Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2201/21.9YRLSB-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
ESCRITURA PÚBLICA
NOTÁRIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
A escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo 2º do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.”
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA (residente no BRASIL, em ..., Estado de São Paulo) e BB (igualmente residente no BRASIL, ..., Estado de São Paulo) instauraram acção especial de revisão de sentença estrangeira, pedindo que seja revista e confirmada a Escritura de Conversão de Separação em Divórcio Consensual outorgada em 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Requerentes, no 1o ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1.124o-A do Código de Processo Civil brasileiro, introduzido pela Lei n° 11.441, de 4 de Janeiro de 2007 da República Federativa do Brasil, pela qual os Requerentes dissolveram o vínculo conjugal entre eles e passaram a ter o estado civil de divorciados.


Observado o disposto no art. 982°, n° 1, do CPC de 2013, apenas o Ministério Público apresentou alegações defendendo a procedência da acção, por verificados os requisitos enunciados no art. 980º do CPC. 


A Relação ... indeferiu a petição inicial, que julgou inepta por falta de causa de pedir e declarou a nulidade de todo o processo (arts. 186º e 590º do CPC).

Para tanto considerou:

“(…)

No caso dos autos, o divórcio por mútuo consentimento que se pretende seja reconhecido por esta Relação, através de processo de revisão e confirmação regulado nos artigos 978° e segs. do actual CPC, não foi decretado por nenhum tribunal estrangeiro, nem sequer por qualquer autoridade administrativa ou religiosa a quem, porventura, a ordem jurídica brasileira tivesse conferido poderes de autoridade para decretar a dissolução, por divórcio, dos casamentos.

Efectivamente, neste caso, a dissolução do casamento celebrado entre os Requerentes promana das declarações negociais de vontade emitidas pelos próprios cônjuges no contexto duma escritura pública celebrada num cartório notarial, segundo o ritualismo estabelecido pela Lei n° 11.441, de 4/1/200741, em que o notário se limita a certificar que os outorgantes declararam que, pela presente escritura, nos termos do artigo 1580°, parágrafo 2°, do Código Civil e [do artigo] 1.124°-A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441, de 4 de Janeiro de 2007, fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles [outorgantes], que passam a ostentar o estado civil de divorciados" (cfr. o documento junto à petição inicial como documento n° ..., a fls. 18 e 18-v°).

Neste quadro, irreleva que, segundo o direito Brasileiro, os Notários ou tabeliães sejam, a par dos registradores, considerados agentes públicos, ou seja, particulares que recebem, por delegação do Estado, a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. De todo o modo, não é o Notário ou tabelião brasileiro (que lavra a escritura pública de divórcio consensual) quem declara a dissolução do casamento; são os cônjuges outorgantes que se auto-divorciam, dissolvendo, eles próprios, o vínculo conjugal entre eles existente.

O Notário-tabelião brasileiro mais não faz do que certificar as declarações negociais de vontade emitidas pelos outorgantes, através das quais eles dissolvem o seu casamento e decidem que passam a ter o estado civil de divorciados. Trata-se dum divórcio privado, operado pelos próprios cônjuges outorgantes da escritura pública de divórcio, na qual o papel do Notário/Tabelião é, tão só, o de dar fé pública àquelas declarações negociais de vontade.

Assim sendo, inexiste, no caso em apreço, uma decisão, judicial, administrativa ou religiosa, passível de ser submetida ao processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978° e segs. do CPC de 2013.

A ausência de gualquer decisão, seja de natureza judicial, seja doutra qualquer natureza (administrativa ou religiosa), passível de formar caso julgado e, portanto, susceptível de ser revista e confirmada por esta Relação, no quadro do processo especial cuja tramitação está prevista nos citt. arts. 978° e segs. do CPC de 2013, implica a inexistência de causa de pedir.

Na verdade, «a acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação destinada a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa»42 43. Por isso, se não existe qualquer decisão estrangeira, seja ela judicial, administrativa ou religiosa, em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa, falta, pura e simplesmente, a causa de pedir.

Ora - como se sabe -, a falta de causa de pedir constitui causa de ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 186°, n° 2, ai. a), do CPC de 2013, acarretando a nulidade de todo o processo (n° 1 do mesmo art. 186°), a qual conduz à absolvição do réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278°, n° 1, ai. b). 576°, n° 2, e 577°, ai. b), todos do citado CPC de 2013.”


Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de revista, cujas alegações concluem do seguinte modo:

1ª. O tribunal a quo julgou inepta a petição inicial, por falta de causa de pedir, no que concerne ao pedido de revisão e confirmação de sentença estrangeira da Escritura de Divórcio Consensual outorgada a 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Requerentes, no 1º ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil e, consequentemente, indeferiu a petição inicial, declarando nulo todo o processo e extinguiu a instância.

2ª. Do douto Acórdão, que ora se coloca em crise, verifica-se que uma violação na interpretação e aplicação de lei substantiva e contraria outros acórdãos do STJ e do próprio TR... que no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito têm entendimentos diferentes.

3ª. Consta do referido acórdão, da qual agora se recorre o seguinte:

(…)

4ª. O douto Acórdão recorrido, na sua fundamentação relativa ao mérito da causa, começa por reconhecer que: “Quanto às decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária, por exemplo a decisão de regulação do poder paternal ou que decreta o divórcio por mútuo consentimento, embora a atividade desenvolvida neste caso pelo tribunal não corresponda ao exercício da função jurisdicional e por razões de política legislativa ela não tenha sido confiada a um notário, conservador ou outra entidade administrativa, tem prevalecido, na jurisprudência, o entendimento, preconizado por ALBERTO DOS REIS, segundo o qual estas decisões estão igualmente sujeitas ao processo de revisão.”

5ª. “Segundo Luís de Lima Pinheiro, à face do Direito Português, que distinguir. Assim, «se a decisão estrangeira, apesar de proferida em processo de jurisdição voluntária, forma caso julgado material posto que atenuado, como sucede entre nós no direito do Estado de origem, deve entender-se que o reconhecimento dos seus efeitos enquanto acto jurisdicional depende de revisão e confirmação». Todavia, «já parece que o disposto nos artigos 1094º e segs do CPC [de 1961] não será diretamente aplicável ao reconhecimento da decisão que não forme caso julgado material». «No entanto, nos casos pouco frequentes em que seja necessário executar o acto, parece defensável uma aplicação analógica deste regime, por conseguinte, a necessidade de revisão e confirmação».

“Muito embora, «em princípio, estejam sujeitas a revisão as decisões proferidas por um órgão jurisdicional», «este regime de reconhecimento deve ser aplicado analogicamente às decisões de autoridades administrativas estrangeiras que, em Portugal, são da competência dos tribunais.”

“Enquanto o divórcio em Portugal podia ser decretado pelo tribunal, entendeu-se que os divórcios por mútuo consentimento proferidos por conservadores do registo civil estrangeiro estavam sujeitos a este regime»”.

“A partir do momento em que, entre nós, o divórcio por mútuo consentimento passou a poder ser requerido na Conservatória do Registo Civil…, põe-se a questão de saber se o reconhecimento dos divórcios por mútuo consentimento decretados por conservadores do registo civil estrangeiro continua a estar dependente do regime de reconhecimento e revisão consagrado nos arts. 1094º e segs. do CPC.

“Entendendo-se, tal como LUÍS DE LIMA PINHEIRO, “que a resposta a esta questão deve ser afirmativa «quando a decisão da autoridade administrativa estrangeira tiver os mesmos efeitos que uma decisão judicial» - como justamente ocorre no Direito português actualmente vigente (cfr. o artigo 1778ºA, n.º 2, do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 163/95, de 13-7). Isto porque, «em última instância o que importa não é a natureza do órgão que profere a decisão mas os efeitos que ela produz segundo o Direito do Estado de origem».”

“Assim, «por exemplo, o disposto nos artigos 1094º e segs. [do] CPC [de 1961] deve ser aplicado analogicamente aos atos praticados pelas autoridades administrativas dinamarquesas em matéria de obrigações de alimentos».”

“Na jurisprudência, também se tem entendido que, «apesar de a nossa lei já prever que o divórcio por mútuo consentimento, (…) possa ser requerido na Conservatória do Registo Civil, para que a decisão de autoridade estrangeira competente que tenha decretado o divórcio por mútuo consentimento se torne eficaz no nosso ordenamento interno continua a exigir-se que ela seja revista e confirmada».”

“De igual modo «também estão sujeitas a revisão as decisões de tribunais e autoridades religiosas em que [algumas] ordens jurídicas estrangeiras delegam poderes de autoridade» - o que se verifica, designadamente, em matéria de divórcio e de separação. Na verdade segundo Lima Pinheiro os actos constitutivos de autoridades administrativas ou religiosas que formem caso julgado são suscetíveis de revisão, desde que sejam eficazes segundo o direito competente».”


