Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11/13.6TCFUN.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
PODERES DA RELAÇÃO
NULIDADE DO ACÓRDÃO
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LEI PROCESSUAL
VIOLAÇÃO DE LEI
ERRO DE JULGAMENTO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário : I. A dupla conforme afere-se em função da decisão final proferida por cada uma das instâncias e não em função das diferentes partes, passagens ou segmentos da respectiva fundamentação. Este critério apenas é excepcionado, nos termos da lei, caso a confirmação da decisão da 1.ª instância seja feita com fundamentação essencialmente diferente ou com voto de vencido.

II. A dupla conformidade não é descaracterizada – por não existir qualquer base legal para o efeito – nem pelos alegados erros de julgamento na aplicação de regras de direito probatório, nem pelos alegados erros na aplicação de regras de direito substantivo, nem pelas alegadas inconstitucionalidades na interpretação dessas normas de direito probatório e de direito substantivo.

III. Tampouco é descaracterizada pelas alegadas nulidades do acórdão recorrido. O facto de os reclamantes virem, a este respeito, convocar posição diversa, não permite afastarmo-nos deste juízo, tanto por não existir base legal para o efeito, como por corresponder à jurisprudência reiterada deste STJ.

IV. De qualquer forma, no caso do presente recurso, nunca se verificaria essa descaracterização, uma vez que as nulidades invocadas se encontram indevidamente qualificadas como tal, correspondendo antes a erros de julgamento imputados à decisão de facto.

V. Assim, e tal como se entendeu na decisão proferida em singular, a única questão recursória que – de acordo com a orientação jurisprudencial formada no STJ – permite descaracterizar a dupla conforme, é a da alegada violação, imputada exclusivamente à Relação, da norma do art. 662.º do CPC que regula os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto.

VI. Admitida a revista por via normal, circunscrita a tal questão, e reapreciando-a, confirma esta Conferência que o acórdão recorrido não merece censura, concluindo-se pela inexistência da alegada violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



1. Em 2 de Setembro de 2020 foi proferida a seguinte decisão da relatora:

« I – Relatório

1. AA, entretanto falecido, ocupando a sua posição processual os herdeiros habilitados BB, CC e DD, instaurou contra Millennium – Banco Comercial Português, S.A., BCP Bank & Trust Company Ltd., e Serot Finance Ltd., a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:

“a) Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao autor dos seguintes contratos:

1. contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada;

2. termo de Fiança datado de 30 de Setembro de 2008;

3. contrato de penhor de valores mobiliários;

4. contrato de empréstimo de € 5 000 000,00€, contraído no âmbito da conta de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada;

5. contrato de cessão de posição contratual do réu Banco Millennium para o banco BCP Bank & Trust Company Ltd em relação a todas as contas relativas ao património do autor;

6. abertura de conta no BCP – Bank & Trust Company Ltd”, em nome da sociedade “Serot Finance Ltd”;

7. contrato de compra das acções representativas do capital social da ré Serot Finance Ltd pelo BCP Bank & Trust Company Ltd, em nome do autor, como seu gestor de negócios e com o dinheiro deste;

b) Condenação do réu Millennium BCP, S. A. a restituir ao autor a importância de € 3 428 332,05, que este mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S.A.” e que foi transferida em 22 de Julho de 2005 para a conta da Serot Finance Ltd sem autorização e sem o conhecimento do autor;

c) Condenação do réu Millennium BCP a pagar ao autor os juros semestrais do montante de € 53 000,00, que vinha sendo pagos de seis em seis meses, em remuneração do capital depositado a prazo, que deixaram de ser pagos, desde Junho de 2011 (inclusive), no montante já vencido de € 212 000,00 € e nos vincendos até final;

d) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização por danos morais, em montante nunca inferior a € 250 000,00”.

Subsidiariamente, deduziu ainda os seguintes pedidos:

“e) Declaração de que é proprietário de todos os títulos e obrigações e de todas as acções que os bancos réus possuem em nome da ré Serot Finance Ltd em conta aberta no segundo réu;

f) Condenação dos réus na entrega ao autor dos títulos e obrigações e acções livres de ónus e encargos, no valor actual de € 1 700 000,00 ou de todos os títulos que entretanto compraram para substituição dessas acções;

g) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização global no montante de € 1 978 332,05 correspondente aos restantes danos sofridos, sendo € 1 728 000,05 de danos materiais correspondentes à diferença entre o valor do capital do autor depositado no banco réu (€ 3 428 332,05) e o valor das acções e títulos que sobram em nome da Serot Finance Ltd e comprados com o dinheiro depositado do autor (€ 1 700 000,00) e sendo € 250 000,00 de danos morais, acrescido de juros de mora, a partir da citação, à taxa de 4% sobre o montante total”.

Alegou, para tanto, o seguinte:          

- Em Janeiro de 1988 o A. abriu uma conta de depósito a prazo (conta n.º ....), em nome pessoal, no banco Millennium – Banco Comercial Português, S.A., com o depósito inicial de € 65.841,32;

- Em Outubro de 1989 abriu outra conta de depósito a prazo (conta n.º ...., cujo número mais tarde rectificou em requerimento de 17-03-2015 – fls. 1555 p.p. e seguintes), em nome pessoal, no mesmo banco para onde transferiu as poupanças que possuía como depositante residente nas.....;

- Em 28 de Junho de 2005 depositou a prazo no mesmo banco € 500.000,00;

- No Millennium BCP, S.A. o A. era atendido pelo funcionário EE, com quem negociava as taxas de juros e de quem recebia os juros remuneratórios do capital;

- Em Janeiro de 2011 o saldo global das suas contas bancárias rondava os 3,5 milhões de euros;

- Desde 28 de Janeiro de 2005 o A. tem vindo a receber do banco R., de modo regular, o valor de € 50.000,00 a € 58.000,00, de seis em seis meses, correspondente a juros remuneratórios do capital de 3,5 milhões de euros, com o imposto de capitais retido na fonte, à taxa de 21,5%, depositados na conta n.º 2525008;

- Para receber tais juros o A. teria de ter na conta a prazo, como acreditava que tinha, 3,5 milhões de euros, incidindo sobre estes a taxa de 4% ou 4,5%, que era a taxa negociada com o funcionário EE;

- O A. procedia a levantamentos de dinheiro depositado sem aviso prévio;

- Em Maio de 2011 o A. foi convocado ao banco Millennium BCP, S.A. para uma reunião com o Dr. Francisco Santos e, nessa data, foi informado que o seu dinheiro depositado a prazo tinha sido transferido para um banco estrangeiro das .... e que este banco o investira na compra e venda de acções;

- A partir dessa data deixou de receber os juros remuneratórios;

- O R. Millennium BCP, S.A., por sua iniciativa, abriu conta em nome da sociedade Serot Finance Ltd., com o n.º 4...97 no banco BCP Bank & Trust Company Ltd. para onde transferiu todo o património do A., em 22 de Julho de 2005, sem autorização deste e sem o seu conhecimento, onde passou a existir um saldo em títulos, acções e obrigações no valor de € 3.428.332,00;

- Atenta a confiança que o falecido AA depositava na liderança do FF, aquele sempre apôs o seu nome em documentos sem ler e sem que lhe fossem lidos pelos funcionários do banco pelo que nunca tomou conhecimento do seu conteúdo;

- O falecido AA, devido à doença de que padecia (...) estava praticamente cego desde meados do ano de 2006, o que era do conhecimento dos funcionários do banco e os documentos que assinou sem poder ler nunca foram confirmados por notário;

- O dinheiro do A., transferido para a conta da Serot Finance Ltd. no BCP Bank & Trust Ltd., foi aplicado em acções e títulos com o actual valor de mercado de € 1.700.000,00;

- Na conta da Serot Finance Ltd. foi creditado um empréstimo pelo R. Bank & Trust Ltd. no valor de € 5.000.000,00 para financiamento da aquisição de títulos, sendo que as acções compradas foram dadas de penhor àquele banco como caução e garantia do capital mutuado, tudo sem autorização ou conhecimento por parte do A.;

- A sociedade Serot Finance Ltd. foi constituída no dia 13 de Julho de 2005 e registada no…., pela sociedade designada Belize Incorporation Services, Ltd., o que foi feito sem qualquer intervenção ou solicitação de AA, que nunca comprou acções da Serot Finance Ltd.;

- O falecido AA nunca abriu contas no Bank & Trust, Ltd., nem em nome pessoal nem em nome da Serot Finance Ltd.;

- O falecido AA não é procurador da Serot Finance Ltd. porque nunca lhe foi entregue tal procuração, nem dela teve conhecimento;

- Os RR. bancos utilizaram a sociedade Serot Finance Ltd. para aplicarem o dinheiro do A. no negócio do jogo da bolsa e o detentor de todas as acções desta sociedade e beneficiário é o BCP Bank & Trust Ltd.;

- O A. nunca assinou o contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, com data de 27 de Agosto de 2007, que nem se mostra assinado pelo BCP Bank & Trust Ltd., e do qual AA não é parte, pelo que não tem que restituir qualquer dinheiro que o banco não lhe emprestou;

- Tal contrato de abertura de crédito contém cláusulas gerais não negociadas com o falecido AA e dele não lhe foi entregue qualquer exemplar; os valores foram apenas contabilisticamente creditados na conta da sociedade Serot Finance Ltd. que não pertence ao A.;

- O falecido AA nunca negociou ou assinou o contrato de penhor assinado em 28 de Agosto de 2007, que nem contém a assinatura do BCP Bank & Trust Company Ltd., não o podia ler nem lhe foi lido pelos funcionários, nem lhe foi entregue qualquer exemplar;

- Também nunca teve um exemplar de um termo de fiança assinado em 30 de Setembro de 2008, celebrado após o termo do contrato afiançado de abertura de crédito que se venceu em 28 de Agosto de 2008, que nunca leu e nunca lhe foi lido;

- O R. Millennium BCP, S.A. beneficiava de informações privilegiadas e, quando sabia que as acções iriam subir de valor, retirava dinheiro dos depósitos dos clientes, sem o consentimento e conhecimento destes e aplicava-o na bolsa de valores;

- Os RR. bancos não informaram o A., como consumidor, de forma clara, leal, objectiva e adequada sobre as características e riscos da compra e venda de acções e do empréstimo de € 5.000.000,00;

- Quando o valor das acções baixou os bancos não fizeram funcionar a cláusula stop loss e não notificaram o falecido AA para reforço das garantias ou para liquidar o financiamento;

- O falecido AA deixou de conseguir dormir e de controlar a diabetes e a pressão arterial em face do desgosto causado pela perda do seu dinheiro.

2. Os RR. Banco Comercial Português, S.A. e BCP Bank & Trust Company (...) Limited contestaram. Invocaram as excepções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição. Pugnaram pela não verificação do dever de restituição da quantia de € 3.428.332,06 por nunca ter existido um depósito a prazo com esse montante, nem terem sido pagos juros remuneratórios sobre tal capital e concluíram pela procedência das excepções deduzidas e, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção.

3. Em sede de réplica o A. alterou o pedido nos termos expostos a fls. 1020 a 1033 p.p...

4. Os RR. deduziram tréplica, suscitando a inadmissibilidade parcial da réplica; mais alegaram que, à data dos factos, o Código dos Valores Mobiliários não exigia a forma escrita para a celebração do contrato de intermediação financeira à luz do qual foram prestados os diversos serviços em causa nos autos e a validade e eficácia das ordens e instruções transmitidas ao intermediário financeiro não está dependente da observância de qualquer forma especial; o banco não logrou encontrar cópia ou registo fonográfico das ordens e instrução emitidas pelo A., mas tal não impede a prova testemunhal da sua emissão e o dever de guarda de tais elementos perdura apenas por cinco anos (art. 307º-B do CVM).

