Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2706/17.6T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO ESTÉTICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., p. 115.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1 E 564.º.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26-05, E RESPECTIVAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS DADAS PELA PORTARIA N.º 679/2009, DE 25-06.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1;
- DE 19-04-2018, PROCESSO N.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - No que respeita à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo CC, pelo que os critérios e valores constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, muito embora possam ser ponderados pelo julgador, têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros.

II - Para além de danos de natureza não patrimonial, a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é suscetível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expetável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.

III - Tendo em conta que o recorrente: (i) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; (ii) contava com 45 anos à data do acidente; (iii) auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsidio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de € 200 000,00, considerando o benefício emergente da entrega antecipada do capital, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico).

IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de viação, contra SEGURADORAS BB, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 458.861,22, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou ter sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial decorrentes de um acidente de viação envolvendo o ciclomotor por si conduzido e o veículo automóvel conduzido por um segurado da R., cuja responsabilidade incumbe a esta, por força de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em vigor ao tempo do sinistro.

2. A R. contestou, aceitando desde logo a responsabilidade pela ocorrência do acidente, mas impugnando a extensão dos danos alegados pelo A. e os montantes indemnizatórios peticionados.

Concluiu, pedindo a improcedência parcial da ação.

3. Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A.:

- A quantia de € 249.758,71, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento;

- A quantia que se vier a liquidar posteriormente relativa aos danos que o A. venha a sofrer decorrente das ajudas medicamentosas (até ao valor total de € 5.632,40) e tratamentos médicos regulares a que terá de se submeter, nomeadamente dois ciclos de 30 sessões de fisioterapia ao ombro direito (até ao valor total de € 28.162,00), antecedidos de uma consulta prévia de fisiatria (até ao valor total de € 2.816,20).

4. Desta decisão apelaram quer o A. quer a R., tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão em que, julgando improcedente o recurso do A. e parcialmente procedente o recurso da R., condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 150.000,00, a título de indemnização pelo dano futuro decorrente de perda de capacidade de ganho e dano biológico e ainda € 40.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos, no mais mantendo o decidido na sentença recorrida.

5. Irresignado com o assim decidido, veio o A. interpor a presente revista para este Supremo Tribunal, dizendo em conclusão:

1. O recorrente não pode, de forma nenhuma, conformar-se com o acórdão recorrido, por várias ordens de razão.

2. Por ser, com o devido respeito, uma questão de menor complexidade, no que tange à redução que foi operada a título de compensação pelo grave, penoso e permanente dano não patrimonial, ficou o recorrente sem perceber, na realidade, o que levou o Tribunal a quo a operar essa redução.

3. Conforme se referiu no acórdão recorrido, essa redução ter-se-á ficado a dever ao facto de se procurar harmonizar e/ou uniformizar as compensações pelo dano não patrimonial sofrido. Mas como poderemos uniformizar aquilo que não é igual, uniforme ou, sequer, semelhante? Com o devido respeito, jamais se deverá ter teto como máximo para a compensação pelo dano não patrimonial a quantia que vai sendo arbitrada pela perda do direito à vida, como sendo o maior dano não patrimonial que alguém possa sofrer.

4. Se assim fosse - e não é, como nos dizem variadíssimos acórdãos dos nossos Tribunais Superiores - jamais se compensaria um tetraplégico, um paraplégico ou um amputado a um membro inferior ou superior com quantias bem superiores àquela que vai sendo arbitrada pela perda do direito à vida.

5. Por isso, a menos que se pretenda viver ad eternum num miserabilismo que julgávamos já afastado dos nossos Tribunais, a quantia que foi arbitrada em 1ª Instância de 50.000,00 € parece-nos, com o devido respeito, mais consentânea com o grave, penoso e permanente dano não patrimonial sofrido pelo recorrente e com o qual este vai ter de viver até ao fim dos seus dias.

6. Já quanto ao cálculo utilizado para a fixação do quantum indemnizatório da perda futura de ganho, muito mal andou o Tribunal a quo, pois resulta de forma clara do acórdão em recurso que aquele Tribunal nem tampouco sindicou o critério que foi utilizado em sede de decisão de 1ª Instância para fixar esse valor indemnizatório.

7. Com efeito, e como teve oportunidade de se referir nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o critério que foi utilizado em 1ª Instância foi aquele que é obrigatório em sede de acidentes de trabalho o que, como é sabido, não tem a mais pequena utilização em acidentes de viação.

8. Não podemos, assim, pretender o melhor de dois mundos, ou seja, por um lado falar-se em IPG e depois calcular a perda futura de ganho ficcionando uma ITP.

Por isso, jamais o recorrente se poderia conformar com aquela forma de realizar esse cálculo, tanto mais que esse critério nem tampouco pode ser apelidado de instrumento auxiliar do Julgador para determinar a perda futura de ganho.

9. Desde logo, por que os critérios seguidos são diametralmente opostos àqueles que, de forma pacífica e sedimentada, vão sendo utilizados nos casos, como o dos autos, de acidentes de viação.

Veja-se que no critério seguido pelo Tribunal de 1ª Instância (com o qual parece ter concordado o Tribunal da Relação de Guimarães, sem que o referisse aberta e declaradamente) o recorrente vê, de imediato, o seu rendimento mensal ser reduzido (por imposição legal nos acidentes de trabalho) a 50% a 70% do seu rendimento mensal!!

10. E, não obstante essa indevida redução, entende ainda o Tribunal da Relação de Guimarães que deverá ocorrer a redução de uma quantia que corresponde a cerca de 20% a 30% sobre o montante assim apurado por ser percebido de uma só vez…!

11. E para aplicar essa redução o Tribunal da Relação de Guimarães faz apelo a um douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23.10.2018, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Henrique Araújo (decidido por unanimidade), sem que tivesse, com o devido respeito, percebido o que ali doutamente foi decidido.

12. Com efeito, no caso que estava em discussão naquele douto acórdão, este Supremo Tribunal de Justiça encontrou, de acordo com as tabelas financeiras, a quantia de 370.000,00 € para indemnizar aquele lesado, que entendeu (por recurso à equidade) reduzir para a quantia de 350.00,00 €.

Assim sendo, como inquestionavelmente é, que semelhança terá esse douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça com o acórdão em recurso?

Nenhuma, rigorosamente nenhuma, tanto mais que quer a redução pelo recebimento de uma só vez, quer a própria redução operada com recurso à equidade num e noutro são absolutamente díspares.

13. Assim, e considerando a matéria de facto tida por provada (factos provados nos 31º, 32º e 33º que não foram minimamente alterados), quer com recurso às tabelas financeiras, quer com recurso a um método inserto num douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães melhor analisado no corpo destas alegações, a perda futura de ganho que decorre para o recorrente em consequência da incapacidade total para a profissão habitual de ... e todas as atividades dentro da sua preparação técnico-profissional compreende-se entre as quantias de 268.102,26 € e 275.165,91 €.

14. E se com o disposto nos artigos 483º e 562º, ambos do Cód. Civil, se pretende colocar o lesado (no caso dos autos o recorrente) na situação em que o mesmo se encontraria não tivesse ocorrido a lesão, jamais esse desiderato será alcançado com o arbitramento, a título de perda futura de ganho, da quantia de 150.000,00 € como o fez o Tribunal a quo.

É que atendendo ao período correspondente da esperança de vida do recorrente o mesmo irá ter de sobreviver apenas com a quantia mensal de 446,43 € 12 vezes por ano, quando antes do acidente dos autos auferia o rendimento mensal de 816,00 €, 14 vezes por ano.

15. Por isso, e com o devido respeito, o acórdão recorrido, a manter-se, impõe ao recorrente que viva, pelo período de 12 e não 14 meses, daqui em diante com um rendimento que é apenas e tão só metade daquele que auferia quando trabalhava.

Daí que se diga, sem receio mas com o devido respeito, que o acórdão recorrido é tudo menos equitativo, justo ou sequer equilibrado.

16. Por outro lado, e como já supra se referiu, o recorrente ficou totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de ... e todas as outras dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

Mas ainda assim no acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:

... valorando-se apenas um diferencial de 25 anos, ao invés dos indicados 31 anos referenciados pela apelante na fundamentação da apelação, atento o concreto factualismo provado, designadamente, não tendo resultado provada a impossibilidade do Autor para o exercício de toda e qualquer atividade laboral nestes termos, desde logo, se considerando improcedente a pretensão do apelante de ver aumentada para o pretendido valor de € 275.165,91 a quantia de indemnização arbitrada na sentença; (o sublinhado e destacado é nosso).

17. Ora se bem se entende, para o Tribunal a quo o recorrente não está incapaz para toda e qualquer atividade laboral; essa realidade é por demais evidente nos autos.

Todavia, também é por demais evidente que tendo o recorrente 49 anos de idade, parcas habilitações literárias (4ª classe) e encontrar-se inserido num meio maioritariamente rural, tudo isso dificulta, para não dizer, impede-o de conseguir encontrar uma qualquer ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante, ou seja, com a sua capacidade produtiva em qualquer atividade laboral que não seja principalmente braçal.

18. Dúvidas não devem, pois, subsistir de que o recorrente, com a incapacidade total para a profissão habitual de ... e todas as outras dentro da sua área de preparação técnico-profissional perdeu capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais caracterizado pela precariedade do emprego e pela preterição dos mais fracos (como passou a ser o recorrente em consequência das sequelas de que ficou permanentemente afetado).

19. Daí que afirmações como aquela que se transcreveu na conclusão 16ª só podem ser próprias de quem anda de costas voltadas para a realidade e para a vida.

20. Façamos, assim, com o muito respeito que tão nobre profissão se nos merece, o seguinte exercício mental: - será que para quem exerceu sempre e em exclusivo a nobre profissão de Juiz poderia ser reconvertido em pedreiro, padeiro, trolha ou carpinteiro por que apenas perdeu a sua capacidade crítica, a de pensar e/ou a de discernir, estando assim totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual?!!!

Ou será que se pode exigir do recorrente (como de qualquer outro lesado em consequência de um acidente de viação que fique a padecer de graves sequelas que o impeçam de exercer a única profissão que sempre exerceu) que passe a exercer uma profissão para a qual lhe seja exigido apenas esforço intelectual, uma vez que está demonstradamente impedido de exercer atividade laboral que imponha esforço físico?!!!

Com o devido respeito, e atento o estado atual do mercado de trabalho, pouco mais restaria ao recorrente se não andar a guardar as cabras sapadoras criadas pelo atual Governo…!

21. Apresentando, assim, o recorrente relevantíssimas limitações no uso do seu corpo que, naturalmente, se repercutem na realização das tarefas e gestos correntes do seu dia-a-dia, comprometendo a sua qualidade de vida, com o devido respeito, o Tribunal a quo melhor teria andado se lhe tivesse arbitrado a quantia que o mesmo peticionou a título de perda futura de ganho, fosse ela pura e simples perda futura de ganho, fosse ela a título de dano biológico na sua vertente patrimonial.

22. De todo o modo, e atendendo a tudo quanto se deixou referido no corpo das presentes alegações, sempre a quantia de 275.165,91 € encontrada de acordo com o critério utilizado no douto acórdão referido, se adequará à indemnização do recorrente pela perda futura de ganho, seja ela tout court, seja conjugada com o necessário e óbvio dano biológico na vertente patrimonial, que no presente caso assume contornos de séria gravidade.

23. Finalmente importa salientar que, como decorre do teor do acórdão em recurso, nenhuma matéria de facto sofreu a mais ténue alteração.

O Tribunal a quo entendeu, por que entendeu, que quer a compensação dos danos não patrimoniais, quer a indemnização pela perda futura de ganho tinham de ser reduzidas…!

