Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1189/14.7T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PROCESSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
CASO JULGADO
ACÇÃO CÍVEL
AÇÃO CÍVEL
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO FRETE DE OUTRA EMBARCAÇÃO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / APELAÇÃO / INTERPOSIÇÃO E EFEITOS DO RECURSO / APELAÇÃO AUTÓNOMAS.
Doutrina:
- António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, p. 661.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 644.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2018, PROCESSO N.º 642/14.7T8VCT.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O facto de uma das rés seguradoras, na sua apelação interposta da sentença final, não ter referido expressamente que o recurso também incidia sobre a decisão proferida em sede de saneador sobre a invocada exceção de caso julgado, não obsta a que a Relação reaprecie essa questão, desde que a mesma seja suscitada nas alegações e respetivas conclusões, sendo certo que tal decisão apenas poderia ser impugnada no âmbito do recurso da sentença final, nos termos do n.º 3 do art. 644.º do CPC.
II - O facto de no processo crime (no qual a autora demandou aquela ré seguradora e o condutor do veículo seu segurado, ali arguido, pedindo a mesma indemnização e com base no mesmo acidente de viação) a acusação e bem assim o pedido cível terem sido julgados improcedentes (por se considerarem não provados os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva), não obstava a que as instâncias considerassem não verificada a invocada exceção de caso julgado mas apenas na parte relativa à responsabilidade objetiva, pela simples razão de que o tribunal penal se absteve de conhecer de tal responsabilidade.
III - Vindo a Relação, ao contrário da 1.ª instância, a tomar posição no sentido da existência de responsabilidade civil baseada na culpa dos condutores, nada impedia, bem pelo contrário, que a mesma apreciasse e julgasse verificada a invocada (pela seguradora que foi demandada no processo crime) exceção de caso julgado, com referência à responsabilidade subjetiva.
Decisão Texto Integral:

          

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou ação declarativa comum contra BB, SA, CC, SA e DD, SA, (atualmente EE, SA) pedindo a condenação destas no pagamento da quantia de € 60.000 relativos à compensação do dano da perda do direito à vida da sua mãe, vitima no acidente em causa nos autos, no qual intervieram os veículos seguros na rés.

As rés contestaram separadamente, defendendo-se todas elas por impugnação, rejeitando a responsabilidade dos condutores dos veículos seus segurados na produção do acidente em causa nos autos.

Para além disso, a ré AA invocou a exceção do caso julgado.

Teve lugar a realização da audiência prévia, na qual foi julgada improcedente a invocada exceção do caso julgado.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual a ação foi julgada totalmente procedente, sendo as rés condenadas a pagar
à autora a quantia de € 60.000 relativos à compensação do dano da perda do direito à vida da sua mãe e danos não patrimoniais da autora, acrescidos de juros de mora, a contar da sentença.

Na sequência e no âmbito de apelações das rés AA e CC, a Relação do .....:

- Julgou verificada a exceção do caso julgado e absolveu a ré AA da instância;

- E, julgando improcedente a apelação da ré CC, decidiu condenar esta ré e a ré DD, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 60.000,00 a título de indemnização pelos danos ocorridos em consequência do acidente sofrido.

Inconformada, interpôs a ré CC o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - A questão do caso julgado foi objeto de decisão no douto Despacho Saneador, com o qual a AA se conformou, posto que não o impugnou na Apelação que interpôs (em que se limitou a impugnar a douta Sentença proferida), pelo que, salvo melhor e mais esclarecido entendimento, não poderia ter sido objeto de decisão contrária no douto Acórdão recorrido – vd. os antecedentes parágrafos 4 e 5.

2ª - A douta Sentença proferida no antecedente Processo Crime e no correspetivo Pedido de Indemnização Cível não faz caso julgado para a presente Ação, seja pela diversidade das partes que intervieram num e noutra, seja também por o arguido ali ter acabado por ser absolvido com base no Princípio “in dubio pro reo”, não por haver sido considerado inocente (o que afasta, portanto, qualquer possibilidade de contradição com o juízo de culpabilidade que emergiu nos presentes autos) – vd. os antecedentes parágrafos 6 a 14.

3ª - A absolvição da AA, com fundamento na douta Sentença proferida no antecedente Processo Crime e no correspetivo Pedido de Indemnização Cível, constitui um efeito indireto ou reflexo da mesma para com a CC e a DD(terceiros), o que a Lei não permite – vd. os antecedentes parágrafos 15 a 20.

4ª - Ao não decidir assim - e salvo, sempre, o devido respeito por melhor e mais esclarecido entendimento diverso -, os Meritíssimos Desembargadores “a quo” incorreram em violação ou, ao menos, insuficiente aplicação do preceituado nos Artºs. 497º e 522º do CC, nos Artºs. 130º, 580º, 581º, 619º, 624º, 625º, 628º, 635º e 644º do CPC e no Artº 84º do CPP.

Nestes termos, deverá o recurso ser julgado procedente, em consequência mantida a decisão da 1ª instância, assim sendo feita justiça.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Atento o conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

            - impossibilidade de conhecimento da exceção dilatória do caso julgado;

            - inexistência de caso julgado;

            Foi a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias:

            Factos provados:       

1º Em ......, faleceu, FF, mãe da Autora.

2º A Autora, AA é filha e única herdeira legitimaria, de FF, condutora do veículo automóvel de marca ..., modelo ... com a matrícula 00-00-000.

3º A 1ª Ré é seguradora da empresa GG, Lda. proprietária do veículo ligeiro comercial, matrícula 00-00-00, marca ..., modelo ..., conduzido por HH, com a responsabilidade civil transferida para o contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice nº 000000. Cfr  Doc 3.

4º A 2ª Ré é seguradora de II, proprietário do veículo ligeiro comercial de matrícula 00-00-00, marca ..., modelo ..., conduzido por JJ, com a responsabilidade civil transferida para o contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice nº 0000000.

5º A 3ª Ré é seguradora da empresa KK, Lda., proprietária do veículo ligeiro comercial de matrícula 00-00-00, marca ..., modelo ... de passageiros conduzido por LL, com responsabilidade civil transferida para o contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice nº 000000.

6º No dia 12 de dezembro de 2011, cerca das 07.35 horas, ocorreu um acidente na Autoestrada, nº 1....... no sentido de circulação.........., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 00-00-00, marca ...., modelo ..., conduzido por HH, o veículo ligeiro de passageiros, matricula 00-00-00, marca ..., modelo ..., conduzido por JJ, o veiculo ligeiro, matricula 00-00-00, marca ..., modelo ... de passageiros conduzido por LL, e o veículo ligeiro de passageiros, marca ... ..., com matricula 00-00-000, conduzido pela vitima mortal FF.

7º Do acidente resultaram ferimentos graves na condutora, do veículo 00-00-000, FF, que foram consequência direta na sua morte.

8º Todos os veículos circulavam na Autoestrada no sentido Norte-Sul.

9º O veículo ..., conduzido pela vítima mortal, circulava na via da direita.

10º Na mesma via de trânsito seguia à retaguarda do....o veículo ..., conduzido por JJ.

11º Ainda na mesma via de trânsito seguia ainda à retaguarda, destes e imediatamente a seguir ao veículo 00-00-00, o veículo de matrícula 00-00-00, conduzido por HH.

12º Nesta sequência, o veículo 00-00-00, (não respeitando a distância necessária para imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente – segmento este eliminado pela Relação), embateu na traseira do veículo 00-00-00, que imediatamente o precedia.

13º Tal embate ficou a dever-se a uma deficiente perceção da diferença de velocidades a que seguia o seu veículo, ... e o veículo ....

16º Por sua vez, o veículo 00-00-00, que seguia imediatamente atrás do ..., (não respeitando igualmente a distância necessária para imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e apercebendo-se muito tardiamente da proximidade da traseira do ... - segmento este eliminado pela Relação), travou e guinou para a direita, não conseguindo no entanto evitar embater no ....

17º Após a referida dinâmica factual, o veículo 00-00-000, conduzido pela falecida que em resultado do aludido embate traseiro, por banda do ..., perdeu o controlo da direção do veículo, e em face da violência do embate a que foi submetido, derivou para a via da esquerda, ocupando a mesma, colidindo com o separador central, ficando em consequência dessa colisão, imobilizada de forma transversal nessa mesma via esquerda.

18º Foi nessa altura que o veiculo 00-00-00, conduzido por LL, surgiu pela faixa da esquerda, e em manobra de ultrapassagem aos outros três veículos (.., ... e ...) e colidiu na lateral central esquerda do veículo ..., que estava por sua vez imobilizado na via esquerda, atravessado na estrada com a sua frente encostada ao separador central.

20º Apesar de não ter encontrado qualquer barreira física desde o local onde se apercebeu do evento, até ao seu embate, a verdade é que o condutor do veículo ..., não conseguiu imobilizar o seu veículo no espaço livre à sua frente a tempo de evitar o embate mortal no veículo ..., arrastando mesmo este por alguns metros da zona de impacto.

21º Isto porque, o condutor do 00-00-00, vinha distraído e com uma atenção inapropriada e apesar de usufruir de mais de 100m em relação ao local onde se apercebeu da presença do ..., até ao local do embate, não conseguiu reagir a tempo de efetuar uma manobra evasiva eficaz que permitisse evitar a colisão com o ....

22º Desta colisão resultou que os passageiros da viatura fossem projetados para fora da viatura originando a morte de FF.

23º Não obstante o veiculo ... circular à retaguarda dos restantes veículos, em boa verdade, tinha, caso o seu condutor viesse vigilante na sua condução, tido, o tempo e o espaço necessário para evitar o embate no ..., parando o seu veiculo em segurança.

24º No entanto e pelo contrário o ..., na tentativa de imobilizar o seu veículo efetuou uma travagem deixando na via o seu rasto com cerca de 40 m de comprimento.

25º Deste modo e como consequência direta da atuação conjunta, dos condutores dos veículos ligeiros (...,... e ...) FF sofreu as seguintes lesões:

- Feridas contusas na cabeça;

- Fratura do crânio;

- Hematoma subdural e hemorragia subaracnoide;

- Focos de contusão cerebrais e cerebrosos e ventrículos laterais sujos de sangue;

- Fratura do corpo de C5, C6 e hemorragia epidural a esse nível.

- Fratura do esterno e de algumas costelas pelo arco interior.

26º Tais lesões determinaram-lhe direta e necessariamente a morte.

27º No referido local do acidente, a via é dividida por separador central, sendo que, atento o sentido de marcha dos veículos sinistrados, apresenta duas faixas de rodagem, com uma largura total de 7,30, é betuminosa, encontrava-se em bom estado de conservação e descreve uma reta.

28º No dia, hora e local do acidente as condições atmosféricas eram boas, com boas condições de visibilidade e com tráfego reduzido.

34º Todas as viaturas intervenientes foram consideradas com perda total.

47º Os condutores dos veículos ligeiros ..., ... e ...) estavam ao serviço e por conta das suas entidades patronais, GG, Lda., II e KK, Lda., respetivamente.

49º Correu termos no tribunal judicial da ....... o processo comum singular com o n.º 222/11.9GTCBR, no qual o arguido HH, estava acusado da prática de um crime de homicídio por negligência, p.p. pelo art.º 15, al. b) e 137, n.º 1 do CP; por referência aos art.º 24, n.º 1 e 3, 11, 18, n.º 1, 2 e 3, 134, 145, al. e) e f), 146, al. h) e 147, n.º 1 e 2 do C. Estrada e de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art.º 15, al. b) e 148, n.º 1 do CP por referencia aos art.º 24, n.º 1 e 3, 11, 181 e 3, 11, 18, n.º 1, 2 e 3, 134, 145, al. e) e f), 146, al. h) e 147, n.º 1 e 2 do C. Estrada.

No âmbito do mesmo processo, e para além do mais, foi deduzido por AA pedido de indemnização civil contra BB, SA o arguido e GG, Lda, pedindo a condenação dos demandados no pagamento da quantia de € 50.000 a título de indemnização pelo dano da perda do direito à vida de FF, sua mãe, acrescida de juros de mora, contados desde a notificação, até efetivo e integral pagamento, e da quantia de € 10.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por si enquanto filha, pela morte da sua mãe, acrescida de juros legais a contar da notificação, até efetivo e integral pagamento.

Por sentença proferida em 15 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em 14.02.2014, foi o arguido absolvido da prática dos crimes que lhe estavam imputados.

Mais foi julgado improcedente, por não provados os pressupostos da responsabilidade civil em que assenta o pedido de indemnização civil formulado por AA, com a consequente absolvição da demandada BB, SA.

53° A vítima FF nasceu em ....... aquando do sinistro tinha 61 anos e encontrava-se reformada.

54º Como era uma pessoa muito ativa e dinâmica sempre que podia realizava uns "biscates" para com o resultado destes ajudar a filha e os seus netos de 3 e 9 anos que tanto adorava.

56º Com esta quantia ajudava a filha e os netos na medida das necessidades destes, uma vez que estes constituíam a sua única família.

57º A falecida era uma pessoa saudável e com hábitos salutares, alegre e bem-disposta e que se ocupava diariamente dos seus afazeres.

58º Tinha por outro lado uma grande vontade e alegria de viver, sendo expectável atenta a sua boa saúde, que gozasse por muitos mais anos uma vida de trabalho árduo.

59º A A tinha com a falecida sua mãe uma ligação muito forte, uma vez que já estava privada do pai há 9 anos e é filha única.

60º A A tinha na sua mãe o principal pilar da sua vida com quem mantinha uma relação de grande proximidade.

61º Apesar da distância, uma vez que a falecida residia em ..., havia um grande sentido de ligação familiar entre ambas.

62º A A possuía uma excelente relação com a sua mãe e quando não estavam juntas estabeleciam contacto telefónico quase diariamente.

63º Uma vez que, a falecida vinha pelo menos a ......., residência da A, duas vezes por mês onde ficava instalada.

64° Acresce que, para além destas visitas mensais, aquando do período de férias escolares dos dois netos a falecida passava com estes períodos convivendo assim com estes diariamente,

65º A falecida ajudava assim a A a cuidar dos dois filhos e seus netos, em especial em Agosto, período em que o Infantário dos menores se encontra fechado.

66º A falecida ajudava ainda a A pagando mensalmente os colégios dos netos.

67° A morte da mãe configurou para a A um profundo desgosto e angustia com a morte da sua mãe, cuja natureza inesperada, não lhe permitiu sequer um último adeus, desgosto que permanece e a acompanha no seu dia-a-dia.

68º Em função disso a A apresenta, desde então "sintomatologia depressiva" com insónia estando medicada para o efeito, como resulta do relatório clinico. Cfr Doe n Da Ré AA:

16 - A viatura ... ... tem o peso superior a 2.000
kgs, ao qual há a acrescentar o peso de 5 ocupantes e eventual carga.

17 - A violência do embate causou os estragos evidenciados pelas fotos constantes do Doc.3, localizados na frente desta viatura CA.

18 - Tais estragos foram avaliados em 14.094,88 € que
determinaram a sua perda total.

23 - Os danos causados na traseira do ... foram igualmente avaliados, tendo sido apurados estragos no montante de 1.674,53 €

27 - O veículo .. pesa cerca de 1.000 kgs, e por isso não é possível ter sofrido estragos na sua frente lado esquerdo, e em simultâneo ter causado os estragos de enorme dimensão na frente do ...retratados nos Does.3 e 4.

Factos não provados:

- A velocidade a que seguiam as viaturas:

Art. 55º da pi A falecida auferia com os biscates que realizava, a sua reforma e a pensão de viuvez cerca de 1000,00€ euros de rendimentos mensais.

- Não de provaram as versões da dinâmica do acidentes alegadas pela Ré AA e Ré CC, designadamente:

Da Ré AA:

14- 0 veículo ... ... com a matrícula .. circulava no local e sentido indicado nos Autos, à frente do ligeiro com a matrícula .. da marca ... ....

15 - Por não adequar a velocidade do seu veículo, por não avaliar corretamente a distância relativamente à viatura que o precedia, ou porque o seu condutor não se apercebeu da diferença de velocidades, o .. embateu com violência na traseira do veículo ... ... com a matrícula 00-00-00 (..) que circulava à sua frente.

19 - Com o embate mencionado, o veículo ... parou a sua marcha e bloqueou a passagem do ligeiro ... que seguia na sua retaguarda a velocidade adequada para o local (autoestrada A1).

20 - Este comportamento apanhou de surpresa o condutor do ..., que ainda teve a presença de espírito para tentar dominar a sua viatura, desviando-se para a sua direita em direção à berma ali existente, que é habitualmente conhecida corno berma de segurança.

21 - Essa manobra não foi suficiente, e acabou por embater com.. - Consequentemente, o veículo ..sofreu apenas danos na sua frente lado esquerdo.

30- Foi por causa do violento embate do ... na traseira do veículo de mercadorias ... ... com a matrícula ...e que seguia na frente, que esta viatura foi projetada para a faixa da esquerda.

31- Após sofrer a pancada na traseira, a malograda condutora do ... perdeu o controlo da direção, guinou para a esquerda, embateu nos rails centrais da autoestrada e ficou mobilizada.

32- Nesse instante, surgiu a grande velocidade a viatura ... da marca ... ....00, no momento em que efetuava ultrapassagem aos restantes veículos, e também ela embateu com grande violência na lateral central esquerda do ... que estava atravessado na via.

Da Ré CC:

15º circulando, na ocasião, imediatamente à retaguarda do .., o condutor do ...decidiu ultrapassá-lo e,

16º para tanto, aumentou a sua velocidade de circulação,

I7º e aproximou-se da linha longitudinal descontínua que, no local, divide as duas faixas de rodagem existentes no sentido Norte-Sul,

18º Ocasião em que, pelos espelhos retrovisores, se apercebeu da aproximação do ..,

19º que então se encontrava ainda a mais de 100 metros do ...,

20º mas que já circulava pela faixa da esquerda (atento o referido sentido),

21º e fazia-o a velocidade muito superior (decerto a mais de 140 kms/hora) à velocidade com que o ...seguia animado,

22° pelo que, ante aquela aproximação do ..., o condutor do ... temeu não dispor de tempo para ultrapassar o ... sem se constituir em obstáculo à passagem do ... e,

23º por isso, decidiu não realizar a ultrapassagem,

24º mantendo-se na faixa direita (atento o referido sentido),

25º e diminuindo a velocidade de marcha do ...,

26º que a aceleração com vista à ("abortada") ultrapassagem levara mais para próximo da traseira do ...,

27º sendo nesse momento de desaceleração que o ... foi embatido na sua traseira pelo ...,

28º fosse porque o seu condutor seguia desatento e distraído, não se tendo apercebido que, depois de acelerar, o ... reduzira de novo a sua velocidade de circulação,

I - Quanto à impossibilidade de conhecimento da exceção dilatória do caso julgado.

1) Diz a recorrente (CC) que a questão do caso julgado (invocada pela co-ré AA) já tinha sido objeto de decisão em sede de despacho saneador – decisão essa com a qual a ré AA se conformou, uma vez que não a impugnou na sua apelação.

Assim, ainda segundo a recorrente, tal questão não poderia ter sido objeto de decisão contrária no acórdão recorrido.

2) Conforme supra referido, a ré AA invocou a exceção do caso julgado, exceção essa que foi julgada improcedente em sede de despacho saneador, nos seguintes termos:

Invoca a Ré BB SA a exceção dilatória do caso julgado, na medida em que já correu termos o processo n2/11.9GTCBR em que a AA deduziu pedido de indemnização civil contra a Ré efetuando o pedido de condenação das mesmas quantias que peticiona nos presentes autos.

Em tal processo foi proferida sentença que para além de absolver o arguido ai acusado, decidiu julgar improcedente por não provados os pressupostos da responsabilidade civil em que assentou o pedido.

Cumprido o contraditório veio a AA responder, nos termos constantes de fls . .315 e ss dos autos, alegando que naquele processo a sentença penal não conheceu do mérito do pedido fundada na responsabilidade objetiva ou pelo risco.

Ora, não obstante ser certo que nos presentes autos AA e Ré AA são as mesmas, o acidente em discussão é o mesmo e o pedido formulado é o mesmo, é também claro que a AA pretende a condenação das RR com base na responsabilidade objetiva. E quanto a esta não há qualquer caso julgado na medida em que, como decorre da sentença proferida no processo que correu os seus termos na ......., ali foi decidido que “o processo penal é meio inadequado para conhecer de pedido civil que não tenha por causa de pedir o facto ilícito integrador do crime que é objeto do processo penal. Como acontece quanto á indemnização baseada na responsabilidade objetiva ou pelo risco resultante da utilização de veículos, prevista nos art.º 503 ou 506 do Código Civil”.

A AA invoca, nos presentes autos essa mesma responsabilidade objetiva, alegando que o veiculo segurado na Ré exercia a condução ao serviço e por conta da sua entidade patronal.

Temos, assim que a causa de pedir nos autos vai para além do pedido formulado naquele, que o tribunal não conheceu. Assim somos forçados a concluir pela inexistência de repetição da ação em relação à Ré AA.

Pelo exposto julgo improcedente a exceção do caso julgado invocada. “

3) Após conhecer da questão da impugnação da matéria de facto, suscitada por ambas as rés apelantes - AA e CC (decidindo no sentido da improcedência da mesma - exceção feita a determinados segmentos/expressões que mandou eliminar por os considerar matéria de direito e conclusiva), a Relação com referência às conclusões 10ª a 12ª da apelação da ré AA (que transcreveu de novo e adiante por nós salientadas a negrito), considerou que nas mesmas era suscitada a questão da verificação da exceção dilatória do caso julgado – questão essa da qual tomou conhecimento, nos seguintes termos:

“Sustenta ainda a AA que:

10 - Correu termos no Tribunal da ....... Processo Comum Singular com o nº 222/11.9 GTCBR, no qual a Recorrida deduziu Pedido de Indemnização Civil contra a ora Recorrente BB, S.A., e pediu a condenação no pagamento das mesmas quantias que peticionou na presente Ação;

11- Os factos em apreço nessa Ação eram os mesmos que foram apreciados nos presentes Autos, que o Tribunal Judicial da ....... decidiu julgar improcedente, por não provados os pressupostos da responsabilidade civil em que assentou o Pedido de Indemnização Civil formulado por AA e dele absolver a ora Recorrente BB S.A.

12 - Tudo isto devia ter sido tomado em consideração pelo Tribunal a quo, mas não foi.

Como tal, estamos perante oposição de julgados;

Conforme resulta dos factos provados, no saneador sentença foi julgada improcedente a exceção de caso julgado suscitada pela "AA".

Vejamos as alegações de recurso nesta matéria.

Em resumo a apelante entende que ocorre a exceção dilatória de caso julgado dado que, no âmbito do processo penal, em processo comum singular, foi deduzido pedido de indeminização civil tendo o mesmo sido julgado improcedente, sendo certo que as partes, o pedido e a causa de pedir são os mesmos.

Mas vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 581º do CPC:

(…)

Sabemos que em obediência aos princípios da adesão e suficiência previstos no artigo 719 do CPC, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime, deve ser deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado em determinados casos (artigo 72º do CPP).

Acresce que, a decisão penal que conhece do pedido civil fica a constituir caso julgado nos mesmos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças   civis, quer  essa  decisão  seja condenatória, quer seja absolutória (artigo 84º do CPP), aplicando-se as normas da lei civil, substantiva e adjetiva (artigo 129- do CP).

"O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira ação civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as ações civil e penal fossem julgadas separadamente", Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 1996, Vol. I, pág.324. Daí que o julgamento do pedido civil constitui caso julgado, com os limites objetivos e subjetivos constantes do CPC.

No caso que nos ocupamos, o arguido, HH, na qualidade condutor do veículo 00-00-00, de que é proprietária, GG, Lda, do qual era seguradora Companhia de Seguros AA, foi absolvido dos crimes de era acusado - homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência - e a AA foi absolvida do pedido de indemnização civil, formulado por AA, uma vez que não se encontravam verificados os pressupostos da responsabilidade civil em que assentava o pedido.

Todavia esta decisão considerou que não era da competência do tribunal criminal apreciar a responsabilidade civil proveniente do risco, da qual se absteve de se pronunciar, o que fez nos seguintes termos: "Não descuramos a divergência jurisprudencial quanto ao eventual conhecimento da responsabilidade civil, em processo penal, com base no risco. Todavia, perfilhamos o entendimento expresso no Acórdão da Relação do ..... de 07.02.2007, no processo 09-612241,acessível em www.dgsi.pt, que seguiremos de perto, com transcrição, nos termos do qual não há lugar, em processo penal, a condenação em indemnizações com base em responsabilidade pelo risco".

Esta decisão transitou em julgado.

Posto isto, a sentença proferida no âmbito do processo penal, não apreciou a responsabilidade pelo risco, por considerar que o tribunal não podia apreciar tal pedido, logo não existe ofensa do caso julgado nos termos pretendidos, julgando-se improcedentes as alegações nesta na parte que à responsabilidade pelo risco diz respeito”.

4) É certo que, conforme se alcança do respetivo requerimento de interposição de recurso de apelação e respetivas alegações (fls. 531 e sgs), na sua apelação, a ré AA não diz expressamente que a apelação também tem por objeto a decisão proferida em sede de despacho saneador relativa ao conhecimento da invocada exceção  dilatória do caso julgado por si invocado na sua contestação – limitando-se a fazer referência à sua não conformação com a sentença proferida.

Todavia e sendo certo que, conforme tem sido entendido pacificamente na doutrina e jurisprudência, são as conclusões recursórias que delimitam o objeto do recurso, verifica-se que nas conclusões 10ª a 12ª da sua apelação (nos termos supra transcritos) a ré AA acaba ali por questionar também a decisão proferida no saneador, no sentido da falta de verificação da exceção do caso julgado.

Daí que, perante tais conclusões, a Relação tenha considerado, e bem, que a ré AA tinha suscitado (para além do mais) a questão da verificação da exceção dilatória do caso julgado - impugnando, assim, como corolário lógico, a respetiva decisão.

E o certo é que tal decisão apenas poderia ser objeto de impugnação no âmbito da apelação interposta da sentença final, nos termos do nº 3 do artigo 644º do CPC, uma vez que a mesma não está incluída nas decisões (que admitem recurso de imediato) referidas nos números anteriores.

5) De resto, ainda que assim se não entendesse, sempre o conhecimento da questão ora suscitada pela recorrente CC acabaria por se mostrar prejudicado, na medida em que a Relação até acabou por tomar posição no sentido da confirmação do entendimento/decisão da 1ª instância, ou seja, no sentido da inexistência da ofensa do caso julgado penal – conforme se alcança da nossa supra transcrição do acórdão recorrido.

Todavia, o certo é que, conforme se alcança da respetiva decisão (saneador), a 1ª instância apenas considerou não como não verificada a exceção do caso julgado na medida em que o pedido formulado na ação se baseava na responsabilidade objetiva – pela simples razão de que a decisão penal em questão (proferida no processo criminal processo comum singular com o n.º 222/11.9GTCBR, no qual era arguido HH, condutor do veículo seguro na ré AA), conforme bem salientam ambas as instâncias, não apreciou a responsabilidade pelo risco, pelo facto de o tribunal se considerar incompetente para o efeito.

Assim, conforme bem se salienta no acórdão recorrido, não existe ofensa do caso julgado mas apenas “na parte que à responsabilidade pelo risco diz respeito”.

6) Tal significa que ficou em aberto, por decidir, a questão dos efeitos do caso julgado, formado com a decisão penal, na perspetiva da responsabilidade por factos ilícitos, ou seja, fundada na culpa do condutor do veículo segurado na ré AA.

E foi precisamente na perspetiva e na assunção da responsabilidade fundada na culpa dos condutores dos veículos intervenientes no acidente (seguros nas rés) que a Relação veio a julgar verificada a exceção de caso julgado, absolvendo a ré AA da instância.

Conforme se alcança da respetiva sentença, a 1ª instância havia considerado que relativamente à responsabilidade dos condutores, se mostrava afastada a culpa de qualquer dos intervenientes na produção do sinistro e que o mesmo apenas se reconduzia à responsabilidade pelo risco.

E daí que, nessa perspetiva se mostrasse prejudicada a apreciação da invocada (pela ré AA) exceção do caso julgado, relativamente à responsabilidade baseada na culpa.

Todavia, a Relação, seguindo entendimento contrário, veio a considerar não estar em causa a responsabilidade pelo risco mas sim a responsabilidade fundada na culpa efetiva, que deu como assente – o que expôs e fundamentou nos seguintes termos:

“Não restam dúvidas que a condução dos veículos apresenta falta de cuidado e imperícia dos seus condutores, tendo em conta o paradigma de conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa, experiente e atenta, (diligencia de um bom pai de família) de acordo com as diversas especificidades da situação e da via supra descritas - estava bom tempo, o piso em bom estado, existia visibilidade - cfr. artigo 487º do CC.

As condutas dos três condutores em concurso são adequadas à produção do acidente, ocorrendo concurso de nexos de causalidade.

(…)

Os comportamentos dos condutores dos veículos mostram-se adequados em conjunto à produção do sinistro. A primeira ação veio desencadeou as restantes, em termos de causalidade adequada.

Assim não ocorre aqui responsabilidade pelo risco, mas responsabilidade a título de culpa efetiva.

Ocorre nos autos culpa efetiva dos condutores. (De salientar que os condutores gozam de presunção de culpa nos termos do artigo 5032, n~ 3 do CC e, esta presunção não foi ilidida -cfr artigo 350-, nº 1 e 2 do CC-, pelo que responderiam sempre com culpa presumida).”

Em face do que se acaba de expor, não pode merecer censura a circunstância de a Relação ter reapreciado a questão da exceção do caso julgado.

Assim, independentemente da outra questão suscitada pela recorrente (relativa à inexistência de caso julgado – de que adiante conheceremos) o que a recorrente podia era questionar o entendimento a que chegou a Relação relativo à existência de responsabilidade baseada na culpa – questão essa que não nos foi colocada na revista e da qual, como tal, não nos compete conhecer.

Improcedem assim, nesta parte, as conclusões recursórias.

II – Quanto à inexistência do caso julgado:

1) Diz ainda a recorrente que a sentença proferida no processo crime, na parte respeitante à apreciação do pedido de indemnização cível, não faz caso julgado para a presente ação, seja pela diversidade das partes que intervieram num e noutra, seja também por o arguido ali ter acabado por ser absolvido com base no Princípio “in dubio pro reo”, não por haver sido considerado inocente - o que afasta, portanto, qualquer possibilidade de contradição com o juízo de culpabilidade que emergiu nos presentes autos.

2) Atento o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC, a exceção dilatória do caso julgado, pressupondo a “repetição de uma causa” e tendo por finalidade “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, tem como pressupostos a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Para o efeito, haverá que ter-se em consideração que:

- A autora na presente ação, AA, foi a demandante cível do processo comum singular com o n.º 222/11.9GTCBR (no qual o arguido HH, condutor do veículo ...., seguro na ré AA, estava acusado da prática de um crime de homicídio por negligência e de um crime de ofensa à integridade física por negligência);

- O pedido cível foi deduzido contra o referido arguido (condutor do veículo), a sociedade GG, Lda (proprietária do veículo) e a ré BB, SA (seguradora);

- A presente ação foi deduzida contra a ré AA e ainda contra as rés CC (ora recorrente) e DD (atualmente, EE).

- Em ambas as demandas (presente ação e pedido cível) foi pedida a condenação dos demandados/réus no pagamento da indemnização de € 60.000,00, relativa ao dano da perda do direito à vida da mãe da demandante/autora e os danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora;

- Ambos os pedidos têm por base (causa de pedir) o mesmo acidente de viação.

- Por sentença proferida em 15 de Janeiro de 2014, transitada em julgado em - 14.02.2014, foi o arguido absolvido da prática dos crimes que lhe estavam imputados.

- Mais foi julgado improcedente, por não provados os pressupostos da responsabilidade civil em que assenta o pedido de indemnização civil formulado por AA, com a consequente absolvição da demandada BB, SA.

3) Embora sem o dizer expressamente, a recorrente começa por questionar a identidade de sujeitos, ao fazer referência à diversidade das partes que intervieram num e noutra ação.

Efetivamente, numa e noutra ação, as partes não são exatamente as mesmas, na medida em que, embora a demandante/autora seja a mesma, os réus não são de todo coincidentes em ambas as ações.

Todavia o certo é que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 581º do CPC, a identidade das partes apenas pressupõe que sejam as mesmas “sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”.

Conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 13.12.2018 (proc. nº 642/14.7T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt) “ há identidade de sujeitos quando as partes sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adotem em ambos os processos.”.

E, conforme bem salientam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, vol I, Parte Geral e Processo de Declaração, a fls. 661), para além da identidade de sujeitos não supor “a mera identidade física ou nominal “, também ocorre “quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15. 896/09), solução que também foi assumida em STJ 22-2-15, 915/09, onde se refere que “para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a citérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo””.

Ora, o que sucede in casu é que a mesma autora deduziu em ambas as ações e contra a ré AA um mesmo pedido e com base numa mesma causa de pedir, ou seja o mesmo acidente de viação de que resultou a morte da mãe (de resto, a recorrente nem sequer questiona a falta de identidade de pedidos e de causa de pedir).

Muito embora, as partes demandadas não sejam exatamente as mesmas, o certo é que estamos perante duas ações (crime e cível) em que a mesma autora demanda a mesma ré (AA) com o mesmo objetivo (a condenação da ré, em regime de solidariedade com os demais demandados, no pagamento da mesma indemnização) e com base nos mesmos fundamentos.

Assim, relativamente à ré AA, é manifesto estar em causa em ambas as ações o “mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa”, ou seja, é manifesta a existência de identidade de sujeitos.

4) Diz ainda a recorrente que não há possibilidade de contradição entre as decisões proferidas em ambos os processos, na medida em que no processo crime o arguido ali foi absolvido com base no Princípio “in dubio pro reo”, e não por haver sido considerado inocente.

 É certo que a exceção do caso julgado pressupõe a existência de uma decisão anterior, transitada em julgado, sobre a mesma questão solvenda e, como tal, a possibilidade de a nova decisão a proferir no novo processo (in casu, nos pressentes autos) entrar em contradição (ou repetir, desnecessariamente…) com aquela.

Todavia, o certo é que, conforme supra se refere, a sentença penal proferida no processo crime, para além de absolver o arguido da prática dos crimes que lhe estavam imputados, ainda julgou improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela ora autora, com a consequente absolvição da demandada BB, SA, precisamente por considerar “não provados os pressupostos da responsabilidade civil em que assenta”.

Em suma, não tomando posição sobre a responsabilidade objetiva (conforme supra referido), o tribunal apreciou e decidiu sobre o mérito do pedido de indemnização cível, dando como não provados os ali invocados fundamentos da responsabilidade civil baseada na culpa do condutor do veículo seguro na ré (ali arguido), ou seja, absolveu a ré AA do pedido de indemnização com base na falta de prova da culpa do condutor do veículo seu segurado (prova essa que, naturalmente, como nos presentes autos, recaía sobre a demandante).

Assim, a vir a decidir-se nos presentes autos no sentido da responsabilização da ré AA com base na culpa do condutor do veículo seu segurado – tal decisão entraria em clara contradição com aquela decisão.

Improcedem assim também nesta parte as conclusões recursórias, impondo-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Em síntese:

I. O facto de uma das rés seguradoras, na sua apelação interposta da sentença final, não ter referido expressamente que o recurso também incidia sobre a decisão proferida em sede de saneador sobre a invocada exceção de caso julgado, não obsta a que a Relação reaprecie essa questão, desde que a mesma seja suscitada nas alegações e respetivas conclusões, sendo certo que tal decisão apenas poderia ser impugnada no âmbito do recurso da sentença final, nos termos do nº 3 do artigo 644º do CPC.

II. O facto de no processo crime (no qual a autora demandou aquela ré seguradora e o condutor do veículo seu segurado, ali arguido, pedindo a mesma indemnização e com base no mesmo acidente de viação) a acusação e bem assim o pedido cível terem sido julgados improcedentes (por se considerarem não provados os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva) , não obstava a que as instâncias considerassem não verificada a invocada exceção de caso julgado mas apenas na parte relativa à responsabilidade objetiva, pela simples razão de que o tribunal penal se absteve de conhecer de tal responsabilidade.

III. Vindo a Relação, ao contrário da 1ª instância, a tomar posição no sentido da existência de responsabilidade civil baseada na culpa dos condutores, nada impedia, bem pelo contrário, que mesma apreciasse e julgasse verificada a invocada (pela seguradora que foi demandada no processo crime) exceção de caso julgado, com referência à responsabilidade subjetiva.

 

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de dezembro de 2019

                                            


Acácio das Neves (Relator)

                                          

Fernando Samões

  
Maria João Vaz Tomé