Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24/09.2TBMDA.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PEDIDO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
BASE INSTRUTÓRIA
AMPLIAÇÃO DA BASE INSTRUTÓRIA
PODERES DO TRIBUNAL
FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 04/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL / DIREITOS REAIS / DIREITO PROCESSUAL CIVIL / AMPLIAÇÃO DA BASE INSTRUTÓRIA
Legislação Nacional:
CPC: ARTS. 467.º, N.º 1, AL. E), 650.º, N.º 2, AL. F), 661.º, N.º 1, 712.º, 729.º, N.º 4.
NCPC2013: ARTS. 662.º, 682.º, N.º 3, 683.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
AC. STJ DE 16-01-2014, PROC. N.º 695/09.0TBBRG.G2.S1; AC. STJ DE 17-10-2013, PROC. N.º 6257/07.9TBVNG.P1.S1
Sumário :
I - Os pedidos têm de ser discriminadamente formulados na parte final da petição inicial – sendo esta formulação a delimitação formal que confina o poder de cognição qualitativa e quantitativa do tribunal; inexiste, assim, omissão de pronúncia relativamente a uma pretensão dos autores que não tenha sido objecto de tal discriminação.

II - A base instrutória, eliminada pelo NPCP 2013 mas existente enquanto decorreu o processo, não tem, seja ou não objecto de reclamação, carácter de definitividade podendo ser ampliada (i) por decisão tomada em audiência final (art. 650.º, n.º 2, al. f), do CPC); (ii) em recurso de apelação (art. 712.º, n.º 4, do CPC); (iii) ou por determinação do STJ (art. 729.º. n.º 4, do CPC).

III - Não necessita de ser anulado, e pode ser interpretado na sua dimensão fáctica, o quesito constante do art. 8.º da base instrutória no qual se perguntava se «Ao derrubarem o muro de pedra e edificarem um outro, em local diferente, os réus acrescentaram, ao seu prédio, 28 m2 que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus três constituintes».

IV - A eliminação do referido quesito (levada a cabo pela Relação), sem a sua substituição por outro, impediria, na prática, os autores de fazerem prova sobre a localização da área ocupada dentro do conjunto de prédios, inviabilizando assim a procedência do pedido de reconhecimento de propriedade dessa área.

V - O referido em III e IV determina a anulação do acórdão recorrido, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC, para que se julgue da falta de especificação da fundamentação da resposta e a impugnação da resposta correspondente, não sendo possível – sem isso – definir desde já a solução jurídica aplicável (art. 683.º, n.º 2, do CPC).
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção contra CC e mulher, DD, pedindo I) que fosse declarado serem proprietários dos prédios que descrevem no artigo 1º da petição inicial (a), b) e c)), II) que os réus fossem condenados a reconhecer essa titularidade e que deles faz parte a área de 28,58 m² que ocuparam, e III) ainda a demolir os muros que construíram e a construir o que derrubaram, e a desimpedir a área ocupada ou IV) no pagamento das despesas que venham a ter com a construção desse mesmo muro, e, em qualquer caso, V) de uma indemnização pelos prejuízos causados com a destruição dos muros e apropriação da pedra, em montante a liquidar.

Em síntese, alegaram factos tendentes a demonstrar a aquisição por usucapião, afirmaram que actualmente os prédios constituem uma unidade, separada do exterior por muros, um dos quais ladeava o prédio dos réus e foi por estes destruído, apoderando-se os réus da pedra e ocupando um área de cerca de 28 m² de um dos três prédios, b). Afirmaram ainda que os réus construíram ilegalmente um muro em terreno seu e com uma altura que impede que o sol atinja esse prédio, prejudicando a sua qualidade como terreno de cultura.

Os réus contestaram Por entre o mais, impugnaram a aquisição por usucapião e deram uma versão diferente da situação descrita pelos autores. Nomeadamente, alegaram que existia um caminho que confinava com um muro seu, que os autores em parte derrubaram indemnizando os réus, e que permitia aos réus o acesso a um palhal de sua propriedade, ao qual se acedia passando “por uma eira comum a diversas pessoas, entre as quais os donos do palhal”; que a eira foi indevidamente ocupada pelos autores com uma construção, impedindo o acesso ao caminho e ao palhal, o que os obrigou a derrubar parte de um muro que fazia parte do conjunto predial dos autores, permitindo-lhes a passagem para o caminho e para o palhal, mas com grande dificuldade. Assim, derrubaram o muro e construíram outro, encostado a umas lanchas de pedra e a uma vedação que delimitavam o prédio b) referido pelos autores., no seu prédio. Não se apoderaram de pedra dos autores nem “de qualquer pedaço de área” do mesmo prédio b); e o muro que construíram, “em propriedade sua, é aproximadamente da altura das construções situadas nas suas extremidades”.

Os autores replicaram. Afirmaram, nomeadamente, que o caminho referido pelos réus não era um caminho particular, mas sim “uma servidão de passagem para o palheiro adquirido pelos réus, servidão essa que passava e ocupava terreno propriedade dos autores”, o prédio b). E que adquiriram esse e os outros dois prédios em 1981 “a EE e mulher, FF, como é do conhecimento dos réus”.

O valor da causa, sobre o qual as partes manifestaram divergência, foi fixado em € 85.300,00, após arbitramento (despacho de fls. 117).

A fls. 70 e segs. foi elaborada a lista de factos assentes e a base instrutória, da qual, para o que agora particularmente releva, constou desde logo o quesito 8º, com o seguinte conteúdo: “Na data referida em E) [“E) Os réus procederam, no dia 16/10/2008, à demolição de um muro de pedra”], os réus ocuparam, em cerca de 28 metros, o prédio descrito em B)?” (trata-se do prédio b), descrito na petição inicial).

