Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
53/10.3PAVFX.L2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PORNOGRAFIA DE MENORES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Área Temática:
DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRAS AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL .
Doutrina:
-Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Um concepção preventivo-ética do direito penal, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 317 e ss.;
-Anabela Rodrigues, Problemas fundamentais de Direito Penal , Homenagem a Claus Roxin (2002), O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, 177 a 208 ; Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril, Junho de 2002, 147 a 182;
-Antónia Monge Fernández, De los abusos y agresiones sexuales a menores de trece años, Análisis de los artículos 183 y 183 bis CP, conforme a la LO 5/2010, Bosch, Barcelona, 2011, p. 43 y ss. ; De los abusos y agresiones sexuales a menores de trece años tras la reforma penal de 2010, en Revista de Derecho y Ciencias Penales n.º 15, 2010, Universidad de San Sebastián, Chile, p. 88;
-Bernardo Feijoo Sánchez, Individualización de la pena y teoria de la pena proporcional al hecho, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007, p. 6;
-Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), p. 96 a 98;
-Dario Alberto Dosso, Teoria de la Imputación Objetiva, Universidad de Mendonza, p. 19;
-Díaz Cortés, Lina Mariola, Aproximación a la política criminal manejada en Colombia en los delitos sexuales contra menores: una tendencia hacia la inocuización del delincuente, en Revista General de Derecho Penal, 11, IUSTEL, España, Mayo de 2009, p. 6 e 7;
-Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualización judicial de la Pena, Ediciones Universidad Salamanca, p. 54 e 216;
-Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal , 3º Tema, Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), p. 104 a 111;
-Günther Jakobs, La Pena estatal: Significado e Finalidade, Thomson e Civitas, Cuadernos Civitas, Editorial Aranzadi, Cizar Menor; Navarra, 2006, p. 141 e 142 ; Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, p. 8;
-Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, p. 5 e 6;
-J.M. Siva Sanchez, Merecimiento de Pena y Necessidad de Tutela Penal como Referencias de una Doctrina Teleológico-Racional del Delito, in Fundamentos de un Sistema Europeo del Derecho Penal, Libro-Homenage a Claus Roxin, sob a coordenação de B.Schunemann e J. Figueiredo Dias, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1995, p.157 e ss.;
-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, 1993, pag. 337 e ss.;
-Jesica Quezada Martos, El Delito de Ciberacoso con fin sexual, art.183 bis CP, de, 2014, e Presente e Futuro del mal llamado delito de ciberacoso a menores: análisis del artículo 183 bis CP y de las versiones del Anteproyecto de Reforma penal de 2012 e 2013, Anuário de Derecho Penal y Ciências Penales, Vol. LXV, Ano 2012, n.º 1, p. 179 a 221;
-Magdalena Ossandón, Nuevas definiciones para España en la lucha contra la explotación sexual de menores e la pornografia infantil: La Directiva 2011/92/EU, en Revista Penal, nº 30, julio, p. 40;
-Micael Khalo, Sobre la Relación entre el concepto de Bien Jurídico e la Imputación Objectiva en Derecho Penal, La Teoria del Bien Jurídico, Fundamentos de legitimación del derecho penal o juego de abalorios dogmático, Roland Hefendehl, Marcial Pons, Madrid, 2007, P. 58;
-Santiago Mir Puig, in Estado, Pena y Delito, Editorial B de f, Montevideu, Buenos Aires, 2006 P. 43, 44, e 206;
-Sergi Cardenal Montraveta, in Eficacia Preventiva General Intimidatoria de la Pena, Revista Electrónica de Ciência Penal e Criminologia, p. 17 e 18, 2015, p. 3;
-Winfried Hassemer, Fundamentos del Derechopenal, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 30.º, N.º2, 171.º, N.º 3, ALÍNEA B), 176.º, N.º 1, ALÍNEA C), 177.º, N.º 5 E 6.

Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DE 1989 SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇAS: - ARTIGOS 1.º, 11.º, 21.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º E 36.º;
PROTOCOLO FACULTATIVO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA RELATIVO À VENDA DE CRIANÇAS, PROSTITUIÇÃO E PORNOGRAFIA INFANTIL, ADOPTADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, EM 25 DE MAIO DE 2000, E RATIFICADO POR PORTUGAL, EM 16 DE MAIO DE 2003.
Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 19-12-2002, PROCESSO N.º 4421/02;
-DE 06-10-2004, RELATOR HENRIQUES GASPAR;
-DE 20-02-2008, PROCESSO N.º 07P4724;
-DE 09-04-2008, PROCESSO N.º 08P1011;
-DE 22-01-2013, RELATOR SANTOS CABRAL;
-DE 22-04-2015, RELATOR SOUSA FONTE;
-DE 14-01-2016, RELATOR MANUEL MATOS.
Sumário :
I - Sem as penas parcelares não se forma a pena unitária - a pena unitária é um todo que se forma das partes que são penas parcelares - e apreciar esta sem que seja possível reapreciar as que a são parte dela, afigura-se-nos uma impossibilidade lógica funcional e uma incongruência insanável, pelo que, se entende que é licito ao STJ ao conhecer um recurso interposto per saltum proceder à reapreciação das penas parcelares que formaram a pena única aplicada até cinco anos. II - Integra a prática de 8 crimes de abuso sexual de crianças, contido na al. b) do n.º 3 do art. 171.º do CP, a actuação do arguido que de modo voluntário, livre e consciente, adicionava o seu endereço electrónico aos endereços das 8 ofendidas, que bem sabia terem idades inferiores a 14 anos, assumindo uma identidade que não era a sua, de modo a poder, nomeadamente, e além de outros propósitos que tinham apenas em vista satisfazer o seu prazer sexual, manter com as mesmas, como manteve, frequentemente, conversações onde empregava termos íntimos, com conotação física/sexual e, ainda, a solicitar-lhes, que exibissem o seu corpo. III - Integra a prática de como autor material de 1 crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09 e de 1 crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09, a conduta do arguido que tendo assumido a identidade de um individuo do sexo masculino com a idade de 17 anos, manteve conversas com a vítima A, à data com 14 anos de idade, levando-a a seu pedido a enviar várias fotos em roupa interior exibindo a zona da vagina, peito e ânus, tendo o arguido, enviando o arguido por seu turno à vítima fotos da zona da cintura de indivíduos em poses eróticas, que tinha importado de sites na internet e de que era detentor, na medida em que partilhava e difundia através de meios tecnológicos imagens, impressas em filmes, em que se reproduziam cenas de sexo entre menores e suportes fotográficos em que eram representados menores de 14 anos de idade desnudados e em posições sexualmente apelativas e exibicionistas. IV - No ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. V - Dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. VI - Na determinação da pena conjunta de cúmulo, o conjunto dos factos praticados indica-nos a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira»] criminosa, ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Relevo especial na operação terá ainda o juízo sobre o efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). VII - No que respeita aos 8 crimes de abuso sexual de crianças, contido na al. b) do n.º 3 do art. 171.º do CP, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, importa porém ponderar as exigências de prevenção especial de média intensidade e ainda que o arguido não ultrapassou a barreira das conversas e da verbalização de expressões sexualmente explicitas mas sem consequências outras que não fossem a lesividade dos sentimentos de pudor e de reserva de contenção e educação no proferimento das expressões, propondo, por exemplo, encontros com as menores ou formulando-lhe propostas concretas para concretização de relacionamento sexual, afigura-se-nos que a pena adequada não deverá ultrapassar o 1 ano de prisão por cada um dos crimes por que o arguido foi condenado (em detrimento das penas de 18 meses aplicadas em 1.ª instância), mantendo-se porém a pena de 1 ano e 7 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática de 1 crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09, na pessoa da vítima. VIII - Ponderando que o arguido embora mantendo a possibilidade de acesso por banda de terceiros aos conteúdos de pornografia infantil (filmes e fotografias representando menores entre os 9 e os 13 anos de idade) que detinha no seu computador era, basicamente, um consumidor, o que não diminuindo a sua responsabilidade ético-social e a contravenção com a necessidade de orientar a sua conduta segundo as regras plasmadas na normação adrede, é passível de colocar a intensidade subjectiva num plano médio, daí que se propenda para a imposição ao arguido de uma pena que se situe nos 3 anos e 6 meses pela prática de um crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 04-09 (em detrimento da pena de 4 anos e 6 meses aplicada em 1.ª instância). IX - Ponderando que os factos em análise foram praticados entre agosto de 2009 e Novembro de 2010, a intensidade média com que os mesmos foram consumados, o facto de o arguido neste momento se encontrar a ser acompanhado por elementos tecnicamente apropriados (acompanhamento psiquiátrico), estar inserido numa família que o esteia e ampara, o que leva a que se possa fazer uma prognose favorável quanto uma inibição e interdição pessoal do arguido para o cometimento de novas atitudes defraudadoras das proibições legais, nomeadamente deste tipo de crimes, entende-se aplicar ao arguido a pena unitária de 5 anos, suspendendo-se a pena unitária imposta por igual período, sujeitando o arguido a regime de prova e acompanhamento pelos serviços competentes durante o período em que durar a suspensão da penal mediante um programa a estabelecer pelo tribunal de primeira 1.ª instância.
Decisão Texto Integral:

I. Relatório

No processo supra epigrafado, foi proferida decisão [[1]] – cfr. fls. 1920 a 1961 - que, julgando, parcialmente procedente a acusação – cfr. fls. 1479 a 1495 – que havia sido impulsada contra o arguido AA, [...], o condenou, nos termos do artº 77º do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 8 (oito) anos de prisão.
A decisão sob recurso, julgou a acusação parcialmente procedente e (fls. 1958 a 1960):

a) absolveu o arguido da prática de:

a) 2 (dois) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 4, com referência à al. b), do número 1, do Código Penal por falta de prova da sua comissão (lesadas BB e CC);

b) da prática de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 4, com referência à al. b), do número 1, do Código Penal na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, por descriminalização da conduta face à entrada em vigor da Lei 103/2015, de 24 de Agosto, e artº 2º nº 2 do Código Penal (lesada DD);

tendo-o condenado:

a) como autor material de 8 (oito) crimes de abuso sexual de crianças,  p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), e 30.º, n.º2, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão para cada um deles (lesadas BB, CC, EE, FF, GG, HH, II e JJ);
d) como autor material de 1 (um) crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo ar.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 1 (um) ano e (sete) meses de prisão (lesada Andreia Campaniço);
e) como autor material de 1 (um) crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo ar.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (cedência de material pornográfico com menores de 14 anos a terceiros via partilha de ficheiros informáticos).
No mais a decisão, a) Julgou e declarou perdido a favor do Estado, nos termos do art. 109º do Código Penal, o computador apreendido e todo o seu conteúdo e ordena a sua destruição, lavrando-se o competente auto; b) Ordenou a remessa de cópia da decisão às equipas da DGRSP que elaboraram o relatório social e o relatório à personalidade; c) Ordenou, após trânsito, a recolha de amostra de ADN do arguido nos termos e para os efeitos do disposto nos artº 8º nº 2 e 5 da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro; d) Ordenou, uma vez recolhida a amostra a sua inserção na competente base de dados ao abrigo do disposto no artº 18º nº 3 da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro; e) e transitada a decisão, que fosse remetida certidão, com nota de trânsito, ao INML para efeitos de recolha da amostra e subsequente inserção na base de dados; e ordenou a remessa de boletins ao Registo Criminal.
O Ministério Público interpôs recurso da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça – cfr. fls. 1967 a 1983 – bem como o arguido – cfr. fls. 1985 a 1991 – e tendo o processo sido remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa, viria a ser excepcionada a incompetência material do T.R. – cfr. 2010 – e o processo remetido a este Supremo Tribunal.
I.a). – Quadro Conclusivo.

“1ª - Constitui objecto do presente recurso o douto acórdão proferido a fls. 1710 e seguintes dos autos identificados em epígrafe, apenas e tão só quanto à medida das parciais aplicadas ao arguido AA pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de 8 (oito) crimes de abuso sexual de crianças, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão para cada um deles, de 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses e de um crime de pornografia de menores agravado, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, que tem, naturalmente, reflexos no cúmulo jurídico efectuado, onde o tribunal a quo decidiu aplicar a pena única de 8 (oito) anos de prisão.

2ª - Nada temos a apontar ao douto acórdão recorrido quanto aos factos provados e não provados, nem quanto à fundamentação da decisão de facto e enquadramento jurídico efectuado, cujas considerações, aliás, subscrevemos, nem sequer quanto à escolha das penas de prisão, que face aos factos provados e ao respectivo enquadramento jurídico, se nos afigura ser adequada ao caso concreto, por realizar as finalidades da punição.

3ª - Concordamos, ainda, com a medida concreta da pena aplicada pelo crime de pornografia de menores agravado, perpetrado sobre a ofendida DD, de 1 (um) ano e 7 (sete) meses, porque fixada próxima da pena mínima aplicável (1 anos e 4 meses) e adequada às circunstâncias do caso concreto, atenta a matéria de facto provada.

4ª – Todavia, discordamos das penas parciais aplicadas ao arguido e, consequentemente, da pena única de 8 (oito) anos de prisão efectiva que lhe foi aplicada, pugnando pela aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, face à gravidade dos factos, afigurando-se adequado e proporcional à medida de culpa, às necessidades de prevenção geral e especial, a suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova, nomeadamente, com acompanhamento psicoterapêutico orientado para a interacção pessoal e social e da expressão sexual.

5ª – Dispõe o artº 40º, nº 1 do Código Penal que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, esclarecendo o seu nº 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

6ª – Depois de escolhida a pena e para a sua determinação o Tribunal deve eleger os factores relevantes para o efeito, valorando-os à luz dos vectores de culpa e prevenção, nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal que enumera, no seu nº 2, de forma exemplificativa, alguns  dos mais importantes factores de medida da pena de carácter a aferir segundo critérios objectivos.

7ª – Ora no caso em apreço o Tribunal a quo tomou em consideração, nos termos dos citados preceitos legais, todas as circunstâncias a favor e contra o arguido, tendo escolhido a pena de prisão para cada um dos ilícitos, por ser aquela que se mostra adequada à gravidade dos factos e à situação pessoal do arguido, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, a confissão dos factos e o arrependimento demonstrado.

8ª – É consabido que as exigências de prevenção geral neste tipo de ilícitos são elevadas.

9ª – Porém, salvo o devido respeito, não foram devidamente ponderadas, a nível das exigências de prevenção especial, as seguintes circunstâncias, a saber: data da prática dos factos (ocorridos entre o segundo semestre de 2009 e 29/11/2010); a inexistência de contactos directos com as vítimas dos crimes de abuso sexual; a inexistência de antecedentes criminais, a idade do arguido à data da prática dos factos (56 anos), a sua história de vida, a boa inserção social e laboral, o arrependimento e o recurso voluntário a consulta de psiquiatria que mantém desde há 5 anos, como o Dr. LL, na Clínica do ....

10ª – Com efeito, se é verdade que, em concreto, as exigências de prevenção especial são elevadas, ao contrário do pugnado no douto acórdão recorrido e, salvo melhor opinião, não são de tal forma prementes que demandem a aplicação de uma pena de prisão efectiva, pois que, se nos afigura que a personalidade do arguido poderá ser controlada através de um acompanhamento psicoterapêutico adequado, não se podendo olvidar que foi o próprio quem procurou ajuda médica desde que o processo foi despoletado, mantendo-se em tratamento até aos dias de hoje, por forma a controlar as suas fragilidades.

11ª – Entendemos adequada a aplicação de uma pena de 1 (um) ano de prisão por cada um dos crimes de abuso sexual de crianças, atenta a homogeneidade das condutas do arguido, já referida no douto acórdão e, quanto ao crime de pornografia agravado, a pena de 3 (três) anos de prisão.

12ª – Ora, tais crimes estão em relação de concurso, importando, por isso, à luz do artº 77° do Código Penal, realizar o cúmulo jurídico.

13ª – A pena aplicável, atento o quantum ora sugerido, tem como limite mínimo a mais alta das penas singulares – 3 anos de prisão – e limite máximo a soma material das penas individualmente impostas, i.e. 12 anos e 7 meses de prisão.

14ª – Apesar do teor do relatório pericial sobre a personalidade do arguido, cremos que a ponderação das suas condições de vida, a sua idade, a sua integração social, familiar e laboral, a sua conduta anterior e posterior aos factos, a inexistência de antecedentes criminais e, repete-se, inexistência de contactos directos com as vítimas, o arrependimento e a procura de ajuda médica especializada, que mantém até aos dias de hoje, permite concluir que as finalidades da pena serão alcançadas através da fixação de uma pena única de 5 anos de prisão, o que se sugere.

15ª – Aqui intercede a questão de saber se a pena terá de ser efectiva ou ainda é possível emitir um juízo de prognose que permita a suspensão da sua execução, nos termos do disposto no nº 1 do artº 50º do Código Penal.

16ª – In casu, ponderando o lapso temporal decorrido desde a prática do último acto integrador dos ilícitos pelos quais o arguido foi condenado e valorando as condições de vida do arguido e a sua idade, apesar das fragilidades apontadas na perícia à sua personalidade, mas ponderando as considerações do psicólogo clínico que o acompanha, cremos ser possível emitir um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena.

17ª – Tudo visto e ponderado, afigura-se-nos ajustado, por adequado e suficiente, a condenação do arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, com acompanhamento psicoterapêutico orientado para as dificuldades da interacção pessoal, social e da expressão sexual, o que se propõe.

18ª – Pelo exposto, impõe-se concluir que o Tribunal a quo interpretou erradamente e, em consequência, violou o disposto nos artigos 40º, nºs 1 e 2, 50º, nº 1, 71º, nºs 1 e 2, 77º, nº 1, todos do Código Penal.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V.Exªs deve ser revogada a sentença recorrida, na parte respeitante às penas parcelares e à pena única aplicada ao arguido e, em consequência, substituída por outra que condene o arguido pela prática dos crimes em que foi condenado nas penas parcelares e única propostas, suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova, ou, em alternativa, em penas que se julguem justas e adequadas.”
Em seu passo, o arguido alinhou, para sustentação da sua pretensão, o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.

I - O Tribunal a quo não valorou o facto de, tendo já decorrido mais de cinco anos (agora, quase seis anos) sobre a prática dos factos, o arguido e ora recorrente não ter voltado a delinquir.

II - O Tribunal a quo desprezou ostensivamente (e não o devia ter feito) uma das circunstâncias relevantes para a determinação da medida da pena (a conduta do arguido posterior aos factos) – art. 71º, nº 2, e), CP.

III - O mesmo se diga em relação à inexistência de contactos directos com as vítimas, o que constitui uma circunstância que não pode deixar de ser levada em conta.

IV - O Tribunal a quo, na determinação da medida da pena, ignorou por completo a finalidade da reintegração do agente na sociedade.

V - O arguido e ora recorrente entende que não lhe deve ser aplicada uma pena de prisão superior a cinco anos, devendo a mesma ser suspensa na sua execução.

VI - É absolutamente evidente que a simples censura do facto e ameaça da prisão permitem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

VII - O arguido e ora recorrente não só aceita como até deseja que a suspensão da execução da pena seja acompanhada por um regime de prova.

VIII - Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo, no douto Acórdão recorrido, violou o disposto no art. 358º, nº 1, CPP, art. 40º, nº 1 e nº 2, art. 71º, nº 1 e nº 2, art. 77º, nº 1 e art. 50º, nº 1, CP.
Termos em que, e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido pleno provimento ao presente recurso e, em consequência, deve o douto Acórdão recorrido ser revogado, condenando-se o arguido e ora recorrente a uma pena única de prisão de duração não superior a cinco anos, suspensa na sua execução e acompanhada de regime de prova (…):
Apresentado o processo ao distinto representante do Procurador-geral da República neste Supremo Tribunal de Justiça, desalinharia com a pretensão motivada pelo Ministério Pública na instância, tendo-o feito com o parecer que a seguir queda transcrito na íntegra.

O Tribunal Colectivo da Instância Central de ..., Secção Criminal, ..., da comarca de Lisboa Norte, julgou o arguido AA, condenando-o, por Acórdão de 15.07.2016, nos seguintes termos:

“(…) c) Condena o arguido AA como autor material de 8 (oito) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, n.º 3, al. b), e 30º, nº 2, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão para cada um deles (lesadas BB, CC, EE, FF, GG, HH, II e JJ);

d) Condena o arguido como autor material de 1 (um) crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art.º 176º, n.º 1, al. c) e 177º, nº 5, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 1 (um) ano e (sete) meses de prisão (lesada DD);

e) Condena o arguido como autor material de 1 (um) crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (cedência de material pornográfico com menores de 14 anos a terceiros via partilha de ficheiros informáticos);

f) Opera, nos termos do art. 77º do Código Penal, o cúmulo jurídico entre as penas supra impostas e condena o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão; (..).”.

2 – Inconformados, recorreram o arguido e o MP, em benefício daquele, em tempo e com legitimidade.

Os recursos foram admitidos com o efeito e modo de subida devidos.

3 – Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito – cfr. Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 16.10.95, in DR, 1ª Série, de 28.12.95.

3.1. O MP, em defesa do arguido, discute o quantum das penas parcelares e, em consequência, da pena única de prisão aplicadas, que considera excessivas e desproporcionais, pugnando pela aplicação de uma pena única que se fique pelos 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, “sujeita a regime de prova, nomeadamente com acompanhamento psicoterapêutico orientado para a interação pessoal e social e da expressão sexual” (conclª. 4ª).

Não foram devidamente ponderadas, afirma a Sra. Magistrada recorrente, “a nível das exigências de prevenção especial”, a data da prática dos factos, a inexistência de contactos directos com as vítimas dos crimes de abuso sexual, e ausência de antecedentes criminais, a idade do arguido à data da prática dos factos, a sua história de vida, a boa inserção social e laboral, o arrependimento e o recurso voluntário às consultas psiquiátricas, desde há 5 anos a esta parte (conclªs. 9ª e 10ª).

Defende o MP, como adequadas, devem as penas de prisão parcelares fixarem-se em 1 ano, por cada um dos crimes de abuso sexual de criança, e em 3 anos de prisão a pena pelo crime de pornografia agravado, aceitando a decisão quanto à pena parcelar de 1 ano e 7 meses de prisão, pelo crime de pornografia infantil agravado (conclªs. 3ª e 11ª).

3.2. O arguido defende, na sua motivação de recurso e respectivas conclusões, a diminuição da pena única de 8 anos de prisão para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, explanando argumentos similares aos expostos pelo MP recorrente.

4 – Os recursos ora sub judice não merecem provimento.

É certo que, como bem refere o MP recorrente, os crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia infantil são fortemente censurados e rejeitados pela comunidade em geral, que exige, em obediência às prementes necessidades de prevenção geral e especial, uma reação penal forte contra o agente, em defesa dos bens jurídicos protegidos e da reposição das normas jurídicas violadas.

No caso dos autos, importa recuperar a factualidade provada, com relevo para os factos fixados de fls. 1921 a 1929 da decisão recorrida.

Durante cerca de 1 ano, o arguido, com cerca de cinquenta e cinco anos, fazendo-se passar por adolescente, contactou via internet diversas jovens, de idades compreendidas entre os 10 e os 12 anos pretendendo com as suas conversas obscenas e pornográficas, satisfazer os seus desejos libidinosos, perturbando, consciente e voluntariamente o são e normal desenvolvimento da personalidade das vítimas, na esfera da sua descoberta sexual.

É grave o conjunto global dos factos por si praticados, com o objectivo de satisfazer os seus apetites sexuais, não reflectindo, nem se coibindo, perante a idade das ofendidas, de levar a cabo os seus intentos de “predador” sexual de crianças. Pelo contrário, criou um perfil de jovem que lhe permitisse captar a confiança das vítimas para assim delas abusar sexualmente. Para satisfazer esses mesmos desejos, o arguido cometeu, ainda, dois crimes de pornografia de menores agravados.

Da análise global dos crimes praticados pelo arguido, resulta que este revela uma propensão para o abuso de crianças, via internet, impondo-se a necessidade de uma vigorosa reeducação para o direito, para o respeito da personalidade e dos direitos das crianças em geral, das vítimas em particular.

Ao contrário do que defendem os recorrentes, a idade do arguido à data dos factos faria esperar uma melhor ponderação sobre as consequências psicológicas e físicas para as vítimas da sua actuação lasciva, negando-lhes a protecção das vítimas que se lhe impunha oferecer-lhes, inibindo-se nos seus instintos sexuais para com crianças inocentes e credoras de um direito a um são desenvolvimento da sua personalidade e afectos, à sua liberdade e autodeterminação sexual.

As penas de prisão parcelares aplicadas a merecerem censura, seria pela sua excessiva bondade.

A moldura penal abstracta a aplicar ao cúmulo jurídico situa-se entre os 4 anos e 6 meses de prisão e os 18 anos e 1 mês de prisão.

A pena única de 8 anos de prisão aplicada reflete, ainda assim, a gravidade do ilícito global perpetrado e está mais próxima do limite mínimo do que do máximo, assim acobertando as circunstâncias atenuativas provadas.

Mas é muito acentuado e intenso o grau de culpa do arguido, que actuou com dolo directo e elevada a ilicitude.

As exigências comunitárias, no sentido de ser reprimido este tipo de crimes, impõem a aplicação ao arguido de uma pena significativa que o auxilie na adopção de comportamentos conformes à vida em sociedade e que satisfaça os imperativos superiores de protecção dos bens jurídicos violados e a reposição da paz jurídica.

Sendo certo que o arguido demonstra ter problemas do foro psicológico, certo é também que do exame pericial à personalidade a que foi sujeito resulta que, “no conjunto da avalização psicológica não há indicadores de limitação ao nível cognitivo, mostrando o arguido consciência dos valores morais e dos interditos sociojurídicos” (Cfr. fundamentação do Acórdão recorrido, fls. 1957).

