Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃOJSTJ000 | ||
Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL TRIBUNAIS PORTUGUESES REGULAMENTO (UE) 1215/2012 IMPUGNAÇÃO PAULIANA SIMULAÇÃO BEM IMÓVEL | ||
Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I – Assentando a causa de pedir neste autos na alegada existência do vício de nulidade, por simulação, e no instituto da impugnação pauliana, relativamente ao negócio jurídico celebrado em Portugal entre a vendedora, residente na Namíbia, e a sociedade adquirente, sediada nesse mesmo país, tendo por objecto bens imóveis sitos na Madeira, a discussão desta matéria não tem a ver directamente com o fenómeno sucessório entretanto aberto por morte da transmitente, que se coloca em momento logicamente posterior e autónomo em relação à dita invalidade (ou à ineficácia) do negócio jurídico impugnado, embora possa vir a ter inerentes e consideráveis reflexos (mediatos) no que tange à composição do acervo hereditário respectivo. II – Assim sendo, a competência internacional do tribunal português para o conhecimento da causa estriba-se, em primeiro lugar, no Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, uma vez que estamos perante uma discussão sobre matéria civil (concretamente sobre a (in)validade de contrato de compra e venda celebrados entre particulares). III - Nesta mesma medida, torna-se forçoso excluir a aplicação do Regulamento (UE) nº 650/2012, de 4 de Julho de 2012, para aferir da competência internacional dos tribunais portugueses, dado que a discussão desenvolvida nos autos não incide sobre matéria de natureza sucessória. IV - Excepcionando a situação das acções que estejam previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, constitui condição de aplicabilidade das regras contidas neste Regulamento que o demandado tenha domicílio num Estado Membro da União Europeia. V – Sendo a acção instaurada por portugueses, residentes em território nacional; não residindo o réu num dos Estados-Membro da União Europeia (in casu, trata-se de uma sociedade sediada na Namíbia); havendo sido realizado em Portugal o negócio jurídico impugnado por nulidade e acção pauliana (compra e venda de imóveis alegadamente simulada); situando-se no nosso país os bens imóveis que constituíram o seu objecto, a competência internacional dos tribunais portugueses é deferida em estreita conformidade com o preceituado no art. 62º, alínea b), do Código de Processo Civil (isto é, ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram). VI – Pelo que assiste na situação sub judice competência internacional aos tribunais portugueses para o conhecimento da causa, não se verificando a excepção de incompetência absoluta oportunamente suscitada pela Ré. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 3902/19.7T8FNC.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção). I - RELATÓRIO. AA e BB, residentes na Rua ..., em ..., Portugal, instauraram em 30 de Julho de 2019 no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, acção declarativa, com processo comum, contra Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited, com sede na República da Namíbia. Alegaram essencialmente: As AA. são herdeiras de CC, sua tia, falecida em .../.../2017, em ..., na República da Namíbia, com última residência habitual em ... ..., no estado de viúva, sem descendentes nem ascendentes. CC instituiu herdeira sua irmã, DD, por testamento público outorgado em 9 de Agosto de 2006. À data do óbito da CC, DD já havia falecido em .../.../2014, deixando como únicos herdeiros as AA., EE, e FF. Após o óbito da tia, as AA. e os irmãos deslocaram-se à Madeira para apurarem o património da tia, e vieram a constatar que os bens imóveis ali situados de que era proprietária estavam todos registados a favor da R. desde Outubro de 2013. Em Outubro de 2013, a falecida CC viu-se confrontada com a possibilidade do BCP avançar com uma acção contra si, com vista ao pagamento da quantia total de €4.083.523,27. Perante o risco de perder todo o seu património, constituiu, em 28 de Janeiro de 2013, a R., com sede na Namíbia, onde tinha a sua residência, com o objeto social de compra e venda de imóveis, pretendendo simular a transferência de todo o seu património situado na Madeira para a sociedade, de forma a enganar o Banco e evitar que este o pudesse penhorar. Em 21 de Outubro de 2013, mediante escritura pública celebrada no Cartório Notarial de GG, a falecida vendeu todos os seus imóveis situados na Madeira à R. Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited. Até 2015 a falecida vinha com regularidade à Madeira para se pôr a par da situação dos imóveis, e sempre teve procuradores que a representavam na sua ausência. Os seus familiares sabiam que tinha simulado a venda, e a falecida manteve-se sempre na posse pública, ininterrupta e pacífica dos imóveis, pagando todas as suas despesas, utilizando contas bancárias de que dispunha na Madeira. A falecida nunca pretendeu vender os imóveis, o valor de compra declarado na escritura é substancialmente inferior ao valor de mercado, e aquela não o recebeu. A R. Sinco Investments Fifty Three (Proprietary), Limited nunca exerceu qualquer actividade, apenas praticou aquele acto isolado, nunca obteve rendimentos, e só após a morte da CC apresentou declarações anuais de rendimento. Em 29 de Novembro de 2018, o mandatário dos herdeiros da CC constituído na Namíbia, comunicou ao Supremo Tribunal de ... que os imóveis localizados em Portugal que pertenciam àquela tinham sido transferidos para a R. e que essa transferência estava reflectida na contabilidade desta. Os AA. vieram a ter conhecimento que, após a morte da CC, a gerente da sociedade indicada por esta, HH, transferiu a quota única da R. para seu nome, o que nunca foi autorizado pela falecida. Aproveitando a morte da CC, a referida HH está a tentar dissipar os referidos imóveis pertencentes ao acervo hereditário, tendo-os colocado à venda na imobiliária ERA por valores bem superiores ao que consta da escritura. Concluíram pedindo que: a) se declare nula, por simulada, a escritura de compra e venda de 21 de Outubro de 2013; b) se declare inexistente o direito de propriedade da Ré sobre os imóveis constantes da escritura celebrada em 21 de Outubro de 2013; c) seja ordenado o cancelamento dos registos de aquisição efetuados a favor da R. na sequência da escritura de compra e venda celebrada em 21 de Outubro de 2013, e de quaisquer registos subsequentes que tenham sido realizados sobre esses imóveis após essa data. Regularmente citada, a R. contestou, por exceção, invocando, no que ora importa, a incompetência absoluta do tribunal para conhecer da acção, e a ilegitimidade das AA. Convidadas a pronunciarem-se sobre as exceções deduzidas, responderam as AA. pugnando pela sua improcedência. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as invocadas excepções de incompetência absoluta, e de ilegitimidade activa. Apresentou a Ré recurso de apelação que veio a ser julgado, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 31 de Maio de 2022, parcialmente procedente a apelação, nos seguintes termos: “a) mantém-se a decisão recorrida quanto à competência internacional do tribunal para conhecer da ação; b) revoga-se a decisão recorrida que julgou as AA. parte legítima, devendo o tribunal recorrido proferir despacho a convidá-las a suprir a verificada preterição de litisconsórcio necessário activo”. Veio a Ré interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: I - No dia 9 de Agosto de 2006, no Cartório Notarial ..., CC declarou: “Que institui herdeiro universal dos seus bens seu marido II também conhecido por II consigo residente; E, em caso de morte simultânea ou de predecesso deste, asua irmã DD (…)” – cfr. documento de fls. 17 verso a 18); II - Posteriormente, por escritura lavrada no dia vinte e um de Outubro do ano de dois mil e treze, exarada a folhas cento e trinta e dois e seguintes do cartório notarial da Doutora GG, sito no Largo ..., em ..., concelho ..., a falecida CC vendeu à recorrente, os seis imóveis aí identificados, todos situados na Ilha da Madeira, de onde aquela era natural, continuando a ser dona dos imóveis que ficavam situados na Namíbia e na África do Sul; III - No dia 10 de Outubro de 2015, mediante testamento escrito celebrado em 10 de Outubro de 2015, em ..., República da Namíbia, CC declarou revogar todas as vontades anteriormente efetuadas por si, em relação ao seu património Namibiano, bem como que esta era a sua ultima vontade e testamento; IV - CC nasceu em .../.../1937, na freguesia ..., concelho ..., na ... e faleceu no dia .../.../2017, com 80 anosde idade, no estado de viúva de II, em ..., na República da Namíbia, onde teve a sua última residência habitual em ... ... (cfr. documento de fls. 20 verso e 21). V - No dia nove de Maio do ano de 2018, com base no testamento acima referido, feito no dia nove de Agosto de dois mil e seis, mediante escritura pública de “Habilitação” lavrada em 9 de Maio de 2018 no Cartório Notarial ..., sito na Rua -A, ..., ..., JJ, KK e LL declararam que “têm perfeito conhecimento de que aos doze dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e sete, em ..., República da Namíbia, onde teve a sua última residência em ... ..., faleceu, sem descendentes ou ascendentes vivos, CC, natural da freguesia ..., concelho ..., no estado de viúva de II. Que, a falecida deixou testamento público, lavrado aos nove dias do mês de agosto do ano de dois mil e seis, iniciado a folhas dez do competente livro de notas número três – A, do extinto Cartório Notarial ... sito no ..., a cargo do Notário MM, atualmente incorporado no arquivo do Cartório Notarial ... a cargo da Notária NN, pelo qual instituiu como herdeiro universal, a irmã DD. Que a falecida não fez outro testamento ou qualquer outra disposição de bens por morte. Que, tendo a autora da herança nacionalidade portuguesa e tendo feito testamento antes da entrada em vigor do Regulamento Europeu das Sucessões, Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, mas por aplicação retroativa, nos termos do artigo 83ºdo dito Regulamento, a lei aplicável à sucessão é a lei portuguesa. Que, à data do óbito da identificada CC a herdeira testamentária, DD, já havia falecido, no dia sete do mês de Fevereiro doano de dois mil e catorze, tendo deixado como únicos descendentes,com direito de representação, nos termos do número 1, do artigo 2041º“; VI - E é exactamente com base na supra-identificada escritura de habilitação, que teve na sua origem no testamento feito no dia nove de Agosto do ano de dois mil e seis, que as recorridas pretendem agora impugnar a referida escritura de compra e venda, feita pela falecida CC, no passado dia 21 de Outubro de .2013, a favor da ora recorrente, sob o argumento de que a mesma foi simulada; VII - As recorridas pretendem que os bens vendidos em Portugal pela falecida CC no passado dia 21 de Dezembro de 2013, voltem para o acervo hereditário desta, como expressamente alegam no artigo 56º da sua douta petição inicial: “ ………pertencentes ao acervo hereditário de CC”; VIII - A falecida CC faleceu sem deixar ascendentes, nem descendentes, pelo que não tinha herdeiros legitimários; IX - Como é evidente, a todas as luzes evidente, o conteúdo da escritura de habilitação lavrada no dia nove de Maio do ano de dois mil e dezoito, (conclusão V) não corresponde à verdade, é falso, é nulo, uma vez que no dia 10 de Outubro de 2015, em ..., República da Namíbia, a CC celebrou um testamento e já anteriormente tinha feito um outro testamento; X - Destes autos consta a informação do Mestre do Supremo Tribunalda República da Namíbia, datada de 2 de Fevereiro de 2019, no sentido de que o testamento de CC, datado de 19 de Outubro de 2015, foi registado e aceite, revogando o anterior datado de 29 de Março de 2012 (cfr. documento de fls. 328); XI - O advogado das autoras/recorridas na Namíbia, dirigiu ao Supremo Tribunal daquele País, a seguinte carta: “Assunto: Património da Falecida.(…) Tenha, por favor em atenção, que atuamos em representação dos legítimos herdeiros do património da falecida CC, cujo património tem a seguinte referência do Tribunal: 161/20..., cujos herdeiros são OO, BB, AA e EE; XII - Importa chamar a atenção deste Tribunal, que a senhora notária que celebrou a referida escritura de habilitação, conhecedora do citado Regulamento Europeu, teve o cuidado de esclarecer os outorgantes da mesma, que : “Que a falecida não fez outro testamento ou qualquer outra disposição de bens por morte. Que, tendo a autora da herança nacionalidade portuguesa e tendo feito testamento antes da entrada em vigor do regulamento Europeu das Sucessões, Regulamento (EU) nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, mas por aplicação retroactiva, nos termos do artigo 83º, do dito Regulamento, a lei aplicável à sucessão é a lei portuguesa “; XIII - De forma ardilosa e propositadamente, os outorgantes da referida escritura de habilitação omitiram os testamentos realizados na Namíbia, porque sabiam que se aí declarassem a verdade, a mesma não podia ser celebrada em Portugal e segundo a lei portuguesa; XIV - Com a presente acção de impugnação da venda feita pela falecida CC a favor da ora recorrente, no passado dia 21 de Outubro de 2013, as recorridas pretendem que os imóveis aí alienados, voltem ao acervo hereditário daquela; XV - De acordo com a lei Portuguesa, a solução jurídica para o presente problema, está prevista no artigo 2316º do C Civil e não no artigo 242, nº 1, daquele diploma, uma vez que estamos a discutir, uma venda feita pelo testador, após este CC ter feito um testamento; XVI - O código Civil Português trata a matéria do seu artigo 2316º, como sendo uma questão de SUCESSÕES; XVII - A matéria do artigo 2316º do C Civil aparece tratada por todos os autores portugueses, nos livros que versam sobre heranças, testamentos, doações e sucessões; XVIII - Face ao acabado de expor, não pode haver dúvidas de que a presente acção de impugnação da venda feita pela falecida CC no passado dia 21.10.2013, a favor da recorrente, tem na sua essência, na sua base, uma questão de sucessão de bens, pois o que se pretende, em primeiro lugar, é que os mesmos voltem ao acervo hereditário daquela; XIX - No testamento feito na Namíbia, a testadora não se refere aos imóveis situados na Ilha da Madeira, porque no dia 19 de Outubro do ano de dois mil e quinze, data da feitura do mesmo, aqueles já não lhe pertenciam, uma vez que tinham sido vendidos à recorrente, sendo que essa questão, a ser colocada, tem de ser discutida naquele País; XX - Para resolver a questão das sucessões a nível UNIVERSAL, no dia dezassete de Agosto do ano de dois mil e quinze, entrou em vigor o Regulamento da EU nº 650/2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, à aceitação e execução de actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, sendo esta lei, repere-se, é deaplicação Universal. XXI - De acordo com essa lei, a legislação competente para dirimir todos os problemas sucessórios do falecido, é o PAÍS onde este tinha a sua residência habitual; XXII - No presente caso, não há qualquer dúvida de que a falecida CC quando faleceu, tinha a sua residência habitual no País conhecido por Namíbia: “FACTO B) DO SANEADOR, ADMITIDO POR ACORDO DAS PARTES” - CC nasceu em .../.../1937, na freguesia ..., concelho ..., na ... e faleceu no dia .../.../2017, com 80 anosde idade, no estado de viúva de II, em ..., na República da Namíbia, onde teve a sua última residência habitual em ... ... (cfr. documento de fls. 20 verso e 21). XXIII - Logo, de acordo com os artigos 21 e 23 do citado Regulamento Europeu nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012, a lei competente para dirimir o presente conflito, é a lei da Namíbia; XXIV- O processo de partilha dos bens deixados pela falecida CC já está a decorrer nos Tribunais da Namíbia, ou seja, esses Tribunais já preveniram a competência para decidir todas as questões relacionadas com o acervo hereditário daquela; XXV - As recorridas sabem que assim é, pois foram contempladas no testamento feito na Namíbia no dia 10/10/2015, pela falecida CC, constituíram mandatário e intervieram activamente nesse processo de partilhas, a decorrer nos tribunais naquele País, não lhes sendo difícil agora, discutir a presente questão, naquelas instâncias judiciais; XXVI - Ao considerar que os Tribunais Portugueses são os competentes para conhecer do presente conflito, o tribunal recorrido, violou, por erro de interpretação, os artigos 21 e 23 do Regulamento da EU nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012, que entrou em vigor no dia dezassete de Agosto do ano de dois mil e quinze. Não houve resposta. II – FACTOS PROVADOS. Os indicados no RELATÓRIO supra. |