6. Sendo esta a situação dos presentes autos!


7ª. Contudo, julgaram os Venerandos Juízes Desembargadores que a presente petição inicial era inepta, por falta de causa de pedir, declarando nulo todo o processo (…).


8ª. Salvo opinião em contrário, o alcance do termo decisão relevante para efeitos do art. 978.º foi apreciado, designadamente, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Relator Granja da Fonseca, de 25 de Junho de 2013, referente ao processo n.º 623/12.5YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere

I - As escrituras públicas prevista no art. 1124.º-A do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n.º 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1580.º do Código Civil Brasileiro, através da qual passado um ano da separação se poderá converter o mesmo em divórcio», têm força igual à das sentenças que decretam a separação consensual ou a conversão da separação judicial dos cônjuges em divórcio, uma vez que foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito.

II - A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do art. 1094.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.

III - Na realidade, aquilo que releva para a ordem jurídica portuguesa é essencialmente o conteúdo do acto, isto é, o modo como se regulam os interesses privados (negrito e sublinhado nosso).

IV - Assim estão verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão (nos termos estabelecidos nos arts. 1096.º e 1101.º do CPC) se (i) a dissolução do vínculo matrimonial tiver sido proferida pela entidade brasileira legalmente competente; (ii) não versar sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (art. 65.º-A do CPC); (iii) não lhe podendo ser opostas excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português; (iv) tiver sido proferida por acordo expresso dos então ainda cônjuges, e com observância dos princípios do contraditório e igualdade das partes; (v) e não for o seu reconhecimento susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (art. 1096.º do CPC).”


9ª. A doutrina deste Acórdão foi reiterada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do Relator António Magalhães, de 09 de Março de 2021, no processo n.º 241/20.4YRPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere

“I - A decisão que consta do art. 978º do CPC deve ser entendida de forma ampla, de modo a abranger decisões proferidas quer por autoridades judiciais quer por autoridades administrativas;

II - Por provir de autoridade administrativa (tabelião ou substituto), a escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.”


10ª. O não reconhecimento da escritura pública provida de fé pública, à luz do direito brasileiro, enquanto decisão administrativa, que o é, inviabilizaria a concretização do direito de transpor para a ordem jurídica portuguesa um facto jurídico legal e legitimamente praticado noutro Estado.


11ª.  Sendo ainda o entendimento preconizado, na decisão do Tribunal da Relação datado de 03-07-2020, referente ao Processo 152/20.3YRLSB, o mesmo, que consta do “Acórdão do STJ de 12.07.2005, P. 05B1880, rel. Cons. Moitinho de Almeida, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o processo regulado nos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil é aplicável à dissolução do casamento por mútuo consentimento, realizada em sede administrativa”


12ª. Na mesma senda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26 de Novembro de 2018, referente ao processo 149/18.8YREVR, defende: “Por essa razão, cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 733º do Código de Processo Civil da República Federativa do Brasil e da Emenda Constitucional 66/10, foi decretado o divórcio consensual entre requerente e requerido e extinto o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados, por escritura pública de divórcio.” Acrescenta: “Esta decisão foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para os efeitos. «Para estas situações em que a autoridade administrativa estrangeira decreta o divórcio, desde muito que se sedimentou a interpretação jurisprudencial no sentido de que a decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 1094º (atualmente artigo 978º), 1 do Código do Processo Civil, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal”.


13ª. Conforme, bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 9 de Maio de 2019, referente ao processo 190/18.6YRGMR, “no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Janeiro de 2013, (processo 623/12.5YRLSB-6), relativa à dissolução, no Brasil, do casamento, mediante simples realização de uma escritura pública, perante notário, na qual os cônjuges declaram estar de acordo em divorciar-se, dispensando-se assim, nesse regime, qualquer decisão seja de autoridade judicial, seja de administrativa, para tal acordo produzir eficácia constitutiva, modificando (extinguindo) a relação jurídica.”


(…)“Como nele se refere: «… de acordo com a legislação brasileira aplicável os cônjuges podem acordar entre si, desde que não haja filhos menores e observados os requisitos legais quanto aos prazos (de duração do casamento e de separação), o divórcio desde que declarem ser essa a sua vontade em escritura pública, sendo o paragrafo do artigo 1124º-A do Código de Processo Civil Brasileiro, expresso quanto a não estar essa escritura pública dependente de qualquer apreciação e homologação judicial, constituindo, em si mesma, título hábil para o registo civil.”


