Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ALD LOCAÇÃO FINANCEIRA REGIME JURIDICO DIREITOS DO LOCATÁRIO RESOLUÇÃO DE COMPRA E VENDA EFEITOS SOBRE A RELAÇÃO DE ALD INCINDIBILIDADE DA RELAÇÃO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 09/10/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA / CONTRATO DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO. DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS. | ||
Doutrina: | - Gravato Morais, Manual da Locação Financeira, p. 150. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 433.º, 434.º. D.L. N.º 143/95, DE 24-6 DE JUNHO (REGIME JURÍDICO DA LOCAÇÃO FINANCEIRA): - ARTIGO 13.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 15/5/08, PROCESSO N.º 08B332, EM WWW.DGSI.PT | ||
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Sumário : | 1. O locatário tem, no âmbito da locação financeira, legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava. 2. É analogicamente aplicável o regime, estabelecido para a locação financeira no art. 13º do DL 149/95, à relação contratual, atípica e complexa, caracterizada pela celebração de contrato de ALD de certo veículo, prevendo as partes a opção de compra do mesmo pelo locatário no termo do contrato, por preço fixado, - e aderindo o locador, chamado a intervir na acção que visava reconhecer a eficácia da resolução extrajudicial, aos articulados apresentados pelo Autor. 3. Não é, porém, possível ao locatário cindir , na relação contratual complexa existente entre as várias partes, o negócio de compra e venda e a locação/ALD, de modo a pôr termo ao primeiro, sub rogando-se ao comprador do veículo no exercício do direito potestativo de resolução, mas mantendo absolutamente intocada a típica eficácia do ALD, permanecendo na fruição do veículo durante o respectivo prazo de duração e exercitando mesmo, a final, a opção de compra: a opção pela via da resolução projecta-se inelutavelmente em toda a relação contratual complexa, não podendo subsistir uma locação ALD quando, por efeito do acto resolutivo, o locador ficou privado da propriedade do veículo locado.
4. Na verdade, o efeito típico da resolução do contrato, tal como é definido nos arts. 433º e 434º do CC, priva irremediavelmente de base ou suporte a própria locação/ ALD , por tal efeito extintivo da relação contratual de compra e venda inviabilizar de pleno a fruição e ulterior aquisição pelo locatário do bem locado . | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, Ldª instaurou acção de condenação, na forma ordinária, contra BB, Ldª, pedindo:
1 - que seja declarada válida e eficaz a resolução operada pela demandante, com as legais consequências ou, 2 - subsidiariamente, para o caso de a resolução praticada pela demandante não ser considerada válida e eficaz, atenta a factualidade alegada, seja o contrato em mérito declarado resolvido por via judicial; 3 - subsidiariamente ainda, atento o erro sobre o objecto mediato, seja declarada a anulabilidade do contrato de compra e venda, com as legais consequências.
Declarado resolvido e/ou anulado o contrato de compra e venda, deverão as demandadas, solidariamente ou não, ser condenadas: a) a restituir o valor relativo à contrapartida pela aquisição do veículo, computando-se o já liquidado em € 13.795,05 (treze mil, setecentos e noventa e cinco euros e cinco cêntimos), correspondente ao valor já pago por conta do valor do veículo (referente a 20 prestações já vencidas e pagas, no valor de € 607,73 cada, bem como uma primeira prestação de € 1.640,45), bem como em igual quantia mensal de € 607,73 até cumprimento do contrato em 01/10/2001, bem como ainda na quantia de € 5.531,44 referente à venda do veículo pela locadora à demandante; b) caso assim se não entenda, sempre será devido à demandante o preço de venda do veículo, de € 32.808,98, acrescido de juros de mora até efectivo pagamento, à taxa comercial, ascendendo os já vencidos a € 5.782,67, como restituição dos frutos civis – juros – vencidos desde o recebimento do preço e vincendos até pagamento, dado que, como a resolução depende de culpa da parte faltosa, deverá esta ser equiparada ao possuidor de má fé no que respeita à restituição dos frutos; c) na quantia de € 5.850,00, a título de privação do uso, calculados desde a resolução até à presente data e referente ao período em que o veículo esteve nas oficinas das demandadas, e em igual quantia diária até que as demandadas restituam o valor do veículo e, d) ainda nas despesas e encargos que a demandante suporte com a recolha, guarda e depósito do veículo – vulgo parqueamento – deverá ser suportado pelas demandadas, valor que se remete para liquidar em execução de sentença, por não ser neste momento conhecido, quantificável e líquido.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: Em 1/10/2007, celebrou um contrato de aluguer de longa duração com o CC - Crédito Especializado, SA, que teve por objecto o veículo Renault Laguna, de matrícula ...-EJ-..., adquirido, em 28/9/2007, à primeira demandada e fornecido pela segunda ré, pelo preço de 32.808,98 €, com a duração de quatro anos, ficando com a opção de compra, no fim do contrato, pelo valor de 4.609,53 €. Tal veículo apresenta várias anomalias desde a sua aquisição, o que motivou a apresentação de reclamações junto das demandadas que providenciaram pela reparação, a última das quais em 10/11/2008, sem qualquer êxito. Em face disso, porque persistiam as anomalias, resolveu o contrato de compra e venda por carta registada de 21/11/2008 que enviou à primeira demandada e que foi por ela recebida no dia 25 seguinte. Em 25/11/2008, foi-lhe enviada uma carta pela 2.ª demandada informando-a de que o veículo se encontrava conforme o preconizado pelo construtor e, em 10/12/2008, interpelou-a para que procedesse ao levantamento da viatura na oficina onde se encontrava, dado estar devidamente reparada, o que não se verificou continuando a apresentar maus cheiros. Em 11/5/2009, confirmou à 1.ª demandada a resolução já operada e deu conhecimento à 2.ª demandada, por cartas registadas por ambas recebidas, e interpelou-as para a restituição do preço, pondo à sua disposição o veículo. Em consequência da conduta das rés, sofreu danos, correspondentes às prestações que teve de pagar à locadora e terá ainda que pagar ou ao preço do veículo.
As rés contestaram por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, a ilegitimidade activa e passiva e a caducidade do direito de acção, e por impugnação, concluindo pela procedência das excepções e pela sua absolvição da instância ou do pedido e, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção com a consequente absolvição dos pedidos. A autora replicou, pugnando pela improcedência das invocadas excepções e requerendo a intervenção principal provocada de CC - Crédito Especializado, SA, Instituição Financeira de Crédito, S.A.. Admitida a requerida intervenção, foi citada a interveniente, que fez seus os articulados da autora.
No despacho saneador, foram julgadas improcedentes a invocada nulidade por ineptidão e as excepções da ilegitimidade activa e passiva, tendo sido relegada para final a apreciação da caducidade. Após instrução, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença, que decidiu julgar procedente a excepção peremptória da caducidade e absolver as rés dos pedidos. A apelação interposta foi julgada improcedente, com a consequente confirmação da sentença recorrida. Desse acórdão foi interposto recurso de revista excepcional, tendo o STJ, no acórdão proferido nos autos a fls. 794 e seguintes revogado o mesmo, “na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, julgando tal excepção improcedente e considerando, em consequência, tempestiva a acção proposta” e determinando “a remessa dos autos à Relação para apreciação do mérito da acção”, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 665.º do CPC. 2. Recebidos os autos, foram as partes notificadas nos termos do n.º 3 do art.º 665.º do CPC para se pronunciarem sobre o mérito da acção, já que não o haviam feito no recurso de apelação. A autora/recorrente pronunciou-se, então, nos termos de fls. 845 a 852, pugnando pela verificação da resolução extrajudicial do contrato e pela procedência dos pedidos formulados sob os n.ºs 1e 3, als. a), b) e c). As rés/recorridas pronunciaram-se nos termos constantes de fls. 869 a 882, onde invocam a “revisão oficiosa da matéria de facto”, a sua ilegitimidade, a falta de causa de pedir e a desproporção da indemnização, concluindo pela improcedência da acção ou pela redução dos pedidos indemnizatórios por abuso de direito – notando que a autora/recorrente limitou o conhecimento ao pedido principal e aos seus efeitos jurídicos, assim restringindo o âmbito do recurso e da acção, pelo que só destes importa conhecer.