Em resposta à impugnação de documentos apresentada pelo A., os RR. sustentam, relativamente à procuração e poderes que lhe foram conferidos para actuar em representação da Serot Finance Ltd., que daquela resultam precisamente poderes para solicitar pedidos de financiamento e/ou prestação de garantias em nome da sociedade; quanto ao mais referem que o A. se limitou a colocar em causa a eficácia probatória dos documentos e, por outro lado, não fundamentou o alegado desconhecimento sobre se as assinaturas que lhe são imputadas são verdadeiras ou não.

Em face da alteração e ampliação do pedido, entenderam os RR. que o Tribunal é internacionalmente incompetente para conhecer do pedido de declaração de nulidade do acordo de prestação de serviços, por ser competente o Tribunal ... .

Mais suscitaram a excepção de ilegitimidade passiva relativamente ao pedido de declaração de nulidade dos contratos em face da desistência do pedido quanto à Serot Finance Ltd.

5. Em novo requerimento, o A. pronunciou-se quanto às suscitadas excepções de incompetência e ilegitimidade.

6. Em 07-04-2014 foi proferido despacho em que se considerou, face à alteração/ampliação do pedido, deduzida em sede de réplica, que ocorria preterição de litisconsórcio necessário relativamente ao pedido de declaração de nulidade dos contratos de abertura de crédito, de penhor e de abertura de conta, perante a não intervenção da sociedade Serot Finance Ltd., pelo que se convidou a parte a sanar a falta de tal pressuposto processual (fls. 1257 e 1258 p.p.).

7. Na sequência de tal despacho, o A. veio desistir dos pedidos de declaração de nulidade de todos os contratos em que teve intervenção aquela sociedade, reformulando os seus pedidos (fls. 1263 a 1271 p.p.).

8. Em 20-05-2014 foi proferido despacho que apreciou os pedidos subsistentes na acção em face da desistência e ampliação de pedidos deduzida pelo A. de tal modo que se determinou como pedidos remanescentes do objecto do litígio os enunciados a fls. 1316 p.p...

9. O A. interpôs recurso desse despacho, que indeferiu dois dos pedidos deduzidos pelo A., recurso que mereceu provimento (cf. fls. 2698 a 2720 p.p.).

10. Assim, devem considerar-se os seguintes pedidos a apreciar:

“I – Declaração de que o autor não deu autorização, ordens ou instruções ao Banco “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.”, balcão do ......, para aplicar o seu dinheiro depositado em títulos, acções e obrigações e não deu autorização, ordens ou instrução a tal banco para transferir o seu património pessoal para a conta da sociedade “Serot Finance, Ltd.” aberta no “BCP – Bank & Trust Company, Ltd.”, em dinheiro ou em instrumentos financeiros, no valor de € 3 428 332,05, depositados em conta pessoal a prazo em nome do autor, que os bancos réus geriram sem autorização e sem o consentimento e o conhecimento do autor;

II – Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao autor do Acordo de Prestação de Serviços Fiduciários, celebrado entre o autor e o banco réu “BCP – Bank & Trust Company, Ltd.”;

III – Declaração de incumprimento do acordo de prestação de serviços fiduciários;

IV – Declaração de nulidade do Termo de Fiança junto a fls. 413 p.p.;

V – Condenação dos bancos réus, de modo solidário, a restituírem ao autor a importância de € 3 428 332,05 que este mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.” e que este transferiu para o BCP Cayman, em dinheiro ou instrumentos financeiros;

VI – Condenação dos bancos réus, de modo solidário, a pagarem ao autor os juros semestrais no montante de € 53 000,00 que o “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.” vinha regularmente pagando, de seis em seis meses, em remuneração do capital do autor, depositado a prazo, que deixaram de ser pagos desde Junho de 2011 (inclusive), no montante já vencido de € 265 000,00 e nos vincendos até final.

VII – Condenação dos bancos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização por danos morais nunca inferior a € 250 000,00;

VIII – Condenação dos bancos réus a pagarem os juros ao autor, de modo solidário e a partir da citação, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante global em que forem condenados; subsistindo ainda os pedidos subsidiários deduzidos em sede de réplica: condenação dos réus no pagamento ao autor de indemnização no montante de € 3 678 332,05 pelos danos materiais e morais sofridos e prestação dos juros semestrais de € 53 000,00 que lhe vinha sendo pago como remuneração do capital depositado a prazo, acrescido de juros de 4% ao ano; e no caso de improcederem os anteriores, a condenação solidária dos réus a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de € 2 100 000,00, preço pelo qual os títulos foram vendidos e € 250 000,0 a título de indemnização por danos morais (fls. 1310 a 1316 p.p.).”

11. A fls. 1482 a 1484 p.p. o A. deduziu ampliação do pedido, a cuja admissibilidade os RR. se opuseram (fls. 1491 a 1498 p.p.), indeferida a fls. 1506 e 1507 p.p..

12. Os AA. habilitados interpuseram recurso do aludido despacho, que mereceu provimento, razão pela qual foi admitida a ampliação de pedido deduzida a fls. 1482 a 1484 p.p. onde o A. alega que o banco confessou ter transferido da conta pessoal de AA com o número 2525008 para a conta titulada pela sociedade Serot Finance Ltd. com o número 45295369097, os montantes de € 120.000,00 e de € 500.000,00, em Dezembro de 2005 e em Outubro de 2006.

Com base nisso, o A. ampliara o seu pedido do seguinte modo: a condenação do Banco Millennium a restituir ao A. a importância de € 4.048.332,05 que mantinha depositada nesse banco, no ..... , e que este transferiu: € 3.428.332,05, em 22 de Julho de 2005; € 120.000,00, em Dezembro de 2005 e € 500.000,00, em Outubro de 2006, para a conta da Serot Finance Ltd. aberta no BCP – Bank & Trust Company Ltd. sem autorização e conhecimento daquele.

13. Na sequência do despacho proferido em 06-10-2017 (cf. fls. 3028 e 3029 p.p.), os AA. habilitados vieram desistir do pedido quanto à parcela atinente aos montantes de € 120.000,00 e de € 500.000,00 mencionados nesta ampliação, desistência homologada por decisão de 24-11-2017 (cf. fls. 3035 p.p.).

14. Foi proferido despacho que considerou não escritos os artigos 28º a 304º da réplica (fls. 1505 verso p.p.).

15. Foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de incompetência internacional e territorial e se aferiram positivamente os demais pressupostos processuais relevantes.

16. Teve lugar a realização de audiência prévia em que foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, que não foram alvo de qualquer reclamação.

17. Em 25-11-2014 foi proferido despacho que não admitiu o incidente de impugnação quanto aos seguintes documentos: o acordo de prestação de serviços fiduciários; os dois contratos de abertura de crédito; os contratos de penhor e as relações anexas, o termo de fiança, contrato de hold mail, condições gerais, condições particulares – ficha de assinaturas, transferência de carteira de títulos e autorização de transferência de carteira de títulos e admitiu tal incidente relativamente aos seguintes documentos:

a) Procuração da Serot Finance Ltd. (doc. n.º 41);

b) Declaration of Trust – Welbeck (doc. n.º 38);

c) International Business Company (doc. n.º 39) (cf. fls. 1518 a 1520 p.p.).

Tal despacho foi objecto de recurso que mereceu provimento, pelo que, em conformidade, se tem por admitido o incidente de impugnação também quanto aos seguintes documentos:

d) Acordo de prestação de serviços fiduciários;

e) Os dois contratos de abertura de crédito;

f) Contratos de penhor e as relações anexas;

g) Termo de fiança; 

h) Contrato de Hold Mail;

i) Condições gerais, condições particulares – ficha de assinaturas;

j) Transferência de carteira de títulos e autorização de transferência de carteira de títulos. 

17. AA faleceu no dia 23 de Março de 2015, tendo sido deduzido o respectivo incidente de habilitação em que foi proferida decisão (fls. 1635 a 1637 p.p.) que julgou habilitados a ocuparem a sua posição processual os herdeiros BB, CC e DD.

18. A fls. 1904 a 1918 p.p. os AA. habilitados vieram requerer segunda ampliação do pedido de € 3.428.332,06 para € 9.551.410,00, relativamente à conta n.º…, alegando que, com base nos documentos juntos aos autos pelos RR. (documentos n.ºs 36, 22, 23, 45 juntos com a contestação), em conjugação com o extracto n.º 2005/004, tiveram conhecimento que o saldo credor daquela conta, em 30-06-2005, era de € 8.898.410,78; mais alegam que o banco vendeu, em bolsa, acções do BCP pertencentes ao falecido, sem o consentimento deste, tendo realizado o valor de € 653.000,00, que transferiu em Setembro de 2005 para a conta 18187 e, na mesma data, para a conta da Serot Finance Ltd.; o A. tinha obrigações no capital do BCP 2005 que, em 29-07-2005, tinham uma cotação de mercado com o valor de € 4.214.575,00, vencendo juros a 9% ao ano, com termo de vencimento em 30-09-2005, pelo que lhe deveria ter sido reembolsado o valor de € 4.593.886,75 mas o banco transferiu-as para a conta da Serot Finance Ltd.

Pedem, então, a ampliação do pedido de condenação dos bancos RR. no pagamento da quantia de € 3.428.332,06 para a quantia de € 9.551.410,00 (€ 8.898.410,78 mais € 653.000,00).

Subsidiariamente, em caso de improcedência, pedem a condenação dos RR. a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o saldo credor da conta 18187 em 30-06-2005, no valor de € 9.848.410,00 e, em consequência, a ressarci-lo de todos os prejuízos do seguinte modo: condenação do BCP, S.A. a restituir o valor de € 9.898.410,00 (€ 682.000,00 relativo a dinheiro e € 8.215.809,00 a títulos; a restituir o valor de € 653.000,00 que transferiu para a conta da Serot Finance Ltd.; a pagar o valor já vencido de € 5.083.651,00 correspondente aos juros remuneratórios, desde 30-09-2005; a pagar a importância anual de € 566.651,00 de juros remuneratórios vencidos e vincendos desde 30-09-2005, em relação ao capital depositado de € 8.898.410,78, vencendo-se a primeira prestação em 30-09-2015 e ainda no valor de € 250.000,00 por danos morais; a condenação do R. no pagamento do valor global já vencido de € 14.885.061,00, sendo € 14.635.061,00 de danos materiais e € 250.000,00 de danos morais, acrescido de prestações vincendas e juros à taxa legal de 4% ao ano, a partir da citação.


19. A ampliação do pedido e, subsidiariamente, da causa de pedir e do pedido deduzidas não foram admitidas, conforme despacho proferido em 02-10-2015 (fls. 1930 verso e 1931 p.p.). 

20. Interposto recurso desta decisão, foi admitida a ampliação do pedido e considerou-se prejudicada, em face dessa admissão, a apreciação do recurso na parte relativa à pretensão subsidiária de alteração do pedido e da causa de pedir (cf. fls. 2715 p.p.).

21. Novamente, a fls. 1939 a 1953 p.p., os AA. habilitados vieram requerer, pela terceira vez, a ampliação do pedido sustentando agora a existência de uma conta corrente na relação bancária mantida com o R. Millennium BCP, S.A., o que os autorizaria a exigir o saldo credor sem atender às respectivas parcelas, peticionando o pagamento do valor de € 8.898.410,00, novamente indeferida, conforme despacho proferido em 12-11-2015 (fls. 1972 p.p.).

22. O despacho de indeferimento foi objecto de recurso que considerou que a sua apreciação estava prejudicada em face da admissão da ampliação do pedido (cf. fls. 2716 p.p.).

Em virtude da procedência de alguns recursos interlocutórios, a Relação determinou a anulação do julgamento e ordenou o prosseguimento dos autos.

23. Após audiência final foi proferida sentença, em 05-07-2018, (fls. 3161 p.p.) que julgou a acção totalmente improcedente com consequente absolvição dos RR. dos pedidos.

24. De novo inconformados, interpuseram os AA. recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

25. Por acórdão de 28.03.2019 (fls. 3476 p.p.) o recurso foi julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.

26. Vieram os AA. habilitados interpor recurso de revista por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando, após convite a aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:

A – Dos termos da admissibilidade do recurso

1) O presente recurso deve ser admitido como comum e normal recurso de revista, uma vez que, apresentando o acórdão recorrido diferente fundamentação relativamente à sentença da 1ª instância, não ocorre dupla conforme, acrescendo que enferma de nulidades que foram devidamente arguidas (nº 1, do artº 671º do CPC)

2) Em todo o caso, atentas as relevantes questões jurídicas, cuja apreciação e decisão se apresentam necessárias a uma melhor aplicação do direito, e atenta, também, a particular relevância social da matéria em causa, sempre o presente recurso deverá ser admitido como recurso excepcional de revista (alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do CPC - actividade bancária/direitos do consumidor, cegueira do autor – artº 373º nº 3 do CC -limites da livre apreciação da prova, redução a escrito de procedimentos de intermediação financeira e respectivo ónus da prova)

B) – Da incorrecta aplicação das regras da prova e errada avaliação da matéria de facto (censura da competência do STJ).

3) A primeira crítica que não pode deixar de ser feita ao acórdão recorrido é a da opção sistemática adoptada, pois, tendo sido impugnada a matéria de facto, deveria ter partido da análise desta, fixando, em definitivo, a matéria assente e tirando daí a adequada conclusão decisória, tendo em conta o direito aplicável.

4) Ao invés, o douto acórdão recorrido parece ter partido de uma pré-conclusão decisória, adequando a esta, “a posteriori”, as respectivas premissas.

5) Não cabe a este STJ conhecer da matéria de facto, em termos de a poder alterar, uma vez que julga de direito, mas cabe-lhe apreciar e julgar se as instâncias observaram as regras legais e processuais a que estão vinculadas, e entendemos que, no presente caso, tais regras não foram correctamente aplicadas pelas instâncias (artº 679º e nº 2 do artº 684º do CPC).

6) A causa de pedir na presente acção é constituída pelo contrato de abertura de conta celebrado pelo falecido A/AA com o Banco R/Millennium na SFE no …. (nº ....) e pela transferência de valores nela depositados, para a conta da Serot Finance, em…, que não pertence, nem nunca pertenceu, ao A/AA (doc. 36, fls. 667), e sem a sua autorização ou conhecimento, ou seja, sem observância das regras legais a que o banco R estava vinculado, o que constitui ilícito, pelo qual tem de responder na presente acção.

7) O pedido, por sua vez, estabilizado e fixado, nos autos, traduz-se na reclamação da entrega ao A da quantia de 8.898.409,00 € (e juros), correspondente ao valor dos títulos e fundos depositados na referida conta do A, na SFE do Banco R/Millennium, no…, à data de 30/06/2005, e que foram objecto da transferência, não autorizada, referida na conclusão anterior.

8) O douto acórdão recorrido, com o devido respeito, não fez o uso adequado dos meios ao seu alcance, para efeitos da avaliação da matéria de facto, como impõe a lei, lançando mão de considerações genéricas e sem indicar (porque não existe), qual a prova testemunhal apresentada pelos RR, para se ter dado como provados factos que, efectivamente, não o foram.

9) O acórdão recorrido, não obstante estarmos perante documentos impugnados, que incorporam factos para os quais a lei exige a forma escrita, deu, como provados, o contrato de prestação de serviços fiduciários de fls. 368 a 379, os contratos de abertura de crédito de fls. 708 a 710, e de fls 405 a 408, os contratos de penhor de fls 403 a 404 e de fls. 409 a 412, o contrato de fiança de fls, 413, o contrato de hotmail de fls. 681, e ainda os documentos constantes do ponto 36 dos factos assentes, referindo que os mesmos teriam sido subscritos por AA, pelo seu próprio punho, sendo que em relação aos documentos de fls. 708 a 710, 405 a 408, 403 a 404, e 409 a 412, o teria feito como procurador e ultimo beneficiário da Serot Finance, o que viola o artº 3º do CPC e artº 393º, nº 1 do CC.

10) Efectivamente, estamos perante prova vinculada e, consequentemente, face a matéria não passível de prova testemunhal e de livre apreciação, ao contrário do entendido pelo acórdão recorrido (nº 5 do artº 607º CPC, in fine).

11) E a Meritíssima Juíza da 1ª instância reconheceu que o meio de prova “sobremaneira idóneo”, para tal efeito, era o exame pericial, que não ocorreu, e, na falta dele, o depoimento convincente de testemunhas que tivessem presenciado a aposição da respectiva assinatura, em determinado ou determinados documentos em concreto.

12) Está reconhecido e adquirido, nos autos, que não houve exame pericial, nem testemunhas que tivessem presenciado a aposição de assinaturas, por parte do A/AA, nos documentos que o A impugnou.

13) Não obstante, a 1ª instância deu como provadas as assinaturas imputadas ao A AA, com base na circunstância deste ter referido, que, ao longo de duas décadas, assinara vários documentos, mas sem nunca o ter reconhecido relativamente aos documentos concretos em causa, o que, aliás, já lhe era impossível atenta a sua cegueira.

14) Apesar de ser assim, o acórdão recorrido manteve tal entendimento de forma acrítica, em matéria da maior relevância, e com a genérica referência de que a assinatura de AA “foi reconhecida por numerosas testemunhas com mais ou menos segurança” (sem referir em concreto quais essas testemunhas e sem mencionar em concreto os respectivos documentos), como se estivéssemos perante o caso previsto no nº 6 do artº 663º do CPC, e, quanto à prova de matéria tão delicada e relevante, não se pode admitir, “com mais ou menos segurança”, atenta as suas consequências legais e processuais.

15) O acórdão recorrido demitiu-se de exercer as competências que lhe cabiam, no âmbito do artº 662º do CPC, tendo optado por transcrever largos excertos da sentença do tribunal de comarca, inserindo lacónicos “idems” e pouco mais, descontextualizados, com vagas referências a depoimentos de testemunhas, sem os concretizar e de forma absolutamente genérica, com manifesta violação da citada disposição processual.

16) Há manifesto erro ao dar como provado o contrato de prestação de serviços fiduciários com o argumento de que para o mesmo não era exigida forma escrita, uma vez que, tal contrato, tem de revestir a forma dos actos para os quais se destina (nº 2 do artº 262º do CC), sendo que pretendia-se, por via do mesmo, conferir mandato destinado a constituir uma sociedade comercial, o que teria de ser por escritura pública, (artº 7º do CSC na versão ao tempo vigente e alínea e) do artº 80º do CN, então em vigor) e destinava-se ainda à compra e venda de títulos, que obriga ao respectivo registo e depósito, e, em consequência, exige-se, igualmente, forma escrita (artº 30º, 344º, nº 1 CVM e Parecer Prof. Romano Martinez, fls 2638 – 2649, Vol. II).

17) Acresce que a sociedade Serot Finance, Ltd foi constituída por documento escrito, em ..., em 13/07/2005, sendo que, sempre a voluntária adopção de tal forma obriga a presumir que as partes só por essa via se quiseram vincular (artº 223º, nº 1 CC).

18) E impunha-se, ainda, a observância do disposto no artº 373º, nº 3 CC, exigência indispensável, dada a incapacidade visual do A, que é facto provado nos autos e subtrai a prova dos factos à livre apreciação do julgador (artº 607, nº 5 CPC) – factos provados 16, 17 e 19) A mesma exigência de forma escrita, nos demais contratos – holdmail, de 22/06/2005, fls 681; contrato de abertura de conta da Serot Finance, de 22/07/2005, fls 414 e 420; contratos de abertura de crédito e de penhor de 06/10/2005, fls. 403, e de 28/08/2007, de fls. 405 e 409, e ainda o contrato de fiança, de 30/09/2008, de fls 413, implica, igualmente, a nulidade, atenta a deficiência visual de que padece AA, por violação do disposto no artº 373º, nº 3 CC – CVM, artº 30, 291, al. b)

20) Tal circunstância impede, também, no que diz respeito à prova de tais actos, o recurso à prova testemunhal e ao princípio da livre apreciação, por força do disposto no artº 393º, nº 1 do CC e artº 607º, nº 5 do CPC, pelo que os pontos 28 a 32, 69, 79, 81 a 85, 90, 93, 94, 95, 100, 110, 112, dos factos assentes, não podiam ter sido dados como provados.

21) Impõe-se a necessária clareza e rigor, designadamente, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 38 e 40 da matéria considerada assente, e a conta ali referida nada tem a ver com as que estão em causa, nos autos, uma vez que se trata de conta titulada pelo A e pelos filhos (conta nº 2525008), sendo certo, que o referido acesso a tais contas não era, nem podia ser, efectuado pelo próprio falecido A/AA, uma vez que a sua comprovada cegueira e a impreparação em matéria informática o impediam totalmente.

22) Relativamente aos pontos, 43, 44, 45 e 48 dos factos dados como provados, não é possível sustentar a sua admissibilidade com base no princípio da livre apreciação da prova (nº 5 do artº 607 do CPC), uma vez que, atenta a cegueira do A/AA, a lei exige formalidade especial (nº 3 do artº 373º do CC), pelo que este STJ não pode deixar de censurar a incorrecta avaliação das instâncias neste particular, com as legais consequências (artº 607º, nº 3 CC).

23) No tocante aos pontos 62 a 68 dos factos provados, trata-se de matérias só passíveis de serem provadas por via de documento, o que não mereceu a censura do acórdão recorrido, que antes o corroborou, circunstância que não pode deixar de merecer a censura e intervenção do STJ, enquanto preterição e errada aplicação das regras da prova e consequente incorrecta avaliação dos factos.

24) Relativamente aos pontos 73 a 76 dos factos provados, tratando-se de transcrições de cláusulas do contrato de prestação de serviços (doc. 1 junto com a contestação a fls. 368) enfermam dos vícios e irregularidades do mesmo contrato, designadamente, a decorrente da inobservância do artº 373º, nº 3 do CC.

C) Das nulidades do acórdão recorrido

25) O acórdão recorrido enferma ainda das nulidades abaixo indicadas, por omissão de pronúncia, artº 615º, nº 1 al d), a propósito de questões suscitadas, e por dever alegatório, em sede de conclusões, se passa a identificar:

a) No ponto 69 da matéria de facto, dada como provada, tendo por base o artº 174º da contestação, e exclusivamente o doc. 1 junto com aquele articulado, a 1ª instância aditou-lhe o inciso “Neste contexto que foi explicado ao AA e por este querido ...”, tendo-se suscitado a questão de que se estava perante facto nuclear, essencial e principal, não alegado e subtraído ao contraditório, em violação do artº 5º, nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, e que deveria ser eliminado, e o acórdão recorrido, não se pronunciou.

b) Igualmente, no que respeita ao ponto 72 dos factos assentes, baseado no artº 177º da contestação, o tribunal introduziu um outro inciso não alegado – “por instrução daquele”, que constitui facto nuclear, essencial e principal subtraído ao contraditório, com violação do artº 3º e 5º, nº 1 e 2, alínea b) do CPC, o qual deveria, assim, por tais razões, ser eliminado e sobre o qual o acórdão recorrido não se pronunciou.

c) Igualmente, se suscitou a questão de a referência genérica, a “património financeiro pessoal”, ter natureza conclusiva e objecto indeterminável, e não permitir uma leitura, no sentido de tal implicar uma autorização para transferência de títulos, sem a menor identificação destes, e sem indicação da instituição e conta para onde os mesmos deveriam ser transferidos, não encontrando, assim, tal leitura a menor correspondência verbal no respectivo texto – artº 238º, nº 1, artº 280º, nº 1 CC e artº 607º, nº 4, e artº 5º, nº 1 e 2, alínea b) CPC, sendo certo que a própria sentença da 1ª instância, confirmada e corroborada pelo acórdão recorrido, reconhece não existir ordem escrita para tal transferência, nada tendo o acórdão recorrido dito a este respeito, apesar de suscitado.

d) Relativamente aos pontos 77, 78, 79 e 80, dos factos provados, além dos documentos em que tais factos se filiam estarem impugnados, o tribunal da 1ª instância reconheceu que os bancos RR não provaram a autenticidade das assinaturas, nem a genuinidade dos documentos, em causa, sendo certo que, em qualquer caso, sendo exigida, para tais actos, a forma escrita do negócio a realizar (artº 262º, nº 2 CC), não era admissível o recurso à prova testemunhal e à livre apreciação (artº 393º, nº 1 CC, e artº 607º, nº 5 CPC).

e) A propósito dos pontos 91 e 92 dos factos assentes, e também a respeito dos pontos ww) e xx) dos factos dados como não provados, e no tocante à procuração de fls. 680, datada de 04/01/2006, e relativamente aos contratos de holdmail de 22/06/2005 (fls. 681), contrato de abertura de conta da Serot Finance, de 22/07/2005 (fls. 414 e 420), contrato de abertura de crédito (fls 708), e contrato de penhor (fls. 403), datados de 6/10/2005, além de se ter impugnado tal documento e assinatura, e de não estar demonstrado que o seu subscritor tinha poderes para tal, e não conter quaisquer poderes de ratificação, o certo é que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre estas questões, e suas consequências, relativamente à validade dos documentos.

f) O acórdão recorrido enferma de nulidade de excesso de pronúncia quanto à data da outorga da procuração “04/01/2005” (fls. 680) – uma vez que é facto provado que a procuração foi outorgada por deliberação da Serot Finance, datada de 04/01/2006, e, só tendo sido constituída em 13/07/2005 (ponto 22 da matéria assente), não poderia, assim, a sociedade deliberar antes de existir (docs. fls. 675 – 677 e 678).

g) Relativamente, às questões que se levantaram no tocante ao contrato de fiança, dado como provado no ponto 109, incluindo as consequências da impugnação do mesmo documento e da assinatura, da não prova da sua genuinidade, por parte dos bancos RR, da inadmissibilidade da prova testemunhal e do recurso à livre apreciação, por ser exigida a forma escrita (artº 628º, nº 1 CC) da sua nulidade por ter sido prestado por declaração unilateral, da sua nulidade por ser nulo o contrato de empréstimo, a que a mesma fiança se destinava, e pela falta de intervenção de notário, atenta a cegueira de AA (artº 373º, nº 3 CC), e ainda pelo não cumprimento do dever de informação por parte dos bancos RR, e da indicação como outorgada em..., quando, no ponto 27 dos factos provados, se dá como adquirido que AA nunca lá se deslocou (artº 30º, 344º, nº 2 e 321 do CVM redacção ao tempo).

h) O acórdão recorrido não se pronunciou, também, sobre as questões que se suscitaram relativamente ao ponto 113 dos factos assentes, por se filiarem no acordo de prestação de serviços fiduciários, que se demonstrou ser nulo, e sem que AA alguma vez soubesse o que estava a assinar, qual o seu conteúdo, a que se destinavam os mesmos documentos, e sem que os pudesse ler, ou sequer tivessem sido lidos e explicados.

i) Relativamente, aos pontos 130 e 135 dos factos dados como provados, levantou-se a questão da falta de prova relativamente ao efectivo envio e recepção das cartas de 07/12/2012, e 17/04/2013, sendo que o acórdão recorrido é totalmente omisso.

j) Relativamente, ao ponto 25 dos factos provados, o mesmo teve por base o artº 85º P.I., importando lembrar que a técnica seguida pela 1ª instância implicou o fraccionamento da confissão, constante daquele articulado inicial, quando, por força do artº 360º do CC, é sabido que a confissão é indivisível.

k) No que diz respeito ao ponto 90 dos factos provados suscitaram-se as questões já referidas, em relação aos demais pontos da matéria de facto dada como assente, e ainda a questão da preterição do artº 373º, nº 3 do CC, sobre as quais o acórdão recorrido não se pronunciou.

l) O acórdão recorrido é totalmente omisso relativamente às questões suscitadas no âmbito da impugnação relativa ao ponto hh) dos factos não provados, e nos pontos ii) e jj), e não se pronunciou, também, sobre a questão suscitada relativa ao ónus da prova.

m) Relativamente, aos pontos oo) a tt), uu), vv), zz), aaa), ddd) – Dec-Lei 446/85 de 25/10 e Lei 24/96 de 31/07, artº 8 - e eee) dos factos dados como não provados, respeitante ao ónus da prova, e à inversão do ónus da prova, o acórdão recorrido afigura-se igualmente omisso.

n) A propósito dos pontos ttt), uuu) e vvv), dos factos dados como não provados, em que se suscitou a questão da inversão do ónus da prova, por se tratar de factos negativos, o acórdão recorrido não se pronunciou.

o) Relativamente às questões suscitadas quanto aos pontos aaaa) bbbb) cccc), dos factos dados como não provados, o Tribunal da Relação também não se pronunciou.

p) Também em relação às questões suscitadas a propósito dos pontos bbbbbb) e cccccc), dos factos dados como não provados, o acórdão recorrido não se pronunciou.

q) Regista-se, ainda, omissão de pronúncia, por parte do acórdão recorrido, relativamente às questões respeitantes aos pontos 11 e 12 dos factos dados como provados, e, mais concretamente, ao contrato de abertura da conta da Serot Finance, Ltd.

r) No tocante ao ponto 25 dos factos dados como provados, não se referindo o fundamento para o dar como assente, tem de se concluir que o mesmo decorre da confissão constante do artº 85º da P.I., sendo que, por força do artº 360º do CC, a mesma é indivisível, pelo que os factos constantes daquele articulado, não podiam ser fraccionados, sendo que, sobre esta questão, ocorre, igualmente, omissão de pronúncia.

s) No tocante aos pontos 8 e 9 dos factos dados como provados, em bom rigor, o acórdão da Relação limita-se a concluir e a referir, de forma vaga, que não assiste razão aos recorrentes e a invocar o depoimento da testemunha GG, prestado no 1º julgamento, que foi anulado, pelo que se regista erro inadmissível e, de qualquer modo, a testemunha não conseguiu concretizar quais os documentos assinados por AA, como a 1ª instância reconheceu.

t) Relativamente aos pontos 14 e 21 dos factos provados e às questões suscitadas, o acórdão recorrido não os apreciou, nem fundamentou a sua posição, uma vez que se refugia num vago “idem”, que não permite conhecer as efectivas razões e a fundamentação da sua posição, violando o legalmente exigido.

D) Das demais questões

26) Os pontos ppp), qqq) e rrr) dos factos não provados, constituem factos notórios do domínio público que deveriam ter sido dados como provados, tanto mais que não foram impugnados, sendo que o acórdão do STJ de 25/03/2004 e o acórdão do STJ de 03/04/2008, admitem que este Venerando Tribunal possa verificar se as instâncias agiram, a este propósito, dentro dos limites legais ou não.

27) Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, em manifesto erro, todos os actos imputados ao A, como alegado procurador da Serot Finance, anteriores à data da passagem da procuração (04/01/2006), são totalmente ilegais (nulos), e tanto mais que a procuração não continha poderes de ratificação de actos anteriores, nomeadamente, contrato de holdmail fls. 681, contrato de empréstimo (fls. 708), contrato de penhor (fls. 403) e alegada movimentação da conta da Serot Finance.

28) E os bancos RR não alegaram que os cheques passados pelo banco R/Millennium tinham sido emitidos a solicitação do BCP - Bank & Trust, ..... , e tratando-se de facto essencial, nuclear e principal, não pode ser oficiosamente introduzido no processo e com a gravidade acrescida da falta do contraditório, como foi (artº 5º, nº 1 e 2 alínea b) do CPC).

29) O acórdão recorrido, na fórmula adoptada, de aderir, praticamente a 100%, à fundamentação da 1ª instância, acabou por cometer nulidade por excesso de pronúncia, ao ocupar-se do ponto 136 da matéria de facto, que os recorrentes não impugnaram.

30) O extracto da conta da Serot Finance de fls. 711, revela que, em Outubro/2005, haviam sido retirados os valores mobiliários (8.898.409,00 €) que haviam sido anteriormente transferidos da conta do A da SFE, do banco R/Millennium, no ....., e não regista o lançamento a crédito de qualquer contrapartida, seja pecuniária, seja em títulos, proveniente da sua eventual alienação, desconhecendo o A o destino que foi dado a tais valores pelos bancos RR, o que constitui acto ilícito, porque sem consentimento do A, independentemente da sorte de tais valores, por violação do contrato de depósito e do artº 280º, nº 2 CC; e artº 331º, nº 1 a) CVM/1999.

31) As instâncias vêm decidindo como se estivesse plenamente provado que o A teria dado autorização verbal para a transferência de valores da sua conta na SFE do banco R/Millennium, no...., para ...., procedimento este absolutamente ilegal, uma vez que, além de todo o mais, se afigura um expediente em fraude à lei, por manifesta inobservância dos nºs 3 e 4 do artº 607º, do CPC, pois, teria de se indicar expressamente os concretos elementos de prova, que permitissem sustentar tal conclusão, e, contraditoriamente, para a prova duma alegada instrução verbal, indica-se um documento escrito, ou seja, o impugnado contrato de prestação de serviços fiduciários (artº 5º, nº 1 e 2 al. b) do CPC).

32) Aliás, contra todas as regras, atenta a relevância do facto em causa, a fundamentação, do ponto 72 da matéria dada como assente, apresenta-se amalgamada, com um conjunto de outros factos, apenas ressaltando a ideia de que se pretende dar, a todo o custo, como provada, a autorização em causa, com base no contrato de prestação de serviços, o que é contraditório, com a circunstância de, simultaneamente, assumir-se que não houve qualquer ordem escrita do A para a transferência em questão.

33) O acórdão recorrido, numa tentativa de suprir a falta de alegação de semelhante facto, por parte dos bancos RR, trata a ordem ou instrução para a transferência dos valores que o A/AA detinha na sua conta no SFE do banco R/Millennium, não como facto essencial, nuclear e principal, como efectivamente é, mas, como mero facto essencial “complementar ou concretizador de facto essencial”, como resultante da discussão da causa, sustentando, ao mesmo tempo, que terá sido assegurado o necessário contraditório, ao A, no tocante a tal matéria, o que é falso, e atropela todas as regras e princípios em matéria de alegação e prova, e respectivo contraditório de facto essencial e nuclear relativo à defesa dos bancos RR (artº 5º, nº 1 CPC).

34) É, aliás, a partir deste errado contraditório e inconsistente procedimento que se constrói a opção decisória das instâncias, no sentido da improcedência da acção, com manifesta violação do artº 3º e artº 607º, nº 3 e 4, e artº 5, nº 1 e 2 alínea b) do CPC.

35) Quer a sentença da 1ª instância, quer o acórdão recorrido, ao admitirem que, ao abrigo da alegada procuração (fls. 680 e 680verso) conferida pela Serot Finance a AA, este poderia proferir ordens verbais, fazem-no totalmente ao arrepio da letra expressa da dita procuração, em cujo texto se consigna:

“…desde que qualquer um desses cheques, minutas, letras de câmbio, livranças, aceites instrumentos negociáveis, ordens, instruções, acordos e indemnizações sejam assinadas pela pessoa supra identificada” (não se assinam ordens verbais)?.

36) As instâncias e, portanto, também o acórdão recorrido, incorreram em grave contradição, ao reconhecerem, por um lado, que não houve ordem escrita para a transferência dos valores reclamados da conta do A da SFE para ....., e, ao mesmo tempo, por outro, sustentarem que a genérica e vaga referencia do contrato de prestação de serviços fiduciários, a “património financeiro pessoal” constituiria ordem para a transferência em questão, que, nesse caso, e como por magia, passaria, a ser ordem escrita, que, paradoxalmente, se afirma não existir (e não existe!) (V. ponto 72 dos factos provados.

37) Tal forçada interpretação de um isolado excerto – “património financeiro pessoal” , sem a menor referência à conta de onde se pretendia que saíssem os valores a transferir, e sem qualquer alusão à conta para onde pretendia-se que fossem transferidos, não encontra na letra daquele dito contrato “o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa”, o que viola o artº 238º, nº 1 do CC, sendo que, por se tratar de aplicação dum critério legal normativo, tal interpretação do referido contrato constitui questão de direito que a este Supremo Tribunal de Justiça compete conhecer.

38) Aliás, já a propósito do ponto 86 dos factos provados, a sentença da 1ª instância, corroborada e confirmada, também neste particular, pelo acórdão recorrido, dá como provado que os valores transferidos da conta da SFE, para a conta da Serot Finance, em …, “proveio, por instrução de AA”, considerando tal facto provado, por via de extractos da conta do A e extractos da conta da Serot Finance, obviamente emitidos pelos bancos RR e não por AA.

39) Na verdade, tais extractos só comprovam a existência desses valores, numa e noutra das contas, em momentos diferentes, e não qualquer ordem de transferência dada pelo A, sendo certo que a mesma sentença assume que não existem quaisquer ordens escritas, nesse sentido, e, portanto, documentadas, por parte do A, o que sempre se apresentaria contraditório com o que se pretendeu dar como provado, no ponto 86, em questão, sendo certo que estamos a tratar de questão essencial à correcta decisão da causa.

40) No que diz respeito à alegada ordem de transferência do A dos valores da sua conta da SFE para a conta da Serot Finance, por um lado, não se refere qualquer prova testemunhal a este respeito, como se reconhece não existirem quaisquer ordens escritas, mas, por outro lado, pretende-se transformar os extractos da conta do A e da conta da Serot Finance, como prova de tal ordem, quando o que daí advém é apenas a demonstração de que tais valores foram transferidos pelo banco R, e nada mais do que isso.

41) Acresce que os bancos RR bem conheciam a grave limitação visual do A, através dos seus funcionários envolvidos na prática dos actos, e, não obstante estarem vinculados, aos deveres previstos nos artºs 73º, 74º, 75º, 77º do RGICSF, ignoraram, e fizeram tábua rasa da situação de cegueira do A, e não observaram, nem cumpriram, as obrigações legais discriminadas no acordo de prestação de serviços fiduciários.

42) É manifesto que os bancos RR e os seus funcionários aproveitaram-se e abusaram da grave limitação visual do A, e, não obstante, haver razões acrescidas para cumprirem as obrigações decorrentes do artº 314º, nº 1 e 2 do CVM, não observaram o disposto naquela norma, o que constitui, igualmente, ilícito, e culpa presumida originada por violação dos deveres de informação, o que os obriga a indemnizar os AA pelos danos que lhe foram causados.

43) Acontece que os bancos RR, quanto à subscrição dos documentos que o A impugnou, não alegaram, nem provaram, ter observado as regras exigidas para os contratos em causa, designadamente, as previstas no artºs 5º, nºs 1, 2, e 3, daquele DL 446/85 de 25/10 (Regime das Clausulas Contratuais Gerais), relativas ao dever de comunicação, com a antecedência necessária e na íntegra, bem como a entrega de exemplar de contrato, isto, sem falar, no caso especifico de AA, da patente e sistemática violação do artº 373º, nº 3 CC, o que justifica a anulação da decisão de validar tais documentos.

44) Os bancos RR não alegaram, não provaram, não cumpriram e não reportaram, aos autos, qualquer informação sobre a alegada execução dos contratos em causa, com violação do disposto nos artºs 312º e 323º al. a) do CVM, bem como dos artºs 2º e 8º, da Lei 24/96 de 31/10, sendo certo que AA, como consumidor, estava dispensado do ónus de procurar informação (artº 60º da CRP e artº 8º da Lei 24/96 de 31/07 e AC. STJ de 18/11/1999).

45) A forma como as instâncias vieram a valorar os documentos impugnados, não obstante o determinado pelo acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/2017, traduziu-se numa verdadeira violação de caso julgado, pois, à revelia do decidido, lançou-se mão de prova testemunhal e recorreu-se à livre apreciação ambas não consentidas, no presente caso.

46) Foram tomados em consideração, relativamente aos documentos impugnados, depoimentos de testemunhas que não as especificamente arroladas para tal efeito, no incidente de impugnação, designadamente, HH, EE, GG e II, o que viola o artº 445º, nº 2 CPC, que é direito probatório da competência do STJ (V. fls. 1102 e 1103, Vol 6).

47) Ao mesmo tempo, e como consequência, extrapolaram no sentido de concluir pelo conhecimento, adesão e subscrição do conteúdo de tais documentos, por parte do A, e mesmo que tivesse sido provada a autoria da assinatura (e não foi), a lei não admite que lhe seja atribuído o texto (V. parecer Prof. Pedro Romano Martinez, fls. 2629 a 2635, Vol 11), e ficou provada a deficiência visual que afectou AA, o que implica intervenção notarial, que não ocorreu e é formalidade especial para prova da existência dos factos – artº 373º, nº 2 do CC, e artº 607º, nº 5 in fine CPC.

48) Em qualquer caso, sempre os bancos RR teriam incumprido o contrato a que se vincularam, na medida em que nunca transmitiram para o A, nem este adquiriu, as acções representativas do capital da Serot, pelo que, a alegada “Declaration of Trust” está, na realidade, desprovida de suporte factual e jurídico, e, mesmo de objecto, consubstanciando uma falsidade, pela simples razão de que o A jamais teve a titularidade das acções da Serot Finance, Ltd.

49) E não afectaram os valores transferidos a qualquer investimento mobiliário, tendente a valorizar e a acrescentar rendimento, antes, ocorrendo, entre Julho/Agosto/2005 e Outubro do mesmo ano, o inexplicável desaparecimento ou subtracção de tais valores, ou seja, três anos antes da alegada crise de 2008, que é completamente alheia a tal subtração, e que, “a fortiori”, se pretende apresentar como explicação para a perda do rasto dos valores ilegalmente transferidos para..... .

50) E tais transferências da conta pessoal do A. para a conta da Serot Finance, Ltd, que não pertence ao A., foram realizadas sem contrapartida e sem causa aquisitiva, pelo que estão feridas de nulidade, porque atentam contra a boa fé e os bons costumes e princípios de ordem pública (artº 280º, nº 2 e artº 762º, nº 2 do C.C.).

51) Na conclusão 18ª das contra alegações de apelação, os bancos RR assumem, abertamente, recusar dar sobre isso qualquer informação e afirmam que não têm a menor obrigação de produzir a mais pequena explicação sobre o destino dado a tais valores, de que o A foi desapossado, e de que está privado, por via duma transferência não autorizada, ilícita e culposa, por parte dos bancos RR, assistindo-lhe, assim, o direito de ser indemnizado pelo valor sucedâneo e equivalente ao dos títulos subtraídos e respectivos juros.

52) Apesar dos bancos RR assumirem que não deram, e recusarem mesmo dar, qualquer explicação sobre o destino dado aos valores transferidos, da conta da SFE para....., espantosamente, as instâncias, e, em especial, o acórdão recorrido, conseguiram encontrar uma explicação, que não consta em parte alguma dos autos - o de que tais valores teriam sido investidos em beneficio do A., ou seja, optaram contra a verdade resultante dos autos, por uma solução favorável aos bancos RR, o que se traduz numa subversão dos mais elementares princípios de equidistância e numa denegação de justiça em relação ao A.

53) As instâncias foram indiferentes e, em especial, o acórdão recorrido, ao corroborar a posição da 1ª instância, no sentido de que os valores entregues ao A, titulados exclusivamente em cheques emitidos pelo banco R/Millennium, proviriam da conta da Serot Finance, em ....., valores estes que os próprios bancos RR, no artº 289º da contestação, consideraram, “grosso modo” corresponder às remunerações, juros e rendimentos de títulos que lhe eram regularmente entregues pelo banco R/Millennium e que para ele eram a sua razão de ser.

54) Acresce que, só em 2011, o A. tomou conhecimento das contas da Serot Finance, Ltd, por só então, os bancos RR, as terem disponibilizado (facto provado 42), o que resulta, aliás, do ilegal holdmail que os bancos RR constituíram, para actuarem, como actuaram, de rédea solta, e continuarem a assumir que não deram qualquer explicação, nem têm de dar, relativamente aos valores de que o A foi ilicitamente desapossado, e que reclama nesta acção.

55) Importa enfatizar, que ficou provada a alegada existência e transferência dos valores em causa, que o A reclama, (o que cabia ao A demonstrar, e demonstrou), e não ficou provado que tal tenha ocorrido por instrução ou ordem do A, (o que cabia ao banco R provar, e não provou), ao contrário do decidido pela Relação, sendo que, a demonstrada incorrecção das instâncias e do acórdão recorrido, na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa, decorre, (atenta a grave limitação visual do falecido A/AA – pontos 16 a 20 dos factos provados – artº 71 da CRP), de manifesta preterição ou ofensa de disposições expressas da lei, designadamente, do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, matéria esta que compete ao STJ conhecer, por força do nº 3 do artº 674º do CPC.– (V. Acordão STJ de 16/09/2014, de 18/12/2008, e 31/03/2009).

E) Das inconstitucionalidades

56) A interpretação dada, no acórdão recorrido, no sentido de considerar ocorrer abuso de direito, por parte do A, por, alegadamente se ter conformado, durante anos, com a situação de que vem reclamar nos autos, quando, por força do contrato de holdmail, cuja ilegalidade se suscitou, e não foi admitida, só em 2011 se apercebeu lhe terem sido subtraídos os valores que reivindica, inconstitucionaliza o artº 334º do CC, por excessiva e desproporcionada, redundando numa violação do artº 20º da CRP, e consequente, negação de acesso ao Direito e à Justiça.

57) A interpretação dada, no acórdão recorrido, aos artºs 2º, nº 1 e 8º da Lei 24/96 de 31 de Julho, dissociadamente do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, inconstitucionaliza aquelas disposições por preterição e violação do artº 13º (principio da igualdade) e artº 60º da CRP (protecção do consumidor).

58) A mesma inconstitucionalidade se regista na interpretação do artº 373º, nº 3 do CC por violação dos artºs 13º, 18º, nº 1, 37º, 60º e 71º da CRP (Protecção e respeito pelos direitos dos deficientes físico visuais).

59) O mesmo acontecendo relativamente ao nº 5 do artº 607º, do CPC, por violação dos artºs 13º, 18º, 37º, 60º e 71º e artº 5º, nº 1, 2 e 3, DL 446/85 de 25/10.

60) Igualmente inconstitucionalizante do artº 312º e da alínea a) do artº 323º do CVM, é a interpretação que o acórdão recorrido lhes dá, por suprimir as garantias constitucionalmente conferidas e, consequentemente, violar os artºs 37º, 60º e 71º da CRP.”

27. Os Recorridos contra-alegaram (a fls. 3749 p.p.) e também em resposta às conclusões de recurso aperfeiçoadas (a fls. 3823 p.p.), pugnando pela inadmissibilidade do recurso tanto por via normal como por via excepcional e, subsidiariamente, pela manutenção do acórdão recorrido.

24. [rectius 28.] Por despacho da relatora de 27-01-2020 foi determinada a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das nulidades do acórdão recorrido invocadas pelos Recorrentes ao abrigo da primeira parte do nº 2 do art. 617º do CPC.

25. [rectius 29.]  Por acórdão da conferência de 28-05-2020 a Relação deu como não verificadas as nulidades arguidas, mantendo a decisão do acórdão impugnado.

26. [rectius 29.]  Os Recorrentes vieram apresentar requerimento processualmente não previsto, tecendo considerações acerca do acórdão da conferência de 28-05-2020, que não serão tidas em conta.


II – Admissibilidade do recurso de revista por via normal

1. Cabendo ao relator a competência para decidir da admissibilidade do recurso de revista por via normal, cumpre apreciar se – como invocam os Recorrentes – não obstante o acórdão recorrido ter confirmado, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância, o fez com fundamentação essencialmente diferente ou se o objecto do recurso, tal como delimitado pelos Recorrentes, permite descaracterizar a dupla conformidade enquanto obstáculo à admissibilidade da revista.

Ponderemos cada um destes fundamentos.

Compulsado o teor da sentença e do acórdão recorrido constata-se que a Relação, mantendo na íntegra a decisão relativa à matéria de facto, reapreciou a decisão de direito, pronunciando-se em termos muito próximos da sentença. Conclui-se assim pela não existência de fundamentação essencialmente diferente entre as decisões das instâncias.

Quanto ao segundo fundamento, temos que, de acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, não se encontram abrangidas pela dupla conformidade as questões relativas a irregularidades que vêm imputadas exclusivamente à conduta da própria Relação em sede do seu poder de reapreciação dos factos impugnados no recurso de apelação. Nesta medida – e apenas nesta medida – essas questões não se encontram abrangidas pela dupla conforme, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 673º [rectius: art. 671.º] do CPC, devendo a revista por via normal ser admitida, circunscrita porém à sua apreciação.

De entre as questões suscitadas pelos Recorrentes, não se inscrevem neste âmbito descaracterizador da dupla conforme nem as alegadas violações de regras de direito probatório (ponto B) das conclusões e parte do ponto D)), nem as alegadas nulidades do acórdão recorrido (ponto C) das conclusões), nem as questões relativas à reapreciação da decisão de direito (parte do ponto D) das conclusões) nem tampouco as questões das alegadas inconstitucionalidades (ponto E) das conclusões).

Com efeito, das extensas conclusões recursórias, apenas na conclusão 15) se imputa, em exclusivo, à Relação uma alegada violação das normas processuais que regem o uso dos poderes na apreciação da impugnação da matéria de facto: “O acórdão recorrido demitiu-se de exercer as competências que lhe cabiam, no âmbito do artº 662º do CPC, tendo optado por transcrever largos excertos da sentença do tribunal de comarca, inserindo lacónicos “idems” e pouco mais, descontextualizados, com vagas referências a depoimentos de testemunhas, sem os concretizar e de forma absolutamente genérica, com manifesta violação da citada disposição processual”.

Os Recorrentes invocam, pois, que a Relação desrespeitou os ditames previstos no art. 662º do CPC.

Assim, o presente recurso é admissível, por via normal, circunscrito à apreciação desta questão, sem prejuízo de – se tal questão vier a ser julgada improcedente – serem os autos remetidos à Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC para apreciação da admissibilidade por via excepcional.


2. Tendo em conta a simplicidade da questão em causa, ao abrigo do art. 656º do CPC, dela se passa a conhecer.


III – Fundamentação


1. Apreciemos, pois, a questão de saber se, em sede de reapreciação da decisão de facto, a Relação desrespeitou os ditames previstos no art. 662º do CPC, limitando-se a aderir à decisão da 1ª instância sem formar a sua própria convicção.

A este propósito, socorremo-nos das palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 10/09/2019 (proc. nº 1067/16.5T8FAR.E1.S2), cujo sumário está disponível em www.stj.pt, para equacionar os termos em que a questão deve ser apreciada:

“(…) tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a intervenção da 2.ª instância em matéria de facto, para ser efectiva, impõe a reapreciação das provas, devendo a mesma ser efectuada pela Relação com base na análise crítica da prova em que se fundamenta a decisão, através da formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efectuado.[nota 8: cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 09-09-2014, proc. nº 2380/08.0TBFAG.G1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, de 13-09-2016, proc. nº 152/13.0TBIDM.C1.S1, Relator Fonseca Ramos e de 16-11-2017, proc. nº 499/13.5TBVVD.G1.S1, Relator Fernando Bento, disponíveis em www.stj.pt (sumários de acórdãos)] 

Com efeito, no seguimento das alterações ao CPC introduzidas pela Reforma de 2013, no âmbito dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, compete à Relação “assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, desde que dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova encontre motivo para tal, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem”.[nota 9: António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª Edição, págs. 286 e 287.

Daí que, conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 04-10-2018 [nota 10: cfr. acórdão proferido no proc. nº 588/123TBPVL.G2.S1, Relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt]:

“I - A apreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal de 1.ª instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão

II - No âmbito dessa apreciação, incumbe ao tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir (als. a) e b) do n.º do art. 662.º do CPC), à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do art. 607.º, n.º 5, ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC.”

Importa pois averiguar se a Relação “face à impugnação da matéria de facto operada pelos recorrentes no seu recurso de apelação, cumpriu este seu poder/dever, tendo analisado criticamente a prova produzida no que concerne aos factos impugnados, e, dessa forma, formado uma convicção própria ou autónoma a respeito destes factos, sem que tal constitua um novo julgamento mas corresponda ao efectivo cumprimento destes ditames processuais.” [negritos nossos]

Tendo presente estas orientações e compulsado o teor das alegações de apelação na parte relevante (fls. 3235 a 3346v. p.p.), verifica-se, antes de mais, que os apelantes impugnaram de forma extensíssima tanto os pontos da matéria de facto dada como provada como da matéria de facto dada como não provada.

Ora, do teor da fundamentação do acórdão recorrido resulta que, em razão precisamente da extensão e da complexidade da matéria de facto em causa, a Relação optou por proceder à reapreciação da prova documental e da prova testemunhal, estruturando-a da seguinte forma: apresentando (a fls. 3571-3578 p.p.) um enquadramento factual que se mostra relevante para se compreender a complexa dinânima dos serviços financeiros prestados pelos RR. ao falecido A.; em seguida (a fls. 3578-3588), discriminando os pontos concretos da factualidade impugnada com a indicação, para cada um desses pontos, da posição assumida e respectiva motivação. E é aqui, na motivação discriminada, que – quanto a alguns dos pontos em causa – a Relação optou por realizar enunciados sintéticos, seja remetendo para o enquadramento factual inicial, seja remetendo para a motivação desenvolvida de outros pontos apreciados, seja ainda colocando um simples idem quando a motivação é idêntica à motivação relativa ao ponto ou pontos anterior(es).

Considera-se que tal organização formal do acórdão recorrido, no que se reporta à reapreciação da matéria de facto, é inteiramente compreensível e aceitável face à extensão da factualidade impugnada. Constata-se que essa organização formal não impediu que a Relação procedesse à reapreciação efectiva dos meios de prova indicados, não se limitando a aderir ao juízo probatório da 1ª instância, antes formando uma verdadeira e própria convicção.

Na perspectiva dos Recorrentes essa reapreciação não será bastante porque, tudo o indica, pretendiam que a intervenção da Relação correspondesse afinal à realização de um novo julgamento da matéria de facto.

Contudo, como se referiu supra, a apreciação pelo tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas antes uma reapreciação do julgamento proferido pela 1ª instância, tendo em vista a correcção de eventuais erros da decisão.

Assim sendo, o acórdão recorrido não merece censura, concluindo-se pela inexistência da alegada violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto.


2. Concluindo-se pela improcedência da pretensão dos Recorrentes com fundamento na única questão recursória que justificou a sua admissão por via normal, nada mais há a apreciar, confirmando-se que todas as demais questões se encontram abrangidas pela dupla conformidade entre as decisões das instâncias pelo que a sua apreciação se encontra dependente da decisão de admissão do recurso por via excepcional, que não cabe na competência do relator.


IV – Decisão

Pelo exposto:

a) Admitida a revista por via normal, circunscrita à apreciação da questão da alegada violação das normas processuais que regem o uso dos poderes da Relação na apreciação da impugnação da matéria de facto, julga-se improcedente a pretensão dos Recorrentes com este fundamento;

b) Determina-se a remessa dos autos à Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC para apreciação da admissibilidade do recurso por via excepcional.

Custas a final»


2. Desta decisão proferida pela relatora, em singular, vêm os Recorrentes impugnar para a conferência, concluindo nos seguintes termos:

“1. Está em causa reclamação relativa à Decisão Sumária no sentido de recair acórdão da Conferência, nos termos do artº 656º do CC, ex-vi da alínea c) do nº 1 do artº 652º do mesmo código.

2. Na Decisão Sumária em causa admite-se o recurso comum normal e ordinário de revista.

3. Não se aceita o entendimento constante da Decisão Sumária, no sentido de que ocorra situação de dupla conforme, e de que os fundamentos do recurso normal de revista interposto se resuma à conclusão 15 das alegações dos recorrentes.

4. Efectivamente, não está exclusivamente em causa a denúncia do insuficiente ou inadequado uso do disposto do artº 662º do CPC, por parte do acórdão da Relação sob recurso, pela simples razão de que não está correcta a Decisão Sumária, quando considera prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas em sede de recurso normal de revista, por alegada dupla conforme.

5. Estão suscitadas várias questões relativas ao Acórdão da Relação sob recurso, designadamente, nulidades e outros vícios, que constituem fundamento do recurso normal de revista, para além do segmento constante da conclusão 15 das alegações dos recorrentes.

6. No âmbito da Decisão Sumária e para o efeito de legitimar a mesma, forçou-se a redução das questões em causa ao segmento da conclusão15, com vista a permitir a sua inclusão no âmbito do artº 656º do CPC.

7. Essa opção forçada comprometeu e desvirtuou o sentido decisório adoptado, que tem de ser agora corrigido no âmbito do acórdão a proferir pela Conferência.

8. Não tem razão a Decisão Sumária, quando sustenta uma dupla conformidade que não existe, para considerar que, esgotado o recurso normal de revista a propósito da questão da conclusão 15 – inadequado exercício dos poderes conferidos pelo artº 662º do CPC - nada mais há a conhecer ou a decidir no âmbito do recurso normal de revista.

9. Tal expediente esvaziaria e impediria o STJ de conhecer das questões que pode e deve conhecer, bem como decidir as que constituem fundamento do recurso normal de revista, que não pode ser prejudicado por uma inteiramente aparente dupla conforme, como muito bem denuncia o Conselheiro Abrantes Geraldes, na doutrina citada e reproduzida no presente requerimento.

10. Caberá à Conferência corrigir a Decisão Sumária, enquanto estabelece maior restrição no âmbito do recurso normal de revista, para além do consentido pela lei, a pretexto da aparente dupla conforme.

11. Caberá ainda à Conferência, no âmbito do recurso normal de revista, conhecer designadamente, nulidades e irregularidades que consubstanciam violação de lei substantiva, violação da lei de processo e erro na apreciação das provas com ofensa de disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto (artº 674º do CPC).

12. Não é legítimo, a partir de uma visão superficial da declaração da improcedência da acção em ambas as instâncias, concluir pela dupla conforme, que, quando muito, será meramente aparente (V. doutrina de Abrantes Geraldes citada).

13. O acórdão do Venerando Tribunal da Relação, não só enferma de nulidades por omissão, como se recusou a pronunciar sobre elas, aquando da admissão do recurso de revista, mantendo a mesma posição mesmo quando tal lhe foi ordenado pelo STJ.

14. Enferma, pois, o acórdão da Relação de 28/05/2020 de nulidade que se arguiu e que não foi conhecida, situação que deve ser suprida pela Conferência no âmbito da presente reclamação.

15. Não tem sentido que todas as demais questões que integram o recurso normal de revista tenham sido deixadas, pela Decisão Sumária, para ser apreciadas por via de uma eventual admissibilidade, ou não, do recurso excepcional de revista, por parte da formação a que os autos deveriam ser remetidos

16. Insiste-se no sentido de que as questões suscitadas são fundamento bastante do recurso normal de revista e devem ser conhecidas e decididas no âmbito do acórdão a proferir pela Conferência.

17. Assume particular relevo, nesse âmbito, a questão respeitante à inobservância do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, no tocante aos documentos em que se sustentam as decisões das instâncias, atenta a cegueira de AA (V. acórdão do TRL de 21/05/2014, Proc. 676/12.6TTFUN.L1-4, de que é relator o Desembargador – Duro Mateus Cardoso).

18. A nulidade de todos os documentos e contratos decorrente de preterição essencial de formalidade especial e indispensável à prova dos actos em causa constitui fundamento comum de revista normal que esta Conferência não poderá deixar de conhecer, no âmbito do acórdão a proferir.

19. O acordo de prestação de serviços fiduciários envolve também a outorga de poderes para a prática de actos jurídicos por conta de AA, para a constituição de sociedade, assumindo, assim, a modalidade de mandato, sendo para tanto indispensável a celebração de escritura pública com intervenção notarial.

20. O acervo documental levado pelo funcionário do banco GG, em 2008, para recolha de assinatura de AA em sua casa, incluía documentos a que foi aposta a data de 2005 falsamente, como decorre da circunstância do contrato de fiança de fls. 413, estar datado de 30/09/2008, e do facto daquela testemunha se ter deslocado uma só vez a casa de AA.

21. Tratou-se de uma tentativa atabalhoada e de aproveitamento doloso da cegueira de AA, com vista a cobrir e sanar os actos levados a cabo pelo banco R, durante 3 anos, que se traduziram na alienação e dissipação do património e valores que AA lhe havia confiado e cuja restituição legitimamente reclama nos presentes autos.

22. Igualmente irrelevantes se mostram quaisquer actos imputados a AA no alegado uso de procuração que lhe foi conferida pela Serot Finance, e que tenham data anterior à emissão de tal documento, que só teve lugar a 04/01/2006.

23. Estão igualmente suscitadas diversas inconstitucionalidades que devem ser conhecidas no acórdão que vier a ser proferido pela Conferência

24. No mais, dão-se por integralmente reproduzidas as conclusões das alegações de recurso de revista, na versão corrigida, conforme foi ordenado pela Srª Juíza Conselheira Relatora.

25. Suscitou-se, perante a Relação, a questão de ilegalmente se ter inserido no ponto 69 dos factos provados, o inciso “neste contexto, que foi explicado ao AA e por este querido”, o que constitui facto essencial, principal e nuclear não alegado, nem submetido a contraditório, pelo que, não tendo natureza meramente instrumental ou complementar ou concretizadora de facto essencial, nunca se poderia filiar numa qualquer alegada discussão da causa.

26. O Venerando Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, não se pronunciou sobre tal questão, da maior relevância, enfermando assim, de omissão de pronúncia, que este Supremo Tribunal não poderá deixar de conhecer no acórdão a proferir.

27. Como se reconhece nos autos (V. Acord. Relação recorrido), AA era cauteloso, e, por isso, preferiu a solução de pagar os impostos que houvesse lugar do que transferir os valores que tinha depositados na SFE do banco R para qualquer conta de entidade terceira de .... .

28. Por isso, o banco R e os seus funcionários, à revelia e nas costas do falecido A/AA, desenvolveram todo esse conjunto de operações de transferência dos valores depositados na conta SFE, sem o seu consentimento, entre Julho/Agosto de 2005, e constata-se que, em Outubro/2005, tais valores desapareceram da conta da Serot Finance, em ...., perdendo-se definitivamente o rasto e sem que o banco R até hoje dê qualquer explicação para o seu destino, procurando lançar a confusão e associar a dissipação de tais valores à crise de 2008, quando estes factos ocorrem 3 anos antes.

29. Como já se demonstrou a deslocação do funcionário de GG a casa do falecido A/AA em 2008, destinou-se a cobrir estes procedimentos do banco R e a criar a aparência de que tudo se passara com a concordância de AA, procurando obter nessa altura a assinatura num conjunto de documentos, para esse efeito apondo-lhe falsamente a data de 2005, e aproveitando-se da sua cegueira para tanto.”

Terminam pedindo que seja proferido acórdão da conferência que altere a decisão impugnada, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o acórdão recorrido.

Em sede de resposta conclui o Recorrido no sentido de:

- O acórdão a proferir manter a admissão do recurso de revista por via normal apenas quanto à violação de preceitos adjectivos relacionados com a aplicação do art. 662.º do CPC;

- Tal recurso ser julgado improcedente;

- Ser indeferida a arguição de nulidades indicadas nas conclusões 25 e 29 da revista;

- Ser julgada improcedente a arguição de inconstitucionalidades.

Peticiona ainda a condenação dos Recorrentes como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor dos Recorridos, a liquidar.

Notificados, os Recorrentes não responderam ao pedido de condenação como litigantes de má fé.

Cumpre apreciar e decidir.


5. Para além das questões relativas à admissibilidade do recurso por via normal e ao conhecimento do objecto do mesmo recurso, tal como definido pelas conclusões recursórias aperfeiçoadas inseridas na decisão proferida em singular, supra reproduzida, em sede de requerimento de impugnação para a conferência, vêm os Recorrentes, ora reclamantes:

- Invocar o desrespeito pelas competências legais atribuídas ao relator, ao ter sido proferida decisão em singular que apreciou da admissibilidade da revista por via normal, delimitando o respectivo objecto em função da ocorrência de dupla conforme e decidindo pela sua improcedência;

- Invocar omissão de pronúncia sobre a questão da nulidade do acórdão da Relação de 28-05-2020 (suscitada por requerimento de 12-06-2020), que se pronunciou pela não verificação das nulidades imputadas, em sede de recurso, ao acórdão recorrido (datado de 28-03-2019).

Vejamos.

4.1. Nos termos do art. 652.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável ao recurso de revista ex vi art. 679.º do CPC, compete ao relator “[V]erificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso”. Sendo a dupla conforme entre as decisões das instâncias um obstáculo à admissibilidade do recurso de revista por via normal (cfr. n.º 3 do art. 671.º do CPC), a competência para apreciar da sua verificação, total ou parcial, cabe assim efectivamente ao relator.

Nos termos do art. 652.º, n.º 1, alínea c), do CPC, compete também ao relator “[J]ulgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º”, sendo que, neste último, se dispõe que “[Q]uando o relator entender que a questão a decidir é simples (…) profere decisão sumária (…)”. Assim, a lei não apenas atribui ao relator competência para julgar sumariamente como confia ao mesmo relator o juízo sobre a simplicidade da questão, fornecendo apenas alguns parâmetros indicativos.

Conclui-se, deste modo, ser inteiramente destituído de fundamento o invocado desrespeito pelas competências legais atribuídas ao relator ao ter sido proferida em singular a decisão ora impugnada.


4.2. Quanto à alegada omissão de pronúncia sobre a nulidade do acórdão da Relação de 28-05-2020, que se pronunciou pela não verificação das nulidades imputadas, em sede de recurso, ao acórdão recorrido, razão tem a Recorrida ao afirmar:

“Caso seja interposto recurso do acórdão da Relação, as nulidades não podem ser arguidas perante este tribunal, mas sim constituir o fundamento, ou um dos fundamentos, do recurso de revista.

Nestes casos, podem suceder três hipóteses quanto à apreciação das nulidades pelo Tribunal da Relação: (i) ou aprecia as nulidades antes da subida; (ii) ou, não o tendo feito, aprecia as nulidades no caso de o Relator Conselheiro ordenar a baixa do processo para esse efeito; (iii) ou, não tendo tal ocorrido, apreciará as nulidades, se a revista não vier a ser admitida pelo Supremo (que desse modo não conheceu do recurso e, por conseguinte, das nulidades) e se considerar que há que conhecer das mesmas.”

No presente caso ocorreu a segunda situação elencada. Não tendo a Relação  apreciado as invocadas nulidades do acórdão recorrido antes da subida do recurso, determinou a relatora deste Supremo Tribunal, ao abrigo do n.º 5 do art. 615.º do CPC, que os autos baixassem à Relação para que esta se pronunciasse sobre as mesmas.

Reafirma-se, porém, que o acórdão da conferência da Relação, datado de 28-05-2020, apenas se pronunciou sobre as arguidas nulidades, não as tendo decidido. Tal decisão compete a este Supremo Tribunal, caso o recurso de revista seja admitido (para além dos termos circunscritos em que o foi pela decisão da relatora, ora impugnada).

Não tendo o acórdão da conferência da Relação de 28-05-2020 proferido decisão sobre as nulidades, dele não cabe nem recurso nem reclamação. Razão pela qual, no ponto 26.[rectius 29.] da decisão proferida em singular se entendeu ser de desconsiderar o requerimento dos Recorrentes de 12-06-2020. Decisão que se mantém.

Mais se esclarece ser inteiramente equivocada a afirmação dos ora reclamantes segundo a qual:

“Aliás, nos termos do artº 666º, nº 2 do CPC, as nulidades arguidas relativamente ao acórdão da Relação objecto de recurso de revista só podem  ser apreciadas e decididas pela Conferência, o que significa que a Srª Juíza Conselheira Relatora em nenhuma circunstância se encontrava perante caso passível de Decisão Sumária, uma vez que não podia nunca barrar o conhecimento das questões suscitadas como fundamento de recurso normal de revista, pela Conferência, ou seja, em colectivo.”

Com efeito, o art. 666.º, n.º 2 do CPC não diz respeito ao conhecimento das nulidades da decisão, em sede de recurso, pelo tribunal ad quem, mas sim ao conhecimento das nulidades pelo tribunal a quo. Deste modo, se o relator do tribunal ad quem entender que, no caso concreto, as nulidades suscitadas pelo recorrente correspondem a questões de simples resolução, tem ele competência para nos termos gerais dos, supra referidos, arts. 652.º, n.º 1, alínea c), e 656.º do CPC, julgar sumariamente.

Contudo, no caso dos autos, nem foi essa a via seguida na decisão proferida em singular, a qual não conheceu das arguidas nulidades, antes se limitou a – dentro das competências conferidas ao relator – decidir que tais nulidades se encontram abrangidas pela dupla conformidade entre as decisões das instâncias, não podendo ser apreciadas em sede de revista por via normal.

Saber se esta tomada de posição se deve ou não manter integra, afinal, o objecto da presente reclamação. Mas isso em nada afecta o facto de, nos termos legais, pertencer ao relator a competência para, em primeira linha, apreciar da existência de obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso.

Conclui-se, assim, não se verificar a alegada omissão de pronúncia sobre a nulidade do acórdão da conferência da Relação de 28-05-2020, que se pronunciou sobre as nulidades imputadas, em sede de recurso, ao acórdão recorrido. Conclui-se também não ter a decisão proferida em singular, ora impugnada, desrespeitado as regras legais sobre a competência do relator ao entender desconsiderar (no respectivo ponto 26 [rectius 29]) o requerimento dos Recorrentes de 12-06-2020.


5. Cumpre, enfim, reapreciar em Conferência as questões relativas à admissibilidade do recurso por via normal e ao conhecimento do objecto do mesmo recurso, que foram apreciadas e decididas em decisão singular nos seguintes termos:

“(…) de acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, não se encontram abrangidas pela dupla conformidade as questões relativas a irregularidades que vêm imputadas exclusivamente à conduta da própria Relação em sede do seu poder de reapreciação dos factos impugnados no recurso de apelação. Nesta medida – e apenas nesta medida – essas questões não se encontram abrangidas pela dupla conforme, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 673º do CPC, devendo a revista por via normal ser admitida, circunscrita porém à sua apreciação.

De entre as questões suscitadas pelos Recorrentes, não se inscrevem neste âmbito descaracterizador da dupla conforme nem as alegadas violações de regras de direito probatório (ponto B) das conclusões e parte do ponto D)), nem as alegadas nulidades do acórdão recorrido (ponto C) das conclusões), nem as questões relativas à reapreciação da decisão de direito (parte do ponto D) das conclusões) nem tampouco as questões das alegadas inconstitucionalidades (ponto E) das conclusões).

Com efeito, das extensas conclusões recursórias, apenas na conclusão 15) se imputa, em exclusivo, à Relação uma alegada violação das normas processuais que regem o uso dos poderes na apreciação da impugnação da matéria de facto: “O acórdão recorrido demitiu-se de exercer as competências que lhe cabiam, no âmbito do artº 662º do CPC, tendo optado por transcrever largos excertos da sentença do tribunal de comarca, inserindo lacónicos “idems” e pouco mais, descontextualizados, com vagas referências a depoimentos de testemunhas, sem os concretizar e de forma absolutamente genérica, com manifesta violação da citada disposição processual”.

Os Recorrentes invocam, pois, que a Relação desrespeitou os ditames previstos no art. 662º do CPC.

Assim, o presente recurso é admissível, por via normal, circunscrito à apreciação desta questão, sem prejuízo de – se tal questão vier a ser julgada improcedente – serem os autos remetidos à Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC para apreciação da admissibilidade por via excepcional. [negritos nossos]

Não se conformando com esta decisão de admissão do recurso por via normal circunscrita à apreciação da questão enunciada na conclusão recursória 15), os Recorrentes, ora reclamantes, invocam que:

- No âmbito da revista normal cabe conhecer das “nulidades e irregularidades que consubstanciam violação de lei substantiva, violação da lei de processo e erro na apreciação das provas com ofensa de disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto (artº 674º do CPC)”;

- Pelo que, em seu entender, deve o recurso ser admitido por via normal quanto a todas as questões nele suscitadas;

- Com especial destaque para “a questão respeitante à inobservância do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, no tocante aos documentos em que se sustentam as decisões das instâncias, atenta a cegueira de AA” e para as demais questões ou argumentos enunciados nos pontos 18. a 29. da síntese, supra reproduzida, com que concluem a reclamação.

Vejamos.


5.1. Para além da questão da alegada violação, imputada à Relação, de norma legal (art. 662.º do CPC) que regula os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto (cfr. conclusão 15)) – que justificou que a decisão ora impugnada tivesse admitido a revista por via normal, circunscrita à apreciação dessa questão – recordemos que o recurso integra questões de outra natureza, a saber:

(i) Questões de alegada violação de regras de direito probatório (cfr. conclusões do ponto B) e parte das conclusões do ponto D)), invocadas, por vezes, juntamente com questões de alegada violação de regras processuais imputada a ambas as instâncias (cfr. conclusões dispersas dos pontos C), B) e D));

(ii) Questões de alegadas nulidades do acórdão recorrido (cfr. conclusões do ponto C) e conclusão 29) do ponto D));

(iii) Questões de alegados erros na aplicação do direito substantivo (parte das conclusões do ponto D));

(iv) Questões de alegada inconstitucionalidade na interpretação da norma do art. 334.º do CC (abuso do direito), assim como na interpretação de diversas normas de direito probatório (conclusões do ponto E)).

Pretendem os Recorrentes, ora reclamantes, que a dupla conformidade entre as decisões das instâncias não se aplica a qualquer das questões recursórias em causa pelo que o recurso por via normal deverá ser admitido e conhecido quanto à totalidade das mesmas questões.

Laboram os Recorrentes em erro quanto ao conceito da dupla conforme como obstáculo à admissibilidade da revista por via normal, assim como quanto à razão de ser desse conceito.  Com efeito, afirmam o seguinte no teor da reclamação para a conferência:

“Aliás, entendamo-nos, de uma vez por todas, sobre o alcance e sentido da dupla conforme.

Na verdade, se uma sentença de 1ª instância adoptar determinado sentido decisório, em virtude dela própria enfermar de erro ou de nulidades por excesso ou omissão de pronuncia, dando, por exemplo, como provados factos para os quais a lei exija determinadas formalidades ou elementos documentais, que não se verificavam nem existiam nos autos, e se tal questão for suscitada no recurso de apelação, como foi no presente caso, o segmento decisório que daí advém, dificilmente, como questão nova que é, poderá estar abrangido pela dupla conforme.

Por outro lado, se nessa concreta situação, a Relação, por omissão de pronuncia, se demitir de conhecer e tirar consequências a nível do sentido decisório de tais situações, que justificam tal alteração, e antes, confirmar a sentença recorrida, será, no mínimo, aberrante considerar que tal acórdão não é passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Na verdade, em tal caso, e porque só em virtude de tal omissão, se cria uma situação da aparente dupla conforme (que no caso seria do atropelo, do erro e da asneira), não é admissível vedar o acesso ao STJ em sede de recurso de revista, pois, em tal caso, essa aberrante situação quedar-se-ia definitivamente impune.”

Diversamente do que resulta desta passagem, a dupla conforme afere-se em função da decisão final proferida por cada uma das instâncias e não em função das diferentes partes, passagens ou segmentos da respectiva fundamentação. Tal critério de aferição em função da decisão final proferida por cada uma das instâncias apenas é excepcionado, nos termos da lei, caso a confirmação da decisão da 1.ª instância seja feita com fundamentação essencialmente diferente ou com voto de vencido.

No caso dos autos, o acórdão da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância sem fundamentação essencialmente diferente e sem voto de vencido. Assim sendo, é indubitável que se verifica dupla conforme entre tais decisões.

Essa dupla conformidade não é descaracterizada – por não existir qualquer base legal para o efeito – nem pelos alegados erros de julgamento na aplicação de regras de direito probatório nem pelos alegados erros na aplicação de regras de direito substantivo nem pelas alegadas inconstitucionalidades na interpretação dessas normas de direito probatório e de direito substantivo.

Tampouco é descaracterizada pelas alegadas nulidades do acórdão recorrido. O facto de os reclamantes virem, a este respeito, convocar posição diversa, assumida em obra de índole doutrinal, não permite afastarmo-nos deste juízo, tanto por não existir base legal para o efeito, como por corresponder à jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal. A título exemplificativo, cfr. os acórdãos de 24-11-2016 (proc. n.º 470/15), de 12-04-2018 (proc. n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Assim com os acórdãos de 02-05-2019 (proc. n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1), de 19-06-2019 (proc. n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1), ambos com sumário publicado em www.stj.pt, e de 05-02-2020 (proc. n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1), disponível em jurisprudencia.csm.org.pt.


5.2. De qualquer forma – e independentemente da posição assumida quanto à aptidão das alegadas nulidades do acórdão da Relação para descaracterizar, ainda que limitada a tais questões, a dupla conforme – sempre no caso do presente recurso essa descaracterização não se verificaria.

Com efeito, compulsadas todas as questões identificadas pelos Recorrentes como sendo de arguição de nulidades do acórdão recorrido, constata-se existir um erro de qualificação. Na verdade, limitam-se os Recorrentes a invocar não ter a Relação atendido aos fundamentos ou argumentos por si invocados, em sede de apelação, para impugnar múltiplos pontos da matéria de facto; ou ainda ter introduzido alterações em factos que não foram impugnados.

Tais alegações não correspondem a verdadeiras e próprias causas de nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia, mas antes à invocação de erros no julgamento da decisão de facto. Os quais apenas poderão ser apreciados por este Supremo Tribunal se o recurso de revista vier a ser admitido por via excepcional e desde que, naturalmente, integrem as hipóteses em que excepcionalmente o Tribunal pode sindicar a matéria de facto.


5.3. Assim, e tal como se entendeu na decisão proferida em singular, a única questão recursória que – de acordo com a orientação jurisprudencial formada neste Supremo Tribunal – permite descaracterizar a dupla conforme, é a questão enunciada na conclusão recursória 15) da alegada violação, imputada exclusivamente à Relação, da norma do art. 662.º do CPC que regula os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto.

Esta questão reveste-se de uma especificidade que as demais questões objecto do presente recurso não possuem, a saber: estar em causa a aplicação de norma legal que regula o exercício dos poderes da Relação. É esta a razão justificativa para a dita orientação jurisprudencial assumida no Supremo Tribunal de Justiça no sentido de: (i) admitir que, suscitada tal questão, a revista deva ser admitida por via normal, mas circunscrita à sua apreciação; (ii) no caso de o recurso ser julgado procedente, mandar baixar os autos à Relação para ser proferida nova decisão.

Confirma-se que o presente recurso é admissível, por via normal, circunscrito à apreciação da questão recursória enunciada na conclusão 15).


6. Em sede de reclamação, não invocaram os Recorrentes qualquer argumento contra a decisão de improcedência da questão da alegada violação da norma do art. 662.º do CPC que regula os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto, afigurando-se até terem-se conformado com tal decisão. Contudo, podendo subsistir dúvidas acerca desta posição de conformação, procedeu a conferência à reponderação da questão da alegada violação da norma do art. 662.º do CPC, por falta de formação de convicção própria pelo Tribunal da Relação, concluindo nos termos da decisão ora impugnada:

“(...) compulsado o teor das alegações de apelação na parte relevante (fls. 3235 a 3346v. p.p.), verifica-se, antes de mais, que os apelantes impugnaram de forma extensíssima tanto os pontos da matéria de facto dada como provada como da matéria de facto dada como não provada.

Ora, do teor da fundamentação do acórdão recorrido resulta que, em razão precisamente da extensão e da complexidade da matéria de facto em causa, a Relação optou por proceder à reapreciação da prova documental e da prova testemunhal, estruturando-a da seguinte forma: apresentando (a fls. 3571-3578 p.p.) um enquadramento factual que se mostra relevante para se compreender a complexa dinânima dos serviços financeiros prestados pelos RR. ao falecido A.; em seguida (a fls. 3578-3588), discriminando os pontos concretos da factualidade impugnada com a indicação, para cada um desses pontos, da posição assumida e respectiva motivação. E é aqui, na motivação discriminada, que – quanto a alguns dos pontos em causa – a Relação optou por realizar enunciados sintéticos, seja remetendo para o enquadramento factual inicial, seja remetendo para a motivação desenvolvida de outros pontos apreciados, seja ainda colocando um simples idem quando a motivação é idêntica à motivação relativa ao ponto ou pontos anterior(es).

Considera-se que tal organização formal do acórdão recorrido, no que se reporta à reapreciação da matéria de facto, é inteiramente compreensível e aceitável face à extensão da factualidade impugnada. Constata-se que essa organização formal não impediu que a Relação procedesse à reapreciação efectiva dos meios de prova indicados, não se limitando a aderir ao juízo probatório da 1ª instância, antes formando uma verdadeira e própria convicção.

Na perspectiva dos Recorrentes essa reapreciação não será bastante porque, tudo o indica, pretendiam que a intervenção da Relação correspondesse afinal à realização de um novo julgamento da matéria de facto.

Contudo […], a apreciação pelo tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas antes uma reapreciação do julgamento proferido pela 1ª instância, tendo em vista a correcção de eventuais erros da decisão.”

Confirma, assim, esta conferência que o acórdão recorrido não merece censura, concluindo-se pela inexistência da alegada violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto.


7. Formulou a Recorrida pedido de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, invocando fundamentos que se prendem com as questões objecto do presente recurso, consideradas na sua globalidade, e que não possuem conexão directa com as questões apreciadas no presente acórdão.

Assim sendo, entende-se que tal pedido apenas poderá ser conhecido a final, caso o recurso venha a ser admitido por via excepcional.


8. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão impugnada:

a) De admissão da revista por via normal, circunscrita à apreciação da questão da alegada violação das normas processuais que regem o uso dos poderes da Relação na apreciação da impugnação da matéria de facto, julgando-se improcedente a pretensão dos Recorrentes com este fundamento; e

b) De determinação da remessa dos autos à Formação a que alude o n.º 3 do art. 672.º do CPC para apreciação da admissibilidade do recurso por via excepcional.

Custas a final.


Lisboa, 26 de Novembro de 2020


Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Catarina Serra