No julgamento de facto, constante de fls. 163, foi respondido a este quesito 8º: “Provado apenas, e esclarecendo, que, ao derrubarem o muro de pedra e edificarem um outro, em local diferente, os réus acrescentaram, ao seu prédio, vinte e oito metros quadrados que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus três constituintes”.

E a acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 168, que declarou “os autores únicos e legítimos donos do conjunto de prédios identificados no artº 1º da petição, conjunto esse que integra a área ocupada de cerca de vinte e oito metros quadrados”, condenou os réus “a demolir o muro de blocos construído e a deixar livre e desocupada a referida área de cerca de vinte e oito metros quadrados, bem como na construção do muro divisório de pedra anteriormente existente” e absolveu os réus quanto ao mais.

Os réus recorreram; no recurso, impugnaram, designadamente, a resposta ao quesito 8º.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 229, a sentença foi anulada. O acórdão, tendo em vista a resposta que foi dada ao quesito 8º, impugnada, observou que a sentença deveria ter individualizado “o facto ou acto (…) de aquisição daquele direito real de propriedade” sobre os três prédios cuja titularidade reconheceu aos autores, neles incluída “a parcela de terreno objecto do dissídio”; mas não o fez: “em lado nenhum se diz por que modo é que os autores adquiriram aquele direito real de propriedade”. E acrescentou que “o demandado impugna o facto aquisitivo do direito real de propriedade alegado pelo demandante”, não sendo pois exacta a afirmação, na sentença, de que “aquele não conteste o direito deste”.

Assim, e após fundamentar como se deve entender a causa de pedir numa acção de reivindicação e o que se exige ao respectivo autor que prove, ainda que goze da presunção do registo, que aliás se restringe “aos elementos confrontadores do prédio”, o acórdão concluiu: “os autores alegaram uma posse boa para usucapião – mas nenhum dos factos invocados por aqueles relativos à posse e a este modo de adquirir o direito real – que são controvertidos por os réus os terem validamente impugnado – foram seleccionados para a base instrutória”, sendo portanto insuficiente a matéria de facto.

Por este motivo, o acórdão anulou a sentença e determinou a sua ampliação, “no tocante aos factos alegados pelos recorridos (…) relativos à posse boa para a aquisição por usucapião”; e considerou prejudicada a apreciação das questões suscitadas, nomeadamente quanto à impugnação da decisão de facto, relativa ao quesito 8º.

Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça; mas o recurso não foi admitido, pelo despacho de fls.287

Efectuou-se novo julgamento de facto (fs. 401 ), que manteve a resposta ao quesito 8º; e a fls. 411 foi proferida nova sentença, que decidiu nos mesmos termos da anterior.

2. Os réus recorreram de novo para a Relação; e novamente impugnaram a resposta ao quesito 8º.

Pelo acórdão de fls. 486, a Relação concedeu provimento à apelação e revogou a sentença, “em consequência do que também se julga procedente apenas em parte a acção, condenando os RR a reconhecer serem os A.A. os únicos e exclusivos proprietários dos prédios supra identificados sob os pontos 1), 2) e 3) da matéria de facto dada como assente, mas absolvendo-os de tudo o mais peticionado, por não provado.”

Para o efeito, e nomeadamente, a Relação, corrigiu oficiosamente o quesito 8º e a sua resposta, nestes termos (sendo certo que, na Questão A, o acórdão incluiu “A – Apreciação da impugnação apresentada à resposta dada ao quesito 8º da base instrutória”):

«Prosseguindo com a abordagem da impugnação apresentada pelos Recorrentes – questão A –, o que se pergunta no quesito 8º da base instrutória é se “na data de 16/10/2008 (em que procederam à demolição de um muro de pedra) os réus também ocuparam o prédio da al. B) dos factos assentes em cerca de 28 m²”.

Resulta este quesito do alegado pelos autores no ponto 21 da petição, facto que os RR confessaram ter sucedido mas sendo essa ocupação feita apenas em terreno deles, não em terreno dos autores, razão pela qual está em litígio saber de quem é ou a quem pertence tal área ocupada pelos réus e apenas isso – ver pontos 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 42º (repetido a fls. 37), 43º (repetido a fls. 37), 44º (repetido a fls. 37), 45º (repetido a fls. 37), 47º (repetido a fls. 37), 48º (repetido a fls. 37), 49º (repetido a fls. 38), 51º e 52º todos da contestação.

Donde termos ou dever-se ter como assente, por acordo das partes, que “na data de 16/10/2008 (em que procederam à demolição de um muro de pedra) os réus também ocuparam cerca de 28 m² de terreno”.

O que resta saber é a quem pertence este pedaço de terreno ou área que se situa a sul do aglomerado predial dos autores referido nas alíneas A) B) e C) da matéria dada como assente, e a norte do prédio dos réus que aí confronta com os autores.

Ora, em relação a eventuais actos de posse exercidos pelos autores nessa área ao longo dos anos, nada foi por estes alegado em concreto, porquanto estes limitaram-se a alegar que “os réus ocuparam essa área ilicitamente e contra a vontade dos autores” – ponto 22 da petição – e que “por si e antecessores, há mais de 5, 10, 50 e 100 anos que agricultam e colhem os frutos produzidos nos seus prédios ... – pontos 4, 5, 7  e 10 da petição.

Donde termos como criticável a redacção dada ao quesito 8º na parte em que aí se diz que “…ocuparam, em cerca de 28 m² o prédio descrito em B)”, já que este é o preciso objecto da causa, revelando-se tal expressão como uma questão de direito, não um facto, e mais criticável é a resposta dada a tal quesito (Ao derrubarem o muro de pedra referido em E) os réus edificarem um outro, em local diferente, tendo acrescentado ao seu prédio vinte e oito metros quadrados que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus três prédios constituintes), na medida em que esta resposta contém claramente de um juízo de valor, uma afirmação de direito, uma conclusão (que define desde logo a sorte da causa, sem mais).

Assim sendo, impõe-se a anulação da citada resposta (conclusiva) ao quesito 8º e o aditamento à matéria de facto dada como assente do seguinte facto (tido como assente por acordo entre as partes): “na data de 16/10/2008 (em que procederam à demolição de um muro de pedra) os réus também ocuparam cerca de 28 m² de terreno”.

Face ao que se decide eliminar a dita resposta dada em 1ª instância ao quesito 8º – ponto 9 supra –, sendo aditado ao conjunto de factos a serem considerados para efeitos de decisão o supra indicado, que passa a ter nesse conjunto o nº 5A.

Donde a conclusão de ter deixado de fazer sentido a impugnação apresentada pelos Recorrentes a tal resposta (ao quesito 8º), impugnação que, por isso, se dá como prejudicada.»

Quanto ao mérito do recurso, a Relação, recordando que “o que se discute é apenas saber se a ocupação da área de 28 m² levada a cabo pelos réus e a destruição de um muro de pedra, efectuadas em 16/10/2008 (…) viola ou não esse direito de propriedade dos autores, isto é, torna-se necessário apurar se tais actos levados a cabo pelo réus incidiram ou não na área dos prédios dos autores (…)”, concluiu que a prova não releva “para o reconhecimento de uma eventual posse efectiva e duradoura por parte dos autores sobre a área de 28 m² em discussão (…)”.

E acrescentou ainda que a prova revela sim que os réus e os anteriores proprietários donos do palheiro passaram pelo referido terreno, para acederem ao dito palheiro, durante vários anos, não inferiores a dez, passando por uma eira que pertencia, não aos autores, mas a vários comproprietários. Julgou assim improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre esses 28 m² e da sua desocupação; e igualmente improcedentes os pedidos de demolição do muro novo e de reconstrução do que foi demolido, por não ter ficado provado que este era propriedade dos autores.

3. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentaram e deram entrada no Tribunal da Relação de Coimbra em 8 de Novembro de 2013, a fls. 497 e segs., apontaram “três problemas” ao acórdão recorrido, que, segundo afirmam, o ferem “de nulidade”, a saber:

«Questão A)- Censura ao "uso" feito pelo Tribunal da Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712° (actual 662°) do CPC;

Questão B)- Não se pronunciou nem apreciou os pontos 29° a 41 e pedido III constante da petição inicial e constantes da decisão de primeira instância sob a alínea b), pelo que ocorreu, omissão de pronúncia – violação do disposto no artigo 668º do CPC (Actual 615º);

Questão C)- A faixa de terreno com 28 metros faz parte integrante da unidade de prédios dos AA descrita no ponto 4) supra, tendo para o efeito feito prova do mesmo, contrariamente ao afirmado pelo douto Tribunal da Relação, pelo que foram violados os artigos 13110 e 13050 do Código Civil .»

E formularam as seguintes conclusões:

«A. A selecção da matéria de facto, em particular o ponto 8º da Base instrutória, foi feita em sede de audiência preliminar, por acordo entre AA e RR. Assim, poderão ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido na causa, sem que haja disputa entre as partes acerca daquelas asserções.

(…)

F. E abordando especificamente o tema que ora tratamos, temos para nós que as expressões "ocuparam, em cerca de 28 m2 o prédio descrito em B)" foram utilizadas no sentido corrente, até porque tal redacção foi o resultado de um acordo entre os AA e os RR em sede de audiência preliminar.

G. Procedeu ainda à eliminação da resposta dada pelo tribunal de 1ªinstância ao quesito 8° ( "Ao derrubarem o muro de pedra referido em E) os réus edificaram um outro, em local diferente, tendo acrescentado ao seu prédio vinte e oito metros quadrados que, anteriormente integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus prédios constituintes" - ponto 9 acima) considerando-a como conclusiva.

(…)

I. Logo, salvo melhor e douta opinião, é merecedora de censura a forma como o tribunal da relação procedeu à eliminação da resposta dada ao quesito 8º da Base Instrutória pelo Tribunal da Primeira Instância, porque tal alteração/eliminação levada a efeito pelo tribunal da Relação, salvo o devido respeito por opinião contrária, para além de errada, foi feita de forma deficiente e obscura, e em nítidos prejuízos dos AA.

J. Na verdade, o Tribunal da Relação ao eliminar a resposta dada pelo tribunal de 1ª instância, não permitiu que o tribunal se pudesse valer da prova produzida em sede de julgamento que foi no sentido de a faixa de terreno ocupada ser parte integrante da unidade predial dos AA, impedindo-o de fazer prova do que mais à frente o Tribunal refere como não tendo sido feita prova da sua situação possessória cortou a estes últimos a possibilidade de fazer prova do reconhecimento de uma posse efectiva e duradoura, pelo que violou, entre outros, os artigos 712º e 663º do CPC e artigo 20º, nº 1 e 4 da Constituição da República.

K. Pelo que, o Tribunal da Relação ao eliminar da forma que fez o quesito 8º, fê-lo de forma a cortar as pernas aos AA, impedindo-o de provar que essa faixa, indevidamente apropriada pelos RR, era parte integrante do prédio rústico alínea B) dos AA., tendo ainda o Tribunal da Relação invocado factos falsos, quando refere terem os AA. Alegado que nessa faixa de terreno praticavam actos de agricultura e fê-lo sem fundamentar devidamente tal eliminação.

            L. Na verdade, caso tivesse sido lida a réplica, teria observado que os actos de agricultura se reportavam ao terreno do prédio da alínea B) dos factos assentes (ponto 4 supra) e que estava onerado com uma servidão de passagem a favor do palheiro (ponto 16º da réplica).

