Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
391/17.4T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
CONFUSÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. — O art. 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil coloca a cargo do recorrente o ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação.

II. — Entre os aspectos ou dimensões do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação está indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.

III. — O art. 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil deverá aplicar-se “quando em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, for patente que a decisão a proferir pelo julgador deixou de ter interesse, seja porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo (casos de impossibilidade), seja porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (casos de inutilidade)”.

IV. — Não há qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide quando a acção continua a ter interesse para o demandante ou para os habilitados, enquanto sucessores do demandante, por ainda ser possível satisfazer-se à pretensão que a demandante quer fazer valer no processo.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. — RELATÓRIO


1. CC e BB intentaram acção especial de prestação de contas contra AA, pedindo que esta preste contas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, no que respeita à administração do património pertença do casal formado pelo Autor, CC, e por DD, sua esposa, entretanto falecida, “para apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas e a sua eventual condenação, sendo caso disso, no pagamento do saldo que vier a apurar-se”.


2. A Ré AA contestou a obrigação de prestar contas e invocou a ilegitimidade activa da Autora BB.


3. Como o Autor CC tenha falecido em 31 de Agosto de 2017, a Autora BB e a Ré AA foram habilitadas prosseguirem a acção como sucessoras do Autor CC.


4. Em 21 de Novembro de 2018, o Tribunal de 1.ª instância:

I. — julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Autora BB;

II. — declarou que a Ré estava obrigada a prestar contas;

III. — determinou que a Ré fosse notificada para “em 20 dias prestar as suas contas […] ou declarar se dá como reproduzidas as contas já prestadas”, “sendo que o Tribunal entenderá que dá como reproduzidas as contas já prestadas caso não sejam prestadas (novas) contas no prazo concedido”.


5. Em 27 de Novembro de 201, a Ré AA respondeu que dava como reproduzidas as contas já prestadas.


6. O Tribunal de 1.ª instância

I. — julgou boas as contas apresentadas pela Ré AA;

II. — fixou o montante das despesas suportadas em 79.206,62 euros;

III. — condenou a Ré AA no pagamento à Autora BB da quantia de 34.984,54 euros.


7. Inconformadas, a Autora BB e a Ré AA interpuseram recurso de apelação.


8. A Autora BB finalizou a sua alegação com as seguimtes conclusões:

A. Nos termos do art.º 640º n.º 1 CPC, com o presente recurso pretende-se a alteração da matéria de facto dada como provada, relativamente às receitas, bem como ao período temporal da administração efectuada pela ré.

B. Com efeito, a sentença recorrida só atendeu à administração durante o período de Março de 2013 a Dezembro de 2016, quando, na primeira sentença (de 19/11/18) decidiu que o mesmo correspondia ao "talqualmente peticionado na petição inicial", ou seja, entre o período de Março de 2013 (data em que começou a sua administração) a Março de 2017 (data da entrada da acção em juízo); logo devia ter tomado em consideração, também, as receitas correspondentes ao ano de 2017.

C. Diz ainda a sentença recorrida, que o valor das receitas ascende à quantia de 136.184,02€ uma vez que a autora não as impugnou, porém esta impugnou-as na sentença, bem como através do requerimento apresentado na sequência do requerimento da ré a dizer que reiterava as contas inicialmente apresentadas, concretamente, referiu "as contas apresentadas no doc. 2 do requerimento com a refª 25285179, não constituiu qualquer conta corrente, como exige o art.º 944º CPC, nem espelham a proveniência das receitas e aplicação das despesas e respectivo saldo, sobretudo quando comparadas com os documentos posteriormente juntos pela ré em 18/09/17, concretamente com as ref…”

D. Deste modo, a matéria de facto deve ser alterada, passando a constar a quantia de 245.049.25€ a título de receitas, onde, actualmente, consta 136.184,02€.

E. Por requerimento de 20/6/17, a ré afirmou que, "Os imóveis enumerados no artigo 2° da petição inicial estiveram, e estão arrendados, com excepção de um período curto de tempo, variável entre 3 a 5 meses, por terem sido sujeitos a obras de restauro, conforme resulta dos documentos abaixo referidos e que agora entrega.”

F. Na sentença, as obras alegadamente realizadas foram dadas como não provadas, assim como o invocado perdão de rendas (matéria provada nos pontos xiv, xv e xvi).

G. Logo, ter-se-á que concluir, em face do alegado pela ré e pelos documentos juntos (contratos de arrendamento e recibos juntos com o requerimento por si apresentado em 04 e 21 de maio de 2018), (alguns) dos imóveis descritos no art.º 2º da pi estiveram arrendados durante o período peticionado (março de 2013 a março de 2017), ou seja 48 meses, pelo que a ré, durante estes meses recebeu a quantia total de (2.838,70€ X 48 meses) 136.257,00€, concretamente:

— Prédio urbano, situado no lugar …, da freguesia ....., do concelho ......., inscrito na matriz sob o art.º …29 urbano e descrito na Conservatória sob o nº ….….22- Freguesia …. - 77,78€ de renda mensal;

— Prédio urbano, situado no lugar ........, da freguesia ....., do concelho ......., inscrito na matriz sob o art.º …75 urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial de ....... sob o nº ......22-Freguesia ..... - 92,20€ de renda mensal;

— Prédio urbano situado no lugar ……, da freguesia  …., do concelho ......., inscrito na matriz sob o art.º …31 - 150,00€ + 80,00€ + 100,00€ = 330,00€ de renda mensal;

- Prédio misto situado no lugar .........., da freguesia ......., do concelho ......., inscrito na matriz sob os art.º …...68º urbano e 193 rústico - 158,50€ de renda mensal;

— Prédio urbano situado no lugar …. (……), da freguesia  …., do concelho ......., inscrito na matriz sob o art.º …93 - 114,05€ + 82,17€ + 200,00€ = 396,22€ de renda mensal;

— Prédio Misto, situado no lugar........, da freguesia  ....., do concelho......., inscrito na matriz sob o art.º ….32 urbano e ….20 rústico - 152,00€ + 132,00€ + 200,00€ = 484,00€ de renda mensal;

— Prédio Urbano, situado no lugar ................., da freguesia …..., do concelho ......., inscrito na matriz sob o art.º .….08° - 250,00€ de renda mensal;

— Prédio urbano, situado na Rua ............., da freguesia  ....., do concelho  ......., inscrito na matriz sob o art.º ….77 - 600,00€+100,00€  (não declarados), conforme resulta do depoimento da arrendatária/testemunha, EE, prestado na audiência de discussão e julgamento realizada em 12/02/20, pelas (vide minuto 01:03 até 01:18) = 700,00€ de renda mensal;

— Fracção autónoma designada pelas letras "BB", destinada a habitação, a qual faz parte do prédio urbano, situado no .................. e Rua ................., freguesia  …...., do concelho ......, inscrita na matriz sob o art.º ….96 "BB" - 350,00€ de renda mensal.

H. Resulta também do extracto Millennium BCP (conta como IBAN PT50 .................006 5), junto aos autos pela ré, em 19/09/17 (refª ………64), no extracto combinado, correspondente a Setembro de 2013, verifica-se que, pelo menos, nessa data, existia nessa conta, a título de depósitos à ordem, aplicações financeiras e carteira de títulos, o montante total de 68.539.04€, montante que o tribunal recorrido também deveria ter dado como provado enquanto receita.

I. Relativamente às reformas, o tribunal recorrido deveria ter atendido e dado como provado, os montantes auferidos pelos administrados, a título de reforma, no lapso de tempo em causa, que totalizam a quantia de 40.253.21€, assim descriminado:

— REFORMA DA MÃE

— Desde Março de 2013 até à data do óbito, ocorrido em 12/07/14 - cfr. valores referidos no ponto 5 do requerimento apresentado, e não impugnado, pela ré em 12/03/19 (ref.ª …….98)

— De março de 2013 a outubro de 2013 - 377,52€ x 9 meses (visto que necessariamente, também, inclui o subsídio de férias) = 3.397,68€;

— De novembro de 2013 a julho de 2014 - 475,52€ x 12 meses = 5.706,24€ (visto que necessariamente, também, inclui o subsídio de Natal, subsídio de férias e férias, vencidas em janeiro de 2014) = Total - 3.397,68€ + 5.70G,24€ = 9.103,92€.

— REFORMA DO PAI

— Desde Março de 2013 até à data em que o mesmo foi viver para casa da autora (junho de 2016) — neste sentido vide depoimento prestado pela autora em 12/02/19, minuto 33:22 a 33:42 - cfr. valores referidos nos pontos 6 e 7 do requerimento apresentado, e não impugnado, pela ré em 12/03/19 (ref.ª ……98)

— De março de 2013 a julho de 2014 - 425,98€ x 19 meses = 8.093,62€ (visto que necessariamente, também, inclui o subsídio de férias e Natal de 2013, vencidas em janeiro)

— De agosto de 2014 a junho de 2016 - 582,23€ x 29 meses = 16.884,67€ (visto que necessariamente, também, inclui o subsídio de Natal e de férias de 2014, 2015 e 2016, vencidas em janeiro de cada ano)

— Reforma de França - 2.147,00€ x 3 anos e 3 meses = 2147,00€ x 3 anos = 6.441,00€ + (2147,00€: 12 meses = 179,69€) 539,07€ = 6.980,07€ — cfr. documento proveniente de França, constante do requerimento apresentado pela ré e não impugnado, em 18/09/17 (ref.ª ……..91)

— Total - 8.093,62€ + 16.884,67€ + 6.441,00€ = 31.149,29€.

J. Dado o valor das receitas (245.049,25€) e o valor das despesas (79.206,62€) existe um saldo de 165.842,63€ que a ré teria de entregar ao património dos administrados, que já faleceram, pelo que, transpondo para o valor a entregar ao património dos administrados as regras da sucessão, dos aludidos 165.842,62€, 82.921,31€ corresponderiam à meação do falecido CC e 82.921,31€ integrariam o património da falecida DD.

K. Dado que não deixou disposição de última vontade, esse valor seria ser dividido em 3 partes iguais (27.640,43€), cabendo uma a cada um dos seus herdeiros legitimários,

L. Ante o óbito do autor CC, e porque o mesmo outorgou testamento em que instituiu herdeira da sua quota disponível a sua filha BB, aqui autora, o valor de 110.561,74€ (82.921,31€ + 27.640,43€) seria dividido, atribuindo-se à filha BB 1/3 desse valor (art. 2159.º/1 CC, a contrario), no montante de 36.853,91€ dividindo-se o remanescente (73.707,82€) pelas duas filhas, cabendo a cada uma €36.853,91€.

M. Face ao exposto, ascende (27.640,43€ + 36.853,91€ + 36.853,91€) 101.348,25€ o valor que a ré terá de ser condenada a entregar à autora.


9. A Ré AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1º - Na presente ação de prestação de contas, os autores CC, pai da outra com ele coautora, e da ré, e BB, filha daquele e irmã da ré demandaram a ré AA, pedindo a condenação desta a, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, que fora casada com o autor CC e fora mãe da autora BB e da ré AA, a prestar-lhe contas da administração dessa herança, relativamente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.

2º - Não obstante a ré, contestando a ação, ter apresentado logo contas, advertindo para a sua precaridade, contestou a obrigação de as prestar, porque apenas correspondera a um pedido do pai e se limitara a auxiliá-lo, pelo que nunca podia responder pelo saldo da administração, até porque, quer o pai, quer a irmã, levantavam para si livremente as importâncias que queriam dessa mesma conta comum, sem qualquer intervenção ou conhecimento da ré, uma vez que os valores depositados pela ré eram-no numa conta bancária de que os 3 eram contitulares.

3º - Discutida a causa foi produzida uma sentença, julgando que a ré tinha o dever de prestar contas, e, apresentadas e discutidas estas, foi produzida a sentença de que agora se recorre, condenando a ré a – considerando um valor global de receitas de 136.454,06 euros e um valor global de despesas de 79.206,62 euros, umas e outras correspondentes ao somatório dos 4 anos, - achou um saldo global de 57.247,49 euros “que a ré terá de entregar ao património dos administrados”, julgando “boas as contas de receitas” e condenando a ré a pagar à autora BB 34.984,54 euros, com custas pela ré -decisão que é a vários títulos inaceitável e ilegal.

