Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6513/15.2T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: SEGURO DE VIDA
HOMICÍDIO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
SEGURADO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
TOMADOR
INDIGNIDADE
DIREITO AO RECURSO
RENÚNCIA
DESISTÊNCIA DO RECURSO
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida Costa, RLJ, Ano 129º, p. 20;
- Calvão da Silva, Apólice Vida Risco…, RLJ, n.º 3942, Ano 136º, p. 158 e ss.;
- Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, p. 684;
- JC Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 1971, p. 23 e 391;
- José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora 1999, p. 94;
- Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3.ª Edição, 2016, p. 27.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º E 238.º.
LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG), APROVADA PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 10.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 458.º, N.º 5.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO: - ARTIGO 46.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-07-1996, IN CJ III/96, P. 7;
- DE 06-02-1997, PROCESSO N.º 96B527;
- DE 05-05-2011, PROCESSO N.º 283/10.8TVLSB.S1;
- DE 13-09-2016, PROCESSO N.º 1445/13.1TVLSB.L2.S2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O direito ao recurso concretiza-se na faculdade de submeter as decisões judiciais a uma reapreciação por um tribunal superior, mas o seu âmbito não se esgota no acto de interposição de recurso e de apresentação de alegações e conclusões.

II - Estende-se ainda à possibilidade de, em determinado momento, abdicar da pretensão de reapreciação judicial, seja por renúncia ou desistência.

III - É sobretudo o critério temporal que distingue a renúncia da desistência: a primeira acontece em momento anterior ao da interposição do recurso, ou seja em momento em que o recurso propriamente dito ainda não foi interposto; a segunda ocorre em momento subsequente ao do acto de impugnação da decisão judicial, isto é, uma vez iniciada a instância de recurso e, por regra, antes da prolação de acórdão pelo tribunal superior.

IV - O contrato de seguro celebrado exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer "acto doloso de que o tomador de seguro, pessoa segura ou beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na activação das coberturas contratadas (cfr. artigo 3.º sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n.º 3.2. "Riscos Excluídos", al. b) das referidas Condições Gerais).

V - Qualquer declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição do declaratário real (o tomador do seguro), atribuiria àquela cláusula de exclusão do risco o sentido de que, caso o próprio tomador do seguro ou pessoa segura fosse o autor material de um acto doloso que se traduzisse na activação das coberturas contratadas - mais concretamente, de homicídio voluntário cometido na pessoa da 2.ª pessoa segura, o sinistro ocorrido estaria excluído do âmbito da garantia do contrato de seguro (arts. 236.º e 238.°, ambos do CC e art. 10.º da LCCG).

VI - Aceitar a cobertura deste sinistro pelo ajuizado contrato de seguro seria premiar o tomador do seguro que, por meio de uma actuação dolosa – homicídio voluntário por si cometido – determinou o respectivo accionamento.

VII - Ainda que as partes não houvessem acordado na referida exclusão de risco, sempre essa exclusão ou desobrigação da segurador encontraria fundamento legal no art. 458.º, n.º 5, do CCom, quer porque se trata de um crime doloso cometido pelo segurado contra a pessoa segura, quer porque se trata de crime cometido por quem seria seu herdeiro (cônjuge), qualidade apenas afastada por via da indignidade sucessória.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I AA, viúvo, atualmente recluso no Estabelecimento Prisional de …, e seus filhos, BB, solteiro, maior, residente em …, e CC, solteira, menor, representada pelo seu padrinho civil DD, residente em …, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EE - Companhia de Seguros, S.A. e Banco FF, S.A.[1]., alegando, em síntese, que:

O autor AA foi casado com GG, falecida em 29 de Novembro de 2009, a que sucederam os autores BB e CC, seus filhos.

Na constância do casamento, o autor AA e a falecida GG adquiriram o prédio que identificam com recurso a empréstimo concedido pelo Banco réu, no montante de €60.000,00, pelo prazo de 30 (trinta) anos, amortizável em 360 prestações, mensais e sucessivas.

Na altura, subscreveram também um seguro de proteção pessoal (ramo vida), mediante o qual transferiram para a ré Seguradora a responsabilidade de pagamento da dívida bancária derivada desse empréstimo, no caso de algum deles vir a falecer.

Apesar do falecimento da GG, que lhe foi comunicado, a ré seguradora recusa-se a assumir a sua responsabilidade perante a entidade bancária ré, beneficiária do seguro contratado.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir que seja proferida decisão a:

1. Habilitar os AA. BB e CC, como únicos e universais herdeiros da falecida GG, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa.

2. Declarar o contrato de seguro de vida celebrado entre a “de cujus” GG e seguradora EE S.A., como válido e eficaz;

3. Condenar a 1ª R a liquidar à 2.ª R., todo e qualquer montante em débito referente ao contrato de mútuo celebrado entre o A. AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., actual Banco FF, S.A.

4. Declarar que, após o pagamento do montante em débito referente ao contrato de mútuo celebrado entre o A. AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., actual Banco FF, S.A., os AA. AA, BB e CC nada devem ao Banco FF, S.A., por conta de tal contrato de mútuo.

O Banco réu apresentou contestação em que, além de arguir a ineptidão da petição inicial, sustentou que o seguro só “cobre” a dívida de capital e não de juros e que os AA. lhe devem €56.371,66 de capital emprestado e €11.519,93, a título de juros vencidos e não pagos.

Por sua vez, a ré Seguradora contestou a confirmar a celebração do invocado contrato de seguro, mas a refutar a sua responsabilidade, por se encontrar excluída nos termos da cláusula 3.2, al. b) das condições gerais da apólice de seguro, dado que a morte da GG foi dolosamente provocada pelo autor AA que, por isso, foi condenado por um crime de homicídio qualificado, invocando ainda o abuso de direito em que o mesmo incorre.

Os autores responderam a pugnar pela inverificação da arguida ineptidão da petição.

Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador/sentença que, depois de refutar a invocada ineptidão da petição inicial, na parcial procedência da acção, decidiu nos seguintes termos:

“1. Reconheço e declaro como habilitados os AA. BB e CC, como únicos e universais herdeiros da falecida GG, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa.

2. Declaro o contrato de seguro de vida celebrado entre o autor AA e seguradora EE, S.A., como válido e eficaz;

3. Condeno a 1ª R a liquidar ao 2º R, a quantia de 56.371,66 € referente ao capital em dívida respeitante ao contrato de mútuo celebrado entre o A., AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., atual Banco FF, S.A.

4. Absolvo os RR. do resto do pedido.

Inconformados, apelaram a ré Seguradora e o autor BB, este subordinadamente, após convolação da ampliação que apresentara (cfr. fls. 475 e 478), com total êxito da primeira e inêxito do segundo, tendo a Relação de … revogado a impugnada decisão da 1ª instância, absolvendo a apelante do pedido de pagamento ao Banco réu da quantia fixada pela 1ª instância.

Discordando dessa decisão, interpuseram recursos de revista o autor BB e o Banco réu, finalizando o primeiro a sua alegação, com as complexas, repetitivas e redundantes[2] conclusões que se transcrevem:

1º - A douta sentença de primeira instância, relativamente à invocada exclusão da responsabilidade da ré seguradora com base na clausula 3.2 alínea b) das condições gerais da apólice julgou que:

"Invocando que o autor AA foi condenado por um crime de homicídio qualificado praticado sobre a vítima GG, a seguradora invoca a exclusão da responsabilidade ao abrigo da cláusula 3.2, al. b) das condições gerais da apólice, que cominam a não abrangência do "sinistro" em causa pelo contrato de seguro.

De facto, o contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer "acto doloso de que 6 Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na activação das coberturas contratadas" (cfr. art.° 3°, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n.° 3.2. "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais - vide documento n.° 3, a folhas 2 de 12).

Por beneficiário segundo o mesmo clausulado deve entender-se a pessoa ou a entidade a favor da qual é celebrado o contrato, isto é, e como se viu acima, o Banco credor do mútuo hipotecário - o FF que nada teve a ver com o referido homicídio.

Não será, pois, pelo aludido clausulado que se justificará tal exclusão."

2° - No douto acórdão proferido, a segunda instância julgou que:

"Com efeito o autor AA foi condenado por um crime de homicídio qualificado praticado sobre a vítima GG e o contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer "ato doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzem na ativação das coberturas contratadas" - cf. art. 3, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n° 3.2 "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais (vide documento n° 3, a folhas 2 de 12).

Por conseguinte, basta que exista um sinistro originado por qualquer "ato doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Seguro ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na ativação das coberturas contratadas", para que o contrato de seguro não opere por não comportar qualquer garantia.

E um homicídio doloso como o ocorrido, praticado pelo tomador do seguro, na pessoa falecida e 2ª segurada, é um ato/sinistro que ativa, pois, as "Exclusões Gerais", n° 3.2 "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais - vide documento n° 3, a folhas 2 de 12.

Assim, salvo o devido respeito, é indiferente que o homicida seja o tomador do seguro, a pessoa segura ou o beneficiário do seguro: há sempre esta exclusão das garantias contratuais.

De facto, se contrato de seguro é aquele pelo qual a seguradora, mediante retribuição, se obriga, a favor do segurado, a determinada indemnização ou pagamento de um valor pré-definido, em função da realização de um determinado evento futuro e incerto cujo risco assume, é evidente que não devem ser atendíveis; para efeitos de cobertura, riscos decorrentes da prática de um crime pelo próprio Tomador do Seguro.

Aliás, como bem refere a recorrente, a entender-se o contrario - que o homicídio doloso da segurada pelo Tomador do Seguro constituíra um evento de risco ou sinistro coberto - sempre teria de ser declarado nulo o contrato de seguro à luz do disposto no art. 280° do Código Civil, porque implicaria a cobertura do risco da prática de homicídio pelo Tomador.

Nem o Tomador do Seguro poderia razoavelmente esperar que o contrato de seguro, que negociou e celebrou cobrisse o risco relativo a uma atividade ilícita, aliás, criminosa, por si praticada.

Portanto, como refere a recorrente, mesmo que, à total revelia do teor daquela cláusula contratual, se entendesse ser devido qualquer montante pela seguradora ao(s) beneficiário(s) do seguro porque estes "nada tiveram a ver" com o homicídio (o que, como já se referiu, não faz sentido), sempre a cobertura do sinistro pela Ia Ré Seguradora (pressuposto necessário e anterior à formação de direito de credito dos beneficiários sobre aquela) estaria inviabilizada pela nulidade do contrato de seguro, porque o seu objeto seria ilícito e contrario à ordem publica (Cf. art. 280°, n°s 1 e 2 do CC).

3º - Ora salvo o devido respeito, que é muito, assim não entende o autor BB, porque como bem vislumbrou a douta sentença de primeira instância o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 05.05.2011, no processo n.° 283/10.8TVLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt. versa sobre temática semelhante à situação dos autos e firmou jurisprudência nos seguintes termos:

I - No contrato de seguro de grupo destinado a garantir o pagamento de crédito à habitação, concedido por um banco no âmbito de um contrato de mútuo a ele associado, beneficiário do mesmo contrato é essa entidade financeira, devendo considerar-se terceiro face ao mesmo, o segurado que a ele adere.

II - O homicídio doloso do segurado às mãos do herdeiro não exclui o risco nem desvincula a seguradora face aos demais herdeiros que nele não tiveram qualquer participação.

III - De qualquer modo, assumindo-se o contrato de seguro de grupo como seguro sobre a vida de terceiro, a seguradora nunca ficaria desobrigada da entrega do capital seguro ao respectivo beneficiário, por efeito do disposto no art. 458.°, § único, do CCom.

IV - Incorre em mora, obrigando-se à reparação dela decorrente, independentemente de interpelação, o devedor que, de forma categórica e definitiva, manifesta ao credor intenção de não cumprir.

4º - E mesmo que tal Acórdão verse sobre um contrato de seguro que tem algumas diferenças relativamente ao dos autos, porquanto o contrato de seguro dos autos ser individual e o tomador ser o primeiro autor, sempre se poderá citar outro Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente o proferido em 06-02-1997, no processo 96B527, no qual se decidiu igualmente que:

I - Os contratos de seguro, como contratos de adesão que são, devem ser submetidos a controlo judicial a nível da tutela da vontade do segurado e ao do conteúdo das Condições Gerais.

II - Ao nível da tutela da vontade do segurado haverá que ter em conta os critérios interpretativos fixados nos artigos, 236 e 237, do CCIV66, tomando-se o sentido de um declaratório razoável.

III - O homicídio voluntário do segurado por terceiro é abrangido pelo seguro de vida, se, da conjugação das cláusulas do contrato respetivo qualquer declaratório medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição do declaratório real (o segurado), daria às mesmas o sentido de que o acidente de que resultasse a morte do segurado estaria abrangido pelo seguro, salvo se resultasse quer da vontade da pessoa segura (caso do suicídio, tentativa de suicídio, atentado contra a sua pessoa), quer da vontade do beneficiário (caso do beneficiário matar o segurado).

5º - Pelo que, firmando-se o autor BB na jurisprudência vertida em ambos os Acórdãos, atreve-se a alegar que a Veneranda Relação de … não deveria considerar a nulidade do contrato, mas sim a sua submissão ao controlo judicial a nível da tutela da vontade do segurado e ao do conteúdo das Condições Gerais, o que de resto fez a douta decisão de primeira instância.

6° - Pelo que a fazer fé na jurisprudência citada, sempre haveria responsabilidade da R, porque como bem se decidiu em primeira instância o clausulado no contrato de seguro não justifica a exclusão de responsabilidade, ainda para mais quando nos presentes autos o seguro de vida ativado, foi o da malograda GG e não do autor BB.

7º - Assim em função exposto, entende o autor BB que a primeira instância apreciou e decidiu bem, fazendo uma correta subsunção dos factos ao direito, pelo que salvo o devido respeito, que é muito, não merecia tal julgamento o reparo e modificação imposto pela Veneranda Relação de …, que aliás é contrário à jurisprudência emanada do Supremo Tribunal de Justiça.

8º - A douta sentença de primeira instância, relativamente à invocada exclusão da responsabilidade da ré seguradora - ao abrigo do artigo 46° do RJCS julgou que:

"A seguradora fundamenta ainda a sua pretensa desobrigação no disposto no artigo 46° do RJCS. A referida norma legal - sob a epígrafe atos dolosos - prescreve que: " 1 — Salvo disposição legal ou regulamentar em sentido diverso, assim como convenção em contrário não ofensiva da ordem pública quando a natureza da cobertura o permita, o segurador não é obrigado a efetuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado. 2 — O beneficiário que tenha causado dolosamente o dano não tem direito à prestação."

Conforme refere José Vasques, em anotação à citada norma legal (lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, Janeiro de 2009, p. 195, " o regime regra é o de que o segurador não é obrigado a efetuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado; a lei admite, porém, que haja lugar à prestação do segurador em dois casos: quando a cobertura resulte de disposição legal ou regulamentar ou, se a natureza da cobertura o permitir, de convenção não ofensiva da ordem pública"

Explicam-se estes casos de exclusão do risco por imperativos de ordem pública pois não pode admitir-se que a existência do seguro de vida constitua um estímulo a práticas fraudulentas ou ao cometimento de crimes com vista a favorecimentos e que, no caso de cobertura da seguradora, serviriam para converter o contrato "num instrumento de dissolução de costumes" (Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 183).

Importa começar por dizer que tais imperativos justificam que a desvinculação da Seguradora, no caso da morte do segurado às mãos dos herdeiros, apenas se estenda àquele ou àqueles que nela participaram. Como refere aquele Autor na obra referenciada, pág. 191, "num seguro contraído pelo pai a favor dos filhos não faz sentido que a morte daquele por um destes faça extinguir o direito dos restantes", desde logo porque "é contrário à finalidade de previdência que caracteriza o contrato de seguro".

Neste mesmo sentido escreve José Vasques que "o legislador não foi feliz na redacção desta exclusão...uma vez que no seu espírito, estaria desobrigar a seguradora de qualquer pagamento ao beneficiário homicida, mas prevalecer a obrigação quando o segurado fosse morto pelos herdeiros quando não fossem estes os beneficiários - o que, aliás, resulta do n°2" (Contrato de Seguro, 1999, 359) da norma atrás reproduzida.

Temos, pois que a norma em análise não tem o sentido e alcance que a ré lhe confere, restringindo a sua ação, quando o segurado é morto pelos seus herdeiros, aos casos em que estes são os beneficiários da quantia segura à luz do contrato celebrado, características que o caso vertente não reproduz como se viu 1.

De qualquer modo, afigura-se-nos que a exclusão reclamada pela ré não tem aplicação ao contrato firmado nos autos. Caracterizado como de seguro de grupo cujas especificidades decorrem de uma relação "triangular"- assim apelidada no Acórdão deste Tribunal de 29.10.2009, proc n° 2157/06, in Base de dados da dgsi. pt - , originariamente, estruturada no acordo entre a Seguradora e o tomador do seguro que este estende e alarga a todos os interessados que manifestem vontade de a ele aderirem, sem que essa adesão "envolva nova e autónoma relação de seguro" ou implique que os respetivos aderentes sejam partes em tal contrato - cfr também o Acórdão deste Tribunal de 10.05.2007, proc n° 07B1277 na referenciada Base de dados.

Trata-se, portanto, de contrato realizado em nome próprio pelo respetivo tomador, mas o interesse nele coberto pertence ao segurado aderente, considerado terceiro face a esse contrato-quadro (O Seguro de Vida., Maria Inês Oliveira Martins, 86). Nesta perspetiva, estamos perante o contrato sobre a vida de terceiro a que antes se referia o § único do citado art°458° à sombra do qual resultaria, assim, inviabilizada a aplicação a este, do n.° 1 desse mesmo dispositivo. Isto mesmo decorre atualmente duma adequada interpretação da norma legal constante do artigo 46° do RJCS já que para no caso vertente sempre seria de aplicar o n° 2 da citada disposição legal, sendo certo que, como já acima referido, o beneficiário - o Banco credor no mútuo hipotecário - nada teve a ver com o homicídio da pessoa segura. Ou seja: de pé se havia de manter a obrigação da Seguradora de pagar o montante segurado."

9° - No douto acórdão proferido, a segunda instância julgou que:

"Por outro lado, em segundo lugar, seguradora, fundamenta ainda a sua pretensa desobrigação no disposto no artigo 46° do RJCS. E, salvo o devido respeito, também com razão, diga-se."

"Reitera-se que nos presentes autos não ocorreu a morte do pai que aderiu ao seguro às mãos dos seus herdeiros, mas a morte de um dos herdeiros às mãos do pai que negociou e celebrou o contrato de seguro enquanto Tomador do Seguro.

O que se pretende no caso sub judice e decorre expressamente da letra do art.° 46° do RJCS - a norma vigente e aplicável - é precisamente o desobrigar da seguradora de qualquer pagamento ao Tomador do Seguro homicida (sendo obviamente irrelevante o teor do art.° 458° do C. Com. e a analise que dele é feita pela doutrina - a qual era, ainda assim, favorável à posição da 1ª Ré, tendo em conta aqueles que são os factos concretos aqui em discussão).

Por conseguinte, nem a letra nem o espirito do citado art.° 46° do RCS vigente implicam a responsabilidade da seguradora pedida nestes autos, decorrente do aludido contrato de seguro, que assim, como vimos, se mostra violado, bem como a cláusula 3.2, al. b), das condições gerais da apólice do referido seguro, na douta sentença recorrida.

10° - Ora salvo o devido respeito, parece ao autor que a Veneranda Relação não terá apreendido a situação de facto dos autos tal qual se assentou no probatório, uma vez que vem referido no douto acórdão que na situação dos autos se trata da "... morte de um dos herdeiros às mãos do pai que negociou e celebrou o contrato de seguro enquanto tomador do seguro" quando assim não foi.

11° - Com efeito quem faleceu foi a GG por ação de BB que era seu marido e não seu pai nem seu herdeiro, cf. 1º, 2º, 17º e 23° do probatório.

12° - Ora no caso dos autos, tendo falecido a segurada GG, o primeiro beneficiário da prestação é o réu Banco FF, S.A. e posteriormente no remanescente do capital os herdeiros legais da segurada GG que são apenas os seus dois filhos, mais concretamente os aqui autores BB e CC, uma vez que foi decretada a indignidade do autor AA, para efeitos de capacidade sucessória relativa à sua falecida mulher GG.

13° - Pelo que, percorrendo o preceituado no artigo 46.° do RJCS à luz da doutrina e jurisprudência seguidas pela primeira instância, bem decidiu a mesma quando julgou que , "... a norma em análise não tem o sentido e alcance que a ré lhe confere, restringindo a sua ação, quando o segurado é morto pelos seus herdeiros, aos casos em que estes são os beneficiários da quantia segura à luz do contrato celebrado, características que o caso vertente não reproduz como se viu", e "... a exclusão reclamada pela ré não tem aplicação ao contrato firmado nos autos.", "... já que para o caso vertente sempre seria de aplicar o n.° 2 da citada disposição legal..." que prevê que "2-0 beneficiário que tenha causado dolosamente o dano não tem direito à prestação" porque os beneficiários do seguro são em primeiro o reu Banco FF, e em segundo os filhos da falecida, BB e CC, conforme se disse.

14° - Assim em função exposto, entende o autor BB que a primeira instância apreciou e decidiu bem, fazendo uma correta subsunção dos factos ao direito, pelo que salvo o devido respeito, que é muito, não merecia tal julgamento o reparo e modificação imposto pela Veneranda Relação de ….

15° - A douta sentença de primeira instância, relativamente à invocada exclusão da responsabilidade da ré seguradora por - abuso de direito - julgou que: "A seguradora invoca ainda abuso de direito, alegando que a conduta do Tomador do Seguro, Pessoa Segura e ora 1º Autor AA deu causa por forma decisiva e exclusiva para a produção do sinistro, pelo que a mesma, dada a sua intencionalidade e previsibilidade para o homem médio - o bónus pater famílias -, retira-lhe o carácter de aleatório, não se podendo igualmente classificar como externo (no sentido de estranho) em relação à pessoa do Tomador de Seguro.

Esclareça-se que, por via da indignidade sucessória que lhe foi traçada por sentença judicial, o aludido homicida está impedido de beneficiar do hipotético remanescente do capital seguro (art° 67°, 2032°, 1 e 2037°, 1 do CC). Podendo suceder que o homicida vai colher também ele um benefício, dada a sua qualidade de mutuário, da total liquidação do mútuo, por meio do capital seguro, não foi esse o propósito a que obedeceu a constituição do contrato de seguro em apreciação o qual no quadro da constelação de relações jurídicas travadas em torno do aludido mútuo, tinha por função, tal como a hipoteca, garantir o cumprimento deste perante o Banco credor.

Não se vislumbra, assim, abuso de direito nem qualquer imoralidade naquilo que é afinal o cumprimento, por banda da ré, da obrigação de entregar a quantia segura, por si assumida em letra de forma quando subscreveu, na qualidade de Seguradora, o respetivo contrato de seguro, quando é certo, como se viu, não subsistir fundamento para a desvincular de tal cumprimento."

16° - No douto acórdão proferido, a segunda instância julgou que:

"Por outro lado, salvo o devido respeito, o abuso de direito invocado pela Ré recorrente, também existe. Com efeito, dispõe o art.° 334° do C. Civil:

"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou peio fim social ou económico desse direito".

"Ora, nos presentes autos, verificamos que, salvo o devido respeito, existe o abuso de direito invocado pela recorrente na modalidade de venire contra factum proprium. Com efeito, desde logo, concordamos com a recorrente quando, a propósito, conclui o seguinte:

Por último, deve também ser considerado procedente no caso sub judice a invocada situação de gritante abuso de direito.

Transcreve novamente o Mmo. Tribunal a quo um extracto do citado douto Acórdão do STJ, quando refere que «não foi esse [o facto de o homicida colher um benefício] o propósito a que obedeceu a constituição do contrato de seguro em apreciação o qual no quadro da constelação de relações jurídicas travadas em torno do aludido mútuo, tinha por função, tal como a hipoteca, garantir o cumprimento deste perante o Banco credor».

É verdade que o contrato se destinou a assegurar o risco de incumprimento dos mutuários, beneficiando, em primeira linha, o Banco mutuante. Mas foi celebrado fendo em vista um interesse daquele que foi sua contraparte, o Tomador da Seguro, que via garantido o cumprimento da sua obrigação perante o Banco (ou veriam cumprida essa obrigação os seus herdeiros) no caso de ocorrência de sinistro.

O que a conclusão transcrita na sentença não tem em consideração é o facto essencial de aqui ser o Tomador do Seguro (e não um herdeiro que não é segurado, mas mero beneficiário a titulo hereditário, como acontece ali o homicida.

Além de que parte do princípio de que não foi objecto de contrato o homicida beneficiar do contrato de seguro - porque no caso do Acórdão o homicida era mero herdeiro -, ao passo que, no coso sub judice, o objectivo do contrato de Seguro era precisamente o benefício da pessoa culpada de homicídio, na sua qualidade de Mutuário, Tomador do Seguro e Pessoa Segura: A existência de abuso de direito reside, assim, no facto de o Tomador do Seguro, Pessoa Segura e ora 1° Autor Recorrido AA, ter contribuído de forma clara e determinante como o fez para a produção do sinistro e, subsequentemente, vir - como vem - reclamar da 1ª Ré a compensação a que teria direito por força da ocorrência do mesmo. O que implicaria desvirtuar em absoluto o preceituado no art. 1º do RJCS, que estatui que, «[por] efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador de seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente».

Sendo que, por risco, deve entender-se o evento aleatório previsto no contrato de seguro cuja ocorrência determina o Segurador a pagar a prestação convencionada (tendo o Tomador do Seguro como contraprestação o pagamento do prémio a que se vinculou). Também o art.° 210° do RJCS estabelece, para os seguros de acidentes pessoais, que o Segurador cobre o risco de verificação de lesão corporal, de invalidez temporária ou permanente ou morte da pessoa segura, por causa «súbita, externa e imprevisível».

Ora, o 1° Autor Tomador do Seguro provocou de forma deliberada o evento de risco, retirando-lhe, dada a sua intencionalidade e previsibilidade para o homem médio - o bónus pater famílias - o seu carácter súbito e aleatório, não se podendo igualmente classificar como externo (no sentido de estranho) em relação à sua pessoa. Pelo que, atentas as normas citadas e o disposto no art.º 334° do Código Civil, não pode o 1° Autor e Tomador do Seguro, sem abusar do seu direito (mesmo a entender-se que o tinha), entre outras, numa claríssima situação de venire contra factum próprio, vir reclamar para si e para outros, terceiros beneficiários, uma compensação pela ocorrência do sinistro que o mesmo, dolosamente, praticou.

17° - No que a este invocado motivo de exclusão de responsabilidade respeita, o douto acórdão da segunda instância aderiu aos argumentos alegados em sede de recurso pela ré EE, S.A. que alega constituir um abuso de direito o autor AA vir apresentar a presente demanda reclamando da ré EE, S.A. a compensação a que teria direito, quando foi ele o causador da morte da segurada GG.

18° - Ora, antes de mais se refira que por uma questão processual sempre o autor AA teria forçosamente de participar na lide, por força do contrato de seguro celebrado, mas como refere a douta sentença proferida não pode beneficiar do hipotético remanescente do capital seguro, acrescentando-se ainda que se não demandasse estaria a prejudicar os seus filhos, quando já os prejudicou bastante, que tal como a entidade beneficiária, nada têm que ver com a sua atuação, pelo que não se vislumbra onde existe o abuso de direito.

19° - Assim em função do exposto, entende o autor BB que a primeira instância apreciou e decidiu bem, fazendo uma correta subsunção dos factos ao direito, pelo que salvo o devido respeito, que é muito, não merecia tal julgamento o reparo e modificação imposto pela Veneranda Relação de ….

20°- Por último e no que à matéria do recurso subordinado respeita constata-se dos autos que os autores na sua p.i. haviam pedido a condenação da primeira ré a liquidar ao 2º réu, todo e qualquer montante em débito referente ao contrato de mútuo celebrado entre o A, AA, a falecida GG e o Banco HH 5.A., atual Banco FF, S.A.

21° - O douto acórdão decidiu indeferir tal pretensão, julgando em concreto que: "Entendemos que, salvo o devido respeito, não assiste razão ao A, Recorrente. Com efeito, desde logo, improcedeu a questão antecedente, pelo que nem no pagamento do capital do seguro peticionado pelos AA. deve ser condenada a 1ª R. recorrente.

Em segundo lugar, do contrato de seguro em crise nos autos e, concretamente, das Condições Particulares da apólice (vide doc. 1 junto com a contestação da 1ª Ré, ora Apelada) resulta inequivocamente que o âmbito da garantia do referido contrato se limitava ao capital em divida com o limite máximo de 60.000,00€. (Daí a formulação expressa dele constante: "Em caso de Morte: O BANCO FF, S.A., ATÉ AO MONTANTE DO CAPITAL EM DÍVÍDA, PELO REMANESCENTE, OS HERDEIROS LEGAIS").

22° - Porém tendo ficado provado que:

15° O A AA, preencheu a "Participação de Sinistro" que enviou à 1ª R, em 01 de Fevereiro de 2010, comunicando-lhe o falecimento de GG, conforme se alcança da cópia da Participação de Sinistro enviado à EE por AA, documento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e se junta como doc. n.° 10.

26° Os AA devem ao Banco R. 56.371,66 € quanto ao capital emprestado e devem mais 11.519,93 € a título de juros vencidos e não pagos [admitido por acordo das partes cfr. ata de audiência prévia].

23° - O autor BB entende que o douto Acórdão deveria ter determinado a condenação da R EE, S.A. a liquidar as quantias de 56.371,66€ a título de capital e 11.519,93 € a título de juros vencidos e não pagos, porque o já referido douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 05.05.2011, no processo n.° 283/10.8TVLSB.Si, disponível em www.dqsi.pt., ensina e firma jurisprudência nos seguintes termos: IV - Incorre em mora, obrigando-se à reparação dela decorrente, independentemente de interpelação, o devedor que, de forma categórica e definitiva, manifesta ao credor intenção de não cumprir.

24° - Pelo que, salvo o devido respeito pela decisão tirada pela Relação, entende o autor BB que a ré EE, S.A. deve ser condenada no pagamento de juros porquanto haver incorrido em mora ao não efetuar o pagamento do capital seguro em tempo à entidade bancária ré, razão porque pugna pela modificação da douta decisão proferida em segunda instância.

Por seu turno, o Banco réu rematou a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1) O douto acórdão do Tribunal da Relação de … revogou a sentença (saneador/sentença) exarada na 1ª instância, por ter entendido que essa decisão não fez adequada subsunção dos factos ao direito, em violação por errada interpretação e aplicação do disposto na invocada cláusula constante do artigo 3º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Exclusões Gerais”, n.º 3.2 “Riscos Excluídos”, alínea b), do contrato de seguro aludido nos autos, bem como do disposto nos arts. 1º, 46º e 210º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril) e 280º, n.ºs 1 e 2, e 334º do Código Civil.

2) Porém, salvo o devido respeito, o mesmo douto acórdão recorrido carece de razão e fundamento, há-de ser revogado e substituído pela manutenção da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância.

3) Defende o acórdão recorrido que, segundo o convencionado no contrato de seguro, na cláusula acima destacada, basta que exista um sinistro por qualquer ato doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na ativação das coberturas contratadas para que o contrato de seguro não opere por não comportar qualquer garantia, sendo indiferente que o homicida seja o tomador do seguro, a pessoa segura ou o beneficiário do seguro.

4) Mas o Tribunal recorrido não tem razão, porque a cláusula mencionada e já transcrita não pode ser entendida com o sentido que lhe atribuiu a Relação de …, porquanto o que se convencionou expressamente foi que qualquer um dos intervenientes nomeados – tomador do seguro, segurado ou beneficiário – seria pessoal e individualmente excluído da garantia do seguro, para si pessoal e individualmente resultante, quando fosse, e na medida em que o fosse, também pessoal e individualmente, autor material ou autor moral ou cúmplice do evento constitutivo do sinistro.

5) Por ser assim, como é, o beneficiário do seguro só deixa de ter direito à prestação da seguradora no caso de ter causado, por algum daqueles modos de actuação, como autor material, como autor moral, ou como cúmplice, o dano.

6) Ciente o Recorrente da sua posição de beneficiário terceiro do seguro, da autonomia do seu direito, do papel e do contributo do seguro de vida a seu favor para a montagem das garantias do empréstimo por si concedido, da disciplina legal em vigor, mormente o art. 458º do Código Comercial, e, ainda assim, da prática comum e geral nesta matéria, entendeu que o seguro em negociação e contratado lhe conferia um direito próprio, independente de atos subsequentes do tomador do seguro; e isto releva na consideração do art. 236º, n.º 1, do Código Civil.

7) Esta leitura que assim se faz do clausulado em apreço é a única que se coaduna com a vontade, aliás expressa, das partes, com a natureza do contrato de seguro em causa, com a jurisprudência existente sobre a matéria, enfim com o regime legal atual atinente e com os respetivos antecedentes legislativos.

8) O contrato de seguro discutido nos autos, celebrado apenas entre o aqui Autor e a Seguradora Ré, é um contrato de seguro do ramo vida em que figura e é beneficiário um terceiro, em concreto o Banco FF, Banco que, portanto, não foi tomador de tal seguro, como não foi a pessoa que ficou segura nele. Repete-se: o presente, o dos autos, é um contrato de seguro de vida em caso de morte em benefício de terceiro.

9) E é o contrato de seguro em apreço um contrato a favor de terceiro, desse modo subordinado, além do mais, à disciplina dos arts. 443º e seguintes do Código Civil.

10) Sendo desta sorte o beneficiário nele, o Banco FF adquiriu um direito ao capital seguro que é próprio e, além disso, autónomo, relativamente à posição do tomador do seguro.

11) O contrato d seguro de vida dos autos de que é beneficiário o Banco FF é, sem margem para qualquer dúvida, visto o seu clausulado, um contrato a favor de terceiro e, sendo assim, como é, a analisada cláusula de exclusão de garantia (art. 3º, n.º 2, alínea b), das respetivas condições gerais) não pode ter o sentido que lhe foi assacado pelo Tribunal recorrido, mas antes aquele que foi recolhido e consagrado pela decisão da 1ª instância, sob pena de se negar a sua patente índole de contrato a favor de terceiro.

12) Este contrato, o contrato a favor de terceiro, está subordinado ao regime imperativo do art. 449º do Código Civil, segundo o qual são oponíveis ao terceiro, por parte do promitente todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário. Ora, na presente lide, o homicídio praticado pelo Autor AA na pessoa de sua mulher é manifestamente um ato que não pode ser qualificado como um meio de defesa derivado do contrato, mas antes uma realidade que é exterior e estranha à constituição do próprio contrato de seguro.

13) Aliás e uma vez que o contrato de seguro de vida em benefício de terceiro em causa foi celebrado em Novembro de 2005, a sua convenção não poderia nunca infringir o regime legal impositivo da sua regulação obrigatória vigente no tempo. E ao tempo vigoravam, entre outros, o art. 458º do Código Comercial que dispunha, com toda a suficiente clareza: “O segurador não é obrigado a pagar a quantia segura: 1º Se a morte da pessoa, cuja vida se segurou, é resultado de duelo, condenação judicial, suicídio voluntário, crime ou delito cometido pelo segurado, ou se este foi morto pelos seus herdeiros. 2º Se aquele que reclama a indemnização foi autor ou cúmplice do crime de morte da pessoa, cuja vida se segurou. § único. A disposição do n.º 1 deste artigo não é aplicável ao seguro contratado por terceiro”.

14) Se a referida cláusula 3.2., alínea b), das Condições Gerais do contato de seguro de vida a favor de terceiro de que foi constituído beneficiário o Banco FF tivesse o sentido e o conteúdo que foi declarado pelo Tribunal da Relação de …, tal cláusula seria nula, segundo a previsão do art. 280º, n.º 1, do Código Civil, por infringir o art. 458º do Cód. Comercial.

15) Acresce que o art. 46º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro não pode ser interpretado do modo como o faz o Tribunal da Relação de ... .

16) Efetivamente, a letra desse artigo do Regime Jurídico do Contrato de Seguro é clara. Desde logo o seu n.º 2 é manifesto na afirmação de que o beneficiário do seguro que tenha dolosamente causado o dano não tem direito à prestação, donde a conclusão imperiosa, indesmentível, de que o beneficiário do seguro, mormente na modalidade de seguro de vida em benefício de terceiro, como é o caso destes autos, que não tenha causado dolosamente o dano tem direito à prestação. É afinal o que está pedido nesta ação e foi decretado na sentença exarada em 1ª instância que tem de ser reposta e consagrada.

17) E esta leitura que desta sorte se faz do n.º 2 daquele art. 46º é confirmada pelo teor do n.º 1 do preceito, o qual cuida, trata e disciplina do direito do tomador do seguro e do segurado a quem é negado, como quer que seja sempre com independência de posição entre cada um deles, o direito à prestação contratualmente devida pelo segurador quando o sinistro tenha sido causado dolosamente, seja pelo primeiro, seja pelo tomador do seguro, seja pelo segundo, a pessoa segura.

18) E os arts. 1º e 210º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, ditos pela Relação de …, terem sido infringidos pela 1ª instância, nada comandam que coloque em perda o que vem de afirmar-se, falecendo, por inteiro, razão, neste particular, também ao Tribunal recorrido: o homicídio praticado pelo tomador do seguro foi evento aleatório, causa súbita, externa e imprevisível, no tocante ao beneficiário do seguro, in casu, o Banco FF.

19) Também não pode persistir a parte do acórdão da Relação de … onde se acoima a sentença elaborada e publicitada em 1ª instância de ter infringido o art. 280º do Código Civil pela circunstância, diz aquele Tribunal, do contrato de seguro ajuizado ter sido contratado em ofensa à lei e em desrespeito dos bons costumes e em contrariedade à ordem pública.

20) Não assiste qualquer razão à decisão de que se recorre, uma vez que o ato ilícito e criminoso do homicídio praticado, em 2009, na pessoa de sua mulher pelo tomador do seguro, ora Autor AA, não foi previsto, nem era previsível, na data da celebração do contrato de seguro outorgado entre a Ré Seguradora e o mesmo Autor, em 2005. Nada na matéria provada aponta nesse sentido e nuca tal previsão foi, de resto, invocada do antecedente.

21) Sempre restaria a circunstância de o Banco FF ser inteiramente alheio a tais hipotéticas, porém inexistentes, maquinações do Autor AA, nada havendo nos autos que aponte no sentido da realidade delas, das ditas maquinações e muito menos do conhecimento ou da intervenção do Banco a tal respeito.

22) Donde a necessidade de observar a disciplina do art. 281º do Código Civil, afastando-se, em absoluto, a afirmação da nulidade do negócio jurídico consistente no seguro de vida discutido nos autos de que o Banco FF foi constituído beneficiário.

23) Enfim, contrariamente ao declarado no acórdão recorrido, a sentença proferida pela 1ª instância não infringiu, de nenhum modo, o art.º 334º do Código Civil.

24) No caso concreto da presente lide o direito que está em apreço é o direito do Banco FF a receber da Ré Seguradora o montante do capital ainda em dívida do empréstimo concedido, em seu tempo, ao Autor AA, por força e em virtude do seguro de vida em benefício de terceiro de que o mesmo Banco Popular é terceiro beneficiário. Tal direito reconhecido e declarado pela sentença da 1ª instância não pode ser afastado, não pode ser posto em crise, nem sequer diminuído, por qualquer acto pessoal do tomador do seguro, nesta ocorrência o Autor AA.

25) A sentença da 1ª instância, julgando com toda a correção e com todo o acerto, não acolheu, não consagrou a ideia da verificação de abuso de direito, na modalidade de atuação emvenire contra factum proprium” pela só razão de que o ato censurável, de natureza criminosa, do Autor AA não foi próprio, nem foi participado, pelo Banco FF que, relativamente a tal facto, não foi autor material, nem autor moral, nem cúmplice, nem sequer instigador.

  A Ré Seguradora ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso das duas revistas.

Posteriormente, o Banco réu apresentou desistência do recurso de revista que havia interposto e o Relator na Relação não admitiu tal desistência que sofrera oposição do autor BB (cfr. fls. 617).

Submetida essa decisão do relator à Conferência, esta revogou-a, através do acórdão que constitui fls. 11 e 12 do apenso, admitindo como válida a desistência e julgando findo o aludido recurso de revista.

Discordando dessa decisão, interpôs o autor BB recurso de revista, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) A douta decisão proferida pela Veneranda Relação de … por douta decisão julgou que: Em conferência, os juízes que constituem este coletivo, revogando o despacho relatoral de fls. 617 a v.°, admitem a desistência do recurso que o Banco FF, SA veio interpor, do Acórdão desta Relação constante de fls. 487 a 503 v.°, para o Supremo Tribunal de Justiça e, consequentemente, extinguindo-se o direito que com ele o recorrente pretendia fazer valer, julgam extinta, nesta parte, a instância recursiva - art.°s 277, ai. d)e 632°, n.°5, do C.P.Civil."

2) A douta decisão proferida julgou que às partes assiste a liberdade de desistência de recurso desde que ainda não tenha sido proferida decisão que recaia sobre o recurso interposto, por força do disposto no artigo 632º, n.° 5 do CPC.

3) Ora efetivamente as partes podem livremente desistir dos recursos por si interpostos ao abrigo do citado 632º n.° 5 do CPC, que refere que "O recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto até à prolação da decisão."

4) Mas a desistência do recurso implica para a parte a renúncia a um direito processual que lhe assiste, que se consubstancia na faculdade que a parte possui de impugnar a decisão proferida pelo tribunal recorrido.

5) E assim sendo salvo melhor e mais sábia opinião, tal desistência só pode produzir efeitos se todos as partes comungarem de tal propósito, por força do disposto no n.° 1 do mesmo artigo 632° do CPC que refere que "É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes."

6) Ora como no caso dos autos o recorrente Banco FF, S.A. declarou desistir do recurso que havia interposto e o aqui recorrente se opôs a tal desistência, não existe encontro e coincidência de declarações de vontade relativa à desistência e consequente renúncia de tal direito.

7) Pelo que, salvo o devido respeito a Veneranda Relação ao proferir decisão em que extingue a aludida instância recursiva, violou o disposto no já referido artigo 632° n.° 1 do CPC, razão que motiva o presente recurso.

O Banco II, S.A., entretanto admitido a substituir na lide o Banco FF (cfr. fls. 649 verso e 650), ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso deste último recurso que, não obstante a sua subida em separado, será apreciado, em simultâneo, no processo principal.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1) O A AA casou civilmente com GG em 9 de Setembro de 1995, na Conservatória do Registo Civil de M….

2) GG faleceu em 29 de Novembro de 2009.

3) O A AA e a falecida GG eram, em casados, donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção autónoma designada pela letra CD, correspondente ao rés-do-chão destinado a comércio, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em …, freguesia da …, concelho de M…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 2...6 e descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob a ficha n.º 1279.

4) Tal prédio adveio à pertença do dissolvido casal, porquanto o haverem adquirido à sociedade JJ - Instituição Financeira de Crédito, S.A., por contrato de compra e venda, outorgado por escritura pública exarada em 04 de Outubro de 2005, de fls. 98 a fls. 99 verso, do L 130-A, no 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de ….

5) Tal prédio encontra-se onerado com uma hipoteca voluntária a favor do Banco HH, S.A., com montante máximo assegurado de 77 394,00€ para garantia de um empréstimo bancário no montante de 60,000,00€.

6) O A AA e a falecida GG, ainda na constância do matrimónio, solicitaram junto do então Banco HH, S.A., um financiamento bancário para apoio à aquisição de bens de caracter utilitário para o prédio supra identificado.

7) Tendo o financiamento bancário sido formalizado por escritura pública exarada de fls. 9 a fls. 10V do L 12-A, no Cartório Notarial de KK, em 28 de Outubro de 2005, o A AA e a falecida GG, outorgaram com o então designado Banco HH, S.A., um contrato de mútuo com hipoteca, documento cujo conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido.

8) A entidade bancária, ora 2º R, anteriormente designava-se por Banco HH, S.A. mas atualmente gira comercialmente sob o nome Banco FF, S.A., sendo no entanto a mesma sociedade comercial.

9) O A AA a falecida GG e o 2º R convencionaram na clausula primeira do documento complementar integrado na mencionada escritura pública que se juntou como documento n.º 6, que: “O empréstimo no montante de 60 000,00 (sessenta mil euros) é concedido pelo prazo de 30 (trinta) anos, amortizável em 360 (trezentas e sessenta) prestações, mensais e sucessivas de capital e juros, com vencimento inicial a um mês da data desta escritura”.

10) O A AA e a falecida GG convencionaram com o 2º R na clausula décima, ponto 2, do documento complementar integrado na mencionada escritura pública que se juntou como documento n.º 6 que: “Os mutuários celebraram com a Companhia de Seguros EE – COMP. SEGUROS VIDA, SA, seguro de vida, com apólice em emissão que resultar da Proposta número 222-0100263 (dois, dois, hífen, zero, um, zero, zero, dois, seis, três), do qual o HH é beneficiário, pelo que, em caso de morte ou incapacidade total ou parcial de um dos mutuários, a indemnização devida reverterá para o HH até ao montante do saldo em dívida”.

11) Na sequência de tal o A Mário Joaquim veio a celebrar com a 1ª R EE um contrato de seguro do ramo vida, intitulado “EE CREDITO DUO 2004”, conforme se alcança da Declaração e do último extracto consolidado enviado pela EE a AA, documentos cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

12) No qual figurava o A como primeira (1ª) pessoa segura e a falecida GG como (2ª) pessoa segura e o 2º R como beneficiário, com apólice n.º 1/016198.

13) Sendo que o dito seguro de vida foi firmado, com o capital seguro (base) de 60 000,00€, para cobrir o risco da eventualidade de morte de qualquer das pessoas seguras, e o consequente garantir o pagamento do empréstimo bancário ao 2º R.

14) Do Boletim Informativo EE CREDITO DUO 2004, entregue ao A, constam entre outras as seguintes informações:

1. O que é o EE Crédito 2004?

O EE Crédito 2004 é um plano de protecção que lhe garante uma maior segurança, a si e à sua família, face a eventuais riscos que se prendem com a sua vida.

Pode ainda garantir a liquidação do empréstimo, ou de qualquer outro compromisso que tenha assumido perante terceiros, em caso de morte.

3. Quais as garantias do EE Crédito 2004?

O EE Crédito 2004 garante o pagamento do capital seguro aos beneficiários designados, em caso de:

• Morte;

• Invalidez Absoluta e Definitiva (oferta);

• Invalidez Total e Permanente

Quer derivem de doença ou acidente.

Esta última cobertura é de subscrição opcional, podendo ser subscrita caso seja exigida pelo credor ou se estiver interessado num nível de protecção mais elevado.

4. Quantas pessoas são admitidas na subscrição do EE Crédito 2004?

O EE Crédito 2004 apresenta duas possibilidades de subscrição relativamente ao número de Pessoas Seguras:

• Uma Pessoa Segura;

• Duas Pessoas Seguras, através da modalidade EE Crédito 2004 Duo (neste caso a indemnização é paga à ocorrência do primeiro sinistro).

10. Quem são os beneficiários do contrato?

Tem total liberdade na designação dos beneficiários.

Nos casos em que o EE Crédito 2004 está associado a um crédito, o beneficiário é a instituição credora pelo valor em dívida, podendo ainda assim designar outros beneficiários para o excedente de capital. Caso não o faça, serão os herdeiros da Pessoa Segura de forma equitativa, conforme se constata pela leitura do Boletim Informativo EE CREDITO DUO 2004, entregue ao A, documento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15) O A AA preencheu a “Participação de Sinistro” que enviou à 1ª R, em 01 de Fevereiro de 2010, comunicando-lhe o falecimento de GG, conforme se alcança da cópia da Participação de Sinistro enviado á EE por AA, documento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16) Na sequência quer da participação de sinistro quer das demais reclamações, que a 1ª R rececionou, procedeu à abertura de processo de sinistro n.º 280 e respondeu ao A AA informando-o, entre outras, de que para chegar a uma decisão final acerca do processo de sinistro, necessitava que lhe fosse enviada decisão do processo judicial aberto para averiguação da causa da morte de GG, nada mais resolvendo, conforme se alcança da cópia da carta enviado pela EE S.A. a AA, documento cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

17) E isto porque a referida GG, faleceu porquanto o A, após um desentendimento conjugal com a mesma, haver desferido disparos sobre o seu corpo, com uma arma de fogo, provocando-lhe lesões fatais às quais a mesma não resistiu, acabando por falecer.

18) E na sequência de trágica ocorrência, o A AA foi de imediato detido por órgão de polícia criminal, que formalizou autos de processo-crime n.º 1140/09.6 JACBR, no âmbito do qual, o Tribunal Judicial de …, decretou a prisão preventiva do mesmo.

19) Vindo o A AA, no âmbito dos autos de processo-crime n.º 1140/09.6 JACBR, a ser condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado praticado sobre a vítima GG previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, números 1 e 2 alínea l) do Código Penal.

20) GG faleceu no estado de casada com o A AA, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão de adquiridos.

21) Deste enlace matrimonial haviam nascido dois filhos, a saber:

1. BB, em 17 de Maio de 1996;

2. CC, em 29 de Outubro de 2003.

22) A aludida GG faleceu sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

23) Contudo posteriormente, por sentença proferida nos autos de processo ordinário n.º 420/13.0TBMMV, pelo extinto Tribunal Judicial de … já transitada em julgado em 08/09/2014, foi decretada a indignidade do aqui A AA, para efeitos de capacidade sucessória relativa à sua falecida mulher GG.

24) E ainda por sentença proferida nos autos de processo n.º 693/09.3TBMMVA, pelo extinto Tribunal Judicial de …, já transitada em julgado em 31.03.2014, foi decretada ao A AA, a inibição total do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos, os aqui AA CC e BB, que ficaram confiados, ela á guarda do tio materno DD e ele à guarda do tio materno LL, e respectivamente com o poder paternal.

25) A A. CC foi posteriormente apadrinhada civilmente pelo seu tio DD, sendo o compromisso homologado por sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de … – Instância Central - … – 2ª Secção Família e Menores – J1, transitada em julgado em 03.12.2014.

26) Os AA. devem ao Banco R. 56.371,66 € quanto ao capital emprestado e devem mais 11.519,93 € a título de juros vencidos e não pagos.

27) No exercício da sua atividade, a ora 1.ª Ré seguradora celebrou com AA, ora 1.º Autor, um contrato de seguro do ramo Vida, na modalidade “EE Crédito Duo 2004”, titulado pela apólice com o n.º 1/01…8.

28) O referido contrato tinha uma duração de 38 (trinta e oito) anos, com a data de início em 28.10.2005 e de termo em 27.10.2043.

29) Com as coberturas ou garantias principal de Morte e complementar de Invalidez Absoluta Definitiva, cujo Tomador do Seguro e seu Titular (com o n.º 0004…1) era o referido AA, as Pessoas Seguras o mesmo (como 1.ª Pessoa Segura) e sua mulher, GG (como 2.ª Pessoa Segura) e beneficiário irrevogável o Banco FF, S.A. (ao tempo, o Banco HH, S.A. em que aquele sucedeu), ora 2.º Réu, até ao montante do capital em dívida e, pelo eventual valor remanescente, em caso de Invalidez, as Pessoas Seguras e, em caso de Morte, os herdeiros legais das Pessoas Seguras (vide Condições Particulares da apólice, respectiva Proposta de Contrato de Seguro e Condições Gerais cujas cópias se juntam como documentos n.ºs 1, 2 e 3 da contestação da seguradora e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos).

30) O contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer “acto doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na activação das coberturas contratadas” (cfr. art.º 3.º, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n.º 3.2. "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais – vide documento n.º 3, a folhas 2 de 12).


III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão dos dois recursos de revista, cujos objectos se encontram delimitados pelas conclusões da respectiva alegação recursória (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[3]), passam pela análise e resolução das seguintes questões jurídicas:

A) Recurso em separado

- Validade da desistência do recurso de revista inicialmente interposto pelo Banco réu;

B) Recurso principal

- A cláusula constante do contrato de seguro sob o artigo 3.º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Exclusões Gerais”, n.º 3.2. “Riscos Excluídos”, al. b), e o artigo 46.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro exclui ou não a responsabilidade da seguradora;

- Não estando excluída, a responsabilidade da seguradora abrange também os juros moratórios; e

- O abuso do direito por parte do autor ....

Vejamos, agora, cada uma dessas questões.

1 – Não obstante a sua tramitação processual autónoma, iniciamos a apreciação pelo recurso admitido com subida em separado, dado que a questão nele suscitada (validade de desistência recursória) ser prévia em relação ao recurso de revista interposto pelo Banco réu, na medida em que o conhecimento deste está umbilicalmente dependente do juízo que se formule quanto à validade da apresentada desistência. Como assim, embora se possam colocar dúvidas sobre se a decisão impugnada comporta revista, uma vez que não põe termo ao processo e não foram invocados os pressupostos de que depende o recurso de decisão interlocutória (artigos 671.º, n.ºs 1 e 2, e 629.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), a relação de anterioridade antes enunciada e a imposição constitucional de garantia de um efectivo duplo grau de jurisdição, justificam, apesar disso, a nossa apreciação, cabendo, pois, dilucidar se a desistência do recurso de revista inicialmente interposto pelo banco réu é válida.

O autor BB pugna pela não produção de efeitos dessa desistência, enquadrando-a numa renúncia antecipada proveniente apenas de uma das partes (artigo 632.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Não tem, porém, razão e o seu entendimento, no tocante a esta temática, não merece ser acolhido.

Com efeito, o direito ao recurso concretiza-se na faculdade de submeter as decisões judiciais a uma reapreciação, por um tribunal superior, mas o seu âmbito não se esgota no acto de interposição de recurso e de apresentação de alegações e de conclusões, estendendo-se ainda à possibilidade de, em determinado momento, abdicar da pretensão de reapreciação judicial, na base do que podem encontrar-se razões de vária índole (conformou-se com a decisão ou obteve, por outra via, o efeito que pretendia alcançar com o recurso).

A parte abdica da pretensão do direito de recorrer, quando a ele renuncia ou dele desiste, manifestando vontade de não ver reapreciada a decisão judicial por uma instância superior. É, sobretudo, o critério temporal que distingue a renúncia da desistência: a primeira acontece em momento anterior à da apresentação do requerimento de interposição de recurso, ou seja, em momento em que o recurso propriamente dito ainda não foi interposto; a segunda ocorre em momento subsequente ao acto da impugnação da decisão judicial, isto é, uma vez iniciada a instância de recurso e, por regra[4], antes da prolação de acórdão pelo tribunal superior. Daí as diferentes exigências legais para a eficácia de uma e outra: no caso de renúncia antecipada, esta é lícita e só produz efeito se provier de ambas as partes (artigo 632.º, n.º 1, segunda parte, do Cód. Proc. Civil), justamente porque a instância de recurso não se formou e a renúncia tem como consequência a impossibilidade de qualquer uma recorrer; no caso de desistência, o recorrente pode fazê-lo, por simples requerimento e livremente (artigo 632.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil), isto é, não depende do assentimento do recorrido, nem, revertendo ao caso em apreço, do recorrente BB, uma vez que o recurso interposto pelo Banco réu e desistente nunca poderia aproveitar àquele, que não só recorreu de revista, como também não é sequer comparte (cfr. artigo 634.º do Cód. Proc. Civil), sendo, pelo contrário, parte contrária.

Deste modo, o recorrente Banco réu pode exercer, livremente, o direito de desistir do recurso, sem carecer da anuência, da contraparte e tendo-o feito através requerimento a manifestar expressamente essa sua vontade terá tal desistência de ser considerada válida, tanto mais que não foi alegado sequer que a vontade do desistente estava inquinada por qualquer vício (erro, dolo ou coacção física ou moral).

Fica igualmente desfeita a confusão conceptual em torno da renúncia ao recurso e da desistência do recurso, emergente das conclusões recursórias e do despacho do relator no Tribunal da Relação, sendo inequívoco que se está perante uma desistência e que esta é válida como bem equacionou e decidiu a Conferência na Relação, quando revogou aquele despacho do relator, prolatando o acórdão recorrido.

Improcedem, pois, as conclusões do recorrente ..., no tocante ao recurso de revista tramitado com subida em separado e que terá de improceder.

2 – Viremos, agora, a nossa atenção para o recurso de revista principal, começando pela exclusão ou não da responsabilidade da ré seguradora, à luz da cláusula constante do contrato de seguro sob o artigo 3.º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Exclusões Gerais”, n.º 3.2. “Riscos Excluídos”, al. b), e o artigo 46.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, relembrando que as instâncias divergiram frontalmente, nesse ponto, pois, enquanto a 1ª instância decidiu pela responsabilização da ré seguradora, condenando-a a liquidar ao Banco réu a quantia de €56.371,66, referente ao capital em dívida respeitante ao celebrado contrato de mútuo, a Relação entendeu, ao invés, que não recai sobre a ré seguradora a responsabilidade pela liquidação desse montante.

O recorrente pugna naturalmente para que fique a subsistir a 1ª decisão, em substituição da ditada pela Relação, relatando os termos do litígio e transcrevendo passagens dessas decisões, em especial da que lhe foi favorável.

Como se alcança dos factos descritos de 10) a 13) do elenco factual provado, o autor ... celebrou, em 2005, um contrato de seguro do ramo vida com a ré seguradora, intitulado “EE CREDITO DUO 2004”, nele figurando como tomador do seguro e 1.ª pessoa segura e a falecida GG como 2.ª pessoa segura, para cobrir o risco da eventualidade de morte de qualquer um deles, com o capital seguro de € 60 000,00, e consequentemente garantir o pagamento do empréstimo ao banco réu, o beneficiário da prestação. Este tipo de contrato pode definir-se como aquele pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se aquela ao pagamento de determinada contrapartida (prémio) e esta a efectuar determinada prestação pecuniária, em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro)[5]. Por norma, configura-se como contrato de adesão, dada a circunstância de as suas cláusulas serem prévia e unilateralmente elaboradas e subscritas sem prévia negociação individual, integrando documento escrito que lhe confere forma – apólice – onde se define o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segurada e o prémio ajustado.

No vertente caso, estamos perante um contrato de seguro que se insere no ramo vida, pois constitui sua finalidade a cobertura de riscos relativos à invalidez e à vida dos respectivos segurados[6] que se regula pelas estipulações da respectiva apólice, não proibidas pela lei e na sua falta e insuficiência pelas disposições do Código Comercial (artigo 427.º), em vigor na altura da sua celebração, e também pelo regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 -10).

Ocorrido um dos eventos que o contrato de seguro de vida celebrado teria por objecto cobrir – o falecimento da 2.ª pessoa segura – este, por si, não levantaria qualquer dúvida ou hesitação no accionamento do seguro e consequente pagamento da prestação ao réu banco beneficiário. Contudo, tendo o falecimento da 2.ª pessoa segura, GG, ocorrido por homicídio voluntário cometido pelo autor AA, tomador do seguro e 1.ª pessoa segura, por razões de ordem contratual - a cláusula 3.2, al. b) - , e até de ordem moral[7], deve ser ponderada a exclusão do risco.

Na verdade, o contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer “acto doloso de que o Tomador de Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na activação das coberturas contratadas” (cfr. artigo 3.º, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n.º 3.2. "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais – vide documento n.º 3, a folhas 2 de 12) – facto provado 30. E in claris non fit interpretatio… ou, no caso, as cláusulas contratuais claras, por si mesmas, se interpretam.

Com efeito, a transcrita cláusula de exclusão não oferece ambiguidade ou dúvida que deva fazer prevalecer, na sua interpretação, um sentido mais favorável ao aderente (cfr. artigo 11.º da LCCG), ou ao nível da tutela da vontade do segurado. Qualquer declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição do declaratário real (o tomador do seguro), atribuiria àquela cláusula de exclusão de risco o sentido de que, caso o próprio tomador do seguro ou pessoa segura fosse o autor material de um acto doloso que se traduzisse na activação das coberturas contratadas, mais concretamente, de homicídio voluntário cometido na pessoa da 2.ª pessoa segura, o sinistro ocorrido estaria excluído do âmbito da garantia do contrato de seguro (artigos 236.º e 238.º do Cód. Civil e 10.º da LCCG). Assim, por efeito da verificação da previsão da cláusula contratada (o tomador do seguro e simultaneamente pessoa segura cometeu homicídio voluntário na pessoa da 2.ª segurada) – cuja vigência, validade e eficácia não foi posta em causa – é lógico aplicar a estatuição associada, ou seja, a exclusão da cobertura e desobrigação da ré seguradora.

Esta conclusão deriva de o contrato de seguro se reger, primacialmente, pelas cláusulas contratuais acordadas entre as partes (artigo 405.º do Cód. Civil), dentro dos limites da lei, e desde que não seja contrário à lei, à boa fé (artigo 15.º da LCCG), à ordem pública ou aos bons costumes (artigo 280.º do Cód. Civil), socorrendo-se do regime legal supletivamente aplicável em matéria que não haja sido prevista ou regulada no contrato.

Ora, não se vislumbrando qualquer dessas contrariedades, nem tal vindo invocado pelas partes, nem, ao contrário do afirmado pelo recorrente, a Relação o decidiu[8], não nos deparamos com fundamento que afaste o regime convencionado ou que conduza à não exclusão da obrigação da ré seguradora.

Por outro lado, dando o contrato de seguro cobertura a esta situação, o beneficiário da prestação seria o banco réu, porém também o tomador do seguro, pessoa segura, constituir-se-ia em beneficiário indirecto, vendo extinta uma dívida sua decorrente do contrato de mútuo celebrado com o banco e que o seguro visava justamente garantir. O banco réu seria o beneficiário formal, não há dúvida, da cobertura do sinistro, mas o tomador do seguro igualmente beneficiaria disso, em termos económicos e materiais, por se extinguir uma dívida sua contraída perante o banco[9]. Por isso que aceitar a cobertura deste sinistro pelo ajuizado contrato de seguro seria premiar o tomador do seguro que, por meio de uma actuação dolosa, homicídio voluntário por si cometido, determinou o respectivo accionamento.

Acresce que inexiste razão objectiva para sustentar uma eventual interpretação restritiva da cláusula de exclusão que, como referido, de tão clara, não carece de interpretação com recurso a elementos externos, não contraria norma imperativa, nem resulta dos factos provados que fosse essa a vontade das partes, sendo portanto inequívoca a aplicação da cláusula contratual geral acordada entre as partes e em consequência a desobrigação da seguradora no pagamento da prestação ao beneficiário, o banco réu. Ao caso, ainda que as partes não houvessem acordado na referida exclusão de risco, sempre essa exclusão ou desobrigação da seguradora, encontraria fundamento legal no artigo 458.º, n.º 1, do Cód. Com., quer porque se trata de crime doloso cometido pelo segurado na pessoa da pessoa segura, quer porque se trata de crime cometido por quem seria seu herdeiro (cônjuge), qualidade apenas afastada por via da indignidade sucessória decretada por sentença transitada em julgado, e os restantes herdeiros não serem parte no contrato de seguro.

Anote-se ainda que a jurisprudência em que o recorrente se abona e em que a 1ª instância se fundamentou parcialmente não é transponível para o caso vertente, por versar sobre cláusula de exclusão de teor diferente (caso do acórdão do STJ de 05-05-2011, processo n.º 283/10.8TVLSB.S1) ou reportar-se a situação sem paralelo com a equacionada nestes autos (caso do acórdão do STJ de 06-02-1997, processo 96B527, em que o homicida, apesar de herdeiro do segurado, é totalmente alheio ao contrato de seguro accionado, enquanto no caso em apreço é o próprio tomador do seguro o autor do crime de homicídio).

Adiante-se também que, diversamente do que considerou o acórdão recorrido, o invocado artigo 46.º do RJCS não tem aplicação ao caso, isto tendo em conta as normas de aplicação da lei no tempo constantes do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, entrado em vigor no dia 01 de Janeiro de 2009 (artigo 7.º do diploma preambular).

Na verdade, em matéria de aplicação no tempo, estabelece o artigo 2.º, n.º 1, do diploma preambular, que «o disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes». Por sua vez, tratando-se de seguros de pessoas não sujeitos a renovação, prevê o artigo 4.º, n.º 2, do mesmo diploma, que «as partes têm de proceder à adaptação dos contratos de seguro celebrados antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, de molde a que o regime jurídico do contrato de seguro se lhes aplique no prazo de dois anos após a sua entrada em vigor», acrescentando o n.º 3 que «a adaptação a que se refere o número anterior pode ser feita na data aniversária do contrato, sem ultrapassar o prazo limite indicado», ou seja, até Janeiro de 2011[10].

No caso, o seguro foi celebrado em 28-10-2005, com termo acordado para 27-10-2043, pelo que tendo o sinistro (a morte de pessoa segura) ocorrido em 29-11-2009 e não constando do manancial fáctico, alegado ou demonstrado, que as partes tivessem adaptado o contrato de seguro ao novo regime jurídico, o artigo 2.º, n.º 2, do diploma preambular, conduz à exclusão da aplicação do novo regime jurídico do contrato de seguro ao sinistro em causa, nomeadamente o disposto nos seus artigos 46.º ou 192.º.

Aliás, a ser aplicável, temos como certo que a exclusão sempre encontraria subsunção n.º 1 do artigo 46.º quando estabelece que «salvo disposição legal ou regulamentar em sentido diverso, assim como convenção em contrário não ofensiva da ordem pública quando a natureza da cobertura o permita, o segurador não é obrigado a efetuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado».

Improcedem, pois, também quanta a esta questão as atinentes conclusões e retórica argumentativa gizada pelo recorrente.

3 - Bate-se ainda o recorrente pela responsabilização da seguradora ré pelo pagamento dos juros moratórios, mas tendo-se concluído pela exclusão do risco ocorrido e, consequentemente, pela desobrigação da seguradora ré, fica prejudicada a apreciação dessa questão, pois não sendo ela responsável pela liquidação do capital não lhe cabe, como é óbvio, suportar quaisquer juros moratórios. E igualmente prejudicado fica a apreciação do suscitado abuso de direito do autor AA, na medida em que tendo-se chegado à conclusão, como se viu, pela não responsabilização da seguradora ré, não houve reconhecimento de qualquer direito e consequentemente não se coloca sequer o seu abuso paralisador, temática que não interessa, pois, abordar.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, cujo veredicto deverá subsistir, por não merecer os reparos que lhe aponta, nem violar as disposições legais que indica.


IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar ambas as revistas e confirmar os acórdãos recorridos.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


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Anexa-se sumário do acórdão (artigos 663.º, n.º 7, e 679.º, ambos do CPC).

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Lisboa, 04 de Outubro de 2018


António Joaquim Piçarra (relator)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado

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[1] Posteriormente substituído na lide pelo Banco II, SA (cfr. fls. 649 verso e 650).
[2] Um misto simultaneamente alegatório e conclusivo, com maior pendor para a primeira vertente.
[3] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que o processo foi instaurado depois de 01 de Setembro de 2013.
[4] No sentido da admissibilidade da desistência do recurso após ter sido lavrado o acórdão, mas antes do trânsito em julgado, decidiu o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJ III/96, pág. 7.
[5] Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora 1999, pág. 94, Almeida Costa, RLJ, ano 129º, pág. 20, JC Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 1971, pág. 23, e Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág. 684.
[6] Vide Calvão da Silva, Apólice Vida Risco…, RLJ, nº 3942, ano 136º, págs. 158 e ss.
[7] JC Moitinho de Almeida, obra citada, pág. 391 refere que “É por se afigurar imoral que, não obstante a prática de um acto doloso, o segurado beneficie da cobertura dos danos por ele causados que se exclui a responsabilidade do segurador”. E continua o mesmo autor, na página 392: “Em nossa opinião, só num caso se justifica a desvinculação total do segurador: quando o homicídio é causado pelo tomador do seguro, nos contratos sobre a vida de terceiro. Aqui, a título de penalidade, nem mesmo o valor de resgate deve receber. E será assim mesmo que exista beneficiário designado, pois o homicídio pode visar o seu favorecimento. “
[8] Pode ler-se na página 22 do Acórdão da Relação de Coimbra: “a entender-se o contrário – que o homicídio doloso da segurada pelo Tomador do Seguro constituiria um evento de risco ou sinistro coberto – sempre teria de ser declarado nulo o contrato de seguro à luz do disposto no art. 280.º do Código Civil, porque implicaria a cobertura do risco da prática de homicídio pelo Tomador”(destacado nosso, justamente, porque é na base de uma hipótese que não se verifica no processo que o acórdão recorrido aborda a questão da nulidade do contrato de seguro, não a declarando)
[9]Cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 13-09-2016 - processo n.º 1445/13.1TVLSB.L2.S2, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3.ª edição, 2016, pág. 27.