M. Ora, discorreu Alberto dos Reis, CPC Anotado VoI.II, pago 222, dizendo o seguinte: “não lhe é licito (ao julgador) incluir no Questionário somente os factos conducentes a julgamento num certo sentido (e foi o que sucedeu no Acórdão Recorrido, quando eliminou a possibilidade de os AA provarem que essa faixa pertencia ao seu prédio rústico referido em B), tal como depuseram as testemunhas em audiência de discussão e julgamento e assim decidiu o Tribunal de Primeira Instância. Cf resposta dada pelo tribunal de primeira instância à resposta ao quesito da Base Instrutória)

N. Mas as coisas são ainda mais graves, quando a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento feita pelos AA foí no sentido - do por si alegado em petição inicial e da redacção dada ao quesito 8° por acordo de ambas as partes, tendo o tribunal  de 1ª instância dado como provado que essa faixa de terreno de 28 m2 pertencia à unidade predial dos AA.

O. Pelo que ao retirar tal factualidade, em violação da lei e sem qualquer justificação, jurídica, entenda-se, traçou o destino dos autos. Se o douto tribunal da relação não concordava com a redacção e com a resposta dada ao artigo 80 da base instrutória, devia ter procedido à sua alteração, nunca a sua eliminação, oferecendo uma outra redacção, mas da qual tinha de fazer parte e fosse apreensível que a faixa de terreno de 28 m2 pertencia prédio rústico identificado na alínea B) do ponto provado n.º 4), tal como foi alegado pelos AA (ponto 21° da p. i.) e acordaram AA e RR em sede de audiência preliminar que o art. 80 da Base Instrutória devia ter a redacção seguinte: “Na data referida em E), os RR ocuparam, em cerca de 28 metros, o prédio descrito em B)?".

P. Primeiro, porque não foi apresentada fundamentação devida, e segundo, porque cingiu a uma única solução jurídica o pleito, como foi o caso, ao impedir os AA de provar (o que fizeram em sede de audiência de julgamento) que a parte ocupada era parte integrante do prédio rústico identificado na alínea B) dos factos assentes (ponto 9 dos factos provados pelo Tribunal da Relação) - Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes" Temas da Reforma do Proc. Civil", Vol. II, pago 142. 

Q. Acontece que aquele facto, apresenta-se como ESSENCIAL. para a posição jurídica vertida E PROVADA nos autos pelos AA, pois só através do mesmos podia ter a veleidade de ver acolhida a posição por si invocada na petição inicial.

R. Note-se que o Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão proferido em 13.12.2011, cujo relator foi Henrique Mesquita, que determinou que fosse ampliada a matéria de facto, sobre a forma como estava elaborado o quesito 8º e sobre a forma como o tribunal de 1ª instância respondeu aquele quesito, considerou que o mesmo não era conclusivo nem que se estava perante conceitos de direito. Cf fls 229 a 263 dos autos. Acordão do Tribunal da Relação proferido nos autos em epígrafe.

S. Assim, o tribunal a quo ao julgar como o fez, sem recorrer a uma fundamentação plausível e credível para justificar alteração (e eliminação) da matéria de facto, violou tais princípios, e usou os poderes que lhe não são conferidos pelos artigos 712º e 633º do CPC, em conformidade com os critérios legais neles definidos, violando assim o disposto nestes mesmos dispositivos legais.

T. Para além de, salvo melhor e douta opinião, a função dos tribunais é a de dirimir os conflitos existentes, nos termos que lhes são colocados pelas partes; e estando estas de acordo quanto à redacção que entenderam por acordo dar ao quesito 8°, não pode o tribunal declarar o contrário sob pena de violar o princípio dispositivo;

U. Mais, a interpretação que faz do disposto naquele dispositivo legal, apresenta-se como inconstitucional por violação do disposto no artigo 20°, n.º 1 e 4° da Constituição da República, pois, manifestamente viola o Direito Constitucional a um processo justo e equitativo.

Sem prescindir,

V.        O Acórdão Recorrido, salvo melhor e douta opinião, não tomou conhecimento de todos os argumentos apresentados, não se tendo pronunciado, seja expressamente, seja de forma leve, quanto aos pedidos formulados pelos AA, não se tendo pronunciado sobre problemas necessários e fundamentais e necessários à justa decisão da lide, como é o caso da causa de pedir dos pontos 290 a 410 (pontos provados sob os nºs 10° a 16° supra) e pedido formulado em III da petição inicial.

W. Os AA,  na sua petição inicial, alegou (e provou), entre outras coisas, que os muros foram construídos (ponto provado sob o n" 10 supra) violando a lei (ponto provado sob o n. 14 e 15°), os direitos de propriedade dos AA (ponto provado sob o n) e em terreno que não pertence aos RR (Ponto provado sob o n.º 16 supra).

X. O Tribunal de Primeira Instância determinou a sua demolição ( "Condeno os RR a demolir o muro de blocos construído … "), pois integra a figura do abuso de direito (art. 334° do Cod. Civil), tornando ilegítimo o direito de tapagem, pois colide com o direito à insolação dos AA.

Y. Sobre esta factualidade – violação das normas de construção de muros em altura -, o Acórdão Recorrido não se pronunciou. Ora, salvo melhor e douta opinião, o Acórdão Recorrido tinha de se pronunciar sobre aquela questão e não o tendo feito, não resolveu o tribunal da relação, todas as questões que lhe foram colocadas.

Pois,

Z.   É certo que, como em qualquer outro direito, o de tapagem pode ser exercido de forma abusiva (…).

AA.  Sendo que, essa questão, é essencial, já que mais não seja, porque estamos a falar da violação de direitos dos AA. Ora, decorre do disposto no artigo 668º, nº 1. alínea d) do Código de Processo Civil, que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

BB.  Trata-se de uma nulidade que tem correspondência directa com o que se encontra estatuído no artigo 660º, nº 2, do mesmo compêndio legal, de acordo com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

CC.     Ora, o tribunal devia ter-se pronunciado sobre a questão posta acima referida tal como ensina Alberto dos Reis (…).

