagem.

IV - No circunstancialismo provado, é de considerar que ambos os condutores concorreram para a eclosão do acidente, sendo que o facto do X ter entrado no entroncamento sem respeitar o sinal de STOP assume maior risco e gravidade, pelo que se afigura adequada a distribuição da culpa na proporção de 60% para o X e de 40% para o Y.

- Acórdão de 25/06/2013 (Revista n.º 55/06.4TBMAI.P1. S1) -


E quanto às características das vias, sejam elas de considerar ou não vias públicas nos termos do Código da Estrada, cf. artigo 1.º, als. c), u), v) e x) do Código da Estrada, apesar de o Código da Estrada não fazer distinção entre as vias e caminhos, para aplicação das normas estradais, o STJ tem entendido que devemos atender às características em concreto das estradas, isto é, o condutor deverá adequar a sua condução à estrada onde circule, sendo que a circulação numa estrada de terra batida que entronca numa estrada alcatroada com o piso em bom estado de conservação, onde inexiste qualquer sinalética estradal, com vista à distribuição adequada da responsabilidade entre os intervenientes:

I - Um «caminho» que entroncando com uma estrada nacional apenas serve algumas habitações de um lugar, em calçada, com uma largura aproximada de 3 m e apenas 150 m de cumprimento, sem outra saída nem outra entrada, senão a referida EN e no qual não é possível sequer o cruzamento de dois veículos em quase todo o seu percurso, embora não encontre obstáculo legal na qualificação de «via pública» (com o sentido e alcance previsto no art. 31.º do CEst), apresenta diferenças qualitativas relativamente a uma estrada nacional asfaltada, com uma largura não inferior a 7 m, que faz a ligação entre …../… e que tem muito movimento de veículos.

II - A não ser o facto de essa via (caminho) estar aberto ao trânsito – não tendo qualquer sinalização na embocadura com a estrada nacional – as suas restantes características tornam-na mais parecida com um caminho tipo «de servidão» (veja-se que apenas serve algumas habitações no lugar ….. e tem a largura e os impedimentos referidos em I).

III - Tendo em atenção que dos factos provados resulta que: a) para o condutor do veículo QO (provindo do caminho) inexistia sinal de STOP, bem como para o autor não existia qualquer sinalização que o avisasse da aproximação do entroncamento com a via, vinda do seu lado direito, de onde provinha o QO; b) da configuração do entroncamento resulta que este é claramente visível para o condutor do QO e não tanto, ou mesmo invisível e imprevisto, para o autor, face à existência de um morro com muita vegetação junto à margem direita da EN, mesmo antes do entroncamento, atento o sentido de trânsito do autor; c) o condutor do QO conhecia bem as características do local e sabia que a EN tinha um movimento muito significativo, deve considerar-se que teria este que ter olhado atenta e directamente para o seu lado esquerdo no acto de entrada na EN, evitando entrar na mesma se tal se mostrasse necessário, não se limitando a, simplesmente, olhar para o espelho côncavo em forma circular, existente no enfiamento do entroncamento do caminho com a EN, tendo antes que agir com as cautelas devidas a uma situação muito próxima da que teria que adoptar se nesse caminho se encontrasse um sinal de STOP, porquanto (apesar da sua ausência) um condutor minimamente sabedor e prudente facilmente percepcionaria que nessa via se impunha a existência desse sinal, por absolutamente justificado.

IV - Há ainda que atender ao facto de um condutor que tem a prioridade (art. 30.º do CEst) – apesar de se apresentar da direita de outro veículo – não pode deixar de cumprir as regras gerais de prudência que a circulação automóvel impõe, bem como a circunstância de o mesmo ter entrado no entroncamento com a finalidade de mudar de direcção (já que não podia seguir em frente), o que envolve sempre um especial perigo (art. 35.º do CEst).

V - Por sua vez, a condução do autor – perante a ausência de qualquer sinalização no local do acidente – perante as circunstâncias das vias em que ambos os veículos seguiam e da configuração e dimensão do entroncamento onde ocorre o acidente – mostra-se, apesar disso, ainda merecedora de alguma, embora menor, censura, face ao surgimento do entroncamento ao não ter tomado qualquer medida de cautela quando se apercebeu dele e na aproximação ao mesmo, no sentido de reduzir a velocidade e/ou paragem.

VI - Estas circunstâncias – aferidas pela diligência de um bom pai de família, determinam que a contribuição do autor, em sede de culpas na produção do acidente, em comparação com a do condutor do QO seja significativamente menor, afigurando-se adequada a proporção de 30% para aquele e de 70% para este (alterando-se assim a proporção de 50% para cada um deles, fixada pelo Tribunal da Relação).

- Acórdão de 16-09-2010 (Revista n.º 936/05.2TBAMT.P1.S1) -


I - Para os efeitos relativos à aplicabilidade das normas vigentes no domínio do direito estradal, a designação de uma via como constituindo um caminho, pressupõe, para tal, que se trate de “uma via pública especialmente destinada ao trânsito local em zonas rurais” – art. 1.º, al. e), do CEst, na redacção do DL n.º 2/98, de 03-01, vigente à data do acidente.

II - Trata-se, portanto, de um conceito de direito, cuja inserção nas respostas aos artigos da base instrutória, em que se perguntava se o veículo seguro na ré procedia de “um caminho em terra batida que dá acesso ao campo de futebol” e de “um caminho público de acesso ao campo de futebol e à praia de Aguçadoura” pelo tribunal se terá de considerar como não escrita – arts. 646.º, n.ºs 4 e 5, do CPC – e igual destino se terá de assacar à referência “caminho público”, uma vez que tal qualificação se torna despicienda de toda e qualquer relevância, face à apontada definição estradal de “caminho” e à expressa e concreta referencia constante do art. 31.º, n.º 1, al. a), parte final, do CEst.

III - Temos, pois, e apenas, como elemento de facto relevante, que o segurado da ré provinha de uma passagem em terra batida, pelo que, consequentemente, não se mostra susceptível de configuração a situação respeitante à cedência de prioridade nos entroncamentos relativamente ao condutor que se apresente pela direita, prevista no art. 30.º, n.º 1, do CEst, já que, constituindo um entroncamento a zona ou bifurcação de vias públicas, e traduzindo-se estas nas vias de comunicação afectas ao trânsito público – art. 1.º, als. a) e r), daquela codificação estradal –, tais situações são incompatíveis com a existência e qualificação como uma via pública destinada à circulação rodoviária, uma via que, como sua característica normal, seja dotada daquele apontado piso, salvo a ocorrência de casos excepcionais, v.g. obras, o que, porém, não vem provado, já que também não foi alegado.

IV - Não se mostrando provados quaisquer outros factos susceptíveis de permitir o enquadramento jurídico do local onde ocorreu o acidente naquela apontada qualificação estradal da via, nem quanto à unívoca/recíproca ou inexistente visibilidade de cada um dos condutores no momento da ocorrência do acidente, ter-se-á de lançar mão do princípio geral a observar por parte dos condutores que pretendem mudar de direcção, constante do art. 35.º, n.º 1, do CEst, e, consequentemente, imputar ao segurado da ré a culpa exclusiva na produção do mesmo.

 - Acórdão de 9/03/2010 (Revista n.º 1823/05.0TBPVZ.P1.S2) -


I - Embora a relativa importância das vias não altere, só por si, a regra da prioridade à direita, a experiência mostra-nos ser regra e aconselhável colocar um sinal vertical de “stop” nas vias de menor importância, ou de “aproximação de estrada com prioridade” sempre que aquelas vão entroncar em via de maior intensidade de tráfego.

II - A inexistência dos referidos sinais e o escasso movimento do caminho que dá acesso a propriedades agrícolas, leva a que quem circula na estrada municipal lhe dê, naturalmente, pouca atenção, ou por dele não se aperceber com tempo, ou por contar com o especial cuidado dos que nele circulam e que as circunstâncias justificam.

III - Consideradas as circunstâncias do caso e a normal diligência de um bom pai de família, concordamos com a percentagem de 50% de culpa atribuída a cada um dos condutores intervenientes no acidente.

 - Acórdão de 18/12/2008 (Revista n.º 3660/08) -


Em face do atrás referido quanto à culpa e ao nexo de causalidade relativamente ao Autor, tendo em consideração os factos provados, em especial os seguintes,

- o local onde o embate ocorreu, na intersecção de uma via de caminho de terra batida, onde o réu circulava, com uma estrada alcatroada com bom piso, que permite a circulação simultânea de dois veículos, onde o autor circulava, sendo as características dos veículos semelhantes, ambos ciclomotores, mas sem qualquer sinalização na intersecção das vias;

- o réu circulava em via que se apresentava do lado direito da via onde o autor circulava, atento o seu sentido de marcha, na qual o réu pretendia ingressar, com uma taxa de álcool no sangue de 0,55 g/l, em fuga às autoridades policiais;

- e réu, ao entrar na via onde o autor seguia, fê-lo de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro entrar na referida via,temos de concluir que o comportamento do Autor não merece censura, tal qual decidido no Acórdão recorrido, porquanto, no caso, o direito de prioridade de passagem de que o Réu BB beneficiava, devia ceder em face quer do caminho onde circulava, de terra batida, sendo sua obrigação imprimir uma velocidade adequada ao veículo, em face das condições da via, cf. artigo 25.º, n.º 1, al. j) do Código da Estrada, pretendendo ingressar numa estrada de alcatrão que não era a sua via de trânsito, cf. artigo 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, uma vez que o Réu BB entrou na via onde o autor circulava de forma repentina, sem cuidar que na via a que acedia já circulava e, a curta distância do seu ponto de intersecção, o autor e sem verificar se era seguro entrar na referida via.

           

  Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em confirmar o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 18 de janeiro de 2022


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fernando Samões           

Maria João Tomé