4º- Com efeito, na pendência da ação, em 31/08/2017, faleceu o autor CC, de que a coautora BB e a ré AA eram as únicas e universais herdeiras, tendo estas, a requerimento daquela coautora, sido habilitadas para lhe sucederem como seus substitutos processuais, prosseguindo, assim, a ação, uma vez que a habilitação foi deferida, com a ré AA vestindo a dupla qualidade de ré e autora (!) e, mercê desse óbito, foi instaurado inventário por óbito do falecido CC, em cúmulo e para partilhas dos mesmos bens com um pretérito  inventário já pendente por óbito de DD, tendo este como cabeça de casal a ré AA e aquele como cabeça de casal do falecido CC, a autora BB (proc. n.º 5059/16 da notária FF – notificação efectuada nos autos em 29/05/2018).

5º- Ora, independentemente de os factos constantes da conclusão precedente implicarem necessariamente que a instância fosse julgada extinta por impossibilidade superveniente, e ainda do modo como na sentença recorrida foi fixada a matéria de facto, e denegada a produção complementar de prova, que o tribunal tinha como necessária, a sentença não tem ainda fundamento legal, nem por isso pode manter-se por manifesta violação da lei (artigos 2092º e 2093º do Código Civil e artigos 527º e 535º do Código de Processo Civil), uma vez que:

a) sendo as contas a prestar relativas a quatro anuidades consecutivas e devendo o cabeça de casal “prestar contas anualmente” (artigo 2093º do Código Civil), o saldo das contas nunca poderia ser global, mas teria de ser apurado ano a ano, como a recorrente procedeu;

b) tendo na pendência da ação, em 12/07/2014 falecido o autor CC, com testamento em que dispôs da quota disponível da sua herança em favor da autora BB, quaisquer contas teriam sempre de compreender, por sujeitas a regimes legais distintos, dois períodos sucessivos: um, iniciado com a propositura da ação e findo com o falecimento do CC (em que os rendimentos líquidos da herança da decessa deviam ser repartidos na proporção de 1/3 para cada interessado, marido e duas filhas – artigo 2139º do Código Civil), e outro iniciado em 12/07/2014 e findo em 31/12/2016 (em que dos rendimentos líquidos a autora BB receberia o correspondente à quota disponível do falecido – 1/3 e dos restantes 2/3 das heranças cabiam 1/3 a cada uma das interessadas);

c) Porém, e sempre ao contrário do que a sentença julgou, a parcela dos rendimentos líquidos correspondente ao falecido autor CC, para que se respeitasse o princípio do pedido, só podia ser atribuída à sua herança ilíquida e indivisa, pois esta é que era a autora da ação, sob pena de se proceder a uma partilha ilegal e em processo impróprio, visto que só em inventário (aliás pendente, o que implicaria sempre uma situação de litispendência) podia ser atribuída, se assim fosse deliberado pelos interessados;

d) Por outro lado, os cálculos que a sentença efetuou, mesmo que se considerasse legal o apuramento global das contas de receitas e de despesas, sempre teriam sido apurados em violação da lei, primeiro porque em relação a cada um desses anos, era exigível constituir uma provisão por conta das despesas do ano imediato (a lei impõe que se deduza “a quantia necessária para os encargos do novo ano” – artigo 2093º n.º 3 do Código Civil), e depois porque a cada interessado do saldo assim achado só podia ser atribuído “até metade dos rendimentos que lhes caibam” (artigo 2092º do Código Civil);

e) Por último, nunca a ré podia ser condenada nas custas da ação, como foi, quer porque os autores exerceram um direito potestativo (artigo 535º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil) e por isso as custas são inteiramente da sua responsabilidade, quer porque mesmo que assim se não entendesse, a obrigação de a ré prestar contas só se venceu com a citação ou depois de proposta a acção (artigo 535º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil), ou seja, a partir da sentença interlocutória que julgou verificada a obrigação, - mas, ainda que fosse correta a condenação da ré em custas, nunca podia responder pela sua totalidade, porque obteve vencimento parcial, pois a sentença não apenas julgou “boas as contas prestadas” quanto às receitas, como julgou parcialmente corretas as despesas apresentadas, o que, tudo ponderado nunca podia justificar a sua condenação em mais do que uma pequena parte das custas.

6º- Sem prescindir, a sentença é nula por mais do que uma razão:

a) Por excesso de pronúncia (artigo 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil), uma vez que considerou ter-se provado que “o CC deixou de conduzir em março de 2013” e que “em 18 de Maio de 2013” “o veículo de matricula ..-..-NR contava 159.915,00 Km percorridos”, e em 19/10/2013 contava “172.250,00Km percorridos” porque essa matéria não foi alegada por qualquer das partes, não foi objeto de qualquer discussão ou contraditório, e é irrelevante e inútil para a discussão da causa;

b) Por oposição entre os fundamentos e a decisão e por obscuridade (artigo 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil), por ter julgado ter-se provado que a filha da ré por ter dormido em casa do falecido CC recebia deste o pagamento de 800,00 euros mensais, quando o que se provou - e por confissão da autora, como a sentença reconheceu, foi o alegado no artigo 17º da contestação, ou seja, que a partir de março de 2014, a filha da ré, GG, que é enfermeira “passou a acompanhar em casa deste o avô, pagando ele por decisão própria 800,00 euros por mês”;

c) Por omissão de pronúncia, ao julgar não se ter provado que se realizaram obras nos prédios da herança, nem se ter provado o valor dessas obras, que foram aliás na sentença minuciosamente descritas, quanto ao local, à espécie e ao preço, o que nunca podia suceder porque o tribunal - que, ademais, não deferiu um requerimento complementar de prova da ré no qual esta, ante as dúvidas postas requereu que fossem ouvidos os arrendatários desses prédios, referidos e identificados em audiência de julgamento, com vista a esclarecerem o assunto, e, para além disso já tinha sido dado por provado na sentença interlocutória que a ré “ no exercício da gestão do património de que foi incumbida pelo pai (…) celebrou contratos de empreitada”, pelo que havia necessidade de concretizar o objeto dessas empreitadas;

d) A pretensa falta de prova sobre a natureza e o valor das obras em causa não ocorreu porquanto não apenas essa matéria se provou, documentalmente e por depoimento de uma testemunha, como porque ainda que se não tivesse provado, o tribunal teria de deferir aquele requerimento complementar de prova, e desta nulidade resulta necessariamente (artigo 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil), a necessidade de ser anulado o julgamento para de novo ser julgada a matéria de facto dita não provada sob os números xiv e xv, a menos que se considere já inteiramente provada, como parece dever suceder.

7º- A ré contestou o dever de prestar contas, e não obstante não se escusar a prestá-las desde logo, nos termos possíveis, fê-lo advertindo das graves limitações que apontou, porque o pai apenas lhe pediu o favor de ela o auxiliar a gerir o seu património, e de um favor não pode resultar nenhuma obrigação (o tribunal sem disso tomar verdadeira consciência, aceitou que - sentença de 21/11/2018 – se provou que “em início do ano de 2013, CC pediu à ré que gerisse o seu património imobiliário”), mas declinou a possibilidade de as prestar pelo menos com rigor porque:

a) o pai rasgou e inutilizou alguns dos documentos correspondentes a despesas, e sempre dispôs como entendeu dos saldos da conta, que levantou livremente;

b) a autora BB sempre levantou, como e quando entendeu, livremente os valores de receitas da herança que a ré administra, matéria esta que foi provada por confissão em audiência de julgamento (cfr. Gravação do seu depoimento atrás transcrita, de 00:33:56 a 00:34:46, de 00:35:05 a 00:35:42, de 00:37:06, de 00:39:02 a 00:40:01, de 00:41:01 a 00:41:57, de 00:42:17 a 00:42:48, de 00:43:25 a 00:44:02, de 00:44:20 a 00:44:41, de 00:44:55, de 00:47:03, de 00:59:19 a 01:00:08);

8º- O facto de qualquer dos autores movimentar livremente a conta de receitas que a ré ficou a arrecadar deveria ter levado o tribunal a julgar a lide impossível, porque a ré só podia responder pelas contas da administração se fosse a única responsável - e não era nem é - pela integridade dos fluxos de receitas e dos fluxos de despesas oriundos dos bens hereditários.

9º- A essa impossibilidade da lide somou-se, no decurso da ação, e assim devia ter sido reconhecido, outra, decorrente do facto de com o falecimento do autor CC, e com a instauração, por iniciativa da autora, de inventários cumulados para partilhas de ambas as heranças (da mãe, de que foi nomeada cabeça de casal a ré AA, e do pai de que foi nomeada cabeça de casal a autora BB), a instância passou a contar com uma ré que era simultaneamente autora, o que é inconcebível, e passou a existir um cabeçalato plural que a lei proíbe, de tudo resultando seguramente a impossibilidade subsequente da lide (ut artigo 277º al. e) do Código de Processo Civil), pelo que a instância teria de ser julgada extinta (cfr. o acórdão do STJ de 29/11/2005 in Col. Jurisp. 2005, III, pág. 149).

10º- Com fundamento nessas razões, a recorrente apresentou em 05/11/2019, antes da audiência de julgamento, um requerimento, pedindo se declarasse a extinção da lide por impossibilidade subsequente, que foi indeferido por decisão suscetível de impugnação com a sentença final (artigo 630º n.º 2 e 644 n.º 2 al. h) do Código de Processo Civil, este “a contrario”), requerimento esse que mantém utilidade, impondo-se a revogação daquela decisão, porque a ré, tendo passado a ser também autora por ter sido habilitada como sucessora de seu pai, e atendendo ao duplo cabeçalato passou a ser credora e devedora da mesma obrigação (neste sentido o acórdão do STJ de 29/11/2005, Proc. 05B 3342 dgsi.net e Col. Jurisp. STJ, 2005, III, pp. 149 e o expressivo acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 02/02/2016, de que foi relator Barateiro Martins, proc. n.º 91/14.78SE 1.C1, in www.dgsi.pt que decidiu que “não podem exigir uns dos outros a prestação de contas” os irmãos “nas heranças de seus pais” “por serem devedores e credores da mesma obrigação”.

11º- Sem prescindir, o tribunal procedeu ao julgamento concreto das contas apresentadas pela ré, a partir da “contestação” da autora (na qual esta se limitou a impugná-las genericamente sem “tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada”, em violação do artigo 574º n.º 1 do Código de Processo Civil, e sem explicar as razões de facto e de direito porque se opõe à pretensão da apresentante), baseando-se na conta corrente apresentada pela ré, contendo as várias rubricas de receitas e despesas, mês a mês, ano a ano, baseando-se nos documentos apresentados pela ré agrupados e arquivados em 5 pastas que foram depositadas na secretaria (Pasta n.º 1 – Documentos diversos, seguros, comprovativos de pagamento de rendas, de impostos, de pagamentos fiscais, cadernetas prediais, de contratos de arrendamento de cada uma das casas da herança; Pasta nº 2 – Documentos comprovativos das receitas e despesas efetuadas no ano de 2013; Pasta n.º 3 – Documentos comprovativos das receitas e despesas durante o ano de 2014; Pasta n.º 4 - Documentos comprovativos de receitas e despesas durante o ano de 2015; Pasta n.º 5 - Documentos relativos de receitas e despesas durante o ano de 2016 e primeiros meses de 2017), sendo que esse conjunto de documentos não mereceram qualquer impugnação de qualquer dos autores, apesar de terem pedido prazo para o efeito, o que significa que a sua matéria não pode deixar de considerar-se como assente e aceite.

12º - Para além disso, o tribunal exigiu à ré todas as explicações que entendeu necessárias - que a ré sempre deu com minúcia e junção de novos documentos, em cumprimento de 7 despachos sucessivos, e fundou o seu julgamento também na prova, feita em audiência de julgamento, resultante do depoimento de parte da autora (em que esta confessou relevante matéria a que o tribunal fez “orelhas moucas”), no depoimento de parte da ré, e no depoimento de 3 testemunhas arroladas pela ré (sendo de notar que a sentença não faz a menor alusão a quaisquer outras provas, designadamente a qualquer depoimento das testemunhas apresentadas pela autora), o que tudo significa que as contas só podiam ser julgadas e prestadas nos precisos termos da conta corrente apresentada pela ré, até por falta de contraditório adequado.