Novamente sem prescindir,

DD.     Os AA, contrariamente ao escrito do Acórdão recorrido (fls. 12, primeiro paragrafo), alegaram que tal faixa de terreno de 28 m² fazia parte da unidade de prédios descrita em 4° supra, sendo através da mesma que os anteriores donos do palheiro e posteriormente os RR acediam (ponto 16° da Réplica)

EE. Sendo assim, afirmar como o faz (erradamente) o tribunal da relação que os AA alegaram que agricultavam tal faixa, seria ofensivo para qualquer pessoa normal. O que os AA alegaram foi que agricultavam os prédios que compõem a unidade de prédios com excepção da faixa com cerca de 28 metros, faixa esta que onerava o seu prédio rústico descrito na alínea B), pois servia de servidão de passagem para o palheiro (prédio dominante), adquirido pelos RR.

FF.      Os próprios RR não alegaram que tal faixa fosse considerada sua propriedade, nem podiam, pois quando adquiriram o palhal referiram possuir uma servidão de passagem pelos prédios dos AA, em carta dirigida pela sua mandatária, ao tempo, à Câmara Municipal de ..., tudo como melhor se alcança dos documentos de fls 151°, 156° dos autos.

GG.     Tal como se alcança e resulta da prova dada como provada, os AA são donos e possuidores de dois prédios urbanos e um rústico (ponto 3 dos factos provados), apresentando-se como uma única unidade (ponto 4 dos factos provados) a qual se encontra toda ela vedada para o exterior. nomeadamente através de muros de pedra (ponto 6 dos factos provados pelo Tribunal da Relação), em particular na parte que esses muros confrontam, a sul. com um prédio dos Réus (ponto 7 dos factos provados tribunal).

HH.     Os RR, quando demoliram um muro de pedra (ponto 5 e 6 ) que vedava a unidade dos prédios dos AA (ponto 7.) e que confinava, a sul, com um prédio dos Réus (ponto 7), em 16.10.2008 passaram a ocupar os 28m² de terreno (ponto 5 A), (tendo para o efeito edificado um outro muro, em local diferente, tendo acrescentado ao seu prédio vinte e oito metros quadrados que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num      dos seus três prédios constituintes (ponto 8 eliminado pelo tribunal da relação).

II. O acesso ao palheiro, sempre se fez, através da unidade de prédios dos AA, sendo que tal acesso se fazia de norte (rua Pública) para sul e aí chegado, flectia para poente rente ao muro de pedra, propriedade dos AA (pontos 5, 6 e 7) demolido pelos RR (5 A) passando a ocupar essa faixa de 28 m2, desde o dia da sua demolição em 16.10.2008.

JJ.        Logo, o palheiro encontra-se implantado no interior da unidade de prédios dos AA e era através desta que desde tempos imemoriais se acedia ao mesmo, através de uma servidão de passagem que onera aqueles prédios, pois, havia um muro em pedra a separar aquele do prédio rústico dos RR.

KK. Diga-se que o tribunal de 1ª instância, que julgou os autos por duas vezes, decidiu por duas vezes de forma clara e coincidente ao afirmar que as provas produzidas, documental, pericial, testemunhal e inspecção judicial, chegaram para formar a respectiva convicção sobre que a faixa de terreno era parte integrante da unidade predial a propriedade dos AA, tudo como melhor se passa a descrever:

"Muito resumida e sucintamente, e de acordo com os factos provados, verifica-se que os autores são donos de um conjunto de três prédios que formam uma unidade organizada, e esse facto nem é sequer contestado pelos réus.

Porém, igualmente se prova que o conjunto de três prédios pertencentes aos autores integra a faixa de cerca de vinte e oito metros quadrados aqui em disputa, e que foi apropriada através da sua separação da unidade de prédios dos autores através da (demolição de um muro em pedra –  acrescentamos nós) construção de um muro que, no total, ficou com cerca de dois metros e meio de altura.

Os autores fazem assim jus ao deferimento das suas pretensões respeitantes à declaração da propriedade, bem como de que essa propriedade integra a área em discussão, o que, nos termos em que a ocupação do espaço foi realizada – ou seja, através da demolição de um muro e da construção de um outro, em local distinto – só se torna viável através da demolição do muro construído e reconstrução do elemento divisório originário ".cf. Sentença do tribunal de ]ª instância.  

LL.      Ora, sem prejuízo das discordâncias acima apontadas à decisão proferida, discordam os recorrentes, em absoluto com a decisão proferida, pois, verifica-se, no caso "sub judice" uma clara desvalorização da(s) sentença(s) de lª Instância por parte do Tribunal da Relação, ao fazer tábua rasa aquela (s) sentença(s) deveria ter como ponto de partida a decisão recorrida, e verificar se o tribunal de 1ª instância julgou bem a matéria em causa, o que não fez.

MM.    Não se vislumbra na decisão ora recorrida qualquer fundamentação plausível para justificar que a decisão do tribunal de 1ª Instância é errada. É necessário demonstrar o erro! O que não foi feito, nem sequer fundamentado, pelo que, violou o tribunal da relação o disposto nos artigos 1311°, 1305º do Código Civil e 712° do CPC

E ainda, novamente, sem prescindir,

NN.     O Acórdão do tribunal Ad Quem está em contradição com um outro Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, já transitado em julgado, também proferido nestes mesmos autos (24/09.2TBMDA), pois, neste ultimo, é aceite que o quesito 8° não se apresenta com conclusivo, que não contempla conceitos de direitos, tendo ainda sido aceite a resposta dada pelo tribunal de 1ª instância, resposta essa que foi igual à que deu quando decidiu pela segunda vez. Cf. Artigos 678º e 721º-A, ambos do CPC.

Termos em que se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão de que se recorre, substituindo-se por um outro que julgue reconheça o direito dos AA nos precisos termos que o fez a sentença proferida pelo tribunal da 1ª Instância, tudo com as necessárias consequências legais e como é de inteira JUSTIÇA.»

Os réus contra-alegaram, sustentando não ser admissível o presente recurso, “nos termos do nº 4 do (…) artigo 662º e do nº 3 do art. 674º do NCPC” e, se assim se não entender, que deve ser mantido o acórdão recorrido e concluindo nestes termos:

«1.A presente decisão, nos termos do n° 4 do art° 662°, e do n° 3 do art° 674 do NCPC é irrecorrível devendo ser indeferido in limine o requerimento de interposição.

2.0 douto acórdão referido ao anular a resposta ao quesito 8° por a considerar conclusiva, por conter um juízo de valor e uma afirmação de direito não violou qualquer disposição legal, mormente o artº 662 do NCPC.

3.Como não violou o Principio do Dispositivo e, muito menos quaisquer normas constitucionais.

Deve, assim, negar-se provimento ao recurso mantendo-se o douto acórdão recorrido».

O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

4. Vem provado da sentença de fls. 411, acrescentando-se as alterações ditadas pelo acórdão recorrido:

 

1). A favor dos autores encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Meda sob o n.º … (cotas Ap. 1 e Ap. 3 de 1998/12/18) e inscrito na matriz predial urbana de ..., sob o artigo …°, um prédio urbano, sito na Rua .., ..., freguesia de …, concelho de ..., composto de casa de rés-da-chão e primeiro andar e logradouro, com a área total de 204,1 m2, que confronta a Norte com caminho público, a Sul e Nascente com AA e a Poente com GG (al. A da lista de factos assentes)

2) A favor dos autores encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Meda sob o nº …(cota …) e inscrito na matriz predial rústica de ..., sob o artigo 413°, um prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de terra de batata e amendoeiras, com a área de 77 m2, que confronta a Norte com AA, a Sul com serventia particular, a Nascente com herdeiros de HH e a Poente com II. (al. B da lista de factos assentes)

3) A favor dos autores encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Meda sob o n.º …(cota Ap. 1 de 2001/11/15) e inscrito na matriz predial rústica de ..., sob o artigo ..°, um prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de terra de batata e pastagem, com a área de 234 m2, que confronta a Norte com caminho público, a Sul e Nascente com II e a Poente com JJ. (al. C da lista de factos assentes)

4) Os prédios descritos em A), B} e C) apresentam-se actualmente como uma única unidade. (al. D da lista de factos assentes)

5) Os réus procederam, no dia 16/10/2008, à demolição de um muro de pedra. (al. E da lista de factos assentes)

5 A) ADITADO PELA RELAÇÃO, por o considerar assente, por acordo das partes: Na data de 16/12/2008 (em que procederam à demolição de um muro de pedra) os réus também ocuparam cerca de 28 m² de terreno.

6) A unidade dos prédios dos autores é vedada para o exterior, nomeadamente através de muros de pedra (quesito 1º).

7) Em particular na parte em que esses muros confrontam, a sul, com um prédio dos réus. (quesito 2º)

8) O muro demolido referido em 5) tinha altura que, em concreto, não foi possível fixar, mas inferior a metro e meio (quesito 3º)

9) ELIMINADO PELA RELAÇÃO: Ao derrubarem o muro de pedra e edificarem um outro, em local diferente, os réus acrescentaram, ao seu prédio, vinte e oito metros quadrados que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus três constituintes. (quesito 8º)

10) O muro que os réus construíram tem uma altura média de dois metros e sessenta. (quesito 9º)

11) Os réus colocaram várias fiadas de blocos de cimento em cima de um muro de pedra, situado a poente do prédio descrito em 2, com oitenta centímetros de largura e um metro e trinta de altura. (quesito 10º)

12) Fazendo com que esse muro passasse a atingir mais de um metro e oitenta de altura. (quesito 11º)

13) Tudo isso contra a vontade dos autores. (quesito 12º)

14) E sem o respectivo licenciamento camarário. (quesito 13º)

15) Pelo que foi levantado um auto de contra-ordenação pela Câmara Municipal da … (quesito 14º)

16) Com a construção do muro com altura média de dois metros e sessenta, parte da unidade dos prédios dos autores viu reduzida a sua exposição solar. (quesito 15º)

17) A unidade dos prédios referida em 4) é formada por diversas construções, algumas delas construídas até à estrema do prédio dos réus, que se situa a sul. (quesito 16º)

18) Os autores tiveram que indemnizar os réus, por motivo que não foi possível fixar com rigor. (quesito 19º)

19) Rente ao prédio dos réus, e com seis metros e oitenta e cinco de comprimento, os autores edificaram uma construção que pode ser utilizada como galinheiro. (quesito 20º)

20) Existe um conjunto de pedras dispostas ao alto e em fila no interior da unidade [que compõe o prédio dos autores, na sentença] predial referida em 4 [Relação] (quesito 23º)

21) A par dessa fila de pedras encontra-se uma rede de vedação aí colocada pelos autores há anos. (quesito 24º)

22) Rede essa de arame, e com altura próxima de metro e meio. (quesito 25º)

23) Desde há muitas dezenas de anos, e até há lapso de tempo que não foi possível fixar com rigor, mas não inferior a dez anos, os réus e anteriores donos do palheiro acediam ao mesmo por sobre uma faixa de terreno com cerca de um metro de largura. (quesito 27º)

24) Os réus e anteriores donos do palheiro acediam a essa faixa de terreno depois de passarem numa eira que lhes pertencia a eles e a outros co-proprietários. (quesito 28º)

25) Essa eira situava-se em local que não foi possível fixar com rigor mas no interior da unidade de prédios [presentemente pertencentes aos autores, na sentença], referida em 4, Relação (quesito 29º)

26) De momento, é impossível, trilhando exactamente a mesma faixa de terreno, aceder ao palheiro. (quesito 30º)

27) Para acederem ao palheiro, os réus demoliram um muro. (quesito 31º)

28) O muro que os réus edificaram tem a altura máxima das construções que os autores levantaram na unidade de prédios [que lhes pertence, na sentença] referida em 4, Relação (quesito 37º).

29) O prédio dos réus é murado em todos os seus limites, com excepção das estremas onde se situa o palheiro e onde os autores edificaram. (quesito 38º)

30) Os autores construíram os edifícios correspondentes aos prédios inscritos na matriz da freguesia do ..., sob os artigos …º e …º. (quesito 39º)

31) À excepção, em tempos, do direito de passagem do dono do palhal presentemente pertencente aos réus, por si e seus antecessores, há mais de cinquenta anos, ininterruptamente, os autores utilizam e colhem o produzido [naquela unidade de prédios, na sentença], na unidade de prédios referida em 4, Relação. (quesito 40º).

32) À vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, ignorando a eventual lesão de direitos de outrem e sem coacção. (quesitos 41º, 42º, 43º e 44º)

33) Pagando a contribuição de todos os três prédios. (quesito 49º)

A Relação eliminou: “Ali plantando couves, feijão, cebolas, alhos, batatas e árvores de fruto. Dormindo e confeccionando refeições no prédio inscrito sob o artigo ..º. Guardando alfaias agrícolas, galinhas e demais haveres no prédio inscrito sob o artigo …º. Agricultando e colhendo batatas, couves, alhos, cebolas, feijão e laranjeiras no prédio inscrito sob o artigo …º.”, corrigindo a sentença “em função das repostas dadas aos quesitos”.

5. Os recorrentes colocam, portanto, as seguintes questões:

– Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia;

– Indevida alteração da base instrutória e da resposta ao respectivo quesito 8º;

– Erro de julgamento, por haver prova de que a faixa de terreno com 28 m² em discussão neste processo faz parte integrante da unidade de prédios dos AA.

6. Os recorrentes arguiram a nulidade do acórdão recorrido por ter omitido a apreciação dos “os pontos 29° a 41 e pedido III constante da petição inicial e constantes da decisão de primeira instância sob a alínea b)” – ou seja:

– a alegação de que, mesmo que o muro demolido fosse dos réus, a altura do que construíram é superior à legalmente permitida, correspondendo a um exercício abusivo do “direito de tapagem ou de vedação”, prejudicando a entrada do sol no prédio b) e, consequentemente, as culturas nele existentes e causando prejuízos, afirmando (artigo 41º) “que se relega para execução de sentença a determinação do montante dos prejuízos, uma vez não estarem presentemente determinados ”  (artigos 29º a 41º da petição inicial);

 – pedido de condenação dos réus “a demolirem os muros construídos e deixar livre e desocupada a área por si ocupada (28,58 metros do quintal) e construir um muro em pedra numa distância de 22 metros, com cerca de oitenta centímetros de largura por 1,30 metros de altura” (pedido III da petição inicial); julgado procedente em 1ª Instância, nestes termos: “Condeno os réus a demolir o muro de blocos construído e a deixar livre e desocupada a referida área de cerca de vinte e oito metros quadrados, bem como na construção do muro divisório de pedra anteriormente existente”.

Entende-se que os recorrentes consideram que o acórdão recorrido tinha de se pronunciar sobre o alegado abuso na construção do muro.

No acórdão recorrido disse-se o seguinte, a terminar:

“Donde a conclusão de que além do reconhecimento do direito de propriedade dos AA sobre os prédios dos pontos 1), 2) e 3) supra – o que não é objecto de discussão – nada mais se pode julgar como procedente, improcedendo a acção, assim, quanto ao mais, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida, o que se decide.

            Apenas cumpre ainda referir que apesar dos AA, em sede de petição, ainda terem alegado que a altura com a qual os RR construíram o novo muro é demasiada – pontos 29 a 40 –, na verdade não formularam qualquer pedido atinente, pelo que não se cuida de conhecer de tal alegação.”

              Ou seja: a Relação considerou a questão agora em causa, esclarecendo que não se apreciava por não ter sido formulado pelo autores nenhum pedido assente nessa alegação; o que é exacto, conforme se pode verificar da leitura dos pedidos feitos na petição inicial, na sua parte final:

“Nestes termos, e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, consequentemente, decidir-se”, seguindo-se os pedidos I) a V), cujo conteúdo se descreveu no ponto 1. deste acórdão.

            Com efeito, os pedidos têm de ser discriminadamente formulados na parte final da petição inicial, e só deles o tribunal pode conhecer: cfr. al. e) do nº 1 do artigo 467º e nº 1 do artigo 661º do Código de Processo Civil em vigor à data da apresentação da petição inicial em juízo. A exigência de delimitação formal dos pedidos explica-se porque delimitam o poder de cognição do tribunal, vinculado qualitativa e quantitativamente pelos pedidos deduzidos.

            Não releva a afirmação de prejuízos cujo montante será determinado; nenhum pedido foi efectiva e formalmente formulado.

            Improcede, assim, a arguição de nulidade.

 

            7. Os recorrentes sustentam ainda que a Relação alterou indevidamente a base instrutória, suprimindo o quesito 8º e a respectiva resposta (parcialmente incluída na lista dos factos assentes, como se viu).

            Ora, saber se a Relação assim podia proceder, ou não, não se reconduz a determinar se a Relação usou indevidamente os poderes de alteração da matéria de facto que lhe são hoje concedidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil hoje vigente (correspondente ao artigo 712º do Código de Processo Civil anterior); não ocorre assim, desde logo, a irrecorribilidade apontada pelos recorridos.

            Aliás, a Relação considerou prejudicada a apreciação da impugnação deduzida contra o julgamento de facto, no que toca à resposta dada ao quesito 8º.

            Os recorrentes acusam o acórdão recorrido de contrariar o primeiro acórdão proferido nestes autos pelo mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, de fls. 229, no que respeita à correcção da formulação do quesito 8º.

            Ora o acórdão de fls. 229 não afirmou expressamente que “o mesmo não era conclusivo nem que se estava perante conceitos de direito” (ponto R das alegações dos recorrentes); mas considerou, necessariamente, que a sua formulação não impedia que desempenhasse a função de identificação de matéria de facto a ser provada, pois foi confrontado expressamente com a impugnação da resposta que lhe foi dada no julgamento de facto (que, recorde-se, não julgou, por entender haver que ampliar a matéria de facto).

Como se sabe, a verdade é que não tem nenhum carácter de definitividade a elaboração dos quesitos, ou a sua inserção na base instrutória. Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Janeiro de 2014 (www.dgsi.pt, proc. nº 695/09.0TBBRG.G2.S1), “A base instrutória não é definitiva, seja ou não objecto de reclamação. Eliminada pelo novo Código de Processo Civil, mas existente enquanto decorreu o processo em 1ª e 2ª Instâncias, podia ser ampliada por decisão tomada na audiência final (al. f) do nº 2 do artigo 650º do Código de Processo Civil, na versão relevante), em recurso de apelação (nº 4 do citado artigo 712º) ou mesmo por determinação do Supremo Tribunal de Justiça (nº 4 do artigo 729º)”. No caso presente, e apesar de já estar em vigor o Código de Processo Civil de 2013 quando foi proferido o segundo acórdão, é manifesto que se tem de aplicar à averiguação da correcção da base instrutória o regime anterior; em rigor, portanto, a Relação não estava impedida de corrigir o quesito 8º.

8. Até certo ponto, a questão é semelhante à que foi apreciada no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Outubro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 6257/07.9TBVNG.P1.S1; embora, no caso presente, os réus não tenham pedido que se declare serem os proprietários da área de 28 m² que vem provado que ocuparam, mas apenas que fosse julgada improcedente a acção.

Mas também se verifica que a questão central do processo – como aliás se observa no acórdão recorrido – é a de saber se essa área integra ou não os prédios de que os autores são proprietários. Todavia, não se trata, nem da única questão a decidir, nem tão pouco fica resolvida a causa com a resposta positiva ao quesito 8º, desde logo por terem sido quesitados factos alegados pelos réus na sua defesa.

Na verdade, o texto do quesito 8º apenas pergunta se, numa data passada – 16 de Outubro de 2008 – os réus “ocuparam, em cerca de 28 metros, o prédio descrito” na alínea B) dos factos assentes (o prédio b)). Ora, para além de não se poder levantar qualquer dúvida quanto ao significado de facto desta referência ao prédio b), a verdade é que a matéria de facto seleccionada permitia apurar qual das duas versões de facto eram correctas, se a dos autores, se a dos réus. Aliás, que as partes não tiveram qualquer dúvida sobre o que lhes cabia provar resulta (1) de a redacção do quesito ter tido o acordo de ambas (2) de os réus, ao recorrerem, por duas vezes, para o Tribunal da Relação de Coimbra, terem vindo reagir contra o julgamento do quesito 8º, afirmando que o tribunal não analisou criticamente as provas nem apresentou os fundamentos que o justificam, e impugnando a resposta, sustentando que não corresponde à prova produzida.

Recorde-se, por exemplo, que ao quesito (aditado em cumprimento do acórdão da Relação de fls. 229) “40. Por si e antecessores, há mais de cem anos, os autores agricultam e colhem o produzido naqueles prédios ininterruptamente”, o tribunal respondeu “provado, apenas, e esclarecendo que – à excepção, em tempos, do direito de passagem do dono do palhal presentemente pertencente aos réus – por si e por seus antecessores, há mais de cinquenta anos, ininterruptamente, os autores utilizam e colhem o produzido naquela unidade de prédios”, referindo-se evidentemente ao conjunto dos três prédios dos autores e excluindo dessa utilização pelos autores, o direito de passagem do dono do palhal.

A Relação não excluiu, nem o quesito, nem a resposta, apesar de ter implícito que a parcela em litígio integrava a unidade dos três prédios; apenas substituiu “unidade de prédios” por “unidade de prédios referida em 4” (é esse mesmo conjunto).

9. Apesar das diferenças entre os dois casos, a verdade é que, também no caso presente, ao eliminar o quesito 8º e parte da respectiva resposta, sem substituir o quesito por outro, que permitisse aos autores fazer prova sobre a localização da área ocupada dentro do conjunto de prédios (do prédio b), mais precisamente), a Relação inviabilizou a procedência do pedido de reconhecimento de que essa área era de sua propriedade.

Entende-se que o quesito 8º pode ser interpretado na sua dimensão fáctica, sem necessidade de uma (nova) anulação e produção de prova em 1ª Instância; e que, assim sendo, cumpre anular o acórdão recorrido, nos termos previstos no nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil, para que julgue a alegação de falta de especificação da fundamentação da resposta e a impugnação da resposta correspondente.

            Não se afigura possível definir desde já a solução jurídica aplicável (nº 2 do artigo 683º do Código de Processo Civil).

10. Fica portanto prejudicada a apreciação do alegado erro de julgamento, por haver prova de que a faixa de terreno com 28 m² em discussão neste processo faz parte integrante da unidade de prédios dos AA.

11. Assim, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 682 e no artigo 683º do Código de Processo Civil, anula-se o acórdão recorrido e determina-se que o processo regresse ao Tribunal da Relação de Coimbra para que seja julgada a alegação de falta de fundamentação e a impugnação da reposta ao quesito 8º da base instrutória, pelos mesmos juízes que intervieram no acórdão anulado, se possível.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 24 de Abril de 2014

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes Rego