De seguida, enumerou o acórdão a matéria de facto provada, nos seguintes termos:
1. A 1.ª ré, como concessionária da marca Renault, é representante e distribuidora da marca Renault para os concelhos de Vila Nova Famalicão, Santo Tirso e Trofa, tendo como objecto social a comercialização, serviço pós venda e pelo comércio de peças originais da marca Renault (sítio:www.BB.pt) 2. A 2.ª ré é representante em Portugal da Renault. 3. A 2.ª ré vende os veículos a uma rede oficial de distribuidores – in casu, à 1.ª ré -, que os revendem depois em nome próprio, aos clientes finais. 4. O serviço pós venda dos veículos da marca Renault, manutenção, revisão, reparação, é realizada por uma rede oficial de reparadores autorizados – in casu, entre as quais, a 1.ª ré -, os quais, na maioria das vezes, acumulam também a qualidade de distribuidores. 5. É nesta rede de distribuidores e reparadores autorizados que se integra a actividade comercial da 1.ª ré, com ambas as qualidades. 6. Em 24-04-2008, a 1.ª ré procedeu à limpeza dos filtros de partículas do habitáculo – cfr. doc. 5. 7. Àquela data, o veículo tinha apenas 5.692 Km. 8. Em 18-09-2008, o veículo tinha 9.200 Km. 9. Em 13-10-2008 foram realizados trabalhos de limpeza de filtros e do circuito de ar condicionado. 10. O veículo tinha à data desta intervenção, apenas 9.766 Km. 11. Em 03-11-2008, o veículo apresentava 10.047 Km. 12. Passados 5 (cinco) dias, em 07-11-2008 – 6.ª feira – quando a autora foi “levantar” o veículo, foi-lhe dito que a oficina tinha procedido à desmontagem do tablier, à desmontagem dos cintos de segurança. 13. Não tendo sido detectado a causa do problema. 14. Nesta data, as intervenções da oficina Renault EE, foram acompanhadas pelo departamento técnico da Renault Portugal – cfr. doc. 12. 15. Logo na 2.ª feira seguinte, dia 10-11-2008, conforme acordado com a oficina, a autora depositou o veículo nas instalações da Renault da EE – cfr. doc. 13. 16. Àquela data, o veículo apresentava apenas 10.237 Km. 17. As rés não detectavam as causas dessas mesmas manifestações. 18. A autora, por carta registada com aviso de recepção datada de 21-11-2008, comunicou à 1.ª ré a resolução do contrato de compra e venda – cfr. doc. 14 e 15. 19. Carta esta que foi recepcionada pela ré em 25-11-2008 – cfr. Doc. 16. 20. Nessa mesma carta, a autora, invocando a cronologia das sucessivas intervenções pelas oficinas das rés, 21. A persistência dos problemas e seu agravamento e, 22. Sobretudo, as manifestações nas pessoas desses mesmos odores e cheiros de carácter tóxico, com dores de cabeça, pressão encefálica, tonturas, enjoos, hemorragias nasais, inflamações e irritações das vias respiratórias, dos olhos e das mucosas, perdas de consciência, latejar das têmporas, 23. Não tendo inclusive, segundo referiram, sequer detectado a causa do problema, 24. A 2.ª ré, posteriormente, enviou à autora uma carta com data de 25-11-2008, segundo a qual preconizava a conformidade do veículo com os requisitos do construtor – cfr. Doc. 18 25. A que a autora respondeu, por carta registada com aviso de recepção de 28-11-2008 – cfr. Doc. 19, 20 e 21 26. Posteriormente, a autora foi interpelada pela 2.ª ré, por carta de 18-12-2008, no sentido de proceder ao levantamento do veículo que se encontrava nas instalações da Boavista – cfr. Doc. 22. 27. Na sequência daquela enviada em 10-12-2008, segundo a qual seriam debitados €: 15,25 por cada dia que decorresse até ao levantamento do veículo. 28. O que a autor fez, procedendo ao levantamento do veículo. 29. Todavia e apesar da resolução do contrato pela autora e da posição tomada pelas rés, a 1.ª ré pretendeu ainda tentar apurar a causa dos odores e cheiros e, 30. E a sua eliminação. 31. Para o que convenceu a autora a permitir esses trabalhos, 32. Perante a ausência de resposta, por carta registada com aviso de recepção, datada de 11-05-2009, a autora confirmou à 1.ª ré a resolução já operada – cfr. Doc. 23 e 24. 33. Recepcionada pela 1.ª ré em 12-05-2009 – cfr. Doc. 25 34. Carta que foi igualmente enviada à 2.ª ré – cfr. Doc. 26 e 27 35. Recepcionada em 13-05-2009 – cfr. Doc. 28 36. Nestas cartas, atenta a resolução do contrato, a autora procedeu à interpelação das rés para procederem à restituição do preço. 37. Sendo que colocou à disposição das mesmas o veículo, 38. Interpelando-as expressamente para indicarem local, dia e hora para a entrega do veículo, 39. Além do mais, a autora adquiriu este veículo para assegurar as deslocações do seu sócio-gerente, aos clientes, fornecedores, a parceiros. 40. Na verdade, foi a autora quem escolheu o veículo, as suas características, o modelo, a cor, a potência, a cilindrada, os acessórios extras. 41. A autora tem como objecto social a instalação eléctrica de comunicações e de climatização, comércio de electrodomésticos, aparelhos de rádio e televisão – cfr. doc. 2 42. A segunda ré procede à importação para Portugal de veículos da marca Renault. 43. No dia 28-09-2007, a autora adquiriu à 1.ª ré um veículo automóvel de marca Renault, modelo Laguna Break, 2.0 dCI de 175 cv, de cor preta, com matrícula ...-EJ-..., no estado novo, pelo preço de €: 32.808,98 – cfr. doc. 3. 44. Sendo que, para financiamento da aquisição, a autora celebrou com a CC - Crédito Especializado, SA, S.A., um contrato de ALD, aluguer de longa duração, com o n.º …. 45. Segundo o qual está assegurado, no final de duração do contrato, a opção de compra do veículo pelo valor de €: 4.609,53, sendo que a autora já optou pela compra, tendo já registado o veículo em seu nome. 46. O valor real de aquisição ascenderá aos €: 41.200,47, em resultado do preço final a pagar no cumprimento do contrato de aluguer de longa duração, celebrado entre a autora e a CC - Crédito Especializado, SA, S.A., com o n.º …, 47. Pelo qual a locadora, após ter pago o preço de aquisição à 1.ª ré, é credora perante a autora do valor de €: 41.200,47 – cfr. doc. 4 48. A média prevista para este veículo para que se proceda aos serviços de manutenção programada é de 30.000 em 30.000 km ou de 24 em 24 meses. 49. Desde a aquisição do referido veículo que este apresentava várias anomalias e, 50. A autora foi apresentando reclamações junto da vendedora, ora 1.ª ré. 51. E posteriormente à 2.ª ré. 52. Com o que o veículo foi sendo assistido e vistoriado quer na oficina da vendedora, quer, posteriormente, na oficina da Renault Boavista – ambas reparadoras autorizadas. 53. Para apuramento dos vícios, desconformidades e/ou defeitos e sua eliminação. 54. Na verdade, desde a aquisição do veículo que se nota um cheiro, um odor, sendo que o veículo apresenta uma concentração média de dióxido de carbono que ultrapassa a respectiva concentração máxima admissível (de 1.800 mg/m3), sendo os mínimos apresentados na perícia realizada de cerca de 2.500 mg/m3 e os máximos de quase 9.000 mg/m3. 55. Que a autora, inicialmente atribui ao cheiro típico de “carro novo”, eventualmente proveniente dos estofos em pele. 56. Todavia, à medida que o tempo passava, aquele cheiro foi-se agravando, a ponto de tornar insuportável a circulação dentro do veículo. 