13º- Sem prescindir, ao fixar a matéria de facto, a sentença desrespeitou a lei e fez tábua rasa dos ensinamentos que a doutrina e a jurisprudência têm transmitido no sentido de que as contas devem ser julgadas segundo o prudente arbítrio do tribunal, e muitas vezes com recurso à equidade, pois a lei obriga o juiz “a ser ponderado, razoável, cuidadoso, não especialmente exigente ou condescendente, a usar abertamente as razões da experiência e os ensinamentos da vida”, porque é “relativamente frequente que não haja documentação de suporte”, pelo que “de acordo com as regras da experiência é possível admitir com relativa facilidade a ocorrência de despesas ou receitas de determinada índole mesmo que não documentadas por serem comuns no exercício da administração” “o que impõe ao juiz que abstraia das regras do ónus da prova” (cfr. o acórdão da Relação do Porto de 08/10/2014, Col. Jurisp. XXXIX, pág. 189 e a vária jurisprudência do STJ aí referida, o acórdão da Relação do Porto de 12/04/2010, Proc. 1057/09.4TBVFR-A P1, in www.dgsi.pt e o acórdão da Relação de Coimbra de 16/12/2015, Proc. 423/08.TBBLMG, relatora Sílvia Pires in www.dgsi.pt).

14º - Por outro lado, constando dos temas de prova consignados no despacho saneador, esses sim desordenadamente organizados e sem individualização alguma, a necessidade de averiguar a remuneração do trabalho da ré, as despesas de alimentação do CC, as despesas de manutenção e utilização de dois automóveis, a aquisição de roupa em lojas de marca, as despesas na “scGuimarães”, as despesas de conservação e restauro das casas da herança, o IMI de 2013 referente a um dos prédios e o “acompanhamento efetuado por GG ao autor, natureza desse acompanhamento e periodicidade, decisão do autor de remuneração esse acompanhamento em 800,00 euros por mês”, a sentença – esquecendo quem impedira a produção dessa prova se fosse necessária - considerou não se ter provado o que significava a expressão “scGuimarães”, nem se ter provado a matéria das “despesas de conservação e restauro das casas da herança”, mas teria de considerar provadas essas matérias ou de consentir na produção complementar da prova, porque a ré havia requerido, por não ter meios por si para explicar o significado da referida expressão que se oficiasse ao banco para que este a esclarecesse, e além disso, por se porem em dúvida aquelas despesas de obras nas casas da herança requereu a inquirição dos respetivos inquilinos, nomeados em julgamento, o que o tribunal teria de deferir porque o requerimento tinha assento nos artigos 445º n.º 2 e 526º n.º 1 do Código de Processo Civil, e já estava feito um principio de prova, por estar provado que a ré fizera contratos de empreitada em nome da herança, e essa faculdade, ínsita no artigo 576º n.º 1 do Código de Processo Civil, constitui um dever do julgador que é absolutamente vinculado (por muitos, o acórdão da Relação do Porto de 19/10/2006, Proc. 0633968, dgsi.net).

15º- E quanto ao tema do “acompanhamento efetuado por GG ao autor, natureza desse acompanhamento e periodicidade, decisão do autor de remuneração esse acompanhamento em 800,00 euros por mês” essa matéria foi eliminada da discussão por ter sido expressamente confessada pela autora, como a sentença reconhece, não obstante esta, não podendo fazê-lo, ter procurado desvalorizar esse acompanhamento, quer por sustentar que essa neta do autor apenas “dormia” em casa dele, quer por pretender que era mais curto o período de tempo desse acompanhamento, ocorrendo, assim pronúncia ilegítima e indevida.

16º - A ré impugnou a matéria de facto fixada quer por defeituosa redação (todas as despesas provadas foram feitas pela ré mas a sentença indica erradamente algumas como tendo sido feitas pelo autor e indica outras sem dizer quem as suportou) quer por não ter sido considerada provada a matéria que já o fora na sentença de 21/11/2018 (ao julgar-se nesta que a ré celebrou contratos de empreitada e agora contraditoriamente que as obras correspondentes e respectivos custos se não provaram) quer por entender que, não tendo sido impugnado qualquer documento, toda a matéria documentada tem de ser considerada provada, quer por não ter sido tampouco dada por provada, entre outra a matéria confessada pela autora em depoimento de parte (quanto ao uso por esta de um dos veículos, que a sentença refere não saber quem o usava, não obstante a confissão da autora de que era ela que o usava, quer quanto à utilização por ela, como queria, de valores levantados da conta bancária comum, o que não mereceu qualquer análise da sentença, quer quanto à remuneração dos serviços da ré decidida pelo autor CC, confessada também pela autora, e resultante do depoimento da testemunha HH, - nesta parte quanto à remuneração da ré, às despesas de alimentação, à manutenção dos automóveis, à aquisição de roupas e às obras de conservação e restauro dos prédios da herança.

17º- A impugnação dessa matéria de facto, bem como o método e critérios usados pela sentença quanto à fixada, teve ainda como fundamento o facto de a sentença não ter considerado despesas não documentadas, só por o não estarem; despesas documentadas, como as despesas com a roupa, sabe-se lá porquê; outras porque se não provou que o CC determinara que fossem feitas, o que era para o caso irrelevante; outras, porque, estando documentadas não o estavam em nome do falecido CC, e ainda o facto de não considerar sem motivo algum que o CC rasgou documentos e que decidiu remunerar o trabalho da ré, que era incompreensível que não se considerasse provado que a autora era quem usava um dos veículos da herança, por sinal aquele em que foi notada aquela diferença de quilometragem e onde a ré havia pago reparações, que a própria autora confessou, e, que a autora sempre levantou livremente dinheiro das receitas, apesar da sua confissão; que faturas não acompanhadas de recibos não fossem consideradas; que não fossem consideradas despesas com talões de supermercados, algumas das quais não estavam documentadas em nome do CC, e só por isso, que não fossem consideradas despesas com as empreitadas contratadas, apesar de amplamente provadas em audiência de julgamento e de a excelentíssima julgadora indeferir a prova complementar requerida e não ter admitido as despesas documentadas com advogado e solicitador.

18º - Para impugnar essa matéria de facto, a recorrente obedeceu escrupulosamente aos ditames do artigo 640º do Código de Processo Civil pelo que identificou os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação da prova e procedeu à sugestão de a decisão que em seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (nos termos do texto das alegações supra sob os números 5, 6, 7 e 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), explicitando detalhadamente os factos provados que carecem de correcção, os factos já provados no anterior julgamento, e, por fim, os que deviam também julgar-se provados além ou em vez dos constantes da sentença - o que tudo significa que os ónus legais referidos foram cumpridos e justificadas as correções à matéria de facto, sem prejuízo de essa impugnação só dever ser julgada na hipótese de não se vir a julgar a ação de prestação de contas improcedente, impossível ou inadmissível, ou de se não entender que se justifica a repetição do julgamento, para ser comprovada a matéria de facto relativa às empreitadas de reparação dos prédios da herança e à sua valorização (cfr. a gravação da prova no que respeita ao depoimento de parte de BB e da testemunha HH, respetivamente nos pontos assinalados sob as passagens de cada uma das gravações e a recensão dos 25 factos que a recorrente entendeu terem-se provado de fls. 111 a 117 destas alegações).

Termos em que na procedência do recurso deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue a acção improcedente ou a instância impossível, original ou subsequentemente, ou, quando assim se não entenda que após correção da matéria de facto nos termos preconizados, julgue desde já a ação conforme à lei, julgando-se que a conta-corrente apresentada revele um saldo a favor da ré de 44.834,16 €, ou determine a anulação do julgamento para ser repetido após a realização dos meios de prova que foram indeferidos, para que se faça JUSTIÇA!


10. O Tribunal da Relação ….. julgou improcedente o recurso interposto pela Autora BB e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré AA.


11. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:

3.1. Julgar improcedente a apelação da Autora;

3.2. Julgar parcialmente procedente a apelação da Ré e, em consequência:

3.2.1. Revogar a sentença recorrida apenas na parte referente à forma de distribuição do saldo final líquido e, em sua substituição, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 30.781,45 (trinta mil, setecentos e oitenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos);

3.2.2. Revogar a decisão proferida pela primeira instância quanto a custas, fixando-se que as mesmas serão suportadas por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento, nos exactos termos expressos em 2.3.7.5.

Custas do recurso da Autora a suportar pela mesma.

As custas do recurso da Ré serão suportadas por esta e pela Autora, na proporção de 4/5 para a primeira e 1/5 para a segunda.


12. Inconformada, a Ré AA interpôs recurso de revista.


13. Em tema de admissibilidade ao recurso, alegou que:

O recurso é de revista-regra, por não ocorrer dupla conforme, na medida em que o acórdão recorrido revogou parcialmente a decisão da primeira instância, quer no que respeita ao valor atribuído à recorrida, que foi reduzido, quer no que respeita à condenação em custas.

No entanto, a não se entender assim, o recurso deve ser recebido como revista excepcional, por estarem preenchidos os pressupostos que condicionam a sua admissibilidade.

Com efeito (artigo 672.º, do Código do Processo Civil):

a) Está em causa uma questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (basta dizer que o acórdão recorrido entende que se as questões de direito não forem suscitadas em primeira instância, já não podem ser discutidas em recurso, o que é evidentemente errado e viola o brocardo curia novit jus);

b) Estão em causa interesses de particular relevância social.

Com efeito, o acórdão da Relação – que não distinguiu nem aplicou qualquer das normas passíveis de serem aplicadas – nem o artigo 2092º do Código Civil, que só permitiria a distribuição no máximo de metade dos rendimentos da herança que coubessem no direito do interessado, nem o artigo 2093º do mesmo Código que só permite o cálculo do saldo distribuível depois de deduzidos os encargos previstos para a administração do novo ano – violou grosseiramente a lei, ao decidir que o herdeiro requerente deve receber a sua quota parte na totalidade dos rendimentos, sem qualquer daquelas limitações.

c) O acórdão recorrido – julgando que a acção de prestação de contas podia prosseguir após a morte do autor, pai da co-autora e da ré, suas únicas e universais herdeiras, estando pendente inventário pelo seu óbito e pelo óbito da sua defunta mulher, em que, partilhando-se os mesmos bens, são cabeças de casal respectivamente a autora e a ré, isto é, que a acção prosseguia e era admissível o cabeçalato plural – está em contradição com outros, transitados em julgado, produzidos no domínio da mesma legislação, que decidiram que nessa hipótese a instância tem de ser julgada extinta por confusão de credores e devedores (cfr. acórdão do STJ de 29-11-2005, in Col. Jurisp. 2005, III, pág. 149, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2-06-2016, Relator Barateiro Martins, proc. n.º 91/14.78SE.1.C1, disponível em: www.dgsi.pt e o Acórdão da mesma Relação de Coimbra de17-03-1976, Col. Jurisp., ano 1 , tomo 1, página 48).

Ainda em contradição com o decidido, agora no que respeita ao julgamento da matéria de facto – segundo o qual é de rejeitar o recurso respeitante a esta matéria quando as conclusões não referem concretamente os pontos de facto a alterar e aqueles que se sugerem sejam admitidos – está o acórdão do STJ de 17-12-2014, no proc. n.º 1786/12: Sumários, 2014, pág. 709, que assim decidiu:

“I - Satisfazem o ónus de alegação imposto pelo art. 640.º, n.º 1, do NCPC (2013) os apelantes que referem que a apelação visava também a impugnação sobre a matéria de facto, indicam os pontos da mesma que têm por incorretamente julgados e os meios probatórios (mormente depoimentos registados) que, em seu entender, impunham decisão diversa relativamente a cada um desses pontos e apontam o sentido da alteração.

II – As conclusões são proposições sintéticas que contêm a emanação lógica do que se expôs e considerou ao longo das alegações, onde devem constar mais exaustivamente os fundamentos de discordância face ao julgado.

III – Constando apenas das conclusões que os recorrentes pretendiam ver alterada a matéria de facto, haveria que atender às alegações dos recorrentes – onde se continham as menções referidas em I – para sindicar o cumprimento do ónus de alegação mencionado em I”


Em obediência ao disposto no n.º 2, do citado art. 672.º, e para além do já referido, passam a enunciar-se razões coadjuvantes pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e aquelas pelas quais os interesses em jogo são de particular relevância social:

1. Quanto às primeiras, o acórdão recorrido, validando a decisão da primeira instância, provocou e legitimou inadmissíveis constrangimentos à liberdade de produção da prova, no respeitante à justificação das verbas apresentadas como despesas comprovadas, e fez “vista grossa” à inatempada contestação das contas, recusou ostensivamente julgar conforme à lei, com o argumento de que o art. 2093.º, n.º 1, do Código Civil “deve ser interpretado no sentido de que visa estabelecer a periodicidade com que o cabeça de casal terá de prestar as contas da administração da herança”, omitindo de todo que, para além desse dispositivo, o tribunal também deve obediência ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo, que determina que “havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessário para os encargos do novo ano”

E quanto ao disposto no referido n.º 3, para excluir a sua aplicação, o acórdão recorrido não hesitou em defender que a questão já não podia ser apreciada por não ter sido suscitada em primeira instância, quando é evidente que, tratando-se de matéria de direito, não tinha que ser suscitada e, posta agora a questão, a mesma nunca pode ser considerada “questão nova”.

De facto, o que as partes têm de fazer é de alegar factos, referir todos os factos que interessem à discussão, ensinando-se nas faculdades de direito, desde os primórdios da formação, que “curia novit jus” ou, para usar uma expressão mais comum nos tratadistas, nos nossos tempos, “la court sait le droit”. Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1963, pág. 105) exclui as alegações de direito do núcleo daquelas que são de alegação obrigatória, porque o tribunal deve “conhecê-las «ex officio»” e apenas pode interessar às partes, em termos de utilidade, fazer-lhes referência para “criar desde logo no juiz uma impressão favorável”, pelo que do ponto de vista das partes “quando muito pode ser necessário mencioná-las abreviadamente”.

2. Quanto às segundas – definir com clareza os deveres que se impõe a quem administra negócios alheios e os termos em que quem faz essa administração pode ser chamado a prestar contas, é assunto em que os interesses em jogo são de particular relevância da generalidade dos cidadãos, porque interessam a uma generalidade de pessoas e a uma generalidade de actividades, diversas e plúrimas, e seria seguramente perigosa a generalização da ideia – que o acórdão recorrido construiu – segundo a qual os juiz só pode tomar conhecimento do direito se as partes lho indicarem.

Termos em que – para o que junta as competentes alegações – requer que o recurso seja recebido, seguindo-se os demais termos.


14. Em tema de mérito do recurso, a Ré AA finalizou a sua alegação com as seguintex conclusões:

1º - Os autores CC e BB, pai e irmã da ré, AA demandaram esta pedindo a sua condenação na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, que fora casada com o autor CC e fora mãe da autora BB e da ré AA, a prestar-lhe contas da administração dessa herança, relativamente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.

2º - A ré prestou imediatamente contas – que não foram contestadas – mas, ao apresentá-las, contestou o dever de as prestar porque apenas correspondera a um pedido do pai e se limitara a auxiliá-lo, pelo que nunca podia responder pelo saldo da administração, e ainda porque quer o pai, quer a irmã, levantavam para si livremente as importâncias que queriam da conta bancária comum aos três titulares, sem qualquer intervenção ou controle da ré.

3º - Sentenciado que a ré tinha o dever de prestar contas, vieram os autores só então contestá-las, embora sem tomar posição definida sobre os factos, sendo, depois, produzida sentença, de que foi interposto recurso de apelação, sentença essa que, julgando “boas as contas de receitas”, condenou a ré a pagar à autora BB 34.984,54 euros, com custas pela ré.

4º- O acórdão recorrido, julgou o recurso parcialmente procedente e revogou a sentença recorrida na parte referente à forma de distribuição do saldo final líquido, e em sua substituição condenou a ré a pagar à autora a quantia de 30.781,45€, revogando também a decisão quanto a custas, decidindo que as mesmas são suportadas por autora e ré na proporção do decaimento, mantendo no mais a decisão recorrida, porquanto decidiu que:

a) O n.º 1, do art. 2093.º, do Código Civil apenas visa estabelecer a periodicidade da prestação de contas, e o n.º 3 do mesmo artigo, que determina que a distribuição do saldo só pode fazer-se depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano, não pode aplicar-se ao caso porque a questão não foi posta em primeira instância, devendo tê-lo sido, constituindo questão nova, que não pode ser conhecida em recurso, até porque a respectiva matéria não é de conhecimento oficioso;

b) O saldo positivo apurado na prestação de contas é distribuído pelos interessados, devendo o tribunal proceder a essa repartição segundo o direito de cada um;

c) Não é invocável pela ré qualquer impossibilidade da lide, nem originária, nem superveniente;

d) Os autores impugnaram adequada e atempadamente as contas apresentadas pela cabeça de casal;

e) A recorrente não cumpriu nas conclusões da sua apelação os requisitos impostos pelo art. 640.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, que condicionam a admissibilidade da impugnação da matéria de facto, pelo que esta, em consequência foi rejeitada.

5º - Dessa decisão vai interposto o presente recurso de revista, quer quanto ao modo como foi julgada a matéria de facto, embora dentro dos poderes jurisdicentes do Supremo Tribunal de Justiça, quer quanto ao direito aplicado e aplicável.

6º - Com efeito, quanto ao julgamento da impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não podia escusar-se de julgar se havia ou não fundamento para o fazer, com o argumento de que as conclusões apresentadas não respeitavam os ónus impostos pelo art. 640.º, do Código do Processo Civil, quer porque as conclusões não sofriam desse vício (cfr. as conclusões 7ª, 11ª, 14ª, 16ª, 17ª e 18ª que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais), quer porque as conclusões não têm de cumprir esses ónus, devendo o tribunal ler a matéria das alegações para sindicar o seu cumprimento, como decidiu o acórdão do STJ de 17-12-2014, no proc. n.º 1786/12: Sumários, pág. 709, quer porque, ainda que assim não fosse, era ónus do tribunal convidar, antes de decidir, a recorrente a corrigir as conclusões alegadamente viciadas – e o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para sindicar esse erro de julgamento (art 674º, nº 1 e 3 do Código de Processo Civil), determinando a remessa dos autos à Relação para que aí, em novo julgamento, seja apreciado o mérito da apelação da recorrente.

7º - De resto, subsistiam razões substantivas, e não apenas de forma, que impunham que o acórdão recorrido julgasse a matéria de facto, não apenas porque as alegações e as conclusões continham, com indicação das fontes, suficiente material probatório que se revisto, podia levar à procedência do recurso nessa parte, apesar de os autores não terem tomado posição definida quanto aos factos, em violação do artigo 574º n.º 1 do Código de Processo Civil, desde logo porque o tribunal recusou infundadamente a apresentação pela ré, acompanhando a conta corrente apresentada de várias pastas de documentos onde se agruparam e arquivaram inúmeros documentos não impugnados que foram depositadas na secretaria (Pasta n.º 1 – Documentos diversos, seguros, comprovativos de pagamento de rendas, de impostos, de pagamentos fiscais, cadernetas prediais, de contratos de arrendamento de cada uma das casas da herança; Pasta nº 2 – Documentos comprovativos das receitas e despesas efetuadas no ano de 2013; Pasta n.º 3 – Documentos comprovativos das receitas e despesas durante o ano de 2014; Pasta n.º 4 - Documentos comprovativos de receitas e despesas durante o ano de 2015; Pasta n.º 5 - Documentos relativos de receitas e despesas durante o ano de 2016 e primeiros meses de 2017), sendo que esse conjunto de documentos não mereceram qualquer impugnação de qualquer dos autores, apesar de terem pedido prazo para o efeito, o que significa que a sua matéria não pode deixar de considerar-se como assente e aceite.

8º - Para além disso, o tribunal exigiu à ré todas as explicações que entendeu necessárias - que a ré sempre deu com minúcia e junção de novos documentos, em cumprimento de 7 despachos sucessivos, e fundou o seu julgamento também na prova, feita em audiência de julgamento, resultante do depoimento de parte da autora (em que esta confessou relevante matéria a que o tribunal fez “orelhas moucas”, designadamente a de que levantava livremente as importâncias que queria da conta comum), do depoimento de parte da ré, e do depoimento de 3 testemunhas arroladas pela ré (sendo de notar que a sentença não faz a menor alusão a quaisquer outras provas, designadamente a qualquer depoimento das testemunhas apresentadas pela autora), o que tudo significa que as contas só podiam ser julgadas e prestadas nos precisos termos da conta corrente apresentada pela ré, até por falta de contraditório adequado.

9º - Para além disso, na fixação dos factos materiais da causa, o tribunal de primeira instância rejeitou, de forma totalmente arbitrária e sem a menor justificação, quaisquer documentos onde se não referisse o nome do falecido autor CC, e também esse enorme equívoco teria de ser corrigido se, como deveria ter sucedido, tivesse sido julgada a matéria de facto.

10º- Por outro lado, manifestando o tribunal dúvidas acerca do entendimento a dar a qualquer documento, como sucedeu em relação a uma expressão constante de um documento bancário, o tribunal tinha o estrito dever de se informar sobre o exato sentido e alcance dessa expressão, não podendo recusar essa averiguação porque o seu poder/dever é absolutamente vinculado (acórdão da Relação do Porto de 19/10/2006, proc. 0633968, dgsi.net) o mesmo sucedendo em relação a testemunhas que foram indicadas com vista a confirmar um depoimento, alias, pormenorizado e convincente, de quem fez e pagou as obras realizadas em prédios das heranças relativamente aos quais os autores afirmavam que sabiam que as obras foram feitas, mas não sabiam o seu valor.

11º - Quanto à matéria de direito, o acórdão recorrido não podia escusar-se de julgar aplicável ao caso a disciplina dos artigos 2092.º (que apenas exige a distribuição pelos herdeiros de no máximo metade dos rendimentos que lhes caibam) e 2093.º, n.º 3 (que impõe que o saldo positivo seja distribuído pelos interessados segundo o seu direito depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano), ambos do Código Civil, com o argumento de que essa matéria para ser considerada teria de ter sido alegada em primeira instância, o que é francamente errado, porquanto as questões de direito são de conhecimento oficioso e, como tais não carecem de alegação, devendo sempre ser decididas pelo tribunal, de acordo com o princípio curia novit jus.

12º - Ainda quanto à matéria de direito, é mal fundada a decisão quer na parte em que decide não ocorrer impossibilidade originária da lide, quer na parte em que decide não haver impossibilidade superveniente, porque a ré contestou o dever de prestar contas, e não obstante não se escusar a prestá-las desde logo, nos termos possíveis, fê-lo advertindo das graves limitações que apontou, porque o pai apenas lhe pediu o favor de ela o auxiliar a gerir o seu património, e de um favor não pode resultar nenhuma obrigação (o tribunal sem disso tomar verdadeira consciência, aceitou que - sentença de 21/11/2018 – se provou que “em inicio do ano de 2013, CC pediu à ré que gerisse o seu património imobiliário”), mas declinou a possibilidade de as prestar pelo menos com rigor.

13º - Com efeito:

a) o pai rasgou e inutilizou alguns dos documentos correspondentes a despesas, e sempre dispôs como entendeu dos saldos da conta, que levantou livremente;

b) a autora BB sempre levantou, como e quando entendeu, livremente os valores de receitas da herança que a ré administra, matéria esta que foi provada por confissão em audiência de julgamento (cfr. Gravação do seu depoimento transcrita no recurso de apelação, de 00:33:56 a 00:34:46, de 00:35:05 a 00:35:42, de 00:37:06, de 00:39:02 a 00:40:01, de 00:41:01 a 00:41:57, de 00:42:17 a 00:42:48, de 00:43:25 a 00:44:02, de 00:44:20 a 00:44:41, de 00:44:55, de 00:47:03, de 00:59:19 a 01:00:08).

14º - Para além dessa impossibilidade originária, ocorreu também impossibilidade superveniente, pois na pendência da acção, faleceu o autor CC, de que a co-autora BB e a ré AA eram as únicas e universais herdeiras, tendo estas, a requerimento daquela coautora, sido habilitadas para lhe sucederem como seus substitutos processuais,  prosseguindo, assim, a ação, uma vez que a habilitação foi deferida, com a ré AA vestindo a dupla qualidade de ré e autora (!) e, mercê desse óbito, foi instaurado inventário por óbito do falecido CC, em cúmulo e para partilhas dos mesmos bens com um pretérito inventário já pendente por óbito de DD, tendo este como cabeça de casal a ré AA e aquele como cabeça de casal do falecido CC, a autora BB (proc. n.º 5059/16 da notária FF – notificação efetuada nos autos em 29/05/2018), conforme decidido nos acórdãos do S.T.J. de 29/11/2005, Col. Jurisp. S.T.J. 2005, III, página 149, e da Relação de Évora de 27/11/1980, BMJ 304, 480.

15º - Acresce que se constitui uma situação de duplo cabeçalato, da autora e da ré BB, inadmissível pois estas são credoras e devedoras da mesma obrigação (neste sentido o acórdão do STJ de 29/11/2005, Proc. 05B 3342 dgsi.net e Col. Jurisp. STJ, 2005, III, pp. 149 e o expressivo acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 02/02/2016, de que foi relator Barateiro Martins, proc. n.º 91/14.78SE 1.C1, in www.dgsi.pt que decidiu que “não podem exigir uns dos outros a prestação de contas” os irmãos “nas heranças de seus pais” “por serem devedores e credores da mesma obrigação”.

16º - Sempre ao contrário do decidido, a parcela dos rendimentos líquidos correspondente ao falecido autor CC, para que se respeitasse o principio do pedido, só podia ser atribuída à sua herança ilíquida e indivisa, pois esta é que era a autora da ação, em substituição processual do falecido autor, sob pena de se proceder a uma partilha ilegal e em processo impróprio, visto que só em inventário (aliás pendente, o que implicaria sempre uma situação de litispendência) podia ser atribuída, se assim fosse deliberado pelos interessados.

17º- Por último, afigura-se que tendo os autores exercido um direito potestativo (artigo 535º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil), as custas da acção deveriam ser inteiramente da sua responsabilidade, e, mesmo que assim se não entendesse, a obrigação de a ré prestar contas só se venceu com a citação ou depois de proposta a ação (artigo 535º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil), ou seja, a partir da sentença interlocutória que julgou verificada a obrigação, e, para além disso, ainda que fosse devida a condenação da ré em custas, devia ter-se decidido, desde já, que deveria ser considerado que a sentença não apenas julgou “boas as contas prestadas” quanto às receitas, como julgou parcialmente corretas as despesas apresentadas, o que, tudo ponderado nunca podia justificar a sua condenação em mais do que uma pequena parte das custas, critério esse que importaria explicitar em vez do uso da expressão anódina “na proporção do respectivo decaimento”.

Termos em que na procedência do recurso deve ser revogada a decisão recorrida, julgando-se a ação inteiramente improcedente  e não provada, com reconhecimento da sua impossibilidade originária e subsequente,

Ou, a não se entender assim, determinando-se a remessa dos autos à Relação para ser apreciado o mérito da apelação da ré quanto à impugnação da matéria de facto, para que se faça JUSTIÇA!


15. A Autora BB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


16. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A. A recorrente discorda do acórdão, praticamente por todas as razões apontadas no recurso que apresentou no tribunal da Relação, que, de resto, ou se referem a decisões já transitadas em julgado (veja-se despacho de 18/11/19 a propósito das conclusões 14º, 15º e 16º) e, como tal, insuscetíveis de serem novamente questionadas, ou porque mantiveram o decidido na primeira instância e nessa medida constituem dupla conforme e impedem a sua reapreciação.

B. Pelas razões apontadas, a entende a recorrida que o STJ se encontra impedido de conhecer o recurso relativamente aos pontos 7º, 8º, 9º 10º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, embora, à cautela, se reitere tudo quanto, a esse respeito, se referiu quer nas contra-alegações que apresentou.

C. Assim, o presente recurso deve ficar circunscrito ás seguintes questões: cumprimento do disposto no art.º 640º CPC, possibilidade de recorrer acerca de questões que não foram anteriormente suscitadas no processo e fixação das custas.

D. Quanto art.º 640º CPC a impugnante, quer na alegação quer nas conclusões, apesar de ter transcrito apenas os excertos do depoimento das partes que lhe interessavam, não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a matéria de facto que pretende ver alterada e de que modo, as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida, nem as provas que a seu ver deveriam devem ser renovadas.

E. Sendo certo que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, só existiria convite ao aperfeiçoamento das conclusões e em causa estivesse matéria de direito e não de facto, como é o caso; aliás o acórdão recorrido é explicito a esse respeito - vide também Ac. STJ de 09/02/2021 (Proc n.º 16926/04.0YYLSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt,

F. Quanto ás questões novas, suscitadas no recurso, o tribunal só pode conhecer aqueleas que se tornarem relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito, o que não é o caso.

G. O acórdão recorrido é também bem explicito relativamente a essa questão.

H. Quanto à fixação das custas a decisão peca sim, mas por excesso, pois foi a recorrente que, ao incumprir com o dever de prestar contas, deu causa à acção e isso ficou provado nos autos e a recorrente foi condenada nas custas, por isso mesmo.

I. De facto, dada a omissão da ré, a autora desconhecia as contas que iriam ser apresentadas e só com meios de prova seria possível chegar à conclusão de que elas existiram ou não.

J. Por outro lado, não é verdade que a autora tenha impugnado todas as verbas das despesas e nessa medida decaiu no valor de todas as que foram dadas como provadas (79.206,62€) pois a mesma aceitou que havia despesas, nomeadamente com alimentação, IMI, imposto de circulação, inspecção, fornecimento de energia, gás, telefone, despesas médicas e medicamentosas, bombeiros, donativos, gratificações aos netos, condomínio, despesas com o lar, com a Srª que tratou do pai assim como o acompanhamento efectuado pela sobrinha.

K. Note-se, que na acta de audiência de 12/02/20, as partes acordaram em dar como assente: “ - Da entrega, pelo A. CC, à R. da quantia de €1.500 após o óbito da irmã II; - Da entrega pela R. à A. da quantia de €1.500, com o conhecimento e consentimento do pai, para igualar as descendentes; - Da decisão do A. em remunerar o acompanhamento efectuado por GG na medida de 800/mês.

L. Pelos mandatários foi ainda dito que aceitam eliminar os seguintes temas da prova: “- Do pagamento, pelo A. CC, das despesas de uma viagem à Madeira a realizar pela requerida como forma de compensação por a A. BB dever à requerida €1.700 e a fim de esta perdoar a dívida à irmã; - Da limpeza do prédio referido no art. 2.º, al. g) da p.i. em Junho de 2018; valor da limpeza;”

M. Deste modo, é inequívoco que a autora não impugnou todas as despesas nem decaiu no valor das despesas que foram consideradas como provadas, e o tribunal da Relação não podia retirar essa ilação, apenas porque as mesmas foram dadas como provadas.

TERMOS EM QUE não deve ser concedido provimento ao presente recurso, assim se fazendo a devida, JUSTIÇA.


17. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator proferiu despacho com o seguinte teor:

1. A Recorrente AA, Ré na acção, veio tempestivamente interpor recurso de revista do acórdão desta Relação proferido em 27.05.2021, dispondo para o efeito de legitimidade.

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender que é admissível o recurso de revista em que se invoca a violação de normas de direito adjectivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, fundamento que a Recorrente invoca.

Nessa estrita medida, admite-se o admite-se o recurso de revista interposto pela Ré/Recorrente, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

2. Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.


18. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de proúncia sobre a aplicabilidade dos arts. 2092.º e 2093.º do Código Civil (conclusão 11.ª);

II. — se o acórdão recorrido infringiu o art. 640.º do Código de Processo Civil ao rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusões 5.ª a 10.º);

III. — se a prestação de contas ou a lide relativa à prestaação de contas era originariamente impossível (conclusões 12.ª e 13.º);

IV. — se a a prestação de contas ou a lide relativa à prestação de contas se tornou supervenientemente impossível, em consequência do incidente de habilitação do Autor CC (conclusão 14.ª) ou em consequência da sucessão da Ré AA nas relações jurídicas do Autor CC (conclusão 15.º);

V. — se a parcela dos rendimentos líquidos correspondente ao falecido autor CC devia ter sido atribuída à sua herança ilíquida e indivisa (conclusão 16.º);

VI. — se há erro na condenação em custas (conclusão 17.º).


II. — FUNDAMENTAÇÃO


   OS FACTOS

           

19. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:


Das receitas

Uma vez que a A. não contestou o valor das receitas apresentadas pela R., têm-se as mesmas por aprovadas.

Ascende, assim, a €25.148,70 o valor das receitas recepcionadas no ano de 2013, a €37.404,60 o valor das receitas recepcionadas no ano de 2014, a €37.155,28 o valor das receitas recebidas no ano de 2015 e a €36.745,44 o valor das receitas recepcionadas no ano de 2016 – tudo num total (por referência ao período indicado na p.i. – até final do ano de 2016) de €136.184,02.

Das despesas

Para apreciação das despesas elencadas, da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

a) Durante cerca de 1 ano, entre Março de 2013 e Março de 2014, o falecido CC teve ao seu serviço uma empregada doméstica, a quem pagava €600 mensais;

b) Durante cerca de 1 ano e meio, até Fevereiro de 2016, a filha da R. dormiu em casa do falecido CC, contra o pagamento, por este à neta, da quantia de €800 mensais;

c) A R. pagava mensalmente ao jardineiro €50/mês;

d) Com despesas de água, luz, gás, comunicações tituladas pelo falecido CC foram gastos os seguintes montantes:

[Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

e) Com despesas de água, luz e gás e tituladas pela falecida II foram gastos os seguintes montantes:

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

f) No pagamento de quotas de condomínio referentes à fracção autónoma que integrava a herança aberta por óbito da irmã II a R. despendeu os seguintes montantes:

[Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

g) Pela frequência do Centro de Dia pelo CC foram pagos os seguintes valores:

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

h) Foram pagos os seguintes valores a título de impostos devidos ao Estado:       

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

i) Em despesas médicas, medicamentosas, fraldas e transportes de ambulância foram suportados os seguintes valores:

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

j) O CC deixou de conduzir em Março de 2013;

k) Em 06.08.2013 foram gastos €2.218,19 na regularização do processo de importação do veículo de matrícula ..-IJ-.., que integrava a herança aberta por óbito da II (fls. 170vss e 174v);

l) Em 07.08.2016 foi pago o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel do veículo de matrícula ..-IJ-.., no valor de €248,50 (fls. 211);

m) Em 01.11.2013 e 01.12.2013 foram gastos, respectivamente, €28,13 e €113,30 em peças/obras no veículo de matrícula ..-IJ-.. (fls. 400);

n) Em 21.10.2016 foram gastos €30,54 na inspecção do veículo de matrícula ..-IJ-.. (fls. 836v);

o) Em 18.05.2013 foram gastos €197,14 em peças/obras no veículo de matrícula ..-..-NR, pertença do CC, que contava em tal data 159.915 km percorridos (fls. 675);

p) Em 27.05.2013 foram gastos €292,33 em peças no veículo de matrícula ..-..-NR, que contava em tal data 169.530 km percorridos (fls. 683v);

q) Em Maio de 2013 foram gastos €28,18 na inspecção do veículo de matrícula ..-..-NR (fls. 676v);

r) Em 19.10.2013 foram gastos €204,67 na mudança de pneus do veículo de matrícula ..-..-NR, que contava em tal data 172.250 km percorridos (fls. 808);

s) Em Abril de 2015 foram gastos €30,54 na inspecção do veículo de matrícula ..-..-NR (fls.150);

t) Em Dezembro de 2016 foi pago o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel do veículo de matrícula ..-..-NR, no valor de €167,50 (fls. 889 a 890v);

 u) Em Março de 2016 foi pago o Seguro Multiriscos no valor de €85,14 e em Março de 2017 o mesmo seguro no valor de €86,34 (fls. 892 e 891v);

v) Em Março de 2013 e Abril de 2013 foram pagos, respectivamente, €300 em flores e €330 em rochas ornamentais por ocasião do óbito da II (fls. 128 e 731v);

w) Em Julho de 2014 foram pagos €2.100 pelo funeral da DD (fls. 599);

x) A R. recebeu os subsídios de funeral pagos pelo ISS por óbito da II e da DD;

y) Em Março de 2015 foram pagos €20 por uma missa celebrada em memória da II (fls. 759);

z) Em Julho de 2015 foram pagos €20 por uma missa celebrada em memória da DD (fls. 615);

aa) Em 31.12.2013 foi renovada a assinatura do jornal Ecos do Sameiro, no valor de €15 (fls. 181);

bb) Por ordem do CC foram efectuados os seguintes donativos:

— €5 em Novembro de 2013 (fls. 772);

— €5 à Associação de Apoio à Cegueira em Novembro de 2014 (fls. 781v) e Junho de 2015 (fls. 649);

— €5 em Dezembro de 2015 (fls. 425v);

— €9,60 aos Bombeiros (fls. 721);

cc) Em Novembro de 2013 foram gastos €10,44 em despesas postais (fls. 774v);

dd) Era usual o falecido CC gratificar os netos na Páscoa, no Natal e nos respectivos aniversários com €50.


20. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

i. Que fossem pagas despesas de deslocação à empregada referida em a);

ii. Que o falecido CC tenha decidido compensar monetariamente a R. pela administração do património;

iii. Que a medida dessa compensação fosse a de €500/mês;

iv. Que tenham sido suportadas quaisquer despesas de água, luz, gás e comunicações tituladas pelo falecido CC que não as enumeradas em d);

v. Que tenham sido suportadas quaisquer despesas de água, luz, gás e comunicações tituladas pela falecida II que não as enumeradas em e);

vi. Que tenham sido pagas quaisquer outras quantias a título de quotas de condomínio que não as enumeradas em f);

vii. Que por indicação do falecido CC a R. tenha gasto os seguintes valores em alimentação:

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

viii. Que para além dos valores indicados em h) a R. tenha procedido ao pagamento das seguintes quantias à AT:

 [Omite-se a tabela, remetendo-se para a fundamentação das decisões das instâncias.]

ix. Que para além dos valores indicados em i) a R. tenha suportado quaisquer outras despesas médicas, medicamentosas, com fraldas e transportes de ambulância;

x. Que para além do valor consignado em l) tenha sido pago qualquer outro valor pelo seguro de responsabilidade civil automóvel decorrente da circulação do veículo de matrícula ..-IJ-..;

xi. Que para além dos valores consignados em o), p) e r) tenham sido gastos €142,52, €61, €201,72 ou quaisquer outros valores em peças/obras de reparação do veículo de matrícula ..-..-NR;

xii. Que para além do valor consignado em t) tenha sido pago qualquer outro valor pelo seguro de responsabilidade civil automóvel decorrente da circulação do veículo de matrícula ..-..-NR;

xiii. Que tenha sido gasto qualquer valor com combustível para abastecimento dos veículos de matrícula ..-IJ-.. e ..-..-NR;

xiv. Que tenham sido realizadas as seguintes obras nos prédios que integram a herança:

— obras de conservação do prédio urbano situado na Rua .........., na parte arrendada a  JJ;

— colocação de uma vedação em rede e arranjo da fossa no r/c arrendado a KK;

— colocação de uma porta nova no prédio arrendado a LL;

— colocação de uma porta nova no prédio arrendado a MM;

— obras de restauto do prédio arrendado a NN;

— colocação de caleiros novos no r/c do prédio arrendado a OO;

— reparação do tecto do prédio arrendado a PP,

xv. Que tenham sido gastos €16.246,82 nas obras descriminadas em xiv, designadamente:

— 2999,93 euros em obras de conservação do prédio urbano situado na Rua .........., na parte arrendada a JJ;

— 926,51 euros na colocação de uma vedação em rede e arranjo da fossa no r/c arrendado a  KK;

— 480 euros na colocação de uma porta nova no prédio arrendado a LL;

— 450 euros na colocação de uma porta nova no prédio arrendado a MM;

— 8 980,38 euros na realização de obras de restauto do prédio arrendado a NN;

 xvi. Que o CC tenha perdoado ao arrendatário QQ o pagamento de quaisquer rendas;

xvii. Que a herança tenha gasto €60,98 em horários [rectius, honorários] devidos à sociedade GLTX em 22.11.2016;

xviii. Que por ordem do CC tenham sido efectuados €2.800 em donativos a netos;

xix. Que por ordem do CC tenham sido efectuados €3.500 em donativos a santos/esmolas;

xx. Que por ordem do CC tenham sido celebradas missas para além das identificadas em y) e z) pelas quais se pagou um total €890;

xxi. Que por ordem do CC tenham sido gastos €4.800 no cemitério;

xxii. Que as despesas de funeral da II e da DD tenham ascendido a €6.300;

xxiii. Que tenham sido pagos €800 ao contabilista;

xxiv. Que por indicação do CC tenham sido adquiridas quaisquer peças nos estabelecimentos comerciais Loja do Gato Preto, Sportzone, Primark, Tezenis, Zara, Sacoor, Lacoste, Boutique dos Relógios, Mística Jóias, Argento Joalharia e Tous.


   O DIREITO


21. A primeira questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, consiste em determinar se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de proúncia sobre a aplicabilidade dos arts. 2092.º e 2093.º do Código Civil (conclusão 11.ª).


22. A Ré, agora Recorrente, alega que:

“… o acórdão recorrido não podia escusar-se de julgar aplicável ao caso a disciplina dos artigos 2092.º (que apenas exige a distribuição pelos herdeiros de no máximo metade dos rendimentos que lhes caibam) e 2093.º, n.º 3 (que impõe que o saldo positivo seja distribuído pelos interessados segundo o seu direito depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano), ambos do Código Civil, com o argumento de que essa matéria para ser considerada teria de ter sido alegada em primeira instância, o que é francamente errado, porquanto as questões de direito são de conhecimento oficioso e, como tais não carecem de alegação, devendo sempre ser decididas pelo tribunal, de acordo com o princípio curia novit jus”.

 

23. Os arts. 2092.º e 2093.º do Código Civil são do seguinte teor:

Artigo 2092.º — Entrega de rendimentos

Qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração.


Artigo 2093.º — Prestação de contas

1. — O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente.

2. — Nas contas entram como despesas os rendimentos entregues pelo cabeça-de-casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua custa na satisfação de encargos da administração.

3. — Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano.


24. O acórdão recorrido disse três coisas a propósito da aplicação dos arts. 2092.º e 2093.º do Código Civil: que a questão suscitada era uma questão nova, que não devia ser conhecida em sede de recurso;  que, ainda que a questão da aplicação do art. 2092.º do Código Civil não fosse uma questão nova, o art. 2092.º do Código Civil não seria aplicável ao caso; e que, ainda que a questão da aplicação do art. 2093.º do Código Civil não fosse uma questão nova, o art. 2093.º não seria aplicável a um caso, como o dos autos, em que a Ré, agora Recorrente, não exigiu uma provisão por conta das despesas do ano imediato e em que a provisão se constituísse por conta das despesas de anos entretanto decorridos.


25. Em primeiro lugar, o acórdão recorrido disse que a questão suscitada era uma questão nova, que não devia ser conhecida em sede de recurso.


26. Fê-lo nos seguintes termos:

A apontada questão não foi anteriormente suscitada no processo. Surge, pela primeira vez, apenas nas alegações do recurso de apelação. É matéria que não foi colocada perante o Tribunal competente para a apreciar, não foi objecto da decisão recorrida e por isso não pode esta Relação dela conhecer.

A regra em matéria de recursos de reponderação – sistema que o nosso ordenamento positivo acolhe – é esta: salvo em matéria de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido.

São várias as razões para não admitir a discussão de questões novas na fase de recurso.

Por um lado, existem razões práticas: a admissão ex novo de questões suprimiria um ou mais graus de jurisdição relativamente a elas e os inerentes actos de exercício do contraditório e de instrução atrasariam a decisão do recurso.

Por outro, há razões substanciais, inerentes à natureza deste meio processual: os recursos são meios de impugnação de concretas decisões judiciais e destinam-se a permitir que o tribunal superior as reaprecie. Incidindo sobre uma decisão anteriormente proferida no âmbito de um processo, ou seja, sendo o seu objecto a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, o recurso visa permitir o controlo de tal decisão e não, no nosso modelo, a repetição da instância no tribunal de recurso.

Daí que o tribunal superior deva, na sua função de reapreciação, ser confrontado com questões que as partes suscitaram e discutiram nos momentos próprios do processo. De outra forma, teríamos, para a questão nova introduzida por via do recurso, um novo julgamento pelo tribunal de recurso.

           

27. Em segundo lugar, o acórdão recorrido disse que, ainda que a questão da aplicação do art. 2092.º do Código Civil não fosse uma questão nova, o art. 2092.º do Código Civil não seria aplicável ao caso.


28. Fê-lo nos seguintes termos:

Quanto à afirmação de que «a cada interessado do saldo assim achado só podia ser atribuído “até metade dos rendimentos que lhes caibam”», convém ter presente que o artigo 2092º do Código Civil «prevê uma distribuição antecipada de parte dos rendimentos que caiba a cada herdeiro e também ao cônjuge meeiro» e essa regra é «independente da obrigação de prestação de contas anual, de que trata a disposição subsequente, embora da prestação de contas, quando haja saldo positivo, possa resultar um dever de nova distribuição de rendimentos».

São dois os elementos relevantes para a interpretação desta norma. Por um lado, aquela disposição refere-se a “rendimentos” e não a saldo de contas, este obtido do confronto de receita com despesa. Por outro lado, é uma distribuição “antecipada” ou “prévia” e não “posterior”.

Como é óbvio, tal norma tem um âmbito de aplicação que não corresponde à situação que está em causa nestes autos, que é uma prestação de contas no decurso da qual se encontrou um saldo a favor dos interessados. Aqui está em causa, não a distribuição antecipada de rendimentos, mas sim uma distribuição posterior do saldo apurado num determinado período temporal já integralmente decorrido, em que foram consideradas todas as receitas obtidas e as despesas efectuadas no exercício da administração.

Só na distribuição antecipada de rendimentos, e não do saldo de contas apurado, é que se justifica que os herdeiros ou o cônjuge meeiro tenham o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, pois, o restante deve ser retido para fazer face aos encargos da administração. Aliás, o cabeça-de-casal pode recusar-se a distribuir até a parte que lhe é exigida se for necessária para fazer face a encargos da administração.

Por isso, numa acção de prestação de contas como a dos presentes autos não é aplicável a limitação do artigo 2092º do Código Civil, que visa regular a entrega prévia de rendimentos.


29. Em terceiro lugar, o acórdão recorrido disse que, ainda que a questão da aplicação do art. 2093.º do Código Civil não fosse uma questão nova, o art. 2093.º do Código Civil não seria aplicável a um caso, como o dos autos, em que a Ré, agora Recorrente, não exigiu uma provisão por conta das despesas do ano imediato e em que a provissão se constituísse por conta das despesas de anos entretanto decorridos.


30. Fê-lo nos seguintes termos.

… a Recorrente, quando apresentou as contas, também não exigiu que fosse constituída «uma provisão por conta das despesas do ano imediato». Se não a contemplou nas contas apresentadas nem a reclamou, assim como não colocou oportunamente essa questão, não se vê razão para agora, em sede de recurso, se constituir tal “provisão”.

… nem sequer se descortina a utilidade de estar em 2021 a constituir uma “provisão” em relação, por exemplo, ao ano de 2013 para despesas ocorridas no ano de 2014 (v. a parte da motivação em que a Recorrente argumenta que «em relação a cada um desses anos, era exigível constituir uma provisão por conta das despesas do ano imediato»). Se relativamente aos anos de 2013, 2014 e 2015 isso representa uma completa inutilidade, em relação ao ano de 2016 o simples facto de a Recorrente nunca ter invocado quais seriam os encargos previsíveis para o ano de 2017 impossibilitava a fixação da “quantia necessária” para satisfazer tais pretensas despesas, sem prejuízo da constatação de que os períodos anteriores evidenciaram que a receita anual é superior à despesa anual. Acresce que o facto de a Recorrente ser devedora do saldo apurado significa que teve na sua disponibilidade tal quantia […].


31. O art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ao determinar a nulidade das decisões em que o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devia conhecer, remete para o art. 608.º, n.º 2:

I. — pela positiva, o juiz deve ocupar-se de todas as questões suscitadas pelas partes: “[…] deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação […]”; II. — pela negativa, o juiz não pode ocupar-se “senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.


32. Face aos excertos citados do acórdão recorrido, ainda que alguma dúvida houvesse sobre se o Tribunal da Relação deveria ter conhecido da questão nova, suscitada pela Ré no recurso de apelação, nenhuma dúvida poderá ou deverá haver de que não houve nenhuma omissão de pronúncia — o acórdão recorrido pronunciou-se sobre todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação.


33. A segunda questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, consiste em determinar se o acórdão recorrido infringiu o art. 640.º do Código de Processo Civil ao rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusões 5.ª a 10.º).


34. O art. 640.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. — O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º [1].


35. O Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil [2].


36. O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:


37. Em primeiro lugar, “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [3]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [4]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [5].

           

38. O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil há-de ser um critério adequado à função [6], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade [7] [8].


39. O requisito de que o critério seja adequado à função significa que os ónus enunciado no art. 640.º do Código de Processo Civil pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso [9] e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido [10].


40. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pronunciam-se sobre a relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade da consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável à gravidade da falha do recorrente [11].


41. Entre os pontos consensuais ou quase-consensuais está o de que as conclusões do recurso de apelação devem indicar, ainda que sinteticamente, os concretos pontos de facto que o recorrente considerou incorrectamente julgados.


42. A Ré, agora Recorrente, pronunciou-se sobre a impugnação da decisão sobre a matériaa de facto nas conclusões 16.ª a 18.º do recurso de apelação:

16º - A ré impugnou a matéria de facto fixada quer por defeituosa redação (todas as despesas provadas foram feitas pela ré mas a sentença indica erradamente algumas como tendo sido feitas pelo autor e indica outras sem dizer quem as suportou) quer por não ter sido considerada provada a matéria que já o fora na sentença de 21/11/2018 (ao julgar-se nesta que a ré celebrou contratos de empreitada e agora contraditoriamente que as obras correspondentes e respectivos custos se não provaram) quer por entender que, não tendo sido impugnado qualquer documento, toda a matéria documentada tem de ser considerada provada, quer por não ter sido tampouco dada por provada, entre outra a matéria confessada pela autora em depoimento de parte (quanto ao uso por esta de um dos veículos, que a sentença refere não saber quem o usava, não obstante a confissão da autora de que era ela que o usava, quer quanto à utilização por ela, como queria, de valores levantados da conta bancária comum, o que não mereceu qualquer análise da sentença, quer quanto à remuneração dos serviços da ré decidida pelo autor CC, confessada também pela autora, e resultante do depoimento da testemunha HH, - nesta parte quanto à remuneração da ré, às despesas de alimentação, à manutenção dos automóveis, à aquisição de roupas e às obras de conservação e restauro dos prédios da herança.

17º- A impugnação dessa matéria de facto, bem como o método e critérios usados pela sentença quanto à fixada, teve ainda como fundamento o facto de a sentença não ter considerado despesas não documentadas, só por o não estarem; despesas documentadas, como as despesas com a roupa, sabe-se lá porquê; outras porque se não provou que o CC determinara que fossem feitas, o que era para o caso irrelevante; outras, porque, estando documentadas não o estavam em nome do falecido CC, e ainda o facto de não considerar sem motivo algum que o CC rasgou documentos e que decidiu remunerar o trabalho da ré, que era incompreensível que não se considerasse provado que a autora era quem usava um dos veículos da herança, por sinal aquele em que foi notada aquela diferença de quilometragem e onde a ré havia pago reparações, que a própria autora confessou, e, que a autora sempre levantou livremente dinheiro das receitas, apesar da sua confissão; que faturas não acompanhadas de recibos não fossem consideradas; que não fossem consideradas despesas com talões de supermercados, algumas das quais não estavam documentadas em nome do CC, e só por isso, que não fossem consideradas despesas com as empreitadas contratadas, apesar de amplamente provadas em audiência de julgamento e de a excelentíssima julgadora indeferir a prova complementar requerida e não ter admitido as despesas documentadas com advogado e solicitador.

18º - Para impugnar essa matéria de facto, a recorrente obedeceu escrupulosamente aos ditames do artigo 640º do Código de Processo Civil pelo que identificou os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação da prova e procedeu à sugestão de a decisão que em seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (nos termos do texto das alegações supra sob os números 5, 6, 7 e 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), explicitando detalhadamente os factos provados que carecem de correcção, os factos já provados no anterior julgamento, e, por fim, os que deviam também julgar-se provados além ou em vez dos constantes da sentença - o que tudo significa que os ónus legais referidos foram cumpridos e justificadas as correções à matéria de facto, sem prejuízo de essa impugnação só dever ser julgada na hipótese de não se vir a julgar a ação de prestação de contas improcedente, impossível ou inadmissível, ou de se não entender que se justifica a repetição do julgamento, para ser comprovada a matéria de facto relativa às empreitadas de reparação dos prédios da herança e à sua valorização (cfr. a gravação da prova no que respeita ao depoimento de parte de BB e da testemunha HH, respetivamente nos pontos assinalados sob as passagens de cada uma das gravações e a recensão dos 25 factos que a recorrente entendeu terem-se provado de fls. 111 a 117 destas alegações).


43. O acórdão recorrido concluiu que “… a Recorrente não especificou, nas conclusões das alegações do seu recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tal como exige o artigo 640º, nº 1, al. a), do [Código de Processo Civil]”.


44. O facto de a Ré, agora Recorrente, não ter indicado nas conclusões de uma forma minimamente inteligível quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados prejudica seriamente a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, prejudica seriamente a possibilidade de um contraditório esclarecido.


45. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento[12] [13].


46. Excluído o despacho de aperfeiçoamento, a alternativa está na admissão ou na rejeição — e a decisão de rejeição do recurso afigura-se adequada, proporcionada e razoável:

“… pretendendo o recorrente a modificação da decisão de um tribunal de 1.ª instância e dirigindo essa pretensão a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas” [14].

 

47. A terceira e a quarta questões suscitada pela Ré, agora Recorrente, consistem em determinar:

III. — se a prestação de contas ou a lide relativa à prestaação de contas era originariamente impossível (conclusões 12.ª e 13.º);

IV. — se a a prestação de contas ou a lide relativa à prestação de contas se tornou supervenientemente impossível, em consequência do incidente de habilitação do Autor CC (conclusão 14.ª) ou em consequência da sucessão da Ré AA nas relações jurídicas do Autor CC (conclusão 15.º).


48. Quanto à terceira questão — se a prestação de contas ou a lide relativa à prestação de contas era originariamente impossível —, chamar-se-á a atenção para três coisas:

           

49. Em primeiro lugar, para que a decisão em que se declarou a existência daa obrigação de prestar contas foi proferida em 21 de Novembro de 2018, tendo transitado em julgado; em segundo lugar, para que a impossibilidade originária da prestação de contas teria de ser uma impossibilidade absoluta e objectiva; e, em terceiro lugar, para que os factos alegados pela Ré, agora Recorrente, na conclusão 13.ª, indiciariam tão-só uma impossibilidade relativa ou, em todo o caso, uma impossibilidade subjectiva.


50. Como se diz no acórdão recorrido, “[…] a Recorrente parece confundir dois conceitos distintos: a dificuldade em prestar contas e a impossibilidade da lide.

[…] os factos alegados não se reconduzem ao ‘desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo’, nem a pretensão deduzida nesta acção ‘encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida’.

Portanto, a impossibilidade originária da lide seguramente que não se verifica”.


51. Esclarecida a terceira questão — impossibilidade originária da prestação de contas —, entrar-se-á na quarta questão — impossibilidade superveniente.


52. O teor das conclusões 14.ª a 16.º confunde a questão processual da impossibilidade superveniente da lide — relativa à prestação de contas — e a questão substantiva da impossibilidade da prestação de contas.


53. Quanto à questão processual da impossibilidade superveniente da lide — relativa à prestação de contas —, deverá aplicar-se o art. 277.º do Código de Processo Civil:

A instância extingue-se com:

a) O julgamento;

b) O compromisso arbitral;

c) A deserção;

d) A desistência, confissão ou transação;

e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.


54. A alínea e) do art. 277.º deverá aplicar-se “quando em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, for patente que a decisão a proferir pelo julgador deixou de ter interesse, seja porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo (casos de impossibilidade), seja porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (casos de inutilidade)” [15].


55. A acção foi proposta por CC e por sua filha BB pedindo que AA fosse condenada a prestar contas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, no que respeita à administração do património pertença do casal formado pelo Autor, CC, e por DD, sua esposa, entretanto falecida.


56. Em relação à Autora BB, não há qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide.


57. A acção continua a ter interesse para a demandante — ainda é possível dar satisfação à pretensão que a demandante quer fazer valer no processo.


58. Em relação ao Autor CC, entretanto falecido, deve esclarecer-se que a acção foi proposta em 19 de Janeiro de 2017; que o pedido deduzido pelos Autores CC e BB foi o de que a Ré AA fosse condenada a prestar contas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016; que o Autor CC faleceu em 31 de Agosto de 2017 e que a Autora BB e a Ré AA foram habilitadas prosseguirem a acção como sucessoras do Autor CC.


59. A acção continua a ter interesse para as habilitadas, enquanto sucessoras do demandante — ainda é possível dar satisfação ao interesse que o demandante queria fazer valer no processo.


60. Como se diz no acórdão recorrido, “… embora irrelevante face à subsistência do interesse autónomo da Autora, nem sequer se pode falar que o interesse do primitivo Autor CC se extinguiu, pois o que se verificou foi a sucessão no respectivo interesse na estrita medida deste. Sejam dois ou vinte os herdeiros, subiste a pertinência da questão da prestação de contas: em conformidade com o disposto no artigo 2093º, nº 1, do Código Civil, o cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas. Se na pendência da administração dos bens pelo cabeça-de-casal falecer um ou vários herdeiros, desde que a totalidade dos interesses administrados não se reúnam subjectivamente numa única pessoa, o cabeça-de-casal continua obrigado a prestar contas perante o herdeiro não administrador”.


61. Quanto à questão substantiva da impossibilidade da prestação de contas:


62. A Ré, agora Recorrente, alega que, em consequência da sucessão da Ré AA nas relações jurídicas do Autor CC, a obrigação de prestação de contas se extinguiu por confusão.


63. Ou seja: Ré, agora Recorrente, ter-se-ia tornado devedora e credora de uma e da mesma obrigação — devedora, como cabeça de casal, e credora, como sucessora do Autor CC:

“… [ter-se-ia constituído] uma situação de duplo cabeçalato, da autora e da ré BB, inadmissível pois estas são credoras e devedoras da mesma obrigação”.


64. Em primeiro lugar, os Autores pediram a prestação das contas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, em que credor e devedor eram pessoas distintas — e, tendo pedido a prestação de contas relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015, não há confusão alguma.


65. Em segundo lugar, ainda que alguma confusão houvesse, sempre a confusão seria, tão-só, parcial.


67. O Tribunal de 1.ª instância afirma-o de forma inequívoca e o Tribunal da Relação, ao citar a fundamentação do despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância em 5 de Dezembro de 2019, confirma-o:

sendo vários os credores [como sucede no caso dos autos], bem é de ver que a extinção determinada pelo art. 868.º CC apenas poderá operar na medida em que o devedor se tenha tornado credor, e não em medida superior — o que, aliás, resulta claro do disposto no art. 869.º CC. Assim, a extinção do crédito (e correspondente dívida), a ocorrer, apenas subsistirá na medida em que a R. seja credora (ou devedora) (dela própria), não abrangendo o crédito (ou débito) que eventualmente venha a ser reconhecido à irmã”.