Pelo exposto:

Deverá o acórdão recorrido ser revogado, e proferido douto acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça que condene a recorrida a pagar ao recorrente:

a) - A título de dano não patrimonial a quantia de 50.000,00 € e

b) - A título de perda futura de ganho a quantia de 275.165,91 € encontrada de acordo com o critério utilizado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães referido no corpo destas alegações, a qual melhor se adequará à indemnização dessa perda futura de ganho, assim se fazendo sã e acostumada Justiça.

6. Não foram apresentadas contra alegações.

7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.[1]

Cumpre, assim, apreciar e decidir se deve ser alterado o quantum indemnizatório pelo dano patrimonial futuro e pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A..


***


II – Fundamentação de facto


8. As instâncias deram como provado que:

1. Cerca das 20h30 do dia 22 de Julho de 2014, na Rotunda Marginal, em …, …, ocorreu um embate entre os veículos de matrícula ...-DL-..., ciclomotor, conduzido pelo demandante, seu proprietário e ...-...-VG, ligeiro de passageiros, conduzido pelo proprietário, BB.

2. O DL circulava pela E.N. 101 no sentido Braga-Vila Verde, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha, a uma velocidade não superior a 40 Kms por hora.

3. Ao chegar à referida Rotunda Marginal, que antecede a Ponte do …, depois de se certificar de que não circulava qualquer veículo no interior da mesma que pudesse conflituar com aquela sua manobra, entrou na rotunda e começou a contorná-la, com o intuito de depois seguir em direção a Vila Verde.

4. Por seu turno, o VG circulava pela rua que provém de … e entronca naquela Rotunda Marginal, nesse sentido, pretendendo o seu condutor, ao atingir a referida rotunda, seguir em direção a Vila Verde.

5. Quando passava em frente ao entroncamento da rua referida em 4º, o DL foi embatido na sua parte lateral direita pela parte da frente do VG, cujo condutor podia ver o DL a passar à sua frente.

6. Em consequência dessa colisão lateral, o Autor perdeu o controlo do DL, acabando este por invadir a berma do seu lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, onde acabou por se imobilizar no solo juntamente com o demandante, enquanto o VG se imobilizou imediatamente atrás do DL.

7. Em consequência do acidente, o demandante sofreu traumatismo do ombro esquerdo com luxação acrómio-clavicular direita.

8. Do local do acidente foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital de …, onde foi submetido a estudo radiológico e diagnosticada a luxação acrómio-clavicular acima referida.

9. Foi ali tratado conservadoramente, com a imobilização do membro superior direito, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso durante cerca de 2 semanas.

10. Foi, depois, chamado aos Serviços Clínicos a cargo da demandada no Hospital de … – …, a fim de ser observado, tendo-lhe ali sido dada indicação para realizar tratamento fisiátrico, o que veio a realizar no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de …, a expensas da demandada.

11. No dia 10.11.2014 efetuou RMN ao ombro direito, que revelou: sinais de disjunção traumática do acrómio-clavicular, com alargamento do espaço articular ocupado por líquido, associando edema medular ósseo tanto na extremidade clavicular como acromial. O componente do derrame distende tanto a vertente dorsal como a inferior; articulação gleno-umeral congruente mantendo contornos regulares; pequena rotura do tendão supra-espinhoso envolvendo a sua vertente anterior justa-inserção com cerca de 1 cm. Associa-se pequena distensão liquida da bursa subacrómio/subdeltoideia; rotura parcial do tendão subescapular com subluxação medial da porção cranial do tendão bicipital que apresenta acentuada tendinose com pequena zona de rutura intersticial na transição intra/extraarticular; pequeno derrame articular que se acumula no recesso subescapular.

12. Entretanto passou a ser seguido na Clínica de … – …, a expensas da demandada, onde lhe foi dada indicação para fazer fisioterapia, que realizou, de novo, no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de … .

13. No dia 20.01.2015 foi internado na Clínica de …  – … a fim de ser submetido a intervenção cirúrgica ao ombro direito, por lhe ter sido diagnosticado a existência de roturas musculares atingindo os músculos subescapular e supra-espinhoso, bem como lesões nos tendões da coifa dos rotadores.

14. Foi, então, ali submetido a artroscopia do ombro direito e permaneceu ali internado durante dois dias, após o que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso durante cerca de um mês.

15. Iniciou novo ciclo de fisioterapia no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de …, acabando por ter alta definitiva dos Serviços Clínicos da demandada em 20-08-2015.

16. Entretanto, no dia 29.04.2015, efetuou TAC ao ombro direito, que revelou: luxação acrómio-clavicular; deformação da cabeça do úmero com planificação lateral do grande trocânter e deslocamento anteromedial de fragmento cortical que avança sobre a cortical intacta da face anterior da cabeça do úmero; ligeira subida da cabeça do úmero na cavidade glenoide, reduzindo o espaço subacromial. Não há rotura da coifa dos rotadores.

17. No dia 26.07.2016 foi submetido a Electromiografia, que, em conclusão, revelou: défice de unidades motoras nos traçados de atividade voluntaria do músculo deltoide direito, compatíveis no contexto clinico em apreço com sequelas de lesão parcial do nervo axilar direito.

18. O demandante, por força das lesões sofridas e das sequelas de que ficou a padecer definitivamente passou a ser acompanhado na Consulta Externa de Psiquiatria.

19. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente de: rigidez do ombro, com mobilidade possível na flexão e abdução de 0° a 60°, na rotação interna de 0° a 60° e na rotação externa de 0° a 70°; hipotrofia do músculo deltoide; deformação do músculo bicípite durante a contração (sinal de Popeye); diminuição da força no membro superior, incluindo força de flexão e supinação do antebraço; cicatrizes (2) tróficas, normocrómicas, na face anterior do ombro, com 1,5x0,3 cm e 1x0,3 cm de maiores dimensões; dor no ombro direito, com irradiação para a região cervical e para o braço e antebraço, com parestesias e adormecimento da mão, durante a noite; hipostesia na face posterior do ombro direito; perturbação de stress pós-traumático, caracterizado por humor depressivo, desregulação do padrão de sono, labilidade emocional, isolamento social e ideação autodestrutiva e obsessiva e ruminações de morte.

20. As lesões sofridas provocaram-lhe um défice funcional temporário total de 6 dias e parcial de 1151 dias e um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7.

21. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32 pontos a partir de 20-09-2017, data da consolidação médico-legal das lesões

22. Sendo impeditivas do exercício da sua profissão habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

23. As mesmas sequelas provocam-lhe um dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 e uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer também de grau 3 numa escala de 1 a 7.

24. O demandante vai ter de recorrer, de forma permanente, a ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares, nomeadamente dois ciclos de 30 sessões de fisioterapia ao ombro direito.

25. A anteceder cada ciclo de fisioterapia o demandante vai ter de se submeter a uma consulta prévia de fisiatria.

26. As lesões sofridas pelo Autor provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento.

27. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.

28. Na altura do acidente era fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador, social e sociável.

29. Desde o acidente o Autor nunca mais foi capaz de pegar em pesos ou levantar objetos acima da linha do ombro direito, o que lhe causa tristeza e amargura por se sentir um inútil para si e para a sua família.

30. Passou a ser uma pessoa triste, fechada, revoltada com toda a situação em que se encontra por força das identificadas sequelas.

31. À data do acidente dos autos, exercia a profissão de ..., com um rendimento mensal ilíquido de 788,00 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 80,00 €, 11 vezes por ano.

32. A partir de 01.10.2014 o rendimento mensal do demandante passou para a quantia de 816,00 €, também 14 vezes por ano, mantendo-se inalterado o subsídio de alimentação.

33. Por causa do acidente dos autos e desde a sua eclosão, o Autor não mais trabalhou, não obstante ter tentado, tendo deixado de auferir os respectivos salários, subsídios de férias, de Natal e de alimentação.

34. O Autor recebeu da demandada, a título de perdas salariais, a quantia de 4.923,33 €.

35. O Autor nasceu no dia … de Agosto de 1968.

36. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90... 70, em vigor à data do sinistro, o proprietário do VG havia transferido para a Ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do mesmo.


***


III – Fundamentação de direito

9. Do quantum indemnizatório

De harmonia com o disposto no art. 483º, n.º 1, do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Deste dispositivo legal retira-se que a responsabilidade civil extracontratual pressupõe um facto voluntário e ilícito, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Na presente revista não é questionada a verificação dos aludidos pressupostos, estando apenas em causa a fixação do montante indemnizatório, nos termos suscitados nas conclusões do recurso.

Vejamos, pois.

Estabelece-se no art. 564º, do Código Civil que:

“1 - O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão;

2 - Na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”.

Por sua vez, a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (cf. art. 562º, do CC).

Não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro (cf. art. 566º, nº1, do CC).

E, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará segundo a equidade, conforme preceitua o nº3, do art. 566º, do Código Civil.

No que respeita à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, como sucede in casu, importa ainda ter presente que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil e que os critérios e valores constantes da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, muito embora possam ser ponderados pelo julgador, têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros.


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9.1. Sendo este, em linhas gerais, o quadro normativo a considerar, analisemos a questão suscitada na revista atinente ao dano patrimonial por perda da capacidade de ganho e dano biológico, decorrente do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer, em consequência do acidente descrito nos autos.


A este título, o acórdão recorrido, reduzindo o montante arbitrado na 1ª instância (€180.000,00) para compensar o mesmo dano, fixou a indemnização em € 150.000,00.

O recorrente insurge-se contra esta decisão, pretendendo que se fixe a indemnização pela perda futura de ganho e dano biológico em € 275.165,91.

Pois bem.

Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização por danos futuros, deve a mesma calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer; e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C.

Foi, precisamente, com base na equidade que o Tribunal da Relação fixou os montantes indemnizatórios, aqui em causa.


Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões, “o julgamento de acordo com a equidade envolve um juízo de justiça concreta e não um juízo de justiça normativa, razão por que a determinação do quantum indemnizatório não traduz, em rigor, a resolução de uma questão de direito.


Neste contexto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça deve reservar-se à formulação de um juízo crítico de proporcionalidade dos montantes decididos em face da gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos.


A sua apreciação cingir-se-á, por conseguinte, ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado”.[2]


Vejamos, então.

Na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, maxime do Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução.[3]

Quer isto significar que, tal como se referiu no ac. do STJ de 26.1.2017 (proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”.

Em suma:

Para além de danos de natureza não patrimonial, a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é suscetível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expetável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.

Nesta perspectiva, para determinar a indemnização pelos danos patrimoniais futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:[4]

- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;

- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem. Em todo o caso, e tal como se considerou no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 19.4.2018, revista nº 196/11.6TCGMR.G2.S1, (Relator: António Piçarra), disponível em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.”;

- Como salário relevante a considerar, deve ter-se em conta o valor líquido auferido pelo lesado, por assim o exigir a teoria da diferença, consagrada no nº 2 do artigo 566º do Código Civil. Note-se que, estando em causa em causa descontos obrigatórios, por inerência legal, a ponderação do salário líquido é apenas uma decorrência do que foi apurado no âmbito da decisão de facto.

Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa média de vida de uma pessoa do sexo masculino (que, em Portugal, segundo os últimos dados do INE, se situa em 77/78 anos) e ao período de vida ativa (em regra, até aos 70 anos), bem como à natural progressão na carreira e ao previsível impacto na massa salarial a receber.

No caso concreto, para a decisão da questão em análise, importa relevar:

- O défice funcional permanente de 32 pontos, sem esquecer que as sequelas de que o autor ficou a padecer definitivamente o impedem de exercer a sua profissão habitual, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional (cf. pontos 21 e 22, dos factos provados).

De notar que, não obstante não se tratar de uma incapacidade total, as limitações que o autor apresenta, associadas à sua idade (49 anos, em 20.9.2017, data da consolidação das lesões) e às crescentes exigências do mercado laboral, permitem formular um juízo de prognose muito reservado quanto à obtenção de emprego, no futuro, ainda que noutro ramo de atividade, pelo menos com a estabilidade daquele que possuía e que, não fora o acidente, provavelmente manteria (cf. ponto 33, dos factos provados).

- A idade do autor (tinha 45 anos, à data do acidente) e os demais vectores acima referidos para projetar o rendimento perdido;

- Os proventos auferidos: à data do acidente dos autos, exercia a profissão de …, com um rendimento mensal ilíquido de € 788,00 (14 vezes por ano), acrescido do subsídio mensal de alimentação de € 80,00 (11 vezes por ano) – cf. ponto 31 dos factos provados;

- A partir de 01.10.2014 o rendimento mensal ilíquido do demandante passou para a quantia de € 816,00 (14 vezes por ano), mantendo-se inalterado o subsídio de alimentação - cf. ponto 32 dos factos provados;

- A redução do capital que assim se obtiver, em resultado da sua entrega antecipada, para que o valor encontrado corresponda a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinga no final do período provável de vida deste.

Neste quadro factual, tudo ponderado, afigura-se-nos ser mais acertado o montante indemnizatório de € 200.000,00, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico).

Procede, pois, nesta parte, ainda que parcialmente, o recurso.


***


9.2. A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve, como se sabe, atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1, do CC).

O seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494º, do CC (art. 496º, n.º 3, do CC), ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo, os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência.

Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder atualísticamente ao comando do artigo 496º, do CC e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.

Como afirma Mota Pinto[5], os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano e compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.

Posto isto.

O acórdão recorrido fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 40.000,00.

Na revista, o autor pugna pela atribuição do valor fixado na 1ª instância, ou seja, € 50.000,00.

No caso em análise, com particular relevo para a decisão desta questão, há que ter em consideração o período de imobilização (cf. pontos 9 e 15, dos factos provados); os exames médicos e tratamentos a que foi submetido, em particular os vários ciclos de fisioterapia (cf. pontos 10, 11 e 15, dos factos provados); a intervenção cirúrgica a que foi sujeito (cf. ponto 13, dos factos provados); o internamento hospitalar (cf. ponto 14 dos factos provados); o défice funcional permanente fixado em 32 pontos de que ficou a padecer permanentemente (cf. ponto 21, dos factos provados); as dores físicas muito intensas sofridas, valoradas em grau 5 numa escala de 1 a 7 e as que vai continuar a sofrer durante toda a sua vida (cf. pontos 20, 26 e 27, dos factos provados); o dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7 e a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer, também de grau 3 numa escala de 1 a 7 (cf. ponto 23, dos factos provados);o rebate sofrido em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas de que ficou a padecer definitivamente, designadamente por não poder voltar exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional (cf. pontos 18, 22, 29 e 30, dos factos provados); a sua idade à data do sinistro (45 anos e 11 meses).

Neste contexto, afigura-se-nos equilibrado e adequado às circunstâncias do caso concreto fixar a indemnização, a título de dano não patrimonial, em € 50.000,00.


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IV – Decisão

10. Nestes termos, concedendo parcial provimento à revista, acorda-se em condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 200.000,00, a título de indemnização pelo dano patrimonial decorrente de perda de ganho e dano biológico e de € 50.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos, no mais mantendo o decidido no acórdão recorrido.

Custas por A. e R., na proporção do decaimento.


Lisboa, 19.9.2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

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[1] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).
[2] Cf. o ac. STJ de 14.12.2017, Revista nº 589/13.4TBFLG.P1 (Fernanda Isabel Pereira).
[3] cf., a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 28/01/2016, proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, o ac. do STJ de 4/06/2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, bem como os acórdãos deste mesmo Tribunal ali mencionados, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cf., entre muitos, o ac. deste STJ de 23.5.2019, Revista nº 1046/15.0T8PNF.P1.S1, de que foi Relator o  Conselheiro Oliveira Abreu e que aqui intervém como 1º Adjunto.
[5] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 115.