Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3360/04.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS CONCLUSIVOS
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, pg. 32.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, pg. 147.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 2.ª PARTE, 646.º, N.º4, 712.º, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS 1 E 2.
DL N.º 49408, DE 24.11.1969 (LCT): - ARTIGO 1.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28.6.2006, PROCESSO N.º 06S892, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 17.5.2007, PROCESSO N.º 06S3406, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 2.7.2008, PROCESSO N.º 07S4752, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 24.9.2008, PROCESSO N.º 08S530 EM WWW.DGSI.PT;
-DE 23.9.2009 E DE 19.4.2012, PROCESSOS N.ºS 238/06.7TTBGR.S1 E 30/08.4TTLSB.L1.S1, RESPECTIVAMENTE, AQUELE EM WWW.DGSI.PT;
-DE 15.9.2010;
-DE 9.11.2011, PROCESSO N.º 1332/07.2TTVNG.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT.
-DE 12.1.2012, PROCESSO N.º 2158/07.9TTLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A previsão do n.º 4 do art. 646.º do CPC é de aplicar, também, analogicamente, nas situações em que esteja em causa um facto conclusivo e nas demais que se reconduzam, afinal, à formulação de um juízo de valor extraído dos factos concretos, objecto de alegação e prova, conquanto que a matéria em causa se integre nos thema decidendum, podendo o Supremo Tribunal sindicar uma tal operação.
II - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador.
III - No contrato de prestação de serviço, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, direcção de execução ou sujeição a instruções da outra parte.
IV - Ante a extrema variabilidade das situações da vida, é reconhecida a dificuldade em surpreender os elementos que permitem a identificação da subordinação jurídica, noção a que, se não se chega directamente através do simples método subsuntivo, há-de alcançar-se com recurso ao denominado método tipológico, sendo, neste âmbito, correntemente consideradas a integração numa estrutura técnico-laboral, a vinculação a um horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho, a observância do regime fiscal e da Segurança Social e a prestação da actividade em regime de exclusividade.
V- Resultando provado que o autor se obrigou, perante a ré, a exercer as funções próprias de perito de sinistro automóvel, deslocando-se onde havia peritagens para fazer, entregando e recolhendo os pedidos de serviço da ré, sendo remunerado de acordo com uma tabela de honorários em função do número de peritagens efectuadas, nada auferindo a título de férias, subsídio de férias e de Natal, suportando as despesas da sua actividade, emitindo recibos verdes e desempenhando idêntica actividade para outras entidades seguradoras, está predominante e seguramente demonstrado que o contrato firmado entre os litigantes foi realmente um contrato de prestação de serviço.
Decisão Texto Integral:

   Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                           I –

1.

AA, residente na rua D. …, n.º …, em ..., instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em Setembro de 2004, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a “Companhia de Seguros AA, S.A.”, com sede na Av.ª …, n.º …, em Lisboa, pedindo seja declarada a natureza laboral da relação jurídica que manteve com a R. e a justa causa na resolução do contrato de trabalho e que a R. seja condenada a pagar-lhe a indemnização legal, bem como as férias, subsídio de férias e de Natal vencidos durante o contrato, no valor de € 74.437,77 (até 2002) e vincendos até 2003, as despesas de comunicações até ao montante mensal de € 39,90, os quilómetros mensais no valor de € 748,20, os subsídios de alimentação com base no valor unitário de € 12,50, as diferenças remuneratórias correspondentes ao diferencial entre os valores efectivamente pagos e a remuneração média mensal do A. (€ 2.622,87), a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, os custos com o acidente de trabalho sofrido, no montante já liquidado de € 5.703,53 e no que vier a ser necessário para a reparação das lesões, € 110,83 com despesas efectuadas em comunicações para a R. no âmbito da relação laboral, a tudo acrescendo os legais juros de mora.

Alegou para tanto, em síntese útil, que foi admitido ao serviço da R., então apenas ‘Companhia de Seguros CC’, em Junho de 1993, mediante a celebração de um acordo verbal, para exercer as funções de perito avaliador de sinistros automóvel.

Atenta a forma como eram desempenhadas as tarefas para que foi contratado, tal configura a existência de um contrato de trabalho subordinado.

Em 13 de Agosto de 1998, sofreu um acidente quando no exercício das suas funções, tendo, só então, tomado conta, face à resposta da R. de que não existia qualquer seguro de acidentes de trabalho, de que não era considerado seu trabalhador efectivo.

A partir de Maio de 2003, a R. começou a reduzir-lhe o volume de peritagens e, consequentemente, a retribuição, vindo o A. a rescindir o contrato de trabalho com invocação de justa causa.

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes e notificada a R. para contestar, esta veio deduzir defesa em que conclui pela improcedência da acção.

Alegou sumariamente que as funções desempenhadas pelo A. se enquadravam num verdadeiro contrato de prestação de serviços, considerando a autonomia técnica de que o mesmo gozava e o fim das tarefas desenvolvidas. Aliás, ao A. não lhe era sequer exigido regime de exclusividade.

Foi proferido despacho saneador e, invocando a simplicidade da causa, o Sr. Juiz dispensou a prolação de despacho de condensação.

Admitido o depoimento de parte requerido pelo A. e a prestar pela R. na pessoa do seu legal representante, tendo esta requerido que esse depoimento fosse prestado por pessoa que, ela própria, viesse designar, tal pretensão foi indeferida, o que deu origem a recurso de agravo interposto pela R., recurso que embora não obtivesse vencimento neste Tribunal da Relação, acabou por obter provimento junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Discutida a causa, foi proferida a sentença de fls. 944 a 970, cujo dispositivo é deste teor:

Face ao exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente por provada apenas em parte, e em consequência declaramos ter o A. celebrado com a R. um contrato de trabalho subordinado sem termo em Junho de 1993.

Mais declaramos a justa causa na resolução do mesmo contrato pelo A. e condenamos a R. a pagar ao A.:

- a quantia de € 27.105,39, a título de indemnização;

- a quantia global de € 59.275,48, referente a retribuições de subsídios de férias e de Natal, absolvendo a R. do demais peticionado” (…).

2.

Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito, já que a impugnação foi julgada totalmente improcedente pelo Acórdão prolatado a fls. 1167-1186.

Ainda irresignada, a R. pede ora Revista, cuja motivação remata com a formulação das seguintes conclusões:

1.

O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de fls., que confirmou a douta sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, que tinha julgado parcialmente procedente a acção e decidido que entre o Recorrido e a Recorrente vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado, no período compreendido entre Junho de 1993 até à data em que o Autor o rescindiu (Outubro de 2003), decidindo ainda que o Recorrido rescindiu aquele contrato de trabalho com justa causa, e condenou a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 27.105,39, a título de indemnização, bem como a quantia global de € 59.275,48, referente a retribuições de subsídios de férias e de Natal.

2.   

O douto Acórdão recorrido decidiu mal – salvo o devido respeito – ao eliminar a matéria que consta dos pontos 57., 58., 61., 88. e 89. dos factos dados como provados pela douta sentença, por, no seu ponto de vista, entender que a matéria do ponto 57. é "conclusiva", a do ponto 58. é "meramente hipotética", e a matéria dos pontos 61., 88. e 89. é "completamente irrelevante para a decisão dos presentes autos";

3.   

Contudo, a matéria constante daqueles Pontos, não é "conclusiva", não é "meramente hipotética" e não é "completamente irrelevante", sendo por demais evidente que tal matéria (salvo o devido respeito) é importante, e muito, para a discussão dos presentes autos, nos quais a questão primordial em causa é justamente a de decidir se existiu entre as partes um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços.

4.   

No Ponto 57. consta que: "57. O A. sabia que era considerado pela Ré um prestador de serviços e que era nessa qualidade que a Companhia de Seguros CC, e posteriormente a ora Ré, o contratou e o manteve na mesma situação."

5.

     Aquela matéria não é "conclusiva", pois consubstancia um conjunto de factos. Justamente o facto de o Autor saber, isto é, ter conhecimento de que a Ré o considerava como um prestador de serviços, e o facto de o Autor também ter conhecimento de que era nessa qualidade que a Companhia de Seguros CC e posteriormente a ora Ré o contratou e o manteve na mesma situação.

6.   

Tal matéria esclarece como era a prestação do autor considerada pela Ré (prestação de serviços), quer no momento da contratação, quer durante a manutenção do contrato, como esclarece também que o Autor tinha conhecimento da forma como a Ré considerava a sua prestação (como sendo uma prestação de serviços) e de que foi nessa qualidade que o contratou e manteve.

7.   

Tal matéria consubstancia efectivamente "factos", que são relevantes para a discussão dos presentes autos, na medida em que espelha o conhecimento do autor (que era perito e ganhava "à peça") sobre a qualidade (como prestador de serviços) com base na qual a Ré o contratou e manteve, revelando a qualidade na base da qual a Ré o contratou, o considerava e tratava, e revelando ainda que essa situação era do conhecimento do autor, pelo que, jamais aquela matéria pode ser considerada como "conclusiva" (como o fez o douto Acórdão recorrido), traduzindo-se, antes, em factos concretos, que especialmente revelam que o Autor era conhecedor das situações descritas nesse mesmo Ponto 57.

(Falta, no original, o n.º 8 da sequência).

9.

Deverá assim ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu eliminar a matéria do Ponto 57. dos factos provados pela douta sentença, de forma a que seja reposta a matéria vertida no identificado Ponto 57. - que o Tribunal da Relação decidiu eliminar -, de harmonia, designadamente, com o disposto no art. 729.º, n.º 3 do CPC.

10. 

No Ponto 58 da matéria provada pela douta sentença consta o seguinte: "58. Se ao invés, tivesse sido contratado como trabalhador subordinado daquelas sociedades, teria a categoria profissional de perito auto, estando sujeito às tabelas salariais em vigor, auferindo o vencimento mensal previsto na respectiva tabela salarial, inferior àquele que em média recebia mensalmente no âmbito da prestação de serviços."

11.

Aquela matéria não é "meramente hipotética", pelo contrário, consubstancia um conjunto de factos, que traduzem a situação dos peritos integrados formalmente no quadro da Ré, que (ao contrário do Autor - cfr. Pontos 10., 15., 54., 55., 56., 59., 89.) recebiam de acordo com a TABELA SALARIAL, sendo tal remuneração muito inferior à que o autor acabava por conseguir receber em média (cfr. Ponto 16.), por mês.

12. 

O Autor, como consta do referido Ponto 58., se estivesse no quadro, estaria categorizada como "perito auto" e auferia a remuneração fixada na tabela, tal como acontece com os peritos integrados no quadro.

13.

O que revela, mais uma vez, a diferente situação em que se encontrava o Autor (perito pago à peça e a recibos verdes) e a situação em que se encontravam os peritos integrados no quadro (que ganhavam uma remuneração fixa, pela tabela salarial aplicável ao sector (segurador) - Cfr. Ponto 48., 58., 63. e 64.) espelhando a situação fáctica em que o autor estaria integrado e classificado se estivesse (como outros peritos o estavam) integrado no quadro.

14.

E tal matéria é tanto mais relevante, porque dela ressalta a diferença de tratamento e de regime entre os peritos integrados no quadro e os peritos (como Autor) a recibos verdes.

Como ressalta ainda a situação de facto em que o Autor estaria qualificado e categorizado, se estivesse (e não estava) integrado nos quadros.

15.

O Autor pretende, por um lado, ser equiparado aos peritos do quadro (só na parte que lhe convém), mas invocando, por outro lado, a remuneração que em média acabava por ganhar sendo pago à peça, que era superior aos valores da tabela salarial que – se estivesse integrado no quadro – ganharia. (Cfr. Ponto 58., que o Tribunal a quo decidiu - mas mal - eliminar).

16. 

Assim, e porque a matéria constante do Ponto 58. não consubstancia "matéria hipotética", mas antes consubstancia efectivamente "factos", que são justamente os factos que traduzem as condições (remuneração e categoria profissional) aplicáveis ao Autor, se ele estivesse no quadro, factos esses, que são muito relevantes para a discussão dos presentes autos, na medida em que espelham essas condições contratuais aplicáveis aos trabalhadores peritos do quadro (a cuja equiparação o autor se arroga).

17. 

Deverá assim ser revogada a decisão do Tribunal a quo, que decidiu eliminar a matéria do Ponto 58. dos factos provadas pela douta sentença, de forma a que seja reposta a matéria vertida no identificado Ponto 58. - que o Tribunal da Relação decidiu eliminar -, de harmonia, designadamente, com o disposto no art. 729.º, n.º 3 do CPC.

18. 

Nos Pontos 61., 88. e 89. dos factos provados pela douta sentença (que o Tribunal de Relação decidiu eliminar), consta o seguinte:

"61. Alguns dos peritos avaliadores da R. que exercem a actividade fora da área metropolitana de Lisboa, prestavam e prestam, também, actividade profissional para outras seguradoras ou para outras empresas."

"88. Os cartões que identificam os trabalhadores da R. têm o respectivo número de trabalhador."

"89. No âmbito da prestação de serviços para a Ré, ‘DD’ e ‘EE’, e por acordo com estas, os honorários fixados passaram a ser calculados para cobrir também as despesas feitas com a actividade profissional."

19.

O Tribunal a quo entendeu que a matéria descrita naqueles Ponto 61., 88. e 89. é "completamente irrelevante para a discussão deste pleito" e pura e simplesmente decidiu eliminá-la.

20.

Tal matéria não é "completamente irrelevante para a discussão deste pleito".

21.

A matéria constante do Ponto 61. (que foi alegada no art. 47 da contestação, refere-se aos peritos prestadores de serviços, como resulta do alegado nos arts. 39 a 47 da contestação), e comprova de que não havia exclusividade, pois alguns peritos até prestavam actividade "para outras seguradores ou para outras empresas", facto este que é relevante para comprovar que a Ré não impunha, como decorre do referido Ponto. 61, a prestação de serviços de peritagem em exclusividade para a Ré.

22. 

É assim relevante para apreender a forma como a Ré agia face às prestações de serviço de peritagem, verificando-se que "Alguns peritos avaliadores da R. que exercem a actividade remunerada fora da área metropolitana de Lisboa, prestavam e prestam, também, actividade profissional para outras empresas ou para outras seguradoras".

23. 

Por outro lado, a matéria vertida no Ponto 88., acima transcrito, vem na sequência do que está provado no Ponto 87. Assim:

24.

No ponto 87. está provado que "O Autor não tinha um cartão de trabalhador da R., ao contrário dos peritos pertencentes ao "quadro", que tinham."

25.

E no Ponto 88. (que o Tribunal eliminou) consta que "Os cartões que identificam os trabalhadores da R. têm o respectivo número de trabalhador ".

26.

Ora, a matéria constante do Ponto 88. é relevante, e muito, para a decisão dos presentes autos, porquanto, provando-se que os peritos do quadro tinham um cartão e que o Autor não tinha (cfr. Ponto 87.), provou-se também que no cartão dos peritos do quadro constava um "número de funcionário", o que é relevante por revelar que os peritos do "quadro" tinham, para além do cartão, um número de funcionário (que o Autor não comprovou também ter).

27. 

Relativamente à matéria constante do Ponto 89., que o Tribunal a quo decidiu eliminar, por entender ser "completamente irrelevante", também se dirá que tal matéria, que se refere aos honorários pagos ao autor, não pode deixar de ser relevante para – mais uma vez – se aferir da efectiva diferença entre as condições e regime aplicável aos peritos do "quadro" da Ré e as condições e regime aplicável aos peritos considerados por esta, como prestadores de serviço.

28. 

O que revela, mais uma vez, a diferente situação em que se encontrava o Autor (perito pago à peça e a recibos verdes) e a situação em que se encontravam os peritos integrados no ‘quadro’ (que ganhavam uma remuneração fixa, pela tabela salarial aplicável ao sector segurador - cfr. Ponto 48., 58., 63., 64.), espelhando a situação fáctica referente aos honorários do autor.

29. 

A matéria constante dos identificados e transcritos Pontos 61., 88. e 89., não é "matéria completamente irrelevante para a discussão deste pleito", mas antes consubstancia efectivamente "factos", que são relevantes para aferir da diferença de regime entre os peritos do quadro e os peritos prestadores de serviços, nos termos acima descritos, tal matéria não deveria ter sido eliminada.

30.

Deverá ser revogada também a decisão do Tribunal a quo, que decidiu eliminar a matéria dos Ponto 61., 88. e 89., dos factos provados pela douta sentença, de forma a que seja reposta a matéria vertida naqueles identificados Pontos 61., 88. e 89. - que o Tribunal da Relação decidiu eliminar -, de harmonia, designadamente, com o disposto no art. 729.º, n.º 3, do CPC.

31.

A decisão do Tribunal a quo, de eliminar da matéria dada como provada, a matéria constante dos Pontos, 57., 58., 61., 88. e 89., (decidindo que é respectivamente "conclusiva"/Ponto 57.;"meramente hipotética"/Ponto 58 e "completamente irrelevante” Pontos 61., 88. e 89.) não se encontra no âmbito do disposto nos n.ºs 1 a 5 do art. 712.º do CPC, e por isso sobre a mesma é possível interpor-se também recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. art. 712.º, n.º 6, "a contrario ").

32.

Devendo também, quanto a esta parte, ser revogado o douto Acórdão, devendo ser ampliada a matéria, de modo a que seja "reposta" a matéria que o Tribunal da Relação entendeu eliminar e que consta dos referidos Pontos 57., 58., 61., 88. e 89. dos factos dados como provados pela douta sentença, porquanto - ao contrário do decidido no douto Acórdão recorrido -, não se trata de matéria conclusiva, nem hipotética, nem irrelevante para a discussão dos presentes autos, antes sendo, pelo contrário, matéria muito importante para a decisão dos mesmos, e para comprovar (ou completar a prova) relativamente à forma de como o Autor prestava serviços e era tratado pela Ré, diversamente e em confronto com regime dos peritos do quadro e com a forma de como estes agiam e eram tratados pela Ré. (cfr, art. 729.º, n.º 3, do CPC).

Por outro lado,

33.

Ao decidir que entre as partes vigorou um contrato de trabalho (e que o mesmo foi rescindido com justa causa por parte do Autor), salvo o devido respeito, decidiu mal o douto Acórdão que por isso deve ser revogado.

34.

A matéria de facto provada nos presentes autos demonstra, inequivocamente, que entre as Partes vigorou um contrato de prestação de serviços.

35. 

A tal conclusão deveria ter chegado o Tribunal a quo, sem a necessidade de se socorrer de quaisquer dos indícios normalmente apontados para a verificação de subordinação jurídica e distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.

36. 

É que a matéria provada remete, repete-se, inequivocamente, para a natureza de prestação de serviços, do contrato estabelecido entre as Partes.

37. 

Dos factos constantes dos Pontos. 10., 15. 31., 54., 63., 64., 85., 89., 90. e 91., só por si, demonstram que o acerto contratual que entre as partes vigorou é incompatível, pela sua natureza, com a pretendida relação laboral.

38. 

A obrigação retributiva, que é regular, periódica e certa – em regra, mensal – é, por isso, elemento essencial da natureza do vínculo laboral.

39. 

Ao invés, no contrato de prestação de serviços, o prestador obriga-se a obter um resultado para quem o contratou, ficando a remuneração dos serviços dependente e condicionada da sua apresentação.

40.

No caso dos autos e face à matéria provada nos pontos 10., 15., 31., 54. 63., 64., 85., 89., 90. e 91., que acima se transcreveu, deve concluir-se que a remuneração do ora Recorrido estava, efectivamente, dependente da apresentação, ou não, à Recorrente, do resultado da sua actividade de perito, variando em função do número de peritagens efectuado, dele dependendo directamente.

41.

O Recorrido era remunerado por cada uma das peritagens que realizava para a Recorrente (ou para as entidades descritas no Ponto. 55.), ou seja, por cada peritagem realizada o Recorrido recebia um determinado valor, não recebendo qualquer valor quando faltava ou quando estava de férias, (cfr. Ponto 10., 15., 54, e 90.)

42. 

Aliás, a Ré nada pagou ao recorrido, designadamente, nos meses de Agosto de 1998 a Janeiro de 1999, pelo que nos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 1998, bem como no mês de Janeiro de 1999 (Ponto 31. dos factos provados) o autor nada auferiu, por parte da Ré.

43.

Como ficou demonstrado (facto 90.), a Recorrente, nem qualquer outra das entidades para as quais o Autor realizou peritagens (descritas no ponto 90.), nunca se obrigou a solicitar ao Recorrido um determinado número de peritagens por mês ou por semana. Isto é:

44. 

A remuneração dos serviços prestados pelo Recorrido era feita em função e por cada uma das peritagens que realizava, não lhe estando assegurado um determinado número de peritagens e, consequentemente, uma remuneração mínima da sua actividade.

Existindo até períodos em que, nada lhe foi pago, porquanto nada produziu.

45.

O Recorrido não tinha, assim, qualquer expectativa (muito menos direito) a uma remuneração mínima, podendo, caso não lhe fossem distribuídas peritagens, não receber qualquer remuneração, o que aliás, aconteceu, pelo menos no período entre Agosto de 1998 e Janeiro de 1999 (seis meses!).

46.

Ora, tal sistema – acertado entre as Partes – impõe que se conclua que à Recorrente interessava, não a disponibilidade do Recorrido, mas apenas que este realizasse o número de peritagens que se mostrasse necessário, ou seja, o que interessava à Recorrente era que, havendo peritagens a realizar, o Recorrido as realizasse.

47. 

A Recorrente pretendia obter um resultado – a realização de peritagens de automóveis – sem garantir uma prestação laboral contínua.

48.

Esta forma de remuneração, acordada entre Recorrido e Recorrente desde o início da sua relação contratual – não é compatível com a natureza laboral que o Tribunal a quo, socorrendo-se – mal, como veremos, de diversos indícios, reconheceu.

49.

Decidiu o Acórdão de 28-05-2008 do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt. onde se escreve:

VI - É incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, um sistema retributivo em que a retribuição do professor varia consoante a carga horária que lhe é atribuída, sendo que esta, por seu turno, depende do número de alunos que pontualmente se inscrevessem na disciplina por ele leccionada; é que um tal sistema consente, no limite, que não haja inscrições nem, consequentemente, carga horária, logo, retribuição.

50. 

Veja-se o Acórdão de 25-03-2009, do Supremo Tribunal  de Justiça,  disponível  in www.dgsi.pt onde se escreve:

"II – Não pode qualificar-se como contrato de trabalho o negócio jurídico celebrado entre um professor e uma instituição universitária, demonstrando-se na situação sub specie que a remuneração paga variava consoante a carga horária semanal decorrente da actividade da docência, havendo, inclusivamente, períodos temporais em que, inexistindo tal carga, não veio o professor a perceber qualquer remuneração, sendo que esta era unicamente percebida em função das aulas efectivamente dadas e que o professor sabia que a carga horária que sobre si impendia poderia ser aumentada, reduzida ou excluída e, consequentemente, respectivamente aumentada, reduzida ou excluída a sua remuneração, não se tendo provado que as partes se desejaram vincular a um mínimo de leccionação e não constando dos negócios jurídicos formalizados asserções de onde decorresse uma inequívoca vontade de lhes conferir cariz laboral."

51.

Ainda neste sentido, a propósito da actividade de engenharia civil, decidiu o Acórdão de 01-10-2008, do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve:

"3. É de qualificar como de prestação de serviço o contrato assim denominado pelas partes, e de acordo com o qual o autor, que é engenheiro civil, passou a elaborar para a ré projectos de engenharia e a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de construção civil, não estando vinculado pela ré ao cumprimento de um horário de trabalho, nem submetido ao poder disciplinar da empregadora, recebendo retribuição de montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava, e nada recebendo se nada fizesse.

4. Tal sistema remuneratório, consentindo que não houvesse lugar a retribuição, se nada fizesse, é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, cujo regime pressupõe «uma necessária remuneração, ainda que seja a "mínima legalmente garantida", durante todo o período vinculístico»."

52.

Assim, o Tribunal a quo, tendo presente a matéria de facto provada em 10., 15., 31., 54., 63., 64., 85., 89. e 90. (e mesmo não considerando o Ponto 89., que o Tribunal a quo eliminou) deveria ter concluído – sem mais – e desde logo, que o contrato celebrado entre as Partes foi um verdadeiro e típico contrato de prestação de serviços.

53. 

O douto acórdão recorrido deve, pois, ser revogado e substituído por outra decisão que julgue que o contrato que ligou o Recorrido à Recorrente foi uma prestação de serviços, julgando a acção totalmente improcedente.

54.

Caso assim se não entendesse – o que só por hipótese se admite – o douto Acórdão recorrido errou ao ter por verificados indícios de subordinação suficientes para qualificar o vínculo que entre as Partes vigorou como contrato de trabalho.

55.

O douto Acórdão recorrido merece também censura quanto à valoração que fez da matéria de facto com vista à análise de indícios que pudessem concluir pela verificação de subordinação jurídica do Recorrido à Recorrente.

56. 

A factualidade provada contém numerosos e poderosos indícios no sentido de levar à conclusão de que o Recorrido, no âmbito da actividade que desenvolveu para a Recorrente, não estava sujeito a subordinação jurídica.

57. 

O Recorrido não estava sujeito a horário de trabalho.

58.

Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso – cfr. art. 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro (Regime Geral da duração do trabalho em vigor à data dos factos).

59.

A este respeito provou-se que o Recorrido, passou a deslocar-se aos locais que a Ré indicava a fim de ali fazer as peritagens, deslocando-se às instalações da Ré apenas para entregar os relatórios já efectuados e receber os pedidos de serviços. (Ponto 5. dos factos provados)

60. 

Provou-se também que o Autor realizava as peritagens às horas que queria, dentro do horário de funcionamento das oficinas e no dia em que a Ré indicava (cfr. Ponto 85.), provando-se apenas que em certos casos a Ré determinava a parte do dia ou as horas em que a peritagem deveria ser feita (Ponto 85.) ou que, aquando da distribuição de peritagens, a Ré indicava a hora a partir da qual cada peritagem podia ser realizada. (Ponto 9.)

61.

Provou-se também que o Autor, como os demais peritos em regime de prestação de serviços, só se deslocava aos escritórios da então Companhia de Seguros CC para recolher a encomenda de peritagens que lhe eram pedidas e para entregar o resultado das peritagens que já tinha realizado, podendo então utilizar uma mesa que no momento estivesse desocupada, sendo certo que, quando passou a receber a transferência electrónica de dados e informações, o A. deixou de se deslocar diariamente às instalações da Companhia. (Ponto 62.)

62.

Provou-se também que o Autor, quando passou a prestar serviços com o sistema "S...", só se deslocava aos serviços da Ré para participar em reuniões periódicas. (Ponto 86.)

63. 

Surpreendentemente, o Tribunal a quo assegura na fundamentação do douto Acórdão (cfr. pág. 37) que "... não há dúvida que a matéria de facto anteriormente mencionada se apresenta esmagadora em termos de devermos concluir pela existência de um efectivo poder de direcção da Ré em relação à actividade desenvolvida pelo Autor ao seu serviço, quanto mais não fosse em termos de aquela poder determinar os locais e momentos em que esta deveria ser realizada, o que como vimos, é suficiente para se concluir - como já o fizemos - pela existência de um contrato de trabalho entre ambas as partes. " (sublinhado no original)

64. 

Assenta então o Tribunal a quo, em última análise, a existência do contrato de trabalho, com base no que entende ser a determinação da ré quanto aos "locais" e quanto aos "momentos" em que a prestação deveria ser realizada. Todavia sem razão.

65.

Os "locais" são as oficinas, nada mais, sendo que os veículos a peritar estavam naturalmente nas oficinas. Não se vislumbra, aliás, como seria possível peritar automóveis se estes não se encontrassem em determinado local, isto é, nas oficinas.

66.

Quanto aos "momentos", o que ficou provado foi exactamente o contrário, isto é, o que ficou provado foi que (cfr. Ponto 85.) o Autor realizava as peritagens às horas que queria, dentro do horário de funcionamento das oficinas e no dia em que a Ré indicava (cfr. Ponto 85.), provando-se apenas que em certos casos a Ré determinava a parte do dia ou as horas em que a peritagem deveria ser feita (Ponto 85.) ou ainda, aquando da distribuição de peritagens, a Ré indicava a hora a partir da qual cada peritagem ponto podia ser realizada. (Ponto 9.).

67.

Tais factos comprovam exactamente, que o Autor tinha liberdade para – como consta do Ponto 85. – realizar as peritagens às horas que queria, dentro do horário de abertura das oficinas.

68. 

Do que ficou provado (cfr. Pontos.5., 9., 62., 85. e 86.) resulta que o Recorrido não estava sujeito a horário de trabalho, sendo as peritagens realizadas nas oficinas em que as viaturas se encontravam, não se vê como poderia o Recorrido realizá-las fora do seu horário de funcionamento.

69. 

Ficando provado, exactamente, que era o Recorrido que "realizava as peritagens às horas que queria", obviamente dentro do horário de funcionamento das oficinas onde se encontravam os veículos a peritar.

70.

Confundir esta factualidade com a existência de uma determinação por parte da Ré, relativamente ao "quando" (determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário!!!) – que não existia – corresponde a errada aplicação do direito aos factos.

71.

Após a realização das peritagens, o Recorrido entregava os relatórios das peritagens - tarefas essas que se incluíam nos serviços a prestar e que eram exercidas sem sujeição a qualquer restrição de horário, inclusive, em determinada altura, a partir da residência do Recorrido (factos 5. e 62.).

72. 

A aceitar-se a tese defendida pelo Recorrido e aparentemente acolhida na fundamentação do douto Acórdão recorrido, conviria perguntar qual a hora de início e qual a hora de termo do horário "definido pela ré". Ou ainda, saber qual era o período normal de trabalho acordado entre a Recorrente e o Recorrido...

73.

Com efeito, tais factos deveriam ter sido alegados e provados pelo Autor, sendo que o mesmo não só não os alegou, como não provou.

74. 

O Recorrido não estava sujeito a qualquer período normal de trabalho, como não estava, consequentemente, sujeito a qualquer horário de trabalho!

75. 

Assim, o indício em causa – inexistência de horário de trabalho – implica, isso sim, e ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, que se trata de um contrato com a natureza de prestação de serviços.

76.

0 Recorrido não tinha qualquer local de trabalho.

77.

A este propósito provou-se que o Recorrido, para executar a actividade de peritagem, visitava oficinas de automóveis, que eram os locais indicados pela Ré para que o Autor realizasse aí, a peritagem, deslocando-se às instalações da Ré apenas para entregar os relatórios já efectuados e receber os pedidos de serviços (Ponto 5.);

78. 

O Autor, bem como os demais peritos em regime de prestação de serviços, só se deslocava aos escritórios da então ‘Companhia de Seguros CC’, para recolher a encomenda das peritagens que lhe eram pedidas, e para entregar o resultado das peritagens que já tinha realizado, podendo então utilizar uma mesa que no momento estivesse desocupada, sendo certo que, quando passou a receber a transferência electrónica de dados e informações, o Autor deixou de se deslocar às instalações da Companhia (Ponto 62.);

79. 

A partir do momento em começou a utilizar o canal de transmissão "S..." (em 1998, cfr. Ponto 71.), o Autor passou a enviar os relatórios das peritagens efectuadas pelo referido meio de transmissão informático, sendo esse o único acesso que tinha ao computador da companhia (Ponto 75.);

80.

O Autor, quando passou a prestar serviço com o Sistema "S..." (1998, cfr. Ponto 71.), só se deslocava aos serviços da Ré para participar em reuniões periódicas (Ponto 86.)

81.

Assim, até 1998, o Recorrido deslocava-se às instalações da Recorrente a fim de receber a indicação do serviço a realizar e de proceder à sua entrega, sendo que, a partir de 1998 (com a utilização do canal "S...", cfr. Ponto 71.) deixou de aí ter que se deslocar para entregar e receber o serviço, porquanto o passou a fazer electronicamente.

82. 

Atenta a factualidade acima reproduzida só pode concluir-se que a actividade do Recorrido era desenvolvida, numa primeira fase (de 1993 a 1998) essencialmente nas oficinas, deslocando-se às instalações da Recorrente apenas para receber e entregar serviço e, numa segunda fase (de 1998 em diante), essencialmente nas oficinas e na própria residência do Recorrido, sendo que a partir de 1998 o Autor só se deslocava às instalações da Ré, para participar em reuniões periódicas, nada mais.

83. 

Não tinha assim, obviamente, qualquer local de trabalho, nas instalações da Recorrente, o que constitui mais um indício a favor do contrato de prestação de serviços.

84. 

A remuneração do Recorrido não dependia do tempo por ele despendido na realização das peritagens.

85. 

Como está provado, o Recorrido auferia apenas uma determinada importância por cada peritagem que efectuasse (facto 15. e 54.), pelo que era remunerado em função dos resultados obtidos, ou, como é usual dizer-se, ganhava "à peça", o que constitui uma forma de pagamento típica do contrato de prestação de serviço.

85.

Mais, ficou provado (Ponto 90.) que não existia qualquer obrigação de solicitar ao Recorrido, um número mínimo de peritagens, por mês, ou por semana, o que implica, obviamente que não existia qualquer remuneração mínima a garantir, porquanto a mesma dependia directamente do número de peritagens feitas, sendo por isso, de "zero", se nenhuma peritagem fosse feita.

86. 

É que se a remuneração é fixada em função do número de peritagens (cada peritagem a um determinado montante) – Pontos 15. e 54. – e fica à mercê desse número, e se não existe qualquer obrigação da Ré para atribuir um número mínimo de peritagens por semana, ou por mês (Ponto 90.), é evidente que, se o Autor não fizesse peritagens, nada lhe era pago, o que aconteceu, designadamente nos meses de Agosto de 1998 a Janeiro de 1999 (Ponto 31. e 33), meses aqueles em que nada lhe foi pago pela Ré.

87. 

E é o que aconteceu também nos meses ou períodos em que nenhuma peritagem realizou, por estar de férias, sendo que ficou provado que o Autor, não estava inserido no mapa de férias, ao contrário dos peritos do "quadro" (Pontos 64., 65. e 81.), mas informava a Ré quando iria de férias, para efeitos de distribuição de peritagens (Pontos 79. e 80.), sendo certo, assim, que, nesses períodos em que o Autor informava que iria estar de férias, nada lhe foi pago, como resulta do Ponto 10. dos factos provados, em que consta que a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de férias ou subsídio de férias.

88.

Na verdade, a factualidade provada (e são relevantes para este efeito designadamente os factos dos Pontos 10., 15. 31., 54., 64., 65., 79., 80. 81. e 90.), salvo o devido respeito, nunca poderia suportar a conclusão a que chega Tribunal a quo de que existiu um contrato de trabalho.

Pois,

89. 

Não havia remuneração mensal regular e certa!

90.

Não era pago nada, se não fosse feito nada!

91. 

A remuneração do Recorrido obedecia a critérios muito simples: recebia um determinado montante por cada peritagem realizada!

92. 

Se fizesse uma peritagem, recebia o valor de uma peritagem; se fizesse duas peritagens, recebia o valor de duas peritagens! E assim, sucessivamente...!

93.

Se não realizasse peritagens (como sucedia nas férias e ausências ou se não lhe fossem distribuídas), não recebia nenhum valor!

94. 

A inexistência de uma remuneração regular, melhor, a inexistência da obrigação do pagamento de qualquer remuneração (porque tal poderia suceder sempre que não fossem realizadas peritagens!) constitui mais um indício – aliás, fortíssimo – da vigência de um contrato de prestação de serviços.

95. 

O Recorrido não gozava férias remuneradas, como seria normal que gozasse se fosse trabalhador subordinado.

96.

A tal respeito ficou apenas provado que a Ré nunca pagou qualquer quantia ao Autor a título de férias ou subsídio de férias (Ponto 10.), ao contrário com o que sucedia com os peritos considerados do "quadro" que recebiam férias e subsídio de férias (Ponto 64.).

97. 

Que o Autor coordenava a marcação dos seus períodos de férias com os demais peritos avaliadores da Ré, fossem trabalhadores subordinados ou não (Ponto 38.), mas que não estava inserido no mapa de férias (Pontos 65. e 81.), ao contrário dos peritos do quadro, que estavam inseridos no mapa de férias (Ponto 64.).

98. 

Mais ficou provado, que era aos coordenadores que os peritos prestadores de serviço, como o Autor, informavam quando iam de férias (Ponto 79.), sendo certo que tal informação só era dada para efeitos de distribuição de peritagens (Ponto 80.).

99. 

Pode, pois, concluir-se que o Recorrido não tinha qualquer período determinado de férias e que o agendamento das suas "férias" se devia à necessidade de saber a quem poderiam, ou não, ser distribuídas as peritagens em determinado dia, sendo que a informação que o Autor dava, ao informar os dias em que estaria de férias, era justamente para efeitos de distribuição de peritagens (Ponto 80).

100.

Ou seja, quando queria fazer férias o Recorrido comunicava com antecedência à Ré, procurando-se conciliar os interesses do Recorrido e dos outros peritos, de modo a que fosse obtido um consenso entre todos com vista a evitar prejuízos para o normal funcionamento do serviço de peritagens, o que significa que o Recorrido não estava sujeito ao regime de férias dos trabalhadores subordinados, constituindo, este, mais um indício da vigência de um contrato de prestação de serviço.

101.

O Autor não alegou nem provou, que tivesse que justificar faltas, sendo esta "não prova" mais um indício de inexistência de vínculo laboral.

102.

O Recorrido nunca recebeu subsídios de férias nem de Natal,

103.

Estava colectado nas Finanças como trabalhador independente, pois emitia recibos verdes, dando quitação por meio destes.

104.

A Recorrente nunca pagou ao Recorrido subsídio de férias, férias, nem subsídio de Natal (facto 10.).

105.

O Recorrido não provou que entre 1993 e até à data das cartas enviadas em 2003 (referidas nos pontos 18., 41. e 43.), portanto durante 10 anos, tivesse alguma vez reclamado o gozo de 22 dias úteis de férias, a retribuição de férias, o subsídio de férias, o subsídio de Natal, as diuturnidades e o subsídio de almoço, reclamações essas que (e só em parte) fez em 2003, mais de 10 anos de duração da prestação de serviços, e já com o intuito de terminar essa prestação!

106.

Aliás, a actuação do Recorrido, se tivesse um contrato de trabalho – e não tinha – não poderia deixar de revelar abuso de direito, porquanto durante 10 anos sempre actuou e se comportou como se tivesse uma prestação de serviços! E só veio a reclamar, o que reclama nos presentes autos, em 2003, ano este em que decidiu terminar a prestação!

107.

Tais factos, entre outros que ficaram provados, também apontam no sentido do contrato de prestação de serviços.

108.

O Recorrido não estava integrado na organização produtiva da Recorrente.

109.

De facto, o Recorrido não provou que tivesse que justificar ausências, não tinha qualquer horário de trabalho, não tinha qualquer espaço físico nas instalações da Recorrente (quer antes de 1998, quer depois), não tinha assim local de trabalho; não estava inserido no mapa de férias; não tinha um cartão de trabalhador (ao contrário dos trabalhadores do quadro, que tinham - cfr. Pontos 87. e 88.); o envio de relatórios informaticamente e a recepção de pedidos de peritagem eram a única forma de acesso ao computador de Ré (Ponto 74.); não tinha acesso ao sistema informático da Ré nem das outras entidades, descritas no Ponto 75; não dispondo de password de acesso e de número de utilizador (ao contrário dos trabalhadores do quadro, cfr. Ponto 76.); o Autor utilizava uma viatura própria, suportando todas as despesas com a mesma (Ponto 12.), ao contrário dos peritos do quadro (que utilizavam viaturas cedidas pela Companhia, sendo-lhes pagas as despesas inerentes utilização das mesmas - cfr. Ponto 63.); o Autor era pago "à peça" não lhe sendo assegurada qualquer quantia mínima, pois não lhe era assegurado também qualquer número mínimo de peritagens, nada recebendo se nada fizesse (pontos.10., 15., 54., 31., 90.), ao contrário dos peritos considerados do "quadro", que auferiam uma remuneração mensal fixa (Ponto 63.).

110.

O Recorrido, nas suas deslocações, utilizava viatura própria nas deslocações para executar a sua actividade de perito, suportando as despesas com a viatura (facto 12.), enquanto os peritos do quadro utilizavam viatura fornecida pela Recorrente, suportando esta as quantias referentes a despesas inerentes à utilização das mesmas (designadamente reparações, revisões e seguros) e posteriormente passaram a utilizar viatura própria adquirida por meio de empréstimos, com condições especiais proporcionadas pela ré, passando a receber também os valores de deslocação e quilometragem (Ponto 63.)

111.

A matéria de facto que se acaba de transcrever, no contexto da demais matéria que acima também se transcreveu, demonstra, com clareza, que o Recorrido não estava, efectivamente, integrado na organização produtiva da Recorrente, o que constitui mais um indício no sentido do contrato de prestação de serviços.

112.

Por outro lado, o facto de o Recorrido receber a informação sobre os veículos a peritar, de se deslocar às oficinas dentro do horário de funcionamento das mesmas, de ter recebido formação do "JJ", não constituem qualquer indício de subordinação jurídica, pois não corresponde a qualquer ordem em sentido jurídico-laboral, limitando-se a Recorrente a informar o Recorrido de quais eram os serviços que pretendia que lhe fossem prestados.

113.

Por outro lado ainda, quanto à matéria descrita designadamente nos pontos. 6., 7., 8., 9., 11., 17., 19., 20., 24., 31., 37., 38., 82., 83., 84., a verdade é que tais factos se integram, plenamente, na relação entre mandante e mandatário que se aplica ao contrato de prestação de serviços, conforme decorre expressamente dos artigos 1161.º e 1156.º do Código Civil.

De facto, as instruções e tarefas (que em nenhum local se concretizam quais eram), o controle de qualidade feito pela Ré (para controlar os serviços prestados pelo oficina, no âmbito da reparação - cfr. Ponto 63.), bem como a intervenção da Ré na ordem de reparação, nada tem a ver com a peritagem (e tanto assim é que a Ré intervinha na ordem de reparação se o valor da mesma fosse superior a certa quantia, mas a Ré não assinava a peritagem - cfr. Ponto 84.); tal matéria nada tem a ver com ordens ou com a organização da actividade desenvolvida pelo Recorrido, mas sim com o controlo do resultado final da actividade e com o poder de dar instruções que no contrato de prestação de serviços constituem uma prerrogativa do mandante.

114.

No que respeita à utilização de equipamentos fornecidos pela Recorrente e à formação respeitante aos mesmos (factos 17., 45., 66., 61. a 74., 77. e 78.) importa ter presente que os equipamentos informáticos, incluindo o programa ‘JJ’, são equipamentos indispensáveis e característicos da actividade de peritagem de danos em veículos automóveis.

115. 

Com efeito, este último software foi especialmente concebido para ser utilizado nas peritagens do ramo automóvel e facilitava o trabalho dos peritos tornando-o mais objectivo e credível por ali estarem indicados os preços das peças e os tempos previstos para a sua substituição. Por outro lado, e relativamente aos demais equipamentos, importa ter presente que nada impede que o prestador de serviços utilize equipamentos fornecidos por quem o contrata, sendo certo que tal sucede frequentemente, sem que isso altere a natureza do vínculo contratual estabelecido.

116.

Por fim, quanto à exclusividade, importa sublinhar que não ficou provado que o Autor prestasse serviços em regime de exclusividade, facto aliás, que também (a provar-se, e não provou) não alteraria a natureza do contrato, prestação de serviços, tendo aliás ficado provado (cfr. Ponto 61., que o Tribunal a quo decidiu eliminar) que alguns peritos avaliadores prestavam serviços para outra empresas e seguradoras.

117.

De tudo o que acaba de se expor decorre que, efectivamente, se houvesse necessidade de o Tribunal se socorrer do método indiciário (caso alguns dos factos que estão provados não levassem - e levam - à conclusão imediata de que existia uma prestação de serviços, como é o caso do pagamento ser feito ""à peça" e a não existência de remuneração mínima garantida, bem como existência de períodos em que nada foi pago, porquanto nada foi feito), teria o Tribunal a quo que chegar à conclusão de que, apreciados todos os factos provados, entre as Partes vigorou um verdadeiro contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.

118.

Veja-se o douto Acórdão de 28-06-2006, do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt, onde, a propósito também de um caso de perito de danos em automóveis, se escreve:

"Não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço, aquele que tem por objecto a realização de peritagens relacionadas com a sinistralidade automóvel, em que o trabalhador está colectado nas finanças como trabalhador independente e exerce a sua actividade sem estar sujeito a horário de trabalho, sem ter um local de trabalho nas instalações das rés (seguradoras), sem ter uma retribuição fixada em função do tempo por ele despendido na realização das peritagens, auferindo apenas uma determinada importância por cada peritagem realizada, da qual dá quitação através dos chamados "recibos verdes", sem gozar férias remuneradas, sem receber os subsídios de férias e de Natal."

119.

No mesmo sentido, decidiu o Acórdão de 17-05-2007, do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve:

‘IV - É de qualificar como de prestação de serviços o contrato no âmbito do qual o Autor, ao serviço da Ré, procedeu, ao longo de seis anos, a peritagens de avaliação de danos em veículos automóveis, utilizando, em regra, material de escritório e equipamento informático pertencente à Ré, disponível nas instalações desta, num quadro em que: a retribuição foi estabelecida, em quantia certa, para cada peritagem, sendo os pagamentos efectuados mensalmente, em função do número peritagens, contra a emissão de "recibos verdes"; o Autor não estava sujeito ao cumprimento de horários estabelecidos pela Ré, nem a qualquer controlo de assiduidade ou absentismo, nem a justificar ausências do serviço; apenas comparecia nas instalações da Ré o tempo indispensável para receber as encomendas e entregar os relatórios – embora a tal não fosse obrigado, pois, se quisesse, podia fazê-lo, por fax ou utilizando meios informáticos; não estava obrigado a aceitar realizar todas as peritagens encomendadas, pois, caso não tivesse disponibilidade, bastava-lhe, sem necessidade de apresentar justificação, avisar a Ré, que procurava outros peritos; marcava as suas próprias férias, avisando, com antecedência, a Ré, sem necessidade de aprovação por parte desta; utilizava viatura própria nas deslocações em serviço, suportando as respectivas despesas; e, durante a execução do contrato, nunca auferiu retribuição nas férias, subsídio de férias e de Natal sem que, naquele período de seis anos, o Autor houvesse revelado sinais de inconformismo perante tal situação’.

120.

Ainda no mesmo sentido, decidiu o Acórdão de 24-09-2008, do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve:

"IV - Os factos reveladores da existência do contrato de trabalho apresentam-se como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, pelo que o ónus da prova incumbe a quem os invoca (artigo 342.º, n. º 1, do Código Civil).

V - Não é de qualificar como de trabalho subordinado a relação jurídica que vigorou entre o autor e a ré, empresa de seguros, durante mais de seis anos, nos termos da qual competia àquele elaborar peritagens de veículos acidentados para a ré, deslocando-se, para o efeito, diariamente às instalações desta, onde, normalmente, permanecia entre as 8.45h e as 10.00h, recebendo a documentação necessária à realização de peritagens e entregando relatórios de peritagens realizadas no dia anterior, sendo pago em função de cada peritagem, mediante quitação em recibos de "honorários de peritagens " ou em "recibos verdes " e não recebendo retribuição de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, sendo que o autor escolhia o número de dias em que pretendia gozar férias, avisando previamente a ré para que ela não contasse com o seu trabalho."

121.

Assim, o Tribunal a quo, tendo presente a matéria de facto provada, e sem tivesse que recorrer ao método indiciário, deveria ter concluído que o contrato celebrado entre as Partes foi um verdadeiro e típico contrato de prestação de serviços.

122.

Ao não o fazer, o douto Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outra decisão que julgue a acção improcedente, decidindo que entre as partes não existiu um vínculo laboral, pelo que o Autor não tem direito aos créditos que vem pedir na presente acção.

123.

Não estando o A. ligado à Ré por contrato de trabalho, como não estava, nenhum direito lhe assistia a título de férias, subsídios de férias, indemnização por não gozo de férias e subsídios de Natal.

124.

Como também, não se tratando de contrato de trabalho, desde logo também não tem fundamento o pedido que formula, ao invocar que rescindiu o contrato com invocação de justa causa, também nada tendo direito a este título.

125.

Mesmo que se tratasse de um contrato de trabalho – e não tratava! – ainda assim jamais existiria justa causa por parte do Recorrido para rescindir o contrato, pelo que, mesmo que se venha a decidir, em sede de recurso, que o contrato em causa era um contrato de trabalho, ainda assim também deverá revogar-se a douta sentença na parte em que decidiu que existe justa causa por parte do perito, para rescindir o contrato em causa.

126.

A Ré não estava obrigada a solicitar ao Autor qualquer número mínimo ou máximo de peritagens, podendo até não lhe solicitar peritagem nenhuma, por isso mesmo o Autor era pago "à peça", dependendo essa solicitação unicamente de uma decisão de gestão, sendo a Ré totalmente livre de solicitar as peritagens que quisesse aos peritos que entendesse solicitar.

127.

Mesmo que existisse qualquer contrato de trabalho – o que nem por hipótese se coloca! – mesmo assim nunca teria existido qualquer fundamento para justa causa para a sua rescisão, o que veementemente se rejeita, sendo certo que o Autor rescindiu a sua ligação de prestador de serviços à Ré porque pura e simplesmente deixou de estar nisso interessado, pois passou a prestar serviços para a "FF" (Ponto 92.).

128.

Do facto provado no Ponto 28. não resulta que o Autor (se tivesse um contrato de trabalho - e não tinha) sofreu um acidente de trabalho, facto este aliás que só poderia ser apurado e decidido em sede de processo especial de acidente de trabalho.

129.

Dos factos referidos designadamente nos Pontos 34., 35., 39., 40., 41., 42., 43. e 44. - mesmo que as partes tivessem um contrato de trabalho, e não tinham - não resulta a existência de justa causa, por parte do perito para a rescisão do mesmo, sendo certo que não ficou demonstrado qualquer comportamento culposo por parte da Ré e era ao Autor que caberia prová-lo.

130.

Ao não existir justa causa, também o douto Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outra decisão que também absolva no pedido de indemnização.

131.

Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido, designadamente, o disposto nos arts. 342.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, bem como no art. 1.º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), e no art. 34.º e seguintes do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro de 1989 (LCCT), tendo violado ainda o disposto no art. 712.º do CPC.

Termina perorando que se conceda provimento ao presente recurso, devendo o douto Acórdão ser revogado e substituído por outra decisão judicial que revogue a decisão de eliminação da matéria vertida nos pontos 57., 58., 61., 88., e 89. e, determinando a reposição desta matéria, absolva a Recorrente de todos os pedidos.

O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado, com a consequente improcedência do recurso.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da inexistência de um contrato de trabalho, ficando por isso prejudicada a apreciação da justa causa de resolução desse mesmo contrato.

Notificado tal Parecer às partes, não foi oferecida qualquer resposta.

Colheram-se os vistos legais.

Cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                           __

                                           II –

A – O ‘thema decidendum’.

Como deflui da compulsação das desenvolvidas asserções conclusivas que rematam a alegação do recurso – por onde se afere, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação – são estas as questões colocadas:

- Da eliminação, pelo Tribunal da Relação, de matéria de facto;

- Da natureza jurídica da relação contratual estabelecida entre os litigantes: contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço;

- Concluindo-se pela sua qualificação como uma relação juslaboral, dilucidação e resolução acerca da justa causa invocada para a resolução do contrato por banda do A.

                                           __

B – Dos Fundamentos.

B.1 – De Facto.

Vem seleccionada a seguinte factualidade:

1. O A., desde Julho de 1993, que presta a sua actividade para a R., então designada apenas por “C.ª de Seguros CC S.A.”.

2. Exercendo as funções próprias de avaliador perito de sinistro automóvel.

3. As quais se traduziam, nomeadamente, na análise das viaturas automóveis e motorizadas sinistradas, enumerando e fotografando os danos que as mesmas registavam.

4. E posteriormente deveria orçamentar a reparação, detalhando o conteúdo da mesma.

5. A partir de então, o A. passou a deslocar-se aos locais que a R. indicava, a fim de ali fazer as peritagens, deslocando-se às instalações da R. apenas para entregar os relatórios já efectuados e receber os pedidos de serviços.

6. O A. participava em algumas reuniões de trabalho com o grupo de peritos avaliadores da R.

7. Era a R. quem determinava todas e cada uma das tarefas que o A. deveria realizar; era a R. quem tomava todas as decisões relativas à aceitação ou não dos sinistros, das respectivas peritagens, do momento da sua realização; era também a R. que determinava qual o perito que as faria, de acordo com a divisão territorial.

8. A R., com o objectivo de fomentar o aperfeiçoamento profissional do A., visando que este correspondesse de forma cabal às expectativas, promoveu a sua participação em acção de formação na ferramenta de cálculo “JJ”.

9. Aquando da distribuição de peritagens ao A., a R. indicava a hora a partir da qual cada peritagem podia ser realizada.

10. A R. nunca pagou qualquer quantia ao A. a título de férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal.

11. Ao A. cabia executar as tarefas que lhe eram determinadas, não tendo qualquer participação e/ou autonomia no que concerne à escolha do dia em que a peritagem era executada, nem ao valor que a R., eventualmente, cobrasse a terceiros.

12. O A. suportava todas as despesas relativas à sua viatura, nomeadamente nas deslocações que fazia às oficinas onde efectuava as peritagens que lhe eram distribuídas pela R.

13. Foi exigido ao A. a passagem de recibos verdes, tendo ele que suportar a Segurança Social.

14. A R., até 2001, não apresentou qualquer contrato escrito ao A.

15. Ao A. sempre foram pagas as quantias determinadas pela R., as quais não eram passíveis de acordo, em função do número de peritagens.

16. O A. auferia mensalmente da R. um valor médio mensal de € 2.622,87, pago todos os meses, como contrapartida da actividade que para aquela prestava ([1]).

17. Além deste montante, a partir de 1998 a R. passou a pagar ao A. a despesa por este suportada com a assinatura da linha telefónica.

18. A R., com data de 24 de Novembro de 2003, escreveu e enviou ao A. a carta que se mostra junta a fls. 157.

19. Ao A. começou por ser pedido para efectuar peritagens para a ‘C.ª de Seguros CC’, aqui R; esta situação manteve-se até o ano de 1998; por força das alterações internas decorridas neste mesmo ano, a R. impôs ao A. que também efectuasse peritagens para a ‘EE’ e para a ‘DD’, sociedades pertencentes ao grupo FF.

20. As tarefas executadas pelo A. em relação a todas estas empresas decorriam de igual forma.

21. A R., à semelhança de outras empresas, procurou reunir sinergias, reduzir custos, criando estruturas que dessem resposta às necessidades das empresas.

22. A ‘Companhia de Seguros CC’ veio, em 2001, a fundir-se com a ‘Cª de Seguros GG’.

23. O A. continuou a receber as declarações para efeitos de IRS das várias seguradoras que lhe solicitavam as peritagens.

24. O A. sempre efectuou as peritagens que lhe eram solicitadas pelas várias seguradoras pertencentes ao grupo FF, no qual a R. também se integrava.

25. A R. pretendeu que o A., em 3 de Dezembro de 2001, subscrevesse um acordo escrito, que denominou “Contrato de Prestação de Serviços”, em que o A. se colocava obrigado com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2002, perante as empresas “AA – Companhia de Seguros, S.A.”, todas com sede social sita na Av. ..., n.º …, em Lisboa.

26. O A., através do citado acordo, entre outras, deveria «obrigar-‑se a celebrar e a manter em vigor, durante a vigência deste contrato, um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, que garanta as prestações definidas na lei».

27. A R. apresentou este contrato de prestação de serviços, que o A. se recusou a subscrever, em Dezembro de 2001, cujos efeitos pretendia efectivar a partir de 01/01/2002.

28. O A., em 13 de Agosto de 1998, por volta das 16 horas, teve um acidente derivado de uma queda nas instalações da “...”, sitas no ..., tendo partido a perna direita; estava naquele dia e hora a efectuar uma peritagem para a ‘C.ª de Seguros CC’.

29. O A. foi levado para o Hospital do Barreiro, onde esteve internado durante 4 dias (uma vez que havia uma greve de médicos), foi transferido para o Hospital Particular (CUF), onde foi operado, tendo suportado todas as despesas em consultas, a cirurgia, hospitalização, tratamentos de fisioterapia, deslocações em ambulâncias, entre outros, e que cifra em € 5.705,53 (PTE 1.143.856$00).

30. A R. não contratou qualquer seguro de acidentes de trabalho para o A.

31. Entre Agosto de 1998 e Janeiro de 1999, o A. não auferiu da parte da R. qualquer quantia monetária.

32. Até ao momento, a R. não suportou qualquer despesa que o A. tenha pago relativamente ao referido acidente de que foi vítima.

33. O A., após a alta, continuou a executar, com normalidade, as tarefas que vinha anteriormente desempenhando para a R.

34. A partir de Maio de 2003, sem sinal de redução do volume de trabalho, a R. reduziu o número de peritagens atribuídas ao A., que até ao momento rondava uma média de 5-6 peritagens diárias.

35. Naquela data, na zona em que o A. efectuava peritagens – Zona Sul –, permaneciam os três peritos, incluindo o A., que vinham ali efectuando tal actividade, sendo que apenas ao A. foi imposta a referida redução de peritagens.

36. Antes de iniciar a sua colaboração com a R., o A. trabalhava por conta de outrem há vários anos numa outra empresa (‘S..., S.A.’) onde exercia as funções de orçamentista e chefe de secção de bate-chapa.

37. Recebia ordens da R., que eram transmitidas pessoalmente ao A. nas instalações da R., quer verbalmente, quer através de instruções escritas e não assinadas, tendo reportado a vários chefes, tais como os Srs. HH, II ([2]).

38. O A. coordenava a marcação dos seus períodos de férias com os demais peritos avaliadores da R., fossem trabalhadores subordinados desta ou não.

39. A R. colocou um outro perito a efectuar parte das peritagens que antes caberiam ao A., o qual acumulava ao seu trabalho normal o decorrente da substituição no período de férias do colega da margem sul do aqui A.

40. A R., em Agosto de 2003, colocou o A. numa situação de total inactividade, não lhe atribuindo desde então qualquer peritagem para efectuar.

41. O A., através da sua advogada, enviou à R., que recebeu, as cartas cujas cópias estão juntas a fls. 134 e 137, dando-se aqui por integralmente reproduzidos os respectivos conteúdos…

42. …Missivas essas que mereceram da Ré as respostas que se mostram juntas a fls. 140-143, respectivamente, dando-se igualmente por reproduzido o seu teor.

43. Com data de 21 de Outubro de 2003, o A. subscreveu e enviou à R. a carta que está junta a fls. 145, na qual, além do mais, declara «rescindir com justa causa o meu contrato de trabalho, com efeitos imediatos».

44. A R., em resposta a esta carta, veio, aos 4 dias de Novembro de 2003, mais uma vez, negar a existência da relação contratual e da correspondente subordinação jurídica.

45. O A., em 25 de Junho de 2002, procedeu à entrega à R. do material descrito na «ficha de entrega de equipamento» junta a fls. 92, material esse da propriedade da R. e que lhe estava distribuído para o exercício das suas funções como perito.

46. Foi o A. que, no seu próprio interesse, manifestou interesse em começar a fazer peritagens para a então ‘Companhia de Seguros CC’.

47. A R. ‘AA – Companhia de Seguros, S.A.’ é, como aliás a ‘Companhia de Seguros CC’ também era, uma companhia de seguros que se dedica a todos os ramos da actividade seguradora, no âmbito da qual é exercida uma actividade de peritagem…

48. …Tendo, para esse efeito, sido criado pela ‘Companhia de Seguros CC’ e também pela ora R., um grupo de peritos integrados nos quadros da Empresa, como seus trabalhadores.

49. E um outro grupo de peritos que prestam os seus serviços à R. através do regime apelidado de «recibos verdes».

50. Este modelo é aquele seguido pela maior parte das companhias de seguros portuguesas.

51. Sendo certo até que, presentemente, a maior parte das companhias de seguros, ao nível da União Europeia, está a evoluir no sentido de as avaliações passarem a ser feitas sempre por terceiras entidades, através de contratos de prestação de serviços.

52. É essa a política seguida e mantida pela ora R., e que se comprova desde logo pelo confronto entre, por um lado, o número de peritos que realizam efectivamente peritagens, e que estão ligados à R. por contrato  de trabalho, e que é de apenas  3, e por outro lado, o número de peritos que realizam peritagens no âmbito de prestação de serviços, como profissionais liberais, número este que é superior a 70.

53. O A. foi contratado pela então ‘Companhia de Seguros CC’ numa época em que esta desenvolvia já a actividade de peritagem, em avaliações, através dos dois grupos supra referidos.

54. Os serviços prestados pelo A. eram remunerados de acordo com uma tabela de honorários e dependia do número de peritagens realizadas.

55. O A. prestou a sua actividade como perito não só à ora R. mas também à ‘DD – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.’, e à ‘EE – Companhia de Seguros, S.A.’, sendo que cada uma destas sociedades suportava a remuneração dos serviços respectivos que lhe tivessem sido prestados pelo A.

56. Corriam por conta do A. todas as despesas que o mesmo tivesse que suportar com a actividade que prestava para a R.

57. O A. sabia que era considerado pela R. um prestador de serviços e que era nessa qualidade que a ‘Companhia de Seguros CC’ e posteriormente a ora R. o contratou e o manteve na mesma situação ([3]).

58. Se, ao invés, tivesse sido contratado como trabalhador subordinado daquelas sociedades, teria a categoria profissional de perito auto, estando sujeito às tabelas salariais em vigor, auferindo o vencimento mensal previsto na respectiva tabela salarial, inferior àquele que em média recebia mensalmente no âmbito da prestação de serviços ([4]).

59. A ‘Companhia de Seguros CC’ e a ora R. nunca teriam acordado em pagar ao A. as quantias que lhe pagaram individualmente por cada peritagem feita se o A. prestasse serviço como trabalhador.

60. No desenvolvimento do contrato de prestação de serviços, quer com a ‘Companhia de Seguros CC’, quer com a ora R., com a ‘DD – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., e EE – Companhia de Seguros, S.A.’, o A. emitiu ‘recibos verdes’ passados àquelas sociedades, que por sua vez emitiram as respectivas declarações.

61. Alguns dos peritos avaliadores da R., que exercem actividade fora da área metropolitana de Lisboa, prestavam, e prestam também, actividade profissional para outras seguradoras ou para outras empresas ([5]).

62. O A., como os demais peritos em regime de prestação de serviços, só se deslocava aos escritórios da então ‘Companhia de Seguros CC’ para recolher a encomenda das peritagens que lhe eram pedidas, e para entregar o resultado das peritagens que já tinha realizado, podendo então utilizar um mesa que no momento estivesse desocupada, sendo certo que, quando passou a receber a transferência electrónica de dados e informações, o A. deixou de se deslocar diariamente às instalações da Companhia.

63. Os peritos que eram considerados “do quadro” tinham uma remuneração mensal fixa e utilizavam viaturas cedidas pela Companhia, sendo-lhes pagas as despesas inerentes à utilização das mesmas, designadamente, revisões, reparações e seguros, e posteriormente passaram a utilizar viatura própria, adquirida por meio de empréstimos com condições especiais proporcionadas pela R., passando a receber também o valor das despesas de deslocação e de quilometragem.

64. Os referidos peritos “do quadro” recebiam subsídios de Natal e de férias e marcavam os respectivos períodos de férias junto do perito chefe ou coordenador e constavam do mapa de férias.

65. O A. – como aliás os restantes peritos considerados “prestadores de serviço” ou “tarefeiros” – não constava do mapa de férias.

66. A partir de certa altura foi fornecido ao A., e vários outros peritos, um computador portátil, com software para a execução de peritagens.

67. O A. e outros peritos receberem o computador e as instruções sobre o software, que se denomina “JJ”.

68. O “JJ” – que é um sistema de orçamentação, que informa aquilo que cada fabricante recomenda, gozando de credibilidade junto das oficinas de reparação automóvel, dos rent-a-car e das seguradoras – permite a elaboração do relatório da peritagem na oficina reparadora onde o veículo é vistoriado, mediante a introdução de dados, efectuando automatica-mente os cálculos dos preços das peças a substituir e da mão- ‑de-obra necessária para efectuar a reparação, sendo actualmente utilizado pela maioria das seguradoras, peritos e oficinas reparadoras.

69. O “JJ” é um sistema criado por uma Empresa chamada “JJ”, perfeitamente alheia e exterior ao Grupo a que a R. pertence e é presentemente utilizado praticamente por todas as seguradoras europeias que efectuam peritagens e por todos os peritos que realizam peritagens, quer sejam trabalhadores de qualquer seguradora, quer sejam prestadores de serviços, consubstanciando, sim, um programa de auxílio que se vem tornando essencial à realização das próprias peritagens (sua credibilização e aceitação generalizada) independentemente de estas serem feitas por peritos prestadores de serviços ou por peritos trabalhadores.

70. O A (como todos os peritos prestadores de serviços ou trabalhadores) utilizava o programa informático de avaliações “JJ”, por ser esse programa de orçamentação utilizado e aceite pela R. e demais seguradoras do ‘Grupo FF’ (bem como por quase todas as seguradoras e peritos, ao nível Europeu), facilitando-se assim a regularização do sinistro, sendo esse programa, tal como o computador portátil, fornecidos pela R. apenas por razões que se prendem com a celeridade e credibilidade (generalizada) na resolução dos sinistros.

71. O referido “JJ”, associado a um esquema ou canal de transmissão electrónico denominado “S...” (que passou a ser utilizado em 1998) possibilitava o envio do relatório da peritagem por via informática para o computador da seguradora;

72. Permitia ao A. não só enviar informaticamente os relatórios das peritagens para a R., ‘DD’ e ‘EE’ (sem ter que se deslocar às instalações destas), como também permitia a recepção pelo A., por transmissão informática, das marcações de peritagens, que lhe eram comunicadas por aquelas (sem ter que se deslocar às instalações destas), sendo que se o envio informático falhasse, aquelas enviariam a mesma informação para um número de fax indicado pelo perito, que poderia ser o do escritório ou morada deste.

73. E no caso de oficinas recomendadas (e utilizadoras do canal de comunicação “S...”), a R., a ‘DD’ e ‘EE’ poderiam enviar o pedido de peritagem à própria oficina, pela qual o perito passaria e realizaria a peritagem, cujo relatório era enviado directamente da oficina para aquelas.

74. A partir do momento em que passou a utilizar o canal de transmissão “S...”, o A. passou a enviar os relatórios das peritagens efectuadas pelo referido meio de transmissão informático, sendo esse o único acesso que tinha ao computador da companhia.

75. O A. não tinha acesso ao sistema informático da R., nem da ‘DD’ nem da ‘EE’ ou de outras companhias de seguro do Grupo, não dispondo de “password” de acesso e de número de utilizador, elementos estes que são fornecidos a todos os funcionários dos quadros das companhias de seguro do Grupo.

76. Em 1998 o ‘Grupo FF’ decidiu criar a ‘KK – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.’, como gestora dos sinistros de todas as seguradoras do Grupo, designadamente e inicialmente a “CC”, a “DD”, a “EE” e a “LL Seguros”, sendo que em 2000 o mesmo sucedeu relativamente à “GG” com a integração desta no mesmo Grupo.

77. As peritagens para qualquer das referidas companhias passaram a ser pedidas pela ‘KK’ (apenas como gestora) aos peritos, sendo efectuadas no sistema informático referido (“JJ”) e enviadas para as mesmas, sendo o respectivo pagamento feito directamente por cada uma das companhias após a elaboração de listagens pela “KK” e mediante a emissão dos respectivos “recibos verdes”, no caso dos peritos que, como o A., eram considerados “prestadores de serviços” ou ”tarefeiros”.

78. O computador que o A. utilizava, para o sistema “JJ”, exigia uma comunicação telefónica, cujos pagamentos passaram a só ser feitos pela R., mediante apresentação do respectivo recibo verde, com referência “Adiantamento para pagamento de despesas por conta e em nome do cliente”, sendo que o A. não apresentou o recibo verde respectivo.

79. Era aos coordenadores que os peritos prestadores de serviço, como o A., informavam quando iam de férias…

80. …Informação que era dada para efeito de distribuição de peritagens.

81. Os peritos, como o A., não eram integrados no mapa de férias.

82. A R. intervinha na ordem de reparação a partir de certo montante, nomeadamente quando o valor da reparação era superior ao valor de venda.

83. A R. fazia o controlo de qualidade – feito pelo “Departamento do Controlo de Qualidade” –, visando essencialmente verificar os serviços prestados pelas oficinas e se os orçamentos estão em sintonia com os danos apresentados.

84. Se o valor de reparação fosse superior a € 3.500,00 (Esc. 750.00$00), ou se o valor de reparação fosse superior ao valor de venda, seria necessário que o coordenador da R. desse a concordância à reparação, mas não assinava a peritagem.

85. O A. realizava as peritagens às horas que queria, dentro do horário de abertura das oficinas e no dia em que a R. indicava, sendo que em certos casos a R. determinava a parte do dia ou as horas em que a peritagem deveria ser feita.

86. O A., quando passou a prestar serviço com o sistema “S...” supra referido, só se deslocava aos serviços da R. para participar em reuniões periódicas, cuja finalidade era essencialmente a análise de resultados, apreciação do desempenho de cada um e a definição de objectivos colectivos.

87. O A. não tinha um cartão de trabalhador da R., ao contrário dos peritos pertencentes ao “quadro”, que o tinham.

88. Os cartões que identificam os trabalhadores da R. têm o respectivo número de trabalhador ([6]).

89. No âmbito da prestação de serviços para a R., ‘DD’ e ‘EE’, e por acordo com estas, os honorários fixados passaram a ser calculados para cobrir também as despesas feitas com a actividade profissional ([7]).

90. Em momento algum a ‘Companhia de Seguros CC’, ou a ora R., ou a ‘DD’, ou a ‘EE’ se obrigaram a solicitar ao A. determinado número de peritagens por mês ou por semana.

91. A necessidade que a R., e demais entidades, tinham e têm de solicitar peritagens aos peritos tem, desde logo, como pressuposto a ocorrência de acidentes, que podem ocorrer em maior ou menor número.

92. O A. está presentemente a prestar a sua actividade como perito, para a empresa “FF”.

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B.2 – Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

B.2.1 – A primeira questão:

Da eliminação, pelo Tribunal recorrido, de matéria de facto tida por conclusiva, hipotética e irrelevante.

Insurge-se a Recorrente, antes de mais, 'ut' conclusões 1. a 32., contra a decisão (no Acórdão recorrido) de eliminar a matéria de facto constante dos pontos 57., 58., 61., 88. e 89. dos factos dados como provados no elenco estabelecido na sentença da 1.ª Instância, por entender que a matéria plasmada no primeiro (57.) é ‘conclusiva’, a vertida no segundo (58.) é ‘meramente hipotética’ e a demais (a plasmada nos restantes pontos 61., 88. e 89.) é ‘completamente irrelevante para a decisão dos presentes autos’.

Na sua perspectiva, toda essa matéria é muito importante para a discussão aberta no processo, em que a questão primordial é precisamente a de decidir se existiu ou não entre as partes um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço.

E pretende-se a revogação desse segmento decisório, no entendimento de que tal decisão não só não foi proferida no âmbito do disposto nos n.ºs 1 a 5 do art. 712.º do C.P.C. – sendo por isso possível interpor recurso sobre a mesma, 'ut' n.º 6 da norma, a contrario sensu, por um lado – mas também porque, por outro, se tratará de uma situação de ampliação/‘reposição’ da matéria de facto que foi eliminada, convocando para o efeito o disposto o art. 729.º/3 do C.P.C.

Vejamos, pois.

Na deliberação em crise, dispondo, no âmbito da reapreciação da matéria de facto, sobre estes pontos, considerou-se (transcrevemos):

…’Para além disto, na medida em que se trata de matéria meramente conclusiva uma e meramente hipotética a outra, decide-se eliminar, respectivamente, a que consta dos pontos 57. e 58.

Por outro lado, por se tratar de matéria completamente irrelevante para a decisão deste pleito, decide-se eliminar a que consta dos pontos 61., 88. e 89’.

Como se constata, o acima decidido não encontra respaldo no âmbito de intervenção do Tribunal da Relação em sede de modificabilidade da matéria de facto, acautelada nos termos previstos no art. 712.º do C.P.C., previsão que aliás se não invocou para o respectivo efeito.

Para serem eliminados tais pontos do elenco respectivo, como se decidiu, (…entendido tratar-se de matéria conclusiva, hipotética e irrelevante para a decisão do pleito), pressupôs-se poder fazê-lo, seguramente – …embora o fundamento não conste, como se disse – nos limites da hipótese constante do n.º 4 do art. 646.º do C.P.C.

No que tange à possibilidade de intervenção censória deste Supremo Tribunal relativamente à decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, é sabido que são restritos e excepcionais os seus poderes.

Aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, sendo que a decisão proferida por aquele quanto à matéria de facto não pode, por regra, ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722.º, como prescreve o art. 729.º([8]) nos seus n.ºs 1 e 2.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, a não ser que haja ofensa de uma disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – n.º 2 do art. 722.º.

Sendo ao implicitado abrigo do n.º 4 do art. 646.º do C.P.C. que a Relação procedeu à eliminação da identificada matéria, como se anotou – e questionando a Recorrente a legalidade de tal operação – resta conferir se o Supremo Tribunal pode analisar e decidir acerca do acerto da referida eliminação.

Têm-se por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito, conforme consta da citada norma adjectiva.

Como é Jurisprudência repetida deste Supremo Tribunal – vide, v.g., os Acórdãos de 23.9.2009 e de 19.4.2012, desta 4.ª Secção, tirados nas Revistas n.ºs 238/06.7TTBGR.S1 e 30/08.4TTLSB.L1.S1, respectivamente, aquele in www.dgsi.pt – a previsão do n.º 4 do art. 646.º do C.P.C. é de aplicar também, analogicamente, nas situações em que esteja em causa um facto conclusivo e nas demais que se reconduzam, afinal, à formulação de um juízo de valor extraído dos factos concretos, objecto de alegação e prova, conquanto que a matéria em causa se integre nos ‘thema decidendum’.

Assim, assente que este Supremo Tribunal pode sindicar a referida operação – no entendimento de que, ante o fundamento na sua natureza conclusiva ou em juízo de valor da mesma feição, se está perante matéria eminentemente de direito[9], sendo manifesta a sua relevância para o thema decidendum…se mais não fora pela circunstância de tal expurgação ter contribuído/aproveitado no reforço da tese sustentada na decisão sub judicio – prossigamos então.

Os pontos da matéria de facto em crise, que a Relação eliminou, são do seguinte teor:

- O A. sabia que era considerado pela R. um prestador de serviços e que era nessa qualidade que a Companhia de Seguros CC e posteriormente a ora R. o contratou e o manteve na mesma situação (57.);

- Se, ao invés, tivesse sido contratado como trabalhador subordinado daquelas sociedades, teria a categoria profissional de perito auto, estando sujeito às tabelas salariais em vigor, auferindo o vencimento mensal previsto na respectiva tabela salarial, inferior àquele que em média recebia mensalmente no âmbito da prestação de serviços 858.);

- Alguns dos peritos avaliadores da R., que exercem actividade fora da área metropolitana de Lisboa, prestavam e prestam também actividade profissional para outras seguradoras ou para outras empresas (61.);

- Os cartões que identificam os trabalhadores da R. têm o respectivo número de trabalhador (88.);

- No âmbito da prestação de serviços para a R., DD e EE, e por acordo com estas, os honorários fixados passaram a ser calculados para cobrir também as despesas feitas com a actividade profissional (89.).

Quanto aos dois primeiros, entendeu-se, 'ut' supra, tratar-se de matéria meramente conclusiva e meramente hipotética.

Convimos que se ajuizou acertadamente.

 Em bom rigor e rectas contas, a asserção encerra um conceito jurídico que, em si, contém a chave/solução/conclusão do litígio, qualificando o A. como assumido prestador de serviços e a R. como a destinatária assumida do resultado da específica actividade daquele.

(A ser assim, o ponto encerraria a resposta jurídica que se busca, nada mais se justificando, o que é de todo tecnicamente inaceitável).

Em contraposição, os factos – e é disso que se cuida – serão, no caso, todas as ocorrências práticas, da vida real, em que se manifeste o desempenho funcional, inter-relacional, na dupla perspectiva autonomia vs. dependência/subordinação, com vista à sua qualificação/subsunção num ou noutro dos contratos-tipo em cotejo.

O primeiro ponto em causa não contém, pois, matéria de facto proprio sensu: o suposto conhecimento das partes sobre a qualificação da sua participação no contrato que estabeleceram entre si não é mais do que um mero juízo conclusivo, que não pode deixar de ter-se como não escrito, em sede de facto).

O mesmo se diga do segundo ponto enunciado.

A asserção é posta no condicional e não deixa de conter um juízo especulativo/lógico-conclusivo, assente em pressupostos hipotéticos, não encerrando por isso matéria de facto, na dimensão acima delineada.

No que concerne aos demais pontos, dissentimos do entendimento seguido. Não se pondo em crise que os pontos 61, 88 e 89 contêm efectivamente matéria de facto – e embora concedendo que não se trate de factualidade absolutamente essencial/imprescindível para a decisão do pleito, mas antes adjuvante, complementar e/ou instrumental à compreensão global, por cotejo com a situação dos demais profissionais da especialidade, do contexto em que se desenvolvia/integrava a prestação da actividade do A. – não vemos fundada razão para a sua eliminação.

Indevidamente saneada, determina-se a sua reposição no alinhamento da factualidade seleccionada, nesta parte se acolhendo a reacção da Recorrente.

É, pois, com o quadro de facto assim definido que se vai analisar, dilucidar e resolver a questão primordial que se nos coloca, a da determinação da natureza/qualificação jurídica da relação estabelecida entre as partes como sendo ou não de trabalho dependente.

                                           __

B.2.2 – Da natureza jurídica do vínculo: contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço.

Como resulta dos Autos, as Instâncias coincidiram no juízo de que a relação jurídica sujeita é uma relação de trabalho subordinado.

 Assim se proclamou na sentença, que também qualificou como constituindo justa causa a invocada pelo A. na resolução do contrato que o vinculava à R., condenando esta em conformidade, juízo igualmente confirmado pelo Acórdão revidendo.

Depois da intervenção ao nível da matéria de facto, a decisão ora sob censura enfrentou a questão epigrafada, desenvolvendo, em sede de fundamentação jurídica, as seguintes considerações (transcrevemos os passos mais relevantes):

«Dispõem, quer o art. 1152º do mencionado Código Civil, quer o art. 1º do aludido RCIT que «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».

Por sua vez, estipula o art. 1154.º do Código Civil que «Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a propiciar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

       Em face destes conceitos legais, verifica-se que no contrato de trabalho o objecto do contrato incide sobre uma determinada actividade intelectual ou manual que é prestada pelo trabalhador em benefício da entidade empregadora, tendo sempre como contrapartida o percebimento de uma determinada retribuição que, nos termos do disposto no art. 83º do RCIT, pode ser certa, variável ou mista, enquanto que o objecto do contrato de prestação de serviço é apenas o resultado de uma determinada actividade intelectual ou manual desenvolvida pelo prestador, podendo ou não existir retribuição.

       Todavia, de acordo com a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o critério decisivo para que se possa afirmar estar-se perante um contrato de trabalho, reside na circunstância de, neste tipo de contrato, existir uma subordinação jurídica do trabalhador em relação ao beneficiário da respectiva actividade, subordinação que se traduz no facto daquele se comprometer a prestar a sua actividade intelectual ou manual, sob a autoridade e direcção deste, devendo, nessa medida, conformar a prestação dessa sua actividade às ordens ou instruções que por este possam ser emitidas, ainda que, quanto mais não seja, em relação ao local e/ou ao momento da sua prestação.

Na verdade, vem sendo pacífico ao nível da doutrina e na jurisprudência que a subordinação jurídica existirá sempre que ocorra a mera possibilidade de existência de ordens, ou seja de direcção da actividade do trabalhador pelo empregador, ainda que só no tocante ao lugar e/ou ao momento da prestação dessa actividade.

Ora, no caso vertente e ante a matéria de facto que resultou demonstrada, não podemos deixar de realçar, a existência, logo desde o início do contrato entre as partes, da emissão de ordens dirigidas pela R. ao A., designadamente em relação a cada uma das tarefas que este deveria realizar no desempenho da sua actividade de avaliador perito de sinistro automóvel – actividade que consistia em efectuar a peritagem de viaturas automóveis sinistradas, procedendo à análise destas, com a enumeração e o registo fotográfico dos danos que as mesmas apresentavam, e posterior orçamentação da respectiva reparação, detalhando o conteúdo dessa reparação – bem como ao momento e aos locais em que essa actividade deveria ser concretizada. É o que se infere, desde logo, da matéria contida na primeira parte do ponto 5. e na matéria dos pontos 7. e 9.

Acresce ter-se demonstrado, por confissão da própria R., que ao A. cabia executar as tarefas que lhe eram determinadas, não tendo este qualquer participação e/ou autonomia no que concerne à escolha do dia em que a peritagem era executada (cfr. ponto 11.), e, para além disso, também se demonstrou, ainda por confissão da própria R., que esta impôs ao A. que também efectuasse peritagens para a EE e para a DD, sociedades que, tal como a R., eram pertencentes ao Grupo FF (ponto 19.).

Importa ainda realçar haver-se demonstrado, também por confissão da própria R., que, embora a retribuição auferida pelo A. fosse determinada em função do número das peritagens por este efectuadas, com excepção do período que mediou entre Agosto de 1998 e Janeiro de 1999, sempre lhe foram pagas as quantias determinadas pela R., auferindo o A., mensalmente, um valor médio de € 2.622,87, o qual lhe era pago como contrapartida da actividade por este prestada (pontos 15. e 16.).

Ora, a demonstração de tal matéria de facto, não pode deixar de levar a extrair a conclusão de que, desde o início do contrato estabelecido entre ambas as partes, existiu uma efectiva subordinação jurídica do A. em relação à R., ou seja, um efectivo contrato de trabalho subordinado.

É certo que a demonstração de alguns factos, tal como circunstância do cálculo da retribuição auferida pelo A. ser efectuado em função do número das peritagens por este realizadas, a circunstância deste ao longo dos anos nunca ter recebido qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, a circunstância suportar as despesas relativas à sua viatura, nomeadamente nas deslocações que efectuava às oficinas onde realizava as peritagens, a circunstância do A., pelo menos a partir de determinada altura, apenas se deslocar às instalações da R. para entregar os relatórios que efectuava e para receber os pedidos de serviço de peritagem, a circunstância do A. não constar do mapa de férias da R., poderem indiciar a existência, entre ambas as partes, de um mero contrato de prestação de serviços, não há dúvida que a matéria de facto anteriormente mencionada se apresenta esmagadora em termos de devermos concluir pela existência de um efectivo poder de direcção da R. em relação à actividade desenvolvida pelo A. ao seu serviço, quanto mais não fosse em termos daquela poder determinar os locais e momentos em que esta deveria ser realizada, o que, como vimos, é suficiente para se ter de concluir – como já o fizemos – pela existência de um contrato de trabalho entre ambas as partes.

Aliás, não deixa de ser curiosa e, no mínimo, estranha a circunstância de, estando a R., ao que tudo indica, convicta da existência de um contrato de prestação de serviços entre si e o A. desde Julho de 1993, em Dezembro de 2001 (volvidos mais de oito anos) haver pretendido que este subscrevesse um acordo escrito que a R. denominou por “Contrato de Prestação de Serviços”. Porquê só nessa altura?

Não merece, pois, censura a sentença recorrida ao haver concluído pela existência de um contrato de trabalho entre as partes entre Julho de 1993 e Outubro de 2003.

A última questão suscitada pela R./apelante, reside na circunstância de, ainda que se conclua – como nós também concluímos – pela existência de um contrato de trabalho entre ambas as partes, não existir justa causa para a rescisão do mesmo por parte do A./apelado.

Vejamos!

Estabelecia o art. 34.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27.02 – em vigor ao tempo da cessação, em Outubro de 2003, do referido contrato de trabalho – que ‘[o]correndo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato’, estipulando o n.º 2 do mesmo preceito que, ‘[a] rescisão deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos’, enquanto que no n.º 3 se dispõe que ‘[a]penas são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados na comunicação referida no número anterior’.

Ora, provou-se que, com data de 21 de Outubro de 2003, o A. subscreveu e enviou à R. a carta que se mostra junta a fls. 145 dos autos, na qual, além do mais, declarava «rescindir com justa causa o… contrato de trabalho com efeitos imediatos».

Desta missiva resulta haver o A. invocado, como fundamentos para a assunção da referida rescisão contratual e em síntese, a ocorrência de uma drástica diminuição da sua retribuição pela circunstância de a R. lhe haver diminuído drasticamente a atribuição de peritagens a efectuar, a circunstância da R. não lhe reconhecer o direito a ser formalmente integrado nos quadros da empresa e de não lhe pagar, ao longo dos anos, qualquer valor a título de subsídios de férias e de Natal e, finalmente, a circunstância da R. não haver participado a verificação de um acidente de trabalho de que foi vítima o que levou a ter o A. de suportar todas as despesas com internamentos hospitalares, medicamentos e tratamentos, incluindo de fisioterapia, bem como a não receber qualquer indemnização por incapacidade.

Resultando da matéria de facto provada que a retribuição que constituía a contrapartida da actividade desenvolvida pelo A. ao serviço da R. era calculada em função do número de peritagens por este realizadas, a circunstância de se haver demonstrado que, a partir de Maio de 2003, sem sinal de redução do volume de trabalho, a R. reduziu o número de peritagens atribuído ao A., ao mesmo tempo que colocou um outro perito a efectuar parte das peritagens que antes caberiam ao A. e de, a partir de Agosto de 2003, ter colocado este numa situação de total inactividade, não lhe atribuindo, desde então, qualquer peritagem para efectuar, representa, sem dúvida, uma drástica diminuição – para não se dizer mesmo total ausência de pagamento de retribuição a partir de Agosto de 2003 – sem qualquer justificação para tal e ao arrepio dos mais elementares deveres da R. para com o A. em consequência do contrato de trabalho entre ambos existente.

Acresce que também se demonstrou nunca a R. haver pago ao A. qualquer importância a título de férias, subsídio de férias e de Natal, violando, desse modo, aquela imperativos legais que a isso a obrigavam.

Finalmente, também se demonstrou que, enquanto ao serviço da R., o A., em 13 de Agosto de 1998, sofreu um acidente quando efectuava uma peritagem nas instalações da “...”, sitas no ..., tendo partido a perna direita e, em consequência desse acidente, teve de suportar uma intervenção cirúrgica e de efectuar despesas com consultas, hospitalização e tratamentos, incluindo de fisioterapia, o que o levou a ter de suportar o pagamento do montante de € 5.705,53, que não lhe foram pagos pela R. que, aliás, não contratou qualquer seguro de acidentes de trabalho para o A.

Ora, todos estes aspectos culposamente assumidos pela R. que descurou, por completo, os deveres que decorriam da sua posição de entidade empregadora do A. entre Julho de 1993 e Outubro de 2003, conduziram a que este, justificadamente, decidisse rescindir o aludido contrato de trabalho mediante a missiva que dirigiu à R. em 21 de Outubro de 2003.

Não merece, pois, também censura a sentença recorrida ao haver concluído do mesmo modo e ao extrair daí as consequências legais face ao pedido formulado pelo A. na presente acção».

                                                      __

Atentos os delineados contornos do caso decidendo, não se avançará sem consignar – ante a injuntiva constante do n.º 3 do art. 8.º do Cód. Civil – que se tem presente a circunstância de este Supremo Tribunal, chamado a dirimir, num passado recente, diversos litígios com patentes afinidades de facto com o ora sujeito, (em que a actividade contratada por um empregador/empresa seguradora era desenvolvida, ao nível das peritagens de avaliação de danos em automóveis, por peritos avaliadores de sinistralidade automóvel), ter vindo reiteradamente a decidir no sentido de que a relação jurídica assim estabelecida se configura como um contrato de prestação de serviço.

(Lembramos, inter alia, os seguintes Acórdãos (invocando apenas os mais elucidativos, mais próximos e que se acham publicados): o de 28.6.2006, in www.dgsi.pt, sob o n.º de Processo 06S892; o de 17.5.2007, também em www.dgsi.pt, Proc. 06S3406; o de 24.9.2008, na mesma base de dados, sob o n.º 08S530 e, mais recentemente, o lavrado na Revista n.º 2158/07.9TTLSB.L1.S1, da Sessão de 12.1.2012, igualmente in www.dgsi.pt., em que interviemos enquanto Adjunto).

Tudo visto.

A relação jurídica a que se reportam os Autos vigorou, como resulta dos factos fixados, entre Julho de 1993 e Outubro de 2003, integralmente sob o GG da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24.11.1969, (o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, entrou em vigor a 1.12.2003), pelo que é ao abrigo do regime aí estabelecido, complementado pelas disposições correspondentes constantes do Cód. Civil, que há-de buscar-se a questionada qualificação jurídica do vínculo contratual em controvérsia, como aliás bem se observou na deliberação aprecianda.

O quadro normativo de significação, nos seus contornos relevantes, acha-‑se adequadamente delineado na decisão que ora se sindica.

E porque se mostra enunciado em termos bastantes, pouco ou nada de realmente importante se justifica acrescentar-lhe.

A ele reportado, podemos avançar.

Como é sabido, a distinção entre as duas figuras típicas em cotejo (contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço, definidos nos arts. 1.º da LCT/1152.º e 1154.º do Cód. Civil) assenta em dois elementos essenciais, assim lapidarmente enunciados no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.2.2005: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.

No primeiro, (o vínculo juslaboral), o que se contrata é a prestação da actividade; no segundo, (a prestação de serviço), é a obtenção de um resultado.

No primeiro, existe uma relação intersubjectiva de subordinação, normalmente traduzida no poder do empregador de conformar, de algum modo e em alguma medida, a prestação a que o trabalhador se obrigou, emitindo ordens, directivas e instruções; no segundo, a relação é de autonomia do prestador, sem intervenção e subordinação à direcção da outra parte no que tange à obtenção do contratado resultado.

Assim, pois, repetindo e resumindo por outras palavras, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador.

 (O binómio subordinação do trabalhador/domínio do empregador constitui a moldura típica do desenvolvimento do vínculo laboral e evidencia o conteúdo complexo da posição jurídica de cada uma das partes nesse vínculo, nas expressivas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, pg. 32).

No contrato de prestação de serviço, pelo contrário, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, direcção de execução ou sujeição a instruções da outra parte.

(Cfr., por todos, nele se reiterando o entendimento pacífico e uniforme destes Supremo Tribunal, o Ac. de 15.9.2010, que seguimos de perto).

Todavia, ante a extrema variabilidade das situações da vida, é reconhecida a manifesta dificuldade em surpreender, em muitas circunstâncias, os elementos que permitem a identificação da subordinação jurídica, noção a que, se não se chega directamente através do simples método subsuntivo, há-de alcançar-se, como é consabido, com recurso a juízos de aproximação, viabilizados pelo chamado método tipológico, recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de, casuisticamente, permitirem uma indagação de comportamentos que viabilizem alcançar a real vontade dos contraentes, em conformidade, revelada no contexto de facto em que negociaram e actuada no desenvolvimento/execução da actividade contratada.

Estabelecer a diferença que se busca é reconhecidamente tarefa tanto mais delicada quanto mais a situação sujeita partilhe de elementos de uma e outra figura contratuais, adensada nos casos de maior autonomia técnica, em que se torna mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar o tipo de relacionamento (subordinação ou autonomia)[10].

Lembremos, entretanto, a existência de um conjunto de indicadores de aferição, cuja presença aproxima a definição casuística, sem esquecer que cada indício tem um valor relativo, sendo de globalidade o juízo a fazer em cada situação concretamente apurada.

São consideradas, correntemente, de entre outras, as situações seguintes.

No elenco de indícios de subordinação, confere-se geralmente maior ênfase ao chamado ‘momento organizatório’ da subordinação[11], que pressupõe a integração numa estrutura técnico-laboral pensada, montada e gerida por outrem, formando equipa com outros trabalhadores igualmente subordinados, sujeitos à prestação de trabalho em identidade de condições.

Relevam, nesse âmbito, a vinculação a um horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa.

Importam igualmente os elementos relativos à modalidade da retribuição, à propriedade dos instrumentos de trabalho, a observância do regime fiscal e da Segurança Social.

Como se expendeu no Acórdão desta Secção de 12.1.2012, já atrás referenciado, no contrato de trabalho, por regra, o cumprimento do contrato realiza-se em prestações duradouras e de execução continuada, ainda que sujeitas a certos limites temporais, sendo indicativo da existência de um relação de trabalho o facto de o prestador assumir um regime de exclusividade.

No mesmo sentido aponta a existência de seguro infortunístico, devido, por regra, nas situações de trabalho por conta de outrem.

Indicador da maior relevância é ainda o referido da modalidade da retribuição estipulada: em função de um certo período temporal, regular e periodicamente paga, em quantitativo certo, variável ou misto, permanentemente assegurado e acompanhado dos típicos subsídios complementares.

Haverá indício bastante da presença de um contrato de trabalho se a obrigação retributiva se mantiver regular e periodicamente.

O indicador maior da evidência de uma relação de contrato de trabalho será obviamente a sujeição ao exercício do poder disciplinar do empregador.

(Os factos-índice reveladores da existência de um contrato de trabalho apresentam-se como constitutivos do direito que se pretende exercitar, sendo por isso ónus de quem o invoca em Juízo – art. 342.º/1 do Cód. Civil). 

Isto posto.

O momento decisivo é, ora, o da interpretação dos factos/indícios consubstanciados na factualidade que nos é presente.

Revertamos, por isso, ao caso sujeito.

Na decisão sob protesto valorizou-se e considerou-se factor prevalente na opção eleita, a reunião de um significativo conjunto de indicadores de facto que apontam no sentido da existência de um efectivo poder de direcção da R. relativamente à actividade desenvolvida pelo A. ao seu serviço…”quanto mais não fosse em termos daquela poder determinar os locais e momentos em que esta deveria ser realizada, o que, como vimos, é suficiente para se ter de concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambas as partes” – sic, a fls. 1185 – isto sem embargo de também aí se reconhecer, apesar de tudo, a demonstração de alguns factos perturbadores …”a poderem indiciar a existência, entre ambas as partes, de um mero contrato de prestação de serviços”. 

Vejamos.

Como se mostra factualizado, o A. aceitou, desde Julho de …, prestar a sua actividade, como prestou, para a R., (então designada apenas por ‘C.ª de Seguros CC, S.A.’), exercendo as funções próprias de avaliador perito de sinistro automóvel, materializadas na análise das viaturas automóveis e motorizadas sinistradas, enumerando e fotografando os danos que as mesmas exibiam e detalhando depois e orçamentando a reparação.

(Embora sendo um negócio consensual, em qualquer das situações, a expressão da vontade dos contraentes poderia ter sido reduzida a escrito. Não foi.

A existência de documento facilitaria, de algum modo, enquanto elemento interpretativo/ponto de partida, a qualificação que se demanda).

Desde então passou a deslocar-se aonde havia peritagens para fazer, por indicação da R., indo apenas às instalações desta para entregar os respectivos relatórios e receber os pedidos de serviço da R.

Aquando da distribuição de peritagens ao A. a R. indicava-lhe a hora a partir da qual cada peritagem podia ser realizada.

O A., como os demais peritos em regime de prestação de serviços, só se deslocava aos escritórios da então C.ª de Seguros ‘CC’ para recolher a encomenda das peritagens que lhe eram pedidas e para entregar o resultado das peritagens que já tinha realizado, podendo então utilizar uma mesa que no momento estivesse desocupada, sendo certo que, quando passou a receber a transferência electrónica de dados e informações, o A. deixou de se deslocar diariamente às instalações da ‘Companhia’.

Os serviços prestados pelo A. eram remunerados de acordo com uma tabela de honorários e dependia do número de peritagens realizadas, sendo que sempre lhe foram pagas as quantias em função disso, auferindo da R., mensalmente, um valor médio de € 2.622,87, pago como contrapartida da actividade que para esta desenvolvia.

Entre Agosto de 1998 e Janeiro de 1999, período correspondente à paragem por força do acidente sofrido, reportado nos itens 20 a 33, o A. não auferiu da R. qualquer quantia monetária.

Porém, depois da alta respectiva, continuou a executar com normalidade as tarefas que vinha anteriormente desempenhando para a R.

A R. nunca pagou qualquer quantia ao A. a título de férias, subsídio de férias ou de Natal.

Corriam por conta deste (A.) todas as despesas que o mesmo tivesse que suportar com as actividades que prestava para a R., nomeadamente as relativas à sua viatura nas deslocações que fazia às oficinas onde efectuava as peritagens que lhe eram distribuídas pela R.

No desenvolvimento do contrato (…), quer com a Companhia de Seguros ‘CC’, quer com a ora R., com a ‘DD, S.A.’ e com a ‘EE, S.A.’ o A. emitiu ‘recibos verdes’ passados àquelas sociedades, que, por sua vez, emitiram as respectivas declarações, sendo que era o A quem suportava os encargos com a Segurança Social.

O A. prestou a sua actividade como perito não só à ora R. mas também à ‘DD – C.ª Portuguesa de Seguros, S.A.’ e à ‘EE - Companhia de Seguros, S.A.’, sendo que cada uma destas sociedades suportava a remuneração dos serviços respectivos que lhe tivessem sido prestados pelo A.

Os peritos que eram considerados do ‘quadro’ tinham uma remuneração mensal fixa e utilizavam viaturas cedidas pela ‘Companhia’, sendo-lhes pagas as despesas inerentes à utilização das mesmas, designadamente revisões e seguros.

Os referidos peritos do ‘quadro’ recebiam subsídios de férias e de Natal e marcavam os respectivos períodos de férias junto do perito-chefe ou coordenador e constavam do mapa de férias.

Assente se mostra ainda que foi oportunamente criado pela ora R. – que se dedica a todos os ramos da actividade seguradora, no âmbito da qual é exercida a actividade de peritagem – um grupo de peritos integrado nos quadros da ‘empresa’, como seus trabalhadores, e um outro grupo de peritos que prestam os seus serviços à R. através do regime apelidado de ‘recibos verdes’, tendo o A. sido contratado pela então C.ª de Seguros ‘CC’ precisamente nessa época da criação dos dois grupos de peritos atrás referidos.

É facto estabelecido que o A. prestou a sua actividade como perito não só à R., mas também a outras sociedades seguradoras, que suportavam a remuneração dos serviços respectivos que lhes tivessem sido prestados pelo perito ora A.

Assim se executou a contratada relação, pacificamente, durante os cinco primeiros anos do seu desenvolvimento, interrompida a partir de Agosto de 1998, mas normalmente retomada após a sua alta, como já antes referido.

Assim:

Contrariamente ao ajuizado, não vemos que, em face das características da actividade desenvolvida pelo A., as indicações da R. consubstanciassem um efectivo poder de direcção/conformação da prestação a que aquele se obrigou, susceptíveis de interferir na manifestação do seu exercício autónomo.

É certo que era a R. quem determinava as peritagens que o A. deveria realizar, o tempo e o local onde as mesmas deviam ser feitas, distribuindo-as pelos diversos peritos contratados e ao seu serviço, de acordo com a cadência dos sinistros que aceitava e em função da divisão territorial.

É certo que, com o objectivo de facilitar e promover a adequação e aperfeiçoamento profissional do A., de modo a que o resultado do seu trabalho correspondesse de forma cabal às expectativas, a R. promoveu a sua participação numa acção de formação na ferramenta de cálculo ‘JJ’, sendo que o A. participava em algumas reuniões de trabalho com o grupo de peritos avaliadores da R.

Como verdade é que o A. recebia ordens e reportava a vários chefes, e que coordenava a marcação dos seus períodos de férias com os demais peritos avaliadores da R., fossem trabalhadores subordinados desta ou não.

Também está adquirido que a R., a partir de 1998, passou a pagar ao A. a despesa por este suportada com a assinatura da linha telefónica.

É também facto adquirido que a R. pretendeu que o A. subscrevesse, em 3 .12 2001, um acordo escrito, que denominou de ‘Contrato de Prestação de Serviços’, nos termos do qual – e além do mais – o A. deveria obrigar-se a celebrar e manter em vigor, durante a vigência do contrato, um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, contrato que o A. se recusou a subscrever.

 

Porém, todos estes elementos apontam – decisivamente, na nossa convicção –  no sentido, não da interferência da R. no desempenho funcional do A., (conformando, dirigindo, orientando e fiscalizando a sua prestação), mas antes e tão-só com vista à realização do objectivo último de harmonização das intervenções do A. em função da agenda dos demais intervenientes e colaboradores, e da sua adequada calendarização, das maiores ou menores necessidades da R., da uniformização dos critérios de trabalho, da optimização dos resultados das operações de peritagem, etc.

Este conjunto de indícios reflecte, a nosso ver, a legítima preocupação do empresário/R. de tentar conseguir, no âmbito do desenvolvimento de uma relação contratual, e actuando no cumprimento dos ditames da boa-fé, uma melhoria da qualidade e uniformidade dos resultados contratados, não constituindo – ao contrário do entendimento firmado no Acórdão sob censura – uma qualquer manifestação dos poderes de direcção e autoridade típicos do contrato de trabalho.

Ante a análise e ponderada interpretação da materialidade relevante – de que apenas destacámos os pontos de facto mais significativos – podemos adiantar, como já se intuiu, que é diverso o nosso entendimento, não se sufragando o juízo alcançado no Acórdão revidendo.

A existência de alguns elementos de facto comuns às duas figuras contratuais em cotejo, apenas na sua aparência poderão perturbar a liquidez ou precipuidade do juízo para que apontam convincentemente os indicadores acima relevados.

No caso concreto, os factos assentes, mais relevantes, vão, predominante e seguramente, no sentido de que o contrato firmado entre os litigantes foi realmente um contrato de prestação de serviço.

Com efeito, dos elementos indiciários retidos como mais significativos não se colhe o convencimento de que as partes quiseram originariamente vincular-‑se mediante um típico contrato de trabalho.

Os indicadores enfatizados na fundamentação da deliberação sujeita não apontam, com a pretendida segurança, para a existência de um efectivo poder de direcção da R. relativamente à actividade desenvolvida pelo A., estando valoração posta na relevância do poder da R. de determinar os locais e os momentos em que a actividade do A. deveria ser realizada – como se consigna a fls. 1185 – longe de prevalecer, postergando-os, sobre todos os demais indicadores de facto que convincentemente identificam a relação jurídica em causa como sobreponível a um contrato de prestação de serviço.

Em suma:

Não pode deixar de qualificar-se como sendo de prestação de serviço o contrato em cujo âmbito – e durante a sua execução, prolongada por cerca de dez anos – o A. desenvolveu, sem qualquer visível reacção, a sua actividade.

Concluindo-se, como se conclui, que o contrato que vigorou entre as partes foi um típico contrato de prestação de serviço, não poderá subsistir o juízo proclamado no Acórdão sub judicio.

Acolhem-se, porque procedentes, as razões maiores que enformam as asserções conclusivas da motivação do recurso.

                                           __

A solução alcançada prejudica fatalmente, inutilizando-a, a apreciação da segunda questão, a relativa à justa causa da resolução do contrato, invocada pelo A., cujo exercício pressupôs a ora afastada existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, como sobredito – art. 660.º, n.º2, 2.ª parte, do C.P.C.

                                           __

                                           III

                                     DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e, revogando, em consequência, o Acórdão impugnado, absolve-se a R. do pedido.

Custas nas Instâncias e neste Supremo Tribunal pelo recorrido.

                                    

Lisboa, 11 de Julho de 2012

Fernandes da Silva (relator)

Gonçalves Rocha

Sampaio Gomes

______________________
([1]) Redacção alterada de acordo com o acórdão da Relação.
([2]) Redacção alterada de acordo com decisão assumida infra.
([3]) Eliminado pelo acórdão da Relação.
([4]) Eliminado pelo acórdão da Relação.
([5]) Eliminado pelo acórdão da Relação.
([6]) Eliminado pelo acórdão da Relação.
([7]) Eliminado pelo acórdão da Relação.
[8] - Sempre na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[9]  - Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 2.7.2008 e de 9.11.2011, processos 07S4752 e Rec. n.º 1332/07.2TTVNG.P1.S1, respectivamente, in www.dgsi.pt.
[10]  - 'Ut' Acórdão deste S.T.J. de 17.5.2007, já acima citado.
[11]  - Apud Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 147.