Acompanhando o juízo de prognose desfavorável ao arguido explanado na decisão ora sub judice “…., considerando a pouca ressonância afectiva demonstrada, a alta probabilidade de reincidência mas não descurando uma admissão, ainda que acrítica, dos factos (de realçar que o arguido nem sequer ao seu médico referiu a verdadeira dimensão dos factos), a pena única aplicada, de oito anos de prisão, não merece censura.

5 - Pelo exposto, emite-se Parecer, no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelo MP, em defesa do arguido, e por este próprio.”

Notificados os intervenientes processuais do indicado parecer, o arguido tomou posição pela forma que a seguir queda expressa (sic): “AA, arguido e recorrente nos autos com processo comum à margem referenciados, notificado do parecer do Ministério Público junto desse Tribunal, vem responder, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. O arguido e ora recorrente não está, salvo o devido respeito, de acordo com o parecer em causa, entendendo que os recursos que foram interpostos pelo Ministério Público e por si próprio devem ser julgados inteiramente procedentes.

Em relação à fundamentação do parecer em causa, o arguido e ora recorrente passa a indicar os motivos da sua discordância. Assim,

2. Segundo o parecer em causa, a forte censura e rejeição que os crimes em causa merecem à comunidade em geral exigem uma reacção penal forte contra o respectivo agente.

O arguido e ora recorrente não coloca em causa a forte censura e a rejeição que os crimes em causa merecem à comunidade em geral e, pelo contrário, entende como inteiramente justificada essa forte censura e rejeição.

Sucede que a forte censura e rejeição da comunidade em relação a um tipo de crime deve repercutir-se na moldura penal que lhe é aplicável e não na escolha da medida da pena a aplicar ao agente em concreto, que é o que está em causa.

 A forte censura e rejeição de um crime constitui matéria a que o legislador (in casu, os representantes livremente eleitos pelo povo português) deve ser (e é) sensível, interpretando o sentimento da sociedade e dando corpo à vontade dos cidadãos.

No caso dos crimes que estão em causa essa sensibilização é evidente, com o sucessivo agravamento das molduras penais aplicáveis, em correspondência com um sentimento social de repulsa que é absolutamente evidente.

Ora, se a moldura penal aplicável já foi agravada em resultado da forte censura e rejeição da comunidade em geral em relação à criminalidade em causa, não faz qualquer sentido que o julgador volte a entrar em linha de conta com o sentimento social, aplicando uma agravação da pena em função da mesma forte censura e rejeição que já determinou (e bem, repete-se) o agravamento da moldura penal.

É, aliás, ao legislador e não ao julgador que cabe avaliar o sentimento social - devendo esse sentimento repercutir-se, apenas e só, sobre a moldura da pena.

Por esta razão, o primeiro argumento expendido no parecer não merece, salvo devido respeito, qualquer provimento.

4. Ainda segundo o parecer em causa, da análise global dos crimes praticados resultaria uma propensão do arguido que imporia a necessidade de uma vigorosa reeducação para o direito, com o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.

Esta conclusão ignora ostensivamente a circunstância de, tendo já decorrido mais de seis anos sobre a data em que o arguido cessou a prática dos crimes, nunca mais se ter verificado qualquer tipo de reincidência.

À medida que o tempo passa, toma-se mais escandaloso desprezar esta circunstância, como se a mesma não tivesse qualquer relevância.

O arguido e ora recorrente, para além de ter colaborado incondicionalmente e desde a primeira hora com a investigação dos factos e de ter confessado, na íntegra e sem reservas, a sua conduta, nunca mais voltou a delinquir.

Não é justo salientar a necessidade de uma vigorosa reeducação para o direito sem valorar o lapso de tempo já decorrido desde a altura dos factos, período em que o arguido e ora recorrente vem precisamente demonstrando, em cada dia que passa, a sua capacidade de reeducação para o direito.

E o certo é que a lei penal, no art. 71º, n° 2, e), CP, impõe expressamente que na determinação da medida concreta da pena o tribunal atenda à conduta do arguido posterior aos factos - exigência tanto maior quanto mais longo for o lapso de tempo já decorrido desde a altura da prática dos factos.

O decurso de mais de seis anos sobre a data da prática dos factos desmente categoricamente a tese da alta probabilidade de reincidência em que se baseou a condenação do arguido no cumprimento de uma pena de prisão efectiva.

Ao não atender à circunstância da conduta do arguido posterior aos factos, a conclusão retirada no parecer em causa sobre a determinação da medida da pena resulta claramente prejudicada.

5 . No parecer em causa a idade do arguido e ora recorrente e a sua consciência dos valores morais e dos interditos sociojuridicos é indicada como justificação para a improcedência dos recursos.

O arguido e ora recorrente não está de acordo com esta conclusão.

A idade do arguido, enquanto condição pessoal, a par da sua integração social, profissional e familiar, justifica, muito pelo contrário, a redução da pena aplicada e a suspensão da sua execução.

Sendo ainda de salientar que a idade do arguido e a sua reconhecida consciência só podem concorrer para justificar a suspensão da execução da pena, sobretudo no quadro de um comportamento posterior aos factos inteiramente conforme à norma.

Como é absolutamente evidente, a eventual falta de consciência do arguido dos valores morais e dos interditos sociojurídicos é que poderia impor o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.

A reconhecida consciência do arguido dos valores morais e dos interditos sociojurídicos confere ao tempo decorrido desde a prática dos factos um relevo ainda maior, permitindo interpretar a inversão completa da conduta do arguido como o resultado de uma clara interiorização do desvalor da sua conduta anterior e permite determinar com rigor o impacto da simples censura do facto e da ameaça da prisão, como pressupostos (in casu, verificados) da suspensão da execução da pena de prisão - art. 50º, nº 1, CP.

6. O arguido e ora recorrente não pode deixar, ao responder ao parecer em causa, de reafirmar solenemente perante Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, o seu profundíssimo arrependimento e a repulsa que sente pelos actos que praticou.

O arguido e ora recorrente interpôs recurso da douta sentença condenatória, propugnando pela suspensão da execução da pena de prisão, com sujeição a regime de prova (que, como já salientou na sua alegação, ardentemente deseja), não para deixar sem castigo o crime que cometeu, mas por entender que a suspensão da execução dessa pena é de justiça.

A suspensão da execução da pena de prisão permitirá, para além disso, ao arguido continuar em cada dia a demonstrar, em liberdade, que já não é (felizmente) o homem que cometeu os crimes pelos quais foi justamente condenado.

É este homem, este novo homem, que, com o coração nas mãos e a sangrar, (…)”.
I.b). – Questão a merecer apreciação.
Dessume-se da síntese conclusiva, de ambos os recursos, que quedou extractada, que:

a) – o Recorrente Ministério Público diverge das penas parcelares – com excepção da pena aplicada pelo “crime de pornografia de menores agravado, perpetrado sobre a ofendida DD, de 1 (um) ano e 7 (sete) meses, porque fixada próxima da pena mínima aplicável (1 anos e 4 meses) e adequada às circunstâncias do caso concreto” – que foram impostas ao arguido e, consequentemente, da pena única de 8 (oito) anos de prisão efectiva que lhe foi aplicada, pugnando pela aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, face à gravidade dos factos, afigurando-se adequado e proporcional à medida de culpa, às necessidades de prevenção geral e especial, a suspensão da sua execução, sujeita a regime de prova, nomeadamente, com acompanhamento psicoterapêutico orientado para a interacção pessoal e social e da expressão sexual.

II. – Fundamentação.

II.A. – De Facto.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa no segundo semestre do ano de 2009, o arguido, com o objectivo de obter para si satisfação sexual, decidiu encetar contacto com raparigas, com idades compreendidas entre os 11 e os 13 anos de idade, o que fez via MSN, fazendo-se passar por um rapaz de 14 a 16 anos e/ou por uma rapariga de 12 a 15 anos, e com elas manter conversações de cariz sexual.

Para tanto, acedeu ao site www.jogajogos.com, onde obteve os endereços de e-mail infra, associados ao programa de conversação instantânea Messenger.

O arguido era, nessa altura, titular, pelo menos, dos seguintes endereços electrónicos: ..., ... e ..., os quais se encontravam associados ao programa de conversação instantânea Messenger e que apenas o arguido usava para aceder a tal programa, manter conversações instantâneas, e para enviar ou receber correio electrónico.

 A partir das referidas contas, o arguido encetou contactos vários nomeadamente com as ofendidas infra e através dos seguintes endereços:

- BB ...-

- CC- ... –;

- EE- ... –;

- FF - ... –;

-GG- ...;

- HH - ... –;

- II- ...–;

- JJ- ... –, através dos quais passou a contactar, por diversas vezes e em diferentes dias com as mesmas.

Assim, em data não concretamente apurada, mas que se situa em Outubro de 2009, o arguido, a partir do endereço ..., remeteu à ofendida BB, nascida em ... e que utilizava como e-mail: ..., um pedido de contacto no MSN, identificando-se como sendo RAFAEL e disse que tinha 18 anos.

A partir daí, em datas que não foi possível apurar com precisão, mas que se situam nos meses de Outubro e Novembro de 2009, o arguido passou a falar quase diariamente com a ofendida, com quem, ciente de que se tratava de uma criança com 11 anos de idade, manteve conversas de teor sexual, nomeadamente as que a seguir se transcrevem:

- “[…] gostava de te beijar em mt lado/sabes onde/nos labos e boca e pescoço e mais […] nas costas se estivesses de bikini e nas maminhas se deixasses […] nas bochechas do rabo/na coisinha/passar lá a língua entre os lábios dela e chupar” (sic) (cfr. Fls. 16 e 17).

- “[…] o clítoris é onde as raparigas sentem mais prazer, e algumas pesoa chama-lhe grelo […] e os rapazes adora beijar lá e chupar e por a língua dentro da coisinha […]”(sic) (cfr. Fls. 18).

- “[…] já viste alguma pila?[…]” (sic) 

- “[…] a tua coisa fica molhada la dentro quando pões o ddo?[…]” (sic) (cfr. Fls. 21).

- “[…] estás com que tipo de cuecas? […] deixavas por a mão dentro delas na parte de trás? […] eu ia adorar por la a mão e apalpar a tua pele devagr e dar carinhos nas bochechas […] (sic) (cfr. Fls. 23).

- “[…] ela está ssem soutã e sinto as maminahs dela encostadas ao meu peiito e estamos a beijar nopescoço e e tenho as mãos no rabo dela dentro das cuecas […]”(sic) (cfr. fls. 50 e 51).

- “[…] pegou na minha coisa com a mão e encostou á coisa dela, ela está mt quente eu sinto/vou pedir para ela me chupar um bocadinho […]” (sic) (cfr. fls. 51).

- “[…] agora esta a chupar e tem metade na boca e chupa como se fosse um gelado […]” (sic) (cfr. Fls. 51).

Durante as conversações que manteve com a ofendida BB, o arguido não só enviou fotos a fazer-se passar por um menor (cfr. fls. 53 a 58. 77,78, 83 a 85 – Anexo A),como solicitou o envio de fotos à menor, a qual, acedendo, lhe remeteu uma foto em fato de banho, que o arguido guardou no respectivo computador (cfr. fls. 20 a 27 do anexo A).

Em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de Maio de 2010, o arguido, a partir do endereço ..., remeteu à ofendida CC, nascida em ..., e que utilizava o e-mail ..., um pedido de contacto no MSN, identificando-se como sendo Fábio e disse que tinha 17 anos.

Pelo menos durante os meses de Maio e Junho de 2010, em número que não foi possível quantificar, arguido e ofendida mantiveram entre si conversações, durante as quais a menor, a pedido do arguido lhe enviou várias fotos suas, incluindo algumas em fato de banho (cfr. 20 a 27 do Anexo A), que o arguido guardou no respectivo computador.

Durante o referido período de tempo, e durante as conversações que manteve com a ofendida, o arguido, ciente de que se tratava de uma criança com 11 anos de idade, utilizou expressões de cariz sexual, dizendo-lhe nomeadamente que “ainda tinha o pénis erecto”, perguntando-lhe se ainda era virgem e qual o número do soutien que usava.

No dia 2 de Outubro de 2009, o arguido, a partir do endereço ... remeteu à ofendida - EE, nascida em ... e que utilizava como e-mail: ... um pedido de contacto no MSN, enviando a foto de uma menor, como sendo sua – cfr. fls. 180 e 181 – Anexo A-, identificando-se como sendo RAFAELA.

A partir dessa data, durante as conversações que mantiveram, em número e datas que não foi possível concretizar, mas que se situam no mês de Outubro de 2009, o arguido identificando-se como “RAFAELA”, ciente de que se tratava de uma criança com 12 anos de idade, perguntou-lhe nomeadamente se era virgem, disse-lhe que “já tinha feito muitas vezes sexo com o namorado e de muitas maneiras”, que “já tinha feito broches ao namorado, e que ele também já lhe tinha feito minetes” . Também disse que “o namorado dela já lhe tinha ido ao cu e que ela tinha gostado”, perguntou-lhe se já se tinha masturbado e como a menor disse que não, ofereceu-se para lhe ensinar, dizendo-lhe para “mexer no clitóris e para enfiar os dedos na cona”.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de Junho de 2010, o arguido a partir do endereço ... remeteu à ofendida FF, nascida em ..., que utilizava o e-mail ... para aceder ao Messenger, um pedido para ser adicionado no Messenger, identificando-se como rapariga de 12 ou 13 anos.

Nessa sequência, no dia 27 de Junho de 2010 o arguido enviou à ofendida a foto de fls. 201 do Anexo A, que retrata uma menor, como se da sua pessoa se tratasse.

A partir daí e durante um período de tempo que não foi possível concretizar, mas que se prolongou pelo menos até ao mês de Setembro do mesmo ano, o arguido manteve conversações várias com a ofendida, nomeadamente de cariz sexual, apesar de saber que se tratava de uma criança de 11 anos de idade, chegando a dizer-lhe nomeadamente que tinha relações sexuais com o meio-irmão, descrevendo que “estava sentada ao colo dele, e estavam os dois em cuecas e que ele a masturbava e metia-lhe os dedos na cona e que ela gostava” , - “fazia-lhe broches e ele vinha-se dentro da boca dela e ela também gostava”  “ele vinha-se dentro dela, mas ela ainda não tinha período, que faziam sexo anal e que ela também gostava”.

Nessas conversações o arguido perguntou à ofendida se era virgem, e disse-lhe que devia ter relações sexuais porque iria gostar, assim como que se costumava masturbar com frequência, porque gostava, dizendo-lhe que devia fazer o mesmo e ainda “que era muito bonita e que gostava muito do seu corpo, em particular as pernas “e perguntou-lhe pelas experiências sexuais que já tinha tido.

O arguido solicitou, por diversas vezes, à ofendida para fazer ligação por webcam, porque queria vê-la, ao que a mesma não acedeu.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 2 de Agosto de 2009, o arguido, fazendo-se passar por uma rapariga com 15 anos de idade, a partir do endereço ... remeteu à ofendida GG, nascida em ..., e que utilizava o e-mail ..., um pedido de contacto no Messenger.

Nessa sequência, arguido e ofendida mantiveram entre si conversações diversas, em datas que não foi possível apurar, situação que se prolongou pelo menos até ao final do ano de 2009, e durante as quais a ofendida lhe transmitiu que tinha apenas 11 anos de idade.

No dia 6 de Agosto de 2009, o arguido a partir do endereço ..., enviou para a ofendida as imagens, com conteúdos pornográficos que constam a fls. 167 a 170 – Anexo A-, contendo imagens de sexo explícito entre adultos.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 30 de Dezembro de 2009, o arguido fazendo passar-se por um rapaz de 16 ou 17 anos, de nome Fábio, utilizando o endereço ... remeteu à ofendida HH, nascida em ... e que utilizava o e-mail ...,um pedido de contacto no Messenger.

Nessa sequência, no dia 30 de Dezembro de 2009, o arguido enviou à ofendida a foto de um menor (cfr. fls. 80 do Anexo-A), como se da sua pessoa se tratasse.

A partir daí arguido e ofendida mantiveram entre si conversações várias, em número e datas que não foi possível apurar, situação que se prolongou pelo menos durante dois meses e durante as quais a ofendida lhe disse que tinha 12 ou 13 anos.

Durante as conversações que mantiveram, o arguido pediu-lhe várias vezes para ligar a webcam, ao que a ofendida acedeu pelo menos uma vez, durante cerca de 15 minutos, tendo ele dito que “ era bonita, que tinha uma cara fofinha, e para baixar um bocado a camara para ver o decote”.

Durante as conversações que mantiveram, o arguido perguntou-lhe ainda se era virgem, qual era o tamanho de soutien, se se masturbava e que deveria experimentar porque era bom.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 22 de Maio de 2010, o arguido, utilizando o endereço ... remeteu à ofendida II, nascida em ... e que utilizava o e-mail ...,um pedido de contacto no Messenger.

Nessa sequência, no dia 22 de maio de 2010, o arguido, utilizando, desta feita, o endereço, ... enviou à ofendida a fotografia de um menor (cfr. fls. 116 do Anexo A), como se da sua pessoa se tratasse.

A partir dessa data, por diversas vezes, e pelo menos durante dois meses, em datas que não foi possível concretizar, o arguido e a ofendida mantiveram conversações, durante as quais o arguido ciente de que se tratava de uma criança com 12 anos de idade, lhe disse nomeadamente que “era gira … que era bonita” e lhe perguntou-lhe se ainda era virgem e se queria “ foder consigo”.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 4 de Setembro de 2009, o arguido a partir do endereço ... remeteu à ofendida,JJ, nascida em 22.10.1999, e que utiliza o e-mail ...,um pedido de contacto no Messenger.

Nessa sequência, no dia 4 de Setembro de 2009, o arguido enviou à ofendida a fotografia de um menor (fls. 179 dos autos), como se da sua pessoa se tratasse.

A partir daí, em número de vezes não concretamente apurado, e pelo menos até ao final do ano de 2009, o arguido e a ofendida mantiveram entre si conversações várias, durante as quais o arguido, ciente de que se tratava de uma criança com 10 anos de idade, lhe disse nomeadamente que “tinha relações sexuais com a irmã, e que ela dizia que não queria e que ele a violava”, perguntava-lhe o que é que tinha vestido e fazia-lhe elogios dizendo que “era muito gira… que era linda” e se gostava de experimentar ter relações sexuais com ele. Dizia-lhe também que se masturbava.
O arguido actuou em todas as situações supra descritas de modo voluntário, livre e consciente, adicionando o seu endereço electrónico aos endereços das ofendidas, que bem sabia terem idades inferiores a 14 anos, de modo a poder, nomeadamente, e além de outros propósitos que tinham apenas em vista satisfazer o seu prazer sexual, manter com as mesmas, como manteve, frequentemente, conversações onde empregava termos íntimos, com conotação física/sexual e, ainda, a - solicitar-lhes, como solicitou, que exibissem o seu corpo, como fez com as ofendidas BB, HH e CC.
Com o mesmo objectivo, guardou no respectivo computador as fotografias que as ofendidas BB e CC lhe enviaram.
O arguido sabia que todas essas condutas eram contrárias aos interesses e prejudiciais ao normal desenvolvimento daquelas crianças.
O arguido actuou com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos através da manutenção de contactos escritos e falados de cariz sexual, visando obter prazer sexual e causar excitação nas mesmas, assim importunando aquelas.
O arguido sabia que as ofendidas eram, à data dos factos, menores de 14 anos de idade, bem sabendo que, em razão das suas idades, não tinham a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco capacidade para entenderem a gravidade das propostas que este lhes efectuava.

O arguido, tinha perfeito conhecimento da idade das crianças, e das perturbações que todas as suas actuações provocavam na formação e estruturação da personalidade das mesmas, sabendo que as suas condutas as prejudicavam no seu normal desenvolvimento físico e psicológico, e ainda assim levou a efeito as suas condutas.

Sabia o arguido que as citadas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tendo capacidade de determinação, ainda assim não se inibiu de as realizar, agindo livre, deliberada e conscientemente.

O arguido convenceu-se, após as primeiras conversações mantidas com as vítimas que estas, convictas de que contactavam pessoa da mesma faixa etária, não iriam revelar o conteúdo das mesmas, o que o motivou a continuar a mesma conduta que desenvolveu ao longo do período temporal supra, em datas que não foi possível concretizar.

Em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de Outubro de 2009, depois de conhecer a ofendida DD, nascida em ..., através do site www.jogajogos.com, o arguido enviou-lhe a partir do endereço e-mail ... para os e-mails: ... e ... que utilizava para aceder ao Messenger mensagens várias, identificando-se como sendo Fábio disse que tinha 17 anos e que era homossexual

A partir de então e pelo menos até ao mês de Fevereiro de 2010, o arguido e a ofendida mantiveram conversações várias, durante as quais a ofendida lhe transmitiu que tinha 14 anos de idade.

 No seu decurso e no período compreendido entre Outubro e Dezembro de 2009, a ofendida remeteu ao arguido, a pedido daquele várias fotos suas em roupa interior, exibindo a zona da vagina, peito e rabo (cfr. fls. 13, 15, 17,18, 19 e 63 do Anexo I), fotos que pelo menos até ao dia 29 de Outubro de 2010 o arguido guardou no respectivo e-mail.

No dia 13 de Fevereiro de 2010, o arguido enviou-lhe um mail (cfr. fls. 91 a 100,– Anexo I) cujo conteúdo são diversas fotos da zona da cintura de indivíduos do sexo masculino em roupa interior e poses eróticas, tendo como assunto: “LINGERIE DE MACHO… enfim modernices”.
O arguido actuou de modo voluntário, livre e consciente, de modo a poder, nomeadamente, e além de outros propósitos que tinham apenas em vista satisfazer o seu prazer sexual, deter em seu poder as fotos que solicitou à menor DD, assim como de lhe remeter, como remeteu, ficheiros contendo fotografias de jovens do sexo masculino exibindo os seus órgãos genitais, em roupa interior e poses eróticas, visando igualmente causar excitação na mesma, assim a importunando.
 O arguido sabia que a referida conduta era contrária aos interesses e prejudiciais ao normal desenvolvimento daquela jovem.
Mais sabia que lhe era legalmente vedada a detenção das fotografias supra que a ofendida, a seu pedido, lhe remetera.
 O arguido sabia que a ofendida DD era, à data dos factos, menor de 16 anos de idade e que, em razão da sua idade, não tinha capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco capacidade para entender a gravidade e natureza do material que lhe foi disponibilizado pelo arguido.

O arguido é, desde data não concretamente apurada, mas que se situa pelo menos no segundo semestre do ano de 2009, um consumidor de conteúdos de pornografia infantil da internet.

Assim, em data não concretamente apurada, mas que se situa em período compreendido entre o segundo semestre do ano de 2009 e o dia 29 de Novembro de 2010, o arguido decidiu importar e guardar no seu computador, usando para o efeito, entre outros, os Serviços de Internet (ISP) "PT,” vários ficheiros de foto e vídeo, que exibiam diversas fotografias, imagens e filmes pornográficas de menores com idades compreendidas entre os 9 e os 13 anos, o que fez a partir dos endereços de correio electrónico ..., ... e ..., que apenas o próprio utilizava para enviar ou receber correio electrónico, assim como do software de partilha “emule”, utilizado pelo arguido para transferência de ficheiros.

No dia 29 de Novembro de 2010, procedeu-se à realização de busca domiciliária devidamente ordenada, à residência do arguido, sita na Rua ..., e ali foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos:

- Manual de instruções relativo a software para eliminação e ocultação de registos designado “Evidence Eliminator v5.054” (cfr. fls. 182 a 184);

-Informação para activação do programa “netmeeting” (cfr. fls. 185 e 186);

-Diversas folhas manuscritas com e-mails, e sites de conteúdo pornográfico ou de chats de conversação e outras informações (cfr. fls. 187 a 194);

- 12 discos ópticos com inscrições várias.

 - um elevado número de fotos e vídeos de pornografia infantil cfr. fls. 266 a 277;

- sofware diverso (cfr. fls. 283, 288 e 289) para:

*  ocultação de registos (4T Tray minimizer free/pro, Omtermet Eraser Pró 3.38);

* adulteração de IP’s de ligação (anonymitygateeway, Hideip, Iphider),

* chats (Chatzilla-0.9.84);

* partilha de documentos (eMule0.49b-Installer1, eMule, Cerberus FTP server, Cute FTP, ESftp 4.2, FreFTP 3.2, Zultrax, Kazaa, NetFileServer);

* ocultação de ficheiros (hidefolders-setup, HideDRV 1.11, HideMaster);

* visualização e tratamento de imagens (Acdsee, Archimage, Cuneiform Pro OCR 6.0, FSviewer, ImageForge);

- Um computador de cor preta, marca “Chip 7”, “sem modelo aparente, com o serial number 55246.
Na sequência dessas buscas e, também, do consentimento expresso prestado pelo arguido, foi efectuado o competente exame pericial ao computador apreendido, ao arguido, no âmbito do qual se veio a constatar, entre outros aspectos relevantes, que no referido computador o arguido guardava:
- Um elevado número de ficheiros de foto e vídeo de pornografia infantil, nomeadamente entre e com menores, com especial incidência em menores entre os 9 e os 12 anos, obtidos através de download da internet, ou obtidos através do recurso de software de gravação de vídeo a partir das imagens visualizadas no ecrã (cfr. fls. 22 a 60 do anexo III);
- Centenas de ficheiros de vídeo e imagem com conteúdos pornográficos associados ao software de partilha “eMule” utilizado pelo arguido para transferência (download e upload) de ficheiros (cfr. fls. 62 a 119 do anexo III);
- Mais de uma centena de ficheiros de vídeo obtidos através do software de gravação “eatcam” que permita gravar vídeos a partir das imagens visualizadas no ecrã, (cfr. fls. 121 a 139 do anexo III) sendo na sua grande maioria relacionados com “chats” com menores, com recurso a webcam, nas quais, em muitos deles os menores acabam por exibir o seu corpo, sem roupa;
- Histórico de transferências através do software “eMule” onde é possível verificar centenas de vídeos de conteúdo pornográfico, transferidos (recebidos e partilhados) centenas de vezes (cfr. fls. 143 a 153 do anexo III);
- Lista de hiperligações diversas para a sites da internet (cfr. fls. 155 a 160 do anexo III), sendo vários deles relativos a downloads de filmes, entre os quais se encontra uma para o site “isoHunt” (cfr. fls. 157 do anexo III), o qual se encontra encaminhado directamente para um site de partilha de ficheiros com conteúdos pornográficos (cfr. fls. 162 do anexo III).

Do computador encontrado na casa do arguido constatou-se, assim, a presença no mesmo de vestígios de partilha navegação em sítios ("sites") de conteúdo pornográfico explícito de menores.

Manteve o arguido desde data não concretamente apurada e pelo menos até ao dia 29 de Novembro de 2010, sessões abertas de ficheiros de partilha “eMule”,o que permitiu a partilha de todos os conteúdos disponíveis nas suas pastas, entre os quais imagens e filmes de pornografia com menores.

 Nesse período o arguido partilhou através de programas de partilha de ficheiros o acesso por terceiras pessoas, e a partilha por estas, de diversas imagens e filmes de índole pornográfica, de conteúdo de índole sexual idêntico aos supra descritos.

Fê-lo, bem sabendo que as imagens pornográficas expunham menores, nomeadamente com idades inferiores a 14 anos, e que, por tal circunstância, estava proibida a sua cedência e detenção.

O arguido quis ainda deter, nos referidos suportes informáticos diversos ficheiros de pornografia infantil que retirou da internet, contendo imagens e vídeos de menores, inclusive de idades inferiores a 14 anos, nos quais são exibidas crianças de tenra idade nuas e envolvidas em actos sexuais inclusivamente com adultos, para satisfazer a sua libido, o que conseguiu, bem sabendo que a sua detenção era proibida.

O arguido tinha perfeito conhecimento de que as referidas imagens e filmes de teor pornográfico com utilização de menores, induzem a exploração efectiva desses menores, utilizados para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de as partilhar e ceder, através da Internet, e de as deter em discos, e computadores, que se encontravam na sua posse.

Obteve, deteve, visionou e divulgou a terceiros ficheiros vários, contendo imagens e vídeos de menores, nomeadamente de 14 anos de idade, com o intuito, concretizado, de satisfazer os seus intentos libidinosos, ignorando e desprezando a liberdade de autodeterminação sexual das crianças ali retratadas.

O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Das condições pessoais do arguido e da sua personalidade

O desenvolvimento de AA é regular, no seio de uma família rural, de sete filhos (2 raparigas, as mais velhas da fratria e 5 rapazes), na .... AA, na fratria, é o 5º filho, 3º rapaz.

O pai era trabalhador (carpinteiro de limpos) e abusando por vezes do consumo de bebidas alcoólicas. A mãe era a figura afectiva de referência da infância. Os pais são descritos como pouco afectuosos, mas competentes na transmissão de regras e disciplinas, recorrendo, ambos, de forma rara a punições físicas. Diz que gostava dos pais, que saiu cedo demais de casa e que sente saudades de ambos.

Aquele integrou o agregado de origem até completar o 4º ano e aos 10/11 anos veio com um irmãos já adolescente, ..., residir e trabalhar para Lisboa, para casa de familiares. Estes familiares seriam os seus padrinhos de baptismo, um casal e três filhos.

Em Lisboa há 2 dias, foi pelo irmão conduzido a um serviço de serventia de cozinha em restaurante, na zona do ..., e com 11 anos, começou a trabalhar, deslocando-se a pé sozinho (morada escrita no bolso). Refere que é um momento que vive, ainda hoje com alguma ansiedade, mágoa e zanga, sendo um momento fracturante das suas vivências de infância e da efectiva noção que “tinha de crescer”, que “estava separado dos pais”.

Aos 12/13 anos, terá sido vítima de abuso sexual, por parte de um terceiro, que não consegue identificar, pessoa, que trabalhava, ou circulava, junto ao seu local de trabalho. Refere que foi obrigado a manipular os genitais desta pessoa, por 2/3 vezes, num contexto de ameaça, coacção, e que nem, se apercebeu da dimensão do abuso, à data. Tem memórias difusas e sentimentos precoces de vergonha. Ocultou estas vivências, até recentemente, referindo que os episódios deixaram de acontecer, não tendo sido uma situação recorrente.

A sua primeira experiência sexual terá sido com uma prostituta, aos 15 anos, em contexto de curiosidade e pressão de pares. Com 16 anos, e dificuldades de adaptação ao contexto familiar dos padrinhos, teve conhecimento de um trabalho de vendas, de electrodomésticos, nos ..., que lhe pareceu uma oportunidade de autonomização. Saiu de casa dos padrinhos, ficou a residir com o casal de vendedores.

Esta situação veio a revelar-se um fracasso e uma nova situação de abuso. Afirma que por cerca de 2/anos (até aos 19 anos) anos, foi mal ou nem sequer pago, não tinha dinheiro consigo, passava os dias e a noite em feiras e que mal comia. Sozinho não conseguiu pedir ajuda ou inverter a situação. Já adulto, aos 25 anos deixou esta situação de abuso laboral já casado, para a Amadora.

O pai, faleceu aos 58 anos, vítima de doença prolongada. A mãe faleceu com 92 anos, com doença de Alzheimer. Fernando Santos, após este episódio manteve contactos regulares com familiares, havendo a referir que ... e ..., os seus irmãos mais velhos, já faleceram e que aquele é mais próximo da irmã mais velha ....

Entre os 19 e os 20 anos, AA cumpriu o serviço militar, 18 meses. Em 1981, conheceu a sua esposa, no casamento de um irmãos e após um período de namoro casaram, tendo já 34 anos de casamento.

O relacionamento conjugal é muito valorizado pelo arguido, o que é partilhado pela esposa.

Aqueles verbalizam problemas do foro sexual, que embora tenham dificultado algumas vivências, e gerado alguns desapontamento e mágoas, não puseram em causa a relação conjugal.

Segundo MM, o relacionamento sexual entre ambos foi mais intenso e gratificante antes do casamento. Já após o casamento, houve períodos de alguma proximidade e manutenção destas vivências, que foram cedendo espaço para períodos prolongados de maior afastamento, estando o casal há 9 anos sem vida sexual activa. Os alegados problemas de impotência, não foram alvo de uma consulta de especialidade.

Esta situação parece constituir um misto de vergonha e ansiedade para o arguido e uma situação de alguma mágoa para a sua esposa. Ainda assim, no discurso de ambos, tendem a valorizar a proximidade afectiva, as rotinas e a vida doméstica, desprezando a importância da vida sexual.

O nascimento da filha foi uma decisão do casal, ainda que mais intensamente desejado pelo arguido. Aquele terá sido um pai, presente e próximo das rotinas e prestações de cuidados à filha menor, mantendo com aquela aparentemente uma relação de proximidade afectiva. Ao nível da família nuclear, a filha do casal, NN, de 31 anos está autonomizada a viver com o namorado, desconhece o processo judicial, constituindo a hipótese/momento da revelação um factor de ansiedade para o casal.

AA, já na relação de casamento com MM, licenciada e Técnica Superior na ..., retomou a frequência escolar, tendo completado bacharelato na área da Contabilidade ...

Após o casamento, AA, manteve cerca de 2 anos, actividade no Café da sogra, que entretanto fechou, estando há quase 30 anos na área de vendas. De referir que após conclusão do bacharelato, aquele passou a desenvolver actividade de Técnico de Contas - TOC, com alguma regularidade, para completar rendimentos.

O relacionamento conjugal é muito valorizado pelo arguido, o que é partilhado pela esposa. Aqueles, verbalizam alguns problemas do foro sexual, que embora tenham dificultado algumas vivências conjugais e gerado alguns desapontamento e mágoas, não puseram em causa os sentimentos/ afectos que nutrem um pelo outro.

Aquele trabalha há largos anos, na empresa OO, Lda, Lisboa (empresa de produção, venda e revenda de embalagens de papel e cartão), com contrato de trabalho sem termo. Trabalha de 2ª a 6ª feira, das 08h30m às 18h00m, deslocando habitualmente no distrito de Lisboa, com viatura automóvel. Aufere um ordenado na ordem dos 600€. Este salário é completado pelo vencimento da esposa como técnica superior na ... de Lisboa. Referem, capacidade para fazer face despesas do agregado e ter recorrido a algumas poupanças e dinheiro da sogra para fazer face despesas saúde/judiciais associadas ao processo em curso.

O casal sempre viveu na casa de família de MM, propriedade da mãe desta, ..., actualmente com 75 anos, reformada. A relação entre o arguido e a sogra é descrita como afável, próxima e tranquila, havendo salutar convívio entre ambos.

AA e a sua esposa, referem rotinas estruturadas, passa os tempos livres, a ler, a ver televisão ou no computador. No computador gosta de jogos online, de estratégia.

Decorrente da instauração do presente processo, o arguido deixou de exercer a actividade de TOC, refere ansiedade social para esta situação. O casal escondeu à filha situação e entre ambos e com a sogra optaram por abordar a situação, como um problema/doença.

O arguido recorreu a consulta de psiquiatria, e desde há 5 anos que está a ser acompanhado pelo psiquiatra ..., na Casa Saúde...

As consultas têm-se mantido regulares mas nas mesmas o arguido não referiu os factos que aqui estão em causa antes direccionando as mesmas para o tratamento de eventuais sequelas dos episódios de abuso sofridos em tenra idade e no seu relacionamento sexual com a esposa.

Ainda assim, haverá indicadores de perturbação da personalidade, em tratamento, através de consultas psicoterapêuticas.

AA revela adesão a estas consultas, verbalizando que só agora consegue falar das problemáticas sexuais, que embora não constituíssem para si um problema, eram por vezes um constrangimento (episódios de abuso, falta de erecção, ausência últimos anos de actividade sexual) e motivo de embaraço e vergonha.

O arguido manifesta sentimentos de embraraço, receio, tristeza, desapontamento e arrependimento. Receia confrontar-se com as eventuais vítimas.

No desenvolvimento da sua sexualidade, a informação que obteve foi essencialmente de forma informal através do grupo de pares, e actualmente embora seja uma área “adormecida”, não se constituiu para si como um problema. Há aspectos contraditórios nas vivências pessoais e conjugais do arguido que remetem para a presença de angústias que perturbam uma vivência gratificante e mais responsável da sua sexualidade, persistindo factores de risco psíquicos e comportamentais.

No conjunto da avaliação psicológica não há indicadores de limitação ao nível cognitivo, mostrando o arguido consciência dos valores morais e dos interditos sociojurídicos.

AA revela características de introversão no contacto interpessoal, procurando evitar estar em contextos de socialização, não obstante a sua área profissional ser de contacto frequente com o outro (vendas), manifesta maior interesse em estar sozinho, com a família nuclear ou utilizando o computador, quer em interacção com terceiros, quer em jogos de estratégia.
No que respeita aos factos de que vem indiciado e perante a análise realizada do seu discurso e vivências pessoais, familiares e profissionais, podemos verificar que aquele se sentia imune e seguro, ao abrigo do anonimato, que a possibilidade de se encontrar face a face com eventuais vítimas lhe é penoso e que este tipo de prática criminal lhe parecia até um certo ponto de vista legítimo ou inócuo, por não haver efectivo contacto ou por não conhecer as pessoas. São negadas práticas masturbatórias nestes contextos, por alegada falta de erecção.
De referir que o recurso a perfis falsos e a manutenção das conversações surgem numa postura de alguma imaturidade e de passagem ao acto/impulsividade, em que aquele se sentia “a viver uma vida diferente da sua”, situação não aceite e contestada pelo mesmo.
Aquele afirma que só tem fantasias e uma construção da Erótica associada a adultos, em experiências sexuais de mútuo consentimento e sempre do sexo feminino.

AA manifesta dificuldade de em situação de confrontação, lidar com a exigência emocional e produzir respostas ajustadas – evita o conflito e tem dificuldade em lidar com a frustração

Sendo por vezes imaturo experimentando ansiedade e desconforto na interacção, procurando relacionamentos de dependência do outro (pares ou ascendentes), para tomar/validar decisões pessoais, familiares e laborais, demitindo-se de posturas de maior autonomização e iniciativa.

Aquele parece ter ideias persistentes incomodativas e embora procure evitar a expressão violenta das emoções, sente com frequência a invasão dessas emoções, no processo de tradução e mediação dos pensamentos, acarretando para o próprio experiências de descontrolo e de negativismo, procurando a introspecção, mas resistindo à autocrítica e tendo dificuldades em se apreciar, ou se sentir confortável, quando tem de mudar comportamentos face à noção do erro

Analisada a presença de humor depressivo, este não é consubstanciado, havendo a reportar mais uma experiência de ansiedade situacional/reactiva, do que um desajustamento do humor, com correspondência ao nível da ideação e da depressão.

A vivência da sexualidade de AA surge pouco gratificante, pouco esclarecida e pouco vivida, havendo a valorizar com 4 tipos de experiências:

- situação precoce de  abuso e do início adolescência, concretamente 1.ª relação coital com prostituta aos 15 anos (potenciadoras de angústias de agressão e crenças de desconfiança e abuso).

- relacionamento conjugal com esposa, em solteiro e em casado, com experiências matrimoniais impotência, estas  geradoras  conflito conjugal (angústias de fracasso e de abandono);

- e experiências relacionadas com os factos (crenças  de impunidade, anonimato, despersonalização, minimização do dano, alteração do desejo sexual e transtorno da relação sexual).

Embora o arguido verbalize e descreva, experiências sexuais, em que parece que há adequada relação entre o estímulo, experiência vivida e a satisfação sentida, estes relatos surgem como uma idealização, face às vivências pessoais sentidas como pouco gratificantes, desajustadas e até perturbadoras

Ao nível da personalidade, AA apresenta um estilo de confrontação em que a emoção tende a perturbar o normal curso do pensamento, em que tem dificuldade em mediar a expressão das emoções em situação de maior exigência;

 Aquele tem um estilo de funcionamento pragmático, orientado de forma externa e pouco genuíno na expressão dos afectos, havendo sentimentos precoces de vergonha que dificultam a adesão ao processo terapêutico.

Revela pouca capacidade de mudar as vivências internas que estão associadas às necessidades de estimulação sexual que veio a preencher através da prática de ilícitos.

Do CRC do arguido nada consta.

II.B. – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

II.B.1. – Âmbito de cognoscibilidade do recurso.

A decisão sob sindicância impôs ao arguido uma pena única de oito (8) anos de prisão, resultante de um cúmulo de penas (parcelares) que oscilaram de (4) quatro anos e seis (6) meses de prisão pela prática de um (1) crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo ar.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal, (cedência de material pornográfico com menores de 14 anos a terceiros via partilha de ficheiros informáticos); um (1) ano e sete (7) meses (na pessoa da vítima, DD) e na pena de 18 (dezoito) meses de prisão pela prática de oito (8) crimes de abuso sexual de crianças previstos e punidos pelos artigos pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), e 30.º, n.º2, do Código Penal (nas pessoas/vítimas, BB, CC, EE, FF, GG, HH, II e JJ);

Não estando em causa a recorribilidade da decisão – ao arguido foi aplicada pena superior a cinco (5) anos – a questão que se poderia pôr em tela de juízo, por já haver estado sujeita a aporias jurisprudenciais envolvidas na questão de saber se, havendo recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas pelo tribunal colectivo ou de júri, este Supremo Tribunal – que, em princípio, só lograva cognoscibilidade de decisões que impusessem penas superiores a cinco (5) anos de prisão – poderia conhecer das penas parcelares que compusessem o cúmulo de penas formado. [[2]]

A solução que colheu maioria afigura-se-nos ser a que corresponde à teologia da norma, como se deixou, correctamente explicitado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 2013, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, com a argumentação que a seguir queda expressa (sic): “Na génese da questão encontra-se a peculiaridade da situação em que estão em causa, em sede de recurso, as penas parcelares aplicadas, bem como a pena conjunta que das mesmas resulta, sendo certo que as primeiras são inferiores ao limite do artigo 432 alínea c) do Código de Processo Penal e a segunda superior ao mesmo limite.

Sobre tal questão importa precisar que, com a Lei 48/2007, que introduziu a denominada Reforma de Processo Penal, alterou-se o teor do artigo 432 do respectivo Código determinando-se que, dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, ou pelo tribunal colectivo, apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, caso tenha sido aplicada pena de prisão superior a cinco anos.

A redacção impressa na reformulação legal suscita a questão, directamente equacionada nos presentes autos, que se prende com a formação da pena conjunta no caso da realização de cúmulo jurídico em que alguma, ou algumas, das penas parcelares são inferiores a cinco anos de prisão e a pena conjunta resultante do cúmulo é superior a tal limite. Interposto recurso qual o segmento da decisão proferida em relação ao qual deverá ser aferida a competência para o conhecimento do recurso?

-Como já se enunciou em anteriores decisões a questão em apreço tem de ser resolvida com o apelo aos princípios de determinação da pena de concurso e aí, desde logo, deverão distinguir-se dois momentos: o primeiro é a determinação da pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso como se crimes singulares, objecto de cognições autónomas se tratasse, seguindo, para tanto, o processo normal de determinação da pena. O segundo momento consiste na definição da pena de concurso que resultará de uma moldura penal proveniente da conjunção das penas parcelares e, da determinação da pena dentro dos limites relativos aquela moldura penal e que se efectivará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.

Importa, porém, acentuar, como refere Figueiredo Dias, em relação é definição de pena conjunta que “Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.°-1, um critério especial: «na determinação concreta da pena [do concurso] serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 78.°-1, 2.a parte). 

No caso de concurso de infracções temos, assim, dois momentos de definição de pena com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela. A primeira daquelas operações, concretização das penas parcelares constitui um prius, um pressuposto; um antecedente lógico do segundo momento pois que, como refere o mesmo Mestre, a formação da pena conjunta opera no quadro de uma combinação de penas parcelares que não perdem a sua natureza de fundamento da pena de concurso.

 Maximizando tal entendimento pode-se dizer que se pode recorrer da pena conjunta sem colocar em causa as penas parcelares, mas o contrário já não acontece, ou seja, alterada a pena, ou as penas parcelares, necessariamente que está afectado o quadro dentro do qual foi encontrada a pena conjunta que, por tal forma, terá de ser, necessariamente, sindicada

Assim, o primeiro passo para aferição da competência para o conhecimento do recurso, nas circunstâncias do caso vertente, deve ser a própria interpretação do acto processual que se consubstancia na interposição de recurso. Como refere Roxin a declaração, qualquer que seja o seu momento, deve assumir um sentido fácil de reconhecer. Caso necessário o seu conteúdo objectivo deve ser determinado através da interpretação a qual se deve basear não só no sentido literal, mas, essencialmente, no sentido reconhecivelmente pretendido pelo requerente.

Reconhecido o sentido da pretensão dos recorrentes, a emergência de uma situação de ambivalente, como no caso vertente, depende da circunstância de o mesmo impetrar que o tribunal superior ao qual se dirige conheça de objecto de recurso para o qual pode, simultaneamente, e numa perspectiva meramente literal, ter, e não ter, competência para conhecer.

Na verdade, suponhamos que o recurso é dirigido directamente ao Supremo Tribunal de Justiça visando o conhecimento em termos de direito de uma pena conjunta superior a cinco anos, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no artigo 432 c) do diploma citado. Em tal situação o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do referido dispositivo, apenas tem competência para conhecer do recurso na estrita medida em que se trate de uma pena de prisão superior a cinco anos.

Porém, com este raciocínio levado às últimas consequências, fica afastado o conhecimento do recurso no específico das penas parcelares aplicadas, ou seja, o exercício do recurso em relação àquela especifica dimensão das penas parcelares fica sem conteúdo.

Sucede, porém, que, como a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade de salientar, por diversas vezes, o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Mesmo antes de o artigo 32.°, nº1, da Constituição da República Portuguesa ter passado a especificar o recurso como uma das garantias de defesa, o que sucedeu com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, constituía jurisprudência pacífica e uniforme do mesmo Tribunal que uma das garantias de defesa, de que fala o nº1 do artigo 32.°, é, justamente, o direito ao recurso.

Este direito ao recurso, como garantia de defesa, é de há muito identificado com a garantia do duplo grau de jurisdição, "quanto a decisões penais condenatórias e, ainda, quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais" Consequentemente é inadmissível uma interpretação da lei que, perante a impetração do recorrente, deixe sem resposta o seu pedido de que também as penas parcelares sejam sindicadas.

Aqui, surgem como possíveis duas interpretações cuja divergência reside na atribuição ao Tribunal da Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça da competência para o conhecimento das penas parcelares e da pena conjunta. Em qualquer uma dessas possibilidades o fundamento da ampliação do conhecimento do recurso fundamenta-se no artigo 402 nº1 do Código de Processo Penal. Porém, são diversas as consequências numa e noutra interpretação pois, como se refere no Acórdão de 7 de Outubro de 2009 (Processo 611/07.3) , a aceitar-se a primeira orientação, ficaria precludida a possibilidade de recurso para o STJ, por força da al. f) do n° 1 do art. 400 do CPP, dos acórdãos das Relações que aplicassem (confirmando) penas (conjuntas) entre 5 e 8 anos de prisão. Ainda na perspectiva da mesma decisão “Tal resultado que entra em conflito com o regime-regra dos pressupostos de recurso para o STJ, que está definido no art. 432° do CPP, cuja al. c) do nº1 estabelece como patamar de recorribilidade, quando o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, a pena concreta superior a 5 anos de prisão.

Esse "conflito" não pode deixar de ser resolvido a favor desta última norma que é, insiste-se, a que define o regime de recurso para o STJ.

O "alargamento" da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77° do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente”.

Sem embargo das considerações constantes daquela decisão pensamos que um outro elemento poderá ser aduzido no sentido de consagrar uma ampliação da competência do Supremo Tribunal de Justiça quando estejam verificados os restantes pressupostos enumerados no caso vertente ou seja:

a) Pretensão do recorrente em que, por este Supremo Tribunal de Justiça, seja sindicada a pena conjunta aplicada.

b) Pretensão de que, para além da pena conjunta superior a cinco anos-cuja competência para apreciação se encontra inscrita no artigo 432 mº1 alínea c) do diploma citado- sejam apreciadas penas parcelares inferiores àquele limite.

Na verdade, se a pretensão do recorrente é dirigida a este Supremo Tribunal a referida ampliação sempre se poderá fundamentar numa regra de interpretação jurídica afirmando a existência de um poder-dever implícito que não é mais do que a regra elementar da hermenêutica segundo a qual quando se concede a determinado órgão ou instituição uma função (actividade-fim), implicitamente está concedendo os meios necessários para que esse fim seja atingido. Numa linguagem menos elaborada dir-se-á que “quem pode o mais pode o menos”, ou seja, quem tem competência para apreciar a pena conjunta também deve ter competência para decidir sobre as penas parcelares que lhe estão subjacentes.  

Assim, entende-se que este Supremo Tribunal de Justiça pode proceder á sindicância de penas parcelares e pena conjunta aplicada.” [[3]]

A doutrina expressa no aresto citado veio a ser sequenciada no acórdão deste mesmo Tribunal em acórdão datado de 14 de Janeiro de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos, que, data vénia, aqui deixamos respigado (sic): “A competência do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar, directamente, em sede de recurso as decisões proferidas em 1.ª instância, tem como pressupostos serem condenatórias em prisão, emitidas por tribunal colectivo ou de júri, visarem o reexame exclusivamente de matéria de direito e a medida da pena efectivamente imposta exceder 5 anos de prisão, como se especifica nos artigos 432.º, n.º 1, alínea c), e 434.º, do CPP.

Assim, face a tal disposição legal, não cabe recurso directo da decisão que condene em pena de multa, de decisão absolutória, de decisão condenatória em pena de prisão de duração inferior a 5 anos.

No caso em apreço, o recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito: o recorrente questiona a qualificação jurídica da sua provada conduta, pugnando pela condenação, relativamente a cada uma das vítimas, no quadro do crime de trato sucessivo, que não do concurso efectivo, nas situações em que tais crimes ocorreram num mesmo contexto situacional e temporal. 

Consequentemente, o recorrente contesta as penas parcelares respectivas (sendo algumas inferiores a 5 anos de prisão), que tem por excessivas, devendo ser reduzidas em conformidade e insurge-se também contra a medida da pena única do concurso. Ou seja, não obstante o recurso se restringir a matéria de direito, temos então num só recurso a apreciação de penas de prisão superiores e inferiores a 5 anos. 

A este respeito entendemos – à semelhança do que é a posição maioritária em ambas as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça - que a competência para conhecimento da totalidade do recurso caberá ao Supremo Tribunal de Justiça, na senda do entendimento defendido no acórdão de 11 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 1101/05.4PIPRT.S1-3.ª secção, no qual se decidiu que «o julgamento deve ser unitário e não parcelar, no sentido de uma parte da condenação ser reexaminada pela Relação e outra pelo STJ, fazendo todo o sentido que o recurso seja apreciado pelo STJ, que assim absorve a competência da Relação, sem qualquer dano para o arguido que vê apreciada a questão pela instância ocupante do topo no panorama judiciário nacional – o STJ –, além de corresponder ao seu desígnio endereçando o recurso a este Tribunal».

Como recentemente este Supremo Tribunal decidiu, em acórdão proferido em 25 de Novembro de 2015, no processo n.º 55/13.3PLSNT.L1.S1, relatado pelo agora relator: «(…) relacionada com o exercício da competência deste Supremo Tribunal neste recurso, está a questão da cognoscibilidade das penas parcelares aplicadas ao arguido, inferiores a cinco anos de prisão, inferiores, portanto, ao patamar de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.

A questão, que tem sido apreciada e decidida em termos nem sempre convergentes neste Supremo Tribunal, pode formular-se da seguinte forma, conforme acórdão de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 12/09.9GDODM.S1: “saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de cognoscibilidade”.

O citado acórdão regista extensa e detalhada informação sobre as orientações perfilhadas neste Supremo Tribunal, dando conta da que, em termos largamente maioritários, tem prevalecido: a ampla recorribilidade, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos previstos no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, já enunciados, apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão englobadas numa pena conjunta superior a cinco anos de prisão.

Convocando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Fevereiro de 2014 (Proc. n.º 29/03.3GACNF.S1 – 3.ª Secção), dir-se-á que “a lei adjectiva penal, ao atribuir competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer recurso de acórdão final proferido pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que aplique pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente a matéria de direito (alínea c) do n.º 1 do artigo 432º), obviamente pressupõe que o Supremo Tribunal, nos casos de condenação em pena conjunta, conheça de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito a, pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32º)”.

Tem sido este o entendimento que vem sendo assumido pela 3ª secção criminal deste Supremo Tribunal. Como se refere no acórdão de 13 de Abril de 2013, proferido no Processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1: “1. No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares. 2. Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única”.  

Já no acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de Outubro de 2009 (proc. n.º 611/07.3GFLLE.S1), se justificava esse «alargamento» da competência do Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes termos: “O “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente.

Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador (e garantista) da jurisprudência, um papel de “referência” para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual.

Sendo o STJ o tribunal vocacionado, por excelência, para “dizer o direito”, havendo dúvidas quanto à sua competência, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua competência.

Interpreta-se, pois, a al. c) do nº 1 do art. 432º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.

Assim se cumprirá o “desígnio” do legislador (celeridade), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais.”

Numa outra perspectiva, mas assumindo-se a mesma orientação, cumpre mencionar o acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, onde se concluiu que: “ (…) em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação.

Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição.”   

Em face do exposto, considera-se que este Supremo Tribunal tem competência para proceder ao conhecimento de todo o recurso, quer relativamente à pena conjunta em que o recorrente foi condenado, quer em relação às questões que suscita quanto às penas parcelares, inferiores a cinco anos de prisão.”  

 A posição que ressuma no tramo constante da fundamentação que queda transcrito, afigura-se-nos ser aquela que melhor se ajusta à letra da lei e ao espirito e teleologia do preceito adrede (art. 432º/1/c) do Código Processo Penal).

Na verdade, este normativo permite, tal como acontece em outras áreas do direito processual, que, verificados determinados pressupostos, ou requisitos, o recorrente ultrapasse, salte, uma “etapa” do iter recursivo e pretenda que as questões de que diverge, discorda e impugna seja conhecidas pelo tribunal com competência natural para esse fim. Engolfam-se nessa possibilidade/faculdade: a) que a causa tenha sido julgada por um tribunal colegial (colectivo ou de júri); b) que a pretensão de cognoscibilidade atine com questões de direito; c) e que a pena aplicada, parcelar ou unitária, seja quantitativamente superior a cinco (5) anos.

Permitindo a lei que o recorrente, reunidos os pressupostos ínsitos na normação adrede, possa suprimir um escalão (sequencial e imediato) de recurso, prescindindo, facultati-vamente, com essa opção, da reapreciação da decisão da matéria de facto, e concomitantemente de uma primeva reapreciação das penas parcelares. As penas parcelares ficariam, assim intocadas e com essa intocabilidade poderia o Supremo ficar pear de alterar. Nesta hipótese, o recurso – restrito à reapreciação da pena unitária – quedaria mermado e constituir-se-ia como uma amputação do direito de recorrer, o que poderia refractar-se como uma diminuição do direito ao recurso e, correlatamente, ao direito a ver uma cognoscibilidade plena e total da decisão recorrida. A decisão recorrida constituiria uma base de recurso limitado – porque restrito a uma parte, concretamente, a pena unitária – expurgando-se a parte da decisão em que a decisão a reapreciar é parte elementar e inextrincável. Sem as penas parcelares não se forma a pena unitária – a pena unitária é um todo que se forma das partes que são penas parcelares – e apreciar esta sem que seja possível reapreciar as que a são parte dela, afigura-se-nos uma impossibilidade lógica-funcional e uma incongruência insanável.

Pelo que sumariamente se deixa dito, quedamos, na posição que se vem mantendo maioritária, qual seja a de que o Tribunal Supremo ao conhecer um recurso interposto per saltum é-lhe lícito proceder à reapreciação das penas parcelares que formaram a pena única aplicada até cinco (5) anos.              

II.B.1. – Enquadramento jurídico-penal da factualidade adquirida.
Ao arguido foram imputados e veio a ser condenado pela prática, em autoria material, de crimes de abuso sexual de menores [oito (8) crimes p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. b), e 30.º, n.º2, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro] e de pornografia de menores agravado [um (1) p. e p. pelo ar.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, e p. e outro (1) p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal - (cedência de material pornográfico com menores de 14 anos a terceiros via partilha de ficheiros informáticos)].

O tribunal justificou a decisão no plano jurídico com a sequente argumentação (sic): “Dispunha, na parte que releva o artº 171º nº 3 al. b) do Código Penal que “Quem:
(…) b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos; é punido com pena de prisão até três anos.”

Escreve em anotação ao art. 172.º, n.º 3, al. b), do Código Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei 59/2007, de 04.09, correspondente ao 171.º, n.º 3, al. b), na redacção dada ao Código Penal pela referida Lei, e aplicável no caso dos autos, Figueiredo Dias -in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, p. 545-, que “ A qualificação de um instrumento (de qualquer uma das espécies descritas no tipo) como pornográfico deve exprimir, segundo o seu conteúdo objectivo, que é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando, por isso, notoriamente, em abstracto, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor na esfera sexual”.

Não será, portanto qualquer conversa de índole sexual que implicará o preenchimento do tipo de crime supra.

 A este propósito ensina Mouraz Lopes in Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 87 que “(…) sendo difícil definir o que se entende por objectos obscenos e pornográficos, deverão, por um lado, ser tais objectos susceptíveis de provocar excitação sexual a terceiros e, por outro ser idóneos a produzir dano no desenvolvimento fisiológico ou psicológico de pessoas imaturas. Repare-se que a lei fala em “actuar sobre o menor” por meio de conversa ou escrito (…) pornográfico. Assim, na sua concretização interpretativa deverá ter-se especial atenção ao princípio da intervenção mínima do Direito penal e, por isso, revelar-se que este em nenhum caso deve intervir para reprimir factos que não lesem direitos de terceiro ou carecem de nocividade social”.

Ora, no caso dos autos, é por demais óbvio que os conteúdos transmitidos às oito vítimas consubstanciam conversas de “natureza sexual”, de conteúdo pornográfico. Note-se: falar de sexo ou de conteúdos sexuais não é, de per se, criminoso. O criminoso é transformar a sexualidade em algo que se desvia da moralidade sexual aceite pela generalidade da comunidade e transformar a relação sexual num instrumento de domínio de uma parte sobre a outra sem que a mesma tenha a capacidade se sequer se aperceber que se encontra numa situação de subjugação. É isto que o arguido faz com as conversas que mantém, é o que faz quando refere “[…] gostava de te beijar em mt lado/sabes onde/nos labos e boca e pescoço e mais […] nas costas se estivesses de bikini e nas maminhas se deixasses […] nas bochechas do rabo/na coisinha/passar lá a língua entre os lábios dela e chupar” ou  “[…] o clítoris é onde as raparigas sentem mais prazer, e algumas pesoa chama-lhe grelo […] e os rapazes adora beijar lá e chupar e por a língua dentro da coisinha […]”(sic) ou ainda “[…] estás com que tipo de cuecas? […] deixavas por a mão dentro delas na parte de trás? […] eu ia adorar por la a mão e apalpar a tua pele devagr e dar carinhos nas bochechas […] (sic) ou ainda quando diz em conversações que “ainda tinha o pénis erecto” e perguntava se ainda era virgem e qual o número do soutien que usava ou mesmo quando pergunta “se já se tinha masturbado e como a menor EE disse que não, ofereceu-se para lhe ensinar, dizendo-lhe para “mexer no clitóris e para enfiar os dedos na cona”.
Assim, dúvidas não restam que o arguido cometeu 8 crimes de abuso sexual nos termos referido. [[4]]
(…) Presentemente o factos continuam subsumíveis ao disposto no artº 171º nº 3 al. b) do Código Penal que os pune criminalmente donde a conduta não foi despenalizada.

Nas conversações que manteve com as menores de 14 anos o arguido veio a obter de duas delas - BB e CC – fotografias de fls. 20 a 27 e 59 do anexo A).

No libelo acusatório considerou-se que estes dois actos – consistentes em obter as fotos - seriam o cerne da comissão de dois crimes de pornografia de menores p. e p. pelos art.º 176.º, n.º 4, com referência à al. b), do número 1, do Código Penal.

Dispõe o preceito que “Quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa”. Por sua vez o nº 1 al. b) dispõe que os matérias em questão são o uso de menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte”.

Ora, vistas as fotografias em questão - saber as que constam a fls. 20 a 27 e 59 do anexo A temos de convir que não se trata de material pornográfico sendo as fotografias em si mesmas inócuas sob o ponto de vista sexual explicito.

Na verdade, “pornográfico” é o que é relativo a pornografia, o que contém pornografia, o que é relativo a ou sugere um acto sexual explícito, o que ataca ou fere o que é considerado moral, pudico ou de bons costumes ("pornográfico", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/pornográfico.

Ora, vistas as fotografias em questão nenhuma delas pode, na verdade, ser qualificada como pornográfico já que representam crianças, é certo, em pijama, em fato de banho, perfeitamente vestidas. O que as fotografias representavam na mente do arguido e os desejos libidinosos que despertavam não preenchem o tipo.

Este seria preenchido se o arguido houvesse obtido material pornográfico, o que não fez.

Aqui impõe-se a absolvição.

A acusação imputa, também ao arguido um outro crime de pornografia de menores mas desta feita com referência à menor Andreia Campaniço, com 14 anos à idade dos factos.

Ora, neste particular e vistas as fotos - fls. 13, 15, 17,18, 19 e 63 do Anexo I – dúvidas não restam do seu conteúdo pornográfico pois que as mesmas denotam a menor em poses sexuais explícitas e retratam partes íntimas da criança, sendo que o arguido quando as obteve era conhecer da idade desta.

Se à data da comissão dos factos a simples detenção de material pornográfico sem mais era criminalmente punido (por todos Ac. da Rel. de Coimbra de 02.04.2014 in www.dgsi.pt), presentemente o facto já não é punido sem mais à luz artº 176º do Código Penal.

Na verdade, actualmente dispõe o artº 176º do Código Penal na redacção da Lei 103/2015 de 24.08 que “1 - Quem: a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos. 3 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos. 5 - A tentativa é punível.”

Ora, tendo presente que o que se está a punir é a mera detenção, sem mais, de fotografias pornográficas temos que a Lei apenas, no que interessa, pune a detenção com o propósito de distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição ou cedência.

Ora, no que respeita á fotos da DD não se prova que o arguido as detivesse com o propósito de as difundir pelo que, á luz da Lei actual a conduta não é punida.

Como se referiu no inicio, nos termos do disposto no artº 2º nº 2 do Código Penal, “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções” donde se impõe, por esta razão a absolvição do arguido nesta parte.

A acusação imputa ainda ao arguido a comissão de um crime pornografia de menores agravado, p. e p. pelo ar.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, do Código Penal por referência também à DD

Dispõe o artº 176º nº 1 al. c) do Código Penal na redacção vigente à data dos factos que Quem: (…) b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Por sua vez, dispõe o artº 177º nº 5 do mesmo diploma vigente à data dos factos que “As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos.”

Ora, está provado que o arguido enviou à menor fotografias da zona genital de indivíduos do sexo masculino em cuecas e lingerie. Tal traduz-se na cedência e exibição de material pornográfico a pessoa que o arguido sabia ser menor de 16 anos, donde se mostra preenchido o tipo.

Pese embora a alteração á Lei operada entre o momento da comissão e o momento presente, os factos continuam a ser criminalmente punidos pois que estão agora tipificados no artº 176º nº 1 al. c) e 177º nº 6 do Código Penal.

Por fim, é imputado, e bem, ao arguido a comissão de um crime de pornografia de menores agravado p. e p. pelo artº 176º nº 1 al. c) e 177º nº 5 do Código Penal na redacção prevista á data e supra transcrita.

Ora, esta imputação respeita ao facto do arguido deter no seu computador centenas de ficheiros de índole pornográfico de menores, seja sob a forma de vídeo, seja sob a forma de fotografias, de crianças com idades, a maior parte, entre os 9 e os 13 anos e de os ceder a terceiros.

Note-se que o arguido não se limitava a fazer os downloads dos ficheiros. O arguido fazia também uploads, ou seja, colocava ele online material pornográfico e mais. O arguido abria o seu computador a que terceiros acedessem aos ficheiros que ele possuía e que os copiassem para si, desta forma disseminando material pornográfico-infantil.

Neste particular temos de chamar à colação o disposto no artº 177º nº 5 a 7 do Código Penal na redacção vigente à data.

Dispunha o preceito que: “5 - As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 6 - As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos. 7 - Se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para efeito de determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena.”

O nº 5 do preceito foi o invocado pelo Ministério Público.
Contudo, o Ministério Público alegou e ficou provado que: “o arguido decidiu importar e guardar no seu computador (…) vários ficheiros de foto e vídeo, que exibiam diversas fotografias, imagens e filmes pornográficas de menores com idades compreendidas entre os 9 e os 13 anos.

(…) Foi efectuado o competente exame pericial ao computador apreendido, ao arguido, no âmbito do qual se veio a constatar, entre outros aspectos relevantes, que no referido computador o arguido guardava um elevado número de ficheiros de foto e vídeo de pornografia infantil, nomeadamente entre e com menores, com especial incidência em menores entre os 9 e os 12 anos, obtidos através de download da internet, ou obtidos através do recurso de software de gravação de vídeo a partir das imagens visualizadas no ecrã (…) Histórico de transferências através do software “eMule” onde é possível verificar centenas de vídeos de conteúdo pornográfico, transferidos (recebidos e partilhados) centenas de vezes.

Manteve o arguido desde data não concretamente apurada e pelo menos até ao dia 29 de Novembro de 2010, sessões abertas de ficheiros de partilha “eMule”,o que permitiu a partilha de todos os conteúdos disponíveis nas suas pastas, entre os quais imagens e filmes de pornografia com menores.

 Nesse período o arguido partilhou através de programas de partilha de ficheiros o acesso por terceiras pessoas, e a partilha por estas, de diversas imagens e filmes de índole pornográfica, de conteúdo de índole sexual idêntico aos supra descritos (…)”.
Ora, como é bom de ver a agravante em causa é a do nº 6 e não a do nº 5 pois que o arguido partilhou material pornográfico de menores de 14 anos., mais propriamente de crianças com idades entre os 9 e os 13 anos.
Analisados os preceitos vigentes a conduta continua, ainda hoje, a ser criminalmente punida.”

Os artigos 1º, 11º, 21º, 32º, 33º, 34º, 35º e 36º da Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança, consagraram um conjunto de direitos relativos à protecção da vida, saúde e desenvolvimento das crianças nos planos, físico, psicológico e social, e que viriam, posteriormente, a merecer o aditamento de um Protocolo Facultativo sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de Maio de 2000, e ratificado por Portugal, em 16 de Maio de 2003. Em 22 de Dezembro de 2003, o conselho europeu adoptou a decisão-quadro 2004/68/JAI, relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil e em 13 de Dezembro de 2011, o parlamento europeu e o conselho aprovaram a directiva 2011/92/EU, relativa à luta contra o abuso sexual de crianças e a pornografia infantil (que viria a substituir a decisão-quadro antes referida).

Nas definições autorizadas e consagradas no artigo 2º da mencionada directiva, descrevem-se as situações-tipo indicativas e enunciadoras que os estados-membro poderão adoptar, na legislação interna, como prescritivas de supostos normativos incriminadores.

Assim entende-se por pornografia infantil:

i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou

ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais,

iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou

iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.”          

A Directiva aconselha os estados-membro a tomar e adoptar medidas para garantir que os comportamentos descritos nos artigos 3º (crimes relativos ao abuso sexual de crianças) e 5º e 6º (crimes relativos à pornografia infantil a ao aliciamento de criança para fins sexuais) sejam punidos, com as penas indicadas nos preceitos indicados. [[5]

O legislador indígena adoptou, depois da decisão-quadro, em 2007 a sequente redacção no nº 3 do artigo 171º do Código Penal:

Quem: actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, (…) é punido com pena de prisão até três anos.”     
A norma incriminadora que se contém no preceito citado consente, do nosso ponto de vista, a interpretação exegética sequente: (a) o sujeito activo é qualquer pessoa (desde que dotado de capacidade de se autodeterminar e orientar psico-socialmente); (b) o sujeito passivo, isto é, a pessoa sobre quem a acção tem de ser impulsionada, há-de ser um menor com idade igual ou inferior a catorze (14) anos; (c) a acção, ou seja, a conduta antijurídica e ilícita do sujeito activo sobre o menor há-de efectivar-se e incidir através de (i) uma conversa; (ii) um escrito; (iii) um espectáculo; ou (iv) um objecto pornográfico. A acção típica, isto é, aquele essencial, ou cerne, descritivo em que a norma incriminadora explicita e transmite ao destinatário a proibição do fazer e agir que se contrapõe ao prescrito e imposto pelo ordenamento vigente, traduz-se, no tipo enunciado, numa abstenção (do sujeito activo) de qualquer comunicação verbal, de um endereçamento, entrega ou transmissão de um escrito, de uma apresentação, assistência ou visionamento de um espectáculo ou de um objecto de feição, compleição ou natureza pornográfica.
A norma tal como se encontra redigida constitui um exemplo escolar de acrasia legislativa. O segmento de norma representa uma proposição sem significado e desprovida de alcance lógico-racional quando interpretada nos cânones da hermenêutica jurídico-penal.
A primeira dificuldade incoa na utilização do verbo “actuar”. Actuar em que sentido, para que fim, com que intenção e em que limite. A alínea b) não indica um fim ou sentido em que o sujeito activo deva direccionar ou orientar a sua acção, isto não define a acção típica. O sujeito activo deve abster ou ilaquear a sua acção em ordem a que proibição? As alíneas a) e b) enunciam o fim da interdição da acção, no caso da alínea a) os actos previstos no artigo 170º, no caso da alínea c) o aliciamento à assistência a abusos sexuais ou actividades sexuais. Na previsão da alínea b) não se prefigura uma acção (existencial, vivencial ou valorativa) referenciada à capacidade de agir do indivíduo. O Indivíduo está proibido de agir “sobre menor de 14 anos” por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográfico. A previsão normativa, em nosso juízo, não contém o mínimo de capacidade descritiva e prescritiva que permita e/ou consinta uma incriminação ou imputação jurídico-objectiva. [[6]]
Caberia perguntar, em face da formulação propositiva, qual o bem jurídico que aquele segmento de norma – dado que, como já se disse, os demais segmentos contêm um indicador prescritivo que elegem como factor de interdição comportamental – elege como comando inibidor da conduta do agente. O elemento verbal “actuar” não está orientado para nenhum fim ou interdição típica, mas tão para as conversas, escritos, espectáculos ou objectos pornográficos. Este “actuar”, inserto neste segmento normativo, não tem uma função dirigida a uma proibição descrita ou a um bem jurídico concreto e determinado antes fica em suspensão e isento e deserto de conteúdo fáctico-material.        
A norma é um exemplo de escrófula e errática técnica legislativa. Na verdade embora epigrafado o preceito com “Abuso sexual de crianças”, tipificam-se nos  números 1 e 2 a acção típica (bem ou mal é possível descortinar um fim de acção), para depois introduzir um novo vector propositivo no número 3: “Quem”, induzindo a ideia de que as acções descritas neste número se constituem como um corpo destacado dos números 1 e 2.
É com esta indemne e incapacitante normação que o Direito e a Justiça tem de se arrimar. [[7]]

Supondo que a norma incriminadora – referimo-nos tão só à alínea b) do nº 3 do artigo 171º do Código Penal – contém elementos típicos identificadores e constitutivos que permitam uma incriminação objectiva, recenseemos os factos que permitiram ao tribunal recorrido proceder à inclusão da conduta do agente no ilícito típico. [[8]]

Assim ficou adquirido que: (a) a partir de Outubro de  2009, fazendo-se passar, ou identificando-se como sendo um individuo do sexo masculino com a idade de 18 anos, o arguido manteve conversas de teor sexual e obsceno com as menores BB; (b) ostentando essa qualidade – de individuo com 18 anos de idade – o arguido logrou que a BB lhe enviasse fotografias em fato de banho, que guardou; (c) em Mio e Junho de 2010, apresentando-se como individuo do sexo masculino, com 17 anos de idade, e com o nome de Rafael, o arguido manteve conversas com a ofendida CC, tendo-lhe esta enviado fotografias em fato de banho, que o arguido guardou no computador; (d) em Outubro de 2009, o arguido enviou à menor EE, uma foto de uma menor que identificou como sendo ele próprio, tendo mantido com ela conversas de teor obsceno e sexual; (e) no mês de Junho de 2010, o arguido solicitou pedido de amizade à menor FF, tendo remetido a foto de uma menor que imputou como sendo ele próprio, tendo mantido conversas obscenas e de natureza sexual, tendo-lhe solicitado que operasse uma ligação através da webcam, ao que a menor não acedeu; (f) em Agosto de 2009, o arguido assumindo a identidade de uma rapariga de 15 anos, solicitou um pedido de contacto com a menor GGr, tendo, a partir dessa data e até ao final de 2009, diversas conversas, tendo-lhe enviado, em Agosto de 2009, imagens de conteúdo pornográfico que continham sexo explicito entre adultos; (g), o arguido em Dezembro de 2009, assumindo a identidade de uma rapaz de 16 ou 17 anos, solicitou um pedido de contacto à ofendida Inês Sargento, tendo com ela mantido conversas e solicitado que ligasse a webcam ao que a ofendida acedeu e tendo-lhe dito (sic): ““ era bonita, que tinha uma cara fofinha, e para baixar um bocado a camara para ver o decote” e perguntado se era virgem, se se masturbava e que deveria experimentar; (h) em Maio de 2010, solicitou contacto com II, tendo assumido a identidade de um menor, de que enviou a respectiva fotografia, tendo mantido com ela conversas de natureza sexual e utilizando expressões obscenas; (i) em Setembro de 2009, pediu contacto a JJ, utilizando para o efeito uma fotografia de m rapaz menor e assumindo-se como sendo ele próprio, tendo mantido conversas de natureza sexual e utilizado expressões impróprias; (j) “O arguido actuou em todas as situações supra descritas de modo voluntário, livre e consciente, adicionando o seu endereço electrónico aos endereços das ofendidas, que bem sabia terem idades inferiores a 14 anos, de modo a poder, nomeadamente, e além de outros propósitos que tinham apenas em vista satisfazer o seu prazer sexual, manter com as mesmas, como manteve, frequentemente, conversações onde empregava termos íntimos, com conotação física/sexual e, ainda, a - solicitar-lhes, como solicitou, que exibissem o seu corpo, como fez com as ofendidas BB, HH e CC.
Com o mesmo objectivo, guardou no respectivo computador as fotografias que as ofendidas BB e CC lhe enviaram.
O arguido sabia que todas essas condutas eram contrárias aos interesses e prejudiciais ao normal desenvolvimento daquelas crianças.
O arguido actuou com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos através da manutenção de contactos escritos e falados de cariz sexual, visando obter prazer sexual e causar excitação nas mesmas, assim importunando aquelas.
O arguido sabia que as ofendidas eram, à data dos factos, menores de 14 anos de idade, bem sabendo que, em razão das suas idades, não tinham a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco capacidade para entenderem a gravidade das propostas que este lhes efectuava.

O arguido, tinha perfeito conhecimento da idade das crianças, e das perturbações que todas as suas actuações provocavam na formação e estruturação da personalidade das mesmas, sabendo que as suas condutas as prejudicavam no seu normal desenvolvimento físico e psicológico, e ainda assim levou a efeito as suas condutas.

Sabia o arguido que as citadas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tendo capacidade de determinação, ainda assim não se inibiu de as realizar, agindo livre, deliberada e conscientemente.

O arguido convenceu-se, após as primeiras conversações mantidas com as vítimas que estas, convictas de que contactavam pessoa da mesma faixa etária, não iriam revelar o conteúdo das mesmas, o que o motivou a continuar a mesma conduta que desenvolveu ao longo do período temporal supra, em datas que não foi possível concretizar.

Como se extrai da factualidade recenseada, o arguido em todas as ocasiões agiu, ou actuou, sobre as menores por meio de conversas de cariz sexual e obsceno, impróprio e inadequado para as menores com quem manteve as referidas conversas, dado que deveria saber que as mesmas pela idade devem ser resguardadas e preservadas de acesso a temas e conversas desajustadas da sua mundividência societária. 

Ainda que o ensino da educação sexual tenha sido introduzido nos currículos escolares, as conversações mantidas pelo arguido configuram-se como escatológicas e obscenas pela intencionalidade e baixeza do sentido sexual que lhe vai impregnado. As expressões utilizadas pelo arguido nas conversas mantidas com as menores, pela intencionalidade sexual e expressividade obscena que pretendiam transmitir evidenciam uma natureza ignominiosa e pérfida natureza que deve ser censurada e reprovada, no plano ético-axiológico e jurídico-penalmente.

Em jeito de remate não deixaremos de apontar para uma mais adequada formulação de um tipo de crime realizado através dos TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação), como é cognominado em outros países.  

O ciberacosso, [[9]] como é crismado noutros países este tipo de criminalidade, configura-se descritivamente de forma mais consentânea com a conduta e o comportamento dos sujeitos intencionalmente vazados para este tipo de acção delitiva.

Assim, estatui o artigo 183 bis do Código Penal espanhol que: “Aquele que através de Internet, do telefone ou de qualquer outra tecnologia de informação e comunicação contacte com um menor de treze anos e proponha concertar um encontro com o mesmo a fim de cometer qualquer dos delitos contra menores descritos nos artículos 178 a 183 e 189, sempre que tal proposta se acompanhe de actos materiais encaminhados ao acercamento, será castigado com a pena de um a três anos de prisão ou multa de doze a vinte e quatro meses, sem prejuízo das penas correspondentes os delitos contra menores no caso cometidos.
Com um tipo de ilícito da feição do que acaba de se transcrever o legislador abarcaria um número e variedade de condutas que não está abrangido na normação penal vigente.

A factologia descrita é passível de ser ajustada à descrição contida na alínea b) do nº 3 do artigo 171º do Código Penal.
Ao arguido é igualmente imputada a autoria de dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 5, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pessoa de DD; e 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 6, do Código Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, por cedência de material pornográfico com menores de 14 anos a terceiros via partilha de ficheiros informáticos. [[10]]

Preceitua o artigo 176º, nº 1, que “quem: c) produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior”: [alínea b) “utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou aliciar para esse fim.”

Para integração da conduta do arguido no suposto de ilícito penal contido no artigo 176º (pornografia de menores) foi adquirida, em síntese, a sequente factualidade: (a) em Outubro de 2009, o arguido tendo assumido a identidade de um individuo do sexo masculino com a idade de 17 anos, manteve conversas com DD, nascida em gosto de 1995; (b) a pedido do arguido, a DD enviou-lhe várias fotos em roupa interior “exibindo a zona da vagina, peito e rabo”; (c) o arguido, em Fevereiro de 2010, enviou à DD fotos da zona da cintura de indivíduos em poses eróticas, com os dizeres “LINGERIE DE MACHO… enfim modernices”; (d) o arguido tinha armazenado no seu computador, depois de ter importado de diversos sítios “(,,,) vários ficheiros de foto e vídeo, que exibiam diversas fotografias, imagens e filmes pornográficas de menores com idades compreendidas entre os 9 e os 13 anos, o que fez a partir dos endereços de correio electrónico boyin_95@hotmail.com, kaiska@live.com.pt e fu.miga@hotmail.com, que apenas o próprio utilizava para enviar ou receber correio electrónico, assim como do software de partilha “emule”, utilizado pelo arguido para transferência de ficheiros”; (e) o arguido sabia que a DD, à data em que com ela contactou e em que lhe enviou as imagens referidas tinha idade inferior a 16 anos; (f) Do computador encontrado na casa do arguido constatou-se, assim, a presença no mesmo de vestígios de partilha navegação em sítios ("sites") de conteúdo pornográfico explícito de menores.

Manteve o arguido desde data não concretamente apurada e pelo menos até ao dia 29 de Novembro de 2010, sessões abertas de ficheiros de partilha “eMule”,o que permitiu a partilha de todos os conteúdos disponíveis nas suas pastas, entre os quais imagens e filmes de pornografia com menores.

 Nesse período o arguido partilhou através de programas de partilha de ficheiros o acesso por terceiras pessoas, e a partilha por estas, de diversas imagens e filmes de índole pornográfica, de conteúdo de índole sexual idêntico aos supra descritos.

Fê-lo, bem sabendo que as imagens pornográficas expunham menores, nomeadamente com idades inferiores a 14 anos, e que, por tal circunstância, estava proibida a sua cedência e detenção.”

O arguido tinha conhecimento do adverso que para o ordenamento jurídico constitui a importação de material contendo imagens e cenas explícitas de sexo entre menores de 14 anos, bem como a detenção de tais suportes informáticos e a sua partilha com terceiros. Tinha consciência de que toda a actividade conexionada com a importação, detenção e partilha de material fotográfico e fílmico em que se representem menores em cenas de sexo ou despojados de roupa é contrário ao ordenamento jurídico-penal por a lei proteger e indemnidade e liberdade sexual de pessoas com idade inferior a 16 anos.

O ilícito contido no artigo 176º do Código Penal que, de forma assarapolhada, pretende congraçar as situações descritas no artigo 2º da directiva 2011/92/EU e que já se encontravam enunciadas no artigo 2º do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos relativos à venda de crianças, prostituição e pornografia infantil e no artigo 1º da decisão-quadro 2004/68/JAI, tem como núcleo essencial de protecção do direito penal, ou seja, dos “elementos objectivos constitutivos da liberdade externa dos sujeitos de Direito, entendida como meio para a autonomia, determinados materialmente e reconhecidos penalmente (quer dizer, garantidos por meio da ameaça de pena); liberdade que de modo permanente e activo co-constituem através da praxis do mútuo reconhecimento” [[11]], a indemnidade [[12]] e protecção da sexualidade da criança. A criança, ou menor de 14 anos, é presumidamente incapaz de se determinar e de orientar de forma consciente a sal sexualidade. [[13]]

A criminalidade subterrânea e insidiosa que grassava contra os valores e interesses concernentes à infância ganhou foros de consciencialização internacional e tem vindo a obter foros, justos e adequados, de rechaço e repulsa humano-racional. Daí que os tribunais como órgãos formais de aplicação da lei e imposição dos sancionamentos (ius punendi) tenham vindo a espelhar a exasperação social que se surpreende, ressuma e ressalta da opinião pública. Alguns autores falam, face a esta exasperação cognitiva fenomenológica, de um panic clamors, que se traduz numa exaltação e descontrole das baias da racionalidade prudente e sensata com que o indivíduo, ainda que não podendo deixar de sofrer os efeitos da pressão “influenza” social, tem que saber dosear e morigerar os seus próprios impulsos e manifestações de excessividade censória e, por arrastamento, condenatória.   

Ninguém com uma sã e arrimada formação humana deixará de condenar as aberrações e abjecções em que se repercutem os comportamentos de pessoas que levam a cabo actos contra a integridade moral e sexual de seres que não estando em condições de reagir, de forma eficaz, veemente, categórica e segura, suportam no corpo e no intelecto as sevicias psicológicas e físicas deste tipo de pessoas, carregando para o resto da vida os traumas e frustrações que foram obrigadas a suportar. [[14]

A factualidade adquirida deixou vincado que o arguido, por meio de conversas “actuou sobre menores de 14 anos” tendo expresso ideias e vontades que traduzem uma influência negativa e potencialmente desviante de uma reserva de indemnidade e salvaguarda da sexualidade das menores que tiveram que escutar as expressões proferidas, pelos meios de comunicação tecnologicamente envidados.

Do mesmo passo, o arguido tinha importado de sites adrede, era detentor, partilhava e difundia através de meios tecnológicos imagens, impressas em filmes, em que se reproduziam cenas de sexo entre menores e suportes fotográficos em que eram representados menores desnudados e em posições sexualmente apelativas e exibicionistas.

A conduta do arguido não pode deixar de ser integrada, no primeiro caso, no que, de forma atabalhoada se pode definir como abuso sexual de menores, e no segundo segmento de factos, num crime de pornografia infantil.      

Definida a autoria dos tipo de ilícito imputados ao arguido operemos a censura punitiva que colhe ao caso.

II.B. – Consequências do Crime.

Depois de alguns prolegómenos acerca da finalidade, função e limite das penas, na doutrina, o acórdão justifica as penas concretas com que sancionou as condutas, com a sequente argumentação (sic): “Dito isto comecemos por analisar os oito crime de abuso sexual tendo presente que as condutas assumidas são em si idênticas não havendo razões para as diferenciar.

Na fixação da medida da pena consideraremos:

a) o grau de ilicitude que se mostra elevado não só pelo meios empregues que requererem alguma sofisticação mas especialmente pela preparação da personagem do agente para que o crime seja desenvolvido. O arguido fez-se passar por um jovem, de idade algo semelhante à das vítimas … apenas um pouco mais experiente. Criou esta personagem não só no seu endereço de e-mail com apelo a temas jovens (...) como na idade com que se apresenta – 18 anos;
b) O dolo: directo e intenso:

c) As fortes necessidades de prevenção geral. Na verdade, os crimes em causa causam um grande sentimento de repulsa na comunidade a par de alarme e repugnância social;

d) As fortes necessidades de prevenção especial. Na verdade, o arguido apresenta-se como alguém que apresenta um estilo de confrontação em que a emoção tende a perturbar o normal curso do pensamento, em que tem dificuldade em mediar a expressão das emoções em situação de maior exigência.  Aquele tem um estilo de funcionamento pragmático, orientado de forma externa e pouco genuíno na expressão dos afectos, havendo sentimentos precoces de vergonha que dificultam a adesão ao processo terapêutico. Revela pouca capacidade de mudar as vivências internas que estão associadas às necessidades de estimulação sexual que veio a preencher através da prática de ilícitos, sendo, pois, elevado o risco de reincidência.

e) Como atenuante a sua boa inserção laboral e familiar;

f) A ausência de antecedentes criminais;

g)A confissão, também como atenuante embora aqui haja que ter este factor cum granus sallis Efectivamente, “O arguido tem o direito ao silêncio, ou a contar a “sua verdade”, cuja invocação, em circunstância alguma, o pode prejudicar. Porém, o que está em causa não é a valoração de tal postura processual em sentido negativo, mas sim a valoração num sentido positivo, em termos de prevenção especial, da conduta contrária, ou seja, de uma assunção plena, e responsável, do acto ilícito cometido a qual inexiste no caso vertente. A negação injustificada da culpa não se encontra em consonância com uma afirmação de fidelidade ao direito.” (Ac. S.T.J. de 13.10.2010 in www.stj.pt) “Admitir ter praticado determinados factos pressupõe que estes foram trazidos relevantemente ao processo por outras vias, por outros meios de prova, e que o agente, perante a sua evidência e irrefutabilidade, acabou por aceitar. Confessar significa assumir a prática dos factos, antes ou independentemente da produção de quaisquer outros meios de prova. Por isso se fala na necessidade de a confissão dever ser espontânea para ter valor jurídico-penal” (Ac. S.T.J.de 29.04.2009, proc. 607/09, 3ª secção, in www.stj.pt). Ora, no caso destes autos o arguido admitiu, é certo, a plenitude dos factos mas estes factos, pela forma como foram executados, estavam provados. O arguido deixou no seu computador uma longa linha de prova que era irrefutável. De nada serviria negar.
O que o arguido negou, isso sim, foi a dimensão crítica dos estados de alma que possui. Negou a sua motivação. Negou que a sua pulsão seja uma constante e que seja uma constante que o mesmo se recusa a assumir e, consequentemente, a buscar tratamento e isto, sim, é de censurar.

Tudo visto e ponderado este Tribunal entende como correcta a pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes.

Uma vez que a punição permanece inalterada não há que aplicar o disposto no artº 2º nº 4 do Código Penal.

No que respeita ao crime de pornografia de menores agravado, traduzido no envio á menor DD de fotos de conteúdo pornográfico, crime este punido com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses, consideraremos (tendo presente o supra exposto):

a) O grau de ilicitude: mediano mas tendo presente o número de fotos envolvidas;

b) O dolo: directo e intenso;

c) Como atenuante a sua boa inserção laboral e familiar;

d) A ausência de antecedentes criminais;

e) A personalidade do arguido acentuando-se o perigo de reincidência;
f) A confissão com as limitações expostas.

Tudo visto temos por adequada a pena de 1 ano e 7 meses de prisão.

Contudo, não nos podemos ficar por aqui.

Na verdade, e como dissemos supra, nos termos do disposto no artº 2º nº 4 1ª parte do Código Penal “ Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; (…)”.

Ora, vistas as disposições legais vigentes á data dos factos e as vigentes actualmente, elas são idênticas, da mesma forma que são idênticos os pressupostos de determinação da pena concreta.

Assim, não há que encontrar as penas vigentes em ambos os regimes por serem idênticas.

Por fim, o arguido vem acusado da prática de um crime de pornografia de menores agravado.

Como tivemos ocasião de referir supra a agravação surge por via do disposto no artº 177º, nº 6 do Código Penal (versão vigente à data dos factos), pelo que a pena abstracta é de 1 ano e 6 meses a 7 anos e 6 meses de prisão.

Na fixação da medida pena consideraremos
a) O grau de ilicitude: elevado considerando o número de ficheiros em causa e a duração da conduta;
b) O dolo: directo e intenso, sendo de realçar que a conduta terminou não por acção do arguido mas sim por intervenção das autoridades;

c) Como atenuante a sua boa inserção laboral e familiar;

d) A ausência de antecedentes criminais;

e) A personalidade do arguido acentuando-se o perigo de reincidência;
f) A confissão com as limitações expostas.
g) As fortes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir. Neste particular salienta-se que a própria União Europeia clama aos seus Estados Membros uma cada mais firme resposta no combate ao flagelo da pornografia infantil. No preâmbulo da Directiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011 relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho (JCE de 17.11.2011) considerou-se que “A pornografia infantil inclui frequentemente a gravação de imagens de abuso sexual de crianças por adultos. Pode também incluir imagens de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens dos seus órgãos sexuais produzidas ou utilizadas para fins maioritariamente sexuais e exploradas com ou sem o conhecimento da criança. (…) A pornografia infantil, que consiste em imagens de abuso sexual de crianças e em outras formas particularmente graves de abuso sexual e exploração sexual de crianças, está a aumentar e a propagar-se mediante o recurso às novas tecnologias e à Internet. (…) Crimes graves, como a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, deverão ser tratados de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a protecção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno. O superior interesse da criança deve prevalecer sobre qualquer outra consideração quando se adoptam medidas para combater estes crimes, em conformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. (…) As formas graves de abuso sexual e de exploração sexual de crianças deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva. Incluem-se nelas, em especial, várias formas de abuso sexual e de exploração sexual facilitadas pelo recurso às tecnologias da informação e da comunicação, como o aliciamento de crianças por via electrónica para fins sexuais através de redes sociais na Internet e de «chat rooms».”

Tudo visto e ponderado, considerando o volume de material pornográfico e a sua disseminação por centenas de vezes, julgamos adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Aqui chegados cumpre proceder ao cúmulo jurídico entre as penas impostas.

Este cúmulo terá como limite mínimo a mais alta das penas singulares – 4 anos e 6 meses de prisão – e limite máximo a soma material das penas individualmente impostas – 18 anos e 1 mês de prisão.

Dispõe o artº 77º n.º 1 do Cód. Penal que “... na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Segundo a interpretação mais comum na jurisprudência, na esteira, aliás, de Figueiredo Dias, do que se trata é de avaliar unitariamente a personalidade do arguido em correlação com o conjunto dos factos, como se estes constituíssem um facto global, em ordem a saber se o agente revela uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou se a sua actuação delituosa é devida a factores ocasionais, no caso, a uma pluriocasionalidade. Nisso consiste o critério específico de determinação da pena conjunta e, portanto, aí residirá também o ponto nodal da fundamentação exigida no âmbito da determinação da pena do concurso de crimes, que se não confunde com a fundamentação exigida para a determinação concreta das penas singulares – fundamentação que, todavia, está presente na determinação da pena conjunta.

“De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial da pena)”, como observa Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime cit. p. 292/293).

A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu, por certo, traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo artº 40º do C.P., em matéria de fins das penas. Daí que essa orientação base, nos termos do entendimento largamente dominante, considere como fins da pena, só propósitos de prevenção (geral e especial). Ficando para a culpa uma função apenas garantística, de medida inultrapassável da medida da pena, para além de representar o fundamento ético de toda a punição penal. Essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta. Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.

Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.

Ora, no caso concreto temos por bem que os crimes ocorrerem todos eles no mesmo período temporal mas que o arguido não tem barreiras, quer pessoais, quer sociais, para fazer face à pulsão de cometer novos crimes. Respigamos do exame pericial à sua personalidade: “No conjunto da avaliação psicológica não há indicadores de limitação ao nível cognitivo, mostrando o arguido consciência dos valores morais e dos interditos sociojurídicos.

AA revela características de introversão no contacto interpessoal, procurando evitar estar em contextos de socialização, não obstante a sua área profissional ser de contacto frequente com o outro (vendas), manifesta maior interesse em estar sozinho, com a família nuclear ou utilizando o computador, quer em interacção com terceiros, quer em jogos de estratégia.
No que respeita aos factos de que vem indiciado e perante a análise realizada do seu discurso e vivências pessoais, familiares e profissionais, podemos verificar que aquele se sentia imune e seguro, ao abrigo do anonimato, que a possibilidade de se encontrar face a face com eventuais vítimas lhe é penoso e que este tipo de prática criminal lhe parecia até um certo ponto de vista legítimo ou inócuo, por não haver efectivo contacto ou por não conhecer as pessoas. São negadas práticas masturbatórias nestes contextos, por alegada falta de erecção.
De referir que o recurso a perfis falsos e a manutenção das conversações surgem numa postura de alguma imaturidade e de passagem ao acto/impulsividade, em que aquele se sentia “a viver uma vida diferente da sua”, situação não aceite e contestada pelo mesmo.
Aquele afirma que só tem fantasias e uma construção da Erótica associada a adultos, em experiências sexuais de mútuo consentimento e sempre do sexo feminino.

AA manifesta dificuldade de, em situação de confrontação, lidar com a exigência emocional e produzir respostas ajustadas – evita o conflito e tem dificuldade em lidar com a frustração

Sendo por vezes imaturo experimentando ansiedade e desconforto na interacção, procurando relacionamentos de dependência do outro (pares ou ascendentes), para tomar/validar decisões pessoais, familiares e laborais, demitindo-se de posturas de maior autonomização e iniciativa.

Aquele parece ter ideias persistentes incomodativas e embora procure evitar a expressão violenta das emoções, sente com frequência a invasão dessas emoções, no processo de tradução e mediação dos pensamentos, acarretando para o próprio experiências de descontrolo e de negativismo, procurando a introspecção, mas resistindo à autocrítica e tendo dificuldades em se apreciar, ou se sentir confortável, quando tem de mudar comportamentos face à noção do erro

(…) Embora o arguido verbalize e descreva, experiências sexuais, em que parece que há adequada relação entre o estímulo, experiência vivida e a satisfação sentida, estes relatos surgem como uma idealização, face às vivências pessoais sentidas como pouco gratificantes, desajustadas e até perturbadoras

Ao nível da personalidade, AA apresenta um estilo de confrontação em que a emoção tende a perturbar o normal curso do pensamento, em que tem dificuldade em mediar a expressão das emoções em situação de maior exigência;

 Aquele tem um estilo de funcionamento pragmático, orientado de forma externa e pouco genuíno na expressão dos afectos, havendo sentimentos precoces de vergonha que dificultam a adesão ao processo terapêutico.

Revela pouca capacidade de mudar as vivências internas que estão associadas às necessidades de estimulação sexual que veio a preencher através da prática de ilícitos.”

Dito isto, considerando a pouca ressonância afectiva demonstrada, a alta probabilidade de reincidência mas não descurando uma admissão, ainda que acrítica, dos factos (de realçar que o arguido nem sequer ao seu médico referiu a verdadeira dimensão dos factos), entendemos como adequada a pena final e única de 8 anos de prisão.”
A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» [[15]].Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade à norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral». A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica, enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente.
As defraudações na vigência das normas manifestadas pela conduta reiterada de um sujeito devem conferir ao órgão formal de controle a possibilidade de criar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente devendo, portanto, reflectir na escolha da pena o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado.

A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação do cometer o crime. O princípio da culpabilidade, ou a densificação da materialidade volitiva posta na execução de uma conduta, na medida em que tal possa ser mensurável, há-de, segundo o artigo 40º do código vigente, conferir a medida da pena.

Ainda para este autor que se inere naquela que foi crismada como corrente sociológico-normativa ou jurídico-funcional a pena deve funcionar “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[16]]. Günther Jakobs, epígono desta corrente, refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que norma deve ser cumprida e tem que ser defendida; e que a reacção demonstrativa deverá sempre ter lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualqier bien)” [[17]] (tradução nossa).

Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que le corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. 

La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el  reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59.

Para outra corrente as penas devem actuar como factores dissuasores do cometimento de futuras infracções.

Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabíIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxtn_llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62).

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. [[18]]

Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de supponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social.

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo–ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[19]]

Para este Professor, Taipa de carvalho, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[20]] “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. [[21]]

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» [[22]].

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra.

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. [[23]]
Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura. – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). [[24]]
Nos termos do art. 71º, nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [[25]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[26]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. [[27]]

Para a determinação da medida concreta da pena, ou numa terminologia, quiçá, mais apropriada, individualização judicial da pena, torna-se necessário encontrar o ponto de equilíbrio da relação entre injusto e culpabilidade na I.J.P. (individualização judicial da pena) e que consistirá, “como diz Burns, em que aquele é um prius lógico desta, que recebe o seu conteúdo, segundo a concepção do autor, e do injusto; sendo ambos susceptíveis de graduação. Por sua vez a medida da pena não se vê influenciada pelo injusto e pela culpabilidade como categorias isoladas e separáveis, mas antes pelo injusto culpável” [[28]]. Por seu turno, para Claus Roxin [[29]] “a pena é, pois, a reacção necessária desde o ponto de vista preventivo a um comportamento que, apesar de que o seu autor possui “ a capacidade de reagir frente às exigências normativas”, infringe a norma penal…”. Prosseguindo perora este egrégio Mestre que “a pena adequada á culpabilidade (…) é, antes de tudo, um instrumento de prevenção geral: a paz jurídica e a vigência das normas asseguram-se, na opinião do legislador, do melhor modo, fazendo da culpabilidade do autor “fundamento da determinação da pena”, já que uma proporcionalidade sentida como justa entre culpabilidade e pena proporciona à condenação a possibilidade de um consenso na comunidade jurídica e assegura a autoridade, que é sumamente útil para a manutenção do ordenamento jurídico”. [[30]]

A culpabilidade do agente e o desvalor do injusto cometido são, pois, os densímetros que hão-de permitir a calibragem da individualização judicial da pena.

Ainda nesta temática a questão da individualização judicial da pena, não se confunde com o conceito de “determinação legal da pena”, atinando com problemas da dogmática jurídico-penal como sejam o fundamento, significado [[31]], legitimação[[32]], limitação, função e fins das penas.  Ainda que com divertidas matizes e, sem curarmos de sermos exaustivos quanto às teorias, que desde o século passado se vêm debruçando sobre esta problemática, desde as teorias retributivas, radicadas na filosofia kantiana e de Hegel ou a retribuição divina que vão desde S. Tomas a Sthal, passando pelas teorias da prevenção especial, de Fuerbach, até às mais actuais, e actuantes, teorias da prevenção geral, nas suas vertentes negativa e positiva [[33]], e nesta, ainda nos diversos modelos em que se vem enformando esta corrente da dogmática jurídico-penal, que têm como epígonos Hellmuth Mayer com a denominada “força configuradora dos costumes”, Claus Roxin com a denominada “prevenção da integração” até chegar ao entendimento  sociológico-jurídico-normativo de Günther Jakobs, para só falar dos mais significativos, poder-se-ia definir a pena “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[34]]. Também Günther Jakobs refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que há-de observar-se a norma; e que a reacção demonstrativa sempre tem lugar á custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualqier bien)” [[35]] (tradução nossa). (As teorias da retribuição têm vindo a assumir um papel crescente na moderna teoria das penas, com o incremento na Alemanha, através de uma variante, a teoria da proporcionalidade pelo facto ou da pena proporcional ao facto, devido à “decepção e consequente desconfiança perante o sistema de prevenção especial baseado na ressocialização do delinquente constatado em distintos países como a Holanda, Suécia, Noruega e Estados Unidos conduziu a que se repristinasse o sistema neoclássico o que significava volver “a uma estrita vinculação com os princípios liberais clássicos (vinculados tradicionalmente à teoria da prevenção geral) de previsibilidade, segurança jurídica e estrita proporcionalidade que a ideologia da ressocialização tinha interdito.” [[36]]

Uma das epígonas da teoria do neoproporcionalismo é Hörnle, que “estabelece uma orientação da determinação da pena à teoria do delito ou ao injusto culpável, considerando que a determinação da pena se deve fazer depender somente da gravidade do facto, quer dizer, da dimensão do desvalor do facto. O decisivo, pois, passa por identificar os factores que em casos concretos permitem realizar adequadamente o desvalor do facto delitivo. Como assinala a autora, a orientação ao sistema do delito a) facilita teoricamente a fundamentação de porquê um determinado factor de determinação da pena deve ser introduzido no catálogo dos dados a tomar em consideração, b) permite a normativização dos factores de determinação da pena e, c) para além disso, ajuda a aproveitar o grau de desenvolvimento que haja alcançado a teoria jurídica do delito.”  

Deficiência doutrinal é que a teoria desenvolvida exaspera de forma excessiva a produção do resultado típico ou a medida do desvalor do resultado em detrimento, por um lado, dos elementos expressivos ou comunicativos do injusto (do facto) que ela assume como ponto de partida e, por outro lado, dos elementos que tem a ver com a culpabilidade. O problema desta teoria é que praticamente identifica gravidade ou desvalor do facto com gravidade ou desvalor do resultado”) [[37]]

Consignada a pena nos preditos moldes, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[38]]

Para Claus Roxin, op. loc.cit., pag. 185, concluindo as suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização.

Já para Winfried Hassemer, in op. loc. cit.,pag.127, “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[39]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe («se le imputa») que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia («pone de manifesto») que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. [[40]]

Na doutrina espanhola, Jesús-Maria Silva Sánchez, na esteira de Hörnle (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003) a individualização da pena pressupõe as seguintes premissas.

Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como reposta preconstituida para um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal,  culpável e punível, no qual se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade de aquela pena-marco. Em segundo lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que assinalariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida da pena. O que reitera o já expresso de forma concisa: a única politica criminal que deve realizar o juiz é a que discorre por um curso das categorias dogmáticas. (…) No entanto, o facto de que a única politica criminal que o juiz deva realizar seja a que decorre pelo curso das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruídas no conchavo (“en clave”) politico-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao direito penal. A teoria do delito configurar-se-á assim como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim e o não dos tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade politico-criminal de pena.” (a tradução é da nossa lavra) [[41]]          

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[42]]

Para o Professor Manuel Costa Andrade [[43]], o Código Penal Português assumiu um novo paradigma que comporta princípios axiomáticos devidamente estabilizados na doutrina alemã e portuguesa, através de Claus Roxin e Figueiredo Dias, e de que se planteiam como proposições fundamentais: “1º - o direito penal só deve intervir para assegurar a protecção, necessária e eficaz, dos bens jurídicos fundamentais; 2º - a ameaça, aplicação e execução da pena só pode ter como finalidade a reafirmação e estabilização contrafáctica da validade das normas, o estabelecimento da paz jurídica e da confiança nas normas assim como a ressocialização do condenado; 3º - a culpabilidade deve, em todo o caso, subsistir como pressuposto irrenunciável e como limite infranqueável da pena” (tradução nossa).

Ainda que não totalmente de acordo com a proposição inscrita no ponto terceiro, por entendermos que o fim das penas deve assumir-se como factor de prevenção geral, numa perspectiva ético-social e funcional (ainda que com esta posição nos expúnhamos a ser acoimados de instrumentalizar o direito penal, retirando-lhe a dimensão ético-axiológica), deixando de lado um factor aleatório e vincadamente subjectivo como se revela ser a inferência fáctico-jurídica da culpa, não deixamos de considerar que o novo paradigma incutiu uma nova forma de enfrentar a problemática da individualização judicial das penas.

Da posição que defendemos para a necessidade de imposição de uma sanção penal releva, como condição de uma imposição de uma punição, para além do desvalor objectivo-social da conduta, a necessidade de repor a confiança da sociedade na violação da norma que impõe um determinado proceder técnico-instrumental e redefinir um comportamento ético-socialmente desviado e que se apresenta como socialmente desmotivador da eficácia sancionatória do sistema jurídico-penal.
«A pena é sempre reacção ante a infracção de uma norma. Mediante a reacção “siempre se pone de manifesto” que há-de observar-se a norma. E a reacção demonstrativa sempre tem lugar á custa do responsável por haver infringido a norma »[[44]] […] «a missão da pena é a manutenção da norma como modelo de orientação para os contactos sociais. O conteúdo da pena é uma réplica, que tem lugar à custa do infractor, frente ao questionamento da norma». [[45]]
Ainda que assim, no plano teorético , o facto é que regime vigente consagrou, a partir da revisão de 1995, uma concepção preventivo-ética da pena ou um sistema de prevenção geral positiva ou de integração. «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade» e no nº 2 estabelece que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». 
A legitimidade ético-jurídica da pena está na necessidade de prevenção de futuros crimes [[46]], que se poderá traduzir numa dupla vertente ou exigência, por um lado a posição do agente infractor, e por outro na defesa da própria comunidade. Mediante a prevenção geral positiva ou de integração a pena interpela a sociedade e cada dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente, «a pena serve função positiva de interiorização ou aprofundamento dessa interiorização dos bens jurídico-penais», realizando uma outra dimensão, ou objectivo qual seja o da pacificação social ou «por outras palavras, [o] restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade da efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual» [[47]]. 

Ainda que com matizes motivadoras diversas, a jurisprudência tem vindo a afirmar a necessidade de afirmar e vincar a perspectiva da prevenção especial, como nos parece depreender-se do que ficou doutrinado no recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2016, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral.

“(…) a propósito, escrevemos noutras decisões, em situações similares deste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010) em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa). Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa. 

Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará, assim, da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena

A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. 

A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo.  

A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial 

O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime. 

Dentro dos motivos do facto criminoso distingue-se entre estímulos externos e os motivos internos. Em qualquer dos grupos interessa para a individualização da pena constatar o grau de força do motivo e indagar o seu valor ético. Também os objectivos perseguidos pelo agente devem ser examinadas no que respeita á sua qualidade ética. 

Não deve equiparar-se a atitude interna do agente com o seu carácter, mas deve entender-se como um posicionamento actual referido ao delito concreto o que corresponde á formação da vontade na execução daquele. Também a atitude interna do arguido deve ser valorada conforme as normas da ética social (v.g. posição de indiferença face ao bem jurídico protegido, escassa reprobabilidade do facto por circunstancias externas, predisposição neurótica, erro de proibição, situação passional inevitável ou transtorno mental agudo. 

Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. Aqui, deve considerar-se em primeiro lugar as condições pessoais e económicas do agente. Sem dúvida que estas circunstâncias devem ser objecto de um tratamento cuidadoso, porque em nenhum outro sector se manifesta como aqui a individualização da pena. Assim dentro das condições pessoais jogam um papel, só determinável caso por caso, a origem e a educação, o estado familiar, a saúde física e mental, a posição profissional e social, as circunstâncias concernentes ao modo de vida e a sensibilidade do agente face á pena. 

Pertencem, além do mais, á personalidade do agente a medida e classe da necessidade de ressocialização do agente assim como a questão de saber se existe tal necessidade. Assim, a educação; a formação escolar; a profissão; as relações sociais; o estado de saúde; a inteligência; o posto de trabalho; os encargos económicos podem fazer com que os efeitos da pena apareçam a uma luz totalmente distinta. Em particular a escolha entre pena privativa de liberdade e multa; a duração daquela a selecção de tarefas e regras de conduta dependem das considerações acerca da forma como o processo sancionador completo, incluída a eventual execução de uma pena privativa de liberdade, se repercutirá no agente, na sua posição profissional e social, e no fortalecimento do seu carácter com vista á prevenção de futuros delitos.” [[48]]
Qualquer pena deve exprimir uma equação de equilíbrio e proporcionalidade [[49]] entre a culpabilidade que ressuma da actuação ilícita e adversa a uma conduta social arrimada a valores (prevalentes) da sociedade.
Na determinação e valoração da conduta antijurídica do autor, e ainda no ensinamento inerido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 2015, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, vinca-se que: “Como ensina Figueiredo Dias , no que vem sendo seguido, sem divergências, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Cfr., dos mais recentes, os Acórdãos de 29.03.2012, Pº nº 316/07.5GBSTS.S1-3ª; de 26.04.2012, Pº nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; de 21.06.2012, Pº nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; de 05.07.2012, Pºs nºs 246/11.6SAGRD.S1 e 145/06.SPBBRG.S1; de 15.11.2012, Pº Nº 178/09.8PQPRT-A.P1.S1,de 14.03.2013, Pº nº 287/12.6TCLSB, de 30.04.2013, Pº nº 11/09.0GASTS.S1, de 13.05.2013, Pº nº 392/10.3PCCBR.C2.S1, de 06.03.2014, Pº nº 352/10.4PGOER.S1 e de 10.09.2014, Pº nº 232/10.4SMPRT.P1.S1, todos da 3ª Secção), o conjunto dos factos praticados indica-nos a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Relevo especial na operação terá ainda o juízo sobre o efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Ensina o mesmo Autor que os factores que intervieram na determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra, ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo, naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares, mas ao conjunto deles, porque, então, «não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração».            
Ora, nos termos do artº 40º, nº 1, do CPenal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 
À culpa está reservado o papel de limite intransponível da medida da pena. Com efeito, como aí se diz, a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 71º que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o número seguinte manda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias – que enumera de forma exemplificativa nas suas diversas alíneas – que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele: os “factores de medida da pena”, como lhes chama Figueiredo Dias, os quais hão-de relevar naturalmente para efeitos da culpa e/ou da prevenção.
Em síntese, continuando a seguir os ensinamentos do Mestre de quem a doutrina daqueles preceitos legais é tributária, «(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais», sendo estas que vão determinar, em última instância, a medida da pena.
A medida da pena é, assim, à luz do direito vigente, função da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada, a determinar em consonância com as circunstâncias do caso concreto, em face do modo de execução do crime, da motivação do agente, das consequências da sua conduta, etc.
Por outro lado, do mesmo modo que o Estado usa do seu ius puniendi, também tem o dever de oferecer ao condenado o mínimo de condições para prevenir a reincidência, como desde logo impõe o artº 2º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 15 de Outubro, nisso se traduzindo essencialmente as razões de prevenção especial (de socialização). Como nota Taipa de Carvalho[4], «a função da ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, … mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (…) para a possibilitação da realização pessoal de todos e cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência».
Não pode, no entanto, escamotear-se, dentro das razões de prevenção especial, a função de dissuasão ou intimidação do delinquente (prevenção especial negativa) que, segundo o mesmo Autor, em nada é incompatível com a função de ressocialização, porque se trata, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja de não reincidir» (cfr., entre outros, os Acórdãos de 26.02 e de 10.09.2014, Pºs nºs 732/11.8GBSSB.L1.S1 e 232/10.4SMPRT.P1.S1, por nós subscritos).”[[50]/[51]
Sem pretendermos percorrer os itens em que se desdobra a composição/formação do juízo determinativo concreto da pena, não podemos deixar de considerar que convirá, ainda que traços largos, ter presentes os indicadores na hora de compor o complexo e factores que intervêm, ainda que de forma não totalmente explicita e especificada, quando se trata de discorrer sobre a agregação de elementos, objectivos e subjectivos, ponderáveis para imposição de uma sanção penal.
Como se deixou aflorado supra, os crimes contra a indemnidade e desenvolvimento liberto e incontrito da sexualidade de uma criança obtiveram, justamente, a atenção do legislador, por “influenza” da opinião pública e do estupor social que provocam as situações de tráfico de menores, da utilização de menores para o tráfico de órgãos, da utilização de menores nos conflitos armados, da exploração sexual de menores, da exploração de menores em trabalho escravo, bem como dos abusos sexuais e exploração de imagens de menores para fins sexuais.
Decorre do enaltecimento que lograram que a carga antijurídica e socialmente censurável e reprovável tem de ser considerada elevada para efeitos da conformação dum indivíduo com o Direito e a regra social cominadora. A infracção do comando acrisolado na norma deve, por isso, ser tida como de elevada censurabilidade pelo desvalor social que transmite e encerra. Por outro lado a norma que previne a acção contrária ao Direito prefigura-se como de elevada necessidade para a obstar a causação de alarme social.
Temos assim que, no que se refere ao crime de abuso sexual, as exigências de confirmação da vigência da norma são elevadas, no plano ético-social.
No caso concreto, as exigências de reposição da confiança na norma violada, revelam-se de média intensidade.
Recenseando os factos mais salientes: (a) o arguido é um individuo que, à data dos factos, tinha mais de cinquenta (anos); (b) fazia-se passar por um uma pessoa jovem para convencer as interlocutoras a manterem com ele conversas, via meio tecnológico; (c) manteve conversas de conotação sexual com as menores, assumindo uma identidade que não era a sua e por saber, ou pelo ter prefigurada a possibilidade, de por essa forma aliciar as menores a manterem uma desinibição e naturalidade que de outra forma não teriam expressado; (d) logrou embair, pelo menos um das interlocutoras, e convencê-la a desnudar-se e enviar-lhe fotografias sem roupa.                      
O arguido não passou deste actos, que embora graves e soezes, no plano da desvinculação com a sanidade intelectual-social, não terão tido outras consequências nas menores que não fossem um sentimento de vergonha e constrangimento por terem acedido a manter as conversas que mantiveram e, no caso mais grave, de conjecturar que imagens suas sem roupa poderiam ser utilizadas e postadas nas redes sociais com os associados sentimentos de vergonha e constrangimento pessoal-social.
Ainda assim, pensamos, as penas impostas ao arguido por este tipo de crime e entendendo que se estará, a nível da representação subjectiva do autor, num plano médio, demasiado pesadas.
Este tribunal já teve ocasião de se debruçar sobre a determinação concreta de penas por este tipo de ilícito mas em situações em que ocorreu contacto entre o arguido e a menor, tendo a pena concreta imposta rondado os dois anos de prisão.
No caso concreto o arguido não ultrapassou a barreira das conversas e da verbalização de expressões sexualmente explicitas mas sem consequências outras que não fossem a lesividade dos sentimentos de pudor e de reserva de contenção e educação no proferimento das expressões. Concorda-se que são expressões alusivas, conotativas e referentes a práticas sexuais conducentes a uma intenção de incitamento e excitação sexual incompatível com a probidade e idoneidade ontológica de um menor. No entanto, o arguido não ultrapassou a barreira da conversação propondo, por exemplo, encontros com as menores ou formulando-lhe propostas concretas para concretização de relacionamento sexual.
Assim, atendendo a que o arguido nunca avançou para além das conversas alusivas a actividade e incitamento sexual e pedidos de fotografias de desnudamento corporal – que obteve – afigura-se-nos que a pena adequada não deverá ultrapassar o um (1) ano de prisão por cada um dos crimes por que o arguido foi condenado.
Do mesmo passo, a pena imposta pelo crime de pornografia de menor, se nos afigura excessiva.
Reafirma-se o que já anteriormente vincamos quanto à necessidade de contrariar a vulneração da dignidade dos menores e a preservação da sua integridade sexual exigindo para os malversores uma punição exemplar.

O arguido detinha em seu poder um copioso depósito de fitas em que se reproduziam cenas com menores, bem como fotografias representando menores entre os 9 e 13 anos de idade, tendo mantido “(…)desde data não concretamente apurada e pelo menos até ao dia 29 de Novembro de 2010, sessões abertas de ficheiros de partilha “eMule”,o que permitiu a partilha de todos os conteúdos disponíveis nas suas pastas, entre os quais imagens e filmes de pornografia com menores.

 Nesse período o arguido partilhou através de programas de partilha de ficheiros o acesso por terceiras pessoas, e a partilha por estas, de diversas imagens e filmes de índole pornográfica, de conteúdo de índole sexual idêntico aos supra descritos.
A conduta do arguido é altamente censurável e evidencia uma personalidade desconformada com os padrões vigentes e estáveis do Direito, pelo que deve ser sancionado com pena de prisão.
O crime de pornografa de menores é abstractamente punido, na sua moldura essencial, com pena que medeia entre 1 e cinco anos de prisão, sendo agravadas nos seus mínimo e máximo em metade – cfr. artigo 176º, nº 1, alínea c) e nº 5 do artigo 177º, ambos do Código na versão imposta pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro.
Vale por dizer que a moldura penal abstractamente considerada deve ser estipulada entre um (1) ano e seis (6) meses e sete (7) anos e seis (6) meses.
A decisão deixa transparecer que o arguido embora mantendo a possibilidade de acesso por banda de terceiros aos conteúdos de pornografia infantil que detinha no seu computador era, basicamente, um consumidor, o que não diminuindo a sua responsabilidade ético-social e a contravenção com a necessidade de orientar a sua conduta segundo as regras plasmadas na normação adrede, é passível de colocar a intensidade subjectiva num plano médio.
Daí que propendamos para a imposição ao arguido de uma pena que se situe nos três (3) anos e seis (6) meses.
A distância temporal decorrida entre a prática dos factos – os mesmos foram praticados entre agosto de 2009 e Novembro de 2010 – ,a intensidade média com os mesmos foram consumados, o facto de o arguido neste momento se encontrar a ser acompanhado por elementos tecnicamente apropriados, estar inserido numa família que o esteia e ampara, como se depreende do relatório social que consta da factualidade adquirida leva a se possa fazer uma prognose favorável quanto uma inibição e interdição pessoal do arguido para o cometimento de novas atitudes defraudadoras das proibições legais, nomeadamente deste tipo de crimes.

Na verdade, consta da factualidade adquirida que (sic): “O arguido recorreu a consulta de psiquiatria, e desde há 5 anos que está a ser acompanhado pelo psiquiatra ..., na Casa Saúde ....

As consultas têm-se mantido regulares mas nas mesmas o arguido não referiu os factos que aqui estão em causa antes direccionando as mesmas para o tratamento de eventuais sequelas dos episódios de abuso sofridos em tenra idade e no seu relacionamento sexual com a esposa.

Ainda assim, haverá indicadores de perturbação da personalidade, em tratamento, através de consultas psicoterapêuticas.

AA revela adesão a estas consultas, verbalizando que só agora consegue falar das problemáticas sexuais, que embora não constituíssem para si um problema, eram por vezes um constrangimento (episódios de abuso, falta de erecção, ausência últimos anos de actividade sexual) e motivo de embaraço e vergonha.

O arguido manifesta sentimentos de embraraço, receio, tristeza, desapontamento e arrependimento. Receia confrontar-se com as eventuais vítimas.

No desenvolvimento da sua sexualidade, a informação que obteve foi essencialmente de forma informal através do grupo de pares, e actualmente embora seja uma área “adormecida”, não se constituiu para si como um problema. Há aspectos contraditórios nas vivências pessoais e conjugais do arguido que remetem para a presença de angústias que perturbam uma vivência gratificante e mais responsável da sua sexualidade, persistindo factores de risco psíquicos e comportamentais.

No conjunto da avaliação psicológica não há indicadores de limitação ao nível cognitivo, mostrando o arguido consciência dos valores morais e dos interditos sociojurídicos.

AA revela características de introversão no contacto interpessoal, procurando evitar estar em contextos de socialização, não obstante a sua área profissional ser de contacto frequente com o outro (vendas), manifesta maior interesse em estar sozinho, com a família nuclear ou utilizando o computador, quer em interacção com terceiros, quer em jogos de estratégia.
No que respeita aos factos de que vem indiciado e perante a análise realizada do seu discurso e vivências pessoais, familiares e profissionais, podemos verificar que aquele se sentia imune e seguro, ao abrigo do anonimato, que a possibilidade de se encontrar face a face com eventuais vítimas lhe é penoso e que este tipo de prática criminal lhe parecia até um certo ponto de vista legítimo ou inócuo, por não haver efectivo contacto ou por não conhecer as pessoas. São negadas práticas masturbatórias nestes contextos, por alegada falta de erecção.
De referir que o recurso a perfis falsos e a manutenção das conversações surgem numa postura de alguma imaturidade e de passagem ao acto/impulsividade, em que aquele se sentia “a viver uma vida diferente da sua”, situação não aceite e contestada pelo mesmo.
Aquele afirma que só tem fantasias e uma construção da Erótica associada a adultos, em experiências sexuais de mútuo consentimento e sempre do sexo feminino.

AA manifesta dificuldade de em situação de confrontação, lidar com a exigência emocional e produzir respostas ajustadas – evita o conflito e tem dificuldade em lidar com a frustração

Sendo por vezes imaturo experimentando ansiedade e desconforto na interacção, procurando relacionamentos de dependência do outro (pares ou ascendentes), para tomar/validar decisões pessoais, familiares e laborais, demitindo-se de posturas de maior autonomização e iniciativa.

Aquele parece ter ideias persistentes incomodativas e embora procure evitar a expressão violenta das emoções, sente com frequência a invasão dessas emoções, no processo de tradução e mediação dos pensamentos, acarretando para o próprio experiências de descontrolo e de negativismo, procurando a introspecção, mas resistindo à autocrítica e tendo dificuldades em se apreciar, ou se sentir confortável, quando tem de mudar comportamentos face à noção do erro

Analisada a presença de humor depressivo, este não é consubstanciado, havendo a reportar mais uma experiência de ansiedade situacional/reactiva, do que um desajustamento do humor, com correspondência ao nível da ideação e da depressão.

A vivência da sexualidade de AA surge pouco gratificante, pouco esclarecida e pouco vivida, havendo a valorizar com 4 tipos de experiências:

- situação precoce de  abuso e do início adolescência, concretamente 1.ª relação coital com prostituta aos 15 anos (potenciadoras de angústias de agressão e crenças de desconfiança e abuso).

- relacionamento conjugal com esposa, em solteiro e em casado, com experiências matrimoniais impotência, estas  geradoras  conflito conjugal (angústias de fracasso e de abandono);

- e experiências relacionadas com os factos (crenças  de impunidade, anonimato, despersonalização, minimização do dano, alteração do desejo sexual e transtorno da relação sexual).

Embora o arguido verbalize e descreva, experiências sexuais, em que parece que há adequada relação entre o estímulo, experiência vivida e a satisfação sentida, estes relatos surgem como uma idealização, face às vivências pessoais sentidas como pouco gratificantes, desajustadas e até perturbadoras

Ao nível da personalidade, AAs apresenta um estilo de confrontação em que a emoção tende a perturbar o normal curso do pensamento, em que tem dificuldade em mediar a expressão das emoções em situação de maior exigência;

 Aquele tem um estilo de funcionamento pragmático, orientado de forma externa e pouco genuíno na expressão dos afectos, havendo sentimentos precoces de vergonha que dificultam a adesão ao processo terapêutico.

Revela pouca capacidade de mudar as vivências internas que estão associadas às necessidades de estimulação sexual que veio a preencher através da prática de ilícitos.”
A propósito da razoabilidade da suspensão da pena neste tipo de criminalidade escreveu-se no já citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Novembro de 2014, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que (sic): “Suspensão da execução da pena.
No que concerne parecem-nos particularmente ajustadas as considerações que se teceram no processo 3926/06-03 .Referiu-se ali
Uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, e com que se debate a decisão, é o critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição. O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena - o da medida concreta da pena de prisão -, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção-e esse é o da prevenção especial- deve estar na base da escolha da penal pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de agora de prevenção geral, no seu grau mínimo - o único que (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos prevenção especial.
Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente. Conforme refere Figueiredo Dias “afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena de neste âmbito, comportam mutuamente, substituição, resta determinar como se as exigências de prevenção geral e de prevenção especial"
É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida, considera o mesmo Mestre, não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo todo o movimento de luta elas que justificam, em perspectiva político-criminal, contra a pena de prisão. E prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
-o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v,g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
Por seu turno a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação ás exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral-isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável  
A aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Na verdade, a utilização de reacções não institucionais foi muitas vezes apontada um enfraquecimento da ideia de repressão que se alia á pena: dir-se-ia que a realização das finalidades de prevenção geral e a expressão do castigo pelo crime cometido que se pretendeu realizar através da pena entrariam, com elas, em crise. Ora, é hoje unanimemente conhecido que qualquer das formas de substituição de da pena clássica de prisão não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo, nesse sentido, uma verdadeira pena. O que se quer assim significar é que as exigências de exteriorização física da reprovação pelo crime cometido impõem, em certos casos, ao menos por agora, se lance mão da pena de prisão. 
Mas, sempre que a ideia do «merecido» deixe de impor, aos olhos da sociedade, a aplicação dessa de pena, qualquer indicação nesse sentido fornecida pelo legislador deve ser seguida, sem hesitações, pelo juiz. E não será descabido afirmar que isto cada vez mais se vai tomando numa realidade. A uma certa exteriorização do mal da pena sempre correspondeu um grau de afinamento da sensibilidade da comunidade jurídica, o que pode explicar que a evolução da encarnação do mal das penas tenha culminado- aparentemente- na prisão. Ora a sensibilidade da comunidade numa sociedade em evolução, em que cada vez mais qualquer intromissão na esfera privada do cidadão, por mais ínfima que seja, é sentida como insuportável, satisfaz-se hoje, plenamente, em certos casos, com formas de pena que não implicam prisão no sentido clássico.
O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesses sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele. Só quando a realização desta finalidade seja posta em perigo, no caso, concreto, por esta forma de exprimir a reprovação do crime- o que nenhum ordenamento jurídico se pode permitir sob pena de ver a sua própria sobrevivência ameaçada - se pode aceitar que se afaste a aplicação de uma pena de substituição. 
É exactamente esse delicado equilíbrio entre os limites propostos pelos fins das penas que terá de ser resolvida a questão proposta no caso vertente. E, desde logo, deve-se prevenir para uma difícil conjugação entre a aplicação de uma pena de prisão, com o juízo positivo sobre a suficiência da advertência contida na suspensão da execução, e as exigências contidas na prevenção a nível geral.
Pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao arguido recorrente será a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável. Por outras palavras será necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada são suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal conclusão terá de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma BB na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
Significa o exposto que, numa lógica que, a nosso ver, necessariamente se reflecte no nosso ordenamento jurídico-penal, o peso das exigências de prevenção geral deve aumentar em paralelo com a gravidade da pena privativa de liberdade. As considerações sobre a função da pena na prevenção da prática do crime, inibindo futuros infractores, ou, numa linguagem mais gongórica, a manutenção da fidelidade ao direito por parte da população, assumem um importância acrescida perante crimes que reflectem um patamar já elevado de culpa e ilicitude. Como diz Jeschek é uma questão de confiança da população na Administração da Justiça ou reprovação da comunidade perante a tolerância injustificada pelas circunstâncias do caso concreto na não execução da pena de prisão. A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade.
A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena seis de seis meses ou uma pena de quatro anos de prisão.
No caso concreto o arguido tem um percurso de vida pautado pela normalidade na sua assunção de deveres para com a comunidade e para com a família. Não tem passado criminal e confessou parcialmente os factos ocorridos tal como consta da decisão recorrida.
Não obstante a gravidade que, em abstracto, reveste este tipo de actos para o comum dos cidadãos o certo é que a ponderação da gravidade dos factos praticados conjugada com a  personalidade do arguido permitem dar o necessário realce ao juízo de prognose positivo.
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 50 do Código Penal se suspende a execução da pena aplica pelo período de cinco anos.” [[52]]             
Afigura-se-nos, à luz do que deixamos dito, que os pressupostos da prevenção e do desvalor social das acções praticadas pelo arguido impõe que lhes seja imposta uma sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, ou seja uma pena de prisão que deverá ser suspensa na sua execução. A suspensão da pena assume-se como uma verdadeira pena de substituição [[53]] com uma natureza e um alcance jurídico-pragmático completamente diverso das penas privativas de liberdade. Nos pressupostos materiais apontados [[54]] para a opção por esta pena de substituição elencam-se a prognose favorável relativamente ao comportamento do agente e fins de politica criminal [[55]/[56]].

III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a) – Conceder a revista e consequentemente:

a)1. – Condenar o arguido por cada um dos crimes de abuso sexual de menores na pena de um (1) ano de prisão;

b)2. – Manter a pena de um (1) ano e sete (7) meses pela prática de um (1) crime de pornografia de menores (artigos 176º, nº 1, al. c) 177º, nº 5, e alterar a pena imposta ao arguido pela prática de um crime de pornografia de menores p. p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea c) e 177º, nº 6 do Código Penal e condenar o arguido na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão;

c)3. – Operar o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas e impor ao arguido a pena unitária de cinco (5) anos;

d)4. – Suspender a pena unitária imposta por igual período, sujeitando o arguido a regime de prova e acompanhamento pelos serviços competentes durante o período em que durar a suspensão da pena, mediante um programa a estabelecer pelo tribunal de primeira (1ª) instância.

f)5. – Sem custas.   

   Lisboa, 27 de Abril de 2017

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.

A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» .Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade à norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral». A expectativa contrafáctica na vigência de uma norma jurídica, enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da sociedade. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente

A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; a responsabilidade do autor pela sua motivação do cometer o crime. O princípio da culpabilidade, ou a densificação da materialidade volitiva posta na execução de uma conduta, no que quer que isso possa ser mensurável, há-de, segundo o artigo 40º do código vigente, conferir a medida da pena.

Ainda para este autor que se inere naquela que foi crismada como corrente sociológico-normativa ou jurídico-funcional a pena deve funcionar “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo”  . Günther Jakobs, epígono desta corrente, refere que, apesar das diferenças que é possível surpreender nos distintos entendimentos quanto a esta problemática, notas comuns são passíveis de ser colimadas num conceito unitário de pena, conferindo a esta “uma função de reacção ante uma infracção de uma norma; que mediante a reacção sempre “se pone de manifesto” que norma deve ser cumprida e tem que ser defendida; e que a reacção demonstrativa deverá sempre ter lugar à custa do responsável por haver infringido a norma (por “a costa de” se entiende en este contexto la pérdida de cualqier bien)”   (tradução nossa).

Em decisivo, numa lapidar expressão, para este autor «la única meta que le corresponde al Derecho Penal es garantizar la función orientadora de las normas jurídicas. 

La pena no persigue impresionar al penado ni a terceros para que se abstengan de cometer delitos. Trata solo de “ejercitar en la confianza de la norma” a la colectividad, para que todos sepan cuáles son sus expectativas, de “ejercitar en la fidelidad al Derecho”, y de “ejercitar en la acpetación de las consecuencias” en caso de infracción. Estos três efectos resumen en el de “ejercitar en el  reconocimiento de la norma”.- op. loc. cit. pág. 58 e 59.

Para outra corrente as penas devem actuar como factores dissuasores do cometimento de futuras infracções.

Para Claus Roxin , op. loc. cit., pag. 185, epígono da corrente penalista que defende que os fins das penas atinam com a denominada “prevenção da integração”, o limite da pena deve ser aferido pela culpa. Na conclusão das suas reflexões politico-criminais sobre o princípio da culpabilidade afirma que: 1º - a problemática da relação entre culpabilidade não se pode abordar depurando a culpabilidade de todos os elementos dos fins das penas, para poder contrapor os conceitos em antítese limpa. Antes bem, a culpabilidade, em tanto possa ser constatada na praxis forense, torna-se determinada no seu conteúdo por critérios preventivos; 2º - Nem tão pouco se pode incluir na culpabilidade, como se tentou recentemente invertendo as posições anteriores, todos os pontos de vista preventivos o só os preventivos gerais, fazendo desaparecer com isso o carácter antinómico de culpabilidade e prevenção; 3º - Para melhor se há-de reconhecer que conceito jurídico-penal de culpabilidade contém certamente em si alguns aspectos preventivos, mas precisamente não outros, pelo que se produzem, por isso, recíprocas limitações do poder punitivo que ocupam lugares distintos segundo se trata da fundamentação ou da determinação da pena; 4º - pelo que se refere à culpabilidade como fundamento da pena, em numerosos casos devem acrescentar-se requisitos preventivos, para desencadear uma responsabilidade jurídico-penal. Com isso, o castigo do comportamento culpável – contra o que constituía a opinião tradicional – será limitado precisamente pela necessidade preventiva, o que do ponto de vistas dogmático jurídico-penal produzirá consequências transcendentais, ainda somente vislumbradas (…); 5º - No que se refere á culpabilidade a determinação da pena, por outro lado aparece em primeiro plano o efeito limitador da culpabilidade sem prejuízo da sua congruência com as necessidades de uma prevenção integradora motivada criminalmente; já que na sua graduação limita em virtude da liberdade individual, qualquer tipo de prevenção geral intimidatória e qualquer tipo de prevenção especial dirigida a tratamento. Não obstante, também os prementes mandatos da prevenção especial limitam, ao inverso, o grau da pena, no entanto, contra o que sucede na praxis, pode-se impor no caso concreto uma pena inferior à correspondente ao limite que vem previamente dado pela magnitude da culpabilidade, quando só deste modo se possa evitar o perigo de uma maior dessocialização.

Em remate para este autor «la pena adecuada a la cupabíIidadad, punto de partida del sistema de medición de la pena, del Código alemán, es la correspondiente a la prevención general positiva, y que la misma es inferior a la que permitiría la prevención generaI negativa. Roxtn_llama a la prevención general positiva “prevennción general compensadora“ o “integragdora-socialmente” mientras que denomina o “prevención general intimidatoria” a la negativa». (cfr. op. loc. cit. pag. 62).

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig escreve que: «El principio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito.

Entendida como posibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206.

Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43

De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44

Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo ai delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales.

Já para Hassemer «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de supponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.

De todos os autores citados se retira a ideia de que a pena tem uma função preventiva, no sentido em que deve servir a manutenção das expectativas da comunidade na vigência das normas e actuam como factor de dissuasão do autor do facto violador da regra jurídica e demais conviventes sociais na necessidade de manter estável e vigente a validade orientadora do amplexo normativo que regula o tecido social.

No ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo – ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”.

Para este Professor, que parece defender uma posição próxima daquela que é defendida por Eduardo Demétrio Crespo, na obra já citada, isto é, que as penas devem visar, em primeira linha a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”.  “A determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo – especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.

Constata-se, assim, que no ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» .

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra.

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. 

Discorrendo sobre a inconveniência de aplicação de penas curtas de prisão – sendo que penas curtas de prisão se poderão qualificar aquelas que tenham uma duração até um (1) ano – na caso de condução sob a influência do álcool, escreve Pilar Gómez Pavón, Professora Titular de Direito Penal na Universidade Complutense de Madrid , amparada num estudo de Kaiser, “Delincuencia de tráfico y su prevención general, in estúdios de Psicologia Criminal, vol. XIX, Madrid, 1977” é a de que a experiência tem demonstrado que as penas privativas de liberdade de curta duração não se mostraram reeducativas para o infractor e que a agravação das penalidades não têm um efeito dissuasor já que depois de um primeiro momento “em que el numero de delitos disminuyó, este volvió a aumentar hasta quedar el la misma situación que antes”. Ainda para a autora citada duas criticas axiais se podem interpor para a escolha de medidas curtas de prisão: a primeira é de elas não cumprem os fins que lhe são assinalados “já que pela sua curta duração não pode intentar-se nenhum tratamento e por outro lado não parece ser necessário nestes casos, segundo a opinião exposta por grande parte da doutrina, a que haverá que acrescentar os efeitos prejudiciais que tais sanções podem produzir no condenado” (tradução nossa); em segundo lugar, não está demonstrada a eficácia para conter o aumento deste tipo de delitos. 

As asserções adiantadas para o tipo de delito tratado na monografia citada surgem-nos com plena pertinência para os demais casos do chamado em Espanha “Derecho Penal de Circulación”, em que a intenção é diminuir os efeitos da sinistralidade viária recorrendo a medidas reeducativas e inibidoras de práticas e acções viárias que possam colocar em crise não só o próprio, mas sobretudo os demais. E a questão que há-de sobrelevar na escolha da pena é a ponderação dos interesses que estão em jogo, independentemente de olharmos para trás e puxarmos à colação a diacronia criminal do apenado.

Em nosso juízo o interesse da comunidade e o da manutenção da vigência das normas não se alcança em casos em que estão em causa delitos de circulação com a aplicação de penas curtas de prisão, mas sim com a reeducação e aculturação doa infractores às regras de convivência e observância dos parâmetros regulamentadores em que se expressa o tecido comunitário organizado segundo modelos sociais devidamente estabilizados e aceites. Assim deveriam competir aos serviços de apoio implementar programas que promovessem a reeducação deste tipo de infractores, por forma a recuperá-los para a convivência societária. É certo que o desfasamento dos serviços e a sua manifesta falta de saber para estas e outras situações socialmente relevantes conduz a uma tentação de serem os órgãos formais de controle a substituir-se às injunções sociais que deveriam colmar o espectro reformador nestes caos. Só que não poderá ser essa a vocação dos órgãos de aplicação da justiça, isto é, não podem colmatar as deficiências dos demais órgãos da administração, aplicando penas que devem estar presentes só em última ratio na escala das opções de escolha.

As defraudações na vigência das normas manifestadas pela conduta reiterada de um sujeito devem conferir ao órgão formal de controle a possibilidade de criar, através da imposição de uma sanção penal, uma expectativa societária e pessoal de que aquele concreto individuo se irá manter numa atitude de afirmação e conformação com o ordenamento vigente devendo, portanto, reflectir na escolha da pena o grau de necessidade de validação da norma violada mediante um doseamento sancionatório que inculque no sujeito a necessidade de uma reflectida assumpção e recolocação no espectro vivencial por que deve pautar o seu comportamento numa sociedade comunicacional. A sanção confirma que não é incorrecta a expectativa da sociedade, mas sim a acção ou comunicação do sancionado. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)» . Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».

Na jurisprudência, e a propósito dos fins das penas, da medida concreta da pena e do princípio da proporcionalidade, doutrinou o nosso mais Alto Tribunal em dois arestos que se deixam transcritos a seguir.

“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura. – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).

Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

– A intensidade do dolo ou negligência;

– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

– A conduta anterior ao facto e posterior a este;

– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer  que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”.   “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido. 

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[1] Anterior decisão do tribunal colectivo havia sido anulada por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. fls. 1849 a 1895 – por não constar da acta de audiência que o tribunal tinha comunicado aos intervenientes processuais uma alteração da qualificação jurídica dos factos (fls. 1892 a 1894)

[2] Cfr. No sentido de que não seria consentido, pela competência do Supremo Tribunal de Justiça, a cognoscibilidade das penas parcelares impostas por decisões, proferidas por tribunais colectivos ou de júri, em recurso interposto directamente para este Tribunal podem ver-se os acórdãos do STJ, de 26-03-2008, proferido no processo n.º 444/08; de 02-04-2008, proferido no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183; de 19-11-2008, no processo n.º 3776/08; de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08, da 5.ª Secção; o acórdão de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª; o acórdão de 7-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª (citando o acórdão de 2-04-2008, processo n.º 415/08 da 3.ª Secção); o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 548/06.3PTLSB.L1.S1-5.ª; o acórdão de 14-01-2010, com outro relator no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 189.

Em sentido oposto, podem ver-se, inter allia, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção; o acórdão de 07-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, (citado nos supra referidos acórdão publicados na CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 189  e 206); o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1; o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª; o acórdão de 04-11-2009, proferido no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção; o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228; os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1-3.ª e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1-3.ª; o acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 4833/07; o acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08; o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM; o acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD; o acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB; o acórdão de 10-11-2010, o acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1; o acórdão de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.S1; o acórdão de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1; o acórdão de 31-01-2012, proferido no processo n.º 2381/07.6 PAPTM.E1.S1; o acórdão de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; o acórdão de 17-04-2013, processo n.º 237/11.7JASTB.S1; o acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1; o acórdão de 17-12-2014, processo n.º 1055/13.3PBFAR.S1, de 21-09-2011, processo n.º 95/10.9PGAMD.L1.S1-3.ªde 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 193; de 12-07-2012, processo n.º 2/09.1PAETZ.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 238; de 6-02-2013, processo n.º 94/12.6GAVGS.S1-3.ª; de 20-02-2013, processo n.º 29/11.3GALLE.S1-5.ª; de 14-03-2013; de 21-03-2013, processo n.º 267/11.9JELSB.L1.S1-3.ª,;  de 13-04-2013, processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1, da 3.ª Secção; de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1-5.ª,; de 8-01-2014, processo n.º 1096/12.8GCVIS.C1.S1-5.ª; de 6-02-2014); de 26-02-2014,;de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª, de 23-04-2014, processo n.º 1603/09.3JAPRT.P1.S1-3.ª, de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª, com voto de vencida; de 10-09-2014, proferido no processo n.º 440/13.5POLSB.L1.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 169 de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 180, acórdão de 21 de Janeiro de 2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1, No acórdão de 23 de Setembro de 2015, processo n.º 318/11.7GFVFX.L1.S1-3.ª, No acórdão de 30 de Setembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1, E ainda o acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1,

Ainda do dia 28 de Outubro de 2015, No acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 455/13.3PLSNT.L1.S1-3.ª, seguindo de perto o acórdão de 21-01-2015, processo n.º 12/09.9GDODM.S1, No acórdão de 4 de Fevereiro de 2016, processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, da 5.ª Secção, in CJSTJ 2016, tomo 1, pág. 250, No acórdão de 2 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 8/08.8GALNH.L1.S1, No acórdão de 9 de Março de 2016, processo n.º 50/12.4SMLSB.L1.S1, No acórdão de 17 de Março de 2016, No acórdão de 28 de Abril de 2016, por nós relatado no processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, No acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 252/14.9JACBR.S1 - 3.ª Secção; No acórdão de 23 de Junho de 2016, No acórdão de 7 de Julho de 2016, No acórdão de 7 de Setembro de 2016; acórdão de 26 de Outubro de 2016, processo n.º 3367/15.2JAPRTS1-3.ª, acórdão de 14 de Dezembro de 2016; acórdão de 18 de Janeiro de 2017.

(A súmula de acórdãos recenseada foi, data venia, sacada do Proc. nº 25/16.4PEPRT.P1,S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, de que somos adjunto).

[3] Disponível em www.dgsi.pt.
[4] Suprimiu-se o tramo do texto em que se argumenta pela inexistência, ou afastamento, de uma situação de continuação criminosa, que havia sido advogada pelo Ministério Público na acusação, uma vez que o recorrente, Ministério Público, não coloca no recurso em causa o enquadramento jurídico-penal efectuado no acórdão sob sindicância.

[5] Artigo 3º

Crimes relativos ao abuso sexual

1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que os comportamentos intencionais referidos nos n.ºs 2 a 6 sejam puníveis.

2. Induzir, para fins sexuais, uma criança que não tenha atingido a maioridade sexual a assistir a actos sexuais, mesmo que neles não participe, é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.

3. Induzir, para fins sexuais, uma criança que não tenha atingido a maioridade sexual a assistir a actos de abuso sexual, mesmo que neles não participe, é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.

4. Praticar actos sexuais com uma criança que não tenha atingido a maioridade sexual é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a cinco anos.

Artigo 5º

Crimes relativos à pornografia infantil

1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que os comportamentos intencionais referidos nos n.ºs 2 a 6, quando praticados ilegitimamente, sejam puníveis.

2. A aquisição ou posse de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.

3. A obtenção de acesso a pornografia infantil com conhecimento de causa e por meio das tecnologias da informação e da comunicação é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.

4. A distribuição, difusão ou transmissão de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.

5. A oferta, fornecimento ou disponibilização de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a dois anos.

6. A produção de pornografia infantil é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a três anos.

7. Cabe aos Estados-Membros decidir se o presente artigo se aplica aos casos de pornografia infantil referidos no artigo 2.º, alínea c), subalínea iii), se a pessoa que aparenta ser uma criança tiver de facto 18 anos de idade ou mais no momento da representação.

8. Cabe aos Estados-Membros decidir se os n.ºs 2 e 6 do presente artigo se aplicam aos casos em que se comprove que o material pornográfico na acepção do artigo 2.º, alínea c), subalínea iv), é produzido e está na posse do produtor apenas para seu uso privado, na medida em que não tenha sido utilizado para a sua produção material pornográfico na acepção do artigo 2.º, alínea c), subalíneas i), ii) ou iii), e desde que o acto não comporte risco de difusão desse material.

Artigo 6.º

Aliciamento de crianças para fins sexuais

1. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que os seguintes comportamentos intencionais sejam puníveis:

A proposta de um adulto, feita por intermédio das tecnologias da informação e da comunicação, para se encontrar com uma criança que ainda não tenha atingido a maioridade sexual, com o intuito de cometer um dos crimes referidos no artigo 3.º, n.º4, e no artigo 5.º, n.º 6, se essa proposta for seguida de actos materiais conducentes ao encontro, é punível com uma pena máxima de prisão não inferior a um ano.
2. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir que seja punível a tentativa de cometer, por meio das tecnologias da informação e da comunicação, os crimes previstos no artigo 5.º, n.ºs 2 e 3, por um adulto que alicie uma criança que não tenha atingido a maioridade sexual a disponibilizar pornografia infantil representando essa criança.
[6] “Aplicar la imputación objectiva – explica el autor – consiste en describir las circunstancias que hacen de una causación – como limite extremo de la possible imputación – una acción típica, v. gr. de una causación de muerte, una acción homicida relevante, mediante los princípios fundamentales: a) un resultado causado por el agente sólo se pude imputar al tipo objectivo si la conducta del autor ha creado un peligro para el bien jurídico no cubierto por un riesgo permitido y ese peligro también se há realizado en el resultado; y b) excepcionalmente, si el alcance del tipo no abarca la evitación de tales peligros y sus repercussiones, puede desaparecer la imputación.
En resumen, “la imputación al tipo objetivo presupone la realización de un peligro creado por el autore no cubierto por un riesgo permitido dentro del alcance del tipo.” – Dario Alberto Dosso, Teoria de la Imputación Objetiva, Universidad de Mendonza, pág. 19.         
[7] Quanto a um arrimo para uma melhoria da técnica legislativa veja-se com proveito Maria Magdalena Ossandón, “Nuevas definiciones para España en la lucha contra la explotación sexual de menores e la pornografia infantil: La Directiva 2011/92/EU; en Revista Penal, nº 30, julio, pag. 40. Para esta autora, as definições legais têm diversas classificações. “As definições legais podem caracterizar-se como nominais, por oposição às reais, pois não perseguem dar conta da identidade da coisa definida, mas sim do sentido da palavra: dão significado e um termo (el definiendum) por meio de sinais (el definiens).
Por outro lado, as definições podem ser conotativas ou intencionais ou denotativas ou extensionais, atendendo ao método empregue para definir o conceito. Concretamente as segundas «consistem na enumeração do conjunto de objectos aos que se refere o definiendum, quer dizer, os bjectos adscritos ao termo definido, a quais pode ser correctamente aplicado, e nos quais se esgota o seu âmbito de aplicação.” – op. loc. cit. 294 (citada por Lina Mariola Díaz Cortés, em “Una aproximación al estudio de los delitos de pornografia infantil en materia penal: el debate sobre la libertad sexual y la influencia de la Directiva 2011/92/EU, en la Reforma de 2015”, in Revista de Derecho Penal e Criminologia, 3ª Época, nº 13, 2015, pág. 35. Do segmento de norma “Quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa …” não se logra denotar ou conotar qualquer definição jurídico-criminalmente significante.                 
[8] Na sua plenitude o artigo 171º, nº 1 do Código Penal visa tutelar a indemnidade e desenvolvimento probo e desassoreado da sexualidade dos indivíduos que não sendo capazes de avaliar com plena percepção os actos em que se vêm engolfados devem gozar de protecção e salvaguarda jurídico-penal.
A propósito do bem jurídico tutelado neste tio de ilícito escreveu-se no acórdão deste Supremo tribunal de Justiçam, de 28 de Abril de 2016, relatado pelo Conselheiro Manuel Matos (sic): “Na secção do Código Penal dedicada aos crimes contra a autodeterminação sexual, visa-se «o direito à protecção da sexualidade numa fase inicial ou em desenvolvimento da personalidade, que, pelas suas características, é carecida de tutela jurídica». Consagram-se tipos «tipos preordenados à protecção da juventude e infância», sendo que, conforme assinalam JOSÉ MOURAZ LOPES e TIAGO CAIADO MILHEIRO, que vimos citando, «as perturbações fisiológicas e psicológicas que um precoce despertar sexual (seja ou não violento ou consentido) pode provocar, são factos e motivos suficientes para uma tutela jurídica efectuada naqueles termos»[5].
Segundo TERESA PIZARRO BELEZA, a ideia de atentado ao pudor foi substituída pela de desrespeito pela autodeterminação sexual, pois «já não é o pudor da criança ou do jovem (...) que está em causa – ele pode, até, ser inexistente e nem por isso o crime deixa de existir ou o Direito ficciona um pudor inexistente – mas a convicção legal (iuris et de iure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de um certo grau de autodeterminação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual».
«O bem jurídico ofendido por um acto sexual de relevo, que seja praticado com, em ou perante uma criança, já não é o pudor, salienta esta autora, mas as potencialidades de desenvolvimento, não excessivamente condicionado ou traumatizado por experiências demasiado precoces»[6].
Também JORGE DE FIGUEIREDO DIAS entende que «[a] lei presume (…) que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global do próprio menor (…); e considera este interesse (no fundo, um interesse de protecção da juventude) tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob ameaça de pena criminal»[7].
Os crimes contra a autodeterminação sexual são crimes de perigo abstracto. Para PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, «[o] perigo abstracto resulta da presunção legal do prejuízo dos actos descritos na lei para o livre desenvolvimento da personalidade da criança, apesar do acto sexual ser consensual.
Atenta a natureza indisponível do bem jurídico em causa (a autodeterminação sexual do menor) e a estrutura do crime, não releva o acordo ou consentimento do menor de 18 anos, como resulta também do artigo 3.º, al. b), do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças»[8].
O bem penalmente protegido e a irrelevância do consentimento têm sido igualmente postos em destaque pelo Supremo Tribunal de Justiça.
«Nos crimes de abuso sexual o bem jurídico protegido – considera-se no acórdão de 22 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 93/09.5TAABT.E1.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Adjunto – o bem jurídico protegido é a liberdade de autodeterminação sexual, lesada sempre que, à luz dos n.ºs 1 e 2 do art. 171.º do CP, o menor de 14 anos é vítima de acto sexual de relevo, que pode consistir, tipificadamente, em cópula, coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou de objectos». 
O consentimento da vítima – lê-se no mesmo acórdão – «não possui virtualidade para eximir o agente da responsabilidade criminal, por a lei partir do pressuposto, próximo da constatação natural, que o menor, por regra, não possui o desenvolvimento psicológico suficiente para compreender as consequências, por vezes graves, deles emergentes, que podem prejudicar gravemente o desenvolvimento da sua personalidade física e psíquica, no aspecto do livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual», resultando dessa incapacidade que «o crime é concebido como de perigo abstracto resultante da presunção implicitamente inscrita na lei, juris et de jure, com razoável correcção, do prejuízo físico e psíquico, para a pessoa da criança, na sua dimensão integral, que os actos sexuais de relevo podem provocar».
Também no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Março de 2013, do mesmo Relator, proferido no processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S2 - 3.ª Secção), se identifica o bem jurídico que se pretende proteger, «a liberdade de autodeterminação sexual, de uma forma muito particular, não somente de condutas que possam resultar de extorsão de contactos sexuais mas daqueles actos de natureza sexual, que, em razão da pouca idade da vítima, mesmo que consentidos, podem prejudicar gravemente o desenvolvimento da sua personalidade física e psíquica, muito particularmente no aspecto do livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual».
Nos crimes sexuais – considera-se no mesmo acórdão – «tutela-se a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; liberdade de crescer na relativa inocência até à adolescência, até se atingir a idade da razão para aí se poder exercer plenamente aquela liberdade, considerou o Prof. Figueiredo Dias, in Actas de Revisão de 95, do CP, pág. 246, pois é benéfico que o processo de desenvolvimento da liberdade sexual das crianças se exercite de forma sadia, sem pressas ou sobressaltos, de risco incontrolável, se bem que dificilmente se conceba a sua evolução em ambiente asséptico, totalmente puro, à margem de influência, no dizer de Heloísa Pinto, in A Sexualidade na Escola, Ed. Summus, S. Paulo, 1997, 46.
Está-se perante crimes de perigo abstracto, em que «o perigo abstracto resulta da presunção legal, “juris et de jure“, “com razoável correcção“, do prejuízo físico e psíquico, à pessoa da criança, na sua dimensão integral, que os actos sexuais de relevo, segundo o enunciado o legal, podem provocar – Cfr. Tereza Beleza, citada in Comentário Conimbricense do Código Penal, TI, 541».
Acompanhando ainda o citado acórdão, «[n]o acto sexual de relevo praticado com, em ou perante uma criança já não é o pudor mas a potencialidade de desenvolvimento, não excessivamente condicionado ou traumatizado por experiências demasiadamente precoces, escreveu Teresa Beleza, in O Repensar dos Crimes Sexuais, Revisão do Código Penal, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, pág., 169, sobretudo quando sustentados por uma vontade controlada, “viciada “ (cfr. A Tutela Penal da Liberdade Sexual, de Inês Ferreira Leite, pág. 9) por terceiro, por factores exteriores, terceiro esse que se acha numa posição de ascendência sobre a vítima, incapaz de se furtar, em razão de uma infraavaliação do seu alcance, do seu desígnio libidinoso, tendo a idade, à medida que a criança nela avança, consabida eficácia portadora de uma maior consciencialização do malefício e de gradual inflexão».
Como também se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1 – 3.ª Secção:
«O princípio que fundamenta a menoridade sexual não é qualquer suposição de que o jovem abaixo da idade definida legalmente não tenha desejo ou prazo sexual, mas, sim, que ele não desenvolveu ainda as competências consideradas relevantes para consentir a relação sexual. Só o tempo, por meio de um processo de socialização no qual o sujeito racional completo é (com)formado permitem um processo de decisão correctamente elaborado.»  
[9] Veja-se a este propósito o trabalho teórico intitulado “El Delito de Ciberacoso con fin sexual, art.183 bis CP”, de Jesica Quezada Martos, 2014, e “Presente e Futuro del mal llamado delito de ciberacoso a menores: análisis del artículo 183 bis CP y de las versiones del Anteproyecto de Reforma penal de 2012 e 2013, Anuário de Derecho Penal y Ciências Penales, Vol. LXV, Ano 2012, nº 1, págs. 179 a 221.   
[10] Alguns autores consideram desadequada e confusa a terminologia «pornografia infantil». Para este autores a terminologia “não reflecte a verdadeira natureza do material a que se refere, nem a seriedade do abuso que comporta. Na realidade, não é simplesmente material pornograáfico cm temáticas para crianças (ou menores). Encontramo-nos perante um problema social complexo, com mutios e diversos factores, que não se pode simplificar.
Em alternativa propõem distintas expressões, tais como “abuse images” ou “child abuse images”. Em todo o caso tratar-se-ia de imagens exploradas com fins sexuais nas quais as vitimas são crianças, existindo diferenças de abordagem em função do dano social que se atribui à conduta em si mesma.” – José R. Agustina, “Menores Infractores ou Vitimas de Pornografia Infantil”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, 2010, pág. 33. (O artigo em questão analisa o fenómeno de práticas ou condutas entre adolescentes consistentes na produção, por qualquer meio de imagens digitais nas quais apareçam menores de forma desnudada ou semidesnudada, seja através de telefone móvel ou correio electrónico, ou mediante a sua colocação à disposição de terceiros através da internet (por exemplo no facebook ou Myspace). A este fenómeno é dado a designação de «Sexting».         
[11] Micael Khalo, “Sobre la Relación entre el concepto de Bien Jurídico e la Imputación Objectiva en Derecho Penal”, artigo inserto em “La Teoria del Bien Jurídico – Fundamentos de legitimación del derecho penal o juego de abalorios dogmático”, Roland Hefendehl, Marcial Pons, Madrid, 2007, Pág. 58.
[12] Monge Fernández, Antonia: De los abusos y agresiones sexuales a menores de trece años. Análisis de los artículos 183 y 183 bis CP, conforme a la LO 5/2010, Bosch, Barcelona, 2011, p. 43 y ss. De la misma autora: «De los abusos y agresiones sexuales a menores de trece años tras la reforma penal de 2010» en Revista de Derecho y Ciencias Penales n.º 15, 2010, Universidad de San Sebastián, Chile, p. 88; Díaz Cortés, Lina Mariola: «Aproximación a la política criminal manejada en Colombia en los delitos sexuales contra menores: una tendencia hacia la inocuización del delincuente», en Revista General de Derecho Penal, 11, IUSTEL, España, Mayo de 2009, pp. 6-7.

[13]Em matéria de delitos sexuais, quando se trata de menores, existe acordo na penalização de certas condutas que afectam a sua liber­dade ou indemnidade sexuais. A título de exemplo, consideram-se delitos, os abusos sexuais contra menores nos quais não existe violência ou intimidação e as agressões sexuais nas quais se faz uso da mesma. Relativamente aos segundos, no qual se penalizam actos, nos quais em principio se da um «consentimento natural», por parte do menor, tem um como substrato (“trasfondo”), a ideia de protecção relativamente a este.

Não em vão quando Stuart Mill defendeu em 1856 a liberdade do individuo, recalcando que esta nunca se poderia limitar sob o pretexto do seu próprio bem-estar, demarcou deste grupo os menores. Já anteriormente havia considerado que a plena vigência da liberdade, não abarca os seres humanos que não hajam alcançado maturidade, já que aqueles estão numa idade de reclamar os cuidados de outros, devendo ser protegidos, não só frente aos demais, mas igualmente frente a eles mesmos
Sem dúvida, sob a anterior premissa se tem legislado no âmbito penal. Por isso se planteia a chamada liberdade sexual, a cual só se reconhece aos menores a partir de determinada idade.” – Lina Mariola Díaz Cortés, “Una Aproxamión ao Estudio de los Delitos de Pornografia Infantil en Materia Penal: El Debate sobre la Libertad Sexual y la Influencia de la Directiva 2011/92/EU em la Reforma de 2015”, Revista de Derecho Penal y Criminologia, 3ª Época, n.º 13, 2015, pág. 15.
[14] O repasso por um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (omitem-se propositadamente as referências bibliográficas) deixou um sentimento de repulsa difícil de erradicar e demonstra até que ponto pode um comportamento assumido por um ser humanizado ser desprezível e infra-humano.
[15] Cfr. Günther Jakobs, “La Pena Estatal: Significado e Finalidad”, Tradução de Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez, Thompson, Civitas, 2006, pag. 142
[16] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[17] Cfr. Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, pag. 8
[18] Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206,
[19] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[20] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[21] Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.
[22] Em sentido concordante, mas não totalmente coincidente, de jure constituto, veja-se Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena”, Liber Discipulorum Para Jorge Figueiredo Dias (2003), 317/329, que considera a prevenção, geral e especial, o fundamento legitimador da aplicação da pena, desempenhando a culpa do infractor, apenas, o (importante) papel de pressuposto e de limite máximo da pena a aplicar, por maiores que sejam, as exigências sociais de prevenção, e entende ser correcta a afirmação de que está subjacente ao artigo 40º, do Código Penal, uma concepção preventivo-ética da pena: preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência de culpa acabando, no entanto, por defender, de forma aparentemente contraditória ou, no mínimo, dificilmente compatível, que o actual Código Penal, apesar do artigo 40º, não se opõe a uma concepção ético-preventiva da pena semelhante à que é defendida pela “teoria da margem da liberdade”, isto é, a uma concepção em que a prevenção é a finalidade legitimadora da pena, mas em que a culpa também desempenharia uma função na determinação da medida da pena, não sendo exclusivamente seu pressuposto e seu limite máximo.
[23] Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.)
[24] Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt quue na parte interessante se deixam transcritos. “I - A medida da prevenção (protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção – e reforço – da validade da norma violada), que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. II - Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. III - Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenha provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. II - Na determinação da medida concreta da pena pela prática de um crime, é a partir da moldura penal abstracta que se procurará encontrar uma «submoldura» para o caso concreto. Esta terá, como limite superior, a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual «já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229). III- Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. IV -Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. V- O n.º 2 do art. 71.º do CP manda atender, na determinação concreta da pena, «a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele». Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. VI- Este o contexto em que se deve situar a ponderação da pena conjunta a aplicar, tendo em conta o comando do art. 77.º do CP, que manda considerar, na medida dessa pena única, «em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, «a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (cf. ob. cit., pág. 291).
[25] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derechopenal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[26] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[27] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[28] Vide neste sentido Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualización judicial de la Pena, Ediciones Universidad Salamanca, p.216.
[29] in Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal,réus,s.a.,p.174
[30] cfr. op.loc.cit. p. 181.
[31] “El autor ha determinado y ejecutado su conducta sin consideración de la vigência del Derecho. En la medida en que implique la afirmación de que la norma no te vincula, se le contradisse a través de la la pena (ese es el significado de la pena).” Também na concepção de Lampe “a pena estabelece (a) a oposição polar ao delito, produz (b) a manutenção do ordenamento jurídico («caracter dominante»), concretamente, através da prevenção geral, assim como (c) previsão no sentido da prevenção especial.” – vide Günther Jakobs, “La Pena estatal: Significado e Finalidade”, Thomson e Civitas, Cuadernos Civitas, Editorial Aranzadi, Cizar Menor; Navarra, págs. 142 e 141.   
[32] “la pena es legitima cuando, sin rebasar el limites que derivan del principio de proporcionalidad, resulta eficaz desde el punto de vista preventivo; m+a concretamente, cuando proporciona la máxima efecacia preventiva, atendendo tanto a su eficácia preventiva general, como a su eficácia preventiva especial, y a los distintos cauces a través de los cuales a la pena puede producir um efecto preventivo(función preventiva limitada por el principio de proporcionalidade.” – Sergi Cardenal Montraveta, in Eficacia Preventiva General Intimidatoria de la Pena, Revista Electrónica de Ciência Penal e Criminologia, 17-18, 2015, pág. 3.        

[33]A tarefa que se deve consignar à pena é manter a vigência de certas normas indispensáveis, necessárias ou essenciais para a pervivencia da sociedade, buscando assentar as bases da confiança da população na sua validade (validez) como modelos de orientação. Não se trata de um conceito formal de validade (validez) ou vigência, mas sim de um conceito material que tem que ver com a eficácia das normas para orientar a vida social. Trata-se, pois, de entender a validade (validez) em sentido sociológico ou prático como a existência de um sistema jurídico que efectivamente orienta a vida social. O que danifica ou contraria o delito é essa situação fáctica conforme ao Direito.

Enquanto que JAKOBS voltou a manter uma concepção da prevenção geral positiva dirigida a exercer a fidelidade no Direito, eu prefiro nos meus últimos trabalhos sobre a pena incidir no papel que tem a pena para ajudar a manter a confiança dos cidadãos na vigência da norma, concepção que creio que permite uma visão mais normativa da prevenção geral positiva. A pena não pretende incidir directamente em condutas futuras (nem do delinquente nem de potenciais delinquentes nem de outras pessoas), mas tão só confirmar quais são as normas que continuam vigentes. A confiança que se busca é uma situação social (confiança no sentido normativo) e não uma prestação psicológica dos cidadãos ou da população. A vida social, tal e como a concebemos, existe graças a um substrato (“trasfondo”) normativo que se assume como evidente. O delito nega a dita evidência ela pena tem que recompor esse elemento estrutural da vida cotidiana.

A confiança não se deve entender, pois, num sentido formal e abstracto como a confiança da sociedade no seu sistema jurídico-penal, mas sim em sentido realista e vivo como um elemento básico das relações interpessoais e do funcionamento da vida social. Sem confiança a realidade social sofre um cambio qualitativo. Não se trata, portanto, de fomentar a confiança como fenómeno psicológico-social, já que se cada cidadão decide ou não confiar é uma questão particular, mas sim de assentar de cara no futuro as bases institucionais numa confiança racional nas normas como modelos de orientação de conduta. A pena é um instrumento de orientação da vida social e dos cidadãos, que pretende evitar a anomia.

Mediante a posição exposta rechaço a visão sociopsicologicista da prevenção geral positiva, de acordo com a qual o que pretenderia a pena não seria mais do que exercitar certas disposições internas dos indivíduos a obedecer ou respeitar as normas. De acordo com este tipo de concepções a pena não reagiria simbolicamente frente à lesão da juridicidade, mas sim, ao invés, à atitude normativa d autor. Independentemente ninguém saber como influi o ordenamento jurídico-penal nessa «caixa negra» que é a mente e de que é impossível constatar a incidência ou irritação dos delitos  das penas nas consciências pessoais, os cidadãos são os únicos competentes e responsáveis pela dita disposição (são eles que processam a incidência que o delito e a pena pode ter para eles). Como seres definidos juridicamente como auto-responsáveis é uma questão particular se se deixam ou não «corromper» na sua disposição normativa. É uma questão particular de cada cidadão como se deixa influir pelas normas penais, as suas infracções e pelas penas que reagem às ditas infracções. A pena não pode ter como tarefa mitigar o perigo de corrupção do delito para cidadãos responsáveis nem pode exercitar ou desenvolver fidelidades normativas. A legitimidade da pena tem que ser alheia a essa disposição individual de respeitar as normas por parte dos que não delinqúem se realmente a dita disposição é um assunto individual com que se tem que preocupar cada um num sistema de liberdades próprio de um Estado democrático. A pena só tem que manter a vigência das directrizes irrenunciáveis de conduta que regem a vida social para que o cidadão as possa continuar  a ter em conta. E isso fá-lo incidindo comunicativamente na manutenção  da vigência ou da eficácia da norma, mas não nos motivos pelos quais os indivíduos respeitam as normas. Os delinquentes podem ser feitos responsáveis da erosão da vigência da norma, mas não das disposições internas dos outros membros da sociedade e, por isso só se lhes pode impor a pena necessária para manter comunicativamente a dita vigência, mas não para neutralizar instrumentalmente as tendências dos outros. Creio que JAKOBS, com a sua última versão da prevenção geral positiva, não acabou de superar estes inconvenientes e, por isso, ocupou um lugar central a ideia do sofrimento. Por esta razão os aspectos comunicativos têm que ver mais com o seu conceito funcional de retribuição, enquanto que a prevenção general positiva como prevenção da erosão geral da norma só se pode conseguir, segundo JAKOBS, instrumentalmente mediante a dor que inflige a pena. Na minha opinião, não é legítimo (para além de impraticável) determinar a pena não em relação ao que o cidadão tenha feito (fez), mas sim utilizando como critério o mal ou sofrimento necessários para conseguir a fidelidade normativa dos cidadãos que actuam como espectadores do processo punitivo. A teoria da prevenção geral positiva de JAKOBS acaba incorrendo no mesmo defeito de todas as teorias preventivo-instrumentais da prevenção geral: numa sociedade de cidadãos facilmente corrompíveis a pena tenderia a ser muito superior à de uma sociedade na qual existem de forma dominante cidadãos que não se deixam corromper; desta maneira se evidencia como a pena perde a necessária proporção comunicativa com o facto.

Se a função da pena é demostrar o vantajoso da obediência ao Direito, carregando o infractor com custos que demonstram que a falta de fidelidade não é um «negocio rentável», se acaba descuidando um aspecto essencial do delito: a sua lesividade social. Por isso a gravidade da pena não deve estar orientada a conseguir fidelidade normativa, mas sim a responder adequadamente à lesividade social do facto delitivo, o qual depende da gravidade desse facto para a ordem social. A pena não pode mais que restabelecer ou reparar o dano à juridicidade produzido pelo facto delitivo (a estabilização normativa é o que conleva seguridade cognitiva para os cidadãos).

(…) Toda a ordem configurada mediante normas é basicamente una ordem simbólica e isso tem que ver com a função de estabilização normativa característica da pena estatal.

Os partidários das teorias preventivo-instrumentais objectam de forma equivocada que uma teoria comunicativa da pena deveria dar lugar a respostas meramente simbólicas sem nenhum tipo de efeitos práticos. Sem embargo constatar a dimensão comunicativa da pena não implica negar que conceptualmente a pena seja sempre um mal (senão não se poderia falar de pena mas sim de outra coisa), mas sim negar que o dito mal tenha basicamente uma mera dimensão instrumental de atemorização (ainda que possa ter esses efeitos latentes). Não só se comunica com palavras, mas também, por exemplo, com gestos ou acções.

A pena não é uma comunicação à qual se vincula um mal mas antes que o mal é o específico da comunicação penal (ainda que às vezes o mal fique em suspenso). A pena é o mal necessário para que a comunicação social ou interpessoal contra determinados factos delitivos seja possível. Determinados factos graves não permitem outro tipo de comunicação (pelo menos no contexto das sociedades que conhecemos).

O autor tem que suportar todo o que seja necessário (ainda que não mais) para compensar o dano que produziu à vigência de la norma como realidade social. A necessidade do mal tem que ver com a intervenção estatal necessária para que a vida social siga sendo cotidianamente uma vida conforme ao Direito, não para que conceptualmente se saiba o que é ou não conforme ao Direito (nesse caso bastaria realmente com uma declaração). A norma não é só um símbolo abstracto que possa ser protegida sem mais com declarações abstractas, outrossim é um instrumento de configuração da vida e das relações sociais que a pena deve seguir mantendo como realidade social. O delito não só pôs em entredito a norma em sentido abstracto, mas também afectou uma determinada relação interpessoal (no caso de delitos contra bens jurídicos individuais) ou a outro âmbito de organização (no caso de delitos contra bens jurídicos colectivos) e, o que é especialmente importante, com isso afectou a liberdade geral como realidade social.

O infractor não só atentou contra um conceito, mas também contra uma realidade social conforme ao Direito e desgastou (“erosionou”) ou colaborou em deteriorar (“erosionar”) as condições existentes para o desenvolvimento geral da liberdade na vida cotidiana. Não comparto com JAKOBS a ideia de que a vigência da norma só se vê afectada pela manifestação da falta de fidelidade. Na minha opinião, a disposição jurídica é um elemento do facto (por isso não faz falta impor males quando o autor cometeu o injusto apesar de uma disposição jurídica mínima), mas a execução do feito delitivo descrito numa norma penal também é um elemento importante do mesmo. Por isso tem que ser mais castigado num suposto de falta de disposição jurídica equivalente aquele que infringe uma norma mais importante para a sobrevivência (“pervivenda”) da sociedade. Desde a minha perspectiva a dimensão comunicativa do facto resulta na obra de JAKOBS demasiado unilateral ao quedar absorbida em exclusivo pela fidelidade ao Direito.” – Cfr. Bernardo Feijoo e Manuel Cancio Mellia, “
[34] Cfr. Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[35] Cfr. Gunther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edición, Marcial Pons, Barcelona, pag. 8
[36] Bernardo Feijoo Sánchez, Individualización de la pena y teoria de la pena proporcional al hecho, InDret, Barcelona, Janeiro de 2007, pág. 6. Esta corrente intenta combater a ideia de que a medida da pena se possa ver incrementada em função de prognósticos que se possam fazer sobre sucessos e evoluções futuras, o que concederia, na hora da determinação judicial da pena, “uma discricionariedade excessiva que estava conduzindo a uma aplicação desigual do ordenamento jurídico-penal e a um tratemento  discriminatório de determinados indivíduos ou tipo de indivíduos”. – cfr. pág. 6- 
[37] Bernado Feijoo Sánchez, loc. cit. pág. 9.
[38] Antes de atinarmos com sistema de determinação concreta da pena estatuído no ordenamento jurídico-penal português, e porque o nosso legislador não prima pela originalidade, antes se limita a ser um prosélito de afectividades cediças, procuraremos conferir as teorias mais marcantes que se têm debruçado sobre a problemática da determinação concreta da pena, de forma geral. Para o efeito, lançaremos mão da monografia que nos tem vindo a servir de guião, qual seja a “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” 
[39] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[40] Cfr. Günther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[41] Cfr. Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo”, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, págs. 5 e 6. 
[42] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[43] “Merecimiento de Pena y Necessidad de Tutela Penal como Referencias de una Doctrina Teleológico-Racional del Delito”, in Fundamentos de un Sistema Europeo del Derecho Penal, Libro-Homenage a Claus Roxin, organizado por J.M. Siva Sanchez, sob a coordenação de B.Schunemann e J. Figueiredo Dias, J.M. Bosch Editor, Barcelona, 1995, pag.157 e segs.
[44] Vide Günther Jakobs, “Derecho Penal – Parte General. Fundamentos y teoria de la Imputación”, marcial Pons, Madrid. 1997, p. 8.
[45] Op. loc. cit. pag. 14.
[46] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit., pag. 83.
[47] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit., p. 86.
[48] Disponível em www.dgsi.pt.

[49] Quanto ao principio da proporcionalidade salienta-se o que ficou escrito no  acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2004, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.

O princípio da proporcionalidade dos crimes e das penas não tem, como refere o acórdão recorrido, consagração directa e expressa na Constituição, nem em instrumentos internacionais operativos sobre direitos fundamentais (v. g. a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), embora seja expresso no artigo 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, todavia, constitui um documento político, sem força jurídica vinculativa, a não ser por via dos princípios fundamentais estruturantes e comummente aceites como princípios gerais de direito que formalmente assume e inscreve.

O princípio da proporcionalidade, que é sobretudo proibição de excesso, e que se desdobra nos sub-princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação razoável entre meios e fins), constitui um princípio operativo que intervém como teste ou reactivo da intensidade da intervenção das autoridades públicas sobre a esfera dos indivíduos, especialmente, mas não apenas, no que respeite a intervenções invasivas sobre direitos fundamentais; a proporcionalidade, neste sentido, é a medida razoável da concordância prática entre direitos e valores em conflito, públicos e da esfera dos indivíduos.

Mas, como conceito e princípio operativo, a proporcionalidade intervém na ponderação sobre ingerências das autoridades públicas no desenvolvimento e aplicação de normas, e não na formulação e edição das próprias normas.

Neste domínio, o princípio situa-se em uma outra dimensão, não já operativa, mas de vinculação do legislador, e por isso, não directamente sindicável no plano jurisdicional, sabida a liberdade de conformação do legislador na definição das grandes opções e, especialmente, na definição dos crimes e das respectivas concretizações típicas em direito penal. A proporcionalidade dos crimes e das penas significa que o legislador pode usar o direito penal como meio de tutela de valores e interesses fundamentais ou decisivamente relevantes da comunidade, definindo os comportamentos que afectem tais valores e sancionando a respectiva violação com as correspondentes sanções, adequadas à intensidade dos valores protegidos e à gravidade da respectiva violação.

Na dimensão do princípio como injunção ao legislador, os critérios de proporcionalidade assumidos nas definições legislativas não são directamente sindicáveis, salvo no que puderem contender com outros princípios federadores com dimensão operativa, como pode ser, em certos limites, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Na definição dos crimes e das penas, a proporcionalidade exigirá que os limites das penas aplicáveis a determinado crime não sejam estabelecidas em feição exclusivamente utilitarista intimidatória, mas, dentro da moldura considerada adequada, respeitem o princípio da culpa como limite inultrapassável de outras imposições ou exigências.

Não tem, pois, sentido a invocação que faz o recorrente; por isso, se interpreta a motivação como tendo por objecto a discussão sobre a aplicação dos critérios para a determinação da medida concreta da pena, à sombra de uma leitura pessoal do princípio da proporcionalidade.

A determinação da medida da pena pressupõe, porém - e mesmo oficiosamente, à margem do modelo de impugnação do recorrente - , a integração dos factos provados na definição dos crimes que for a adequada e das consequentes molduras penais.
[50] Disponível em www.dgsi.pt.
[51] Ensaiando uma aproximação à determinação concreta da pena, pondera Jesús-Maria Silva Sánchez, no artigo supra citado (págs. 11-13) os sequentes indicadores:
A) O injusto objectivo
a) O injusto ex ante;
aa) o risco para o bem jurídico concretamente protegido;
aaa) dimensão quantitativa;
aaaa) grau de probabilidade ex ante da lesão
1-segurança;
2-probabilidade máxima;
3-probabilidade média;
4- probabilidade mínima;
5-improbabilidade;
aaab) Magnitude esperável da lesão (prognóstico de quantificação do menoscabo do bem jurídico- só em bens jurídicos susceptíveis disso)
1-máxima;
2-média
3-minima;
4-inexistente;
aaba)infracção de deveres especiais em relação com a situação típica.
1-dever de garante de intensidade máxima;
2- dever de garante de intensidade média;
3-dever mínimo;
aabb) elementos de conteúdo expressivo ou simbólico (móveis, etc.) contemplados ex ante;
ab) riscos para outros bens: as consequências extratípicas previsíveis.
b) Injusto ex post: medida efectiva da lesão (ou efectiva posta em perigo) e da negação da norma.
1- lesão máxima;
2- lesão média
3- lesão mínima
4- ausência de lesão.     
B) A imputação subjectiva: intenção e graus de conhecimento.
1- intenção + conhecimento seguro;
2-intenção + mais conhecimento provável,
3- intenção;
4-conhecimento seguro;
5-conhecimento do provável ;
6-conhecimento do possível;
7-desconhecimento vencível;
8-desconhecimento invencível.”
[52] Disponível em www.dgsi.pt
[53] Neste sentido Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Noticias, 1993, pag.337 e segs.
[54] Cfr. op. loc. cit. pág. 343.
[55] Incisivamente pronunciou-se, neste sentido, o Ac. do STJ, de 19.12.2002, prolatado no processo nº4421/02, onde se escreveu: “I - A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda de liberdade física, importa sempre uma intromissão, mais ou menos profunda, na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, como uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos”; III – A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades a punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, nenhum crime”.         
[56] Cfr. ainda quanto à natureza da pena de prisão suspensa na sua execução o recente Ac. do Tribunal Constitucional nº3/2006/ T. Const., prolatado do processo nº904/2205, publicado do DR – IIª Série, nº27, de 7 .2.2006.