68. A Ré, agora Recorrente, invoca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 — processo n.º 05B3342 — e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016 — processo n.º 91/14.7T8SEI.C1.


69. Entre os casos apreciados e decididos pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016 e o caso sub judice encontra-se uma diferença fundamental:

 I. — nos casos apreciados e decididos pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 e pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016, o problema resultava do facto de ter falecido o cabeça de casal, devedor da obrigação de prestação de contas [16]; II. — no caso sub judice, o problema resulta, tão-só, de ter falecido um dos credores da obrigação de prestação de contas.


70. Encontrando-se, como se encontra, uma diferença fundamental entre os três casos, os critérios enunciados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 e no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016 não são aplicáveis ao caso sub judice.


71. A quinta questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, consiste em determinar se a parcela dos rendimentos líquidos correspondente ao falecido autor CC devia ter sido atribuída à sua herança ilíquida e indivisa.  


72. O art. 2093.º, n.º 3, do Código Civil determina que, “havendo saldo positivo da prestação de contas, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito” [17] e o art. 941.º do Código de Processo Civil diz que “a acção de prestação de contas… tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.


73. Os Autores pediram a condenação da Ré, “sendo caso disso, no pagamento do saldo que vier a apurar-se” — e, devendo o saldo ser distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, a questão estará em averiguar se deve ser distribuído antes, imediatamente. na sequência da decisão proferida no processo de prestação de contas, ou só deve ser distribuído depois, na sequência da decisão proferida no processo de inventário.


74. O art. 2093.º, n.º 3, do Código Civil determina que deva dar-se preferência à primeira interpretação — ou seja, à interpretação de que o saldo deve ser distribuído antes, imediatamente, na sequência da decisão proferida no processo de prestação de contas [18].


75. Como se diz, p. ex., no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Maio de 2013 — processo n.º 9-B/1991.C1 —, “n]o tocante às contas prestadas pelo cabeça-de-casal, o eventual saldo positivo deve ser distribuído pelos interessados, segundo o direito de cada um e não no momento do preenchimento dos respectivos quinhões […]”.


76.  O acordão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Junho de 2017 — processo n.º 10109/15.0T8STB-A.E1 — desenvolve o argumento, distinguindo a prestação de contas e a partilha:

“não é nenhuma partilha que está em causa, de momento; o que está em causa é o saldo positivo que foi encontrado […] na acção especial de prestação de contas que correu termos entre os herdeiros. Ora, o apuramento desse saldo positivo, e a respectiva distribuição pelos herdeiros, não pode confundir-se com qualquer partilha sendo institutos jurídicos diversos.

Ninguém quer ainda saber dos bens da herança, a quem calham e em que percentagem. O que está em causa é a distribuição de um saldo já apurado. […]”.


77. Esclarecido que o saldo deve ser distribuído imediatamente, os critérios relevantes para determinar o direito de cada um dos interessados correspondem àqueles que foram aplicados pelo acórdão recorrido e que a Ré, agora Recorrente, não impugnou.


78. Em todo o caso, o acórdão do Tribunal da Relação confirmou, por unanimidade, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância (cf. art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) — e, quanto à questão de determinar se se a parcela dos rendimentos líquidos correspondente ao falecido autor CC devia ter sido atribuída à sua herança ilíquida e indivisa, não foi requerida a revista excepcional.


79. Finalmente, a sexta questão suscitada pela Ré, agora Recorrente, consiste em determinar se há erro na condenação em custas (conclusão 17.º).


80.  A decisão sobre as custas do acórdão recorrido é do seguinte teor:

3.2.2. Revogar a decisão proferida pela primeira instância quanto a custas, fixando-se que as mesmas serão suportadas por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento, nos exactos termos expressos em 2.3.7.5.

 

81. A Ré, agora Recorrente, alega que

“… tendo os autores exercido um direito potestativo (artigo 535º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil), as custas da acção deveriam ser inteiramente da sua responsabilidade, e, mesmo que assim se não entendesse, a obrigação de a ré prestar contas só se venceu com a citação ou depois de proposta a ação (artigo 535º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil), ou seja, a partir da sentença interlocutória que julgou verificada a obrigação, e, para além disso, ainda que fosse devida a condenação da ré em custas, devia ter-se decidido, desde já, que deveria ser considerado que a sentença não apenas julgou “boas as contas prestadas” quanto às receitas, como julgou parcialmente corretas as despesas apresentadas, o que, tudo ponderado nunca podia justificar a sua condenação em mais do que uma pequena parte das custas, critério esse que importaria explicitar em vez do uso da expressão anódina ‘na proporção do respectivo decaimento’.


82. O argumento de que os autores exerceram um direito potestativo conflitua com facto de o art. 2093.º, n.º 1, do Código Civil representar a prestação de contas como objecto de uma obrigação do cabeça de casal.


83. Em primeiro lugar, o art. 2093.º, n.º 1, do Código Civil determina que “o cabeça-de-casal deve prestar contas” — daí que a acção, por que os Autores pedem a prestação de contas, seja distinta da acção por que “o autor se propõe exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu”:

I. — por um lado, não está em causa o exercício de um direito potestativo, ou de um mero direito potestativo, e sim de um direito subjectivo propriamente dito; II. — por outro lado, ainda que estivesse em causa o exercício de um direito potestativo, ou de um mero direito potestativo, sempre teria origem num facto ilícito praticado pelo réu.


84. Em segundo lugar, o argumento de que, ainda que os autores tivessem exercido um direito subjectivo propriamente dito, “a obrigação do réu só se venceu … depois de proposta a acção” conflitua com o facto de o art. 2093.º, n.º 1, do Código Civil representar a prestação de contas como objecto de uma obrigação do cabeça de casal que deve ser cumprida anualmente,


85. Em terceiro lugar, o argumento de que “ainda que fosse devida a condenação da ré em custas, devia ter-se decidido, desde já, que deveria ser considerado que a sentença não apenas julgou ‘boas as contas prestadas’ quanto às receitas, como julgou parcialmente corretas as despesas apresentadas, o que, tudo ponderado nunca podia justificar a sua condenação em mais do que uma pequena parte das custas, critério esse que importaria explicitar em vez do uso da expressão anódina ‘na proporção do respectivo decaimento’” conflitua com o facto de a decisão sobre as custas do acórdão recorrido remeter para os “exactos termos expressos em 2.3.7.5”.


86. Ora os “exactos termos expressos em 2.3.7.5” são os seguintes:

“No que respeita à receita constante da relação de bens não houve dissídio, pelo que importa apurar relativamente à despesa quem se pode considerar parte vencida e a respectiva proporção.

A Ré alegou que o valor da despesa por si suportada era a que se encontrava reflectida nas contas que apresentou.

A Autora impugnou todas as verbas da despesa.

Na sentença, reconheceu-se que ‘o valor global das despesas aprovadas para o período compreendido entre Março de 2013 (inclusive) e Dezembro de 2016 (inclusive) ascende a € 79.206,62’.

 […] a Autora decaiu na parte em que se reconheceu como despesa o valor de € 79.206,62, enquanto a Ré decaiu na parte que excede tal valor até ao montante global das despesas que indicou na conta corrente.

 Nesta conformidade, as custas deveriam ter sido fixadas por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento, determinado nos termos aqui expostos, pelo que assiste parcialmente razão à Recorrente no que respeita às custas da acção”.


O uso da expressão “na proporção do respectivo decaimento” está longe de ser o uso de uma expressão anódina — a Ré, agora Recorrente, é condenada na parte das custas, grande ou pequena, em que as despesas por si alegadas não ficaram provadas.


III: — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.  

Custas da revista pela Recorrente AA.



Lisboa, 17 de Novembro de 2021



Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

______

[1] Sobre a interpretação do art. 640.º do Código de Processo Civil, vide António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 162-178; António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs, 769-771; e Rui Pinto, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 280-288.

[2] Cf. acórdão do STJ de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 —, cuja distinção é retomada, p. ex., no acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2. [3] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 165.

[4] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 165.

[5] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, cit., in: Recursos no novo Código de Processo Civil, pág. 166.

[6] Vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 — e de 14 de Dezembro de 2017 — processo n.º 2190/03.1TBPTM.E2.S1.

[7] Vide, p. ex., na jurisprudência das Secções Cíveis, os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1 —, de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 121/06.6TBOBR.P1.S1 —ou de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2 — e, na jurisprudência da Secção Social, os acórdãos do STJ de 11 de Setembro de 2019 — processo n.º 42/18.0T8SRQ.L1.S1 — ou de 6 de Novembro de 2019 — processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1.

[8] Como sintetiza António dos Santos Abrantes Geraldes, “… o Supremo tem realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material” (anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 174). 

[9] Cf. acórdão do STJ de 22 de Março de 2018 — processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1 —, em que se diz que “os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória”.

[10] Expressão dos acórdãos do STJ de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1 — e de 22 de Março de 2018 — processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1.

[11] Vide, p. ex., António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 770.

[12] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 167.

[13] No sentido maioritário, de que a inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil não pode ser objecto de convite ao aperfeiçoamento ou de despacho de aperfeiçoamento, vide António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., págs. 167-174; Rui Pinto, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 546.º-1085.º, cit., págs. 283-284; ou Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito processual civil, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, pág. 462; na jurisprudência das Secções Cíveis, vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 781/07.0TYLSB.L1.S1 —, de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 111/12.0TBAVV.G1.S1 —, de 27 de Outubro de 2016 — processo n.º 3176/11.8TBBCL.G1.S1 —, de 24 de Maio de 2018 — processo n.º 4386/07.8TVLSB.L1.S1 —, de 27 de Setembro de 2018 — processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1 , de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 2364/11.1TBVCD.P2.S2 —, de 18 de Junho de 2019 — processo n.º 152/18.3T8GRD.C1.S1 — ou de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2 —; na jurisprudência da Secção Social, o acórdão do STJ de 27 de Outubro de 2016 — processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 —;  no sentido minoritário, de que a inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º pode ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, vide Miguel Teixeira de Sousa, “A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência: um novo princípio processual?”, in: Blog do IPPC — post de 29 de Janeiro de 2014 — in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2014/01/a-proibicao-da-oneracao-da-parte-pela.html >; Miguel Teixeira de Sousa, “O dever de colaboração do tribunal está a ser cumprido? Nem sempre!…”, in: Blog do IPPC — post de 14 de Novembro de 2016 — in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2016/11/o-dever-de-colaboracao-do-tribunal-esta.html >; Miguel Teixeira de Sousa, “O dever de colaboração do tribunal está a ser cumprido? Nem sempre!… (2)”, in: Blog do IPPC — post de 17 de Novembro de 2016 — in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2016/11/o-dever-de-colaboracao-do-tribunal-esta_17.html > ; e, na jurisprudência das Secções Cíveis, os acórdãos do STJ de 21 de Novembro de 2006 — processo n.º 06A2754 — e de 26 de Maio de 2015 — processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1.

[14] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 167.

[15] Cf. acórdão do STJ de 7 de Novembro de 2019 — processo n.º 3150/07.9TVPRT.P1.S1.

[16] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2005 pronunciava-se sobre uma situação em que a acção de prestação de contas tinha sido proposta antes e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Fevereiro de 2016, sobre uma situação em que a acção de prestação de contas tinha sido depois de o cabeça de casal ter falecido.

[17] O art. 2093.º, n.º 3, do Código Civil continua com as palavras “… depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano…”, irrelevantes para a decisão do caso sub judice, em que através de uma acção proposta em 2017 se pretende a prestação de contas relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.

[18] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, pág. 147: “O saldo positivo da prestação de contas pelos interessados na herança deve, tal como nas contas apresentadas pelo cabeça-de-casal, ser distribuído pelos interessados segundo o direito de cada um e não no momento de preenchimento dos quinhões desses interessados — artigo 2093º, nº 3, do Código Civil”.