14ª. Não se poderá olvidar que a Escritura Pública de Divórcio Consensual não tem apenas efeitos inter partes, mas produz sempre efeitos contra terceiros, uma vez que é uma forma legitima de dissolução do casamento relevante perante terceiros porque produz efeitos quanto ao estado das pessoas – legitimidade concedida por um Estado de Direito- o brasileiro.


15ª. Assim, conforme se discrimina em seguida e salvo opinião em contrário, o alcance do termo decisão relevante para efeitos do art. 978.º foi apreciado, designadamente, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Relator Granja da Fonseca, de 25 de Junho de 2013, referente ao processo n.º 623/12.5YRLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere “ II - A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do art. 1094.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal. III - Na realidade, aquilo que releva para a ordem jurídica portuguesa é essencialmente o conteúdo do acto, isto é, o modo como se regulam os interesses privados. IV - Assim estão verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão (nos termos estabelecidos nos arts. 1096.º e 1101.º do CPC)”


16ª. Ora, sendo o sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. Trata-se de um processo especial de simples apreciação. (Cfr o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.7.2011).


17ª. Para melhor compreensão da situação retiramos alguns excertos do Acórdão da 2ª Secção do TRL assinado pelos Juízes desembargadores Pedro Martins, Inês Moura e Laurinda Gemas, no âmbito do processo 206/21.9YRLSB, datado de 29 de Abril de 2021, que faz um estudo de Direito Comparado quanto a esta questão de direito e à forma como o ordenamento jurídico brasileiro, espanhol, japonês e Colombiano procede em relação às revisões de sentença/decisões estrangeiras. No ponto IV do referido acórdão consta que:


A posição recém-assumida, nalguns acórdãos do STJ e das Relações, admite que desde há muito estava assente aquilo que era sintetizado em dois acórdãos do STJ de 2013 (que citam outros no mesmo sentido, que, por sua vez, citam muitos outros também nesse sentido, sendo possivel retroceder, por aí, até pelo menos 1983, revelando uma jurisprudência reiterada e uniforme):”

“Ac. do STJ de 22/05/2013, processo 687/12.1YRLSB.S1:

“A escritura pública outorgada pelos cônjuges, de acordo com a lei brasileira, com vista ao divórcio consensual por conversão da separação pode ser fundamento de um pedido de revisão e confirmação de sentença estrangeira, nos termos do artigo 1096º do CPC.

Este acórdão só tem o seu sumário publicado (no sitio do STJ na internet) mas, tem o seu teor transcrito no acórdão do STJ que se citará de seguida, pelo que se sabe que dizia o seguinte”:

“A interpretação do acórdão sob recurso do que seja uma decisão da autoridade administrativa estrangeira peca por demasiado restritiva”.

“O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados”.

“Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa.”

“Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo.”

“Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à sentença… nos casos dos divórcios em escrituras não homologação (administrativa ou judicial). E qualquer simples leitura dessas escrituras confirma que assim é. O notário limita-se a tomar nota das declarações dos cônjuges, não profere uma decisão, não as homologa.

 Isto vale, também, para os divórcios privados no Japão (e na China e noutros países) e da Colômbia, em que não qualquer intervenção do prefeito/conservador/notário, para além da aceitação das declarações dos cônjuges. E em que, portanto, o divórcio, resulta do mero encontro de vontades entre os cônjuges, que aquelas entidades se limitam aceitar. E também em todos estes casos, estes divórcios têm sido revistos n Brasil, Espanha e Portugal.

Se tudo isto é assim, não é aceitável a conclusão que é a sua verdadeira razão de decidir tirada pelos acórdãos do STJ de 28/02, 21/03 e 09/05/2019 de que, “o acto composto pelas declarações     dos requerentes [não é]“caucionado administrativamente  pela ordem jurídica em que foi produzido… tratando-se de uma desjudicialização”

Dito de forma mais clara: o papel do tabelião que lavra uma escritura declaratória de divórcio serve de base para o registo civil (tal como uma sentença judicial Uma e outra estão caucionadas pela ordem jurídica [e não administrativamente]. Se não se aceitar a possibilidade de revisão da escritura , pondo em causa o entendimento reiterado e uniforme de que, para que haja uma “decisão”, basta que se esteja perante um acto caucionado pela ordem jurídica em que foi produzido.” “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