57. Dado que tais cheiros e os níveis de dióxido de carbono existente no veículo causavam, como ainda causam, grave irritação e congestionamento das vias respiratórias, dos olhos e das mucosas, enjoos e tonturas. 58. E tal irritação e congestionamento era de tal forma grave e intensa que impossibilitava a utilização do veículo de uma forma normal, atento o fim a que ele se destinava: o de assegurar as deslocações dos representantes legais da demandante e demais utilizadores do mesmo. 59. Desta vez, a 1.ª ré, na pessoa do seu director comercial, DD, referiu que o veículo teria de circular com o ventilador (chaufagem ou ar condicionado) ligado. 60. Com o que evitaria aquele problema. 61. O que causou à autora estranheza e insatisfação. 62. Com o que se deslocou à Renault EE a fim de solicitar segunda opinião. 63. E porque o problema persistia, apesar de manter o ventilador accionado permanentemente, agravando-se até, a autora, mais uma vez, deslocou-se em 24-04-2008 à 1.ª ré. 64. Em 18-09-2008, mais uma vez e perante a persistência e agravamento do problema, o veículo deu novamente entrada na oficina da 1.ª ré. 65. Com queixas de maus odores que causavam, pela sua toxidade, irritação das vias respiratórias e ao nível ocular, pressão encefálica e fortes dores de cabeça, nas pessoas que nele fossem transportadas – cfr. doc. 6. 66. Apesar das supostas intervenções pela 1.ª ré, e perante a persistência dos odores e cheiros, novamente em 13-10-2008, a autora voltou a reclamar dos odores e irritação dos olhos e das vias respiratórias. 67. Para o que desta, desta vez, se deslocou às instalações da Renault EE (Porto). 68. Tendo o veículo lá ficado depositado 8 (oito) dias – cfr. doc. 7. 69. Em 20-10-2008, perante a persistência e agravamento dos odores e cheiros e, sobretudo, das suas consequências, dado que os filhos e esposa do sócio-gerente da autora, também ela sócia, se recusavam a fazer-se transportar no veículo. 70. Dado que sempre que o faziam sentiam-se indispostos, com sintomas de congestionamento nasal e a autora, por carta registada e com aviso de recepção, comunicou à 2.ª ré, todos os factos supra alegados – cfr. doc. 8, 9 e 10. 71. Decorrido (1) mês, em 03-11-2008, e novamente porque os maus odores e irritações persistiam, a demandante dirigiu-se novamente às oficinas da Renault da EE – cfr. doc. 11. 72. O veículo esteve nas oficinas da Renault EE durante mais de (1) um mês. 73. Em 25-11-2008, privada do veículo, privada da disponibilidade e dos poderes de disposição sobre o veículo, da sua utilização, fruição e uso, 74. E porque os problemas se mantinham e vinham a agravar-se apesar da pouca circulação do veículo, 75. Tornando incomportável o transporte de pessoas 76. E porque as oficinas das rés, apesar da constatação da manifestação das anomalias, dos defeitos e/ou vícios, 77. Que impediam a sua, do veículo, utilização para o fim pretendido – de assegurar as deslocações do sócio-gerente da demandante e demais familiares que integram o respectivo agregado - 78. Apresentando os ocupantes sintomatologia supra alegada. 79. Tendo o veículo passado naquele 1.º ano, mais de 2 meses nas oficinas, 80. E ainda porque as rés não resolveram o problema, eliminando a causa dos odores e cheiros tóxicos. 81. Tendo o veículo estado nas oficinas da 1.ª ré largos períodos de tempo. 82. Tendo sido experimentado pelos Srs. Eng. FF e GG. 83. Os quais solicitaram à autora que aguardasse, dado que iriam solicitar junto da Renault uma solução para o problema, fosse a eliminação do problema, fosse a substituição do veículo, fosse a restituição do preço. 84. Em meados de Janeiro de 2009, dois representantes da 2.ª ré, os Srs. HH e o Sr. Eng. II procederam à experimentação do veículo em circulação. 85. E que, em 15 dias, seria apresentada uma solução à demandante. 86. Desde então que o veículo, ainda que na disponibilidade da autora, esteve sempre parado. 87. Apresentando actualmente 12.723 Km. 88. A autora não obteve qualquer resposta relativamente à interpelação das rés para indicarem local, dia e hora para entrega do veículo. 89. A autora procedeu à resolução do contrato. 90. A coisa comprada, o veículo, não pode ser considerada adequada ao uso normal que lhe está adstrito, a sua circulação e permitir a quem nele circula, fazê-lo sem perigo para a sua saúde e para os demais utilizadores da via pública. 91. Nem para o uso específico para que a autora o destinava, para assegurar as deslocações do seu sócio e gerente a clientes, fornecedores, associados, parceiros, feiras e convenções, 92. Sendo de todo inadequada à circulação rodoviária e ao transporte de pessoas. 93. Não era adequado para o fim para que foi concebido e adquirido. 94. Com o conhecimento de tais factos não se celebraria qualquer negócio, a autora não adquiria o veículo. 95. O que era do conhecimento da vendedora. 96. A autora está a pagar, a título de prestação, a quantia mensal de €: 607, 73, tendo já procedido ao pagamento de 20 delas, já vencidas. 97. Tendo pago ainda uma 1.ª prestação de €: 1.640,45. 98. Este veículo é o único veículo com estas características, ligeiro de passageiros de gama alta, que a autora possui. 99. Sendo proprietária de 2 veículos ligeiros de mercadorias, todos da marca Citroen, com as matrículas ...-FN-... e ...-...-UH – cfr. doc. 29 e 30. 100. Tal veículo, para além do transporte dos representantes legais da autora destina-se ainda às deslocações pessoais, aos passeios familiares de fim-de-semana e férias, com o agregado familiar. 101. Dado que o sócio-gerente e agregado não têm outro veículo. 102. A autora é accionista da “JJ - Electrodomésticos, S.A.” – cfr. doc. 31 103. Deslocando-se, duas vezes por semana, a reuniões com os restantes accionistas em Condeixa-a-Nova. 104. Conforme referido, nestes 13 meses que mediaram entre a aquisição do veículo e a resolução do contrato, a autora esteve privada do veículo semanas seguidas. 105. Num total de pelo menos 60 dias. 106. E ainda por não ter possibilidades financeiras para o fazer. 107. A custos de mercado de aluguer, um veículo de características semelhantes tem um valor diário de pelo menos €: 30,00. 108. Foi a autora quem negociou o preço com a vendedora. 109. Sendo que, celebrou com a CC - Crédito Especializado, S.A., um contrato de ALD, apenas com o intuito de financiar a aquisição do veículo, o pagamento do preço. 110. Verifica-se ainda que as partes quiseram realmente outorgar um contrato de compra e venda ainda que a prestações, com reserva de propriedade – querido indirectamente pelas partes. 111. Se a autora tivesse sido informada daquelas anomalias do veículo, nunca optaria por adquirir um produto ou serviço que, de qualquer forma, pudesse representar um risco para a saúde – ou até mesmo para a vida -, quer sua, quer de terceiros, pelo que, conhecendo os riscos, com o que nunca teria aceite contratar. 112. Porque o mesmo se encontrava dentro do período legal e contratual, de garantia, de 2 anos (art. 15º da p.i., não impugnado).
3. Passando a abordar o tema do enquadramento jurídico da matéria litigiosa, o acórdão recorrido – após passar em revista a figura da resolução do contrato e respectivos pressupostos -considerou: No caso dos autos, segundo resulta da amálgama dos factos dados como provados, designadamente sob os n.ºs 44 a 47, e sobretudo do documento n.º 4, junto com a petição inicial e que consta a fls. 49 dos autos, não impugnado, estamos perante um contrato de aluguer de longa duração, vulgo ALD, celebrado entre a autora, como locatária, e a chamada CC - Crédito Especializado, como locadora, para aquisição do veículo Renault Laguna, de matrícula ...-EJ-.... Tal contrato teve início em 1 de Outubro de 2007 e termo em 1 de Outubro de 2011, assumindo nele a autora a obrigação de pagar à referida chamada, a título de retribuição pela cedência daquele veículo, a prestação inicial de 1.640,45 € e as prestações subsequentes, mensais e sucessivas, de 607.73 €. O contrato denominado de ALD tem sido qualificado como um contrato atípico e pode configurar-se como um contrato indirecto, sendo o tipo de referência o aluguer e o fim indirecto a venda a prestações com reserva de propriedade (cfr. Ac. do STJ de 25/10/2011, processo n.º 1320/08.1YXLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt e doutrina nele mencionada). Na realidade, segundo este acórdão, “o que sucede no caso de “ALD” de automóveis (a vulgarmente designada “compra em ALD”), é que “o fim indirecto que é tido em vista pelos contratantes é conseguido através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer e de venda a prestações com reserva de propriedade, gerando-se um verdadeiro contrato misto, que nada tem «de reprovável ou de nocivo», a qualificar e interpretar na globalidade dos seus elementos, sob pena de desrespeito pela vontade dos contraentes (vd. P. PAIS DE VASCONCELOS, “Contratos Atípicos”, 244/5). Outros Autores, …., se pronunciaram sobre a natureza, qualificação e regime do contrato em causa. De notar, as, sempre a propósito, convocadas posições de GRAVATO MORAIS (“Contratos de Crédito ao Consumo”, 57 e “Manual da Locação Financeira”, 53), TERESA ANSELMO VAZ, (“Alguns Aspectos do Contrato de Compra e Venda a Prestações e Contratos Análogos”, 77), GG DUARTE, (“Algumas Questões sobre ALD”) e RUI PINTO DUARTE, (“Escritos sobre Leasing e Factoring”, 168).
Sobre elas, ao que para o caso concreto pode interessar deixar referenciado, elege-se, como ponto comum, a admissão de similitude do contrato de “ALD” com o contrato de locação financeira, desde a abertura da porta de recurso a analogia com algumas normas deste contrato (Gravato Morais) até considerá-lo uma das suas modalidades (Pinto Duarte). Num ponto, porém, todos estão de acordo: - o denominado contrato de “ALD”, concebido como um contrato misto indirecto ou como uma pluralidade de contratos interligados numa relação de coligação funcional (GG Duarte), não se mostra naturalmente assimilável ao contrato de locação em geral, seja porque no valor da retribuição entra, em regra, uma componente destinada à amortização do preço da coisa locada, a exceder a que corresponderia ao mero gozo, seja porque se convenciona a aquisição do bem pelo locatário para o termo do prazo do contrato – mediante inclusão de promessa de compra e/ou venda ou uma proposta irrevogável de venda -, o qual tenderá a ficar integralmente pago com a liquidação da última renda. Este último elemento caracterizador do “ALD”, por todos referenciado, surge especialmente posto em evidência pela referida Autora Teresa Anselmo Vaz (“Revista Português de Direito do Consumo”, n.º 14 -125) ao caracterizar o contrato como assumindo a forma de uma locação «acoplada de uma promessa unilateral ou de uma proposta irrevogável de venda». A figura, tal como desenhada, revela, pois, inegáveis afinidades com o contrato de locação financeira, integrando-se sob os aspectos económico-financeiro e funcional no campo dos contratos de crédito ao consumo ou operações similares.” Seja como for, o que não pode é confundir-se, como parece ter ocorrido na petição inicial, com o contrato de compra e venda. Esta só ocorrerá no fim do contrato de ALD, no caso de ter sido convencionada. Apenas nessa altura e nessa condição, poderá ocorrer o cumprimento do contrato-promessa que a operação comporta, mediante a celebração do contrato de compra e venda entre o locatário e o terceiro interposto pelo locador, adquirindo, só então, a propriedade dos bens e operando-se a transferência da propriedade. Por isso, não é correcta a afirmação contida no n.º 43 dos factos provados, no sentido de que o veículo aí mencionado foi adquirido à 1.ª ré em 28/9/2007, não obstante a declaração de fls. 44, emitida para efeitos fiscais, e a proposta de fls. 45, juntos como docs. n.ºs 3 e 3.1, sendo que nesta consta uma declaração da chamada a dizer que recebeu o cheque ali identificado, no montante de 500,00 €, a título de “sinal relativo a esta proposta”. A declaração de fls. 47, junta como parte integrante do doc. 4, é outra declaração para efeitos fiscais e não comprova qualquer venda. A carta junta pela autora com o doc. 4 e que consta a fls. 48, que lhe foi endereçada pela chamada, contém a resposta a uma pretensão formulada pela mesma autora, onde é informada que a compra do referido veículo só poderá eventualmente ser efectuada após o dia 1/10/2011. Feita esta correcção à matéria de facto, imposta pelos documentos existentes nos autos e pela compatibilização com a demais matéria fáctica provada, dela não resulta que o veículo em causa tenha sido comprado pela autora. E os autos não contêm qualquer documento susceptível de comprovar a compra do veículo, objecto do contrato de ALD, pela autora. Aliás, o próprio documento que titula o contrato de ALD não contém uma cláusula que preveja a opção de compra no fim do mesmo. De qualquer modo, é de admitir que tenha sido convencionada essa compra no final da duração do contrato, como consta do facto provado sob o n.º 45. O final do contrato ocorreu em 1 de Outubro de 2011. Ainda que tivesse ocorrido a compra e venda, necessariamente depois dessa data, é inquestionável que, em 21/11/2008, data em que a autora comunicou à 1.ª ré a resolução do contrato de compra e venda (cfr. facto n.º 18), não era proprietária do veículo, nem o contrato existia. Quer isto dizer que a autora procedeu à resolução de um contrato inexistente, ou seja, praticou um acto inútil ou mesmo impossível dada a falta de objecto, pois não se pode extinguir o que não existe. Assim, não obstante a resolução ser teoricamente permitida nos termos do n.º 1 do art.º 436.º do Código Civil, a comunicação que a autora fez em 21/11/2008 à 1.ª ré, e que esta recebeu no dia 25 seguinte, não pode ter qualquer efeito, nomeadamente o de extinguir o alegado contrato de compra e venda. Acresce que, não tendo a autora celebrado qualquer contrato com as rés, não pode invocar o incumprimento definitivo de alguma prestação contratual por parte destas para basear uma resolução extrajudicial, visto que a que foi feita, ao abrigo do n.º 2 do art.º 801.º do Código Civil, pressupõe sempre o incumprimento definitivo de um contrato bilateral, como se deixou dito. Não celebrou com a 1.ª ré qualquer contrato, nomeadamente de compra e venda. Esta é mera terceira no contrato de ALD invocado nos autos. De nada serve a invocação da habilitação de adquirente, agora alegada, que desconhecemos por não ter sido comprovada e não termos acesso ao respectivo processo, porquanto a correspondente sentença terá sido proferida em 19/3/2012, portanto, em data posterior à comunicação de resolução, de 21/11/2008, e a chamada é mera locadora do aludido veículo. E a 2.ª ré, para além de não ter celebrado qualquer contrato com a autora, foi demandada como mera fornecedora do veículo, e não ao abrigo da lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e subsequentes alterações), que nunca teria aqui aplicação, atento o disposto no seu art.º 2.º, n.º 1, pois tal veículo foi destinado à actividade profissional da autora, como resulta do alegado na petição inicial, designadamente dos art.º 1.º, 24.º, 110.º e 140.º, consta dos factos dados como provados sob os n.ºs 100, 1.ª parte, 101 e 103, e porque, sendo uma sociedade comercial, tem por objecto a prática de actos de comércio (art.º 1.º, n.º 2, do CSC). Destarte, jamais pode ser declarada válida e eficaz a resolução operada pela demandante, mediante a declaração feita à 1.ª ré, por carta expedida em 21/11/2008 e recepcionada no dia 25 seguinte, objecto do pedido principal puramente declaratório deduzido sob o n.º 1, o qual tem, necessariamente, que improceder. E, não sendo válida tal resolução, não pode dela extrair-se quaisquer consequências ou efeitos jurídicos, nomeadamente os de restituição e de indemnização, referenciados sob as alíneas a), b), c) e d), pelo que também têm que improceder estes pedidos.
4. Novamente inconformada, a A. interpôs nova revista, que encerrou com as seguintes conclusões que lhe delimitam o objecto:
1. Resumidamente, a presente acção trata da resolução de um contrato de compra e venda pelo incumprimento definitivo imputável ao vendedor. 2. Ora, acontece que a demandante/recorrente nos presentes autos adquiriu o bem objecto do mencionado contrato de compra e venda - um veículo automóvel - através do recurso a financiamento, nomeadamente, do recurso a um contrato de aluguer de longa duração (doravante, ALD). 3. O Acórdão ora proferido pelo Tribunal da Relação do Porto decidiu, em suma, que, porque se trata de contrato de ALD, o locatário, nessa qualidade, não poderia ter resolvido qualquer contrato de compra e venda, uma vez que não celebrou qualquer contrato de compra e venda com nenhuma das demandantes (fornecedoras). 4. Por outras palavras, o Acórdão que antecede julgou a resolução extrajudicial impossível, por falta de objecto, na medida em que o locatário (que procedeu à resolução) não celebrou qualquer contrato com o vendedor do veículo. 5. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a demandante - ora recorrente - não pode conformar-se com esta decisão porquanto é sua convicção que se aplica ao caso sub judice, por analogia, o disposto nos artºs 10° e 13° do DL 149/95, de 24 de Junho (Regime Jurídico da Locação Financeira). 6. Aferida essa aplicação, cumpre apreciar se aquele normativo permite que o locatário resolva o contrato de compra e venda dos autos pelo incumprimento definitivo verificado. 7. Resulta do contrato de ALD dos autos (doc. 4 junto com a petição inicial), designadamente da cláusula 9.: "Manutenção e reparação - Não incluída. O Cliente (a Demandante) declara expressamente assumir todos os encargos e responsabilidades com a Manutenção e Reparação. Da cláusula 10. - Substituição em caso de imobilização - Não incluída. O cliente (a Demandante) declara expressamente assumir todos os encargos e responsabilidades com a Substituição em caso de imobilização. Cláusula 11. - Seguro - Não incluído. O cliente (a Demandante) declara expressamente assumir todos os encargos e responsabilidades como o Seguro do Veículo automóvel... " - cfr. doc. 4 junto com a PI. 8. OU SEJA, o locatário daquele contrato de ALD sempre assumiu, por força daquele mesmo contrato, as obrigações que competiriam ao proprietário. 9. Aquele documento n° 4 junto com a petição inicial (contrato de ALD) tem como anexo "carta com valor eventual da venda". 10. A comunicação da formalização do acordo, datada de Outubro de 2007, contém uma carta, o tal anexo, datada de 27/09/2007, onde se lê "Em resposta ao interesse manifestado por V. Exas. na compra do nosso veículo marca RENAULT modelo LAGUNA II BREAK 2.0 EXCLUSIVE, matrícula ...-EJ-..., vimos pela presente informar que esta transacção só se poderá eventualmente efectuar após o dia 1/10/2011. Mais informamos que o preço estimado da venda desse veículo será de € 4.609,53, acrescido de IVA à taxa em vigor nesse momento (...)." 11. Findo aquele contrato, e no exercício das suas obrigações contratuais e legais, a locadora remeteu, por carta de 11/10/2011, o Modelo Único para inscrição do direito de propriedade sobre a coisa locada à locatária, ora demandante e recorrente - cfr. doc. 2 junto ao incidente de habilitação de adquirente -, após ter procedido à venda do veículo, formalizando o anterior estado de coisas. 12. Assim, a demandante, ora recorrente, requereu junto da Conservatória de Registo Automóvel a inscrição do direito de propriedade daquele objecto locado, do veículo ...-EJ-... - cfr. doc. 3 junto ao referido incidente - direito de propriedade esse inscrito a favor da demandante - cfr. doc. 4, junto ao incidente. 13. A 19/03/2012, foi proferida sentença - naquele incidente, no respectivo apenso (B) - que conclui desta forma: "No caso sub júdice, atenta a validade dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, admito a intervir nos autos principais o cessionário ou adquirente AA, Ldª. no lugar do CC - Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. (na qualidade de titular do direito de propriedade do veículo automóvel em causa nos autos principais) (art. 376° do Código de Processo Civil)." 14. Não há dúvidas que o contrato dos autos, teve escopo meramente creditício e não há dúvidas de que o contrato dos autos previa a opção de contra peto "preço residual". - vd. factualidade provada sob os pontos 43 a 47, inclusive e 108 a 110, inclusive. 15. In casu, por existir opção de compra (seja cláusula de reserva de propriedade ou contrato-promessa de compra e venda), "pode-se considerar que o contrato (de ALD) celebrado e em discussão é um contrato de compra e venda ainda que a prestações -querido indirectamente pelas partes - e que, por mero consenso negocial, teria transferido a propriedade do bem para a (Demandante), que apenas ficaria devedora do preço a pagar em prestações (rendas)" - cfr. Ac. STJ de 14 de Maio de 2009. 16. É entendimento doutrinário e jurisprudencial maioritário que a existência de opção de compra pelo "preço residual" não só é o essencial para se considerar o contrato assimilável ao de locação financeira, como também é gerador de uma legítima expectativa jurídica de aquisição do referido veículo objecto de litígio. 17. Compete ao locatário o exercício de todos os direitos resultantes do contrato de compra e venda. 18. Esse é o regime instituído pelo art. 13° do DL 149/95, de 24 de Junho (Regime do Contrato de Locação Financeira) que, sob a epígrafe "relações entre o locatário e o vendedor ou o empreiteiro" determina que "o locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada." 19. Entre esses direitos encontra-se, com toda a certeza, o direito de resolução por incumprimento definitivo. 20. Sobre a aplicação do Regime do Contrato de Locação Financeira aos contratos de ALD que prevejam a opção de compra, cite-se, entre outros citados supra, o Ac. do STJ de 1 4/05/2009, proc. n° 08P4096, "A existência de opção de compra é essencial para se considerar se o contrato deve ser assimilável ao da locação financeira. A opção de compra seria o lugar paralelo do "preço residual". 21. Ora, sendo certo que o contrato de ALD dos autos prevê a compra por um preço residual, às relações contratuais entre o locatário e o vendedor aplicar-se-á, por força do art. 10° do CC o disposto nos mencionados art. 10° e 13° do DL 149/95, de 24 de Junho. 22. Por outras palavras, não pode a recorrente conformar-se com o acórdão que antecede na parte em que conclui pela impossibilidade da resolução extrajudicial em apreço nos autos, por falta de objecto. - O objecto da resolução operada é o contrato de compra e venda celebrado entre o vendedor e o comprador/locador. 23. Ao abrigo do mencionado art. 13°, aplicável por interpretação analógica ou extensiva, o locatário substitui-se ao locador/comprador no exercício dos direitos emergentes do contrato de compra e venda. 24. EM SUMA, deve o acórdão proferido ser revogado e substituído por outro que conheça da resolução extrajudicial operada e das suas consequências. 25. O Acórdão sob censura violou, entre outras, as normas previstas nos artºs 10° do CC, bem como nos artºs 10º e 13º do DL 149/95, de 24 de Junho. TERMOS EM QUE: deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão que antecede, com as legais consequência,
As recorridas contra alegaram, pugnando pela integral confirmação do acórdão proferido pela Relação.
Pela sua possível relevância para apreciação da matéria litigiosa, determinou-se a requisição do apenso que continha a habilitação do adquirente ou cessionário, o qual – sendo embora referenciado nas alegações - não constava dos autos remetidos em recurso.
5. Importa começar por qualificar juridicamente o contrato celebrado entre os litigantes para, de seguida - consoante tal qualificação – lhe poder definir consistentemente o regime jurídico aplicável. Saliente-se que, nesta sede, são inteiramente pertinentes as considerações feitas pelo acórdão recorrido, na parte em que nele se entendeu que – ao contrário do que parecia fluir da petição inicial – não foi realizado entre a A. e a R. Dias Costa qualquer negócio de compra e venda do veículo, do qual pudesse resultar a titularidade por aquela da respectiva propriedade à data do acto resolutivo: tal conclusão resulta, aliás, reforçada com a ponderação do teor do apenso de habilitação, do qual decorre – segundo a própria alegação da A. – que a propriedade do veículo locado apenas foi adquirida em Outubro de 2011, reconhecendo-se que a demandante locatária só em tal data adquiriu à locadora, no termo do contrato de ALD, a propriedade do veículo em litígio nos presentes autos. Daqui decorre naturalmente que o direito potestativo de resolução do contrato, exercitado extrajudicialmente em Maio de 2009 não podia obviamente fundar-se na invocação da qualidade de adquirente e proprietária do veículo, uma vez que resulta inquestionavelmente dos autos - e é reconhecido pela própria A. -que tal propriedade apenas veio a ser adquirida cerca de dois anos mais tarde… Aliás, como dá nota o acórdão recorrido, dos elementos constantes dos autos resulta claramente que entre a A. e a interveniente CC - Crédito foi celebrado o contrato de ALD titulado pelo doc. de fls. 49, do qual resulta o montante das prestações mensais estipuladas e o prazo de duração de 48 meses. Embora se não tivesse estipulado em tal documento a opção de compra do veículo pelo locatário, esta foi efectivamente convencionada entre as partes através do documento de fls. 48, em que a locadora se vinculou a vender a viatura ao locatário a partir da data do termo do contrato de locação, fixando logo o respectivo preço. Por outro lado – e como é típico da natureza trilateral da relação contratual em causa – a locação implicou naturalmente que a entidade locadora tivesse adquirido a propriedade do veículo automóvel à R. BB, segundo as indicações e o interesse manifestado pelo locatário, como condição indispensável para lhe facultar o gozo da coisa a que se havia vinculado.
A primeira questão a solucionar no presente recurso traduz-se, assim, em saber se – não podendo o acto resolutivo fundar-se na invocação da qualidade de adquirente da propriedade do veículo, na data em que se operou a resolução extrajudicial da venda, qualidade que manifestamente a A. então não detinha - será possível fundar a legitimação da locatária para operar tal resolução da compra e venda, em que não outorgou directamente, na aplicação analógica das normas que , no âmbito da locação financeira, permitem eventualmente ao locatário exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda, nos termos do art. 13º do DL 149/95. Na verdade, não sendo o locatário financeiro parte no contrato de compra e venda celebrado entre o locador e a empresa que forneceu o bem locado, poderá – em atenção à fisionomia global do contrato de locação financeira e à respectiva funcionalidade típica, envolvendo a plena fruição do bem pelo locatário e a expectativa de, a final, o adquirir por valor determinado – outorgar-se ou reconhecer-se ao locatário o direito potestativo de resolução do próprio negócio translativo das propriedade, apesar de nele não assumir a posição de parte – beneficiando, deste modo, de uma legitimidade indirecta para, em atenção ao seus próprios interesses no gozo integral e na futura aquisição do bem, pôr termo à própria relação contratual celebrada entre locador e terceiro, com base na invocação de vícios do bem?
Afigura-se que a resposta a esta questão deverá ser afirmativa, beneficiando, consequentemente o locatário financeiro, por força do referido art. 13º, não apenas do exercício contra o vendedor dos direitos e faculdades que se revelam compatíveis com a subsistência daquela relação contratual, mas também das que, no limite, podem implicar o termo ou rescisão da própria compra e venda, celebrada entre o locador financeiro e a empresa fornecedora do bem locado – dispondo, assim, o locatário, no âmbito da relação contratual global existente, de uma legitimidade substantiva para destruir os efeitos da venda celebrada com o locador, com base nomeadamente na verificação de defeitos ou deficiências que inviabilizam a normal utilização da coisa, implicando o definitivo incumprimento do contrato.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 15/5/08, proferido pelo STJ no P. 08B332: O locatário tem legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente, no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava. … Tem o locatário legitimidade para exercer, contra o vendedor, o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, ou este direito está-lhe vedado por dispor unicamente da posição de locatário financeiro? Sendo o contrato anulável, afigura-nos que o locatário não pode deixar de poder invocar, perante o vendedor, todos os direitos do comprador, incluindo o direito – como nos autos – de resolução e anulação do contrato de compra e venda. - Não é pacífica esta “questão” – há até escritos em diferentes sentidos – negativo, (vide Pinto Duarte, in “ Escritos sobre Leasing”, pg. 57) - outros há de sentido contrário, defendendo que o locatário pode usar todos os direitos do normal adquirente, todos os instrumentos de tutela deste, incluindo o direito de resolução e de anulação – vide Calvão da Silva in “Locação Financeira e Garantia Bancária, pg.24 e Gravato de Morais, in Obra atrás citada, pg.136, onde, citando também Leite de Campos, se refere,em nota, que “o locatário poderá exercer qualquer acção…contra o fornecedor, por incumprimento deste, nomeadamente para obter a rescisão da venda”. E ainda – escreve-se na mesma Obra de G. Morais, que:“ A transferência para o locatário do exercício dos direitos do comprador envolve a transmissão dos respectivos poderes processuais ligados à situação jurídica substantiva”- pg.131. Entende-se da mesma forma. Aliás, tal resulta do disposto no artª13º do Dec.Lei 149/95, de 26 de Junho, que dispõe: “O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”. A lei refere “todos os direitos”. Na verdade, vista e apreciada a situação, sob a vertente “operação global”, atrás referida, conclui-se que o contrato de locação financeira foi celebrado em sequência de um contrato de compra e venda que o A. não pôde, ou não quis, celebrar com a 1ª ré, fazendo neste intervir a 2ª, com vista e face àquele contrato de locação. É que esta faz a compra, porque vai dar o bem em locação; o objectivo daquela não é a aquisição ”per se”, mas visa obter o meio sem o qual não poderia celebrar - se o contrato de locação financeira; este sim, o contrato do âmbito, do cerne da sua actividade. Mas, sendo esta interveniente em dois contratos, estes criam-lhe interesses contrapostos; por um lado, como compradora, fica sendo titular dos correspondentes direitos, entre os quais o de poder pedir a anulação ou a resolução do contrato de compra e venda; por outro, sendo interveniente locadora, tem interesse na manutenção do contrato de locação financeira. Assim sendo, que meios de defesa, para situações como a “subjudice”, restariam ao locatário, não fora o direito de, “como que substituindo-se ao comprador”, pedir a resolução do contrato de compra e venda? Se à locadora interessa a manutenção do contrato de locação financeira - o qual pressupõe a existência de um contrato de compra e venda, válido – seria de esperar, da locadora/compradora, qualquer acção para anular a compra e venda? Temos por certo que não. Como esperar que fosse a locadora a pedir a resolução do contrato de compra e venda, ainda que sabendo que a máquina de que cedeu o uso, afinal, não serve para o uso pretendido, ainda que sem culpa do locatário, se lhe interessa a manutenção do contrato de locação? Conclui-se, assim, que entre os dois contratos existe um “forte entrelaçamento” a que se não pode deixar de atender. E dados os contraditórios interesses atrás referidos na pessoa da locadora, não nos suscita dúvidas que os direitos do locatário só estão suficientemente protegidos, reconhecendo-se-lhe o direito de poder usar “todos” os direitos do comprador e, nomeadamente, o usado na presente acção, como dispõe o artº13º do cit. Dec-Lei. Aliás,” sendo o locatário financeiro aquele que goza da disponibilidade material da coisa e que corre os riscos inerentes à qualidade de proprietário (entre outros, o risco de perda ou deterioração do bem locado), seria contraditório que o substancial interessado se visse coarctado da possibilidade de se dirigir ao vendedor (já que não pode demandar o locador, por efeito do artº12º do D.L.149/95)” – Obra citª.- Prof. G. Morais - pg.132. E a tal não obsta o disposto no artº12º do Dec-Lei nº149/95 de 26 de Junho. Este dispõe que:” O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artº 1034º do C. Civil.” Esta norma apenas nos diz que o locatário não pode opor ao locador os vícios do bem locado ou a sua inadequação aos fins do contrato, admitindo até excepções. Visando “uma maior certeza dos direitos do locador e locatário, justiça na relação”, entre ambos – vide preâmbulo do Dec-Lei – a referida inoponibilidade justifica-se, porquanto, foi o locatário quem escolheu o bem locado, foi comprado pela locadora a seu pedido e à pessoa por este indicada – concluindo-se que só na relação (directa) ou interna “ locatário – locador “, aquele está impedido legalmente de opor a este os referidos vícios, salvo nos casos aí previstos e que têm a ver com o disposto no artº 1034º do C Civil. 6. A resposta afirmativa a esta questão – interpretando o citado art. 13º como atribuindo ao locatário financeiro o direito de resolução da compra e venda, apesar de nela não figurar como parte, sub rogando-se, por assim dizer, ao comprador / locador financeiro no caso de se verificarem defeitos ou vícios da coisa locada susceptíveis de (por implicarem o incumprimento da relação contratual) fundamentarem o direito de resolução – não resolve, porém, imediatamente a situação dos autos – em que, como vimos, não estamos confrontados com um contrato de locação financeira, mas com uma relação contratual atípica, integrada por um contrato de ALD, acompanhado da estipulação de uma opção de compra, a final, pelo locatário, tendo naturalmente o locador adquirido inicialmente, por compra e venda celebrada com a 1ª R., a propriedade do bem dado em locação, como condição indispensável para facultar o seu pleno uso e fruição ao locatário. Deverá aplicar-se analogicamente a esta peculiar situação contratual o referido regime, estabelecido para a locação financeira no citado art. 13º? Entende-se que sim, atenta a substancial analogia, em termos funcionais e de realização do interesse prático das partes, entre o contrato de locação financeira e o ALD com a particular configuração do caso dos autos, envolvendo a opção de compra do veículo locado – e ainda uma circunstância processual a que se atribui relevo decisivo: o facto de, tendo o locador financeiro sido chamado a intervir na presente acção, ter optado por aderir inteiramente aos articulados em que a A. pugnava precisamente pelo reconhecimento do efeito resolutivo da compra e venda (fls. 147) : ou seja, a principal objecção que se poderia formular à possibilidade de, no seu próprio interesse, o locatário pôr termo a uma concreta relação contratual de compra e venda em que não outorgou como parte, afectando eventualmente o direito próprio do locatário a – mesmo para além do âmbito do contrato de ALD - permanecer como proprietário do bem por ele adquirido não se verifica seguramente num caso em que o próprio locador adere inteiramente à pretensão resolutiva formulada pelo locatário, ratificando-a e secundando-a no processo. E, assim sendo, por esta via jurídica, decorrente da aplicação analógica do regime consagrado no art. 13º do DL 149/95, não haveria obstáculo inultrapassável em que – apesar de o A. não ser à data proprietário do veículo - pudesse exercitar, no confronto do vendedor, com fundamento na posição jurídica que lhe cabe no contrato de ALD e na sua expectativa jurídica de vir, a final, a adquirir a propriedade do bem locado (e apesar de não ter sido directamente parte na compra e venda) um eventual direito de resolução do contrato, estribado em vícios ou defeitos da coisa vendida que inviabilizavam a sua utilização normal.
Qual, porém, o efeito a atribuir necessariamente a tal opção pelo acto resolutivo – ou seja, quais são as suas inelutáveis repercussões na relação contratual complexa, de estrutura trilateral, existente entre as partes ? Note-se que – no caso dos autos - apesar de a locatária ter declarado resolver extrajudicialmente, em Novembro de 2008, o contrato de compra e venda do veículo, celebrado entre o CC - Crédito e a 1ª R., manteve intocada a locação / ALD celebrada com a sociedade financeira compradora, durante os 48 meses de vigência acordada, exercendo a A. no final a opção de compra – que levou à aquisição da propriedade do veículo em Outubro de 2011 (e fundamentando, aliás, tal aquisição superveniente a dedução do incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, julgado procedente no respectivo apenso).
Ora – pergunta-se – será possível e juridicamente congruente esta pretensão de cindir , na relação contratual complexa existente entre as várias partes, o negócio de compra e venda e a locação/ALD, de modo a pôr termo apenas ao primeiro, sub rogando-se o locatário ao comprador do veículo no exercício do direito potestativo de resolução, mas mantendo absolutamente intocada a típica eficácia do ALD, permanecendo na fruição do veículo durante todo o respectivo prazo de duração e exercitando mesmo, a final, a opção de compra?
Saliente-se que esta via jurídica – efectivamente seguida nos autos pela A.- para além de não ser congruente com a efectiva existência dos invocados e relevantes vícios ou defeitos do veículo, geradores de uma alegada impossibilidade de normal utilização e fruição - se configura como normativamente impossível, por estruturalmente contraditória com o efeito típico do acto resolutivo: é que, como parece evidente, a aquisição e manutenção da propriedade do veículo na esfera jurídica do comprador / locador configura-se como base essencial de subsistência da própria locação, já que naturalmente o locador não estará em condições de cumprir a sua fundamental obrigação de proporcionar o gozo e fruição do bem locado ao locatário se, por iniciativa deste, tiver ficado privado da propriedade do bem, como inelutável decorrência da prática do acto resolutivo…
Ou seja: o efeito típico da resolução do contrato, tal como é definido nos arts. 433º e 434º do CC, priva irremediavelmente de base ou suporte a própria locação/ ALD , por tal efeito extintivo da relação contratual de compra e venda inviabilizar de pleno a fruição e ulterior aquisição pelo locatário do bem locado…
Esta incindibilidade entre a sorte do negócio de compra e venda e a subsistência do contrato de locação duradora (e com expectativas de aquisição final da propriedade) do bem – decorrente de uma regra de fundamental coerência jurídica que não pode ser postergada – tem sido, aliás, realçada por todos os que admitem a extensão ao locatário financeiro da legitimidade para resolver o contrato de compra e venda ao locatário do bem – implicando a resolução da venda a irremediável preclusão ou caducidade da locação financeira.
Como refere, por exemplo, Gravato Morais ( Manual da Locação Financeira, pag. 150), a união contratual, típica da figura da locação financeira, reveste características específicas: - num primeiro momento, resulta da lei ( art. 13º DL 149/95) a produção de efeitos entre as partes resultantes de contratos diversos, com a particularidade de aquele que invoca os meios de defesa (o locatário financeiro) não ter celebrado qualquer contrato com o fornecedor; portanto, subjaz inicialmente a esta conexão a transmissão para o utilizador do bem dos direitos que assistem ao comprador perante o vendedor; - numa segunda fase, as consequências desta união produzem-se em sentido contrário, com a repercussão das vicissitudes da compra e venda na locação financeira: a unilateralidade (ou seja, só as vicissitudes da compra e venda afectam a locação financeira e não o inverso; o seu carácter parcial (apenas alguns dos remédios jurídicos invocados – a redução do preço e a resolução do contrato – se repercutem na locação financeira).
No mesmo sentido da necessária repercussão do acto rescisório ou anulatório da compra e venda na subsistência do negócio complexo de locação financeira, veja-se, por exemplo, o Ac. do STJ de 15/5/08 , atrás citado, em que se considerou: Tendo o locatário exercido o direito de anulação do contrato de compra e venda e obtido, nesta parte, ganho de causa, que implicações tem tal decisão no contrato de locação financeira, e, nomeadamente, nas prestações recebidas? Já atrás se referiu que este contrato - como no caso - pressupõe um contrato de compra e venda válido e eficaz, sendo o bem dado em locação também o seu objecto. Aquele é a “pedra basilar” deste último. Se, por anulação ou extinção, passa a inexistir o primeiro dos contratos,”ab origine”, então tudo se passa como se o bem locado nunca tivesse sido comprado, e, por isso, sido propriedade da compradora/locadora. Se em virtude da declaração de nulidade ou de anulação do contrato de compra e venda tem de ser restituído tudo o que tiver sido prestado, com efeito retroactivo (art. 289º nº 1 do C. Civil), e assim foi também decidido, e sendo este o suporte, como que a dita “pedra-base” do contrato de locação financeira, então, esta consequência afecta necessariamente, e com as mesmas consequências, este. A anulação do contrato de compra e venda origina, assim, a consequente anulação do consequente contrato de locação – vide, neste sentido, também Calvão da Silva, in Locação financeira e Garantia Bancária, p. 24 e Direito Bancário, Coimbra 2001, pág. 426. O locador - como se escreve no acórdão recorrido – “por forçada anulação, deixa de ser proprietário jurídico do bem e, por isso, não pode assegurar o seu gozo, como se obrigou, de acordo com o art. 9º, nº 1, al.b) do citado Dec. Lei…”Por isso, fica sem justificação o financiamento. E aplicando o mesmo regime - art.289º, nº1 do C. Civil – “ há que restituir mutuamente tudo o que tiver sido prestado, cessando, retroactivamente, ou seja, desde a celebração do contrato, os seus efeitos”. Constitui, deste modo, uma absoluta impossibilidade jurídica a pretensão, formulada pelo locatário financeiro (ou titular de um contrato de ALD, com opção de compra, como ocorre no caso dos autos) , de resolver apenas o contrato de compra e venda, celebrado pelo locador, sub rogando-se a este no exercício do direito potestativo de resolução com base em alegados vícios ou defeitos do veículo que impossibilitam o seu uso normal, e simultaneamente manter de pé, com plena eficácia, a relação contratual existente com o locador, privado pelo acto resolutivo, da opção do locatário, da propriedade da coisa locada, cujo gozo e fruição naturalmente deixa de lhe poder assegurar.
O comportamento subsequente do locatário, mantendo a fruição do bem no decurso do contrato e culminando na aquisição a final do próprio veículo locado – como se a normal eficácia do acto resolutivo por ele praticado a tal não obstasse em absoluto – revela-se, pois frontalmente incompatível com a eficácia do acto resolutivo, privando-o de fundamento e efectividade.
Ou seja: a extensão ao locatário financeiro da legitimação para resolver o contrato de compra e venda do bem locado não o autoriza a cindir, para este efeito, aquela relação contratual complexa , limitando-se a pôr termo ao contrato de compra e venda, mas mantendo intocada e plenamente eficaz a relação de locação/ALD em que figura como parte a sociedade financeira – que tem naturalmente na sua base a qualidade de proprietária do veículo locado, como condição indispensável para facultar a sua fruição ao locatário: e, deste modo, resta ao locatário, quando considere verificados vícios ou defeitos que inviabilizem o uso normal da coisa locada, resolver o contrato de locação financeira na sua globalidade, perdendo naturalmente, como inelutável consequência do acto resolutivo, o gozo e fruição do veículo e a expectativa de, no termo de tal relação contratual complexa, o vir a adquirir. O que não consideramos admissível é que o locatário financeiro possa validamente limitar-se a exercer, por sub-rogação do locador, o direito de resolução, circunscrevendo-o apenas ao âmbito da relação contratual de compra e venda, privando o acto resolutivo da sua inelutável repercussão na relação, global e complexa, de locação financeira.
7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista, confirmando, embora por fundamentos parcialmente diversos, a decisão contida no acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lopes do rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor |