Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
69/11.2YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
MANDATÁRIO JUDICIAL
DELIBERAÇÃO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PROCESSO DISCIPLINAR
INSPECTOR JUDICIAL
INQUÉRITO
INSTRUÇÃO DE PROCESSO
RECUSA
IMPARCIALIDADE
INCOMPATIBILIDADE
RELATÓRIO
PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A PENA
PLENÁRIO
VOTAÇÃO
ILEGALIDADE
RELATÓRIO FINAL
NOTIFICAÇÃO
DIREITOS DE DEFESA
NULIDADE INSUPRÍVEL
PENA DE SUSPENSÃO DE EXERCÍCIO
FACTOS NOVOS
DESPACHO QUE DESIGNA DIA PARA A AUDIÊNCIA
ACTO ADMINISTRATIVO
DEVERES FUNCIONAIS
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE
INEXIGIBILIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PENA DE MULTA
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Área Temática:

DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS / TRIBUNAIS / ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
DIREITO PENAL - EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS DOS MAGISTRADOS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - ARTICULADOS / ACTOS DA AUDIÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS - MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 24.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 156.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 56.º, AL. C).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 43.º, N.º2, 130.º.
CÓDIGO DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 11.º, 86.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 119.º, N.º2, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32º, Nº 10, 218.º, 269º, Nº 3.
DESPACHO DO PRESIDENTE DO CSM N.º 9057/2010, PUBLICADO IN DR, 2.ª SÉRIE, DE 20-06-2006: - ALÍNEA A).
DL 184/2000, DE 10-08: - ARTIGO 1.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 32.º, 87.º, 92.º, 97.º, 112.º, 117.º, 122.º, 124.º, N.º1, 131.º, 138.º, N.º1, 178.º.
ESTATUTO DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (EDTFP): - ARTIGOS 3º, Nº 2, A), 6.º, N.º 1, 2, 4 E 5, 48.º, N.º3, 55.º.
REGULAMENTO INTERNO DO CSM : - ARTIGO 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12.2.2009, PROC. Nº 4485/07;
-DE 17.12.2009, PROC. Nº 365/09.9YFLSB;
-DE 7.4.2011, PROC. Nº 113/10.0YFLSB;
-DE 15.3.2012, PROC. Nº 92/11.7YFLSB.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-Nº 516/2003, DE 28.10.2003;
-Nº 499/2009, DE 30.9.2009.
Sumário :

I - A representação em juízo nos recursos contenciosos interpostos para o STJ é regulada pelo art. 11.º do CPTA, por força do art. 178.º do EMJ, sendo a regra a obrigatoriedade de constituição de advogado. Contudo, existem várias excepções a tal princípio, permitindo-se, nos termos do n.º 4 do citado art. 11.º do CPTA, ao CSM, enquanto entidade administrativa independente, designar o seu representante em juízo.
II - É precisamente essa designação que consta da al. a) do Despacho do Presidente do CSM n.º 9057/2010, publicado in DR, 2.ª Série, de 20-06-2006, ao delegar no Vice-Presidente a representação do CSM, em juízo e fora dele. Consequentemente, o CSM está legalmente representado nestes recursos pelo seu Vice-Presidente, improcedendo a questão prévia suscitada pela recorrente relativa à representação em juízo do recorrido.
III -Embora o regime de recusa em processo penal seja aplicável ao processo disciplinar contra magistrados judiciais, nos termos do art. 112.º do EMJ, deverão fazer-se «as necessárias adaptações», como o próprio artigo estabelece. Ora, o n.º 2 do art. 43.º do CPP pressupõe a qualidade de julgador/decisor da entidade recusada, só existindo incompatibilidade entre as funções de investigação e de decisão, isto é, entre quem investiga/acusa e quem julga/decide.
IV - Não existe qualquer incompatibilidade na intervenção de Inspetor Judicial que realizou inquérito ao Tribunal …, no âmbito do qual elaborou relatório disciplinar, propondo a instauração de procedimento disciplinar contra a ora recorrente, proposta que veio a ser acolhida pelo Conselho Permanente do CSM, que o nomeou instrutor do processo disciplinar. Com efeito, a função de investigar não é incompatível com a de acusar, porque ambos se situam na área da promoção do procedimento, cabendo ao CSM, funcionando como Conselho Permanente ou em Plenário, a decisão final.
V - A circunstância de o Inspetor Judicial se exprimir, no Relatório, sobre o valor do depoimento de determinada testemunha e o facto de o desvalorizar, apontando as suas eventuais fragilidades, não traduz parcialidade da sua parte. Ao Inspetor compete fazer uma apreciação crítica da prova produzida, do seu valor e relevância, e formular a acusação, caso conclua pela prática de alguma infracção disciplinar, cabendo ao CSM a decisão.
VI - Nos termos do art. 6.º, n.º 1, do EDTFP, aplicável por força do art. 131.º do EMJ, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado 1 ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que prescreve igualmente quando, conhecida a infracção por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. Mas, segundo o n.º 4 do mesmo art. 6.º, suspendem o prazo prescricional, por um período até 6 meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. Contudo, por força do n.º 5 ainda do mesmo artigo, a suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente: a) os processos tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente possíveis; b) o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à recepção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) à data da instauração dos procedimentos referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.
VII - No caso, as infrações imputadas na acusação constituem no não agendamento do julgamento em ações que aguardavam essa marcação. Contrariamente ao que pretende a recorrente, a infração em causa não é de consumação instantânea, consumando-se, portanto, com o não agendamento aquando da realização da audiência de partes (no caso, realizada por outros colegas). Ao invés, a infração tem natureza permanente, já que constitui um estado antijurídico que se prolonga no tempo, cessando a sua consumação apenas quando cessa esse estado, no caso, com a marcação da audiência (ou com a remessa do processo para a «equipa liquidatária», com o mesmo objetivo). Nas infrações permanentes, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr apenas no dia em que cessa a consumação, por força do art. 119.º, n.º 2, al. a), do CP.
VIII - O titular exclusivo do poder disciplinar é, no caso dos magistrados judiciais, o CSM, pelo que o prazo a que alude o art. 6.º, n.º 2, do EDTFP, deve ser reportado ao conhecimento da infração pelo CSM, mas pelo próprio órgão, coletivamente considerado, quando reunido e com poderes de decisão, e não ao recebimento da informação (em ofício, relatório ou qualquer outro meio escrito) pela secretaria do CSM.
IX - No caso concreto, o CSM, face ao 1.º Relatório elaborado pelo Inspetor Judicial, não dispunha de elementos para demandar disciplinarmente qualquer magistrado. Só com o 2.º Relatório Disciplinar, apreciado pelo CSM em 06-07-2010, é que, com base nessas imputações concretas dirigidas à recorrente, foi possível decidir, nessa mesma reunião, a instauração de processo disciplinar contra ela, e em tal data ainda não tinha decorrido 1 ano (art. 6.º, n.º 1, do EDTFP) sobre a consumação das infrações imputadas na acusação, razão pela qual o procedimento disciplinar não está prescrito.
X - Nos termos dos n.ºs 4 e 6 do art. 55.º do EDTFP a decisão deve ser proferida no prazo de 30 dias após a recepção do processo, sob pena de caducidade do direito de aplicar a pena. No caso, a questão está em determinar quando se deve entender recebido o processo pelo CSM. Como já se disse atrás, não é a entrada na secretaria que deve ser considerada para efeitos de receção do processo pelo CSM, que constitui um órgão colegial, que só quando reunido em sessão assume poderes deliberativos. É, pois, a apresentação do caso na sessão que marca a receção/conhecimento por parte do CSM.
XI - Na situação em apreço, o relatório final do inquérito foi apresentado ao Plenário do CSM em 20-09-2011, e nessa mesma reunião foi tomada a deliberação ora recorrida, motivo pelo qual não se verifica a invocada caducidade.
XII - O art. 131.º do EMJ determina que são aplicáveis subsidiariamente em matéria disciplinar as normas do EDFAACRL (substituído entretanto pelo EDTFP), as do CP e as do CPP e diplomas complementares. Assim, o CPA não é aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar contra magistrados judiciais.
XIII - Por isso, não é ilegal a norma regulamentar constante do Regulamento Interno do CSM que regula o modo de votação (art. 13.º), segundo a qual a votação pode realizar-se por escrutínio secreto, nominalmente ou por braço levantado. Efetivamente, nenhuma forma específica de votação é estabelecida para as deliberações finais sobre processos disciplinares, razão pela qual a forma de votação que foi adoptada no caso (votação nominal) não foi ilegal nem antirregulamentar.
XIV - Estabelece o art. 48.º, n.º 3, do EDTFP, que a acusação contém, além do mais, a referência às penas aplicáveis. Acontece, porém, que esta norma não é aplicável ao processo disciplinar contra magistrados judiciais. Na verdade, pressuposto da aplicação subsidiária de normas, ao abrigo do art. 131.º do EMJ, é a existência de lacunas deste diploma. Ora, o EMJ não é omisso na matéria, pois regula com precisão a forma de elaboração da acusação (art. 117.º), obrigando apenas, em matéria de direito, à indicação dos «preceitos legais aplicáveis».
XV - Por sua vez, o art. 122.º do mesmo diploma estabelece que, terminada a produção de prova, após a defesa, o instrutor elabora um relatório (final) do qual devem constar, além dos factos provados, a sua qualificação e a pena aplicável. É sobre este relatório que é proferida a decisão. Não prevê expressamente o citado artigo a notificação do mesmo ao arguido, para a sua defesa. Contudo, face à jurisprudência do TC afirmada nos Acs. n.ºs 516/2003, de 28-10-2003, e 499/2009, de 30-09-2009, entende-se que, quando a acusação não contenha a indicação da pena aplicável, mas tal menção conste do relatório final, este deve ser notificado ao arguido, para exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade insuprível, nos termos do art. 124.º, n.º 1, do EMJ.
XVI - No caso dos autos, a acusação não contém de facto referência às penas aplicáveis. Essa referência é feita no relatório final, onde o Inspetor propõe a aplicação de uma pena de 20 dias de suspensão. Esse relatório foi notificado ao mandatário e à própria arguida, ora recorrente, não tendo ela reagido, pelo que não se verifica qualquer nulidade.
XVII - Entende a recorrente que o relatório final e a decisão impugnada incluem factos desfavoráveis não constantes da acusação, concretamente a imputação, com base em números nela não referidos, de uma «diminuta ou modesta produtividade», violando assim o seu direito de defesa.
XVIII - Porém, analisado o acórdão não se deteta nenhuma imputação de factos não incluídos na acusação. Os elementos estatísticos a que se reporta a recorrente não são elementos novos, são antes o tratamentos estatístico conclusivo dos números referidos na matéria de facto e dos que constavam da acusação, sendo indicados os factos concretos em que se baseiam as conclusões, por remissão para os pontos da matéria de facto provada. Por outro lado, a imputação de diminuta produtividade à recorrente não constitui também um facto novo, antes o resultado da valoração/apreciação dos factos provados, a que o CSM procedeu, como lhe competia.
XIX - Entende a recorrente que o CSM não tem competência para apreciar a validade dos despachos por si proferidos por se tratar de questão de natureza jurisdicional, como tal reservada aos tribunais (em causa está o não agendamento da audiência final, quando se frustre a conciliação na audiência preliminar, conforme dispõe o art. 56.º, al. c), do CPT, invocando a recorrente a indisponibilidade de agenda para observar o disposto no art. 1.º do DL 184/2000, de 10-08).
XX - A questão da agenda do tribunal não é uma questão de natureza jurisdicional, mas sim administrativa, embora seja da competência do juiz. Nem todos os atos do juiz são materialmente jurisdicionais. Só o são aqueles que decidem a causa ou são pré-direccionados para esse fim, A marcação das diligências e dos julgamentos, e outros atos de natureza gestionária, ainda que integrados no processo e praticados pelo juiz, não são atos jurisdicionais. Por isso, o CSM pode aprovar diretivas e instruções sobre o agendamento de julgamentos, como efetivamente fez na sequência do inquérito ao Tribunal do Trabalho de ..., do qual emanou o processo disciplinar contra a ora recorrente.
XXI - Assim, o que o CSM apreciou foi uma atividade materialmente administrativa da recorrente, para cuja fiscalização tem obviamente competência, enquanto órgão detentor do poder disciplinar sobre os magistrados judiciais. O CSM não sindicou quaisquer decisões de litígios, não apreciou sentenças ou despachos decisórios, não analisou o teor ou o sentido de decisões jurisdicionais; apenas se pronunciou sobre as razões que impediram a marcação de julgamentos, em ordem à indagação do cumprimento dos deveres de administrar a justiça, de prossecução do interesse público e de zelo, que aos juízes incumbem, imputando o acórdão recorrido a violação desses deveres não apenas pela clara infração do disposto no art. 56.º, al. c), do CPT, e de uma interpretação do DL 184/2000, de 10-08, manifestamente oposta ao objetivo do legislador, mas sobretudo a «um agendamento com dilações totalmente inadmissíveis, especialmente quando conjugado com o claro subagendamento registado e a baixa produtividade obtida».
XXII - Imputa, ainda, a recorrente o vício de falta de fundamentação à decisão recorrida quanto à conclusão de que a não marcação de julgamentos tenha tido impacto na produtividade ou no andamento dos processos. Contudo, o acórdão recorrido é claro e preciso na referência à falta de agendamento da audiência final aquando da audiência preliminar, ou do despacho saneador, invocando o art. 1.º do DL 184/2000, de 10-08, e a «total indisponibilidade de agenda», apesar de nos anos de 2008 e 2009 não se ter registado essa indisponibilidade. Daqui resulta que a decisão recorrida (ainda que a recorrente dela possa discordar) está fundamentada de forma clara e transparente, porque se concluiu pelo subagendamento, com os inerentes prejuízos no andamento dos processos respetivos, e falta de produtividade da recorrente.
XXIII - Os poderes de cognição do STJ em matéria de facto restringem-se à apreciação dos vícios dessa matéria, não podendo fazer uma reapreciação dos elementos de prova apurados, em ordem à formulação de um novo juízo sobre os mesmos. Quer dizer, compete ao STJ não a formulação de um (novo) juízo sobre a valoração da prova, mas apenas a apreciação da validade e legalidade dos meios de prova, por um lado, e da razoabilidade e da coerência da matéria de facto fixada, por outro. Cabe-lhe, pois, neste âmbito, avaliar contradições, incoerências, insuficiências das provas, e erros notórios na sua apreciação, desde que tais vícios sejam manifestos e evidentes. São esses «erros de facto» que o STJ pode conhecer, o que não inclui um reexame da prova recolhida para formular um autónomo juízo sobre ela.
XXIV - No caso dos autos, não são apontadas contradições ou incoerências nos factos fixados, ou insuficiências das provas. Verifica-se, sim e apenas, uma evidente discordância da recorrente relativamente à valoração que é feita dos factos apurados, à não valoração que, no seu entender, mereciam outros, e ao não atendimento, que em seu entender era merecido, de matéria apresentada pela defesa e considerada não provada. Em suma, o que a recorrente contesta é o juízo valorativo formulado pela entidade recorrida sobre as provas o que, como já ficou dito, está fora do alcance de sindicabilidade do STJ.
XXV - Considera a recorrente que, caso se entenda que as condutas imputadas integram objectivamente infração disciplinar, não lhe era exigível outro comportamento, não havendo lugar à punição. Acontece, porém, que da matéria de facto apurada não resulta minimamente que a recorrente não pudesse dar cumprimento ao art. 56.º, al. c), do CPT, nos processos novos. Concretamente, não releva a alegada prática habitual dos «juízes mais velhos», pois essa eventual prática não prevalece sobre a lei, nem isentaria os seus praticantes de responsabilidade disciplinar, se fosse apurada.
XXVI - Considera, por fim, a recorrente que a decisão recorrida viola o art. 97.º do EMJ, por não ter sido especialmente atenuada a pena. Alega que agiu sem consciência da ilicitude e sempre procurando obedecer à lei, mostrando empenhamento na administração da justiça, pelo que deveria ter sido aplicada a atenuação especial prevista naquele artigo (que permite a atenuação da pena disciplinar, aplicando-se a pena de escalão inferior, quando existirem circunstâncias que atenuem acentuadamente a gravidade do facto e a culpa do agente).
XXVII - O STJ tem competência para avaliar do cumprimento do princípio da proporcionalidade, que se mostrará violado quando a sanção for manifestamente desajustada ou excessiva relativamente à factualidade apurada. Analisando a decisão recorrida constata-se, porém, que a escolha e a medida da pena se encontram cuidadamente motivadas: pelo Instrutor havia sido proposta a pena de suspensão de exercício de funções por 20 dias e o CSM, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuantes do caso, considerou suficiente a pena de multa (pena de gravidade inferior à proposta), e fixou-a em 25 dias de multa, numa moldura legal de 5 a 90 dias (art. 87.º do EMJ).
XXVIII - Nos termos do art. 92.º do EMJ, a pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo. A sua escolha mostra-se, pois, consentânea com a previsão legal e com a factualidade apurada, não se mostrando de qualquer forma desproporcionada a sua medida.
Decisão Texto Integral:

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. FUNDAMENTAÇÃO

AA, Juíza de Direito, recorreu contenciosamente das seguintes deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM):

A) Deliberação de 5 de abril de 2011, que lhe desatendeu a reclamação da deliberação do Conselho Permanente de indeferimento do incidente de recusa do instrutor do processo disciplinar (PD 216/2010);

B) Deliberação de 20 de setembro de 2011, que, no termo do mesmo processo disciplinar, lhe aplicou, pela violação dos deveres de administrar justiça, prossecução do interesse público e zelo, a pena de 25 dias de multa.

Relativamente ao primeiro recurso, apresentou a seguinte petição:

I. OBJECTO DO RECURSO E PRESSUPOSTOS

1.° O acto recorrido é, como se disse, o douto Acórdão do Plenário do CSM, de 5 de Maio de 2011, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo a decisão de indeferimento do incidente de recusa do Exmo. Senhor Inspector designado no processo disciplinar de que é alvo, com a consequente manutenção do Senhor Desembargador BB como instrutor do processo - de que se junta fotocópia como doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido.

2.° A Recorrente é directamente visada e lesada pelo douto Acórdão recorrido, pelo que tem legitimidade.

3.° A Recorrente foi notificada do acto recorrido em 18 de Maio de 2011, pelo que está em tempo - art. 169.° do EMJ.

4.° O Tribunal é competente, nos termos do art. 168.°, n.° 1, do referido EMJ.

II. DA DECISÃO PROFERIDA PELO CONSELHO PLENÁRIO DO CSM

5.° Pelo douto Acórdão recorrido foi decidido manter a decisão de indeferimento do incidente de recusa do Exmo. Senhor Inspector designado no processo disciplinar de que é alvo, com a consequente manutenção do Senhor Desembargador BB como instrutor do processo - cfr. doc. 1 já junto.

6.° A decisão consubstanciou-se, no que releva para o presente recurso, no entendimento de que o facto de o Senhor Inspector não ter admitido o depoimento de determinada testemunha "Mesmo que este Plenário delibere que a decisão do Conselho Permanente não é de manter e que a testemunha deve ser ouvida, tal não constitui, salvo melhor opinião, motivo grave e sério, suficiente para se deferir o requerimento de recusa. Estamos apenas perante uma questão discutível, como o são outras que surgem no decurso dos processos e que dão origem a reclamações e recursos. Daí a concluir-se pela parcialidade do Senhor Inspector vai um grande passo".

7.° A Recorrente, embora a respeite, discorda da apreciação feita pelo douto Acórdão recorrido porquanto a mesma não se pronuncia quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado e que vai muito para além do facto de ter sido decidido pelo Senhor Inspector não admitir o depoimento de determinada testemunha.

8.° É que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector.

Assim, debrucemo-nos sobre os factos subjacentes ao presente recurso, para depois se retirarem as devidas consequências de direito.

III. DOS FACTOS

9.° A Recorrente, no âmbito do processo disciplinar instaurado por deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 6 de Julho de 2010, apresentou a sua respectiva defesa - cfr. doc. 2 que se junta.

10.° No âmbito da mesma, indicou como testemunha a Senhora Dra. CC, aos factos 56.°, 59.°, 60.° e 63.° dessa mesma Defesa.

11.° Referem os artigos 59.° e 60.° da Defesa que se passam a transcrever:

"59° Com o mesmo propósito [diminuir a dilação dos julgamentos], em Janeiro/Fevereiro de 2010, a Arguida acordou com a Senhora Juiz Titular do 4° juízo, 1ª secção, no sentido de marcar todos os processos parados que se encontravam a aguardar marcação de julgamento.

60° E fá-lo-ia, com evidente esforço e sacrifício pessoal, bem como da secção, a fim de normalizar as marcações, não fosse a oposição do Senhor Inspector a que adiante faremos referência."

12.° Por sua vez, diz o artigo 73.° da Defesa o seguinte:

"73º Sendo certo que, quando se manifestou a intenção de proceder ao agendamento de todos os processos, ao Senhor Inspector Judicial, este opôs-se a tal desiderato." (cfr. doc. 2 já junto)

13.° Porém, por despacho de 21 de Dezembro de 2010 o Senhor Inspector decidiu, além do mais, "pela irrelevância para o mérito dos autos, no que reporta aos artigos 59°, 60° e 73°, todos da defesa".

14.° Referindo, como fundamento para tal decisão que:

"A matéria alegada nos artigos 59° e 60°, deste até "... normalizar as marcações", é irrelevante no âmbito dos presentes autos, não só porque em Janeiro/Fevereiro de 2010 já decorria o Inquérito ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, mas também porque, em Fevereiro de 2010, o Instrutor do Inquérito apresentou ao Conselho Superior da Magistratura uma proposta de redistribuição do serviço, aprovada na sessão Plenária do CSM de 2010.03.02, e em execução desde 06 de Abril de 2010, como, aliás, é do conhecimento pessoal da própria arguida, já que integrou a equipa liquidatária em funções naquele Tribunal, desde Abril até Julho de 2010.

E, no artigo 73°. a arguida não indica quem terá "manifestado a intenção de ..." pelo que se trata de alegação genérica.

Por outro lado, mesmo que a arguida se tivesse assumido como a autora de "intenção de...", o princípio da independência do Juiz, consagrado no artigo 4° da Lei n.° 21/1985, de 30.06 - Estatuto dos Magistrados Judiciais - tornaria irrelevante, para o mérito dos autos, a matéria vertida no artigo 73.° e na última parte do artigo 60°, ambos da defesa.

E se a "intenção de..." foi manifestada por pessoa diversa da arguida, mais irrelevante é, tal matéria, para a sua defesa." (cfr. despacho que se junta como doc. 3)

15.° Não se conformando com este entendimento, a Recorrente apresentou recurso hierárquico para o Conselho Permanente do CSM, nos termos do art. 37.°, n.° 3, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP), aplicável ex vi do art. 131.° do EMJ, cfr. recurso hierárquico que ora se junta como doc. 4.

16.° Este recurso hierárquico que foi julgado improcedente por deliberação do Conselho Permanente do CSM de 11 de Janeiro de 2011, cfr. doc. 5 que se junta.

17.° Por sua vez, por deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 5 de Abril de 2011, na sequência de reclamação apresentada pela Recorrente daquela deliberação do Conselho Permanente, foi o despacho de não admissão da inquirição da testemunha anulado por se considerar que:

"Concorda-se, assim, com a Exma Juíza quando defende que, a admitir-se a aplicação subsidiária da Lei n° 58/2008 (e admitimo-la), que a inquirição apenas poderá ser rejeitada quando se configure como diligência manifestamente impertinente e desnecessária.

De acordo com o disposto no art. 117° do EMJ, concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes e atenuante, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis.

Na determinação da medida da pena, conforme se prevê no art. 96° do EMJ, atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.

No caso que nos ocupa, verifica-se que a acusação contém factualidade também ocorrida em 2010.

Uma vez que devem ser tidos em conta, para além dos factos constitutivos da infracção, os que possam consubstanciar as circunstâncias atenuantes ou agravantes anteriores, contemporâneas ou posteriores à infracção, considera-se, com todo o respeito, que a alegação feita nos arts. 59° e 60° não pode ser considerada fora do objecto do processo, já que tem ver com uma alegada iniciativa da Exma. Juíza (mesmo que em conjunto com outra Magistrada), cuja ponderação não é, à partida de afastar, não nos parecendo despicienda a alegação de que, então, ainda não fora aprovada a proposta do Exm° Inspector, não se indiciando, ademais, que a Exma Juíza tivesse, na altura da iniciativa, conhecimento dessa proposta.

Após a produção de toda a prova, se saberá que peso (se o tiver) poderá assumir tal matéria, crendo-se que é cedo ainda para esse juízo.

O facto de já estar pendente o inquérito no momento dessa iniciativa, não se nos afigura suficiente para rejeitar liminarmente o seu eventual interesse para a decisão, tal como não serão de rejeitar circunstâncias, igualmente contemporâneas do inquérito, que possam ter uma tonalidade agravativa." (cfr. deliberação que se junta como doc. 6)

18.° A par do recurso hierárquico apresentado, na sequência do despacho de não admissão da inquirição da testemunha, a Recorrente apresentou ainda um incidente de recusa do Senhor Inspector Judicial nomeado como instrutor do procedimento disciplinar, porquanto, e além do mais, considerou que:

"25. O Senhor Inspector Judicial não mudou, pois, a sua convicção, firmada e agora reafirmada, transcorrido que está mais de um ano sobre o início do inquérito ao Tribunal do Trabalho de Lisboa.

26. O Senhor Inspector Judicial investiga o Tribunal,

27. propôs e vai propondo soluções,

28. acompanha activamente a implementação das medidas que propôs,

29. mantém reuniões separadas com magistrados e funcionários,

30. empenha-se com mérito por obter reforços de funcionários,

31. propõe as regras de substituição de juízes liquidatários,

           32. pondera a actualização do número de julgamentos a serem realizados semanalmente pelos juízes,

33. estando por isso há mais de um ano fortemente empenhado no inquérito e no acompanhamento do Tribunal, no sucesso dos mesmos.

34. No entanto, precisamente, e por tudo isto tem convicções fortes e vivas, não sendo, de todo, expectável, nem razoável, nem normal, que as venha a mudar durante a instrução do processo disciplinar.

35. Facto que demonstra essa mesma objectiva falta de imparcialidade é o recente despacho de indeferimento de inquirição de uma das testemunhas arroladas pela Arguida em sede de defesa, que não pode deixar de atestar um comprometimento com um entendimento previamente estabelecido, que não se admite pôr em causa.

36. De facto, tendo em conta que os factos a que a testemunha iria depor dizem respeito a uma situação que decorreu com o próprio Senhor Inspector, e de que este tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, sendo o mesmo relevante para o processo, o seu indeferimento leva à conclusão que o Senhor Inspector Judicial - que a Arguida muito considera e respeita, sublinha-se - não garante as necessárias condições de imparcialidade (objectivamente considerada) para a instrução do seu processo disciplinar.

37. Tal não se deve, obviamente, a intenção deliberada do Senhor Inspector Judicial em prejudicar a Arguida, mas à impossibilidade, objectiva, face ao seu envolvimento, anteriormente descrito, no processo de inquérito. (cfr. requerimento que se junta como doc. 7)

19.° Este incidente de recusa foi considerado improcedente por douta deliberação do Conselho Permanente do CSM de 11 de Janeiro de 2011, cfr. doc. 5 já junto.

20.° Desta deliberação, a Recorrente apresentou reclamação para o Plenário, tendo este órgão deliberado igualmente improcedente a reclamação apresentada, como doc. 1 já junto.

IV. DO DIREITO

21.° Como já referido supra, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, não apreciou a questão fulcral na qual, a par de outras, se fundamentou o incidente de recusa, ou seja, que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector.

22.° E por isso, desde logo, e salvo melhor opinião, a douta deliberação decorrida incorre, numa perspectiva, em omissão de pronúncia, ou, noutra perspectiva, em vício de falta de fundamentação e por isso é nulo ou anulável para os devidos e legais efeitos.

23.° Além do mais, aquele circunstancialismo, fulcral para o caso em apreço, e sobre o qual a douta deliberação não se pronunciou demonstra que o fundamento de recusa do Senhor Inspector não se alicerça apenas no facto de estarmos perante uma questão discutível.

24.° Fundamenta-se, antes, no facto de o Senhor Inspector, melhor do que ninguém saber da relevância do depoimento da testemunha, porquanto os factos a que a mesma ia ser inquirida o tiveram como interveniente, e mesmo assim ter despachado no sentido de não admitir a sua inquirição.

25.° Sendo certo que a inquirição da referida testemunha seria fundamental para demonstrar que, estando em causa no presente processo disciplinar o critério que presidiu ao agendamento das audiências de julgamento dos processos de que a Recorrente era titular, houve intenção de mudar aquele critério, tentando ir de encontro àquilo que a Recorrente pensava ser o pretendido pelo CSM, mostrando-se disponível para o alterar.

26.° Pelo que a não admissão da inquirição da testemunha poderia ser absolutamente prejudicial para a sua Defesa.

27.° É certo que não se sustenta, obviamente, que fosse intenção deliberada do Senhor Inspector Judicial prejudicar a Recorrente.

28.° No entanto, se no âmbito do processo disciplinar sob escrutínio, o Senhor Inspector Judicial exerceu as competências de instrução do inquérito, propondo ao CSM a instauração do procedimento disciplinar, procedimento este que veio a instruir, deduzindo douta Acusação, e tendo agido no sentido de não levar a cabo todas as diligências relevantes requeridas pela Recorrente na sua defesa,

29.° Se, ao fazê-lo, demonstrou não ser objectivamente imparcial,

30.° O incidente de recusa deduzido, deveria, salvo o devido respeito, e melhor opinião, ter sido deferido, nos termos e para os efeitos do art. 43.°, n.° 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 112.° do EMJ, sob pena de violação do direito de defesa da Recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que é a douta deliberação impugnável nula, nos termos e para os efeitos do art. 133.°, n.° 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

V. PEDIDO

31.° Por todas as razões referidas, deverá a douta deliberação ser declarada nula por violação do art. 43.°, n.° 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 112.° do EMJ e consequente violação do direito de defesa da Recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa, ou, ainda, por omissão de pronúncia, ou anulada por vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 135.° do CPA, e, em consequência, ser o CSM condenado a deferir o incidente de recusa do Senhor Inspector nomeado no processo, anulando todos os actos entretanto praticados depois de deduzido o incidente de recusa e nomeando novo instrutor em sua substituição, tudo com as devidas e legais consequências.

Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento e, assim, concluir-se pela:

a) Declaração de nulidade da douta deliberação impugnada por violação do art. 43.°, n.° 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 112.° do EMJ e consequente violação do direito de defesa da Recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa, ou omissão de pronúncia; ou

b) Anulação da douta deliberação impugnada por vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 135.° do CPA; e, em consequência,

c) Pela condenação do R. a deferir o incidente de recusa do Senhor Inspector nomeado no processo, anulando todos os actos entretanto praticados depois de deduzido o incidente de recusa e nomeando novo instrutor em sua substituição, tudo com as devidas e legais consequências.

O CSM, notificado para os efeitos do disposto no artigo 174º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), apresentou a seguinte resposta:

1. A Exmª Juíza veio interpor recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 05-04-2011, na qual se decidiu não estar demonstrada a existência de fundamento para a recusa do Exmº Inspector, Desembargador BB, desatendendo-se, em consequência, a reclamação que havia sido deduzida pela Exmª Juíza.

2. Destaca a Exmª Recorrente a seguinte passagem da deliberação:

"Mesmo que este Plenário delibere que a decisão do Conselho Permanente não é de manter e que a testemunha deve ser ouvida, tal não constitui, salvo melhor opinião, motivo grave e sério, suficiente para se deferir o requerimento de recusa. Estamos apenas perante uma questão discutível, como o são outras que surgem no decurso dos processos e que dão origem a reclamações e recursos. Daí a concluir-se pela parcialidade do Senhor Inspector vai um grande passo".

Refere, em seguida, que discorda da apreciação feita pelo Acórdão recorrido «porquanto a mesma não se pronuncia quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado e que vai muito para além do facto de ter sido decidido pelo Senhor Inspector não admitir o depoimento de determinada testemunha».

Acrescenta que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença do Senhor Inspector, que, assim, sabia melhor do que ninguém da relevância do depoimento da testemunha.

Considera que a deliberação recorrida incorre, numa perspectiva, em omissão de pronúncia, ou, noutra perspectiva, em vício de falta de fundamentação e por isso é nulo ou anulável para os devidos e legais efeitos.

Sublinha que «a inquirição da referida testemunha seria fundamental para demonstrar que, estando em causa no presente processo disciplinar o critério que presidiu ao agendamento das audiências de julgamento dos processos de que a Recorrente era titular, houve intenção de mudar aquele critério, tentando ir de encontro àquilo que a Recorrente pensava ser o pretendido pelo CSM, mostrando-se disponível para o alterar», «pelo que a não admissão da inquirição da testemunha poderia ser absolutamente prejudicial para a sua Defesa».

Conclui que o Exmº Inspector demonstrou não ser objectivamente imparcial e, por isso, o incidente devia ter sido deferido, termos em que a deliberação deve ser declarada nula por violação do art. 43.°, n.° 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 112.° do EMJ, e consequente violação do direito de defesa da Recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa, ou, ainda, por omissão de pronúncia, ou anulada por vício de falta de fundamentação, nos termos do art. 135.° do CPA, e, em consequência, ser o CSM condenado a deferir o incidente de recusa do Senhor Inspector, anulando-se os actos praticados depois de deduzido o incidente de recusa.

3. Alinharam-se vários argumentos na reclamação (sobre a qual recaiu o acórdão recorrido) deduzida pela Exma Juíza, no sentido de ilustrar a alegada falta de imparcialidade do Exmo Inspector, dizendo-se, a dado passo, que um facto disso demonstrativo foi a recusa do depoimento de uma das testemunhas arroladas.

Não ignorou o CSM, na deliberação em apreço, o modo como a Exma Juíza alegou essa matéria, desde logo pelo que se retira da seguinte passagem:

«A Exma Reclamante defende, conforme se retira da leitura dos pontos 39ª e segs., que não é de esperar que o Exmo Inspector venha a mudar a sua convicção, estando há mais de um ano empenhado no inquérito e no acompanhamento do Tribunal, com medidas que aí tem proposto, esperando o sucesso das suas acções.

Dá como exemplo da falta de objectividade do Exmº Instrutor o despacho de indeferimento da inquirição de uma das testemunhas arroladas pela Exmª Reclamante, cujo depoimento iria incidir sobre uma situação que ocorreu com o próprio Inspector e de que este tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções.».

A Exmª Juíza sublinhou, como se vê, a circunstância de o Exmº Inspector se encontrar no Tribunal do Trabalho, empenhado no inquérito e no acompanhamento do Tribunal, entendendo existir «um comprometimento previamente estabelecido» e advir o conhecimento da dita situação do exercício das suas funções.

Quando se considerou que a recusa em ouvir a testemunha era uma questão apenas discutível, mas não suficiente para se concluir pela parcialidade do Senhor Inspector, naturalmente estava o CSM a reportar-se ao que foi alegado, nos termos em que o foi.

Relembre-se o que se escreveu no acórdão:

«Crê-se que, no caso presente, terá tido um peso decisivo na dedução do incidente, a não admissão do depoimento de uma das testemunhas (a Sra Dra CC) indicadas pela Exma Juíza. Na verdade, o Exmº Instrutor deduziu acusação contra a Exmª Juíza e, na Defesa apresentada, não foi levantado problema quanto à manutenção do Exmº Inspector. O requerimento de recusa surgiu apenas após o aludido despacho a rejeitar o depoimento.

A intervenção de um instrutor poderá ser recusada apenas quando existir motivo sério e grave que envolva o risco de tal intervenção ser considerada suspeita. Ora, salvo o devido respeito, a não admissão do depoimento da testemunha em causa assentou em argumentos que foram expressamente assumidos no referido despacho, que, na sequência de recurso hierárquico, foi mantido pelo Conselho Permanente.

Trata-se de matéria a ser discutida em reclamação paralela a esta e, nessa sede, se verá se a deliberação do Permanente é de alterar ou não.

Mesmo que este Plenário delibere que a decisão do Conselho Permanente não é de manter e que a testemunha deve ser ouvida, tal não constitui, salvo melhor opinião, motivo grave e sério, suficiente para se deferir o requerimento de recusa. Estamos apenas perante uma questão discutível, como o são outras que surgem no decurso dos processos e que dão origem a reclamações e recursos. Daí a concluir-se pela parcialidade do Senhor Inspector vai um grande passo.

A circunstância de o Ex.mo Inspector se encontrar no Tribunal de Trabalho de Lisboa a proceder a um inquérito e sugerir a tomada de medidas destinadas a assegurar um melhor funcionamento do Tribunal e uma justiça mais rápida e eficaz, não confere, igualmente, parcialidade à sua actuação no âmbito do processo disciplinar. Na verdade, o papel dum inspector judicial, para além da recolha de elementos, quer no âmbito de uma inspecção, quer de um inquérito ou processo disciplinar, comporta uma dimensão pedagógica, que não pode ser ignorada, com respeito, sempre, pela independência dos juízes e tendo em atenção que as decisões pertencem, aceitando, ou não, as sugestões que lhe são feitas, ao Conselho Superior da Magistratura, dentro da sua esfera de competências.».

Como se patenteia pela leitura deste extracto, o CSM teve em consideração toda o envolvimento decorrente da presença do Ex.mo Inspector no Tribunal de Trabalho, designadamente no que tange à interacção com os Juízes que ali se encontravam, por exemplo, através da sugestão desta ou daquela medida. Contudo, e apesar disso, sopesados os fundamentos que foram carreados pela Exmª Juíza, não se encontrou razão para a pretendida recusa.

4. A circunstância de, na mesma data da deliberação ora impugnada, ter havido outra mediante a qual se decidiu ser de ouvir a dita testemunha -discordando-se, assim, do Exmº Inspector - não contraria o entendimento exarado no acórdão recorrido. Na verdade, estamos apenas perante uma posição diversa da assumida pelo Exmº Inspector e não mais que isso.

5. O CSM tratou das questões (é por estas que se afere a problemática da falta de fundamentação e não da abordagem de todo o manancial argumentativo - vide, a propósito, o Ac. do STJ de 27-05-2010 (Rel. Rodrigues dos Santos), em www.dgsi.pt, que tinha de apreciar e fê-lo, salvo melhor opinião, de forma suficientemente clara.

O que sucede é que a Exmª Juíza discorda da avaliação feita pelo Conselho, persistindo na defesa de que havia fundamento para o deferimento da recusa, mas isso é outro problema, importando, nesse capítulo, dizer que se mantém o que se verteu na deliberação, ou seja: continua a entender-se que não há motivo (grave e sério) para se concluir pela falta de imparcialidade do Exmº Inspector.

6. Entende, pelo exposto, o CSM que a deliberação recorrida não enferma dos apontados vícios, não tendo sido atingido o direito de defesa da Ex.ma Recorrente e tendo havido pronúncia sobre as questões que tinham de ser apreciadas, devendo, por isso, na improcedência do recurso, manter-se o que foi deliberado.

Veio posteriormente a recorrente, ao abrigo do art. 86º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apresentar articulado superveniente, com os fundamentos seguintes:

1. A Recorrente interpôs o presente recurso da douta deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo a decisão de indeferimento do incidente de recusa do Exmo. Senhor Inspector designado no processo disciplinar de que é alvo, com a consequente manutenção do Senhor Desembargador BB como instrutor do processo.

2. Alegou como fundamento do mesmo o facto de o Senhor Inspector ter recusado a inquirição de uma testemunha que iria depor sobre factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector.

3. Sendo que, por essa razão, o Senhor Inspector, melhor do que ninguém sabia da relevância do depoimento da testemunha, porquanto os factos a que a mesma ia ser inquirida o tiveram como interveniente, e mesmo assim ter despachado no sentido de não admitir a sua inquirição.

4. Sendo certo que a inquirição da referida testemunha seria fundamental para demonstrar que, estando em causa no presente processo disciplinar o critério que presidiu ao agendamento das audiências de julgamento dos processos de que a Recorrente era titular, houve intenção de mudar aquele critério, tentando ir de encontro àquilo que a Recorrente pensava ser o pretendido pelo CSM, mostrando-se disponível para o alterar.

5. Pelo que a não admissão da inquirição da testemunha poderia ser absolutamente prejudicial para a sua Defesa, o que demonstra que o Senhor Inspector, salvo o devido respeito e melhor opinião, não foi objectivamente imparcial.

6. Ora, foi agora a Recorrente notificada do Relatório-Decisão final elaborado pelo Senhor Inspector Judicial e remetido por este ao Conselho Superior da Magistratura.

7. Tal Relatório demonstra, de forma cabal, e salvo o devido respeito, que os piores receios da Recorrente se confirmaram.

8. Assim, o Senhor Inspector Judicial, depois de ouvida a testemunha em causa (na sequência da douta deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura que, na sequência de recurso hierárquico interposto, foi admitida), disse naquele Relatório o seguinte:

"Quanto à matéria inserida nos artigos 60°e 73°, a Arguida indicou para prova o depoimento da testemunha Sra. Dra. CC, que alicerçou o seu depoimento em convicções/conclusões próprias ("ficou com a convicção de que o mesmo (Inspector) discordava da opção tomada"; "tendo ficado com a convicção"), decorrentes do teor de uma conversa alegadamente mantida com o Instrutor do qual "não se recorda das exactas palavras"- cf. artigo 130.° do C.P.P. e 131° do EMJ,

Por último, de tal depoimento não resulta factualmente balizadas nem uma concreta oposição do Instrutor bem sequer uma concreta comunicação da Arguida ao mesmo (ou daquele a esta), quanto à intenção de que pretendia exerce as funções de que estava acometida, designadamente a de "normalizar as marcações", a que, como resulta do teor de tais artigos, reconhece não ter procedido no período em discussão nos autos.

Motivos porque o depoimento de tal testemunha, também ela Arguida em processo disciplinar (cf. fls. 135 dos autos) quanto a factos que a si também interessariam, como resulta dos provimentos a que alude em resposta à matéria do artigo 56° da defesa, reveste de grandes reservas na sua valoração." (Cfr. Relatório que se junta como doc. 1)

9. Ora, tal apreciação demonstra, mais uma vez, salvo o devido respeito e melhor opinião, uma visão parcial do processo, contaminada pelo envolvimento na factualidade alegada.

10. Assim, será relevante atentar no depoimento que a testemunha prestou nos autos cuja junção se requer seja feita pelo Recorrido aos autos.

Termos em que se requer seja dado provimento ao recurso interposto, considerando também a factualidade ora invocada.

A este articulado superveniente respondeu o CSM desta forma:

1° A Ex.ma Requerente, começando por lembrar as razões que estiveram na base do incidente de recusa e por sublinhar que a não admissão do depoimento da testemunha Srª Drª CC revelou, nas circunstâncias que descreve, a falta de imparcialidade do Exmº Instrutor; refere, em seguida, que foi, entretanto, notificada do relatório final elaborado pelo mesmo Senhor Inspector, no processo disciplinar.

Tal Relatório - diz - «demonstra, de forma cabal, e salvo o devido respeito, que os piores receios da Recorrente se confirmaram».

Explicita o seu pensamento nos seguintes termos:

«[...] o Senhor Inspector Judicial, depois de ouvida a testemunha em causa (na sequência da douta deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura que, na sequência de recurso hierárquico interposto, foi admitida), disse naquele Relatório o seguinte:

"Quanto à matéria inserida nos artigos 60.° e 73°, a Arguida indicou para prova o depoimento da testemunha Sra. Dra. CC, que alicerçou o seu depoimento em convicções/conclusões próprias ("ficou com a convicção de que o mesmo (Inspector) discordava da opção tomada» "tendo ficado com a convicção'), decorrentes do teor de uma conversa alegadamente mantida com o Instrutor do qual "não se recorda das exactas palavras" — cf. artigo 130.° do C.P.P. e 131° do EM],

Por último, de tal depoimento não resulta factualmente balizadas nem uma concreta oposição do Instrutor nem sequer uma concreta comunicação da Arguida ao mesmo (ou daquele a esta), quanto à intenção de que pretendia exerce as funções de que estava acometida, designadamente a de "normalizar as marcações" a que, como resulta do teor de tais artigos, reconhece não ter procedido no período em discussão nos autos.

Motivos porque o depoimento de tal testemunha, também ela Arguida em processo disciplinar (cf. fls. 135 dos autos) quanto a factos que a si também interessariam, como resulta dos provimentos a que alude em resposta ã matéria do artigo 56.° da defesa, reveste de grandes reservas na sua valoração."

Entende a Exma Requerente que esta apreciação demonstra, mais uma vez, «uma visão parcial do processo, contaminada pelo envolvimento na factualidade alegada» e, por isso, será relevante atentar no depoimento que a testemunha prestou nos autos, pedindo, por isso, a final, que seja o CSM notificado para efectuar a junção do respectivo auto de declarações.

2º Conforme já se referiu na resposta deduzida nos termos do art. 174º, n.º 1, do EMJ, o CSM teve em consideração todo o envolvimento decorrente da presença do Exmº Inspector no Tribunal de Trabalho, designadamente no que tange à interacção com os Juízes que ali se encontravam, por exemplo, através da sugestão desta ou daquela medida, não esquecendo que as funções dum inspector judicial, comportando uma inegável dimensão pedagógica, vão muito para além da mera recolha de elementos, quer no âmbito de uma inspecção, quer de um inquérito ou processo disciplinar.

O Conselho Superior da Magistratura não viu razão mesmo tendo entendido que seria de ouvir a testemunha Drª CC, nisso divergindo da opinião do Ex.mo Inspector, para a procedência do incidente de recusa, que tem de assentar num motivo grave e sério, adequado a gerar a desconfiança em relação ao visado.

Ora, o diferente entendimento sobre o relevo de determinado meio de prova não é, naturalmente, suficiente para uma conclusão desse teor.

3º A posição claramente expressa - discutível ou não - pelo Ex.mo Instrutor no relatório final elaborado no Proc. Disciplinar nº 216/2010, relativamente à importância do depoimento da Exma Juíza Drª CC, não nos parece que evidencie ou confirme qualquer juízo de imparcialidade, não passando do natural labor de um instrutor na apreciação que lhe cabe fazer sobre a prova produzida.

4º O Conselho Superior da Magistratura, que, na sessão do Plenário de 20 de Setembro de 2011, já tomou decisão final sobre o processo disciplinar em causa, juntará a cópia do depoimento da testemunha Srª Drª CC se o Supremo Tribunal de Justiça o julgar necessário.

5º Contudo, com todo o respeito por opinião diversa, considera-se que a factualidade agora invocada, continuando a não patentear a alegada imparcialidade, não é susceptível de conduzir a resultado diferente daquele a que este Conselho chegou, não se vendo, pois, que consubstancie motivo bastante para o deferimento da recusa do Ex.mo Inspector.

Notificada para os efeitos do art. 176º do EMJ, alegou a recorrente:

I. QUESTÃO PRÉVIA - DA FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO OU POR JURISTA DESIGNADO

Vem a, aliás douta, contestação do CSM assinada pelo seu Vice-Presidente, o Ex.mo Senhor Conselheiro ...

Porém, salvo o devido respeito, que é muito, considera a A. que o CSM deveria estar obrigatoriamente representado por Advogado ou por jurista designado para o efeito.

Senão vejamos.

Estatui o art. 178.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) que em tudo quanto não esteja regulado neste Estatuto, se aplicam as regras previstas para o recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo.

Porém, a Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, prevista no Decreto-Lei n.° 40768, de 8 de Setembro de 1956, foi sendo sucessiva e parcialmente revogada, até à Lei n.° 15/2002, de 22 de Fevereiro, que a revogou na sua totalidade, lei esta que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Assim, o Recurso previsto nos arts. 168.° e ss. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) na sequência da entrada em vigor do CPTA é hoje, em rigor, uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, aplicando-se a esta os preceitos deste Código e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro.

Ora, determina o artigo 11.°, n.° 1, do CPTA que "Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado." Mais acrescenta o n.° 2 do mesmo artigo que "Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte."

Em caso de irregularidade de mandato, como referem, em anotação a este preceito, referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição revista, Almedina, 2010, Coimbra, p. 106, "Os artigos 33° e 40°do mesmo Código [Código de Processo Civil - CPC] providenciam, respectivamente, quanto à falta de constituição de mandato e à falta, insuficiência ou irregularidade de procuração forense."

Assim sendo, no caso em apreço, não se encontrando o CSM representado por advogado ou por jurista expressamente designado para o efeito, nos termos do art. 33.° do CPC, deverá o "tribunal (...) notificar para constituir dentro de prazo certo, sob pena de ficar sem efeito a defesa", o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

II. CONSIDERAÇÕES DE DIREITO

Tendo em conta a factualidade subjacente aos autos, que as partes não colocam em causa, considera a A. que, salvo o devido respeito, não podem proceder os argumentos invocados pelo R., pelas razões que se passam a explanar:

A) DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

Como já se referiu, pela douta deliberação recorrida foi decidido manter a decisão de indeferimento do incidente de recusa do Exmo. Senhor Inspector designado no processo disciplinar de que é alvo a A., com a consequente manutenção do Senhor Desembargador BB como instrutor do processo.

A decisão consubstanciou-se, no que releva para a presente impugnação, no entendimento de que o facto de o Senhor Inspector não ter admitido o depoimento de determinada testemunha "Mesmo que este Plenário delibere que a decisão do Conselho Permanente não é de manter e que a testemunha deve ser ouvida, tal não constitui, salvo melhor opinião, motivo grave e sério, suficiente para se deferir o requerimento de recusa. Estamos apenas perante uma questão discutível, como o são outras que surgem no decurso dos processos e que dão origem a reclamações e recursos. Daí a concluir-se pela parcialidade do Senhor Inspector vai um grande passo".

A A., embora a respeite, discorda da apreciação feita pela douta deliberação impugnada porquanto a mesma não se pronuncia quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado e que vai muito para além do facto de ter sido decidido pelo Senhor Inspector não admitir o depoimento de determinada testemunha.

É que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector.

Sendo certo que, embora o negue, a douta contestação e articulado superveniente continuam a não se pronunciar verdadeiramente sobre esta questão, referindo-se apenas à circunstância de ter sido o Senhor Inspector a liderar o inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa e que como tal "teve em consideração toda [sic] o envolvimento decorrente da presença do Exm° Inspector no Tribunal de Trabalho, designadamente no que tange a interacção com os Juízes que ali se encontravam, por exemplo, através da sugestão desta ou daquela medida."

Contudo, o que está em causa nos presentes autos não é uma genérica interacção, mas uma concreta conversa, com determinada testemunha, ocorrida com o próprio Inspector, cujo depoimento é por este desvalorizado e mesmo, diremos, salvo o devido respeito, totalmente descredibilizado.

Aspectos sobre os quais - em nosso entendimento, sem sombra de dúvida - a douta deliberação impugnada não se pronunciou, verificando-se assim o vício de falta de fundamentação, que comina a douta deliberação impugnada de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

B) DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA

Como já referido supra, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM não apreciou a questão fulcral na qual, a par de outras, se fundamentou o incidente de recusa, ou seja, que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector.

Além do mais, aquele circunstancialismo, fulcral para o caso em apreço, e sobre o qual a douta deliberação não se pronunciou demonstra que o fundamento de recusa do Senhor Inspector não se alicerça apenas no facto de estarmos perante uma questão discutível.

Fundamenta-se, antes, no facto de o Senhor Inspector, melhor do que ninguém saber da relevância do depoimento da testemunha, porquanto os factos a que a mesma ia ser inquirida o tiveram como interveniente, e mesmo assim ter despachado no sentido de não admitir a sua inquirição.

Sendo certo que a inquirição da referida testemunha seria fundamental para demonstrar que, estando em causa no presente processo disciplinar o critério que presidiu ao agendamento das audiências de julgamento dos processos de que a Recorrente era titular, houve intenção de mudar aquele critério, tentando ir de encontro àquilo que a Recorrente pensava ser o pretendido pelo CSM, mostrando-se disponível para o alterar.

Pelo que a não admissão da inquirição da testemunha poderia ser absolutamente prejudicial para a sua Defesa.

É certo que não se sustenta, obviamente, que fosse intenção deliberada do Senhor Inspector Judicial prejudicar a Recorrente.

No entanto, se no âmbito do processo disciplinar sob escrutínio, o Senhor Inspector Judicial exerceu as competências de instrução do inquérito, propondo ao CSM a instauração do procedimento disciplinar, procedimento este que veio a instruir, deduzindo douta Acusação, e tendo agido no sentido de não levar a cabo todas as diligências relevantes requeridas pela A. na sua defesa,

Se, ao fazê-lo, demonstrou não ser objectivamente imparcial,

O incidente de recusa deduzido, deveria, salvo o devido respeito, e melhor opinião, ter sido deferido, nos termos e para os efeitos do art. 43.°, n.° 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 112.° do EMJ, sob pena de violação do direito de defesa da Recorrente, constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Veja-se a este respeito o douto Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no âmbito do processo n.° 08P1208, de 17 de Abril de 2008, disponível em que refere:

"V - O princípio norteador do instituto da suspeição é o de que a intervenção do juiz só corre risco de ser considerada suspeita caso se verifique motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade - referenciada em concreto ao processo em que o incidente de recusa ou escusa é suscitado -. a qual pressupõe a ausência de qualquer preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão.

VI - É notório que a seriedade e a gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas. Com efeito, não basta o mero convencimento subjectivo por parte do MP, do arguido, do assistente ou da parte civil, ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência de suspeição. E também não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam sérios e graves.

VII - A lei não define nem caracteriza a seriedade e a gravidade dos motivos, pelo que será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas. Em todo o caso, o art. 43°, n.° 1, do CPP não se contenta com um «qualquer motivo», ao invés, exige que o motivo seja duplamente qualificado, o que não pode deixar de significar que a suspeição só se deve ter por verificada perante circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.

VIII - No caso em apreciação o pedido de escusa vem sustentado no conhecimento que o Conselheiro instrutor teve, enquanto Procurador-Geral da República e Presidente do CSMP, de factos que conduziram à instauração de inquérito disciplinar por aquele Conselho contra o assistente, em cuja sessão esteve presente e à qual presidiu, bem como na circunstância de haver valorado o comportamento que subjaz àqueles factos, o que a seu ver condiciona a avaliação que terá de fazer sobre a ilicitude dos factos objecto da instrução, designadamente o carácter ofensivo da honra dos epítetos "insensato e desrespeitador" com que o arguido adjectivou o assistente na acusação do processo disciplinar que a este foi instaurado na sequência do referido inquérito disciplinar.

IX - Ora, o que está em causa na instrução requerida pelo assistente é (apenas) a apreciação da ilicitude criminal do comportamento do arguido ao deduzir acusação contra o assistente no âmbito de processo disciplinar, concretamente ao referir-se ao assistente como "irresponsável e desrespeitador". Tal julgamento, consabido que o Conselheiro instrutor não teve qualquer intervenção naquele processo disciplinar, nem sobre ele se pronunciou - tendo apenas conhecimento dos factos e comportamentos do assistente que deram origem ao inquérito disciplinar que antecedeu aquele processo, factos e comportamentos que avaliou e cujos juízos partilhou enquanto Procurador-Geral da República -, não se encontra exposto a qualquer suspeição, uma vez que aquele circunstancialismo, não consubstanciando a seriedade e a gravidade legalmente exigíveis, não é adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, sendo, pois, de indeferir o pedido de escusa." (O sublinhado é nosso)

Aplicando o entendimento vertido no douto Acórdão citado, não se poderá deixar de considerar que as circunstâncias concretas do caso - a saber, a qualidade de Instrutor do procedimento disciplinar, a par das funções de instrutor do Inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, no âmbito das quais participou activamente em conversa com testemunha, cujo depoimento indeferiu, sendo que o seu conteúdo, se dado como provado, consistiria elemento relevante a ter em conta na defesa da A. -são sérias, graves e objectivamente põem em causa a imparcialidade do Senhor Inspector do processo.

Pelo que é a douta deliberação impugnável nula, nos termos e para os efeitos do art. 133.°, n.° 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

II. CONCLUSÕES

I. Não se encontrando o CSM representado por advogado ou por jurista expressamente designado para o efeito, nos termos do art. 33.° do CPC, aplicável ex vi do art. 178.° do EMJ e art. 1.° do CPA, deverá o "tribunal (...) notificar para constituir dentro de prazo certo, sob pena de ficar sem efeito a defesa", o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

II. Salvo melhor opinião, a douta deliberação impugnada (assim como a douta contestação e o requerimento de pronúncia ao articulado superveniente) não se pronuncia quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado e que vai muito para além do facto de ter sido decidido pelo Senhor Inspector não admitir o depoimento de determinada testemunha, isto é, que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector, pelo que a mesma padece do vício de falta de fundamentação, e por isso é anulável, nos termos do art. 135.° do CPA.

III. As circunstâncias concretas do caso - a saber, a qualidade de Instrutor do procedimento disciplinar, a par das funções de instrutor do Inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, no âmbito das quais participou activamente em conversa com testemunha, cujo depoimento indeferiu, sendo que o seu conteúdo, se dado como provado, consistiria elemento relevante a ter em conta na defesa da A. - são sérias, graves e objectivamente põem em causa a imparcialidade do Senhor Inspector do processo, pelo que o indeferimento do incidente de recusa viola o direito de defesa da A. constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da CRP, pelo que o mesmo é nulo, nos termos e para os efeitos do art. 133.°, n.° 2, alínea d), do CPA.

Termos em que deve a presente Acção ser julgada procedente e provada e, em consequência ser a douta deliberação impugnada anulada, com as devidas e legais consequências, com o que V. Exas., Venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA!

O CSM, por sua vez, apresentou as seguintes alegações:

1. A Ex.ma Juíza veio interpor recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, datada de 05-04-2011, na qual se decidiu não estar demonstrada a existência de fundamento para a recusa do Ex.mo Inspector, Desembargador BB, desatendendo-se, em consequência, a reclamação que havia sido deduzida pela mesma Exma Juíza.

2. Levanta a Ex.ma Recorrente, como questão prévia, o problema da falta de representação do Conselho Superior da Magistratura por advogado constituído ou por jurista designado, estribando-se no disposto no art. 11°, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), em cujos nºs 1 e 2 se dispõe o seguinte:

«1. Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.

2. Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte."

Considera a Ex.ma Recorrente que, não se encontrando o CSM representado por advogado ou por jurista expressamente designado para o efeito, deverá, nos termos do art. 33.° do CPC, ser notificado para esse fim.

Vejamos:

Tanto a resposta deduzida ao abrigo do disposto no art. 174º, nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais como a pronúncia deste Conselho sobre o articulado superveniente apresentado pela Recorrente estão subscritas pelo Vice-Presidente deste órgão, que é, como se sabe, Juiz Conselheiro e que, por força da delegação de competências constante do Despacho nº 9057/2010, publicado no DR, II Série, de 26-05-2010, tem poderes para representar o Conselho Superior da Magistratura em juízo e fora dele.

Conforme se exarou no Ac. do STJ de 08-10-2002 (Rel. Ribeiro Coelho), publicado em www.dgsi.pt, pretendendo a lei garantir a intervenção de alguém que assegure a capacidade técnica necessária para enquadrar em termos satisfatórios as questões em discussão, «não se vê o que pode a intervenção de um técnico jurista acrescentar em relação ao que é garantido pela elaboração daquela peça processual pelo seu Vice-Presidente, que [é] um Juiz Conselheiro deste STJ ou por um vogal que o substitua eventualmente - que é um juiz eleito [...]».

Concluiu-se, nesse douto aresto, consentir o espírito da lei a dispensa daquele patrocínio que, no tocante ao Conselho, «seria apenas um ritual sem sentido e sem valor», tratando-se de entendimento pacífico do STJ.

Crê-se, pois, que não assiste razão à Ex.ma Recorrente sobre esta matéria.

3. Quanto ao mais, conclui a Ex.ma Juíza o seguinte:

«II. Salvo melhor opinião, a douta deliberação impugnada (assim como a douta contestação e o requerimento de pronúncia ao articulado superveniente) não se pronuncia quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado e que vai muito para além do facto de ter sido decidido pelo Senhor Inspector não admitir o depoimento de determinada testemunha, isto é, que os factos a que essa testemunha iria ser inquirida, indicados na defesa apresentada, eram factos que tinham decorrido com e na presença desse mesmo Senhor Inspector, pelo que a mesma padece do vício de falta de fundamentação, e por isso é anulável, nos termos do art. 135.° do CPA.

III. As circunstâncias concretas do caso - a saber, a qualidade de Instrutor do procedimento disciplinar, a par das funções de instrutor do Inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, no âmbito das quais participou activamente em conversa com testemunha, cujo depoimento indeferiu, sendo que o seu conteúdo, se dado como provado, consistiria elemento relevante a ter em conta na defesa da A. — são sérias, graves e objectivamente põem em causa a imparcialidade do Senhor Inspector do processo, pelo que o indeferimento do incidente de recusa viola o direito de defesa da A. constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 10, da CRP, pelo que o mesmo é nulo, nos termos e para os efeitos do art. 133.°, n.° 2, alínea d), do CPA.».

4. Conforme se referiu na resposta formulada ao abrigo do disposto no art. 174º, nº l do EMJ, alinharam-se vários argumentos na reclamação (sobre a qual recaiu o acórdão recorrido) deduzida pela Exmª Juíza, no sentido de ilustrar a alegada falta de imparcialidade do Ex.mo Inspector, dizendo-se, a dado passo, que um facto disso demonstrativo foi a recusa do depoimento de uma das testemunhas arroladas.

Não ignorou o CSM, na deliberação em apreço, o modo como a Exmª Juíza alegou essa matéria, desde logo pelo que se retira da seguinte passagem:

«A Exma Reclamante defende, conforme se retira da leitura dos pontos 39 e e segs., que não é de esperar que o Ex.mo Inspector venha a mudar a sua convicção, estando há mais de um ano empenhado no inquérito e no acompanhamento do Tribunal, com medidas que aí tem proposto, esperando o sucesso das suas acções.

Dá como exemplo da falta de objectividade do Exmº Instrutor o despacho de indeferimento da inquirição de uma das testemunhas arroladas pela Exmª Reclamante, cujo depoimento iria incidir sobre uma situação que ocorreu com o próprio Inspector e de que este tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções.».

A Exma Juíza sublinhou, como se vê, a circunstância de o Ex.mo Inspector se encontrar no Tribunal do Trabalho, empenhado no inquérito e no acompanhamento do Tribunal, entendendo existir «um comprometimento previamente estabelecido» e advir o conhecimento da dita situação do exercício das suas funções.

Quando se considerou que a recusa em ouvir a testemunha era uma questão apenas discutível, mas não suficiente para se concluir pela parcialidade do Senhor Inspector, naturalmente estava o CSM a reportar-se ao que foi alegado, nos termos em que o foi.

Relembre-se o que se escreveu no acórdão:

«Crê-se que, no caso presente, terá tido um peso decisivo na dedução do incidente, a não admissão do depoimento de uma das testemunhas (a Srª Drª CC) indicadas pela Ex.ma Juíza. Na verdade, o Exmº Instrutor deduziu acusação contra a Ex.ma Juíza e, na Defesa apresentada, não foi levantado problema quanto à manutenção do Exmº Inspector. O requerimento de recusa surgiu apenas após o aludido despacho a rejeitar o depoimento.

A intervenção de um instrutor poderá ser recusada apenas quando existir motivo sério e grave que envolva o risco de tal intervenção ser considerada suspeita. Ora, salvo o devido respeito, a não admissão do depoimento da testemunha em causa assentou em argumentos que foram expressamente assumidos no referido despacho, que, na sequência de recurso hierárquico, foi mantido pelo Conselho Permanente.

Trata-se de matéria a ser discutida em reclamação paralela a esta e, nessa sede, se verá se a deliberação do Permanente é de alterar ou não.

Mesmo que este Plenário delibere que a decisão do Conselho Permanente não é de manter e que a testemunha deve ser ouvida, tal não constitui, salvo melhor opinião, motivo grave e sério, suficiente para se deferir o requerimento de recusa. Estamos apenas perante uma questão discutível, como o são outras que surgem no decurso dos processos e que dão origem a reclamações e recursos. Daí a concluir-se pela parcialidade do Senhor Inspector vai um grande passo.

A circunstância de o Exmº Inspector se encontrar no Tribunal de Trabalho de Lisboa a proceder a um inquérito e sugerir a tomada de medidas destinadas a assegurar um melhor funcionamento do Tribunal e uma justiça mais rápida e eficaz, não confere, igualmente, parcialidade à sua actuação no âmbito  do processo disciplinar. Na verdade, o papel dum inspector judicial, para além da recolha de elementos, quer no âmbito de uma inspecção, quer de um inquérito ou processo disciplinar, comporta uma dimensão pedagógica, que não pode ser ignorada, com respeito, sempre, pela independência dos juízes e tendo em atenção que as decisões pertencem, aceitando, ou não, as sugestões que lhe são feitas, ao Conselho Superior da Magistratura, dentro da sua esfera de competências.».

Como se patenteia pela leitura deste extracto, o CSM teve em consideração todo o envolvimento decorrente da presença do Ex.mo Inspector no Tribunal de Trabalho, designadamente no que tange à interacção com os Juízes que ali se encontravam, por exemplo, através da sugestão desta ou daquela medida.

Contudo, e apesar disso, sopesados os fundamentos (nenhum deles ignorado) que foram carreados pela Ex.ma Juíza, não se encontrou razão para a pretendida recusa.

5. A circunstância de, na mesma data da deliberação ora impugnada, ter havido outra mediante a qual se decidiu ser de ouvir a dita testemunha - discordando-se, assim, do Ex.mo Inspector - não contraria o entendimento exarado no acórdão recorrido. Na verdade, estamos apenas perante uma posição diversa da assumida pelo Ex.mo Inspector e não mais do que isso, não se podendo olvidar que a decisão final (não raro, discordante com as propostas dos Senhores Inspectores, sem que isso redunde em fundamento para recusas ou suspeições) é do CSM.

6. O CSM tratou das questões que tinha de apreciar e fê-lo, salvo melhor opinião, de forma suficientemente clara, estando a decisão impugnada devidamente fundamentada.

O que sucede é que a Exmª Juíza discorda da avaliação feita pelo Conselho, persistindo na defesa de que havia fundamento para o deferimento da recusa, importando, nesse capítulo, dizer que se mantém o que se verteu na deliberação, ou seja: continua a entender-se que não há motivo (grave e sério) para se concluir pela falta de imparcialidade do Ex.mo Inspector.

7. Entende, pelo exposto, o CSM que a deliberação recorrida não enferma dos apontados vícios, não tendo sido atingido o direito de defesa da Exma Recorrente e tendo havido pronúncia sobre as questões que tinham de ser apreciadas, devendo, por isso, na improcedência do recurso, manter-se o que foi deliberado.

Relativamente ao segundo recurso, ou seja, o interposto da deliberação do CSM de 20.9.2011, a recorrente apresentou a seguinte petição:

A) OBJECTO DO RECURSO E PRESSUPOSTOS

1º O acto impugnado é, como se disse, o douto Acórdão do Plenário do CSM, de 20 de Setembro de 2011, que decidiu condenar a A. pela violação dos seus deveres de administrar justiça, prossecução do interesse público e zelo, aplicando a pena disciplinar de 25 dias de multa - de que se junta fotocópia como doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido.

2º A A. é directamente visada e lesada pelo douto Acórdão impugnado, pelo que tem legitimidade.

3º A A. foi notificada do acto impugnado em 29 de Setembro de 2011, pelo que está em tempo - artigo 169° do EMJ.

4º O Tribunal é competente, nos termos do artigo 168°, nº 1, do referido EMJ.

B) QUESTÃO PRÉVIA - DO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO DO STJ

5º Tem sido entendimento deste Venerando Tribunal que o seu âmbito de jurisdição não é pleno, antes se limitando a um contencioso de mera legalidade, circunscrito à apreciação das questões de invalidade ou de inexistência dos actos impugnados e de erros de clamorosos de julgamento.

6º Veja-se, por todos, o douto Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Maio de 2010, proferido no âmbito do processo nº 453/08, cujo sumário se encontra disponível na publicação dos Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secção do Contencioso (Ano de 2010), em www.stj.pt.

7º Segundo este entendimento, tal limitação do dizer do direito decorre do princípio da separação de poderes a que este Supremo Tribunal se encontra vinculado.

8º Tal entendimento, porém, não pode proceder, sob pena de violação do princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente previsto no artigo 20º da CRP.

9º Assim, se é certo que o EMJ refere que estamos perante um recurso contencioso, em tudo o que não estiver especialmente regulado nos seus artigos 168º e ss. (partindo do princípio que nenhuma destas normas está derrogada), aplicam-se directamente os preceitos do Código de Processo Administrativo (CPTA), relativos à acção de impugnação de actos administrativos (acção administrativa especial - artigo 46 e ss. do CPTA), aplicáveis subsidiariamente por força do art. 178° do EMJ.

10º Com efeito, em rigor, o recurso previsto nos artigos 168° e ss. do EMJ deu lugar, por  força do CPTA, à acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, com todas as implicações daí advenientes em matéria de prova e de poderes do Tribunal.

11º E é assim que deve entender-se a remissão inserta no art. 178º do EMJ, quando manda aplicar, a título subsidiário, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

12º Dito por outras palavras, o regime especial do EMJ (a entender-se que se mantêm integralmente em vigor) só será aplicável em tudo o que não ponha em causa o direito à tutela judicial efectiva de quem recorre à Justiça para obter a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

13º Entendimento que não é prejudicado pelo princípio da separação de poderes, dado que (e desde logo) se assim fosse também não seria constitucionalmente admissível a consagração da jurisdição plena dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quando - ao invés - a jurisdição plena é exigida pela própria Constituição, no seu artigo 268°, nº 4.

14º Acresce que, a entender-se não plena a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, nomeadamente no que respeita à apreciação dos processos disciplinares, tal configuraria uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13º da CRP, face aos trabalhadores que exercem funções públicas, dado que estes têm direito a uma apreciação judicial plena da decisão disciplinar impugnada.

15° Esta violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade é, ainda, agravada pela inexistência de duplo grau de recurso no contencioso da Magistratura.

16º É certo que a sua não existência não tem vindo a ser entendida como inconstitucional dada a formação alargada do colectivo que decide este tipo de processos, nos termos do artigo 168º, nº 2, do EMJ.

17º Porém, a alguma coincidência da formação deste Supremo Tribunal com a do Conselho Plenário do CSM, a não existência de duplo grau de jurisdição somando o entendimento de que este Supremo Tribunal, neste caso, não conhece de matéria de facto, além da desigualdade em relação ao trabalhador que exerce funções públicas, põe em causa o direito a processo justo e equitativo, plasmado no artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que dispõe que "Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial....".