“Desde logo, não se que nesta matéria se possa justificar distinção estabelecida: se um divórcio consensual for decretado por um tribunal brasileiro, para ele ser levado ao registo português precisa de ser revisto e confirmado pelo Tribunal da relação. se os cônjuges forem a um tabelião e declararem que se divorciam, a escritura pública serviria, sm necessidade de revisão, para o divórcio ser levado ao registo civil português [ou noutra versão: o registo brasileiro que tivesse sido feito com base nela poderia ser ingressado no registo português sem necessidade de a escritura ser revista]. E também não se que haja razões para distinguir para aplicação de regimes diferentes entre um divórcio em que um notário ou um conservador homologa o acordo dos cônjuges em divorciar-se (pode/deve ser revisto pelo Tribunal da Relação) e um divórcio em que o notário ou o perfeito se limitam a tomar nota das declarações dos cônjuges de que se divorciam (não teria/não poderia ser revisto pelo tribunal da relação.”

“Em suma: mesmo que a intervenção no acto da autoridade prevista na lei brasileira se limite à verificação da prática do acto à sua regularidade formal e não ao proferimento de uma decisão, tal significa o caucionamento pela ordem jurídica do acto em causa e ele pode ser revisto como se fosse uma sentença para os efeitos do artigo 978º do CPC. Ou parafraseando o STJ nos acórdãos de 2013, não releva que o divórcio se tenha produzido de maneira contratual apenas através das declarações dos outorgantes; basta que se trate de um acto caucionado pela ordem jurídica em que foi produzido.”


18ª. Assim, pelo exposto, existem acórdãos que no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, têm entendimentos diferentes. Os acórdãos identificados no presente recurso apresentam uma análise com diferentes premissas que nos parecem ser as mais corretas de forma a defender os interesses legítimos dos Recorrentes em pretender atualizar o seu estado civil em Portugal, assim como na defesa e reforço da segurança jurídica que no que toca ao estado civil das pessoas – que se torna essencial e imprescindível transcrever e manter em todas as ordens jurídicas em contacto.


19ª. Pelo que qualquer decisão sobre direitos privados que estejam relacionados com o estado das pessoas deve ser revista e confirmada no país de destino, sendo que a revisão e confirmação de sentença/decisão/documento constitutivo de direitos que alteram o estado civil das pessoas é essencial para que lhe seja atribuída fé pública e seja dado conhecimento a terceiros e transposta para a ordem jurídica de destino a atualização do estado civil dos cidadãos.


20ª. Assim, dúvidas inexistem de que a Escritura que os Recorrentes apresentaram configura uma “decisão” ou “sentença” e pode/deve ser revista e confirmada, nos termos do artigo 978º e seguintes do C.P.C., por reunir todos os pressupostos para o efeito.


21ª. Concluindo-se sem margem para dúvidas de que a Escritura de Divórcio Consensual outorgada a 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Recorrentes, no 1º ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil, deve ser revista e confirmada, de forma a produzir os seus efeitos na ordem jurídica portuguesa.


///


Dispensados os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação.

A decisão recorrida teve como provados documentalmente os seguintes factos:

1. Os Requerentes contraíram entre si casamento civil, sem convenção antenupcial, em 10 de Setembro de 2005, em ..., na República Federativa do BRASIL, tendo tal casamento sido averbado ao registo de nascimento da Autora AA (cfr. a certidão de nascimento junta a fls. 16-17);

2.  Por Escritura de Divórcio Consensual outorgada em 18 de Janeiro de 2012, por ambos os Requerentes, no 1o ... e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca ..., Estado de São Paulo, na República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1.124°-A do Código de Processo Civil brasileiro, introduzido pela Lei n° 11.441, de 4 de Janeiro de 2007 da República Federativa do Brasil, os Requerentes declararam, perante o Notário, que ficava dissolvido o vínculo conjugal entre eles e passavam ambos a ostentar o estado civil de divorciados consensualmente (cfr. o documento junto à petição inicial sob o n° 2, a fls. 18 e 18-v°).

O direito.

O nº1 do artigo 978º do CPCivil estatui o seguinte:

Sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes sem estar revista e confirmada.


A necessidade de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras justifica-se por ser essencial para a continuidade e estabilidade das situações jurídicas, em especial na área do estatuto pessoal, sendo ainda pressuposto dos efeitos jurisdicionais próprios da sentença estrangeira na ordem jurídica interna: a formação do caso julgado e a constituição do título executivo. (Código de Processo Civil Anotado, II, pag.421, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa).