18º Em anotação a este preceito e sobre a imparcialidade do tribunal IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 155-56, depois de distinguir a imparcialidade subjectiva e a objectiva, pondera que "no sentido de preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, deve ser recusado todo o juiz impossibilitado de garantir uma total imparcialidade", sendo que a função da imparcialidade objectiva é dissipar todas as dúvidas ou reservas, porquanto, mesmo as aparências podem ter importância.

19º Nesta sequência, refere aquele autor que "a imparcialidade é posta em causa face a índices diversos, como, por exemplo, quando um ou mais membros do tribunal desempenharam ao longo de um processo outras funções”.

20º Mais adiante pode ainda ler-se que "No Caso Oberschlick, o Tribunal entendeu violar este número o facto de um mesmo magistrado de um tribunal de recurso ter tido intervenção, por duas vezes, no mesmo processo".

21º Em consequência e nomeadamente, não pode este Tribunal deixar de entender que, neste âmbito, tem plena jurisdição, abrangendo esta o poder de apreciação da matéria de facto e de direito em causa (nos limites, não se discute, da discricionariedade administrativa, que, no entanto, obedece a regras de igualdade, imparcialidade e auto-vinculação).

22° Entendimento que, aliás, já tem tido ultimamente alguma aceitação por este Supremo Tribunal, ainda que, e salvo o devido respeito, de forma tímida, porque daí não retira as devidas e legais consequências, como se verifica da leitura do sumário do douto Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, proferido no âmbito do processo nº 9/10.6YFLSB.S1.

23º E esta jurisdição plena, isto é, e neste caso, a possibilidade de serem verdadeiramente apreciados os factos sub judice, assume ainda maior relevância, quanto os erros, omissões e distorções efectuados da matéria de facto sub judice.

24º Porque, Senhores Conselheiros, a realidade subjacente a esta petição inicial é, salvo o muito e devido respeito, de tal forma chocante, que a mera leitura superficial dos autos poderá fazer crer que não é possível que seja verdade, quando corresponde à mais pura das realidades.

25º Situação a que, pensa-se, poderá não ter sido alheio o destaque que a comunicação social deu a este processo.

26° Pelo que, a não apreciação destes erros, omissões e distorções não poderá deixar de consistir uma negação, das mais puras, do direito da A. a um processo justo e equitativo, nos termos já referenciados.

27º No entanto, se assim não se entender, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos, entende a A., ainda assim, que se encontram verificados os pressupostos necessários para que este Supremo Tribunal aprecie a questão sub judice, desde logo, e salvo o devido respeito, dado o cometimento de violações graves do direito de audiência e defesa da A. e de erros grosseiros sobre os pressupostos de facto, entre outras tantas, que nos propomos agora abordar. Senão vejamos,

C) DA DECISÃO PROFERIDA PELO CONSELHO PLENÁRIO DO CSM

28º Pelo douto Acórdão impugnado foi decidido aplicar à A. a pena de 25 dias de multa, pela violação dos seus deveres de administrar justiça, prossecução do interesse público e zelo.

29º A decisão consubstanciou-se nos factos já constantes da acusação e em alguma (muito pouca) factualidade provada emergente da produção de prova indicada em sede de defesa, repetindo, na sua quase totalidade, com excepção da pena aplicável e (pasme-se!) da individualização das infracções cometidas, a argumentação expendida no, aliás douto, Relatório final do Senhor Instrutor designado.

30º A A., embora a respeite, discorda da apreciação feita pelo douto Acórdão impugnado, na medida em que considera I) prescrito o procedimento disciplinar, II) violada a lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal - art. 24º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), III) nula a douta Acusação por não concretização dos factos que consubsumem as infracções e, bem assim, o douto Acórdão impugnado, IV) nula a douta Acusação por não indicação da pena concretamente aplicável; V) nulo o douto Acórdão impugnado por omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade; VI) incompetente o CSM para apreciação da validade dos despachos proferidos pela A. por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos Tribunais; VII) nulo por consideração de factos desfavoráveis à A. não constantes da douta Acusação; VIII) que padece de falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada e quanto às conclusões emergentes da factualidade dada como provada; IX) errados os pressupostos de facto com base nos quais foi preferida a decisão de condenação; X) ser inexigível outro comportamento à A.; e XI) ter-se violado o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18º da CRP, ao não se aplicar a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 97° do EMJ.

31° É o que de seguida se procurará demonstrar, cabendo, no entanto referir que se encontra pendente neste Supremo Tribunal, com o nº de processo 69/11.2YFLSB, a impugnação da douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 5 de Abril de 2011, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela A., mantendo a decisão de indeferimento de recusa do Senhor Inspector designado no processo disciplinar.

32° Deliberação que se impugnou por se considerar que a actuação do Senhor Inspector não foi pautada pelo princípio da imparcialidade, conforme argumentação aí expendida, para a qual se remete e se dá por integralmente reproduzida.

33º Sendo certo que a própria decisão ora impugnada acaba por ser, em nosso entendimento, irremediavelmente contaminada, por esta falta de imparcialidade, objectivamente considerada. Senão vejamos.

C.I - DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

34º O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida, nos termos do artigo 6º, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro [que revogou o Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, que aprovara o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL)], aplicável ex vi do artº 131° do EMJ.

35º No caso em apreço, a deliberação do Conselho Permanente do CSM de instaurar o presente procedimento disciplinar à A. foi tomada em 6 de Julho de 2010.

36º Estavam, assim, prescritas todas as infracções alegadamente cometidas até 6 de Julho de 2009.

37º Ora, os factos 17º, 20º e 21° ocorreram em data anterior.

38º E, por isso, se conclui, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1, do EDTFP, aplicável por força da previsão do artigo 4º, da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, que o aprovou, pelo requerimento de declaração de prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar à A. pelos factos ocorridos em data anterior a 6 de Julho de 2009.

39º É certo que, em 25 de Maio de 2009, foram instaurados inquéritos ao Tribunal de Trabalho de Lisboa.

40º E que, nos termos do nº 4 do art. 6º do EDTFP, esse facto poderia, em abstracto, ter suspendido o prazo prescricional por um período de até seis meses, o que acarretaria que apenas estivesse prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar ao A. por factos ocorridos em data anterior a 6 de Janeiro de 2009.

41° Acontece, porém, que o presente processo disciplinar não resultou de conversão desses processos de inquérito.

42º Além de que não se conhecem nem constam dos factos dados como provados pelo douto Acórdão impugnado elementos que permitam concluir terem-se verificado no caso as previsões constantes das alíneas a) e b) do nº 5 do referido art. 6º para que tal suspensão se tivesse verificado.

43º Assim sendo, em nosso entendimento, impõe-se a declaração da prescrição do procedimento disciplinar, nestes precisos termos, o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

44º No entanto, a considerar que o processo de inquérito suspendeu aquele prazo de prescrição, hipótese que apenas se coloca para efeitos meramente argumentativos, e sem conceder, sempre haveria que considerar prescritos os factos ocorridos em data anterior a 6 de Janeiro de 2009.

45º De referir que, ao contrário do que considerou o douto Acórdão impugnado, a alegada infracção pelo não agendamento de audiência de discussão e julgamento, nos termos do art. 56.°, alínea c), do Código de Processo de Trabalho (CPT), em relação aos processos n.ºs 2166/2007.0TTLSB (facto 15.º), 4346/2007.9TTLSB (facto 16.º), e 1152/2007.4TTLSB (facto 20.º), consumou-se quando, realizada a audiência de partes, se omitiu aquele agendamento.

46° Ora, no âmbito do processo n.º 2166/2007.0TTLSB, o despacho em que alegadamente deveria constar a marcação da audiência de julgamento, é de 30 de Novembro de 2007, despacho este que nem sequer foi proferido pela ora A., mas pelo Juiz Titular do processo à data.

47º No processo n.º 4346/2007.9TTLSB, o despacho é de 4 de Fevereiro de 2008, despacho este que nem sequer foi proferido pela ora A., mas pelo Juiz Titular do processo à data.

48º No processo n.º 1152/2007.4TTLSB, o despacho é de 18 de Setembro de 2008, despacho este que nem sequer foi proferido pela ora A., mas pelo Juiz Titular do processo à data.

49º Termos em que, em nosso entendimento, deverá ser declarada a prescrição de, na pior das hipóteses e, como se disse, sem conceder, da alegada infracção cometida nestes processos.

50º Para além da prescrição invocada nos termos do artigo 6º, nº 1, do EDTFP, entende-se, ainda, que o procedimento disciplinar prescreveu nos termos e para os efeitos do nº 2 daquele artigo 6º, porquanto o CSM teve conhecimento da(s) falta(s) em causa (com as mesmas características de modo, tempo, lugar e identidade da A. com que viriam a ser descritas na douta Acusação e no douto Acórdão impugnado) na Reunião de Plenário de 02.03.2010 - cfr. Relatório Preliminar junto ao processo disciplinar.

51° Além do mais, para além da prescrição invocada, ocorreu, ainda, a caducidade do procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do artigo 55º do EDTFP, aplicável ex vi do artigo 131º do EMJ, dado o decurso de mais de 30 dias desde o envio de Relatório final até à data da deliberação impugnada.

C.II - DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI NA DECISÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR POR VOTAÇÃO NOMINAL - ART. 24º, Nº 2, DO CPA

52º O douto Acórdão impugnado foi decidido por voto nominal.

53° Porém, determina o art. 24°, nº 2, do CPA, que "As deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto."

54° Ora, a deliberação de condenação de Magistrado em procedimento disciplinar envolve a apreciação de comportamentos e qualidades do Magistrado.

55º Assim o referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, Almedina, 2003, Coimbra, p. 177, dizendo para o efeito que "Em primeiro lugar, questiona-se se são deliberações dessas apenas aquelas em que o comportamento ou qualidades tidas em vista constituem o próprio objecto da apreciação afazer ou se incluem também aquelas hipóteses em que eles funcionam como pressuposto de um acto com objecto diverso. A regra deve valer para ambos os casos - quer para o caso de decisão disciplinar (que versa sobre o comportamento de uma pessoa) quer para o caso de uma adjudicação ou de uma autorização em que o seu comportamento ou qualidades são pressupostos da referida decisão - interpretação que, de resto, é corroborada pela letra do preceito." (o sublinhado é nosso)

56º Assim, a deliberação da decisão final do procedimento deverá ser uma votação secreta, nos termos deste preceito.

57º O que não sucedeu no caso em apreço.

58º Nem se diga que o CSM não está obrigado a cumprir este preceito do CPA uma vez que o Regulamento Interno do CSM (aprovado na Sessão Plenária de 30.03.1993 e publicado em Diário da República, II série, de 27 de Abril de 1993, alterado por deliberação do Plenário publicada em Diário da República, II série, de 27 de Março de 2008) contém norma específica, especial, que regulamenta as formas de votação no CSM, sendo que, de acordo com esta, a deliberação que determina a instauração de procedimento disciplinar contra um determinado Juiz não carece de ser secreta (artigo 13º).

59º Salvo o devido respeito e melhor opinião, contudo, tal argumento não pode proceder por duas ordens de razões.

60º Desde logo, porque daquele preceito não consta que a deliberação que determina a instauração de procedimento disciplinar contra um determinado Magistrado Judicial não carece de ser secreta.

61º Na verdade, refere aquele preceito o seguinte:

"Artigo 13º (Modo de votação)

1. As votações realizam-se por uma das seguintes formas:

a) Por escrutínio secreto com listas ou com esferas brancas e pretas;

b) Por votação nominal;

c) Por braço levantado, que constitui a forma usual de votar.

2. Pode qualquer dos membros do Conselho Superior da Magistratura requerer que a votação a efectuar se faça por voto secreto.

3. Havendo empate em votação, por escrutínio secreto, proceder-se-á imediatamente a nova votação, e, se o empate se mantiver, abre-se novo período de discussão, repetindo-se a votação nessa ou na reunião imediata.

4. Se se mantiver o empate na votação por escrutínio secreto após as votações previstas no número 3, proceder-se-á à votação nominal."

62º É evidente - em nosso entendimento - que da sua leitura nada resulta quanto à forma de votação das deliberações de decisão dos procedimentos disciplinares.

63° Em segundo lugar, mesmo que daquele preceito resultasse que aquelas deliberações deveriam obedecer à forma de votação nominal, tal entendimento, porque contrário com o legalmente estatuído, violaria um princípio estabelecido implicitamente no artigo 112°, nº 5, da CRP, que determina que "Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos."

64º Em anotação a este preceito, referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, 2010, pp. 67 e 68, o seguinte:

"(...) Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 169°), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).

Os «actos de outra natureza» - ou conferir a actos de outra natureza - a que o preceito se refere abrangem quer os demais actos normativos (regulamentos, etc.), quer os actos administrativos, quer os actos jurisdicionais. Nenhum acto dessa natureza pode deixar de estar subordinado à lei, nem nenhuma lei pode ela mesma autorizar qualquer excepção.

(...)

XXIV. Além dos regulamentos interpretativos e integrativos, o n° 5 proíbe expressamente que as leis autorizem regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios de si mesmos (modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos). Trata-se de um corolário da preeminência e da tipicidade dos actos legislativos. Embora não sejam incompatíveis com a Constituição os fenómenos da remissão normativa e da deslegalização (...), já a controversa figura dos «regulamentos delegados» - ou seja, aqueles em que uma lei «delega» a possibilidade de revogação dessa outra lei - é inequivocamente inconstitucional em qualquer das suas manifestações: como regulamentos derrogatórios - isto é, regulamentos que sem revogarem a lei, a substituem em casos determinados -, como regulamentos modificativos -, isto é, regulamentos que alteram a disciplina legislativa -, como regulamentos suspensivos - isto é, regulamentos que se limitam a tornar ineficaz uma norma legal preexistente, mas desprovidos de qualquer efeitos inovador -, como regulamentos revogatórios - isto é, como actos que eliminam leis do ordenamento jurídico. Em qualquer dos casos, eles implicam o estabelecimento de uma disciplina excepcional com força de lei através de fontes secundárias (regulamentos), contrariando abertamente os princípios da preeminência da lei e do congelamento do grau hierárquico." (o sublinhado é nosso)

65º É assim, evidente, que a disciplina regulamentar que contrarie o legalmente estabelecido é manifestamente inconstitucional, contaminando os actos que apliquem estas normas regulamentares de ilegalidade, e por isso anuláveis, nos termos e para os efeitos do artigo 135° do CPA.

66º Pelo que, é inválido (e, por isso, anulável) o douto Acórdão impugnado, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

C.III - DA NULIDADE DA DOUTA ACUSAÇÃO POR NÃO CONCRETIZAÇÃO DOS FACTOS QUE CONSUBSUMEM AS INFRACÇÕES, BEM COMO DO DOUTO ACÓRDÃO IMPUGNADO

i. Da douta Acusação

67° Refere o artigo 117º, nº 1, do EMJ, que "Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do A., o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis." (o sublinhado é nosso)

68º Refere, em paralelo, o art. 48º, nº 2, do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131º do EMJ, que "A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da infracção e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis."

69º Ora acontece que, na situação em análise, salvo o devido respeito, a douta Acusação, que esteve na origem do douto Acórdão ora impugnado, não obedece aos requisitos mencionados, como passamos a demonstrar.

70º Assim, a douta Acusação não individualiza as infracções cometidas nem refere sequer quantas infracções estão em causa.

71º Exercício que apenas foi efectivamente concretizado em sede de relatório final e que, como veremos adiante, o douto Acórdão impugnado deixa cair.

72º Assim, só no, aliás douto, Relatório final foi possível perceber que factos - e nem sempre estes alicerçam as conclusões constantes do douto relatório final/douto acórdão impugnado - constituem que infracções, correspondência que era de toda a necessidade conhecer com a Acusação, para que pudesse ser apresentar defesa em conformidade.

73° Da douta Acusação também não constava a indicação do que representava circunstância atenuante ou agravante, para efeitos de apreciação da determinação da medida da culpa.

74º Assim, no caso dos autos, o relatório final individualizou 5 infracções, mas podia ter individualizado 10 infracções ou apenas 2 ou mesmo 1, sendo que os factos descritos na douta acusação, além de serem parcialmente falsos, e sobretudo incompletos ou descontextualizados (como mais adiante se verá), constituem, salvo o devido respeito, uma amálgama que, na altura da defesa, impediram, de forma relevante, a A. de perceber o que é que estava em causa, o que era ou não infracção ou o que era ou não circunstância agravante ou atenuante.

75º Tanto mais que, só agora, com o douto relatório final e douto Acórdão impugnado se constatou que, afinal, para além da forma de agendamento dos julgamentos também estava em causa a alegada insignificante produtividade da A. (conforme é adjectivada a fls. 27 do douto Acórdão impugnado).

76º Assim sendo, não pode deixar de reconhecer-se que a douta Acusação impossibilitou à A. o cabal exercício do seu direito de defesa, não podendo considerar-se que o facto de a A., ainda assim, ter apresentado defesa bastou para suprir tal nulidade, porquanto sabendo a A. aqueles dados, certamente teria sido outra a estratégia seguida, dedicando tempo a factos e/ou imputações que -, de forma surpreendente, como é o caso da referida produtividade da A. - foram como tal considerados.

77º O que demonstra a importância da indicação dos factos que, na perspectiva de quem acusa, constituem infracções disciplinares

78º A este propósito, e com total pertinência para o caso sub judice, diz o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.06.2003, relativo ao Processo nº 0327/02, disponível em www.dgsi.pt:

"VI - Existem porém dois casos em que o vício procedimental é susceptível de invalidar irremediável e radicalmente o acto disciplinar punitivo. O primeiro é o da inobservância absoluta de forma legal como por exemplo a omissão absoluta de processo administrativo organizado e a segunda é a falta absoluta de possibilidades de defesa seja por ininteligibilidade da acusação seja por coarctarem diligências de defesa de manifesta relevância de modo a causar profunda lesão do direito procedimental de defesa, vícios que ainda se reconduzem ao disposto nas als. c) e f) do art. 133º do CPA." (O sublinhado é nosso)

79º Mais refere PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública, 2ª ed., 2011, p. 190:

"A garantia constitucional não se limita à simples obrigatoriedade de se ouvir o A. antes de se lhe aplicar a pena disciplinar (direito de audiência), impondo concomitantemente que lhe seja dada a possibilidade de se defender (direito de defesa), pelo que esta defesa constitui um "plus" relativamente a audiência."

80º Diz, ainda, a este respeito, o mesmo Autor, ob. cit., p. 208:

"Para além disso, o direito de pronúncia reclama ainda que, para além dos factos que lhe são imputados, seja dado a conhecer ao A. o correspondente enquadramento jurídico, ou seja, qual a infracção que se entende corresponder a tais factos e qual a sanção aplicável aos mesmos, uma vez que só conhecendo os deveres que se acusam ter sido violados e a sanção correspondente a essa violação é que o A. poderá exercer o seu contraditório ou, pelo menos, ajuizar se o deve ou não exercer. Por isso mesmo, não se entenda a não reprodução integral da redacção constante do art. 42 do anterior estatuto como uma desnecessidade de a acusação efectuar o enquadramento jurídico dos factos nela descritos, sendo seguro que o procedimento disciplinar será nulo por violação do direito fundamental de audiência."

81º E nem se diga que esta percepção das infracções em causa era possível de levar a cabo com a consulta do processo, na medida, em que a existência de documentação de suporte não liberta a Acusação de proceder a uma correcta individualização das infracções em causa.

82º A este respeito, refere ALBINO MENDES BAPTISTA, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2006, Coimbra, p. 223:

"Diria, por isso, que a nota de culpa tem de ser uma peça de acusação completa, cuja apreensão pelo trabalhador seja só por si suficiente.

Se se fizer depender dessa apreensão de documentos que não lhe são remetidos e que a nota de culpa não lhe dá enquadramento bastante, julgo que o trabalhador não está obrigado a consultar o processo, suprindo a suficiência daquela peça, que não lhe é imputável, através do exercício de um direito seu (a consulta do processo). Por outras palavras, a consulta de um processo, que constitui um direito do trabalhador, não pode ser transformada numa obrigação de defesa".

83º Por falta de individualização das infracções a A. não pôde pronunciar-se convenientemente sobre as concretas infracções em que foi condenada, nomeadamente, sobre a sua qualificação face aos factos, sobre o seu número (porquê cinco e não uma única infracção?) nem pôde organizar a sua defesa tendo como objecto as infracções que lhe imputavam não reveladas na douta acusação, assim se violando o artigo 117°, nº 1, do EMJ, artigo 37º, nº 1, do EDTFP, aplicável ex vi do artigo 131º do EMJ; os artigos 32º, nº 10, e 269°, nº 3 da CRP e o artigo 6º, nº 3, alínea a), da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

84º Violação que comina o douto Acórdão impugnado de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 133º, nº 2, alínea d), do CPA.

ii.   Do douto Acórdão impugnado

85º Para além desta nulidade consequente de que padece o douto Acórdão impugnado, por não concretização das infracções em causa em sede de Acusação, este acto padece de uma nulidade originária, na medida em que, muito embora o douto Relatório final do Instrutor concretize as infracções alegadamente praticadas (a fls. 38), nada é referido, a este propósito, pelo douto Acórdão impugnado.

86º Ora, tendo o douto Acórdão impugnado divergido de algumas posições do douto Relatório final, nomeadamente da pena aplicável, e nessa medida não se limitando a concordar com o mesmo, fica a A. sem saber se o douto Acórdão concorda ou discorda das infracções individualizadas pelo douto Relatório final.

87° Além do mais, o douto Acórdão, na alusão àquilo que se pensa serem as infracções em causa, é, em nosso entendimento, contraditório.

88º Assim, se por um lado refere que não está verdadeiramente em causa a aplicabilidade ou não do Decreto-Lei nº 184/2000 ao processo laboral, por outro sustenta que "as infracções que lhe são imputadas não se cingem à não marcação da data de julgamento na audiência de partes" (fls. 5), o que quer dizer que, seja como for, também assenta em tal.

89º Voltando a frisar este aspecto a fls. 30 referindo a "não marcação na audiência de partes sem qualquer razão justificativa bastante ou por aplicação indevida do artigo 1º do D.L. nº 184/2000, de 08.08."

90º Elemento esse absolutamente essencial para que a A. pudesse compreender o sentido e alcance das infracções que lhe são imputadas pelo douto Acórdão impugnado.

91º Assim sendo, a não individualização das infracções cometidas, porque essenciais para a defesa da Arguida, seja em fase administrativa, seja em fase contenciosa, é uma nulidade insuprível, nos termos e para os efeitos do artigo 37º do EDTFP, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

C.IV - DA NULIDADE DA DOUTA ACUSAÇÃO POR NÃO INDICAÇÃO DA PENA CONCRETAMENTE APLICÁVEL

92º Refere a douta Acusação que esteve na base da condenação ora impugnada que "os factos descritos, porque violadores dos deveres acima referidos, para além de revelarem negligência pelo não cumprimento dos deveres profissionais, constituem infracção disciplinar nos termos do artigo 82°, conjugado com os artigos 3º, 81º, 85º e 99º, todos da Lei nº 21/85, 30.07 (E.M.J.) e como artigo 3º, nº 2, alíneas a) e e), do EDTFP."

93º Ora, concretamente no que se refere à pena aplicável, da análise do art. 85º do EMJ (único artigo que, dos artigos citados, se refere ao tipo de penas a aplicar), citado pela douta Acusação, verifica-se que o mesmo se limita a referir, em abstracto, a escala de penas a que os Magistrados Judiciais estão sujeitos, nele não se destacando, por conseguinte, nenhuma pena em concreto.

94º Ora, não se referindo qual a pena proposta, ficou a A. sem saber se estava em causa, no limite, a pena de advertência não registada ou a pena de demissão.

95º Tal omissão de indicação da pena aplicável ao caso concreto foi manifestamente violadora dos direitos de defesa da A..

96º Assim, ficou a A. privada da possibilidade de se pronunciar, antes da decisão, sobre os aspectos respeitantes à aplicação da pena, nomeadamente se esta é proporcional à gravidade da(s) infracção(ões) alegadamente cometida(s) ou se foram devidamente tidos em conta todos os factores atenuantes.

97º Estabelece o art. 48º, nº 3, do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131º do EMJ, que "A acusação contém a indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da infracção e das que integram atenuantes e agravantes, acrescentando sempre a referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis." (o sublinhado é nosso)

98º A falta destes elementos determina a sua nulidade, nos termos do art. 37º do EDTFP, e constitui uma violação dos princípios constitucionalmente consagrados de defesa no âmbito de um processo sancionatório, no qual se inclui o procedimento disciplinar dos funcionários públicos - arts. 32°, nº 10, e 269°, nº 3, da CRP.

99° Sendo que a jurisprudência a este respeito, ao que se sabe, é unânime.

100º Veja-se, a título de exemplo, os doutos Acórdãos do STA, de 12.06.1990, publicado em Diário da República de 31.01.1995, de 04.02.1993, relativo ao processo nº 30158, de 17.06.1993, relativo ao processo nº 19630, de 21.02.1995, relativo ao processo nº 029876, de 10.07.2002, relativo ao processo nº 0560/02 e de 19.06.2007, relativo ao processo nº 01058/06, os últimos três disponíveis em www.dgsi.pt.

101° A este respeito e neste sentido pronunciou-se também o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer nº 4/85, publicado em Diário da República, nº 52, II Série, de 04.03.1986.

102° Na linha desta jurisprudência e doutrina existia já jurisprudência do próprio CSM (que agora alterou, a nosso ver, sem qualquer razão, e, em qualquer caso, sem base legal), como se pode ver pelo douto Acórdão do Conselho Permanente de 17 de Junho de 2008:

"Como atrás se aludiu, o Exmo. Juiz A. veio invocar a violação do seu direito de defesa constitucionalmente consagrado, por não indicação concreta das infracções cometidas e da respectiva pena aplicável e ainda a violação do art. 115º, aplicável ex vi, do art. 133º, EMJ.

Constata-se que na Acusação (fls. 379-461), são imputados factos susceptíveis de constituírem infracções disciplinares dos deveres de zelo e de lealdade, estabelecidas no art. 3º, nº 1, 4, b) e d), 6 e 8, do EDFAACRL, ex vi do art. 131º, EMJ, em consonância com os arts. 82º e 85º, deste diploma.

Assim, verifica-se que na Acusação não consta a indicação das penas aplicáveis aos factos descritos.

O art. 117º, nº 1, EMJ, dispõe que concluída a instrução, o instrutor deve deduzir a acusação, onde constem articuladamente discriminados os factos indiciados que sejam constitutivos da infracção disciplinar e os que integrem circunstâncias atenuantes, indicando os preceitos legais aplicáveis.

Por seu turno, o art. 57º, nº 2, do EDFAACRL, afirma que da acusação devem constar articulados, com a necessária discriminação, as faltas que forem reputadas averiguadas, com referência aos correspondentes preceitos legais e às penas aplicáveis (donde, as penas aplicáveis, devem constar da acusação).

O Exmo. Inspector fez uma leitura restritiva sobre esta matéria entendendo que da acusação não teria de fazer constar a pena aplicável.

Ora, o CSM tem vindo a assumir uma diferente leitura quanto a esta matéria, considerando que a indicação da pena aplicável faz parte das indicações obrigatórias, entendendo e relevando a importância de tal indicação no âmbito das garantias de defesa do A..

Assim, trata-se de matéria essencial para a defesa de um A. a indicação do tipo de pena que lhe pode ser aplicável, o que é por demais relevante em termo de opção de orientação em termos da estratégia de defesa (pois, efectivamente sem ela fica impedido de conhecer o âmbito, sentido e completo alcance da acusação, o que é tido como equiparável à falta de audiência - art. 142º, nº 1, EDFAACRL - 20/05/1999, Gonçalves Loureiro, in www.dgsi.pt/lsta).

Repare-se que a "acusação é a trave mestra do direito disciplinar, porque é nela que, instruído, se imputam ao A. os factos puníveis", de forma que viola o princípio da audiência e defesa, a acusação que não indica as normas incriminadoras e as penas aplicáveis, reportados aos comportamentos nela descritos (24/09/1996, Rui Pinheiro, in www.dgsi.pt/jsta; 20/05/1999, Gonçalves Loureiro, in www.dgsi.pt/jsta).

Certo que o art. 117º, nº 2, EMJ e o art. 57º, n° 2, EDFAACRL, têm redacções distintas, mas não faz sentido nessa matéria fazer uma qualquer restrição de direitos ao A. disciplinar, mais ainda quando a segunda norma até se aplica supletivamente (cfr. art. 131°, EMJ).

Nestes termos e tal como decorre do que vem sendo decidido uniformemente pelo STA (cfr. acórdãos STA 11/07/1981; Abel Delgado, STA 12/06/1990; Cruz Rodrigues; STA 02/07/1991, Cruz Rodrigues; STA 11/07/1995, Cruz Rodrigues; STA 10/07/2002, Madeira dos Santos; STA 04/02/2003, J. Gonçalves Pereira; STA 19/06/2007; Fernanda Xavier, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jsta), é sempre necessária a referência."

103° Assim sendo, é manifestamente evidente - no nosso entendimento - que a douta Acusação, por desrespeitar o princípio constitucionalmente consagrado de defesa no âmbito do processo disciplinar, previsto nos arts. 32º, nº 10, e 269°, nº 3, da CRP, está ferida de um vício gerador de nulidade, nos termos do art. 37° do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131º do EMJ e do art. 133º, nº 2, al. d), do CPA, que desde já se invoca.

104º Sendo que qualquer interpretação contrária a este entendimento não pode deixar de ser considerada inconstitucional, por violação dos já referidos normativos.

C.V - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS DE INSTRUÇÃO ESSENCIAIS PARA A DESCOBERTA DA VERDADE E CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEFESA

105º A A. requereu a junção aos autos de 18 documentos em sede de defesa.

106º Porém, a junção aos autos da referida documentação, com excepção dos factos dados como provados nºs 29º a 41º, foi inócua.

107° Assim, o douto Acórdão impugnado, que, como em quase todas as matérias, repete o douto Relatório final, salvo o devido respeito:

a) Omite que, em geral, os Juízes estavam a dar prioridade aos processos mais antigos e não estavam a marcar julgamentos nos mais recentes, conforme relatórios anuais dos demais Juízes, aliás, de harmonia com a deliberação do próprio CSM de 19 de Dezembro de 1995;

b) Omite que todos os Juízes do tribunal defendiam a aplicação do Decreto-Lei nº 184/2000, de 10 de Agosto, ao processo laboral, conforme a intenção do legislador expressa no Preâmbulo, omitindo que, ainda em Janeiro/Fevereiro de 2011, havia 4 Juízes do Tribunal - e muitos mais noutros Tribunais - que continuavam a não marcar julgamentos na audiência de partes;

c) Desconsidera que, quando a A. assumiu o exercício de funções, 'herdou' uma agenda em branco, salvo um ou outro julgamento já marcado pelas titulares das 1.ª e 2.ª secção do 4.º Juízo, cujos números de processo lhe foram distribuídos, assumindo a sua responsabilidade ao assinar os provimentos referidos nos arts. 9° e 10.° da douta Acusação;

d) Desconsidera que, quando iniciou funções, 'herdou' 15 processos da 1.ª secção com conclusões abertas desde os anos de 2007 e de 2008, a maior parte para elaboração de sentença, e um processo com conclusão aberta em 06.01.2009 (para sentença, acidente de trabalho), cfr. certidão de 11 de Fevereiro de 2009 junta como doc. 7 à Defesa, obrigando a A. a, durante os 5 meses de 2009, construir uma agenda até aí praticamente inexistente;

e) Desconsidera que o CSM tinha já conhecimento que existia grande volume de processos no 4.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, a aguardar marcação de julgamento, havendo, já, provimento dos Senhores Juízes da 1ª e 2ª secção a dar orientações à secção no sentido que deveriam ser conclusos os processos mais antigos que se encontravam a aguardar marcação de julgamento e só depois, para esse efeito, os mais recentes, cfr. provimentos juntos como docs. 12 e 13 à Defesa.

f) Omite que, tendo sido este o critério seguido pela A., tendo por isso começado pelos processos do ano de 2005, em Abril de 2010 estava já a acabar a marcação dos do ano de 2007, sendo expectável que até ao fim do ano conseguiria marcar já possivelmente alguns dos entrados em 2009;

g) Desconsidera que a colocação da A. neste Tribunal, como juiz auxiliar, tinha o propósito de diminuir a dilação dos julgamentos (cfr. deliberação do CSM que junta como doc. 14 da Defesa) e permitiu que se 'atacassem' os processos mais antigos, chegando-se aos processos mais recentes, de forma mais rápida, até que a marcação de julgamentos fosse normalizada e os processos deixassem de ficar a aguardar marcação, parados.

h) Omite ainda que, porque a A. conseguiu diminuir a dilação na marcação dos julgamentos (e não o contrário), o CMS, no seu despacho de Setembro de 2009, junta como doc. 15 da Defesa, já só fala em recuperação de pendências e de substituição parcial da titular da 2ª secção dado os seus problemas de saúde,

i) Desconsidera que o CSM, através da deliberação de 18 de Março de 2010 considerou razoável que a equipa liquidatária fizesse julgamentos de 3 a 4 processos por semana (cfr. ponto 5 da deliberação junto como doc. 16 à Defesa), sendo certo que esta equipa, cuja única função era sanear, julgar e decidir acções emergentes de contrato individual de trabalho, não tinha a seu cargo despachos de expediente, tramitação de execuções, providências cautelares, recursos de contra-ordenação e acções especiais inclusivamente como os acidentes de trabalho.

j) Omite que a A. cumpriu a média referida, mesmo tendo a seu cargo os despachos de expediente, tramitação de execuções, providências cautelares, recursos de contra-ordenação e acções especiais inclusivamente como os acidentes de trabalho.

108° Ora, toda esta desconsideração, tendo em conta a obrigação de realização de todas as diligências essenciais para a descoberta da verdade em sede de instrução, nos termos do artigo 121° do EMJ e do artigo 37º do EDTFP, em nosso entendimento, não é admissível.

109º Assim questiona-se: quais os critérios de comparação para aferir da produtividade da A.?

110º Por outro lado, questiona-se porque é que se compara a produtividade da A. com deliberações emitidas já depois do período que é comparado, sendo, por isso, como resulta evidente, impossível que a A. tivesse conhecimento das mesmas para poder, de boa-fé, conformar o seu trabalho?

111° Por outro lado, como se pode afirmar que a A. deixou aumentar a pendência sem se atentar no número de acções findas pela A., face ao número de entradas, que foi inferior?

112º Como se pode dizer que a não marcação de julgamentos em audiências de partes contribuiu para o acumular de processos, sem para tanto suportar conclusões em factos apurados em sede instrutória?

113° Se o douto Acórdão impugnado refere que a A. tem "insignificante produtividade" (penúltimo § de fls. 27), não se percebe por que razão, de forma transparente, não lista a produtividade de todos os Juízos e Secções ou de todos os Juízes do Tribunal!

114º Na verdade, salvo o devido respeito, a produtividade é insignificante só porque o douto Acórdão o afirma ou a produtividade conclui-se, com rigor e transparência, da análise de números e factos concretos?

115º Sendo que fica por entender porque motivo não se instruiu e omitiu ou explicou a razão pela qual desprezou os dados estatísticos referentes à 1ª secção do 1º Juízo, única secção que a A. teve inteiramente a seu cargo de 25 de Março a 4 de Agosto de 2008, estatística essa que vinha mencionada no douto 2° Relatório Preliminar do Senhor Instrutor feito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa.

116º Estatística essa que demonstra que: (i) no ano de 2008 entraram 615 processos, sendo 234 referentes a contrato individual de trabalho; (ii) findaram 511 processos, sendo 138 referentes a contrato individual de trabalho; e (iii) em 6 de Janeiro de 2010, na fase do saneador e do ano de 2008, existiam apenas 15 acções referentes a contrato individual de trabalho.

117º Ou seja, demonstrando esta estatística que não houve acumulação de processos do ano de 2008 prontos para julgamento nos anos seguintes (sendo que mesmo os 15 existentes podem ter entrado na fase do saneador em momento posterior a 2008).

118º E a falta de instrução tem consequências no próprio douto Acórdão impugnado, dado que o mesmo, salvo o devido respeito, afirma, de forma factualmente não suportada, e como já se disse, que a A. tinha "insignificante produtividade".

119º Esta mesma falta de instrução e de consideração como tal da defesa leva a que se afirme que o número de sentenças prolatadas, equivale de forma matemática, ao número de julgamentos realizados o que, como se verá adiante em sede de invocação de vício de falta de fundamentação e erro sobre os pressupostos, não corresponde, salvo o muito devido respeito, à verdade.

120º Tudo demonstrativo de que as conclusões do douto Acórdão impugnado, salvo o devido respeito, deveriam ter sido objecto de conveniente instrução, para que as mesmas fossem suportadas em factos, não contraditórios entre si, e, sobretudo, com correspondência à verdade material, possibilitando, desta forma, à A., um cabal exercício do seu direito de defesa constitucional e legalmente consagrado.

121° Ora, o apuramento de elementos, independentemente de serem ou não alegados pela A. - e que no caso até foram - que permitam esclarecer as apontadas dúvidas, cuja obtenção era ónus da acusação, são essenciais para averiguar da existência de infracção, nomeadamente, da verificação do tipo subjectivo de ilícito, conforme reconheceu o Relatório de Inquérito.

122° Sendo que a sua omissão constitui nulidade insuprível nos termos do artigo 124º, n° 1 do EMJ, e artigos 36º e 46º, nº 1, do EDTFP, que aqui expressamente se argui.

123º E interpretação contrária não poderá deixar de considerar-se inconstitucional, contaminando, de forma irremediável, o acto impugnado que a preconiza, nos termos do art. 32º, n.º 10, da CRP.

124° Bem como a violação do direito a um processo justo e equitativo, plasmado no artigo 6º da Convenção para os Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

125º Assim sendo, o douto Acórdão impugnado está ferido de nulidade, e em consequência, assim deverá ser declarado, com as devidas e legais consequências.

C.VI - DA CONSIDERAÇÃO DE FACTOS DESFAVORÁVEIS À A. NÃO CONSTANTES DA DOUTA ACUSAÇÃO

126º Com o douto Relatório final e com o douto Acórdão ora impugnado foi a A. confrontada com factos e imputações/conclusões respeitantes a uma alega diminuta ou modesta produtividade, mormente os números plasmados a fls. 28 do douto Acórdão impugnado.

127º Considerações essas e números esses que, em momento algum, foram referidos na douta Acusação.

128° Sendo certo que da mesma não resulta que estivesse em causa a alegada diminuta produtividade da A., mas apenas e só a forma como a mesma agendava as audiências de julgamento.

129º Ora, tal reviravolta não pode, em nosso entendimento, deixar de considerar-se uma verdadeira inserção de factos desfavoráveis à A., inserção essa expressamente proibida no artigo 55º, nº 5, do EDTFP, que determina que "Na decisão não podem ser invocados factos não constantes da acusação nem referidos na resposta do arguido, excepto quando excluam, dirimam ou atenuem a sua responsabilidade disciplinar."

130º De facto, como refere PAULO VEIGA E MOURA, na obra já citada, a p. 265, esta proibição trata-se de uma concretização dos princípios do dispositivo e da aquisição da prova.

131º Princípios que, sendo essenciais para o direito de defesa da A., determinam a nulidade dos actos que os puserem em causa.

132º Nessa exacta medida, é nulo o douto Acórdão impugnado, o que desde já se invoca.

C.VII - DA FALTA DE COMPETÊNCIA DO CSM PARA APRECIAR DA VALIDADE DOS DESPACHOS PROFERIDOS PELA A. POR SE TRATAR DE QUESTÃO JURISDICIONAL DA COMPETÊNCIA RESERVADA AOS TRIBUNAIS

133° Subjacente aos factos respeitantes ao agendamento dos julgamentos referidos pelo douto Acórdão impugnado está o entendimento da A. acerca da marcação das audiências de julgamento, nos termos do Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, concluindo pela impossibilidade de marcação de julgamento em sede de audiência de partes, afastando, desta forma, o art. 56º, alínea c), do CPT.

134° Refere o douto Acórdão impugnado a este respeito, em impressivo extenso exercício interpretativo a fls. 62 e 65, que "A aplicação do artigo 1º, do DL n° 184/2000, de 08.08, interpretado no sentido da não marcação da audiência de julgamento, na audiência de partes e/ou em fase processual posterior, é inaplicável no direito processual laboral porque incompatível com o disposto no artigo 56°, alínea c), do CPT, dado tratar-se de lei especial (lex specialis legi generali derogat)."

135° Pensa-se que não é esta a sede adequada para ver se a interpretação subjacente à douta Acusação, e consequentemente ao douto Acórdão impugnado, que abraça a tese por aquela defendida, é ou não a melhor,

136º Embora - o que com todo o respeito se diz - se pense que não é a melhor, em síntese, pelas razões seguintes: (i) a redacção da referida alínea c) do art. 56° do CPT é ainda a dada pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro; (ii) do 2º § do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, vê-se que ele se destina a todos os processos judiciais, pelo menos referindo-se aí expressamente o processo laboral, a par do civil e do penal; (iii) a alínea c) do art. 56° do CPT não tem substancialmente uma natureza diferente, por exemplo, do nº 1 do art. 312° do CPP que estabelece que "Resolvidas as questões referidas no artigo anterior, o presidente despacha designando dia, hora e local para a audiência. Esta é fixada para a data mais próxima possível, de modo a que entre ela e o dia em que os autos foram recebidos não mais de dois meses" (sublinhado nosso), ou do nº 2 art. 512º do CPC que estabelece que "Findo o prazo a que alude o número anterior sem que haja reclamações contra a selecção da matéria de facto, ou decididas estas, o juiz designa logo dia para a audiência final, ponderada a duração provável das diligências de instrução a realizar antes dela" (sublinhado nosso); e (iv) O Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, além de ser posterior ao CPT vigente à data dos factos constantes da douta Acusação, por se tratar de uma matéria específica, relativamente ao agendamento de diligências, é que deve ser considerada lei especial face à lei processual geral do agendamento de diligências.

137º O que aqui ora releva é que a apreciação em causa da douta Acusação consubstancia uma verdadeira apreciação da interpretação da lei feita pela A..

138° Sucede, porém, que o controlo da actuação da A. nesta matéria reveste natureza jurisdicional, não sindicável pelo CSM, estando por essa razão subtraída às atribuições estritamente administrativas desta entidade.

139° Na verdade, refere o art. 203° da Constituição da República Portuguesa (CRP) que "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei".

140° Por sua vez, tal preceito constitucional é concretizado pelo art. 4º do EMJ que estatui "Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores."

141º Refere ainda o art. 5º do já mencionado Estatuto, sob a epígrafe "Irresponsabilidade", que "Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões", sendo que apenas nos casos especialmente previstos na lei podem ser sujeitos a responsabilidade civil, criminal e disciplinar.

142° Ou seja, as decisões dos Magistrados Judiciais, nomeadamente a aplicação e interpretação do direito, apenas estão sujeitas ao escrutínio dos tribunais superiores, estando, por isso, afastadas da análise disciplinar de qualquer superior hierárquico.

143º Como refere ORLANDO VIEGAS MARTINS AFONSO, Poder judicial: independência in dependência, Almedina, 2004, Coimbra, nota de rodapé 63 da pág. 77, "É preciso sublinhar que este tipo de independência, ainda hoje preferencialmente defendido em Portugal, traduz-se, na prática, pela não sujeição do juiz a qualquer ordem hierárquica ou a qualquer intervenção institucional, no acto de julgar (...)."

144° Citação que, salvo o muito e devido respeito, e ao contrário do que afirma o douto Acórdão impugnado, a fls. 31, nada tem de contraditória com o anteriormente afirmado acerca da independência e irresponsabilidade dos juízes na aplicação do direito.

145º Assim, no caso em apreço, estamos perante uma apreciação, em sede disciplinar, da interpretação do direito feita pela A., o que é inadmissível, salvo o devido respeito, face aos preceitos constitucionais e legais já citados.

146° Carece, por isso, o CSM de legitimidade para, sob o prisma da apreciação da responsabilidade disciplinar, conhecer do mérito daquela decisão, sendo certo que a aplicação do Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, cujo preâmbulo refere expressamente o processo laboral, além de legítima, é amplamente difundida, e continua a ser aplicada ainda hoje no Tribunal do Trabalho de Lisboa, facto do conhecimento do CSM, por tais juízes entenderem, e bem (ao menos, no entendimento da A.), que é a eles que cabe o exercício da função jurisdicional, não estando sujeitos, nessa matéria, de interpretação e aplicação da lei, à tutela e obediência aos entendimentos e ordens do CSM.

147º Assim sendo, a apreciação dos factos relatados não se insere na competência do CSM, que, nos termos do art. 217° da CRP, inclui a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar, o que determina, no caso em apreço a nulidade do douto Acórdão ora impugnado, que desde já se requer seja declarada.

148º Sendo, mais uma vez, inconstitucional a interpretação contrária a este entendimento, violadora daquele art. 217° da CRP, salvo o devido respeito, feita pelo douto Acórdão impugnado.

C.VIII - DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

i. Quanto à factualidade da defesa dada como não provada

149° O douto Acórdão impugnado incorre, ainda, salvo o devido respeito, em vício de falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada.

150º Assim, refere o douto Acórdão impugnado que:

"A restante matéria inserida na defesa foi aqui desconsiderada, por traduzir meras considerações pessoais, por ser conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzido prova suficiente a seu respeito."

151º Ora, em nosso entendimento, tal fórmula genérica de fundamentação equivale, para todos os efeitos, à sua falta, pois é completamente impossível para a A. entender o iter cognoscitivo que levou à referida conclusão.

152° Assim, não é possível à A. entender que factos são considerações pessoais.

153º Que factos são conclusivos ou jurídico-valorativos.

154º E sobre que factos não foi produzida prova suficiente.

155° E esta fundamentação era crucial para o exercício cabal da defesa da A., em sede, inclusive, deste recurso contencioso, que agora se intenta.

156º E, por isso, esta falta de fundamentação, que transformou a defesa da A. em mera formalidade esvaziada do seu intrínseco conteúdo, plasmado no artigo 32º, nº 10, da CRP, comina o douto Acórdão de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 133°, nº 2, alínea d), do CPA.

ii.   Quanto às conclusões emergentes da factualidade dada como provada

157° Além da referida falta de fundamentação quanto à factualidade dada como não provada, o douto Acórdão impugnado carece ainda de fundamentação quanto às conclusões de que a alegada não marcação de julgamentos tenha tido algum impacto na produtividade ou no andamento dos processos.

158º Assim, a A. não apreendeu o iter cognoscitivo dado que dos factos dados como provados não se retira o nexo de causalidade, ainda mais quando, conforme se referiu supra, a A. produziu acima da média considerada razoável pelo CSM (quando definiu como razoável o nº de 3-4 julgamentos por semana para a equipa liquidatária), conseguiu atingir o objectivo para o qual tinha sido designada como Juiz Auxiliar - diminuir o número de processos mais antigos para prolação de despacho saneador/sentença, diminuir dilações e recuperar pendências conforme oportunamente concretizado em sede de defesa - e não existirem factos que comprovem que a A. não marcava julgamentos.

159° Esta falta de fundamentação é ainda mais evidente, em nosso entendimento, quanto à afirmação do douto Acórdão impugnado de que a A. apenas fez um julgamento e meio por mês, parecendo resultar que tal emerge do número de sentenças elaboradas.

160° Ora, tendo em conta que o número de sentenças elaboradas é coisa distinta dos julgamentos realizados, fica por perceber como se chega àquele número.

161º Assim, contam-se os 27 julgamentos desde que tomou posse no Tribunal de Trabalho ou quando regressou da sua baixa médica em 09.02.2009?

162º Divide-se o valor total contando as férias (o que parece ter sido o caso)?

163° O número é só relativo aos processos comuns ou abrange todas as espécies processuais?

164° São consideradas as várias sessões de julgamento e são consideradas as providências cautelares, algumas com várias sessões de dia inteiro?

165º E os recursos de contra-ordenação?

166º E o nº de julgamentos que a A. realizou cujas sentenças foram proferidas por outros Magistrados?

167° E os julgamentos realizados pela A. cujas sentenças vieram a ser proferidas em 2010?

168º E os julgamentos realizados pela A. antes da sua entrada de baixa e continuados no período posterior?

169° E os julgamentos realizados, nos quais não foi proferida sentença, por terem terminado por extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ou por não terem terminado logo na sequência de pedido de suspensão da instância pelas partes?

170º E as sessões de julgamento na sequência das quais as partes transigissem no objecto do litígio?

171º Demonstra-se, desta forma, que a conclusão pela realização de apenas um julgamento e meio por mês é ininteligível, pelo que é mais do que evidente, em nosso entendimento, a manifesta falta de fundamentação do douto Acórdão impugnado, o que desde já se invoca para todos os efeitos.

C.IX - DO VÍCIO DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO

172º Salvo o muito e devido respeito, considera a A. que o douto Acórdão impugnado incorre em erro manifesto e grosseiro sobre os pressupostos de facto, erro esse que já fomos aflorando em sede de nulidade por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade e em sede do vício de falta de fundamentação. Senão vejamos,

173º Em primeiro lugar, as conclusões sobre os factos fixados laboram em erro manifesto sobre os pressupostos de facto quanto ao número de julgamentos mensais realizados pela A., conforme já se abordou em sede de vício de falta de fundamentação, cujas questões se dão aqui por integralmente reproduzidas.

174º Sendo que, a este respeito, há que referir, ainda, que não é tido em conta pelo douto Acórdão impugnado que as diligências não se resumem a audiências de discussão e julgamento, havendo ainda que considerar as juntas médicas, as audiências de partes, audiências preliminares, todas elas consumidoras de tempo do Magistrado e, portanto, igualmente importantes para aferir da sua produtividade.

175º Bem como não é considerada a possibilidade de a agenda se encontrar indisponível resultante da necessidade de marcação de processos mais antigos com prioridade sobre os mais recentes.

176° No entanto, ainda mais grave do que isso, o número avançado de 11 julgamentos do 4º juízo, mesmo na lógica uma sentença = um julgamento é errado, conforme demonstra, desde logo o artigo 35º, que refere 18 processos do 4º juízo cujas sentenças foram proferidas pela A.

177º O erro é igualmente manifesto quanto não foram considerados os julgamentos realizados pela A. no 4º juízo cujas sentenças foram proferidas depois de 31.12.2009, e que foram sete (nomeadamente, no âmbito dos processos 1703/05.9TTLSB, 2756/05.5TTLSB, 3336/05.0TTLSB, 4373/05.0TTLSB, 2112/06.8TTLSB e 918/06.7TTLSB) - os seis primeiros na 1ª secção e o último na 2ª secção.

178º Por sua vez, no 1º Juízo, no período compreendido entre 25.03.2008 a 04.08.2008, a A. realizou, pelo menos, 23 julgamentos, embora não tenha proferido sentença em todos eles, nomeadamente no âmbito dos processos nºs. 44/07.1TTLSB, 191/07.0TTLSB, 434/07.0 TTLSB, 547/07.8TTLSB, 730/07.6TTLSB, 1036/07.6TTLSB, 1209/07.1TTLSB, 1581/07.3TTLSB, 1588/07.0TTLSB, 1635/07.6TTLSB, 1717/05.9TTLSB, 1903/07.7TTLSB, 1911/07.8TTLSB, 4426/06.8TTLSB, 4472/06.1TTLSB, 4539/06.6TTLSB, 4636/06.8TTLSB, 599/05.5TTLSB, 4451/05.6TTLSB, 4653/06.8TTLSB, 1227/08.2TTLSB, 893/08.3TTLSB e 1046/08.6TTLSB.

179° Temos assim que, em vez dos 27 julgamentos mencionados pelo douto Acórdão impugnado, temos, pelo menos, 47 julgamentos (com várias sessões na maioria das vezes) realizados pela A..

180° De notar, ainda, que dos factos provados não resulta um único facto que determine a forma como a A. marcava os julgamentos, não havendo mesmo qualquer indicação em concreto quanto ao 1º juízo – 1ª secção.

181º E mesmo a conclusão de que a invocada prática de não marcação de julgamento de acordo com o Decreto-Lei nº 184/2000 contribui para o acumular de processos, nomeadamente do 4º Juízo, que reconduziu à reorganização do Tribunal de Trabalho de Lisboa (cfr. conclusão a fls. 30, § 6, do douto Acórdão impugnado) remete apenas para a mera estatística global do 4º juízo, 1ª e 2ª secções, incluindo anos em que a A. não exerceu funções no mesmo, mais tendo em conta que mesmo nos anos em que a A. estava colocada no Tribunal de Trabalho, apenas lhe estava distribuída uma pequena parte dos processos das secções desse juízo (como também resulta dos pontos 9º e 10° da factualidade dada como provada pelo douto Acórdão impugnado - cerca de 1/3 de ambas as secções e, a partir de 21.09.2009, um pouco mais da 2ª secção).

182º Quanto aos factos 18° e 19º da factualidade dada como provada pelo douto Acórdão impugnado, há que ter em conta que, referindo o artigo 18° um despacho proferido em 23.03.2010, ou seja, posteriormente a 31.12.2009, ambos os factos limitam-se a referir a questão da não marcação do julgamento na audiência de partes, não se extraindo qualquer consequência, sendo certo que não resulta dos mesmos que a audiência de julgamento não tenha sido marcada pouco depois.

183º Acresce que no facto 19º consta a razão justificativa de não ter sido logo marcada a audiência de julgamento na audiência de partes - necessidade de marcação de processos entrados em anos anteriores, a fim de que os processos mais antigos tivessem prioridade sobre os mais recentes.

184° Sendo certo que o próprio douto Acórdão impugnado reconhece, a fls. 34, que tal objectivo é "sem dúvida correcto e sensato."

185° O ponto 21° da factualidade dada como provada, referindo que a A. "também não agendou a audiência de julgamento, como se impunha" continua a ser conclusivo, sendo que omite toda a factualidade alegada na defesa (artigos 89º a 93°) a este respeito, e que, face à já invocada falta de fundamentação, fica por entender porque a mesma não foi dada como provada.

186º Pois, caso a factualidade alegada na defesa tivesse sido dada como provada, ter-se-ia percebido qual o teor dos despachos proferidos pela A. e que face ao andamento do processo, o mesmo não voltou a ser concluso à A. e por isso foi entregue à equipa liquidatária.

187° Por sua vez, a conclusão constante de fls. 27. § 4, do douto Acórdão impugnado, no sentido de que "a arguida não só não cumpria o disposto no artº 56º, alínea c) do CPT, como também não designava data para julgamento no despacho saneador ou em fase processual posterior (...)" não emerge de nenhuma factualidade dada como provada muito menos quanto ao 1º juízo, 1ª secção, resultando, inclusivamente, contrariado pelos factos 15º e 20º dados como provados (constando dos mesmos que a A. marcou julgamentos em fase posterior nos processos em questão).

188º Quanto aos factos 16º, 17ºe 21º da factualidade dada como provada, respeitante a processos entregues à equipa liquidatária, foi mais uma vez ignorada (sem que se percebesse o respectivo fundamento) a factualidade alegada em sede de defesa - artigo 84° - que levaria a considerar que o processo nº 4346/2007 não foi agendado pela A., dado que o último processo que marcou antes de integrar a equipa liquidatária ser mais antigo (processo nº 2636/2007)

189° Como também não marcou o processo nº 830/2008, por se encontrar, nessa altura a agendar os processos entrados no ano de 2005.

190° Factos que, conforme já referido anteriormente, caso a instrução tivesse sido feita de forma cuidadosa e transparente, teriam emergido quer da consulta dos processos, quer da consulta da agenda cuja cópia certificada consta do processo disciplinar.

191º O mesmo se diga em relação aos factos nºs 15 e 20 do douto Acórdão impugnado, factos que, caso tivesse sido considerada a factualidade dos artigos 82º e 86º, ter-se-ia percebido que a A. não marcou o julgamento por se encontrar a agendar processos mais artigos e que proferiu o Visto no processo na sequência de um requerimento de impugnação de um documento junto e que tinha sido erroneamente junto a outros autos.

192° Note-se, ainda, que estes mesmos factos (15º e 20º) da factualidade dada como provada pelo douto Acórdão impugnado demonstram que as audiências foram marcadas em menos de um ano desde que o processo foi concluído à A., contrariando a afirmação - em nosso entendimento, factualmente não suportada - constante de fls. 27, § 5, de que "a aplicação do D.L. n° 184/2000 nos casos descritos nos pontos 15°, 16º, 17º, 20º e 21° da factualidade provada, por exemplo, teve como resultado o protelar no tempo (por um, dois e mais anos) a marcação das audiências de julgamento, ao ponto de algumas acções comuns supra referenciadas terem sido distribuídas à equipa liquidatária."

193º Já quanto ao "subagendamento", "agendamento com dilações manifestamente inadmissíveis", "enormes dilações com que os julgamentos eram marcados" e "baixa produtividade", tudo referido a fls. 32 e 33, não existe factualidade que o comprove, sendo que a factualidade existente contradita o afirmado (artigo 13º), além de que, como invocado em sede de defesa, a A. marcou e agendou muitos processos antigos com prioridade, conseguindo reduzir a dilação nas marcações.

194° E certo que, como é natural, os agendamentos foram superiores aos julgamentos efectivamente realizados, mas o agendamento e a produtividade da A. não podem deixar de se considerar elevados, desde logo tendo também em conta as sentenças proferidas em acções não contestadas, em acções que as partes chegaram a acordo quanto à matéria de facto na fase de saneamento ou julgamento e tendo em conta o grande número de transacções já conseguidas em julgamento ou na sequência da realização deste.

195º Como sucedeu, por exemplo, nos processos do 4º juízo, 1ª secção, nºs 3313/05TTLSB, 3356/05TTLSBTTLSB, 1323/05TTLSB, 4716/05TTLSB, 523/06TTLSB, 3382/06TTLSB, 4626/06TTLSB, 36/07TTLSB e 383/07TTLSB e nos processos do 4º juízo, 2ª secção nºs 113/05.8TTLSB, 2133/05.8TTLSB, 2396/05.9TTLSB, 3238/05.0TTLSB, 1086/06.0TTLSB, 2282/06.5TTLSB, 2038/06.5TTLSB, 3032/06.7TTLSB, 3058/06.5TTLSB, 3566/06.8TTLSB e 3996/06.5TTLSB.

196º Refere, ainda, o douto Acórdão impugnado, a propósito do subagendamento que não se poderá ter em conta a média de 3-4 agendamentos fixados como número mínimo pela douta deliberação do CSM de 02.03.2010, tendo em conta que este número subiu para 4-5 em Dezembro de 2010.

197º Ora, tal argumento, salvo o devido respeito, não tem em conta que todos esses números já foram fixados em momento posterior ao período alvo de avaliação pelo presente procedimento disciplinar, pelo que a A., desconhecendo-o à data da prática dos factos, não poderia escolher conformar-se ou não com os mesmos.

198º Sendo certo que a A. apenas referiu a primeira deliberação que, relembre-se, fixa os número mínimos para a equipa liquidatária, para demonstrar que mesmo tendo a cargo o expediente, os processos urgentes e os recursos de contra-ordenação, conseguiu fazer a mesma média que os juízes liquidatários dispensados da realização daquele serviço.

199° Tudo conforme, aliás, alegado e, salvo o devido respeito, inexplicavelmente desconsiderado pelo douto Acórdão impugnado.

200° Essa mesma factualidade respeitante ao tipo de trabalho do juiz liquidatário e o juiz normal explica o porquê da diferente exigibilidade de número de julgamentos realizados pela A. como juiz auxiliar e como juiz liquidatária: precisamente porque o tipo de trabalho diário e de diligências é incomparável.

201º Além do mais, dos 22 julgamentos referidos 8 eram continuações de julgamentos já iniciados pela A. antes de entrar para a equipa liquidatária - a saber, os julgamentos dos processos do 4º juízo, 2ª secção nºs 4268/05.8TTLSB, 2702/06.9TTLSB, 526/07.6TTLSB, 526/06.2TTLSB, 1418/06.0TTLSB e os processos do 4º juízo, 1ª secção nºs 2816/09.3TTLSB, 1896/06.8TTLSB e 2502/05.3TTLSB.

202º Assim, há manifesto, evidente, e salvo o devido respeito, grosseiro, erro sobre os pressupostos de facto, erro este que, a não existir, teria certamente conduzido o procedimento disciplinar instaurado à A. ao arquivamento.

203º Por essa razão, deve o douto Acórdão impugnado, ser anulado, para os devidos e legais efeitos.

204° De acrescentar, ainda, que, quer este erro sobre os pressupostos de facto, quer a manifesta falta de fundamentação, mas sobretudo a patente falta de instrução do procedimento demonstram a parcialidade (objectivamente considerada) decorrente da coincidência de identidade do Instrutor do Inquérito com o Instrutor do procedimento disciplinar, parcialidade esta que esvazia de conteúdo o direito de defesa da A., já demonstrada na recusa do depoimento da Senhora Dra. CC e respectiva valoração, sem prejuízo do seu aprofundamento em matéria de alegações.

C.X - DA INEXIGIBILIDADE DE OUTRO COMPORTAMENTO

205° Face à factualidade que deveria ter sido tida em conta, e que, como supra se disse, a propósito do erro sobre os seus pressupostos, não foi considerada pelo douto Acórdão impugnado, considera-se que, caso se entenda que os comportamentos tidos pela A. pudessem integrar o elemento objectivo das infracções disciplinares, hipótese que se coloca por mero dever de patrocínio, e sem conceder, salvo melhor opinião e com o devido respeito, à A. não era exigível outro comportamento, não devendo, assim, haver lugar a punição. Senão vejamos.

206º A A. tinha que dar prioridade aos processos mais antigos que se encontravam a aguardar marcações, alguns deles há anos, facto que impedia que agendasse os julgamentos na audiência de partes dos processos novos.

207° A não marcação de julgamentos na audiência de partes era prática do Tribunal, dos juízes mais velhos, juízes estes várias vezes inspeccionados, sem que este tipo de despachos tivesse sido objecto de censura pelas Inspecções.

208º Juízes Titulares estes bem classificados inspectivamente e a caminho da Relação.

209º Por tudo o que vai exposto, o douto Acórdão impugnado, ao decidir sancionar disciplinarmente a A., não considerou que à A. não era exigível outro comportamento (como também não resulta do factualmente demonstrado que a A. poderia ter optado comportamento diferente) e por isso é anulável, nos termos e para os efeitos do artigo 135º do CPA.

CXI - DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE POR   NÃO APLICAÇÃO DA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA DE MULTA APLICADA

210° A entender-se não procederem os argumentos anteriormente invocados, e sem conceder, incorre ainda o douto Acórdão impugnado em vício de violação de lei, nomeadamente, por violação do artigo 97º do EMJ e dos artigos 20° e 22º do EDTFP.

211° Refere o preceito do EMJ que "a pena pode ser especialmente atenuada, aplicando-se a pena de escalão inferior, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção, ou contemporâneas dela, que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente".

212° Assim sendo, concluindo-se que, no caso em apreço, a A. violou os deveres funcionais a que está vinculada, a verdade é que o terá feito sem consciência de que o estava a fazer ou sem que lhe possa ser imputado qualquer juízo de censura, conforme factualidade dada como provada e factualidade que deveria ter sido dada como provado, como supra se arguiu.

213º Pois procurou sempre o maior acerto das suas decisões, norteou-se sempre por dar a melhor imagem possível dos Tribunais e da Justiça, empenhando-se sempre na procura daquela que reputou como a interpretação que melhor respeitava as garantias de defesa das partes.

214º Procurou também obedecer sempre à lei, mostrando empenhamento na administração da Justiça e na sua dignificação.

215º E se a imagem da Justiça resultou beliscada da sua actuação, tal não foi sua intenção.

216º Sendo certo que não relevou a circunstância da A. exercer funções de auxiliar e fazer exactamente aquilo para que tinha sido designada, isto é, reduzir a dilação nas marcações, começando natural e forçosamente pelos mais antigos.

217° Termos em que, ao não proceder à aplicação do referido preceito de atenuação especial, incorreu o douto Acórdão impugnado em vício de violação de lei, mas mais ainda, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º da CRP, por manifesta desadequação da pena aplicada ao caso sub judice, devendo por isso ser anulado, para os devidos e legais efeitos.

D) PEDIDO

218° Por todas as razões referidas, deverão as infracções disciplinares imputadas ao A. ser declaradas prescritas, nos termos referidos no capítulo I.

219° Se assim não se entender, e sem conceder, deve declarar-se nulo o douto Acórdão impugnado ou ser o mesmo anulado, com fundamento (II) na violação de lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal - art. 24°, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), (III) na não concretização dos factos que consubsumem as infracções pela douta Acusação e pelo douto Acórdão impugnado, (IV) na não indicação da pena concretamente aplicável; (V) na omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade; (VI) na incompetência do CSM para apreciação da validade dos despachos proferidos pela A. por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos Tribunais; (VII) na consideração de factos desfavoráveis à A. não constantes da douta Acusação; (VIII) na falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada e quanto às conclusões emergentes da factualidade dada como provada; (IX) no erro sobre os pressupostos de facto com base nos quais foi preferida a decisão de condenação; (X) na inexigibilidade de outro comportamento à A.; e (XI) na violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18° da CRP, ao não se aplicar a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 97° do EMJ, nos termos supra expostos, tudo com as devidas e legais consequências.

Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e, assim, concluir-se pela prescrição das infracções disciplinares imputadas ao A. e, em consequência, pelo arquivamento dos autos.

Se assim não se entender, e sem conceder, deve declarar-se nulo o douto Acórdão impugnado ou ser o mesmo anulado, com fundamento:

- na violação de lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal - art. 24°, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA),

- na não concretização dos factos que consubsumem as infracções pela douta Acusação e pelo douto Acórdão impugnado,

- na não indicação da pena concretamente aplicável;

- na omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade;

- na incompetência do CSM para apreciação da validade dos despachos proferidos pela A. por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos Tribunais;

- na consideração de factos desfavoráveis à A. não constantes da douta Acusação;

- na falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada e quanto às conclusões emergentes da factualidade dada como provada;

- no erro sobre os pressupostos de facto com base nos quais foi preferida a decisão de condenação;

- na inexigibilidade de outro comportamento à A.; e

- na violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18º da CRP, ao não se aplicar a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 97º do EMJ, tudo com as devidas e legais consequências.

O CSM, notificado para os efeitos do disposto no art. 174°, n° 1, do EMJ, apresentou a seguinte resposta:

1) A Sra. Juíza de direito Dra. AA veio interpor recurso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 20 de Setembro de 2011, que lhe aplicou a pena disciplinar de 25 dias de multa.

2) Invocou, para tanto.

I - A prescrição do procedimento disciplinar;

II - O vício de violação de lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal;

III - A nulidade da acusação por não concretização dos factos que consubsumem as infracções, bem como do douto acórdão impugnado;

IV - A nulidade da acusação por não indicação da pena concretamente aplicável;

V - A nulidade por omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade e consequente violação do princípio da defesa;

VI - A consideração de factos desfavoráveis à arguida não constantes da acusação;

VII - A falta de competência do CSM para apreciar a validade dos despachos proferidos pela arguida, por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos tribunais;

VIII - O vício de falta de fundamentação;

IX - O vício do erro sobre os pressupostos de facto;

X - A inexigibilidade de outro comportamento;

XI - O vício de violação do princípio da proporcionalidade por não aplicação da atenuação especial da pena de multa aplicada.

3) Como questão prévia, veio defender que o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual o seu âmbito de jurisdição não é pleno, antes se limitando a um contencioso de mera legalidade, circunscrito à apreciação das questões de invalidade ou de inexistência dos actos impugnados e de erros clamorosos de julgamento, viola o princípio do direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente previsto no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), e o princípio da igualdade, consagrado no art. 13° do mesmo diploma fundamental.

4) Por se tratar de questão amplamente debatida na jurisprudência do STJ (bem como do Tribunal Constitucional) e uniformemente decidida, limitar-nos-emos a remeter para essa jurisprudência uniforme.

5) Mas não deixaremos de referir que a «coincidência da formação deste Supremo Tribunal com a do Plenário do CSM», invocada pela recorrente no art. 17.° das suas alegações, só se verifica relativamente ao Presidente e ao Vice-Presidente do CSM.

6) Sendo certo que nenhum deles exerce funções na secção do contencioso do STJ, única com competência para apreciar os recursos dos actos do Plenário do CSM.

7) E que o Vice-Presidente do CSM nem sequer exerce quaisquer funções no STJ enquanto mantiver aquela qualidade.

I - A prescrição do procedimento disciplinar

8) A este respeito, a recorrente reiterou parte dos argumentos que já havia expendido na defesa que apresentou, nada acrescentando a cada um desses argumentos.

9) Assim sendo, afigura-se despiciendo reproduzir aqui a análise que já fizemos desses mesmos argumentos, remetendo-se para o que ficou dito no acórdão recorrido.

10) Contudo, a recorrente invocou argumentos novos, a respeito dos quais se impõe dizer o seguinte:

11) Ao contrário do que a arguida parece querer afirmar no art. 41° do requerimento a que se responde, nem o n.° 4, do artigo 6.°, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFT), nem qualquer outra norma legal faz depender o efeito suspensivo ali previsto do facto de o processo disciplinar resultar da conversão de algum dos processos a que alude a referida norma, mas tão só do facto de nesses processos serem apuradas infracções por que seja responsável o arguido;

12) De resto, se faz sentido converter um processo de inquérito ou um processo de sindicância aos órgãos ou serviços num processo disciplinar, não se vislumbra como se possa converter um processo disciplinar instaurado contra determinada pessoa num processo disciplinar contra pessoa diversa; não obstante, o mesmo art. 6.°, n.° 4, prevê efeitos suspensivos também nestas situações, desde que no processo disciplinar que visa uma pessoa se apurem infracções perpetradas por outra;

13) Este raciocínio está em consonância com o disposto no art. 135° do EMJ, de onde resulta que a conversão do processo de inquérito ou de sindicância em processo disciplinar é uma mera faculdade concedida ao CSM, que se traduz na dispensa da fase instrutória deste processo, a qual é "substituída" pela própria sindicância ou inquérito, mas que depende de o arguido ter sido aqui ouvido.

14) Não corresponde à verdade o afirmado pela arguida no art. 42.°, pois os requisitos previstos no art. 6.°, n.° 5, al. a) e b), do EDTEFP, estão, efectivamente, verificados, não se detendo o acórdão recorrido sobre eles apenas porque a arguida aceitou expressamente a suspensão na defesa que apresentou;

15) Por um lado, como afirma a recorrente, o processo de inquérito (que inicialmente seguiu a forma de processo de sindicância) foi instaurado no dia 25.05.2009;

16) Tal sucedeu por despacho do Sr. Vice-Presidente do CSM, que homologou o parecer da SALTJ de 06.05.2009, no sentido da realização de uma sindicância ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, «por se mostrar preocupado com a situação do mesmo, com o noticiado na comunicação social de que haveria julgamentos marcados para 2012» e «face ao conhecimento interno de outros problemas já detectados neste Tribunal»;

17) Constata-se, portanto, que a instauração do processo de sindicância, posteriormente convertido em inquérito, ocorreu em 25.05.2009, na sequência do parecer da SALTJ de 06.05.2009;

18) Por outro lado, como se refere logo no relatório do acórdão recorrido, o 2° Relatório Preliminar elaborado no âmbito do referido processo de inquérito, com base no qual foi instaurado o presente processo disciplinar, foi apresentado ao Conselho Permanente em 06.07.2009, ou seja, na data em que veio a ser instaurado este procedimento disciplinar;

19) Também não é correcta a afirmação proferida pela arguida no art. 50.°, pois o 1.° Relatório Preliminar - que chegou ao conhecimento do Conselho Plenário em 02.03.2010, como bem refere a recorrente - não permitia ao CSM instaurar procedimento disciplinar contra o arguido; compulsado esse relatório, constatamos que no mesmo apenas se descreve o estado do serviço do Tribunal do Trabalho de Lisboa, realçando-se o elevado número de acções pendentes nas fases do saneador e do julgamento, e se propõem medidas de carácter gestionário para debelar a morosidade e a baixa produtividade detectadas, mas não se imputa a nenhum Juiz em concreto a responsabilidade pelas mesmas; repare-se que logo no início do relatório se insere a seguinte nota: «Dado que o presente relatório preliminar não visa o apuramento de responsabilidades individuais, serão omitidos, na medida do possível, os nomes dos Srs. Juízes que proferiram os despachos ou lavraram os provimentos adiante citados, bem como os números dos processos exemplificativos, susceptíveis de os referenciar. As referências individuais e os números dos processos e dos provimentos serão inseridos no Relatório Final»;

20) Por estes motivos, os factos descritos no 1.° Relatório Preliminar não são susceptíveis de configurar, por si só, a prática de alguma infracção disciplinar por parte de alguns dos Juízes em funções no Tribunal do Trabalho de Lisboa, sendo certo que só o 2.° Relatório Preliminar, analisado pelo Conselho Permanente do CSM em 06.07.2010, permitiu aquela imputação a respeito da aqui arguida;

21) A contagem do prazo de 30 dias previsto no art. 55.° do EDTEFP, invocado pela arguida no art. 51.°, conta-se a partir da recepção do processo pela entidade competente para decidir;

22) No caso, essa entidade não é a secretaria do CSM, mas também não é relator do projecto de decisão ou qualquer outro dos membros do CSM, inclusivamente o seu Presidente ou Vice-Presidente;

23) O CSM é um órgão compósito, integrado por membros com diversas proveniências e legitimidades (Juízes eleitos pelos seus pares e membros designados pela Assembleia da República e pelo Presidente da República);

24) Esses membros não estão obrigados a exercer estas funções em regime de exclusividade, sendo certo que, neste momento, a maioria não o faz, participando apenas das sessões do Conselho Plenário, bem como das sessões do Conselho Permanente e das reuniões das restantes secções do CSM onde têm assento;

25) Por força do desenho legal do CSM, este órgão apenas se considera reunido com poderes deliberativos nas referidas sessões;

26) Assim, a recepção de relatórios ou outros documentos pelo CSM só pode considerar-se feita com a apresentação dos mesmas nas aludidas sessões, sob pena de essa apresentação se traduzir numa verdadeira ficção e de se impedir o regular funcionamento deste órgão constitucional;

27) No presente caso, o relatório elaborado pelo Sr. Inspector Judicial foi apresentado ao Conselho Plenário, juntamente com o projecto de decisão, no dia em que veio a ser proferida a decisão recorrida - 20 de Setembro de 2011.

28) Não ocorreu, por todos os motivos expostos, a alegada prescrição.

II - O vício de violação de lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal

29) A recorrente alega que a deliberação de condenação de magistrado em procedimento disciplinar deve ser tomada por escrutínio secreto, por envolver a apreciação de comportamentos e qualidades do magistrado, nos termos do art. 24°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

30) Tal não sucedeu no caso concreto, pelo que a deliberação impugnada é anulável.

31) Não tem razão a recorrente.

32) O procedimento disciplinar relativo a juízes está regulado no Capítulo VIII do EMJ (artigos 81° a seguintes desse estatuto), dedicando-se a respectiva Secção III (artigos 110.° e seguintes) ao processo disciplinar.

33) Subsidiariamente, são aplicáveis em matéria disciplinar, por força do art. 131.° do EMJ, as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Regional, Central e Local (EDFAACRL), remissão que hoje se deve considerar feita para o EDTEFP, do Código Penal, do Código de Processo Penal e diplomas complementares.

34) Ora, nenhum destes diplomas impõe que as decisões dos procedimentos disciplinares sejam tomadas por escrutínio secreto.

35) E não se trata aqui de qualquer lacuna necessitada de integração, mas sim de uma clara opção legislativa.

36) De todo o modo, as lacunas dos referidos diplomas nunca seriam preenchidas com recurso ao CPA, aplicando-se subsidiariamente ao processo penal as normas do Código de Processo Civil.

37) Em suma, não tem aqui aplicação o disposto no art. 24.°, n.° 2, do CPA, pelo que não ocorre a invocada invalidade.

III - A nulidade da acusação por não concretização dos factos que consubsumem as infracções, bem como do douto acórdão impugnado

38) A arguida invoca a nulidade da acusação por não concretização dos factos que consubsumem as infracções, parecendo sugerir que o libelo acusatório não descreve em que factos se baseia.

39) Mas depois afirma que a acusação não individualiza as infracções cometidas nem refere sequer quantas infracções estão em causa, ao contrário do que faz o relatório final.

40) E acrescenta que da acusação também não constava a indicação do que representava circunstância atenuante ou agravante.

41) Concluindo que, desta forma, se impossibilitou à arguida o cabal exercício do seu direito de defesa.

42) É certo que, nos termos do disposto no art. 124.° do EMJ, «a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa» constituiu nulidade insuprível.

43) Mas não deixa de ser estranho que, considerando verificada esta nulidade que impede a defesa, a arguida não a tenha arguido na sua defesa, reservando-se para a fase de recurso.

44) Seja como for, afigura-se de meridiana clareza que a acusação não é ininteligível, quer no que concerne aos factos cuja prática imputa à arguida, quer no que concerne as infracções que, deste modo, considera perpetradas.

45) A própria arguida parece reconhecer que a acusação faz a descrição dos factos concretos cuja autoria lhe imputa, acabando por cingir o vício alegado à circunstância de não esclarecer que factos constituem que infracções e à não indicação das circunstâncias atenuantes ou agravantes.

46) Mas não tem razão. Como se refere logo no relatório do acórdão recorrido, a acusação imputa-lhe «a prática de infracção ao dever profissional e estatutário de administrar a justiça, aos deveres de prossecução do interesse público e de zelo consagrados nos artigos 3°, n.° 2, al. a) a e), 3 e 7, da Lei n.° 58/2008, de 09.09 - Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aplicável por força do art. 131° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e ao dever de respeito pelos interesses dos trabalhadores que estavam dependentes do exercício da sua função».

47) O que só pode significar que todos os factos aí imputados à arguida - todos eles se reconduzindo à forma como efectuou o agendamento enquanto exerceu funções no Tribunal do Trabalho de Lisboa e ao grau de tempestividade e de produtividade daí decorrentes - violam estes deveres.

48) A arguida pode discordar deste enquadramento jurídico dos factos, mas nada impede que se defenda da imputação que lhe é feita, negando a prática dos factos, discordando da sua relevância disciplinar, pugnando por um diferente enquadramento jurídico-disciplinar dos mesmos, etc.

49) E foi, precisamente, da imputação efectuada na acusação que a arguida se defendeu, justificando as suas opções em termos de agendamento e explicando por que razões não poderia, na sua óptica, ter apresentado melhores tempestividade e produtividade, concluindo pela não violação dos deveres invocados na acusação.

50) Invoca a arguida a não indicação, na acusação, do que representava circunstância atenuante ou agravante; porém, é a seguinte a redacção do art. 48.° daquela peça: «Os períodos de falta ao serviço, por doença, descritos no ponto 11.°, constituem circunstância atenuante no comportamento da arguida».

51) Seja como for, a omissão não foi invocada na defesa apresentada pela arguida, pelo que, a verificar-se, sempre estaria sanada nos termos do disposto no art. 124°, n.° 2, do EMJ.

52) Também no acórdão recorrido se considerou que todos os factos imputados à arguida consubstanciam a violação dos seus deveres de administrar a justiça, prossecução do interesse público e zelo, conclusão consonante com a fundamentação desenvolvida.

53) É certo que no relatório final apresentado pelo Exmo. Inspector se faz um diferente enquadramento jurídico dos factos.

54) Mas, por um lado, tal enquadramento não vincula o órgão decisor.

55) E, por outro lado, resulta inequívoco do acórdão proferido a divergência entre este e o relatório final.

56) A recorrente afirma ainda que o acórdão recorrido é contraditório na alusão ao que pensa serem as infracções em causa, porque «se por um lado refere que não está verdadeiramente em causa a aplicabilidade ou não do Decreto-Lei n.° 184/2000 ao processo laboral, por outro sustenta que "as infracções que lhe são imputadas não se cingem à não marcação da data de julgamento na audiência de partes" (fls. 5), o que quer dizer que seja como for, também a assenta em tal. Voltando a frisar este aspecto a fls. 30 referindo a "não marcação na audiência de partes sem qualquer razão justificativa bastante ou por aplicação indevida do artigo 1.° do DL n.° 184/2000, de 08.08".

57) Mas, nesta afirmação, a recorrente retira do seu contexto original e aglutina afirmações proferidas no relatório final elaborado pelo Inspector Judicial (e citadas no acórdão recorrido) e afirmações da autoria do relator do acórdão, chegando mesmo a alterar a sua redacção, tornando-as confusas e aparentemente contraditórias.

58) A fls. 5 do acórdão recorrido diz-se, a propósito da prescrição invocada pela arguida, que «as infracções que lhe são imputadas não se cingem à não marcação da data do julgamento na audiência de partes, assentando numa base factual mais vasta: a incorrecta e ineficiente gestão do processo, mormente no que concerne ao agendamento da audiência, e da própria agenda do tribunal, com reflexos negativos na produtividade e na imagem do tribunal».

59) Mas esta afirmação em nada contradiz as restantes, pois dela não se extrai se está ou não em causa a aplicabilidade do DL n.° 184/2000.

60) Em parte alguma do acórdão recorrido se afirma que «não está verdadeiramente em causa a aplicabilidade ou não do Decreto-Lei n.° 184/2000 ao processo laboral».

61) O que se faz a fls. 29 e seguintes do acórdão recorrido é, por um lado, transcrever o que o Sr. Inspector Judicial escreveu no relatório final a respeito da alegada falta de competência do CSM para apreciar a validade dos despachos proferidas pela arguida, sendo neste contexto que surge a expressão "não marcação na audiência de partes sem qualquer razão justificativa bastante ou por aplicação indevida do artigo 1.° do DL n.° 184/2000, de 08.08".

62) E, por outro lado, analisar o que aí se diz, à luz dos argumentos expendidos pela arguida, concluindo-se da seguinte forma:

«Divergindo ligeiramente do raciocínio do Sr. Inspector Judicial, cremos que o acento tónico deve ser colocado, precisamente, na gestão que a arguida fez da sua agenda, dentro do quadro legal vigente, por ser este o busílis da imputação que lhe é feita Mais do que a questão da aplicabilidade ou não do DL 184/2000 ao processo laboral, o que está em causa naquela imputação é um agendamento com dilações totalmente inadmissíveis, especialmente quando conjugado com o claro subagendamento registado e a baixa produtividade obtida, conforme já havíamos afirmado anteriormente».

63) Não existe, portanto, qualquer contradição na posição defendida pelo CSM. Voltaremos a este assunto quando nos pronunciarmos sobre o ponto VI.

IV - A nulidade da acusação por não indicação da pena concretamente aplicável

64) A este respeito já nos pronunciamos no acórdão recorrido, para onde remetemos.

65) Acrescentaremos apenas que a jurisprudência citada nas alegações da recorrente - aqui se incluindo a jurisprudência citada no acórdão do Conselho Permanente de 17.06.2008, parcialmente transcrito naquelas alegações - não se reporta a infracções perpetradas por juízes, não estando aí em causa, portanto, a aplicação do EMJ.

66) Acrescentaremos também que mesmo em sede de processo penal, onde as garantias de defesa são mais reforçadas, não se exige que a acusação indique a pena concretamente aplicável, ainda que a norma incriminadora permita ao julgador a opção em entre a pena de prisão e a pena de multa e a substituição destas por uma das restantes penas previstas no Código Penal.

67) Diremos ainda que a diferença entre o regime previsto no EDTEFP e o regime previsto no EMJ parece encontrar a sua justificação na certeza da preparação técnica dos juízes, que não é um dado adquirido a respeito dos trabalhadores que exercem funções públicas.

Neste sentido vide Ac. do STJ, de 27-09-2001 (Rel. Azambuja da Fonseca), em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/contencioso/contencioso1980-2001.pdf, em cujo sumário se diz o seguinte: «III — As razões que justificam a exigência da indicação, na acusação, da pena aplicável, cessam quando se trata da regulamentação do processo disciplinar respeitante a Magistrados cujo conhecimento da lei e, em particular, daquela que regula a respectiva actuação, é de presumir. Neste caso, os direito de defesa encontram-se suficientemente garantidos pela identificação da infracção disciplinar imputada e indicação dos demais elementos mencionados no art.° 117.°, n.° 1, do EMJ.».

68) Quanto à inconstitucionalidade do preceito legal em causa, a sua sindicância não cabe ao CSM que, não sendo um tribunal, não pode deixar de aplicar as normas com base na sua desconformidade com a CRP.

V - A nulidade por omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade e consequente violação do princípio da defesa

69) Não obstante invocar a nulidade por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, a recorrente não invoca uma única diligência instrutória que tenha sido omitida.

70) Limitando-se a afirmar que o CSM não deu a relevância que, na sua perspectiva, era devida aos elementos probatórios recolhidos.

71) E, portanto, inteiramente infundada a arguição da nulidade insuprível prevista no art. 124°, n.° 1, do EMJ (sem prejuízo da alegação da recorrente poder relevar noutra sede, como decorre do alegado no art. 172° do requerimento a que se responde).

VI - A consideração de factos desfavoráveis à arguida não constantes da acusação

72) Aquilo que a recorrente consideraremos desfavoráveis à arguida não constantes da acusação traduz-se apenas em conclusões extraídas dos factos descritos tanto na acusação como na defesa e considerados provados no acórdão recorrido.

73) Esses "factos novos" constituem, na verdade, o resultado da análise e valoração dos factos apurados, sendo esta actividade inerente às funções legalmente cometidas ao CSM.

74) Não deixa de ser sintomático que a arguida, em vez de discriminar os factos que considera serem novos e desfavoráveis, se limite a afirmar que foi «confrontada com factos e imputações/conclusões respeitantes a uma alegada diminuta ou modesta produtividade, mormente os números plasmados a fls. 28 do douto Acórdão impugnado».

75) Mas basta uma leitura minimamente atenta do que está escrito entre o início do último parágrafo de fls. 27 e o fim do segundo parágrafo de fls. 28 do acórdão recorrido, para se constatar que tudo o que aí se diz decorre dos factos alegados na acusação ou na defesa e considerados provados nesse acórdão, sendo certo que estão aí discriminados os factos concretos em que se baseia cada conclusão ou valoração, através das remissões que vão sendo feitas para diversos pontos dos factos provados.

76) Improcede, assim, a alegação da arguida

VII - A falta de competência do CSM para apreciar a validade dos despachos proferidos pela arguida, por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos tribunais

77) A este propósito remetemos para o que já dissemos no acórdão recorrido.

78) Como decorre do que aí se diz, o ilícito imputado à arguida não assenta apenas no incumprimento do disposto no art. 56°, al. c), do CPT, e numa aplicação do DL n.° 184/2000, de 8 de Agosto, ostensivamente contrária ao propósito do legislador.

79) Assenta também na marcação das audiências de julgamento com uma dilação totalmente injustificada, que a arguida baseou formalmente na aplicação que fez daqueles normativos.

80) Não é, portanto, legítimo afirmar-se que o acórdão recorrido baseou a condenação disciplinar da arguida na interpretação que esta fez da lei.

81) Acresce que a gestão da agenda do tribunal não é, manifestamente, uma actividade jurisdicional, embora esteja cometida aos juízes, mas sim uma actividade de cariz gestionário.

82) O que não é alterado pelo facto de algumas matérias de gestão estarem reguladas na lei.

83) Só esta constatação permitiu que o CSM tivesse imposto aos juízes do Tribunal do Trabalho de Lisboa, na sequência do inquérito que realizou a esse tribunal, um número mínimo de agendamentos semanais.

84) Tal constatação está também subjacente à discussão que se vem fazendo sobre a atribuição do agendamento a pessoa diversa do juiz.

85) Abrimos aqui um parêntesis para deixar claro que o CSM se opõe veementemente à perda do controlo da agenda por parte do juiz.

86) Pese embora a má gestão que alguns juízes fazem da sua agenda, as soluções para esse problema são muito diversas, nomeadamente uma melhor formação ao nível da gestão processual, matéria que está no centro das preocupações do CSM.

87) Em suma, o acórdão recorrido não traduz qualquer interferência na actividade jurisdicional da arguida

VIII - O vício de falta de fundamentação

88) Ao contrário do que a arguida afirma no requerimento de interposição de recurso, o acórdão recorrido não baseia a fundamentação dos factos não provados apenas na «fórmula genérica» aí transcrita.

89) Depois de se descrever, detalhada e discriminadamente, os elementos probatórios em que assentou a fixação da matéria de facto provada, diz-se o seguinte no acórdão recorrido:

«A restante matéria inserida na defesa foi aqui desconsiderada, por traduzir meras considerações pessoais, por ser conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzido prova suficiente a seu respeito.

Quanto à matéria inserida nos artigos 60.° e 73° da defesa, a arguida indicou para prova o depoimento da testemunha Sra. Dra CC, que alicerçou o seu depoimento em convicções/conclusões próprias ("ficou com a convicção de que o mesmo (Inspector) discordava da opção tomada"; "tendo ficado com a convicção"), decorrentes do teor de uma conversa alegadamente mantida com o Instrutor do qual "não se recorda das exactas palavras" - cf. artigo 130.° do C.P.P. e 131.° do E.M.J.

Por último, de tal depoimento não resultam factualmente balizadas nem uma concreta oposição do Instrutor nem sequer uma concreta comunicação da arguida ao mesmo (ou daquele a esta), quanto à intenção de que pretendia exercer as funções de que estava acometida, designadamente a de "normalizar as marcações", a que, como resulta do teor de tais artigos, reconhecer não ter procedido no período em discussão nos autos.

Motivos porque o depoimento de tal testemunha, também ela Arguida em processo disciplinar (cf. fls. 135 dos autos) quanto a factos que a si também interessariam, como resulta dos provimentos a que alude em resposta à matéria do artigo 56.° da defesa, reveste de grandes reservas na sua valoração.

De todo o modo, a alegada decisão, nunca concretizada, de agendar a audiência de julgamentos em todos os processos que aguardavam tal marcação, não alteraria a quase totalidade dos factos imputados à arguida, ocorridos antes de Janeiro de 2010, data da alegada decisão».

90) Tudo analisado, cremos ter sido dado cumprimento ao dever de fundamentação, tendo em conta que fundamentar é genericamente entendido como «indicar quais os motivos, as razões por que se pratica um acto» (OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE, Direito Administrativo, I, pág. 470); o que se pretende é que a fundamentação seja clara, suficiente e coerente, isto é, «...saber se um destinatário normal, face ao "itinerário cognitivo e valorativo", constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer» (Ac. do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27/05/1982, in Acs. Dout 256/534. No mesmo sentido, entre outros, Ac. do S.T.A. de 10-11-1998, Bol. do Min. da Just, 481, 513); a exigência de fundamentação não é mais do que a consagração plena da legalidade da actividade administrativa e uma verdadeira garantia para os cidadãos, imposta desde logo pelo art. 268°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

91) Como escreveu o Conselheiro Araújo de Barros, como relator do Ac. do STJ de 14/10/2004 (in www.dgsi.pt, Documento n° SJ200410140014987):

«A exigência de fundamentação prossegue dois objectivos essenciais: um, de natureza endoprocessual - permitir aos interessados o conhecimento dos reais fundamentos de facto e de direito que determinaram a entidade decidente a emitir a estatuição autoritária pela forma concreta como o fez, em ordem a possibilitar aos administrados uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a justificação da interposição de um recurso contencioso; outro, de feição extraprocessual determinado pelos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade que deve reger toda a actuação jurídico-administrativa, como informadores de um processo lógico, coerente e sensato que culmine num exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais aplicáveis em cada situação concreta

Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas/lógicas de premissas correctamente desenvolvidas, de molde a permitir aos respectivos destinatários, tomando por referência o destinatário concreto, pressuposto (pela ordem jurídica) ser cidadão diligente e cumpridor da lei - e, através da respectiva fundamentação expressa - a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emitente ao decidir como decidiu.

A fundamentação deve ser congruente, apresentando um discurso lógico e sensato, sendo que em sede de impugnação contenciosa uma fundamentação clara, ainda que não seja indiscutível, nem sequer convincente, satisfaz o dever legal e não provoca qualquer vício de forma do assim fundamentado.

Em contrapartida, a insuficiência de fundamentação, para conduzir a um vício de forma, deve ser manifesta, no sentido de ser tal que fiquem por definir os factos ou considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar uma determinada decisão».

92) Alega a arguida que o acórdão recorrido «carece ainda de fundamentação quanto às conclusões de que a alegada não marcação de julgamentos tenham tido algum impacto na produtividade ou no agendamento dos processos».

93) Acrescentando que «não apreendeu o iter cognoscitivo dado que dos factos dados como provados não se retira o nexo de causalidade, ainda mais quando, conforme se referiu supra, a A. produziu acima da média considerada razoável pelo CSM (quando definiu como razoável o n.° de 3-4 julgamentos por semana para a equipa liquidatária), conseguiu atingir o objectivo para o qual tinha sido designada como Juiz Auxiliar - diminuir o número de processos mais antigos para a prolação de despacho saneador/sentença, diminuir dilações e recuperar pendências conforme oportunamente concretizado em sede de defesa - e não existirem factos que comprovem que a A. não marcava julgamentos».

94) Mas no acórdão recorrido não diz que a arguida, pura e simplesmente, não marcasse julgamentos (o que, obviamente, teria tido impacto «na produtividade e no agendamento dos processos!).

95) No acórdão recorrido diz-se, em termos não só inteligíveis como perfeitamente claros, que a arguida não agendava a data da audiência de julgamento na audiência de partes, tal como não o fazia no despacho saneador e mesmo em fases processuais posteriores, invocando o disposto no art. 1.°, do DL n.° 184/2000 ou, pura e simplesmente, a "total indisponibilidade da agenda", apesar de nos anos de 2008 e 2009 não se ter verificado essa indisponibilidade de agenda, registando-se antes um claro subagendamento.

96) E que estes procedimentos retardaram o desfecho das acções pendentes e potenciaram a realização de um número reduzido de julgamentos, conclusões que se afiguram absolutamente evidentes, independentemente do efectivo apuramento dos número de julgamentos efectuados.

97) Ao afirmar que «não apreendeu o iter cognoscitivo», a recorrente manifesta a sua discordância em relação aos estes fundamentos do acórdão, por considerar que os seus procedimentos foram perfeitamente ajustados, tanto do ponto de vista legal como do ponto de vista gestionário, tendo permitido produzir acima da média considerada razoável pelo CSM (quando definiu como razoável o n.° de 3-4 julgamentos por semana para a equipa liquidatária) e atingir o objectivo para o qual tinha sido designada como Juiz Auxiliar -diminuir o número de processos mais antigos para a prolação de despacho saneador/sentença, diminuir dilações e recuperar pendências conforme oportunamente concretizado em sede de defesa.

98) Mas as razões da sua discordância não têm a virtualidade de tornar inexistente ou ininteligível a fundamentação expendida no acórdão recorrido.

99) De resto, também as suas razões foram analisadas naquele acórdão e fundamentadamente afastadas.

100) A este respeito, afirma-se no acórdão recorrido que a afirmação da arguida só é verdadeira se tivermos em conta o número mínimo fixado pelo CSM (3 julgamentos por semana), mas já não se tivermos em conta o número máximo (4 julgamentos por semana), sendo certo que, entretanto, o CSM reviu estes números, que passaram para 4-5 julgamentos por semana.

101) Afirma-se também que «se é verdade que a arguida baixou a pendência a seu cargo, conforme alega no art. 104° da sua defesa e demonstra com o documento junto a fls. 133 destes autos, isto não apaga as desnecessariamente longas dilações a que deu origem na marcação de diversos julgamentos».

102) A arguida considera ainda mais evidente a falta de fundamentação da afirmação segundo a qual apenas fez um julgamento e meio por mês, mas logo revela ter percebido que esse número médio se baseia no número de sentenças elaboradas.

103) Tanto bastaria para se considerar não haver falta de fundamentação, mesmo que esta não fosse convincente.

104) Mas o acórdão recorrido não se limita a fazer a correspondência entre o número de sentenças proferidas e o número de julgamentos efectuados, fundamentando este número na análise dos factos que apurou, aqui se incluindo os factos trazidos aos autos pela própria arguida.

105) Com base nessa análise excluiu, desde logo, as sentenças proferidas pela autora mas cujos julgamentos foram efectuados por outras pessoas.

106) As dúvidas suscitadas nos artigos 161.° e 162° do requerimento a que se responde não tem qualquer razão de ser, pois o período a que se referem os 27 julgamentos está expresso no acórdão recorrido - 25 de Março a 4 de Agosto de 2008 e 10 de Fevereiro a 31 de Dezembro de 2009.

107) O mesmo sucede com as dúvidas suscitadas nos artigos 163.° e 166°, pois o acórdão recorrido não faz qualquer distinção com base nas espécies processuais,  aludindo, na descrição dos factos provados, a diferentes tipos de acções (v.g. no art. 35.° dos factos provados).

108) A respeito do alegado no art. 164.°, parece-nos claro que quando se alude ao número e julgamentos realizados não se está a aludir ao número de sessões; mas se a recorrente tinha dúvidas, poderia ter pedido o respectivo esclarecimento.

109) Mesmo que se admita alguma margem de erro na análise do número de julgamentos efectuados pela arguida - o que não decorre do ponto 35.° dos factos provados, ao contrário do que é afirmado pela arguida no artigo 176.° do seu requerimento, conforme se explica no acórdão recorrido -, isso continua a não traduzir a falta ou a ininteligibilidade da fundamentação do acórdão.

110) Importando também não perder de vista que o que está, essencialmente, em causa são os procedimentos claramente dilatórios adoptados no agendamento dos julgamentos e o subagendamento detectado e não tanto o número de julgamentos efectivamente realizados, sendo inequívoco que uma agenda subaproveitada só pode dar origem a um número reduzido de julgamentos efectuados.

IX - O vício do erro sobre os pressupostos de facto

111) Cremos que de tudo quanto fomos expondo ao longo desta resposta, conjugado com o teor do próprio acórdão recorrido, já resulta não ocorrer o alegado erro sobre os pressupostos de facto.

112) O CSM considera que analisou todos os factos e argumentos trazidos aos autos, com relevância para a apreciação da conduta da arguida em termos disciplinares, mesmo que alguns daqueles não estivessem cabalmente demonstrados e tenham sido analisados no plano das hipóteses.

113) Não tem razão a recorrente quando afirma que «dos factos provados não resulta um único facto que determine a forma como a A. marcava os julgamentos».

114) No ponto 13.° dos factos provados descrevem-se as marcações efectuadas por mês pela arguida entre 25.03.2008 e 06.04.2010.

115) E nos pontos 15° a 21° descrevem-se despachos que a arguida proferiu em diversos processos a respeito do agendamento.

116) A respeito do alegado no artigo 187.° do requerimento em análise, importa esclarecer que com a expressão "a arguida não só não cumpria o disposto no art. 56.° alínea c), do CPT, como também não designava data para julgamento no despacho ou em fase processual posterior " não se quis afirmar que a arguida nunca marcava julgamentos.

117) A interpretação da arguida causa estranheza, pois cremos resultar com clareza do acórdão recorrido que se quis afirmar que a arguida protelou a marcação dos julgamentos, não a fazendo nas audiências de partes, nos despachos saneadores e noutros momentos em que os processos lhe eram apresentados com termos de conclusão.

118) Isto mesmo decorre dos factos apurados, onde se descrevem os despachos que a arguida foi proferindo em diversos processos protelando o momento da marcação do julgamento, mais se descrevendo os casos em que acabou por fazê-lo e os casos em que o agendamento acabou por ser feito pela equipa liquidatária.

119) No artigo 192.° a arguida afirma que as audiências aludidas nos pontos 15° a 20.° dos factos provados foram agendadas menos de um ano após os autos lhe terem sido conclusos para esse efeito.

120) Esta dilação já é, por si mesma, inaceitável. Mas a arguida parece esquecer que esses processos já estavam prontos para marcação do julgamento há diversos anos e que os seus despachos reiteraram e ampliaram as manobras dilatórias antes usadas pelos seus antecessores.

121) Tal como parece esquecer que, para as partes, o processo não existe apenas desde que foi concluso a si.

122) Entende a recorrente que não podia ter determinado o seu comportamento pela deliberação do CSM, de Dezembro de 2010, que fixou entre 4 e 5 o número de julgamentos a efectuar por cada juiz, nem mesmo pela anterior deliberação, datada de 02.03.2010, que havia fixado aquele número entre os 3 e os 4 julgamentos.

123) Mas foi a recorrente quem trouxe à colação a deliberação de 02.03.2010 e a comparação entre o seu trabalho e o da equipa liquidatária, pelo que o CSM não podia deixar de aludir à existência da segunda deliberação.

X - A inexigibilidade de outro comportamento

124) Do que ficou exposto supra já decorre não se verificar a alegada situação de inexigibilidade.

125) Como se referiu no acórdão recorrido, a necessidade de dar prioridade aos processos mais antigos que se encontravam a aguardar marcações não impedia um agendamento mais tempestivo e mais ajustado ao volume processual.

126) A prática do tribunal ou dos juízes mais velhos não constitui causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pois a arguida não estava privada da sua liberdade nem do seu discernimento para se determinar de outra forma.

XI - O vício de violação do princípio da proporcionalidade por não aplicação da atenuação especial da pena de multa aplicada

127) Do que dissemos já decorre que a arguida não agiu sem consciência do que estava a fazer ou que não lhe possa ser imputado qualquer juízo de censura, o que, de resto, teria como consequência a absolvição da arguida e não a atenuação especial da pena.

128) Acresce que o CSM já ponderou todas as circunstâncias que depõem a favor da recorrente, resultando do acórdão recorrido que tais circunstâncias determinaram a aplicação da pena de multa, em detrimento da pena de suspensão de exercício, sendo certo que ambas eram equacionáveis (dado que o comportamento apurado revela negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo, consubstanciado na não marcação atempada das audiências de julgamento e no diminuto número de julgamentos agendados e realizados), tendo o inspector judicial proposto a aplicação da mais grave.

Em conclusão, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto pela Exma. Sra Dra. AA deve ser julgado improcedente.

Ao abrigo do art. 176º do EMJ, alegou a recorrente:

I. QUESTÃO PRÉVIA - DA FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO OU DE JURISTA DESIGNADO

Vem a, aliás douta, contestação do CSM assinada pelo seu Vice-Presidente, o Ex.mo Senhor Conselheiro José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra.

Porém, salvo o devido respeito, que é muito, considera a A. que o CSM deveria estar obrigatoriamente representado por Advogado ou por jurista designado para o efeito.

Senão vejamos. 

Estatui o art. 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) que em tudo quanto não esteja regulado neste Estatuto, se aplicam as regras previstas para o recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo.

A Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, prevista no Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de Setembro de 1956, foi sendo sucessiva e parcialmente revogada, até à Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que a revogou na sua totalidade, lei esta que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Assim, o recurso previsto nos arts. 168.s e ss. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) na sequência da entrada em vigor do CPTA é hoje, em rigor, uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, aplicando-se a esta os preceitos deste Código e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.

Ora, determina o artigo 11.º, n.° 1, do CPTA que "Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado." Mais acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que "Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja actuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte."

Em caso de irregularidade de mandato, como referem, em anotação a este preceito, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª.- Edição revista, Almedina, 2010, Coimbra, p. 106, "Os artigos 33.º e 40.º do mesmo Código [Código de Processo Civil - CPC] providenciam, respectivamente, quanto à falta de constituição de mandato e à falta, insuficiência ou irregularidade de procuração forense."

Assim sendo, no caso em apreço, não se encontrando o CSM representado por advogado ou por jurista expressamente designado para o efeito, nos termos do art. 33.º do CPC, deverá o "tribunal (...) notificar para constituir dentro de prazo certo, sob pena de ficar sem efeito a defesa", o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.

II. REFERÊNCIAS AOS FACTOS

Como se referiu na petição inicial, a A. coloca em causa a factualidade subjacente aos autos, nomeadamente considerando existir erro sobre os pressupostos da sua fixação.

O que implica, em seu entendimento, que este Supremo Tribunal actue com plena jurisdição, apreciando a veracidade e verificação dos factos, sob pena de estar irremediavelmente posto em causa o direito a um processo justo e equitativo da A., violando-se, em nosso entendimento, de forma frontal, o artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e o direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente previsto no artigo 20º da CRP.

III. CONSIDERAÇÕES DE DIREITO

Considera a A. que, salvo o devido respeito, não podem proceder os argumentos invocados pelo R., nomeadamente em sede da sua contestação, pelas razões que já se elencaram na petição inicial que aqui se dão por reproduzidos e a que apenas se acrescentam as seguintes considerações:

a) Quanto ao vício de violação de lei na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal

Quanto ao vício de violação na decisão do procedimento disciplinar por votação nominal, em desrespeito pelo que preceitua o artigo 24º, nº 2, do CPA, refere a douta deliberação impugnada que o EDTFP, aplicável subsidiariamente, não impõe a votação por escrutínio secreto.

Salvo o muito e devido respeito, porém, tal argumento não colhe por duas ordens de razões.

Assim, em primeiro lugar, não constando norma do EDTFP quanto à forma de votação, é então aplicável o CPA quanto às regras de votação das deliberações dos órgãos colegiais, nos termos do artigo 2º que determina que "As disposições deste Código aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como os actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas".

Por outro lado, em segundo lugar, o EDTFP também não tinha que prever a forma de votação das deliberações, como não prevê, por exemplo, as regras de reunião ou quórum dos órgãos colegiais.

Essa é a função do CPA e não a do EDTFP.

Tanto mais que este se aplica quer estejamos perante órgãos colegiais quer órgãos singulares.

Não pode, assim, proceder, em nosso entendimento, a argumentação do R. a respeito deste vício, pelo que deverá o mesmo ser julgado procedente e a deliberação impugnada anulada com as devidas e legais consequências.

b) Quanto à não concretização dos factos que consubsumem as infracções, bem como do douto Acórdão impugnado

Refere o R. que embora a falta de audiência do arguido seja, nos termos do artigo 124° do EMJ, uma nulidade insuprível, "não deixa de ser estranho que, considerando verificada esta nulidade que impede a defesa, a arguida não a tenha arguido na sua defesa, reservando-se para a fase de recurso."

Ora, estranho é que se faça esta afirmação, precisamente por se considerar nulidade insuprível, invocável a todo o tempo, por um lado, ou passível de invocação ainda que não arguida logo que dela se teve conhecimento, E essa, aliás, a definição de nulidade insuprível.

Quanto à não concretização dos factos que constituem infracção disciplinar, refere a douta contestação, no seu artigo 46°, que a acusação lhe imputa "a prática de infracção ao dever profissional e estatutário de administrar justiça, aos deveres de prossecução do interesse público e de zelo" e que "tal só pode significar que todos os factos aí imputados à arguida - todos eles se reconduzindo a forma como efectuou o agendamento enquanto exerceu funções no Tribunal de Trabalho de Lisboa e ao grau de tempestividade e de produtividade daí decorrentes - violam estes deveres."

Salvo o muito e devido respeito, porém, tal precisão desde logo e em primeiro lugar continua a não referir quantas infracções (numericamente falando) estão em causa - se uma, duas ou dez. Por outro lado, apenas nesta sede - na contestação - se procura balizar os factos que, na perspectiva do R, consubsumem a infracção (ainda que, em nosso entendimento, de forma não totalmente perceptível), assim se confirmando que, em sede de acusação, tal não resultava claro e, por isso, não passível de um cabal exercício do direito de defesa da A.

Quanto à não individualização do que consubstanciavam verdadeiras circunstâncias atenuantes ou agravantes, refere o R. que foi considerada a circunstância atenuante referida no artigo 48s da douta acusação e que, ainda que assim não fosse, uma vez que tal omissão não foi invocada em sede de defesa pela A., sempre estaria sanada nos termos do artigo 124º, nº 2, do EMJ.

Porém, aquilo que verdadeiramente está em causa é a não concretização, em sede de acusação, do que se considera ser, em sede do douto Acórdão final, uma circunstância agravante e não propriamente que os períodos de falta ao serviço, por doença, descritos no ponto 11º, constituem circunstância atenuante no comportamento da arguida.

Por outro lado, tal omissão não foi apresentada em sede de defesa, desde logo porque só com a notificação do Relatório final e do douto Acórdão impugnado é que a A. teve conhecimento que os comportamentos respeitantes à alegada insignificante produtividade foram considerados circunstâncias agravantes.

E tal consideração, salvo o devido respeito, não é um mero diferente enquadramento jurídico dos factos, é uma verdadeira alteração substancial da tipificação da infracção alegadamente cometida pela A. e, por isso, dela deveria ter sido previamente notificada para que pudesse, assim, exercer o seu cabal direito de defesa.

Veja-se, a este propósito, a afirmação do douto Acórdão impugnado, que o R. cita no seu artigo 62º, e logo se conclui, em nosso entendimento, ser evidente a alteração substancial dos factos ou, pelo menos, dos factos que se consideraram substanciar a infracção em causa.

E nem se diga, como pretende o R., que não estão em causa os julgamentos realizados pela A., pois várias vezes referem a alegada não marcação na audiência de partes ou em qualquer fase processual posterior, ou o alegado subagendamento. Até porque, a afirmação de que não estaria em causa o número de julgamentos realizados é contraditório com o que o próprio R. afirma no final da sua contestação, a saber, "que o comportamento apurado releva negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo, consubstanciado na não marcação atempada das audiências de julgamento e no diminuto número de julgamentos agendados e realizados" (o sublinhado é nosso).

Finalmente, constituindo a indicação de circunstâncias agravantes e atenuantes elementos essenciais para o exercício do cabal direito de defesa da A., não se aplica, in casu, o artigo 124º, nº 2, do EMJ, ao contrário do defendido na douta contestação, por tal constituir, para os devidos efeitos, uma nulidade insuprível.

c) Quanto à nulidade da acusação por não indicação da pena concretamente aplicável

A este respeito caberá referir que, ao contrário do que refere a douta contestação do R., e como aliás é do seu conhecimento, a deliberação do Acórdão do Conselho Permanente de 17 de Junho de 2008 foi proferida no âmbito do processo disciplinar nº 22/2008 instaurado contra Magistrado Judicial - conhecimento que os ora signatários detêm por terem sido, inclusivamente, mandatários no processo.

No entanto, e à cautela, requer-se que seja o CSM notificado para juntar certidão da deliberação aos autos, truncando devidamente todas as referências pessoais ao Magistrado arguido, salvaguardando-se, assim, a natureza secreta do processo.

De referir, ainda, que a comparação com o processo penal em que, segundo a contestação, não se exige que a acusação indique a pena concretamente aplicável não pode proceder, porquanto, no processo criminal, o tipo legal de crime vem devidamente acompanhado da moldura penal aplicável, o que não sucede com as infracções disciplinares cometidas por Magistrados Judiciais.

Vem ainda a douta contestação invocar que "a diferença entre o regime previsto no EDTEFP e o regime previsto no EMJ parece encontrar a sua justificação na certeza da preparação técnica dos juízes, que não é um dado adquirido a respeito dos trabalhadores que exercem funções públicas."

Porém, salvo o muito e devido respeito, tal entendimento não pode proceder, dado que, em primeiro lugar, não existe, em nossa opinião, fundamento válido de diferenciação, a este propósito, entre os Magistrados e os Trabalhadores que exercem funções públicas, pelo que a interpretação preconizada pelo CSM é violadora do princípio constitucionalmente consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Em segundo lugar, o Magistrado embora conheça a lei, e embora possa presumir qual a pena aplicável ao seu caso em concreto, caso a mesma não seja indicada, não pode sindicar da sua boa (ou má) aplicação. Ou seja, não tem como saber, a priori, se o Inspector tem ou não a intenção de propor a pena correcta e abstractamente aplicável ao caso concreto.

O que não pode deixar de colocar em causa, de forma flagrante, o direito de defesa do Magistrado.

Assim sendo, a douta Acusação, por desrespeitar o princípio constitucionalmente consagrado de defesa no âmbito do processo disciplinar, previsto nos arts. 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, CRP está ferida de um vício gerador de nulidade, nos termos do art. 37.º do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131.° do EMJ e do art. 133.º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que desde já se invoca.

Sendo que qualquer interpretação contrária a este entendimento não pode deixar de ser considerada inconstitucional, por violação dos já referidos normativos.

d) Quanto ao vício de falta de fundamentação

Vem o R., a propósito da alegação da fórmula genérica sobre os factos alegados não considerados, referir que se pronunciou quanto à valorização do depoimento da Senhora Dra. CC.

Salvo o devido respeito, porém, tal indicação apenas permite aferir das razões pelas quais não foram dados como provados os factos alegados nos artigos 59º e 60º da defesa, passados directamente com a Senhora Dra. CC (questão que, aliás, está directamente relacionada com a suscitada parcialidade do Senhor Inspector e que está a ser decidida no processo entretanto apensado a este ora em análise).

Porém, daquela fórmula genérica não se retira a fundamentação da restante factualidade alegada, nomeadamente, se tal factualidade foi considerada como considerações pessoais, conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzida suficiente a seu respeito.

Não sendo, por isso, sindicar tal valoração, precisamente por não se compreender o seu iter cognoscitivo.

Por sua vez, quanto à forma de apuramento da média de julgamentos realizados pela A., a douta contestação, salvo muito e devido respeito, continua a não fundamentar, limitando-se a referir que fundamentou "este número na análise dos factos que apurou [quais?], aqui se incluindo os factos trazidos aos autos pela própria arguida."

Porém, ainda que tenha sido a A. a referir que a média exigida à equipa liquidatária era de 3/4 julgamentos, fê-lo apenas para demonstrar que esse era um número razoável para uma equipa que não despachava expediente, não tramitava providências cautelares ou recursos de contra-ordenação, pelo que o número exigido a um juiz normal teria que ser quanto muito igual, nunca superior.

Tal argumentação, porém, não pode legitimar o CSM a aplicar à A. os critérios da deliberação de 2010, não tendo em consideração, também, a diferença referida no parágrafo supra.

Quanto ao mais, e porque o R. não se pronuncia ou se pronuncia genericamente ou, ainda, remete para os argumentos já aduzidos no douto Acórdão impugnado, dá-se por reproduzido o já alegado na petição inicial.

IV. CONCLUSÕES

i. Não se encontrando o CSM representado por advogado ou por jurista expressamente designado para o efeito, nos termos do art. 33.º do CPC, aplicável ex vi do art. 178.º do EMJ e art. 1.º do CP A, deverá o "tribunal (...) notificar para constituir dentro de prazo certo, sob pena de ficar sem efeito a defesa", o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos,

ii. O Supremo Tribunal de Justiça tem plena jurisdição, podendo apreciar matéria de facto e de direito, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da CRP e do direito a um processo justo e equitativo previsto no artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,

iii. Nos termos do artigo 6º, nº 1, do EDTFP, face à data da douta deliberação do Conselho Permanente do CSM que decidiu instaurar o presente procedimento disciplinar à A. - 6 de Julho de 2010 - estavam prescritas todas as infracções alegadamente cometidas até 6 de Julho de 2009, a saber, os factos 17º, 20º e 21º da douta Acusação.

iv. Os inquéritos instaurados ao Tribunal de Trabalho de Lisboa em 25 de Maio de 2009 não suspenderam este prazo, porquanto o presente processo disciplinar não resultou de conversão desses processos de inquérito.

v. Além de que não se conhecem nem constam dos factos dados como provados pelo douto Acórdão impugnado elementos que permitam concluir terem-se verificado no caso as previsões constantes das alíneas a) e b) do nº 5 do referido art. 6º para que tal suspensão se tivesse verificado.

vi. Sem conceder, a verificar-se esta suspensão, sempre haveria que considerar prescritos os factos ocorridos em data anterior a 6 de Janeiro de 2009.

vii. A alegada infracção pelo não agendamento de audiência de discussão e julgamento, nos termos do art. 56.°, alínea c), do Código de Processo de Trabalho (CPT), em relação aos processos n.ºs 2166/2007.0TTLSB (facto 15.°), 4346/2007.9TTLSB, (facto 16.º), e 1152/2007.4TTLSB (facto 20.°), consumou-se quando, realizada a audiência de partes, se omitiu aquele agendamento.

viii. O procedimento disciplinar prescreveu nos termos e para os efeitos do nº 2 daquele artigo 6º, porquanto o CSM teve conhecimento da(s) falta(s) em causa (com as mesmas características de modo, tempo, lugar e identidade da A. com que viriam a ser descritas na douta Acusação e no douto Acórdão impugnado) na Reunião de Plenário de 02.03.2010 - cfr. Relatório Preliminar junto ao processo disciplinar.

ix. Ocorreu, ainda, a caducidade do procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do artigo 55° do EDTFP, aplicável ex vi do artigo 131° do EMJ, dado o decurso de mais de 30 dias desde o envio de Relatório final até à data da deliberação impugnada.

x.  Nos termos do art. 24°, nº 2, do CP A, a instauração e decisão do procedimento disciplinar deveria ter ocorrido por votação nominal por envolverem a apreciação de comportamentos e qualidades do Magistrado.

xi.  O artigo 13° do Regulamento Interno do CSM não afasta este entendimento porque deste preceito não consta que a deliberação que determina a instauração de procedimento disciplinar contra um determinado Magistrado Judicial não carece de ser secreta,

xii.  Sendo que, mesmo que assim resultasse, tal entendimento da referida norma, porque contrário com o legalmente estatuído, seria inconstitucional por violação do disposto no artigo 112°, nº 5, da CRP.

xiii. A douta Acusação é nula, nos termos do artigo 117°, nº 1, do EMJ, e art. 48°, nº 2, do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131° do EMJ, por não concretização dos factos que consubsumem as infracções, bem como do douto Acórdão impugnado, dado que a douta Acusação não individualiza as infracções cometidas nem refere sequer quantas infracções estão em causa, sendo que a concretização que teve lugar em sede de relatório final (5 infracções) foi deixada cair pelo douto Acórdão impugnado.

xiv. É ainda nula a douta Acusação por não indicação de factos que vieram a ser considerados como circunstâncias agravantes da culpa da A., nomeadamente, a alegada diminuta produtividade.

xv. Assim, por falta de individualização das infracções a A. não pôde pronunciar-se convenientemente sobre as concretas infracções em que foi condenada, nomeadamente, sobre a sua qualificação face aos factos, sobre o seu número (porquê cinco e não uma única infracção?) nem pôde organizar a sua defesa tendo como objecto as infracções que lhe imputavam não reveladas na douta acusação, assim se violando o artigo 117°, nº 1, do EMJ, artigo 37º, nº 1, do EDTFP, aplicável ex vi do artigo 131º do EMJ; os artigos 32º, nº 10, e 269º, nº 3 da CRP e o artigo 6º, nº 3, alínea a), da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

xvi. Violação que comina o douto Acórdão impugnado de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 133º, nº 2, alínea d), do CPA.

xvii. A falta de concretização e individualização das infracções e respectivas circunstâncias alegadamente agravantes são ainda pautadas por contradições manifestas quanto ao que se considera ser a infracção em causa: a gestão da agenda, a insuficiente produtividade ou, ainda, a marcação de audiências ao abrigo do D.L. nº 184/2000, de 08.08.

xviii. A douta Acusação, para indicação da pena aplicável, apenas refere o artigo 85° do EMJ, que se limita a referir, em abstracto, a escala de penas a que os Magistrados Judiciais estão sujeitos, nele não se destacando, por conseguinte, nenhuma pena em concreto.

xix. Tal omissão privou a A. de se pronunciar, antes da decisão, sobre os aspectos respeitantes à aplicação da pena, nomeadamente se esta é proporcional à gravidade da(s) infracção(ões) alegadamente cometida(s) ou se foram devidamente tidos em conta todos os factores atenuantes, e por isso é violadora do artigo 48º, nº 3, do EDTFP, aplicável ex vi do art. 131º do EMJ, determinando a sua nulidade, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados de defesa no âmbito de um  processo sancionatório, no qual se inclui o procedimento disciplinar dos funcionários públicos - arts. 32°, nº 10, e 269°, n° 3, da CRP, sendo qualquer interpretação contrária a este entendimento de inconstitucional, por violação dos já referidos normativos.

xx. Ora, o CSM tem vindo a assumir uma diferente leitura quanto a esta matéria, considerando que a indicação da pena aplicável faz parte das indicações obrigatórias, mesmo em processos em que são arguidos Magistrados Judiciais, entendendo e relevando a importância de tal indicação no âmbito das garantias de defesa da A..

xxi. Do Relatório Final resulta que os 18 documentos juntos em sede de defesa não foram devidamente instruídos, antes inócuos, com excepção dos factos dados como provados nºs 29º a 41°, pelo que é nulo o douto Acórdão impugnado por omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do artigo 121° do EMJ e do artigo 37° do EDTFP, na medida em que:

a) Omite que, em geral, os Juízes estavam a dar prioridade aos processos mais antigos e não estavam a marcar julgamentos nos mais recentes, conforme relatórios anuais dos demais Juízes, aliás, de harmonia com a deliberação do próprio CSM de 19 de Dezembro de 1995;

b) Omite que todos os Juízes do tribunal defendiam a aplicação do Decreto-Lei n° 184/2000, de 10 de Agosto, ao processo laboral, conforme a intenção do legislador expressa no Preâmbulo, omitindo que, ainda em Janeiro/Fevereiro de 2011, havia 4 Juízes do Tribunal - e muitos mais noutros Tribunais - que continuavam a não marcar julgamentos na audiência de partes;

c) Desconsidera que, quando a A. assumiu o exercício de funções, 'herdou' uma agenda em branco, salvo um ou outro julgamento já marcado pelas titulares das 1.ª e 2.ª secção do 4.° Juízo, cujos números de processo lhe foram distribuídos, assumindo a sua responsabilidade ao assinar os provimentos referidos nos arts. 9.° e 10.º da douta Acusação;

d) Desconsidera que, quando iniciou funções, 'herdou' 15 processos da 1.ª secção com conclusões abertas desde os anos de 2007 e de 2008, a maior parte para elaboração de sentença, e um processo com conclusão aberta em 06.01.2009 (para sentença, acidente de trabalho), cfr. certidão de 11 de Fevereiro de 2009 junta como doc. 7 à Defesa, obrigando a A. a, durante os 5 meses de 2009,   construir uma agenda até aí praticamente inexistente;

e) Desconsidera que o CSM tinha já conhecimento que existia grande volume de processos no 4.° Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, a aguardar marcação de julgamento, havendo, já, provimento dos Senhores Juízes da 1ª e 2ª secção a dar orientações à secção no sentido que deveriam ser conclusos os processos mais antigos que se encontravam a aguardar marcação de julgamento e só depois, para esse efeito, os mais recentes, cfr. provimentos juntos como docs. 12 e 13 à Defesa;

f) Omite que, tendo sido este o critério seguido pela A., tendo por isso começado pelos processos do ano de 2005, em Abril de 2010 estava já a acabar a marcação dos do ano de 2007, sendo expectável que até ao fim do ano conseguiria marcar já possivelmente alguns dos entrados em 2009;

g) Desconsidera que a colocação da A. neste Tribunal, como juiz auxiliar, tinha o propósito de diminuir a dilação dos julgamentos (cfr. deliberação do CSM que junta como doc. 14 da Defesa) e permitiu que se 'atacassem' os processos mais antigos, chegando-se aos processos mais recentes, de forma mais rápida, até que a marcação de julgamentos fosse normalizada e os processos deixassem de ficar a aguardar marcação, parados.

h) Omite ainda que, porque a A. conseguiu diminuir a dilação na marcação dos julgamentos (e não o contrário), o CMS, no seu despacho de Setembro de 2009, junto como doc. 15 da Defesa, já só fala em recuperação de pendências e de substituição parcial da titular da 2ª secção dado os seus problemas de saúde;

i) Desconsidera que o CSM, através da deliberação de 18 de Março de 2010 considerou razoável que a equipa liquidatária fizesse julgamentos de 3 a 4 processos por semana (cfr. ponto 5 da deliberação junto como doc. 16 à Defesa), sendo certo que esta equipa, cuja única função era sanear, julgar e decidir acções emergentes de contrato individual de trabalho, não tinha a seu cargo despachos de expediente, tramitação de execuções, providências cautelares, recursos de contra-ordenação e acções especiais inclusivamente como os acidentes de trabalho;

j) Omite que a A. cumpriu a média referida, mesmo tendo a seu cargo os despachos de expediente, tramitação de execuções, providências cautelares, recursos de contra-ordenação e acções especiais inclusivamente como os acidentes de trabalho.

xxii. As conclusões do douto Acórdão impugnado, quanto à comparação da produtividade da A., não suportadas em factos, antes se desprezando os dados estatísticos referentes à 1ª secção do 1º Juízo, única secção que a A. teve inteiramente a seu cargo de 25 de Março a 4 de Agosto de 2008 (que demonstra que não houve acumulação de processos do ano de 2008 prontos para julgamento nos anos seguintes), antes se fazendo equivaler de forma matemática, ao número de julgamentos realizados deveriam ter sido objecto de conveniente instrução, [im]possibilitando, desta forma, à A., um cabal exercício do seu direito de defesa constitucional e legalmente consagrado.

xxiii. Esta instrução era ónus da acusação, pelo que a sua omissão constitui nulidade insuprível nos termos do artigo 124º, nº 1 do EMJ, e artigos 36º e 46°, nº 1, do EDTFP, que aqui expressamente se argui. E interpretação contrária não poderá deixar de considerar-se inconstitucional, contaminando, de forma irremediável, o acto impugnado que a preconiza, nos termos do art. 32º, nº 10, da CRP, bem como a violação do direito a um processo justo e equitativo, plasmado no artigo 6º da Convenção para os Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

xxiv. A consideração de uma alegada diminuta ou modesta produtividade, mormente os números plasmados a fls. 28 do douto Acórdão impugnado, que nunca foram referidos na douta Acusação, como circunstância agravante consubstancia uma verdadeira inserção de factos desfavoráveis à A., inserção essa expressamente proibida no artigo 55°, nº 5, do EDTFP.

xxv. Nos termos do art. 217º da CRP, o CSM não tem competência para apreciar da validade dos despachos proferidos pelo A., na medida em que se trata do entendimento da A. acerca da marcação das audiências de julgamento, nos termos do Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, concluindo pela impossibilidade de marcação de julgamento em sede de audiência de partes, afastando, desta forma, o art. 56º, alínea c), do CPT, por se tratar de questão jurisdicional da competência reservada aos tribunais, de acordo com o art. 203º da CRP e arts. 4º e 5º do EMJ.

xxvi. No entanto, se assim não se entender, e sem conceder, a interpretação no sentido de que se deverá aplicar o art. 56º, alínea c), do CPT, não é a melhor, em síntese, pelas razões seguintes: (i) a redacção da referida alínea c) do art. 56º do CPT é ainda a dada pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro; (ii) do 2º § do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, vê-se que ele se destina a todos os processos judiciais, pelo menos referindo-se aí expressamente o processo laboral, a par do civil e do penal; (iii) a alínea c) do art. 56º do CPT não tem substancialmente uma natureza diferente, por exemplo, do n° 1 do art. 312º do CPP que estabelece que "Resolvidas as questões referidas no artigo anterior, o presidente despacha designando dia, hora e local para a audiência. Esta é fixada para a data mais próxima possível, de modo a que entre ela e o dia em que os autos foram recebidos não mais de dois meses" (sublinhado nosso), ou do nº 2 art. 512º do CPC que estabelece que "Findo o prazo a que alude o número anterior sem que haja reclamações contra a selecção da matéria de facto, ou decididas estas, o juiz designa logo dia para a audiência final, ponderada a duração provável das diligências de instrução a realizar antes dela" (sublinhado nosso); e (iv) O Decreto-Lei nº 184/2000, de 8 de Agosto, além de ser posterior ao CPT vigente à data dos factos constantes da douta Acusação, por se tratar de uma matéria específica, relativamente ao agendamento de diligências, é que deve ser considerada lei especial face à lei processual geral do agendamento de diligências.

xxvii. O douto Acórdão impugnado incorre em vício de falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada, na medida em que a fundamenta com recurso a uma fórmula genérica - "A restante matéria inserida na defesa foi aqui desconsiderada, por traduzir meras considerações pessoais, por ser conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzido prova suficiente a seu respeito" - que equivale, para todos os efeitos, à sua falta, pois é completamente impossível para a A. entender o iter cognoscitivo que levou à referida conclusão, falta de fundamentação esta que transformou a defesa da A. em mera formalidade esvaziada do seu intrínseco conteúdo, plasmado no artigo 32º, nº 10, da CRP, e que, por isso, comina o douto Acórdão de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 133º, n° 2, alínea d), do CPA.

xxviii. Incorre, ainda, em falta fundamentação o douto Acórdão impugnado quanto às conclusões de que a alegada não marcação de julgamentos tenha tido algum impacto na produtividade ou no andamento dos processos.

 xxix. Bem como quanto à afirmação do douto Acórdão impugnado de que a A. apenas fez um julgamento e meio por mês, parecendo resultar que tal emerge do número de sentenças elaboradas, ficando por perceber se naquele número se considerou a data da posse ou a data em que a A. regressou da sua baixa médica, os dias de férias, todas as espécies processuais, apenas algumas delas ou apenas os processos comuns, as várias sessões de julgamento, as providências cautelares, os recursos de contra-ordenação, o n° de julgamentos que a A. realizou cujas sentenças foram proferidas por outros Magistrados, os julgamentos realizados pela A. cujas sentenças vieram a ser proferidas em 2010, os julgamentos realizados pela A. antes da sua entrada de baixa e continuados no período posterior, os julgamentos realizados, nos quais não foi proferida sentença, por terem terminado por extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ou por não terem terminado logo na sequência de pedido de suspensão da instância pelas partes e as sessões de julgamento na sequência das quais as partes transigissem no objecto do litígio.

xxx. O douto acórdão impugnado incorre em erro sobre os pressupostos de facto quanto ao número de julgamentos mensais realizados pela A., quanto à consideração de que uma sentença equivale à realização de um julgamento, quanto à não consideração dos julgamentos realizados pela A. no 4° juízo cujas sentenças foram proferidas depois de 31.12.2009 ou nos quais não chegou a proferir sentença (o que transforma o número de 27 julgamentos apontados pelo douto Acórdão em 47), quanto à forma de marcação dos julgamentos (de forma mais flagrante quanto ao 1º juízo – 1ª secção), quanto ao nexo de causalidade entre a não marcação de julgamento de acordo com o Decreto-Lei n° 184/2000 e o acumular de processos para julgamento (não bastando remeter para a estatística do 4º juízo que, inclusivamente, contempla anos em que a A. nele não exerceu funções e sobre a qual a A. não tinha inteira responsabilidade por apenas lhe ser distribuída uma pequena parte dos processos), quanto a afirmação de que "a arguida não só não cumpria o disposto no art.º 56º, alínea c) do CPT, como também não designava data para julgamento no despacho saneador ou em fase processual posterior (...)" por não emergir de nenhuma factualidade dada como provada muito menos quanto ao 1º juízo, 1ª secção, resultando, inclusivamente, contrariado pelos factos 15º e 20º dados como provados,

xxxi. O douto Acórdão impugnado incorre também em erro sobre os pressupostos de facto no que respeita aos factos 16º, 17º e 21º da factualidade dada como provada, por não se considerar, conforme alegado no artigo 84° da defesa, que o processo nº 4346/2007 não foi agendado pela A., dado que o último processo que marcou antes de integrar a equipa liquidatária ser mais antigo (processo nº 2636/2007), ou que o processo nº 830/2008 não foi marcado por A. se encontrar a agendar os processos entrados no ano de 2005, o mesmo se passando com os factos nºs 15 e 20, nos quais se deveria ter considerado a factualidade dos artigos 82º e 86º da defesa no sentido de que a A. não marcou o julgamento por se encontrar a agendar processos mais artigos e que proferiu o Visto no processo na sequência de um requerimento de impugnação de um documento junto e que tinha sido erroneamente junto a outros autos.

xxxii. O erro sobre os pressupostos de facto é, ainda, evidente, na medida em que o alegado subagendamento, baixa de produtividade, não é factualmente suportada e mesmo a factualidade subsistente contradita o afirmado (artigo 13°), além de que, como invocado em sede de defesa, a A. marcou e agendou muitos processos antigos com prioridade, conseguindo reduzir a dilação nas marcações.

xxxiii. Quer este erro sobre os pressupostos de facto, quer a manifesta falta de fundamentação, mas sobretudo a patente falta de instrução do procedimento demonstram a parcialidade (objectivamente considerada) decorrente da coincidência de identidade do Instrutor do Inquérito com o Instrutor do procedimento disciplinar, parcialidade esta que esvazia de conteúdo o direito de defesa da A., já demonstrada na recusa do depoimento da Senhora Dra. CC e respectiva valoração, tudo conforme alegado nas alegações do apenso.

xxxiv. Face à factualidade que deveria ter sido tida em conta caso se entenda que os comportamentos tidos pela A. pudessem integrar o elemento objectivo das infracções disciplinares, hipótese que se coloca por mero dever de patrocínio, e sem conceder, salvo melhor opinião e com o devido respeito, à A. não era exigível outro comportamento, não devendo, assim, haver lugar a punição, face à obrigação de dar prioridade aos processos mais antigos que se encontravam a aguardar marcações e à prática corrente dos juízes mais velhos neste sentido,

xxxv. Sem conceder, incorre ainda o douto Acórdão impugnado em vício de violação de lei, nomeadamente, por violação do artigo 97º do EMJ e dos artigos 20º e 22º do EDTFP, por não aplicação da atenuação especial plenamente aplicável ao caso em apreço, o que faz incorrer o douto Acórdão impugnado em vício de violação de lei, mas mais ainda, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º da CRP, por manifesta desadequação da pena aplicada ao caso sub judice, devendo por isso ser anulado, para os devidos e legais efeitos.

Por sua vez, o CSM alegou desta forma:

1) A Sra. Juíza de direito Dra. AA veio interpor recurso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 20 de Setembro de 2011, que lhe aplicou a pena disciplinar de 25 dias de multa.

2) Nas suas alegações, a Sra Juíza suscitou, como questão prévia, a falta de constituição de advogado ou de jurista designado.

3) No seguimento do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.° 34/2010.7YFLSB da Secção do Contencioso, a subscrição da resposta prevista no art. 174.° do EMJ, bem como das alegações previstas no art. 176° do mesmo Estatuto, não carece de ser feita por advogado, podendo ser feita por quem representa o órgão recorrido ou lhe suceda com competência para esse efeito (cfr. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2002, proferido no processo n.° 4336/01 da Secção do Contencioso).

4) Assim, e passando a citar o acórdão mencionado em primeiro lugar, «De acordo com o art. 1ºo do CPTA, a lei processual civil é, em geral, aplicável supletivamente ao processo administrativo. Deve-se, sem embargo, ter em conta, concretamente em matéria de "Patrocínio judiciário e representação em juízo", o disposto no art. 11.° do CPTA. E por aqui se vê, nos termos do n.° 2 do preceito, "as pessoas colectivas de direito público podem ser representadas em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito". E o seu n.° 4 estabelece que "Nos processos em que esteja em causa a actuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante jurídico pode ser feita por essa entidade". Quer dizer, a subscrição por advogado das alegações em apreço não é exigível, podendo ser feita por que represente o órgão recorrido ou lhe suceda com competência para esse efeito.

5) Sendo a resposta prevista no art. 174.° do EMJ e as presentes alegações subscritas pelo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, conclui-se que está este órgão devidamente representado nos autos.

6) Para além desta questão prévia, a Sra. Juíza ora recorrente nada acrescentou, limitando-se a reiterar as razões da sua discordância em relação aos fundamentos da deliberação recorrida, agora repostos à luz da resposta ao recurso que, entretanto, produzimos.

7) Cremos, assim, ser despiciendo repetir aqui tais argumentos.

8) Importa, porém, esclarecer - pois a recorrente revela não ter compreendido o teor do artigo 65.° da nossa resposta - que o CSM nunca afirmou que a deliberação do Conselho Permanente de 17 de Junho de 2008 não tenha sido proferida no âmbito de um processo disciplinar instaurado contra Magistrado Judicial.

O que aí se diz - e agora se reafirma - é que a jurisprudência citada nas alegações da recorrente, incluindo a jurisprudência citada no acórdão do Conselho Permanente de 17.06.2008, não se reporta a infracções perpetradas por juízes.

Dito de outra forma, talvez mais clara, apesar de proferido no âmbito de um processo disciplinar instaurado contra um magistrado judicial, o acórdão do Conselho Permanente acima mencionado citou jurisprudência que não abordava infracções perpetradas por juízes.

Se, no passado, o CSM entendeu que esta jurisprudência era aplicável a magistrados judiciais, não o entende no presente, pelos motivos expostos no acórdão recorrido e na resposta que apresentou.

9) Em suma, interpretando e aplicando a lei nos termos em que o fez, o Conselho Superior da Magistratura entende não ter violado quaisquer princípios de legalidade ou igualdade, realizando, pelo contrário, os objectivos do regime legal.

O sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, ao abrigo do art. 176º do EMJ, pronunciou-se sobre ambos os recursos, nos seguintes termos:

I. OBJECTO E TERMOS DOS RECURSOS

1. A Dra. AA, Juíza de Direito, recorre contenciosamente das seguintes deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM):

i. Deliberação de 5 de Abril de 2011 (não de Maio, como por lapso vem referido na petição de recurso), que lhe desatendeu a reclamação da deliberação do Conselho Permanente de indeferimento do incidente de recusa do instrutor do processo disciplinar (PD 216/2010) - cópia da deliberação junta, a fls. 16/29;

ii. Deliberação de 20 de Setembro de 2011, que, a final do mesmo processo disciplinar, lhe aplicou «pela violação dos seus deveres de administrar a justiça, prossecução do interesse público e zelo, a pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa» - cópia da deliberação junta, a fls. 49/68 do Proc. 117/11.6YFLSB.

2. Ordenada a apensação do citado Proc. 117/11.6YFLSB, nos termos dos arts. 275° e 275°-A, n° 3 do CPC, conforme despacho, a fls. 184 [veja-se, ainda, em primeira linha, conjugadamente, arts. 4°, n° 1, alínea a), 1ª parte, 28° e 47°, n° 4, alínea a) e 61°, todos do CPTA].

3. Relativamente ao recurso da deliberação do CSM, de 5 de Abril de 2011.

3.1. A recorrente apresentou articulado superveniente, nos termos do art. 86° do CPTA, fundado em passo constante do Relatório Final, elaborado pelo Instrutor do processo disciplinar (fls. 121 e ss.).

3.2. São as seguintes as conclusões da alegação da recorrente (fls. 168/9):

(…)

3.3. A entidade recorrida defende a total improcedência do recurso (resposta, a fls. 148/53; alegação, a fls. 171/6).

4. Relativamente ao recurso da deliberação o CSM, de 20 de Setembro de 2011.

4.1. São as seguintes as conclusões da alegação da recorrente (fls. 221/30):

(…)

4.2. A entidade recorrida, também quanto a este recurso, sustenta a sua total improcedência (resposta, a fls. 188/210; alegação, a fls. 232/4).

II. QUESTÃO PRÉVIA

5. FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO OU DE DESIGNAÇÃO DE JURISTA, POR PARTE DO CSM (CONCLUSÃO i de ambas as alegações da recorrente).

Questão anteriormente, durante o ano de 2002 e ainda no domínio da LPTA, apreciada nos acórdãos de 4 de Julho, Proc. 4336/01 e de 8 de Outubro, Proc. 02A108 - este com um voto de vencido.

Questão reexaminada no corrente ano, tendo-se por unanimidade - e contrariamente ao propugnado pelo Ministério Público - decidido, nos acórdãos (do plenário) da Secção de Contencioso, de 15 de Março, Proc. 92/11.7YFLSB e de 8 de Maio, Proc. 114/11.1YFLSB, mediante uma interpretação a fortiori do disposto nos n°s. 2 e 4 do art. 11° do CPTA, pelo regular patrocínio judiciário do CSM na pessoa do seu Vice-Presidente.

À luz, pois, da jurisprudência (rea)firmada na matéria, mostrar-se-á a questão improcedente.

III. O 1° RECURSO (DELIBERAÇÃO DO CSM DE 5.ABRIL.2011)

A. OS FACTOS (REMISSÃO PARA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA)

6. Constam os factos da parte II da deliberação impugnada, a fls. 102,v./104,v., a eles devendo aditar-se o consignado no n° 8 do articulado superveniente, cit, a fls. 122, documentado a fls. 125 e ss. - factos que aqui se têm por integralmente transcritos.

B. DAS CAUSAS DE INVALIDADE INVOCADAS PELA RECORRENTE

Deve o Tribunal pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas (art. 95°, n° 2 do CPTA).

9. Falta de fundamentação (CONCLUSÃO ii, a fls. 168).

9.1. Sob invocação deste vício, reporta-se a recorrente a omissão de pronúncia, «quanto à questão que verdadeiramente esteve na base do incidente de recusa suscitado».

Entende a entidade recorrida, para tanto transcrevendo passos da deliberação, que «tratou das questões que tinha de apreciar e fê-lo, ..., de forma suficientemente clara, estando a decisão que a deliberação impugnada devidamente fundamentada. O que sucede é que a Exma. Juíza discorda da avaliação feita pelo Conselho, ...» (alegação, fls. 176).

9.2. A imposição do dever de fundamentação, estabelecida no texto constitucional - CRP, art. 268°, n° 3, segunda parte -, vem mais abrangentemente regulada nos arts. 124° a 126° do CPA.

A fundamentação expressa-se «através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão» (n° 1 do art. 125°), à sua falta equivalendo «a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto» (n° 2).

No caso, a recorrente o que verdadeiramente discute não é a suficiência (formal) da fundamentação da deliberação, mas o seu acerto: «discorda da apreciação feita pela douta deliberação impugnada» (fls. 164), por não ir ao fundo da questão.

A fundamentação, tal como na deliberação vem expressa, é, em si, clara, congruente, com suficiência esclarecendo a motivação do acto.

A pertinência e discutibilidade dos fundamentos não integram falta ou deficiência de fundamentação (assumem estas um valor instrumental, interessando para efeitos de fundamentação a compreensão das razões expostas e não a sua adequação ou conformidade legal), antes respeitarão a outro vício, de violação de lei.

Vício esse igualmente invocado pela recorrente e que, seguidamente, se examina.

9.3. Improcede a alegada falta de fundamentação.

10. Violação do direito de defesa (CONCLUSÃO iii)

10.1. Dispõe o n° 1 do citado art. 43° do EDTFP que «o arguido e o participante podem deduzir a suspeição do instrutor do processo disciplinar quando ocorra circunstância por causa da qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção e da rectidão da sua conduta», vindo nas cinco alíneas contidas naquele número exemplificadas diversas situações.

O art. 112° do EMJ manda aplicar ao processo disciplinar contra magistrados judiciais «com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e suspeições em processo penal» — regime mais exigente do que o estabelecido no art. 43° do EDTFP, cit.

O regime de impedimentos e recusas em processo penal consta dos arts. 39° a 47° do CPP.

Em matéria de recusas, dispõe o n° 1 do art 43° do CPP que «a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».

Em causa a garantia de efectivação do princípio da imparcialidade.

10.2. No caso, como resulta dos factos assentes (supra, 6) a deduzida suspeição do Instrutor funda-se na recusa de inquirição de uma testemunha, sendo ulteriormente aduzido, uma vez determinada tal inquirição, o teor da respectiva apreciação constante do Relatório Final.

Com o devido respeito pela posição expressa pela recorrente, confundem-se factos com valorações não objectivamente justificadas, não constituindo as posições em causa, procedimentalmente adoptadas pelo Instrutor - a primeira, ao abrigo do disposto no art. 53°, n° 3 do EDTFP -, como refere a entidade recorrida, «motivo (grave e sério) para se concluir pela falta de imparcialidade do Exmo. Inspector» (fls. 176).

10.3. Alega a recorrente que sempre a recusa do Instrutor deveria ter sido deferida, ao abrigo do n° 2 do art. 43° do CPP, cit.

Dispõe o preceito em causa: «Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.° 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40° [casos de impedimento]».

A aplicação do regime, nos termos do art. 112° do EMJ, já acima parcialmente transcrito, deverá fazer-se «com as necessárias adaptações».

A possibilidade aberta pelo n° 2 do art. 43° do CPP não logra, ou muito dificilmente logrará aplicação, no caso de Instrutor do processo disciplinar, que, no âmbito deste processo, não está investido no papel de decisor.

Escreve-se no acórdão do STA, de 1 de Março de 2011, Proc. 01231/09 [tendo por referências norma paralela do EMP e o art. 40°, alínea b) do CPP]: «em processo disciplinar o magistrado instrutor nomeado só intervém nas fases preliminares do processo disciplinar (fase de instrução, integrada ou não por prévio inquérito, fase de defesa do arguido e fase do relatório final) e não na fase da decisão prevista no art° 55° do ED».

Também daqui não resulta violação do direito de defesa (art. 32°, n° 10 da CRP).

Tem-se, pois, por improcedente a alegada nulidade da deliberação a manter o Instrutor do processo disciplinar.

11. Não se identificam causas de invalidade do acto impugnado.

IV. O 2º RECURSO (DELIBERAÇÃO DO CSM DE 20.SETEMBRO.2011)

A. OS FACTOS (REMISSÃO PARA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA)

12. Os factos dados como provados - apurados no decurso do processo disciplinar - constam da deliberação impugnada, a fls. 53/57 do Proc. 117/11.6YFLSB (fls. 9/17 da deliberação), neles incluídos factos alegados pela defesa, tendo-se consignado que «a restante matéria inserida na defesa foi aqui desconsiderada, por traduzir meras considerações pessoais, por ser conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzido prova suficiente a seu respeito» (fls. 57,v.), factos os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos.

B. CONHECIMENTO DA MATÉRIA DE FACTO PELO STJ

13. O Supremo Tribunal de Justiça, à luz do seu papel nuclear como tribunal de revista, «fora dos casos previstos na lei,     apenas conhece de matéria de direito» - art. 26° da LOFTJ (art. 33° da LOFTJ/2008)

Marginalmente, «nos casos que a lei determinar», funcionará como tribunal de 1ª instância - art. 210º, n° 5 da Constituição.

Funciona como tribunal de instância, nos sistemas de (i) Justiça cível -art. 36°, alínea c) da LOFTJ e arts. 1083° e ss. do CPC; (ii) Justiça criminal - art. 130°, n° 1 da CRP, arts. 35°, n° 1, alínea a) e 36°, alínea b) da LOFTJ [art. 43°, alínea a) da LOFTJ/2008], art. 11°, n°s. 3, alínea a) e 4, alínea a) do CPP e (iii) no que ao caso interessa, e aqui como única instância, Justiça administrativa - para julgamento do denominado «recurso contencioso», «acção administrativa especial» na terminologia actual, introduzida pelo CPTA, subsidiariamente aplicável - art. 27°, n° 2 da LOFTJ (art. 34°, n°s. 2 e 3 da LOFTJ/2008), arts. 168º/178° do EMJ, arts. 46° e ss., 191° e 192° do CPTA.

É certo, tem sido reiteradamente anotado em alguma jurisprudência desta Secção de Contencioso, que inexiste norma estatutária que expressamente confira ao STJ poderes de cognição em matéria de facto - observação, aliás, que deverá abarcar todos os casos acima considerados, seja na Justiça administrativa, cível ou criminal, em que julga como tribunal de 1ª instância.

14. A actuação do STJ, como órgão da Justiça administrativa, reger-se-á, em primeira e decisiva linha, pelo disposto no art. 268°, n° 4 da CRP.

Presente o referido enquadramento normativo, parece dever assentar-se que «a suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva em processo disciplinar pode ser objecto de recurso contencioso, baseando-se a apreciação da suficiência na prova disponível no processo disciplinar, tanto na fase de instrução como na fase de defesa. No entanto, o controlo da suficiência probatória não deverá, como objecto de recurso contencioso, consistir na reapreciação e em nova e diferente convicção perante os elementos de prova constantes do processo, mas antes na apreciação da razoabilidade e coerência da relação entre os factos que a entidade recorrida considerou provados e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção, no que respeite aos factos delimitados pela acusação disciplinar ou incluídos no modelo pertinente de defesa» (Ac. do STJ, de 14.Dez.2004, Proc. 4436/03; entendimento ulteriormente reiterado, v. g. nos acs. de 25.Nov.2008, Proc. 2444/07 e de 12.Fev.09, Proc. 4485/07).

Em convergência, aliás, com jurisprudência sedimentada no acórdão do Pleno do STA, de 19.Jan.2006, Proc. 0733/04: «O recurso contencioso não constitui uma renovação ou revisão do processo disciplinar, pelo que é pela prova neste produzida que deverá conhecer-se da sua regularidade, da prática das faltas imputadas ao arguido e da qualificação jurídica das apuradas», sendo, porventura, «necessário sublinhar para que este ponto fique isento de dúvidas, que no recurso contencioso em que se discute a instrução processo disciplinar não há qualquer obstáculo legal a que seja valorada a prova em que baseou a decisão administrativa nem há obstáculo a que se anule esta decisão por se entender desde logo que a prova recolhida é insuficiente para permitir uma decisão justa, o que acontecerá quando se julgue fundada a alegação de ter sido requerida e não produzida uma prova que em juízo hipotético possa ser útil para o esclarecimento dos factos» (declaração de voto ao mesmo acórdão; veja-se, igualmente, Ac. do STA, de 23.Out.2008, Proc. 0561/07).

15. Em recente acórdão, de 8 de Maio de 2012, Proc. 114/11.1YFLSB concluiu-se inequivocamente pela «jurisdição plena do Supremo Tribunal de Justiça».

Advertiu-se, todavia, no mesmo acórdão que «esta plena jurisdição tem sempre que ser exercida tendo em conta que "no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais (...) julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação" - cfr. n° 1 do artigo 3° do citado Código de Processo nos Tribunais Administrativos».

Por outro lado, «A constituição é omissa sobre os poderes instrutórios dos tribunais administrativos no julgamento de recursos e acções, estando por isso em aberto a questão de saber se o juiz administrativo dispõe de meios especiais de prova (prova testemunhal, prova pericial) característicos da jurisdição ordinária. De qualquer forma, ao juiz administrativo devem ser reconhecidos os poderes instrutórios necessários e adequados para compensar a desigualdade existente à partida entre o particular recorrente e a Administração recorrida».

16. Clarificada a possibilidade deste Tribunal sindicar o que deve ou não dar-se como provado no processo disciplinar (ou, em uma outra perspectiva, a regularidade e suficiência do juízo probatório contido na decisão punitiva), a essa luz apreciar-se-ão, no lugar próprio, os alegados vícios relativos à omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade e ao erro nos pressupostos de facto (infra, 21 e 25).

C. DAS CAUSAS DE INVALIDADE INVOCADAS PELA RECORRENTE

17. A prescrição do procedimento disciplinar (CONCLUSÕES iii/viii da alegação da recorrente).

17.1. A recorrente defende a prescrição do procedimento disciplinar à luz dos n°s. 1 e 2 do art. 6º do EDTFP, mais alegando a não verificação de suspensão do prazo prescricional, atento o disposto nos seus n°s 4 e 5, alíneas a) e b).

A entidade recorrida, na parte I da resposta (n°s. 8 a 28), a fls. 190/3, remete, por um lado, para a deliberação e, por outro, refuta os novos argumentos.

17.2. Nos termos do art. 131° do EMJ, regem subsidiariamente na matéria as normas presentemente constantes do Estatuto dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pelo art. 1º da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, devendo, ainda, atender-se às normas de direito transitório constantes do art. 4º da mesma Lei.

É com referência, quer ao n° 1, quer ao n° 2 do art. 6º do EDTFP, que o recorrente alega a verificação do decurso dos prazos de prescrição aí previstos.

A questão vem detidamente examinada na deliberação, em II.A.1 (fls. 49,v./51,v. do Proc. 117/11.6YFLSB), e para ela igualmente se remete, acentuando-se e aditando-se:

Relativamente às infracções disciplinares continuadas, «o prazo de prescrição só corre ... desde o dia da prática do último acto» e quanto às de execução permanente, «desde o dia em que cessar a consumação» [art. 119°, n° 2, alíneas b) e a) do CP];

O inquérito, anteriormente instaurado em 26 de Maio de 2009, ao Tribunal de Trabalho de Lisboa suspendeu o prazo prescricional, nos termos previstos nos n°s. 4 e 5 do art. 6º do EDTFP, pelo que o termo do prazo de prescrição de 1 ano, como vem indicado na deliberação, consideradas as citadas disposições de direito transitório, ocorreu em 2 de Julho de 2010;

A instauração de inquérito, para os efeitos previstos no n° 4 do art. 6º do EDTFP, e nos termos constantes da mesma disposição, não tem de ser «dirigido contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite», nem o subsequente processo disciplinar tem de resultar da conversão daquele, não se verificando, por outro lado, que, anteriormente à instauração do próprio inquérito, havia «suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis»;

O prazo abreviado de prescrição de 30 dias, previsto no n° 2 do art. 6º do EDTFP, no caso de magistrados judiciais, deverá ser reportado ao conhecimento da infracção, por parte do CSM (é neste órgão que exclusivamente reside o poder disciplinar, contrariamente à regra vigente no funcionalismo público - art. 4°, n° 1 do EDTFP);

Conhecimento da infracção (n° 2 do art. 6°, cit.), não conhecimento dos factos na sua materialidade, sendo na sessão do Conselho Permanente do CSM, de 6 de Julho de 2010, sessão em que é conhecido o 2° Relatório Preliminar do Inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa - nos termos dele constantes «A razão de ser do 2° relatório preliminar, no âmbito do Inquérito ao Tribunal do Trabalho de Lisboa (TTL), assenta na circunstância de os novos elementos recolhidos exigirem uma imediata comunicação ao Venerando Conselho Superior da Magistratura (CSM), dado poderem implicar responsabilidades individuais, quer de natureza disciplinar, quer quanto à prestação e ao mérito do trabalho desenvolvido por cada um dos Mmos. Juízes que exerceram, no passado recente, ou exercem funções no TTL -Artigo 12°, n° 3 do Regulamento das Inspecções Judiciais» -, que foi determinada a instauração de processo disciplinar ao ora recorrente «por haver indícios de violação dos deveres de prossecução do interesse público e de zelo».

17.3. Improcede, em consequência, a invocada prescrição

18. Caducidade do direito de aplicar a pena (CONCLUSÃO ix).

Considerados a estrutura e modo de funcionamento do CSM, legalmente previstos, maxime nos arts. 156°, n° 1, 157°, n° 1 e 159° do EMJ, mostrar-se-á afastada a aplicação, a título subsidiário (art. 131° do mesmo Estatuto), do disposto nos n°s. 4 e 6 do art. 55° do EDTFP, já que tal regulamentação legal - respeitante ao funcionamento do CMS, enquanto órgão colegial competente para proferir decisões disciplinares (seja na sua formação restrita, seja alargada), à distribuição de processos e demais actos a realizar, antes de ser proferida decisão final - colide com o estabelecimento de um «prazo máximo de 30 dias» para que seja proferida decisão sobre o procedimento, conforme prevê no referido n° 4 do art. 55° do EDTFP.

Neste sentido, estando em causa disposições paralelas contidas no EMP (arts. 28° e 30°), o acórdão do Pleno do STA, de 16 de Junho de 2011, Proc. 01106/09, bem como desta Secção de Contencioso, acórdãos de (i) 15 de Dezembro de 2011 e (ii) de 8 de Maio de 2012, cits.

Termos em que se conclui no sentido da improcedência da questão relativa à caducidade do direito de aplicar a pena.

19. Ilegalidade na forma de votação (CONCLUSÕES x/xii).

19.1. A questão é suscitada, no quadro de previsão do n° 2 do art. 24° do CPA.

Defende a entidade recorrida o afastamento da citada disposição do CPA (n°s. 29 a 37 da resposta, a fls. 193/4).

19.2. Destina-se o secretismo do escrutínio a garantir a plena liberdade do voto, dele se fazendo depender, quando legalmente exigido (regra geral), a validade da deliberação subsequentemente obtida.

À luz do regime especial de estrutura, composição e funcionamento do CSM, no que respeita às deliberações proferidas em processos (maxime, processos de inspecção e processos disciplinares), tal como decorre do art. 159° do EMJ, com a distribuição do processo a um Relator, com a designação de um outro, no caso daquele «ficar vencido» - mimetizando-se as previstas formalidades como se de actos judiciários se tratassem, sendo as deliberações, proferidas por um órgão, o Conselho Superior da Magistratura, com a sua estrutura, composição próprias e independência de que gozam os seus membros, auto-tituladas de «acórdãos» -, a aludida disposição geral do CPA não logra aqui aplicação.

Neste sentido, Acórdão de 8 de Maio último, cit., mais se consignando, como nota final, «mesmo que se entendesse que a votação estava sujeita a escrutínio secreto, o facto de ter sido tomada por unanimidade retiraria a relevância à questão de confidencialidade, uma vez que neste caso se sabia como votou cada um».

19.3. Improcede, em consequência, este vício.

20. Nulidade da acusação (CONCLUSÕES xiii/xx).

20.1. A recorrente alega diferentes ordens de nulidades que insanavelmente afectariam a acusação: nem «concretização dos factos que consubsumem as infracções», nem individualização das infracções imputadas, nem indicação das circunstâncias agravante e atenuantes, sendo que «a douta acusação, para indicação da pena aplicável, apenas refere o artigo 85° do EMJ, que se limita a referir, em abstracto, a escala de penas a que os magistrados Judiciais estão sujeitos, nele não se destacando, por conseguinte, nenhuma pena em concreto», com violação dos seus direitos de defesa.

É invocada violação dos arts. 32°, n° 10 e 269°, n° 3 da CRP, 6º, n° 3, alínea a) da CEDH, 117°, n° 1 do EMJ, 37°, n° 1, 48°, n°s. 2 e 3 do EDTFP.

A entidade recorrida afasta a verificação de tais violações, nos termos constantes das partes III e IV da resposta (n°s. 38 a 68).

20.2. Não se irá cuidar autonomamente da arguida violação do art. 6°, n° 3, alínea a) da CEDH - «direito a um processo equitativo», tendo o acusado direito a «ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada» -, trazida por arrastamento com a alegada violação dos arts. 32°, n° 10 e 269°, n° 3 da CRP.

Sobre o significado e alcance dos preceitos constitucionais convocados pelo recorrente, escreve-se, na linha reiteradamente expressa na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em recente acórdão do mesmo tribunal, Ac. 43/11, de 28 de Setembro:

«A participação do arguido em processo disciplinar de direito público assume a modalidade qualificada de direito de audiência e defesa. Esta garantia, que consta do n.° 10 do artigo 32° da Constituição para os processos sancionatórios em geral e que no texto constitucional é especificamente replicada a propósito dos trabalhadores da Administração Pública (no n.° 3 do artigo 269° da Constituição), deve ser entendida como expressando um princípio geral de audiência prévia dos interessados e de reconhecimento do seu direito de defesa efectiva relativamente a quaisquer decisões que comportem um efeito punitivo. Trata-se de princípio intimamente conexionado com a ideia de "Estado de direito democrático" [artigos 2° e 9.° alínea b) da Constituição] e que não pode deixar de ser entendido como o assegurar de possibilidades reais, face a todo e qualquer procedimento com fim punitivo, de o interessado ser ouvido de modo a poder demonstrar a própria inocência ou reduzir a responsabilidade a termos justos, enfim, o "right to be heard" caracterizador do "due process". Trata-se de uma participação com fins garantísticos, que se materializa através da técnica de atribuição de um direito fundamental (de audiência e defesa), cuja substancialidade exige que o regime do processo disciplinar proporcione ao arguido a possibilidade efectiva de se pronunciar sobre todos os factos, sobre todas as provas e sobre todas as questões jurídicas a ponderar na decisão final».

Presente, por outro lado, que o processo disciplinar contra magistrados judiciais se encontra regulado, em primeira linha, nos arts. 110° a 124° do EMJ (subsidiariamente, nos termos do art. 131° do EMJ, nos arts. 27° e ss. do EDTFP) - e no que respeita à salvaguarda do direito de audiência e defesa, sob pena de nulidade, o n° 1 do art. 124° (art. 37°, n° 1 do EDTFP).

Interessará, designadamente, no caso, conjugar o disposto nos arts. 117°, n° 1 e 122° do referido Estatuto:

«Artigo 117°

Acusação

1 — Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis.

2 —».

«Artigo 122°

Relatório

Terminada a produção da prova, o instrutor elabora, no prazo de quinze dias, um relatório, do qual devem constar os factos cuja existência considere provada, a sua qualificação e a pena aplicável».

20.3. Os factos imputados ao arguido estão discriminadamente articulados na acusação (imediatamente resultam, aliás, do exame dos processos, das agendas, dos livros e dos registos estatísticos).

Igualmente na acusação são indicados os preceitos legais aplicáveis, que enquadram as infracções disciplinares de que o arguido é acusado, nos termos do art. 82° do EMJ, resultantes de violação de determinados deveres funcionais - art. 3° do mesmo Estatuto (dever de administrar justiça) e art. 3°, n° 2, alíneas a) e e) do EDTFP (deveres de prossecução do interesse público e de zelo).

Em suma: não se detecta na acusação, nos precisos termos em que vem expressa, violação alguma do disposto no art. 117°, n° 1 do EMJ.

20.4. Quanto à «não indicação da pena concretamente aplicável», com violação do disposto no n° 3 do art. 48° do EDTFP.

Diversamente do estabelecido, no regime geral da função pública, no n° 3 do art. 48° do EDTFP, em que se prevê que a acusação deverá sempre conter referência «às penas aplicáveis», no modelo de procedimento disciplinar dos magistrados judiciais (e, semelhantemente, dos do Ministério Público), a lei apenas manda que sejam indicadas as «penas aplicáveis» em momento ulterior à produção do libelo acusatório e já encerrada a fase de defesa - aquando da elaboração do Relatório Final, nos termos previstos no art. 122° do EMJ, acima transcrito.

Pode, assim, neste quadro, concluir-se:

• A acusação formulada em processo disciplinar de magistrados judiciais rege-se, quanto aos respectivos termos, directamente pelo disposto no n° 1 do art. 117° do EMJ, ficando prejudicada a possibilidade de aplicação subsidiária do disposto no n° 3 do art. 48° do EDTFP, cuja violação vem aqui arguida;

• Não exige a lei - quer o n° 3 do art. 48° do EDTFP, quer o art. 122° do EMJ - referência às penas concretamente aplicáveis, tão só «às penas aplicáveis» (à natureza ou tipo das penas aplicáveis).

20.5. Questão distinta coloca-se à luz dos preceitos constitucionais invocados, ponderado o respectivo significado e alcance (supra, 10.2).

O art. 117°, n° 1 do EMJ, ao não exigir que da acusação cumulativamente constem «as penas aplicáveis» (diferentemente do regime geral da função pública), enfermará de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32°, n° 10 e 269°, n° 3 da CRP?

O Ac. do TC 516/03, de 28 de Outubro, veio «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32°, n.° 10, da Constituição, a norma do artigo 122° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação segundo a qual não impõe a comunicação ao arguido do relatório final do instrutor, quando a notificação da acusação ao arguido não tenha incluído a indicação das normas tidas por violadas e da natureza da pena que lhe é aplicável, e a decisão final seja no mesmo sentido deste relatório».

Escreveu-se no acórdão:

«Como a própria entidade recorrida não deixou de sublinhar nas suas contra-alegações, citando Marcello Caetano, "na lei disciplinar não se estabelece a correspondência rígida de certas sanções para cada tipo de infracção, deixando-se a quem haja de decidir amplo poder discricionário para punir as infracções verificadas." O que é dizer que, devido a este amplo poder discricionário, na ausência de indicação na acusação sobre a pena entendida aplicável ... , não podia o acusado antecipar qual seria a sanção que enfrentava». Daí que «..., se o relatório final não for comunicado a este, ficará de todo sem possibilidade de se defender tendo em conta esta pena, e quanto à gravidade estimada dos factos em questão».

Acentuou-se, ao ser o tema revisitado, no Ac. do TC 499/09, de 30 de Setembro: «E foi apenas porque a acusação, com as características mencionadas, não proporcionava a salvaguarda dos direitos constitucionais de audiência e defesa, que se entendeu necessária a notificação do relatório final do instrutor».

20.6. No caso, a acusação formulada e comunicada à arguida, embora mostrando-se inteiramente válida à luz do disposto no art. 117°, n° 1 do EMJ (supra, 20.3), não contém indicação das «penas aplicáveis», ou seja, da natureza das penas tidas por aplicáveis, face à gravidade estimada dos factos imputados - obviamente, a referência na acusação ao art. 85° do EMJ, que contém o catálogo das penas aplicáveis, minimamente não cumpre tal desiderato.

A notificação ulterior à arguida do Relatório Final, donde passa a constar a natureza da pena aplicável (pena de suspensão), com a medida concreta proposta, vem, no caso, efectivar as garantias previstas nos arts. 32°, n° 10 e 269°, n°3 da CRP.

Há-de tal notificação, a esta luz, ser entendida como visando facultar à arguida, previamente à decisão, a possibilidade de se pronunciar, querendo, quanto à concretização, proposta no relatório final, da pena adequada à gravidade das infracções.

Pronúncia, no caso, exercida e apreciada na deliberação aqui impugnada.

21. Omissão de diligências de instrução essenciais para a descoberta da verdade e consequente violação do princípio da defesa (CONCLUSÕES xxi/xxiv).

21.1. Entende a recorrente que a falta de instrução, no que respeita designadamente aos documentos juntos na fase de defesa, em vista à prova de determinados factos, seja para se considerar a produtividade como «diminuta» ou «modesta», constitui nulidade insuprível, com violação do seu direito de defesa, bem como a um processo justo e equitativo, nos termos das invocadas disposições da CRP, CEDH, EMJ e EDTFP.

A entidade recorrida tem por «inteiramente infundada a arguição da nulidade insuprível prevista no art. 124°, n° 1 do EMJ» (parte V da Resposta, a fls.199).

21.2. As invocadas disposições normativas foram já acima referidas e consideradas (supra, 20.2).

«Embora caiba nos poderes do STJ - escreve-se no acórdão desta Secção de Contencioso, de 19.Set.2007, Proc. 1021/05 - apreciar e censurar a omissão de diligências no processo disciplinar que se revelem necessárias e úteis, está-lhe vedado substituir-se ao órgão administrativo competente - CSM - na aquisição da matéria instrutória ou na fixação dos factos relevantes em causa, apenas lhe incumbindo anular a decisão recorrida, se for caso disso, para que aquele órgão realize, ou mande realizar, algum acto de instrução do procedimento e a subsequente reapreciação do caso».

Pela própria natureza dos factos imputados à arguida (que imediatamente resultam do exame dos processos, das agendas, dos livros e dos registos estatísticos) e perante a prova documental reunida, bem como relativamente aos demais factos que os acompanharam, para efeitos de avaliação da responsabilidade e grau de culpabilidade da arguida, não se vê quais as precisas diligências - nem, materialmente, a arguida as indica, como seria seu ónus -, «necessárias e úteis», que a entidade recorrida omitiu.

Verificar-se-á, sim, um desacordo, por parte da ora recorrente, quer relativamente à apreciação dos documentos pela mesma apresentados na fase de defesa, quer ao resultado das diligências realizadas, em termos de fixação dos factos relevantes em causa.

Foram, ademais, dados como provados factos alegados pela defesa (supra, 16).

Improcederá, pois, a invocada nulidade.

22. Inserção de factos desfavoráveis não contidos na acusação (CONCLUSÃO xxiv).

Como observa a entidade recorrida a considerada diminuta ou modesta produtividade são «apenas conclusões extraídas dos factos descritos tanto na acusação como na defesa e considerados provados no acórdão recorrido» (parte VI da resposta, a fls.200).

Interessa cuidar - à luz do disposto no art. 269°, n° 3 da CRP, ao assegurar que «Em processo disciplinar são garantidos ao arguido a sua audiência e defesa», bem como no art. 37°, n° 1 do EDTPF, ao decretar como «insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação» - que o arguido sobre todos os factos contidos na acusação pôde plenamente exercer o seu direito de audiência e defesa, não tendo a deliberação impugnada invocado «factos que ... não constem da acusação (art. 55°, n° 5 do EDTFP)».

23. Apreciação de actos materialmente judiciais (CONCLUSÕES xxv/xxvi).

23.1. Entende a recorrente que os despachos por si proferidos, a não agendar as audiências de julgamento, sob invocação do disposto no art. 1º do DL 184/2000, de 8 de Agosto, são actos materialmente judiciais.

A deliberação, ao pretender sindicá-los, para tanto exorbitando do âmbito de competência estabelecida no art. 217° da CRP, incorre em violação dos arts. 203° da CRP, 4º e 5º do EMJ (princípios da independência e irresponsabilidade).

A entidade recorrida, remetendo para a deliberação impugnada, começa por observar que «o ilícito imputado à arguida não assenta apenas no incumprimento do disposto no art. 56°, al. c) do CPT e numa aplicação do DL n° 184/2000, de 8 de Agosto, ostensivamente contrária ao propósito do legislador» e conclui que «o acórdão recorrido não traduz qualquer interferência na actividade jurisdicional da arguida» (parte VII da Resposta, a fls. 200/1).

23.2. As garantias de independência dos tribunais e dos juízes dimensionar-se-ão como «situações funcionais», distintas dos direitos fundamentais, não passando de garantias destinadas a propiciar o desempenho do cargo em condições óptimas e a contribuir para a dignificação da função -situações jurídicas de membros do Estado-poder ou do Estado-aparelho, consequência da prossecução do interesse público prevalecente sobre o interesse dos particulares (JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, IV, 2. edição, pp. 59/61).

A existência do CSM constitui, precisamente, um dos três pilares que garante a independência dos Juízes - art. 4º, n° 2 da LOFTJ.

«A avaliação do desempenho dos juízes e a acção disciplinar - acórdão desta Secção de Contencioso, de 10.Dez.2009, Procs. 3415/06 e 2085/07 - constituem as mais complexas das atribuições do CSM, mas que são essenciais como factor de confiança, que constitui em democracia a fonte básica e material (matricial) da legitimidade da função judicial. A avaliação não pode ser efectuada por modo e segundo critérios que em nome da independência sacrifiquem as garantias de qualidade e qualificação profissional, nem o valor da independência pode ser afectado por alguma espécie ou verificação de controlo sobre o sentido das decisões».

No caso, não ocorreu «alguma espécie ou verificação de controlo sobre o sentido das decisões», antes se sindicou a razão que obstou a que essas decisões não pudessem ter sido efectivamente proferidas, ou seja, o que determinou o não agendamento de julgamentos, tendo-se em vista o cumprimento dos deveres de zelo, de administrar justiça e de prossecução do interesse público.

Termos em que se mostra improcedente a alegada violação.

24. Falta de fundamentação (CONCLUSÕES xxvii/xxix).

24.1. Sob invocação deste vício, reporta-se a recorrente (i) «à factualidade da defesa dada como não provada» - alegando que a falta de fundamentação «transformou a defesa da A. em mera formalidade esvaziada do seu intrínseco conteúdo», (ii) «às conclusões de que a alegada não marcação de julgamentos tenha[m] tido algum impacto na produtividade ou no andamento dos processos», (iii) «à afirmação do douto Acórdão impugnado de que a A. apenas fez um julgamento e meio por mês».

Defende a entidade recorrida que a deliberação impugnada, desta transcrevendo determinado passo, se encontra suficiente e em múltiplos vectores fundamentada, quanto às matérias indicadas e acentua, a concluir, que «o que está, essencialmente, em causa são os procedimentos claramente dilatórios adoptados no agendamento dos julgamentos e o subagendamento detectado e não tanto o número de julgamentos efectivamente realizados, sendo inequívoco que uma agenda subaproveitada só pode dar origem a um número reduzido de julgamentos efectuados» (parte VIII da Resposta, a fls. 202/7).

24.2. Remete-se para o exame produzido na resposta da entidade recorrida.

A recorrente não ataca os fundamentos de facto e de direito da decisão, tal como na deliberação são expostos.

Como se deixou referido, relativamente ao 1º recurso, a não consideração, como provados ou relevantes, de factos e razões alegados na defesa não respeita, na verdade, à fundamentação do acto, podendo todavia integrar, a demonstrar o recorrente a procedência da pretensão, outro vício - o de erro nos pressupostos de facto ou de direito.

Também daqui não resulta violação do direito de defesa.

Improcede a alegada violação.

25. Erro sobre os pressupostos de facto (CONCLUSÕES xxx/xxxii).

25.1. Entende o recorrente que a deliberação impugnada incorre «em erro manifesto e grosseiro sobre os pressupostos de facto».

Erro, quanto (i) ao número de julgamentos mensais realizados e à consideração dos actos processuais praticados, (iii) à carência de suporte factual, relativamente a determinadas afirmações respeitantes à actividade e produtividade processuais da recorrente, (v) a determinados factos dados como provados, cujos números indica.

A entidade recorrida afasta a existência dos apontados erros nos pressupostos de facto, detendo-se em cada um deles (parte IX da Resposta, a fls. 207/10).

25.2. «O erro nos pressupostos de facto - escreve-se no ac. do STA de 21.Out.2004, Proc. 01118/03 - traduz-se, no essencial, numa desconformidade entre os factos pressupostos da prolação do acto e os factos reais, de modo a que sejam considerados para efeitos da decisão, e para ela determinantes, factos não provados ou desconformes com a realidade».

Não resulta, nem o autor demonstra, que os factos dados como provados na deliberação o não devam ser ou se mostrem desconformes com a realidade.

O recorrente, aliás, entrosando a invocação deste vício de erro sobre os pressupostos de facto com anteriores visa criticamente o juízo emitido pela entidade recorrida sobre a prova apresentada pela defesa (supra, 21.2 e 24.2).

Termos em que se tem por improcedente a alegação deste vício.

26. Violação do princípio da imparcialidade (CONCLUSÃO xxxiii).

Alegada violação nuclearmente decorrente da coincidência do Instrutor do inquérito com o do processo disciplinar.

A convicção expressa pelo recorrente acerca da verificação dos vícios anteriormente alegados mostrar-se-á inidónea como razão para a pontada violação

A visada coincidência não será, por outro lado, alcançada pelo regime de impedimentos e recusas previsto no CPP, subsidiariamente aplicável, como foi já decidido, relativamente a disposições similares do EMP, pelo acórdão do STA, de 2 de Março de 2011, Proc. 01231/09 (supra, 10.3).

Improcede, pois, a alegada violação.

27. Inexigibilidade de outro comportamento (CONCLUSÃO xxxiv).

Questão desenvolvida nos arts. 205°/209° da petição, a fls. 42/3 do Proc. 117/11.6YFLSB, apenso.

Não poderá tal entendimento, com o devido respeito, juridicamente sustentar-se: acompanha-se, por brevidade, a posição expressa pela entidade recorrida na parte X da Resposta, a fls. 204.

Tem-se, pois, a questão por improcedente.

28. Violação dos arts. 97° do EMJ, 20° e 22° do EDTFP e do princípio da proporcionalidade (CONCLUSÃO xxxv).

A escolha e determinação da medida da pena aplicada estão cuidadamente motivadas na deliberação, parte D, a fls. 66/7 do Proc. 117/11.6YFLSB.

Foram aí balanceadas as circunstâncias agravantes especiais previstas no art. 24°, n° 1, alíneas b) e g) do EDTFP, bem como as que depunham a favor da arguida, em vista à escolha e medida da pena aplicada, no quadro do disposto no EMJ, nos arts. 85°, n° 1, alínea b), 87°, 92°, 96° e 99°, n° 2 (por lapso escreveu-se, a final de fls. 67, 98°, n° 2).

Os termos em que a entidade recorrida se manifesta, quanto à valoração e censura da actuação da recorrente - pese em sentido contrário a posição desta - não se mostram violadores dos preceitos legais convocados, nem padecem de erro grosseiro ou ostensivo, violação de princípios constitucionais ou de regras directoras da actividade administrativa, designadamente reflectidos na desproporcionalidade ou injustiça da pena aplicada, em vista a dever ser sindicada pelo Tribunal.

Não pode, pois, concluir-se pela verificação das arguidas ilegalidades.

29. Não se identificam causas de invalidade do acto impugnado, diversas das alegadas.

V. CONCLUSÃO

Conclui-se do exposto pela improcedência dos vícios invocados e, não se tendo identificado causa de invalidade dos actos, pela negação de provimento a ambos os recursos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Questão prévia

Questão prévia subjacente a ambos os recursos, suscitada pela recorrente, é a da (in)admissibilidade de representação do CSM nos recursos contenciosos por parte do Vice-Presidente.

Entende, em síntese, a recorrente que, por força do disposto no art. 11º, nºs 1 e 2, do CPTA, o CSM deve estar representado em juízo por advogado ou jurista expressamente designado para o efeito.

Respondeu o CSM dizendo que o Vice-Presidente tem poderes para representar o CSM em juízo e fora dele, nos termos do Despacho do Presidente do CSM nº 9057/2010, publicado no DR, 2ª Série, de 26.5.2010.

Analisando a questão, dir-se-á que a matéria da representação em juízo nos recursos contenciosos interpostos para esta Secção do Supremo Tribunal de Justiça é presentemente regulada pelo art. 11º do CPTA, por força do art. 178º do EMJ.

Estabelece esse artigo:

1. Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.

2. Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.

(…)

4. Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.

(…)

Como vemos, a regra é ser obrigatória a constituição de advogado. Contudo, existem várias exceções.

Assim, o Estado é representado em juízo pelo Ministério Público. Por outro lado, as pessoas coletivas de direito público e os ministérios podem ser representadas por licenciado em direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito. Por fim, as entidades administrativas independentes podem designar o seu representante em juízo.

Sendo inquestionavelmente o CSM uma entidade administrativa independente, constitucionalmente instituída (art. 218º da Constituição), aplica-se-lhe o disposto no nº 4 do art. 11º.

Pode, pois, o CSM designar o seu representante em juízo. É precisamente essa designação que consta da al. a) do Despacho do Presidente do CSM nº 9057/2010, publicado no DR, 2ª Série, de 26.5.2010 (por sua vez proferido no âmbito dos poderes delegados pelo Plenário do CSM), ao delegar no Vice-Presidente a representação do CSM, em juízo e fora dele.

A exigência do patrocínio judiciário por advogado tem, em geral, como razão de ser a de garantir, mediante a intervenção de um jurista, uma defesa eficaz e adequada dos direitos das partes, e também um correto processamento da lide, em ordem à boa administração da justiça.

Esses interesses são inteiramente salvaguardados com a representação do CSM em juízo pelo seu Vice-Presidente, que é necessariamente, por força do art. 138º, nº 1, do EMJ, um juiz do Supremo Tribunal de Justiça.[1]

Consequentemente, o CSM está legalmente representado nestes recursos pelo seu Vice-Presidente, improcedendo a questão prévia suscitada pela recorrente.

Recurso da deliberação de 5 de abril de 2011

No âmbito do inquérito a que procedeu ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, o sr. Inspetor Judicial BB elaborou o 2º Relatório Disciplinar, no qual propôs a instauração de procedimento disciplinar contra a ora recorrente, por haver indícios de violação dos deveres de prossecução do interesse público e de zelo, proposta que foi acolhida pelo Conselho Permanente do CSM, por deliberação de 6.7.2010, que nomeou o mesmo Inspetor instrutor do processo disciplinar, que tomou o nº 13/10.

A ora recorrente apresentou nesse processo a sua defesa e indicou como testemunha a dra. CC, também juíza naquele tribunal, para depor sobre certos factos por ela alegados na defesa, pretensão essa que foi indeferida pelo Instrutor.

Interpôs então a recorrente recurso hierárquico desse despacho e deduziu incidente de recusa do Instrutor, sendo ambas as pretensões indeferidas por deliberação do Conselho Permanente de 11.1.2011.

Reclamou a recorrente dessa deliberação para o Plenário do CSM.

Por decisão de 5.4.2011, o Plenário admitiu a audição da dita testemunha, deferindo, pois, a reclamação.

Quanto ao incidente de recusa do Instrutor, o Plenário indeferiu o pedido, por acórdão da mesma data.

É deste acórdão que vem interposto o primeiro recurso.

Considera a recorrente que a decisão do CSM incorreu em omissão de pronúncia ou em falta de fundamentação, por não ter apreciado a “questão fulcral” em que se fundou o incidente de recusa. Essa questão consistiria na importância decisiva da referida testemunha, por ela ir depor sobre factos que tinham decorrido na presença do mesmo Instrutor (e que se refeririam essencialmente a uma alegada oposição deste ao agendamento de todos os processos parados). No entender da recorrente, sabendo o Instrutor da importância do depoimento requerido, e tendo-o recusado, teria demonstrado falta de imparcialidade, não se tendo o CSM pronunciado sobre esta questão.

Não é, porém, verdade que o CSM tenha ignorado a questão colocada.

Note-se, antes de mais, que o facto de ter sido deliberado, aliás na mesma sessão do Plenário do CSM, admitir o depoimento da testemunha apresentada não fundamenta um juízo de parcialidade do Instrutor; significa apenas uma divergência de entendimento por parte do CSM relativamente à importância do depoimento da referida testemunha.

Quanto à “omissão de pronúncia”, ela não se verifica. O CSM cita expressamente as passagens referentes à relevância que a recorrente atribuía ao dito depoimento e à presença do Instrutor nos “factos” alegados na defesa, para exprimir o seu entendimento:

A circunstância de o Exmº Inspector se encontrar no Tribunal de Trabalho de Lisboa a proceder a um inquérito e sugerir a tomada de medidas destinadas a assegurar um melhor funcionamento do Tribunal e uma justiça mais rápida e eficaz, não confere, igualmente, parcialidade à sua actuação no âmbito do processo disciplinar. Na verdade, o papel dum inspector judicial, para além da recolha de elementos, quer no âmbito de uma inspecção, quer de um inquérito ou processo disciplinar, comporta uma dimensão pedagógica, que não pode ser ignorada, com respeito, sempre, pela independência dos juízes e tendo em atenção que as decisões pertencem, aceitando, ou não, as sugestões que lhe são feitas, ao Conselho Superior da Magistratura, dentro da sua esfera de competências.

Quer dizer: o CSM considerou insuficiente, como fundamento de recusa, que o Inspetor se tivesse envolvido, dando sugestões ou fazendo recomendações, na gestão da agenda do tribunal, por se ter deparado com situações de atrasos substanciais, em ordem à prossecução de uma justiça mais rápida e eficaz.

Não existe, pois, omissão de pronúncia sobre a questão suscitada pela recorrente. A decisão do CSM está suficientemente fundamentada.

Diz ainda a recorrente que o incidente de recusa deveria ter sido deferido, em qualquer caso, por força do nº 2 do art. 43º do Código de Processo Penal (CPP).

Estabelece este preceito: “Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n° 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º.”

Trata-se, porém, de uma disposição inaplicável à situação dos autos. Embora o regime da recusa em processo penal seja aplicável ao processo disciplinar contra magistrados judiciais, nos termos do art. 112º do EMJ, deverão fazer-se as “necessárias adaptações”, como o próprio artigo estabelece. Ora, o nº 2 do art. 43º do CPP pressupõe a qualidade de julgador/decisor da entidade recusada. Só existe incompatibilidade entre as funções de investigação e de decisão, entre quem investiga/acusa e quem julga/decide. Mas a função de investigar não é incompatível com a de acusar, porque ambas se situam na área da promoção do procedimento. O órgão decisor é o CSM, funcionando como Conselho Permanente ou em Plenário. Incompatível seria, pois, a participação do Instrutor na decisão final.

Não tem, pois, razão de ser a invocação do citado preceito do CPP.

Posteriormente, veio a recorrente apresentar um articulado superveniente, ao abrigo do art. 86º do CPTA. Nele chama a recorrente a atenção para a apreciação feita no Relatório Final pelo instrutor acerca do depoimento entretanto prestado pela testemunha dra. CC, por determinação do CSM. Diz o Instrutor:

Quanto à matéria inserida nos artigos 60° e 73°, a Arguida indicou para prova o depoimento da testemunha Sra. Dra. CC que alicerçou o seu depoimento em convicções/conclusões próprias (“ficou com a convicção de que o mesmo (Inspector) discordava da opção tomada”; “tendo ficado com a convicção”), decorrentes do teor de uma conversa alegadamente mantida com o Instrutor do qual “não se recorda das exactas palavras” – art. 130º do CPP e 131º do EMJ.

Por último, de tal depoimento não resulta factualmente balizadas nem uma concreta oposição do Instrutor nem sequer uma concreta comunicação da Arguida ao mesmo (ou daquele a esta), quanto à intenção de que pretendia exercer as funções de que estava cometida, designadamente a de “normalizar as marcações” a que, como resulta do teor de tais artigos, reconhece não ter procedido no período em discussão nos autos.

Motivos por que o depoimento de tal testemunha, também ela Arguida em processo disciplinar (cf. fls. 135 dos autos) quanto a factos que a si também interessariam, como resulta dos provimentos a que alude em resposta a matéria do 56.º da defesa, reveste de grandes reservas na sua valoração.

Segundo a recorrente, estas considerações revelariam “uma visão parcial do processo, contaminada pelo envolvimento na factualidade alegada”.

Não convencem os argumentos da recorrente. O que o Instrutor exprime nas passagens do Relatório transcritas é a sua apreciação do valor do depoimento prestado pela testemunha referida, como lhe competia fazer. Não se vislumbra nessa apreciação nenhuma parcialidade. O facto de desvalorizar o depoimento, de apontar as suas eventuais fragilidades, não significa obviamente parcialidade. Ao Instrutor compete fazer uma apreciação crítica da prova produzida, do seu valor e relevância, e formular a acusação, caso conclua pela prática de alguma infração disciplinar, cabendo ao CSM a decisão. O Instrutor manteve-se nos estritos limites das suas competências. Nenhuma razão há para pôr em dúvida a sua imparcialidade.

Consequentemente, não procedem as considerações apresentadas pela recorrente no articulado superveniente.

Sendo assim, nega-se provimento ao recurso interposto da deliberação do CSM de 5.4.2011.

Recurso da deliberação de 20 de setembro de 2011

Incide este recurso sobre a deliberação do Plenário do CSM que condenou a recorrente, pela violação dos deveres de administrar a justiça, prossecução do interesse público e zelo, na pena disciplinar de 25 dias de multa.

Coloca a recorrente numerosas questões, que irão ser tratadas pela mesma ordem.

A) Prescrição do procedimento disciplinar

Entende a recorrente que o procedimento disciplinar se encontra prescrito pelas razões invocadas nos arts. 34º a 50º da petição de recurso.

Pretende, em resumo, que estão prescritas as infrações cometidas antes de 6.7.2009, a saber, os factos 17º, 20º e 21º da acusação, dado que a decisão de instaurar procedimento disciplinar foi tomada pelo CSM em 6.7.2010.

Mais refere que os inquéritos instaurados em 25.5.2009 ao Tribunal de Trabalho de Lisboa não suspenderam o prazo da prescrição, porque o presente inquérito disciplinar não resultou desses processos de inquérito, nem se demonstra estarem verificadas as previsões das als. a) e b) do nº 5 do art. 6º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTFP).

Acrescenta que, a verificar-se a suspensão, sempre estariam prescritos os factos anteriores a 6.1.2009.

Argumenta ainda que a infração pelo não agendamento de audiência de julgamento nos procs. nºs 2166/2007.0TTLSB (facto 15º), 4346/2007.9TTLSB (facto 16º) e 1152/2007.4TTLSB (facto 20º) consumou-se com a omissão do agendamento, pelos respetivos juízes titulares, quando da realização da audiência das partes.

Por fim, alega que a prescrição ocorreu, nos termos do nº 2 do citado art. 6º, porque o CSM teve conhecimento das infrações na reunião do Plenário de 2.3.2010.

Analisemos.

Nos termos do art. 6º, nº 1, do EDTFP, aplicável por força do art. 131º do EMJ, o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida. Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que prescreve igualmente quando, conhecida a infração por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. Mas, segundo o nº 4 do mesmo art. 6º, suspendem o prazo prescricional, por um período até 6 meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. Contudo, por força do nº 5 ainda do mesmo artigo, a suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente: a) os processos tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) à data da instauração dos processos procedimentos referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

As infrações imputadas nos arts. 17º, 20º e 21º da acusação consistem no não agendamento do julgamento em ações que aguardavam essa marcação. Contrariamente ao que pretende a recorrente, a infração em causa não é de consumação instantânea, consumando-se, portanto, com o não agendamento aquando da realização da audiência de partes (no caso, realizada por outros colegas). Ao invés, a infração tem natureza permanente, já que constitui um estado antijurídico que se prolonga no tempo, cessando a sua consumação apenas quando cessa esse estado antijurídico, no caso, com a marcação da audiência (ou com a remessa do processo para a “equipa liquidatária”, com o mesmo objetivo). Nas infrações permanentes, o prazo da prescrição do procedimento disciplinar começa a correr apenas no dia em que cessa a consumação, por força do art. 119º, nº 2, a), do Código Penal.

Ora, quando foi instaurado o procedimento disciplinar, em 6.7.2010, ainda não tinha decorrido um ano (nº 1 do citado art. 6º do EDTFP) sobre a consumação das infrações referidas nos arts. 17º, 20º e 21º da acusação. Na verdade, no caso da ação indicada no art. 20º a marcação do julgamento ocorreu apenas em 2.3.2010; e nas duas restantes nem sequer houve agendamento do julgamento, transitando as ações para a equipa liquidatária em 6.4.2010.

Assim como também não tinha decorrido esse prazo nos procs. nº 2166/2007.0TTLSB (agendamento do julgamento em 25.2.2010), 4346/2007.9TTLSB (não agendado) e 1152/2007.4TTLSB  (agendamento em 2.3.2010), tratando-se, como as anteriores, de infrações permanentes.

Argumenta, contudo, a recorrente que o procedimento se deve, em qualquer caso, considerar prescrito nos termos do nº 2 do art. 6º, porque o CSM tomou conhecimento das infrações na reunião do Plenário de 2.3.2010.

Como vimos, esse preceito estabelece que a infração disciplinar prescreve quando, conhecida a infração por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado procedimento disciplinar no prazo de 30 dias.

O titular exclusivo do poder disciplinar é, no caso dos magistrados judiciais, o CSM, pelo que o prazo aludido no citado nº 2 do art. 6º deve ser reportado ao conhecimento da infração pelo CSM, mas pelo próprio órgão, coletivamente considerado, quando reunido e com poderes de decisão, e não ao recebimento da informação (em ofício, relatório ou por qualquer outro meio escrito) pela secretaria do CSM.

Alude a recorrente ao conhecimento que o CSM teria tido das infrações na reunião de 2.3.2010. Contudo, como se comprova pela decisão então tomada, o CSM nessa data analisou o 1º Relatório Preliminar elaborado pelo Inspetor no inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo esse relatório, assim como a subsequente deliberação do CSM, exclusivamente direcionado para a tomada de medida urgentes de reorganização, em ordem à recuperação do serviço atrasado. A preocupação do relatório foi, pois, perante uma situação de atrasos substanciais no agendamento das audiências, de suscitar a aprovação de medidas de emergência para pôr termo a essa situação com a maior urgência possível.

Não foram transmitidos pelo Inspetor, porque não era essa a maior preocupação de momento, os factos que poderiam individualizar responsabilidades, em ordem à instauração de procedimento disciplinar contra quem quer que fosse. Aliás, essa intenção foi expressamente assumida pelo Inspetor, que relega para o relatório final as “referências individuais”.

Não tinha, pois, o CSM, à face desse primeiro relatório, elementos para demandar disciplinarmente nenhum magistrado. Só com o 2º Relatório Disciplinar, apreciado pelo CSM em 6.7.2010, é que, com base nas imputações concretas dirigidas à recorrente, foi possível ao CSM decidir, nessa mesma reunião, a instauração de procedimento disciplinar contra ela.

Pelo exposto, o procedimento disciplinar não está prescrito, improcedendo, pois, a argumentação da recorrente.

B) Caducidade do direito de aplicar a pena

Entende a recorrente que o procedimento disciplinar caducou, nos termos do art 55º do EDTFP, por terem decorrido mais de 30 dias desde o envio do relatório final até à deliberação impugnada.

Nos termos dos nºs 4 e 6 do referido artigo, a decisão deve ser proferida no prazo de 30 dias após a receção do processo, sob pena de caducidade do direito de aplicar a pena.

A questão está em determinar quando se deve entender recebido o processo pelo CSM. Como já se disse atrás, não é a entrada na secretaria que deve ser considerada para efeitos de receção do processo pelo CSM, que constitui um órgão colegial, que só quando reunido em sessão assume poderes deliberativos. É, pois, a apresentação do caso na sessão que marca a receção/conhecimento por parte do CSM.

A contagem do prazo de caducidade referido no art. 55º do EDTFP inicia-se, pois, com a inclusão do processo na agenda de sessão do CSM.

No caso dos autos, o relatório final do inquérito foi apresentado ao Plenário do CSM em 20.9.2011, e nessa mesma sessão foi tomada a deliberação ora recorrida.

Não se verifica, assim, a invocada caducidade.

C) Ilegalidade da votação

Defende a recorrente que a decisão final em processo disciplinar deve ser tomada por escrutínio secreto, por força do art. 24º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que estabelece que “as deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto”.

O CSM, em resposta, entende que esta norma não é aplicável ao seu funcionamento.

O art. 131º do EMJ determina que são aplicáveis subsidiariamente em matéria disciplinar as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (substituído entretanto pelo EDTFP), as do Código Penal e as do CPP e diplomas complementares.

Assim, o CPA não é aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar contra magistrados judiciais.

Por isso não é ilegal a norma regulamentar constante do Regulamento Interno do CSM que regula o modo de votação (art. 13º), segundo a qual a votação pode realizar-se por escrutínio secreto, nominalmente ou por braço levantado. Nenhuma forma específica de votação é estabelecida para as deliberações finais sobre processos disciplinares.

Por isso, a forma de votação que foi adotada no caso (votação nominal) não foi ilegal nem antirregulamentar.

Improcede, pois, esta questão.

D) Nulidade da acusação e do acórdão impugnado, por não concretização dos factos que consubstanciam as infrações

A recorrente argui a nulidade da acusação por não concretização dos factos que consubstanciam as infrações, não as individualizando, nem referindo quantas infrações estão em causa, nem as circunstâncias atenuantes e agravantes, concluindo que ficou impossibilitada de exercer cabalmente o seu direito de defesa.

Acontece, porém, que a recorrente não arguiu este alegado vício no momento e ato adequados: a apresentação da defesa.

Não o tendo feito, a eventual nulidade encontra-se sanada, por força do nº 2 do art. 124º do EMJ.

Considera ainda a recorrente que o próprio acórdão recorrido não concretiza quais as infrações que consubstanciam os factos provados.

Mas não é assim. É certo que o acórdão não faz uma subsunção dos factos aos deveres violados tão precisa como o faz o relatório final. Contudo, depois de explicitar que “o que está em causa naquela imputação é um agendamento com dilações totalmente inadmissíveis, especialmente quando conjugado com o claro subagendamento registado e a baixa produtividade obtida”, conclusões amplamente fundadas na matéria de facto provada, o acórdão é claro ao afirmar, no âmbito do enquadramento jurídico, que “os factos apurados preenchem todos os elementos constitutivos das infrações imputadas à arguida”, ou seja, a violação dos deveres de administrar justiça (previsto no art. 156º do Código de Processo Civil), de prossecução do interesse público (previsto no art. 3º, nº 2, a), do EDTFP, aplicável por força do art. 32º do EMJ), e de zelo (previsto no art. 3º, nº 2, e), do EFTFP), imputada na acusação; e, na parte decisória, o acórdão reporta-se expressamente à violação desses deveres.

Improcedem, pois, as invocadas nulidades.

E) Nulidade da acusação por não indicação da pena concretamente aplicável

Defende a recorrente que a acusação é também nula por não indicar a pena concretamente aplicável, violando o disposto no art. 48º, nº 3, do EDTFP, e os arts. 32º, nº 10, e 269º, nº 3, da Constituição.

Estabelece o citado art. 48º, nº 3, do EDTFP que a acusação contém, além do mais, a referência às penas aplicáveis.

Acontece, porém, que, ao contrário do que entende a recorrente, esta norma não é aplicável ao processo disciplinar contra magistrados judiciais. Na verdade, pressuposto da aplicação subsidiária de normas, ao abrigo do art. 131º do EMJ, é a existência de lacunas deste diploma. Ora, o EMJ não é omisso na matéria, pois regula com precisão a forma de elaboração da acusação (art. 117º), obrigando apenas, em matéria de direito, à indicação dos “preceitos legais aplicáveis”.

Por sua vez o art. 122º do mesmo diploma estabelece que, terminada a produção de prova, após a defesa, o instrutor elabora um relatório (final) do qual devem constar, além dos factos provados, a sua qualificação e a pena aplicável. É sobre este relatório que é proferida a decisão.

Não prevê expressamente o citado art. 122º a notificação do mesmo ao arguido, para sua defesa. Contudo, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou, em sede de fiscalização concreta, este artigo, considerando-o inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 10, da Constituição, se interpretado como não impondo a comunicação do relatório ao arguido, quando a acusação não tenha incluído a indicação da natureza da pena aplicável e a decisão final seja no mesmo sentido do relatório.[2] Em posterior decisão, o TC reafirmou a necessidade de notificação ao arguido do relatório final apenas quando a acusação seja omissa quanto à sanção aplicável.[3]

Sendo embora obtido em sede de fiscalização concreta, este entendimento é inteiramente razoável, à luz do disposto no citado nº 10 do art. 32º da Constituição, que garante os direitos de audiência e de defesa ao arguido no processo contraordenacional e em quaisquer processos sancionatórios. O conhecimento da pena aplicável aos factos imputados constitui uma garantia fundamental da defesa. O arguido tem, pois, o direito de conhecer a pena aplicável, para exercer o seu direito de defesa.

Entende-se, pois, em conclusão, que, quando a acusação não contenha indicação da pena aplicável, mas tal menção conste do relatório final, este deve ser notificado ao arguido, para exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade insuprível, nos termos do art. 124º, nº 1, do EMJ.

No caso dos autos, a acusação não contém de facto referência às penas aplicáveis. Essa referência é feita no relatório final, onde o Instrutor propõe a aplicação de uma pena de 20 dias de suspensão.

Esse relatório foi notificado ao mandatário e à própria arguida, ora recorrente (fls. 275-276 do processo disciplinar), não tendo ela reagido.

Não se verifica, pois, a nulidade suscitada.

F) Omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade

Entende a recorrente que a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 124º, nº 1, do EMJ, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.

Contudo, ela não indica quaisquer diligências concretas que tivessem ficado por realizar, limitando-se a afirmar que o CSM não deu a relevância que no seu entender era devida a diversos elementos recolhidos, nomeadamente aos documentos que juntou com a defesa.

Ou seja, o que a recorrente põe afinal em causa não é a suficiência da instrução, mas sim a valoração da prova e a matéria de facto fixada.

Não se verifica, assim, a nulidade arguida.

G) Consideração de factos desfavoráveis não constantes da acusação

Pretende a recorrente que o relatório final e a decisão impugnada incluem factos desfavoráveis não constantes da acusação, concretamente a imputação, com base em números nela não referidos, de uma “diminuta ou modesta produtividade”, violando assim o seu direito de defesa.

Analisado o acórdão, não se deteta, porém, nenhuma imputação de factos não incluídos na acusação. Os elementos estatísticos a que se reporta a recorrente (os de fls. 28 do acórdão do CSM) não são elementos novos, são antes o tratamento estatístico conclusivo dos números referidos na matéria de facto e que constavam da acusação, sendo indicados os factos concretos em que se baseiam as conclusões, por remissão para os pontos da matéria de facto provada. Não há, pois, números novos.

Por outro lado, a imputação de diminuta produtividade à recorrente não constitui também um facto novo, antes o resultado da valoração/apreciação dos factos provados, a que o CSM procedeu, como lhe competia.

Inexiste, pois, a alegada nulidade.

H) Falta de competência do CSM para apreciar a validade dos despachos proferidos pela recorrente

Entende a recorrente que o CSM não tem competência para apreciar da validade dos seus despachos por se tratar de questão de natureza jurisdicional, como tal reservada aos tribunais.

Em causa está o não agendamento da audiência final, quando se frustre a conciliação na audiência preliminar, conforme impõe o art. 56º, c), do Código de Processo do Trabalho (CPT). Invocava a recorrente, para não fazer essa marcação, o disposto no art. 1º do DL nº 184/2000, de 10-8 (que dispõe que a marcação das audiências não pode ser feita com uma antecedência superior a 3 meses), e a total indisponibilidade de agenda.

Antes de mais, importa afirmar com clareza que a gestão da agenda do tribunal não é questão de natureza materialmente jurisdicional, mas sim administrativa, embora seja da competência do juiz. Nem todos os atos do juiz são materialmente jurisdicionais. Só o são aqueles que decidem a causa ou são pré-direcionados para esse fim. A marcação das diligências e dos julgamentos, e outros atos de natureza gestionária, ainda que integrados no processo e praticados pelo juiz, não são atos jurisdicionais. Por isso, aliás, pôde o Governo editar o citado DL nº 184/2000. Por isso, o CSM pode aprovar diretivas e instruções sobre o agendamento de julgamentos, como efetivamente fez na sequência do inquérito ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, do qual emanou o processo disciplinar contra a recorrente.

Assim, o que o CSM apreciou foi uma atividade materialmente administrativa da recorrente, para cuja fiscalização tem obviamente competência, enquanto órgão detentor do poder disciplinar sobre os magistrados judiciais. O CSM não sindicou quaisquer decisões de litígios, não apreciou sentenças ou despachos decisórios, não analisou o teor ou o sentido de decisões jurisdicionais; apenas se pronunciou sobre as razões que impediram a marcação dos julgamentos, em ordem à indagação do cumprimento dos deveres de administrar justiça, de prossecução do interesse público e de zelo, que aos juízes incumbem.

Refira-se ainda que o acórdão recorrido baseou a imputação de violação desses deveres não apenas na clara infração do disposto no art 56º, c), do CPT e a uma interpretação do DL nº 184/2000 manifestamente oposta ao objetivo do legislador (que era evidentemente o de acelerar, e não de atrasar, o agendamento das audiências), mas sobretudo a “um agendamento com dilações totalmente inadmissíveis, especialmente quando conjugado com o claro subagendamento registado e a baixa produtividade obtida” (fls. 32 do acórdão).

Em conclusão, o CSM não interferiu em questões de natureza jurisdicional ao apreciar a atividade da recorrente.

I) Falta de fundamentação

a) Factos não provados

Entende a recorrente que o acórdão recorrido incorre em falta de fundamentação quanto à factualidade da defesa dada como não provada, porque se limita a recorrer a uma fórmula genérica, que torna impossível compreender o iter cognoscitivo que conduziu à conclusão.

            Mas não é assim. A fundamentação dos factos não provados vai além da “fórmula genérica” (o primeiro parágrafo, único citado pela recorrente), que afinal constitui apenas o “preâmbulo” da fundamentação. Valerá a pena transcrever o texto integral para avaliar do cumprimento da obrigação de fundamentar:

                A restante matéria inserida na defesa foi aqui desconsiderada, por traduzir meras considerações pessoais, por ser conclusiva e/ou jurídico-valorativa ou por não se ter produzido prova suficiente a seu respeito.

Quanto à matéria inserida nos artigos 60° e 73º da defesa, a arguida indicou para prova o depoimento da testemunha Sra. Dra. CC, que alicerçou o seu depoimento em convicções/conclusões próprias (“ficou com a convicção de que o mesmo (Inspector) discordava da opção tomada”; “tendo ficado com a convicção”), decorrentes do teor de urna conversa alegadamente mantida com o Instrutor do qual “não se recorda das exactas palavras” – cf. artigo 130º do C.P.P. e 131° do E.M.J.

Por último, de tal depoimento não resultam factualmente balizadas nem uma concreta oposição do Instrutor nem sequer uma concreta comunicação da arguida ao mesmo (ou daquele a esta), quanto à intenção de que pretendia exercer as funções de que estava acometida, designadamente a de “normalizar as marcações”, a que, como resulta do teor de tais artigos, reconhece não ter procedido no período em discussão nos autos.

Motivos porque o depoimento de tal testemunha, também ela Arguida em processo disciplinar (cf. fls. 135 dos autos) quanto a factos que a si também interessariam, como resulta dos provimentos a que alude em resposta à matéria do artigo 56º da defesa, reveste de grandes reservas na sua valoração.

De todo o modo, a alegada decisão, nunca concretizada, de agendar a audiência de julgamentos em todos os processos que aguardavam tal marcação, não alteraria a quase totalidade dos factos imputados à arguida, ocorridos antes de Janeiro de 2010, data da alegada decisão.

            Esta exposição preenche inteiramente os requisitos da fundamentação.

            b) Conclusões dos factos provados

            Imputa ainda a recorrente o vício de falta de fundamentação à decisão recorrida quanto à conclusão de que a não marcação de julgamentos tenha tido impacto na produtividade ou no andamento dos processos.

            Analisando o texto do acórdão recorrido, conclui-se, porém, que ele se refere amplamente aos fundamentos dessa conclusão. Na verdade, o acórdão é claro e preciso na referência à falta de agendamento da audiência final aquando da audiência preliminar, ou do despacho saneador, invocando o art. 1º do DL nº 184/2000 e a “total indisponibilidade de agenda”, apesar de nos anos de 2008 e 2009 não se ter registado essa indisponibilidade. Nomeadamente, afirma-se no acórdão que o agendamento diminuto não tem justificação, perante o elevado número de processos a aguardar julgamento e as enormes dilações com que eram marcados (fls. 33 do acórdão).

            Aliás, no mesmo acórdão aceita-se que a recorrente baixou a pendência a seu cargo, mas esse facto “não apaga as desnecessariamente longas dilações a que deu origem na marcação de diversos julgamentos” (loc. cit.).

            Donde resulta que na decisão recorrida se fundamenta suficientemente por que se concluiu pelo subagendamento, com os inerentes prejuízos no andamento dos processos respetivos, e falta de produtividade da recorrente.

            Pode, é certo, a recorrente discordar desta conclusão, mas a verdade é que ela está fundamentada e de forma clara e transparente na decisão recorrida, pelo que inexiste a nulidade invocada.

            J) Erro quanto aos pressupostos de facto

            Antes de mais importa precisar que o âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal em matéria de facto se restringe à apreciação dos vícios dessa matéria, não podendo fazer uma reapreciação dos elementos de prova apurados, em ordem à formulação de um novo juízo sobre os mesmos.

            Quer dizer, compete a este Supremo Tribunal não a formulação de um (novo) juízo sobre a valoração da prova, mas apenas a apreciação da validade e legalidade dos meios de prova, por um lado, e da razoabilidade e da coerência da matéria de facto fixada, por outro lado. Cabe-lhe, pois, neste âmbito, avaliar contradições, incoerências, insuficiências das provas, e erros notórios na sua apreciação, desde que tais vícios sejam manifestos e evidentes. São estes “erros de facto” que este Supremo Tribunal pode conhecer. Não pode é, repete-se, fazer um reexame da prova recolhida para formular um autónomo juízo sobre ela.

            É este o entendimento uniformemente seguido nesta Secção.[4]

Posto isto, analisemos os argumentos da recorrente.

Da matéria alegada (arts. 172º a 204º) resulta imediatamente que o que ela efetivamente contesta é o juízo formulado pela entidade recorrida sobre as provas, juízo esse que, como ficou dito, está fora do alcance de sindicabilidade por este Supremo Tribunal.

Não são apontadas contradições ou incoerências nos factos fixados, ou insuficiência das provas. Verifica-se, sim e apenas, uma evidente discordância da recorrente relativamente à valoração que é feita dos factos apurados, à não valoração que, no seu entender, mereceriam outros, e ao não atendimento, que em seu entender era merecido, de matéria apresentada pela defesa e considerada não provada…

Em suma, no fundo o que a recorrente contesta é o juízo valorativo formulado pela entidade recorrida sobre os factos provados. Mas, insiste-se, esse juízo não é sindicável.

K) Inexigibilidade de outro comportamento

Considera a recorrente que, caso se entenda que as condutas imputadas integram objetivamente infração disciplinar, não lhe era exigível outro comportamento, não havendo assim lugar à punição.

Acontece, porém, que esta tese só teria procedência se tivessem igualmente procedido as suas considerações em sede de matéria de facto. Não tendo assim sucedido, também improcede a pretensão de verificação da inexigibilidade.

Na verdade, o que é decisivo é que da matéria de facto apurada não resulta minimamente que a recorrente não pudesse dar cumprimento ao art. 56º, c), do CPT nos processos novos.

Não releva a alegada prática habitual dos “juízes mais velhos”, pois essa eventual prática não prevalece sobre a lei, nem isentaria os seus praticantes de responsabilidade disciplinar, se fosse apurada.

Improcede manifestamente a alegação da recorrente, nesta parte.

L) Violação do princípio da proporcionalidade na aplicação da pena

Considera, por fim, a recorrente que a decisão recorrida viola o art. 97º do EMJ, por não ter sido especialmente atenuada a pena. Alega que agiu sem consciência da ilicitude e sempre procurando obedecer à lei, mostrando empenhamento na administração da justiça, pelo que deveria ter sido aplicada a atenuação especial prevista naquele artigo.

Permite o preceito citado a atenuação da pena disciplinar, aplicando-se a pena de escalão inferior, quando existam circunstâncias que atenuem acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente.

Este Supremo Tribunal tem competência para avaliar do cumprimento do princípio da proporcionalidade, que se mostrará violado quando a sanção for manifestamente desajustada ou excessiva relativamente à factualidade apurada.

Analisando a decisão recorrida constata-se, porém, que a escolha e a medida da pena se encontram cuidadamente motivadas (fls. 36-37 do acórdão).

Pelo Instrutor havia sido proposta a pena de suspensão de exercício de funções por 20 dias.

O CSM discordou, pois, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuantes do caso, considerou suficiente a pena de multa (pena de gravidade inferior à proposta), e fixou-a em 25 dias, numa moldura legal de 5 a 90 dias (art. 87º do EMJ).

Nos termos do art. 92º do EMJ, a pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo.

A escolha da pena mostra-se consentânea com a previsão legal.

Por outro lado, tendo em conta a factualidade provada e a moldura legal, não se mostra de forma alguma desproporcionada a medida da pena.

Improcede, pois, esta questão, como aliás todas as suscitadas pelo recorrente no recurso da decisão final.

III. DECISÃO

Com base no exposto, nega-se provimento a ambos os recursos interpostos nos autos por AA.

Custas pela recorrente.

                                   Lisboa, 5 de julho de 2012               

Maia Costa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Fonseca Ramos

Oliveira Vasconcelos

Isabel Pais Martins

Paulo de Sá

Henriques Gaspar
(Acórdão e sumário redigidos de acordo com o novo Acordo Ortográfico)

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[1] No sentido aqui exposto vem decidindo uniformemente esta Secção de Contencioso. Ver, por último, o acórdão de 15.3.2012, proc. nº 92/11.7YFLSB.
[2] Acórdão nº 516/2003, de 28.10.2003.
[3] Acórdão nº 499/2009, de 30.9.2009.
[4] Citam-se, a título puramente exemplificativo, os acórdãos de 12.2.2009, proc. nº 4485/07; de 17.12.2009, proc. nº 365/09.9YFLSB; e de 7.4.2011, proc. nº 113/10.0YFLSB.