A competência para a revisão e confirmação pertence aos tribunais da Relação (art. 979º do CPC).


Embora o nº 1 do art. 978º fale em “decisão”, é hoje entendimento pacífico que tal expressão deve ser interpretada em sentido amplo, de forma a abranger as decisões proferidas seja por autoridades judiciais, seja por autoridade administrativa (cf. Acórdãos do STJ de 25.06.2013, P. 623/12, de 28/02/2019, P. 106/18, e de 09.03.2021, P. 241/20).


Como referido na obra supra citada, pag. 423, não há que limitar a necessidade de revisão às típicas sentenças emanadas de tribunais, nos moldes consagrados no nosso ordenamento jurídico, por “não poder ignorar-se que outros ordenamentos jurídicos preveem formas diversas de resolução de litígios ou de tutela de interesses juridicamente relevantes.”


Os requisitos necessários para a confirmação constam do art. 980º do CPC, nos termos do qual:

Para que a sentença seja confirmada é necessário:

a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença nem sobre a inteligência da decisão;

 b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;

c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;

e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;

f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.  


Cabe ainda dizer que o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do art. 980º, e nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito – art. 984º.  


No caso presente, a Relação ... indeferiu o pedido dos requerentes no sentido da revisão/confirmação da escritura pública de divórcio consensual por entender que inexiste uma decisão, judicial ou administrativa, que possa ser confirmada, uma vez que a “dissolução do casamento decorre das declarações negociais de vontade emitidas pelos próprios cônjuges, em que o notário/tabelião se limita a certificar o que os cônjuges declaram.”


Importa saber se ajuizou bem, sendo certo que o que releva é apurar se a escritura pública revidenda é apta a formar caso julgado à luz do direito brasileiro. (cf. art. 23º do Cód. Civil). Se assim for, é susceptível de revisão.


Dispõe o art. 1580 do Código Civil Brasileiro que “decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer a sua conversão em divórcio.

§ 1º. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.

§ 2º. O divórcio poderá ser requerido, por um ou ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.


Por sua vez estabelecem os arts. 731 e 733 do Código de Processo Civil Brasileiro:

731º. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:

I – as disposições relativas à descrição e á partilha dos bens comuns;

II – as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;

III – o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas;

IV – o valor da contribuição para criar e educar os filhos.

(…)

Art. 733.  O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituros ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731º.

§ 1º. A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer acto de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º. O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do acto notarial.

Revertendo ao caso dos autos.


Consta da escritura pública de conversão de separação em divórcio, que constitui o doc. 2 junto com a petição inicial, que os ora requerentes compareceram no dia 18.01.2012, perante a 1ª Tabeliã de Notas e Protesto de Letras e Títulos, da Comarca ..., estado de São Paulo, acompanhados de advogada, com a finalidade de (…) de aperfeiçoar a conversão da separação conjugal em divórcio igualmente consensual do casal, encerrando o vínculo conjugal existente, tendo declarado  que não possuem filhos comuns; que a convivência entre eles se tornou insustentável, sem possibilidade de reconciliação; que foram esclarecidos pela advogada constituída a respeito das consequências do divórcio.

Nos pontos 5 e seguintes ficou a constar:

“5. Do Divórcio Consensual - Assim, em cumprimento ao pedido e vontade dos divorciandos, atendidos os requisitos constitucionais e legais, pela presente escritura de Divórcio Consensual, fica dissolvido o vínculo conjugal entre eles, que passam a ostentar o estado civil de divorciados consensualmente;

6. Dos Efeitos do Divórcio Consensual – decorrência deste divórcio ficam extintos os deveres conjugais entre os ex-cônjuges;

7. Do Nome dos Outorgantes e Reciprocamente Outorgados – Por ocasião do casamento apenas a mulher sofreu alteração do seu nome de solteira deixando de assinar (…);

8. Da Pensão Alimentícia – Não haverá imposição de obrigação alimentícia entre os outorgantes (…);

9. Dos Bens do Casal – Que os divorciando não possuem bens móveis ou imóveis a partilhar (…).

DECLARAÇÕES – Disseram, ainda, os outorgantes (…) que os fatos aqui relatados e declarações feitas são a exacta expressão da verdade; requerem e autorizam o Oficial do Registo Civil das Pessoas Naturais de Itapira/..., a efectuar a averbação necessária para que fique constando o presente divórcio consensual à margem do assento de casamento dos divorciandos, passando os outorgantes e reciprocamente outorgados, como consequência, ao estado civil de divorciados. Disse a advogada que, após ouvir ambas as partes, aconselhou-as e advertiu-as das consequências do divórcio, propondo a reconciliação, o que fora recusado pelos mesmos. Todos os comparecentes disseram que aceitam esta escrituram nos termos referidos. Os signatários da presente escritura pública ratificam em todos os seus exatos termos o contido na escritura pública de separação consensual lavrada pelo ... e de .../SP (…) no dia 08.04.2010 e firmam o propósito do fiel cumprimento de todo o pactuado naquele instrumento (…)

Assim ajustados, pediram a lavratura deste ato, que após ser lido em voz alta a todos os presentes, acharam conforme, aceitam e assinam juntamente comigo, CC, ..., (…) lavrei e subscrevo conjuntamente os signatários deste instrumento.”


Retira-se do exposto que os Recorrentes optaram por dissolver o seu casamento, através de divórcio consensual formalizado por escritura pública, como permitido pelo art.  733º do CPC brasileiro, cujos requisitos se mostram preenchidos.


A objecção da Relação à revisão/confirmação da escritura pública de divórcio consensual – inexistência de decisão, que se traduz na falta de causa de pedir, com a consequente nulidade de todo o processo – não é, com o devido respeito, de confirmar.


Se é certo que a autoridade administrativa (tabelião) não intervém para homologar ou decidir sobre o divórcio, não é menos certo que lhe compete controlar a verificação de todos os requisitos de que depende o divórcio consensual.

Como correctamente afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 27.01.2022 (Jorge Leal), “a circunstância de a autoridade administrativa não emitir uma vontade de produção de efeitos jurídicos de regulação do interesse privado em questão não retira ao acto em causa a natureza de decisão, para os efeitos da pretendida revisão.  O que releva é que essa intervenção constitua requisito e fonte da produção dos desejados efeitos jurídicos no ordenamento jurídico estrangeiro, o que se pretende que ocorra também no ordenamento jurídico português.”


Assim, dissentindo do acórdão recorrido, entendemos que o controlo feito pelo tabelião da verificação dos requisitos de que depende o divórcio consensual por escritura pública, consubstancia a intervenção de uma entidade administrativa que cauciona o acto de divórcio, ao qual são atribuídos efeitos pela ordem jurídica brasileira. A escritura controlável pelo notário deve ser equiparada, pois, à expressa decisão jurisdicional ou administrativa.


Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 12.07.2005, P. 05..., de 25.06.2013, e de 09.03.2021, P.241/20, citados pelos Recorrentes.

Consta do sumário deste último aresto:

Por provir de autoridade administrativa (tabelião ou substituto), a escritura pública prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual, com fundamento em separação de facto por mais de 2 anos, previsto no art. 1580º, §2º, do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.

Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento.

A referida escritura pode, por isso, servir de base à presente revisão.


No caso vertente, não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do instrumento notarial revidendo, nem sobre a inteligência do seu conteúdo.

A dissolução por divórcio do vínculo matrimonial foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para esse efeito e tal competência não foi provocada em fraude à lei.

Acresce que a decisão revidenda não versa sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais portugueses.

Não lhe podem ser opostas as excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português.

A decisão revidenda foi proferida por expresso acordo de ambos os divorciandos, com observância dos princípios de igualdade das partes.

E o seu reconhecimento não é susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.

Estão, assim, verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão, conforme estabelecido no art. 980º do Código de Processo Civil.

Sumário.

A escritura pública, prevista no art. 733º do Código de Processo Civil brasileiro, através da qual se pode realizar o divórcio consensual dos cônjuges, com fundamento em separação de facto por mais de dois anos, previsto no art. 1580.º parágrafo do Código Civil Brasileiro, consubstancia uma decisão administrativa que deve ser equiparada a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.”


Decisão.

Pelo exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido, e julgando procedente a acção, confirma-se, para valer em Portugal, a escritura pública de divórcio consensual apresentada pelos Recorrentes e referido supra em 2.

Custas: as do processado na Relação ficam a cargo dos Requerentes; sem custas a Revista.

Oportunamente comunique-se ao Registo Civil.


Lisboa, 07.07.2022


Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva